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O Certo e o Errado

Mas, se o facto de uma acção estar errada é uma razão para não ser realizada e as
tuas razões para fazeres coisas dependem das tuas motivações, uma vez que as
motivações das pessoas podem variar muito, então parece que não pode haver um
conceito único de certo e errado para toda a gente. Não haverá um conceito único
padrão básico de comportamento que todas as pessoas tenham motivos para seguir.
(NAGEL, 1987: 65)

Neste artigo pretendo discutir as crenças e constatações que envolvem os conceitos de


certo e de errado, do ponto de vista moral e ético. Indagar, por exemplo, a suposição de que uma
pessoa possa realizar um bom feito, como salvar uma vida, a partir de uma atitude taxada como
moralmente incorreta; do contrário, questionar se algumas atitudes vistas amplamente por uma
comunidade como moralmente correta pode, em determinadas situações, gerar consequências
negativas para outros. Pretendo discutir os conceitos e diretrizes que levam à definição, em
diferentes culturas, do certo e do errado.

Se pedisse para uma pessoa me definir o que é o certo e o que é o errado, poderia receber a
constatação de que certo é aquilo que lhe faz bem, e o errado é o que lhe faz mal. Ou de que o
certo é o que lhe respeita a integridade física, mental e espiritual. Ou que respeita as regras como
leis, governamentais ou não, enquanto o errado as desrespeita. De modo análogo eu poderia ouvir
que o certo é aquilo que está de acordo com os direitos humanos, e então surgiria adjacentemente
a necessidade de enumeração dos direitos humanos¹.

Seguindo este raciocínio a respeito do certo e do errado, é possível constatar que esses dois
conceitos dependem de toda uma sistematização de regras. Dependem, no contexto em que estão
sendo aplicados nesse texto, de um conjunto de regras que direcionem o julgamento de atitudes e
situações humanas no sentido a favor das regras ou no sentido que as viola; no sentido certo ou no
sentido errado. Essas duas significações antitéticas, dessa forma, se fazem subjetivas e
dependentes de uma moral, de uma ética², de tal forma que a única constatação aparentemente
¹ A Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão foi redigida no contexto da Revolução Francesa
e serviu como tentativa de definição dos direitos individuais inerentes a qualquer ser humano.

² Neste momento, me refiro à moral e à ética como termos sinonímicos.

sustentável a respeito do certo e do errado seja a de que constituem proposições antitéticas.

À pergunta inicialmente proposta, citarei algumas concepções que a tentaram solucionar.

Com base em pensamentos de Jeremy Bentham e Stuart Mill, fez-se o utilitarismo. Um


utilitarista provavelmente me afirmaria que o moralmente correto é aquilo que maximiza,
potencializa a felicidade dos concernidos (é importante que o máximo de concernidos seja
considerado); uma ação que degrada a felicidade dos envolvidos é imediatamente tida como
moralmente equivocada. Assim, imaginemos a situação hipotética em que duas pessoas raptassem
um homem para então escravizá-lo em uma plantação de algodão. O desdobramento seria
possivelmente financeiramente positivo para os que escravizam, mas representaria uma atitude
moralmente equivocada se tomado o ponto de vista do escravizado que teria sua liberdade privada.

No Brasil dos anos de 1530 até 1888, a escravização dos negros foi largamente aplicada de
modo que não representava algo errado para os senhores de escravos e os beneficiados pela
situação. Os sentimentos dos negros escravos não eram levados em consideração pelos senhores,
uma vez que movimentavam sua produção em fazendas e instalações. Já, segundo as concepções e
valores do Brasil do século XXI, a escravatura é criminalizada e não existe, pelo menos de forma
explicita e segundo as circunstâncias em que se via no final do século XIX. Hoje a lei prescreve a
escravidão enquanto atividade criminosa e moralmente incorreta, independentemente da
quantidade de pessoas que pudesse ser financeiramente beneficiada.

É tido que, ao decorrer dos séculos, conjuntos de crenças e valores se alteram. Novas
ciências vão surgindo, da mesma forma que novas religiões o fazem. Alguns pensadores
desenvolvem seu raciocínio segundo o princípio de que os fatos físicos possam intima e
subconscientemente ter estimulado fatos mentais. Em outras palavras, pressupõe-se um
determinismo, a sobreveniência de fatos não morais sobre fatos morais. Assim faria sentido afirmar
que o ambiente físico onde um indivíduo se desenvolve lhe determina intimamente as concepções
morais.
Houve períodos da Idade Média em que a imagem foi demonizada. Momentos iconoclastas
proibiram a proliferação de imagens como as iluminuras e as igrejas detinham todo o
conhecimento. Alguém poderia argumentar que, na verdade, a estrutura de pensamento não se
alterou essencialmente, uma vez que muitos sistemas – como o de prefeitura – desenvolvidos na
Idade Média ainda são desfrutados por nós. Entretanto, um estudo comparado de concepções
morais indubitavelmente garantiria que as concepções morais de uma época tão remota
contrastam com as contemporâneas.

