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James Racheis
A filosofia sem argumento seria como um exercício sem vida. Que bem poderia
produzir uma teoria se não houvesse razões para pensar que ela é correta? E
qual o interesse de rejeitar uma teoria se não houvesse boas razões para pensar
que ela é incorreta? Uma ideia filosófica é exatamente tão boa quanto o argu-
mento que a apoia.
Portanto, se quisermos pensar claramente sobre questões filosóficas, temos
que aprender alguma coisa sobre avaliação de argumentos. Nós temos que apren-
der a distinguir entre os bons e os maus argumentos. Isso pode ser algo tedioso,
mas é indispensável se quisermos ficar perto dos gritos da verdade.
ARGUMENTOS
No inglês ordinário, a palavra argumento (argument) significa, frequentemente,
disputa e há na palavra uma insinuação de desprazer. Esse não é o modo como a
palavra é usada aqui. No sentido lógico, um argumento é uma cadeia de razões
desenhada para provar alguma coisa. Ele consiste em uma ou mais premissas e
uma conclusão, juntamente com a pretensão de que a conclusão siga das pre-
missas. Aqui está um argumento simples. O exemplo não é em si mesmo parti-
cularmente interessante, mas ele é pequeno, claro e nos ajudará a compreender
os pontos principais que necessitamos entender.
que a conclusão "segue das" premissas? Significa que uma certa relação lógica
existe entre as premissas e a conclusão, a saber, que, se as premissas forem ver-
dadeiras, então, a conclusão tem de ser também verdadeira. (Um outro modo
de colocar a mesma questão seria: a conclusão segue das premissas se, e somen-
te se, for impossível para as premissas serem verdadeiras e a conclusão falsa, ao
mesmo tempo.) No exemplo (1), nós podemos ver que a conclusão segue das
premissas. Se for verdade que todos os homens são mortais e Sócrates for um
homem, então, tem de ser verdade que Sócrates é mortal. (Ou é impossível que
seja verdadeiro que todos os homens sejam mortais, que seja verdadeiro que
Sócrates é um homem e seja falso que Sócrates seja mortal.)
No exemplo (1), a conclusão segue das premissas e as premissas são de
fato verdadeiras. Porém, a conclusão de um argumento pode seguir das pre-
missas mesmo se as premissas não forem realmente verdadeiras. Considere este
argumento:
CETICISMO MORAL
O ceticismo moral é a ideia de que não há uma tal coisa como verdade moral
objetiva. Não é somente a ideia de que nós não podemos conhecer a verdade
sobre o certo e o errado. É a ideia mais radical de que, quando se trata da ética,
a "verdade" não existe. O ponto essencial pode ser colocado de muitas maneiras
diferentes. Pode-se dizer que:
~
Claro, esse argumento não é válido. Nós não podemos concluir que o
mundo não tem forma simplesmente porque nem todo mundo concorda com
qual forma ele tem. O mesmo pode ser dito sobre o argumento da diferença
cultural: nós não podemos nos mover de forma válida de premissas sobre o que
as pessoas acreditam para uma conclusão sobre como as coisas são, porque as
pessoas - mesmo sociedades inteiras - podem estar erradas. O mundo tem uma
forma definida e os que pensam que ela seja plana estão errados. Similarmente,
o infanticídio pode ser objetivamente errado (ou não errado) e os que pensam
diferentemente podem estar enganados. Logo, o argumento da diferença cultu-
ral não é válido e, portanto, não providencia apoio legítimo para a ideia de que
a "verdade moral,, é só uma ilusão.
Há duas reações comuns a essa análise. Essas reações ilustram armadilhas
nas quais as pessoas frequentemente caem.
1. A primeira reação é mais ou menos a seguinte: muitas pessoas acham
a conclusão do argumento da diferença cultural muito atraente. Isso torna di-
fícil para elas acreditar que o argumento é inválido - quando é apontado que o
argumento é falacioso, tendem a responder: "certo e errado são somente uma
questão de opinião!,: Elas cometem o erro de pensar que, se rejeitamos um ar-
gumento, estamos impugnando a verdade de sua conclusão. Mas não é assim.
Relembre o exemplo (3) anterior: ele ilustra como um argumento pode ter uma
conclusão verdadeira a ainda assim ser um mau argumento. Se um argumento
é ruim, então ele falha em providenciar uma razão para pensar que a conclusão
seja verdadeira. A conclusão pode ainda ser verdadeira - isso permanece uma
questão aberta -, mas o ponto é justamente que um argumento ruim não lhe
dá apoio.
2. Poderia objetar-se que não é equitativo comparar a moralidade com
uma questão obviamente objetiva como a forma da Terra, porque nós podemos
provar qual a forma que a Terra tem por métodos científicos. A moralidade é
diferente. Não há meio de provar que uma opinião moral é verdadeira ou falsa.
Essa objeção perde o ponto. O argumento da diferença cultural tenta deri-
var a conclusão cética sobre a moralidade de um certo conjunto de fatos, a saber,
fatos sobre discordâncias culturais. Essa objeção sugere que a conclusão pode-
ria ser derivada de um conjunto de fatos diferentes, a saber, fatos sobre o que é
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e o que não é provável. Ele sugere, com efeito, um argumento diferente, o qual
poderia ser formulado deste modo:
(6) Se o infanticídio (ou qualquer outra coisa, para tal questão) for obje-
tivamente certo ou errado, então, deveria ser possível provar que ele é
certo ou errado.
