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ÉTICA CRISTÃ

AULA 1

Prof. Roberto Rohregger


CONVERSA INICIAL

O estudo da ética assume uma grande importância na atualidade. É


imprescindível compreendermos claramente quais são os aspectos da ética
envolvidos no mundo contemporâneo para que o cristão possa entender as
implicações dessa maneira de pensar e possa contribuir com o pensamento
crítico. Para isso, primeiramente vamos buscar verificar se há alguma diferença
nos conceitos de ética e de moral.
Após essa compreensão, passamos a apresentar algumas das grandes
vertentes de pensamento sobre a ética que historicamente tem influências até
os dias de hoje: o antinomismo, o situacionismo, o generalismo e, finalizando, o
absolutismo.
Cada época histórica tem as suas particularidades e características, por
isso compreender o mundo atual é essencial, o que possibilita que o cristão
possa dialogar com a sociedade, apresentando propostas e críticas visando
contribuir para que se encontrem caminhos, visando proteger a dignidade
humana e facilitando que a mensagem do evangelho seja compreendida de
forma mais clara. Para isso, é importante aprofundar-nos nos dilemas éticos que
a modernidade apresenta. A ética cristã tem um papel interno, que é possibilitar
uma clara compreensão das implicações éticas para o cristão da mensagem de
Jesus, e um papel externo, que é para com a sociedade, apresentando
alternativas aos problemas éticos baseadas nas Boas Novas.

TEMA 1 – MORAL X ÉTICA

Muito se fala de ética, que por vezes é apresentada como moral ou


moralidade, mas qual é a diferença entre esses termos? Muitos pensadores
preferem não fazer distinção entre essas suas palavras, considerando o conceito
de ética e de moral como idênticos, porém outros preferem definições mais
específicas para cada um deles. Dessa forma, afirma-se que a moral seria o
conjunto das prescrições admitidas numa época e numa sociedade determinada,
isto é, o esforço por se conformar a essas prescrições, a exortação a segui-las;
e a ética, como a ciência que toma por estudo imediato os juízos sobre os atos
que podem ser bons ou maus, assim, “a ética pode ser entendida como o estudo

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filosófico da moralidade, a qual se ocupa com nossas crenças e avaliações sobre
motivação, atitude, caráter e conduta, e se isto está certo ou errado” (Moreland;
Graig, 2005). É claro que, assim definidas, as questões de moral e as de ética
se interligam frequentemente – mas isso não exclui uma distinção bem nítida das
suas definições. Dessa forma, podemos entender que:

À ética cabe argumentar por que, do ponto de vista racional,


determinamos quais princípios são mais valiosos que outros. Ao
investigar os fundamentos racionais do agir, a ética se define como
filosofia da moral, quer dizer, a reflexão que versa sobre os códigos
morais culturais, legitimando-os ou questionando sua validade
(Candiotto, 2010, p. 14).

Vivemos em uma sociedade em constante transformação e inovação. Não


raras vezes nos deparamos com situações decorrentes de uma inovação
tecnológica ou social, e não conseguimos compreender como isso pode nos
afetar e tampouco que posição ética devemos tomar.

Dito de modo diferente: nós precisamos refletir sobre a ética sobre o


comportamento fundamental das pessoas. Precisamos da ética, da
doutrina filosófica e teológica sobre os valores e as normas que
devemos orientar nossas decisões e ações (Kung, 2003, p. 54).

De acordo com Libânio (2015), a ética lança um olhar além do


imediatismo, isto é, do resultado prático da experiência, mesmo quando se acena
com benefícios para a humanidade, estes nunca devem ultrapassar valores
maiores como o da intangibilidade da vida humana. Dessa forma, a ética pode
nos auxiliar, observando a moral e os costumes, se essas novidades podem
trazer algum tipo de desafio para a sociedade e o sujeito, ou se pode vir a ser
um dilema para a sociedade no futuro.

TEMA 2 – ANTINOMISMO

O pensamento ético que afirma não haver possibilidade de elaboração de


regras fixas ou padrões morais obrigatórios é chamado de antinomismo, conceito
que tem uma longa história e cuja forma de pensar está na base do hedonismo
e do ceticismo.
Há uma frase do filósofo grego Heráclito que diz que “nenhum homem se
banha duas vezes no mesmo Rio, pois cada vez que se banhar encontrará outras
águas” (Souza, 1996, p. 82).

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Essa frase dá uma ideia da mudança e do relativismo das situações em
que o homem se encontra. Com base nisso, pode-se alegar que as regras ou as
normas não têm um caráter fixo, mas mutável.

Antinomistas não possuem lei moral, o que pode ser entendido tanto
no sentido absoluto quanto no sentido limitado. No sentido absoluto,
eles não possuem qualquer lei moral, apesar de alguns tentarem
defender esse ponto de vista. De acordo com os críticos, é o que
comumente se diz sobre o relativismo ético. Essa também é, de modo
semelhante, a maneira com que são enquadrados aqueles que
defendem estas ideias, como fruto de um reducionismo e não por
confissão explicita. No sentido limitado, o antinomismo é amplamente
defendido, pois trata-se de uma forma de relativismo ético que não
nega todas as leis morais, mas nega apenas aquelas que qualquer um
queira impor sobre outros (Geisler, 2010, p. 28).

Nesse aspecto, o antinomismo apresenta uma proposta em que a maioria


das leis morais não é normativa, isto é, não há leis morais que possam ser
universalizadas, ou pelo menos não a maior parte delas.

O antinomismo é uma forma radical de ética relativista. Não apenas


nega a existência de que haja quaisquer absolutos éticos válidos, mas
também nega a existência de que haja qualquer tipo de lei moral
obrigatória. Literalmente o antinomismo significa “sem lei”. Isso não
quer dizer que não possua nenhum tipo de valor. [...] Em segundo
lugar, o antinomismo é subjetivo, uma vez que não existem regras para
o jogo da vida (Geisler, 2010).

O relativismo ético, que se apresenta muito forte na sociedade


contemporânea, tem suas raízes na concepção do antinomismo. O célebre
conceito de que “cada um tem a sua verdade” aponta para que uma verdade
única não existe e, dessa forma, as regras morais são relativizadas do ponto de
vista do indivíduo. Essa forma de pensamento é extremamente marcada pelo
egoísmo em não desejar se submeter a algum tipo de normatização que não
seja agradável e possa significar algum sacrifício.

TEMA 3 – SITUACIONISMO

Os situacionistas criticam os antinomistas que afirmam não haver nenhum


tipo de regra que possa ser universalizada, baseando-se apenas na situação
momentânea para tomada de decisão ética. O situacionismo apresentado por
Joseph Fletcher propõe orientação para os dilemas éticos, declarando que há
uma norma que não pode ser rompido e que serviria de padrão para tomada
decisão. Essa Norma ou lei que serviria para todas as situações seria a lei do
amor (Geisler, 2010).

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Dessa forma, o amor ágape seria um imperativo ético, o qual serviria para
orientação nas soluções dos problemas éticos. Dessa forma, temos o seguinte,
segundo os situacionistas:

O situacionista possui somente a lei do amor (ágape); muitas regras


gerais de sabedoria (sophia), que são mais ou menos confiáveis; e o
momento específico da decisão (kairós), no qual o ser responsável na
situação decide se a sophia pode servir o amor naquela circunstância
ou não. Os legalistas fazem da sophia um ídolo, os antinomistas a
repudiam, os situacionistas fazem uso dela (Geisler, 2010, p. 43).

Percebe-se no situacionismo a afirmação de que há um imperativo ético


e que este é o amor, porém ocorre o problema de que sendo o conceito de amor
também relativo, isto é, de que, por tratar-se de um “sentimento”, essa regra
depende da concepção da pessoa de amor.

O situacionismo reivindica ser um absolutismo de uma só norma. Ele


acredita que todas as coisas devem ser julgadas por uma lei moral
absoluta: o amor. Entretanto, o resultado final é que esse princípio
moral único não passa, na realidade, de algo formal e vazio. Esse
princípio não tem um conteúdo que pode ser conhecido de antemão ou
à parte das situações. Cada situação diferente é que realmente é que
realmente determina seu significado. Assim em última análise a lei
moral acaba se transformando em lei moral nenhuma (Geisler, 2010,
p. 59).

Para alguns, o amar uma pessoa, mesmo que apoiado na sabedoria,


ainda assim é um sentimento, que de forma geral é muito relacionada à
experiência da pessoa do que é a expressão do amor.

TEMA 4 – GENERALISMO

O generalismo afirma que existem regras ou normas morais que são de


aplicação geral, porém não absolutamente inquebráveis. Isto é, eventualmente
essa regra ou norma de aplicação geral pode vir a ser quebrada em decorrência
de um conflito ético maior.

O generalismo moderno é herdeiro do hedonismo antigo, que


acreditava que o prazer é o bem maior (summum bonum ) do homem.
Apesar de sabermos que o conceito popular “comer, beber e ser feliz”
é uma perversão daquilo que Epicuro ensinou, não podemos deixar de
considerar que seus seguidores da Antiguidade estabeleceram com
isso a doutrina clássica de que a busca pelo prazer físico e o ato de se
evirar a dor física é o alvo supremo da vida (Geisler, 2010, p. 61).

Dessa forma, podem haver exceções em que uma norma moral ou ética
pode vir a ser quebrada mesmo sendo ela geralmente aplicável. Assim sendo,

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podemos definir o que é certo e errado conforme algumas normas gerais, porém
não necessariamente elas são universais, por exemplo, mentir é algo ruim,
todavia, dependendo da situação, a mentira pode se tornar aceitável. O
parâmetro final acaba sendo o resultado final geral, isto é, se quebrar uma regra
ética pode causar um resultado final bom, essa quebra da regra deve ser
permitida. Segundo Geisler (2010, p. 75),

Em contraposição ao antinomismo, o generalismo argumenta que há


alguns princípios morais obrigatórios. Em contraposição ao
absolutismo, o generalismo insiste que nenhuma dessas leis morais é
realmente absoluta. Uma vez que todo princípio moral admite
exceções, o generalismo possui uma solução fácil par os conflitos
morais. Entretanto, uma vez que ele não possui um princípio moral
absoluto, sua visão tende a ser reduzida a uma espécie de
antinomismo, A menos que existam algumas prescrições morais
objetivas de conteúdo substancial, obrigatórias a todas as pessoas
durante todo o tempo, a qualquer tempo torna-se possível que qualquer
tipo de ação possa ser justificada.

Porém podemos citar pelo menos um problema quando observamos pelo


prisma da ética cristã o generalismo: essa linha de pensamento acaba permitindo
que, em algumas situações, a ideia de que os fins justificam os meios seja vista
como factível. Para o cristianismo, isso é um problema, uma vez que resultados
bons obtidos por meios errados acabariam sendo antiéticos, pois não se poderia
permitir a ação incorreta, ou seja, no final, mesmo o resultado sendo positivo,
pela ética crista a ação em si seria errada.

TEMA 5 – ABSOLUTISMO

Vamos compreender duas vertentes do absolutismo: o absolutismo não


qualificado e o absolutismo conflitante. O absolutismo não qualificado, em linhas
gerais, afirma que há leis éticas que são absolutas, isto é, que nunca entram em
conflito.

A premissa básica do absolutismo não qualificado é: todos os conflitos


morais são apenas aparentes; eles não são reais. O pecado é sempre
evitado. Há princípios morais que não admitem exceções, e estes
nunca entram em conflito uns com os outros. Diante da pergunta
clássica sobre dever mentir ou não para salvar uma vida, o absolutismo
não qualificado responde com um enfático “Não!” Geisler, 2010, p. 77).

Nessa forma de compreensão, todas as regras são absolutas, então não


se pode quebrar nenhuma, assim não haveria conflito. Segundo Geisler (2010,
p. 85):

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Há várias premissas principais que compõem o absolutismo não
qualificado, pelo menos da forma como é sustentado pelos cristãos.
De maneira breve, essas premissas incluem o seguinte:
1. O caráter imutável de Deus é a base dos absolutos morais.
2. Deus manifestou seu caráter moral na sua lei.
3. Deus não pode contradizer a si mesmo.
4. Por esse motivo, duas leis morais absolutas não podem realmente
conflitar.
5. Todos os conflitos morais são aparentes e não reais.

O absolutismo parece ser alinhado com as posições cristãs, porém alguns


pontos devem ser mais bem observados, por exemplo, não haver alguma
classificação com relação às ações éticas, isto é, afirmar que não há um conflito
em mentir para salvar uma vida não parece correto. Para todos, a escolha entre
não mentir ou salvar uma vida parece óbvia.

Apesar dos aspectos positivos do absolutismo não qualificado e de


seus nobres esforços em preservar absolutos sem modificação, há
algumas sérias deficiências nessa visão. Ela é não realista, é não
misericordiosa (chega a ser legalista algumas vezes) e não consegue
ser bem-sucedida em evitar a inevitável modificação de seus absolutos
em busca de alcançar uma resposta adequada aos inúmeros conflitos
relacionados aos mandamentos divinos que encontramos na Bíblia e
na vida real (Geisler, 2010, p. 95).

Há uma história para ilustrar este conflito: imagine que durante a


perseguição nazista na Alemanha, uma família de judeus está escondida na sua
casa. Certo dia, para uma viatura do exército em frente à sua casa e batem na
sua porta. Você abre e se depara com um oficial que pergunta se na sua casa
há algum judeu. O impasse está posto: você mente ou fala a verdade? Você
sabe que, se falar a verdade, aquela família será presa e enviada para um campo
de concentração. Dessa forma, podemos observar que há pontos no absolutismo
qualificado que apresentam questões no mínimo dúbias com relação a forma
ética de proceder.
Já o absolutismo conflitante, como o próprio nome indica, contrapõe que
em uma sociedade “caída” sempre haverá dilemas éticos conflitantes, e dessa
forma o indivíduo deverá tomar uma decisão, que sempre será de sua
responsabilidade, inclusive por suas consequências.

O pressuposto central da posição ética do absolutismo conflitante é


que nós vivemos em um mundo caído, e nesse tipo de mundo ocorrem
conflitos morais reais. Entretanto, a premissa que acompanha esse
pressuposto é que, quando há conflito entre dois deveres, o homem
torna-se responsável por ambos. A lei de Deus não pode nunca
quebrada nem que haja culpa. Nesses casos, portanto, o indivíduo
deve optar pelo mal menor, confessar seu pecado e pedir perdão a
Deus (Geisler, 2010, p. 97).

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O absolutismo conflitante apresenta uma alternativa com relação ao
absolutismo não qualificado, uma vez que este compreende que conflitos morais
são inevitáveis e que se deve optar por fazer um mal menor quando existe
conflito ético. Dessa forma, no exemplo apresentado anteriormente, o caso em
que há o conflito ético entre mentir ou falar que há judeus escondidos na casa,
a escolha seria simples: escolhe-se o mal menor, isto é, mentir, pois, apesar de
mentir ser pecado, é um pecado menor do que entregar a família aos soldados.
Assim, Geisler (2010, p. 111) afirma que

O absolutismo conflitante acredita que há muitos absolutos morais e


que estes, algumas vezes, entram em conflito. Essa abordagem
baseia-se na premissa de que as leis de Deus são absolutas e, por
esse motivo, nunca podem ser violadas. Por um lado, o absolutista
conflitante reconhece que este é um mundo caído. E que, nesse tipo
de mundo, sempre existirão dilemas morais. Quando um desses
conflitos, real e inevitável, acontece, é nossa obrigação fazer o mal
menor. Entretanto, nós precisamos reconhecer um ato por aquilo que
ele é, confessar nosso pecado de termos quebrado a lei de Deus e
aceitar o perdão divino.

O fato de haver optado pelo mal menor não significa que, do ponto de
vista cristão do absolutismo conflitante, o agente não tenha que se arrepender e
pedir perdão do seu ato, pois, inclusive esse dilema ao qual foi exposto se deu
pela própria natureza caída do ser humano.

NA PRÁTICA

Vivemos em uma sociedade complexa. Consequentemente, nesta


sociedade apresentam-se dilemas complexos. A necessidade da reflexão sobre
as correntes do pensamento ético é extremamente importante, visto os desafios
que a sociedade enfrenta e que enfrentará no futuro.
Atualmente os dilemas éticos são os mais variados, por exemplo, seria
certo arriscar a vida de uma pessoa para salvar várias outras? Devemos alterar
geneticamente fetos para que nasçam com características que os seus país
desejam? Pode ser correto mentir para salvar uma vida ou impedir que algo
grave aconteça com uma pessoa? Muitas respostas não são fáceis e entram em
conflito com preceitos religiosos. Por isso é importante a compreensão e reflexão
sobre a ética.

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FINALIZANDO

Nesta aula fomos conduzidos a refletir sobre as diferenças e


aproximações que pode haver entre ética e moral, e a importância da ética cristã
para a sociedade contemporânea. Visando aprofundar a reflexão e o
entendimento sobre a formação de conceitos éticos, foram apresentados quatro
importantes correntes éticas: antinomismo, situacionismo, generalismo,
absolutismo.

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REFERÊNCIAS

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CANDIOTTO, C. Ética: definições, modelos e perspectivas. Curitiba:


Champagnat, 2010.

CARTER, J. E.; TRULL, J. E. Ética ministerial. São Paulo: Vida Nova, 2010.

GEISLER, N. L. Ética cristã - opções e questões contemporâneas. 2. ed. São


Paulo: Vida Nova, 2010.

HARRINGTON, S. L, D. J.; KEENAN, S. J. J. F. Jesus e a ética da virtude –


construindo pontes entre os estudos do Novo Testamento e a teologia moral São
Paulo: Loyola, 2006.

KUNG, H. (2003). Projeto de ética mundial. 4. ed. São Paulo: Paulinas, 2003.

LIBÂNIO, J. B. A ética do cotidiano. São Paulo: Paulinas, 2015.

MORELAND, J. P.; GRAIG, W. L. Filosofia e cosmovisão cristã. São Paulo:


Vida Nova, 2005.

REALE, G. O saber dos antigos – terapia para os tempos atuais. 2. ed. São
Paulo: Loyola, 2002.

SOUZA, J. C. Os pré-socráticos – fragmentos, doxografia e comentários. São


Paulo: Nova Cultura, 2006.

VIDAL, M. Para conhecer a ética cristã. São Paulo: Paulus, 1993.

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