É tido que o moralmente correto em uma época e cultura específicas pode não se manter
em outras, se alterando de acordo com a manutenção de doutrinas e valores. Essa questão denota
a fragilidade da tentativa utilitarista de estabelecimento de uma ética normativa, bem como nos
incita a refletir sobre outras instituições que possam atualmente se fazer questionáveis, como foi o
caso da escravidão que causou muito sofrimento à população negra durante séculos, mas que só
cessou após sua abolição por lei, em 1888³.

Uma outra vertente que, adjacentemente à utilitarista, tentou especificar uma ética
normativa, isto é, um conjunto de valores que julga o moralmente correto e o moralmente
incorreto, foi a vertente do subjetivismo. Para o subjetivista, uma ação correta se faz correta a
partir do momento em que é aceita pelo sujeito declarante, ou pela maioria da comunidade. No
primeiro caso, a debilidade da corrente subjetivista é explicitada por um excesso de autoconfiança;
no segundo caso, ela é justificada pela carência de autocrítica. Segundo o ponto de vista
subjetivista, num determinado cenário onde a maioria das pessoas apoiasse a ideia de que
assaltantes são pessoas de mal caráter e devem ser eliminados, então se aceitaria a existência, num
quadro mais geral, de justificativas suficientes para que esta ideia estivesse atrelada a um bem
comum.

Uma outra vertente de pensamento seria a da teoria do erro, fundamentada por John Mac.
Seguindo essa teoria, qualquer afirmação atômica é falsa. Trata-se de uma falsidade
sistematizadora que nega qualquer tipo de pensamento que seja baseado numa lógica de que ‘x é
certo e y é errado’.

Desta forma, existiram várias direções tomadas para estudo reflexivo da ética, uma
³ É de conhecimento geral que em 1885 foi aprovada a Lei dos Sexagenários, também conhecida
como lei Saraiva-Cotegipe, estreitando o contingente de escravos com mais de 65 anos. Somente
em maio de 1888 a escravidão foi totalmente abolida por meio da Lei Áurea, assinada pela Princesa
Isabel.

metaética. Trata-se do estudo filosófico da natureza da moralidade, com base em versões realistas
ou não realistas.

A metaética realista é aquela que acredita na existência de fatos morais. Uma vertente
conhecida como cognitivismo pontua que a afirmação ética pretende-se num realismo, e acredita-
se que exista um razoável domínio sobre os fatos enquanto morais ou imorais. Por motivos de
taxonômicos, a metaética realista pode ainda ser desdobrada em reducionista ou anti-reducionista.
A metaética reducionista poderia ser ilustrada pelo anteriormente citado utilitarismo, o qual
estabelece uma espécie de fórmula com a condicional de que o nível de felicidade das pessoas
envolvidas seja potencializado para a concepção de um fato moralmente aceitável – e aqui se
pressupõe que a felicidade possa, de alguma maneira, ser medida. E a metaética anti-reducionista é
aquela que se baseia na ideia de que conceitos morais nem sempre podem ser explicados em
termos não morais.

Na contramão metaética realista, a metaética antirrealista é aquele que se desprende de


valores morais objetivos. Portanto torturar, furtar, matar e chantagear não se fariam em quatro
crimes repugnantes, senão quatro ações que se aplicam aos mais variados contextos e situações.

Existem ainda os que buscam justificar questões éticas com um parâmetro transcendental:

Senhor, provaste-me, e conheceste-me.


Tu me conheceste ao assentar-me e ao levantar-me.
De longe entendeste os meus pensamentos; a minha vereda, e o fio de meus passos
investigaste,
E previste todos os meus caminhos, ainda quando não está a palavra na minha
língua.
Eis aqui, Senhor, tu conheceste todas as cousas, as novíssimas e as antigas.
(BÍBLIA)

Tomando o exemplo acima, é possível observar a crença religiosa cristã que afirma a
existência de um Deus onipresente, onisciente e onipotente. Nesse caso a moralidade é guiada no
sentido de que não se deve fazer ao próximo o que não gostaria que fizessem por ti. Uma lógica de
que, mesmo que seja possível causar o mal a alguém numa vida terrena, isso lhe será cobrado num
futuro julgamento, após o fim da vida terrena.

É tido que, independentemente de crenças, convicções e pensamentos formulados, as


pessoas se preocupam com as outras até certo ponto. Entretando, as diferentes ideologias que lhes
são apresentadas ao longo da vida causam variações nessas concepções morais. E é a ética,
acompanhada por uma metaética, guia as sequenciais gerações na tentativa de orientar as relações
humanas.

Referências Bibliográficas

 NAGEL, Thomas. Que Quer Dizer Tudo Isto? - Uma Iniciação à Filosofia – 1987 – Editora
Gradiva. Título original: What does it all mean?.
 BÍBLIA Sagrada, trecho do Salmo 138. Tradução do Padre Antônio Pereira de Figueiredo –
editora Edelbra.

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