Porém, não é possível provar que o infanticídio é certo ou errado.
Portanto, o infanticídio não é nem objetivamente certo nem objeti-
~
fazendo. E fácil pensar que, se os juízos morais são "não passíveis de provà:
então o argumento da diferença cultural é fortalecido. Mas não é. O argumento
(6) meramente introduz um conjunto diferente de questões. É importante deli-
mitar um argumento e avaliá-lo tão cuidadosamente quanto possível, antes de
passar para considerações diferentes.
(7) Se houvesse uma tal coisa como verdade objetiva na ética, nós deve-
ríamos ser capazes de provar que algumas opiniões morais são verda-
deiras e outras falsas.
Porém, de fato, nós não podemos provar quais opiniões morais são
verdadeiras e quais são falsas.
Logo, não há uma tal coisa como verdade objetiva na ética.
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Mais uma vez, temos um argumento com certo apelo superficial. Mas suas
premissas são verdadeiras? E a conclusão realmente segue delas? Parece que a
conclusão segue, logo, a questão crucial será se as premissas são de fato verda-
deiras.
A pretensão geral de que os argumentos morais não podem ser provados
parece correta: qualquer um que tenha argumentado sobre uma questão como
o aborto sabe quão frustrante pode ser tentar "provar" que o ponto de vista de
alguém é correto. Porém, se inspecionarmos essa pretensão mais de perto, ela
pode ser questionada.
Suponha que consideremos uma questão mais simples do que o aborto.
Um estudante diz que um teste dado por um professor não foi equitativo. Isso
é claramente um julgamento moral - equidade é um valor moral básico. Pode
o estudante provar que o teste foi não equitativo? Ele pode mostrar que o teste
foi tão longo que nem mesmo os melhores estudantes puderam completá-lo no
tempo permitido (o teste foi feito sob a pressuposição de que poderia ser com-
pletado). Ademais, o teste cobriu matérias triviais, ao mesmo tempo em que
ignorou matérias que o professor tinha acentuado como importantes. Final-
mente, o teste incluiu questões sobre algumas matérias que não foram tratadas,
nem nas leituras recomendadas, nem nas discussões de classe.
Suponha que tudo isso seja verdadeiro. Ademais, suponha que o pro-
fessor, quando foi questionado a respeito, não teve defesa a oferecer. (De
fato, o professor pareceu confuso sobre todas as coisas e pareceu não ter
qualquer ideia do que estava fazendo.) Agora, o estudante não provou que
o teste foi não equitativo? O que mais poderíamos querer como meio de
prova?
É fácil pensar em outros exemplos que apontam para a mesma questão:
• fones é um homem mau: para provar isso, pode-se apontar que Jones é
um mentiroso habitual; ele manipula as pessoas; engana quando pensa
que não pode ser descoberto; é cruel com outras pessoas e assim por
diante.
• O dr. Smith é irresponsável: ele baseia seus diagnósticos em conside-
rações superficiais; bebe cerveja antes de fazer cirurgias delicadas;
recusa-se a dar ouvidos aos conselhos dos outros médicos e assim por
diante.
• Um certo vendedor de carros usados é antiético: ele oculta defeitos em
seus carros; explora pessoas pobres pressionando-as a pagar preços altos
por carros que sabe que são defeituosos; faz propaganda enganosa na
internet e assim por diante.
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Suponha que você esteja discutindo uma questão moral com um amigo.
Você tem razões perfeitamente cogentes em apoio a sua posição, ao passo que ele
não tem boas razões ao seu lado. Ainda mais, ele se recusa a aceitar a sua lógica
e continua a insistir que está correto. Essa é uma experiência comum, mesmo
frustrante. Você pode ser tentado a concluir que é impossível provar que está
certo. Porém, isso seria um engano. A sua prova pode ser impecável. O problema
pode ser que o seu amigo esteja sendo teimoso. (Naturalmente, essa não a única
explicação do que está acontecendo, mas é uma explicação possível.) A mesma
coisa pode acontecer em qualquer tipo de discussão. Você pode argumentar sobre
desenho inteligente versus evolução e a outra pessoa pode ser não razoável. No
entanto, isso não significa necessariamente que alguma coisa está errada com seus
argumentos. Alguma coisa pode estar errada com a outra pessoa.
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CONCLUSÃO
Nós examinamos dois dos argumentos mais importantes em apoio ao ceticismo
moral e vimos que esses argumentos não são bons. O ceticismo moral ainda po-
deria ser verdadeiro, mas, se fosse, argumentos melhores teriam de ser encon-
trados. Provisoriamente, ao menos, temos de concluir que o ceticismo moral
não é, olhado de perto, tão plausível quanto tínhamos pensado.
O objetivo desse exercício, contudo, foi ilustrar o processo de avaliar ar-
gumentos filosóficos. Nós podemos resumir o que aprendemos sobre avaliar
argumentos deste modo: