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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO SUL

ÉTICA E JORNALISMO
Isabel Linck Gomes

Abordagens dominantes na teoria da moral: teoria deontológica,


utilitarismo e ética das virtudes

1 INTRODUÇÃO

A incessante busca por fazer a coisa certa e atuar por meio de uma conduta que preza
pelo bem é algo já internalizado no imaginário social. Mas afinal, o que é, de fato, fazer a
coisa certa? O que pode ser considerado bem ou mal? Por que devo cumprir o que é tido
como correto? A complexidade desses questionamentos torna desafiadora a tarefa de
encontrar uma resposta — se é que existe apenas uma para cada pergunta. É justamente a
brecha dessa incógnita que dá abertura ao debate ético, propondo o surgimento de diversas
teorias para tentar elucidar os fundamentos de uma exigência moral.
Assim como qualquer elemento que ajuda a construir uma cultura, os princípios éticos
e os fundamentos para a exigência de uma vida pautada por eles foram sendo modificados e
procurados em diferentes origens a cada época da existência humano. Em paralelo, diferentes
formas e justificações foram assumidas com a concretização dos deveres e obrigações
decorrentes desta exigência. A análise do valor moral é, então, feita nas disposições de
intenção do indivíduo, no tipo de ação que ela produz ou caráter do agente — propostas que
embasam as correntes ética deontológica, utilitarismo e ética das virtudes, respectivamente.
Dessa forma, as questões éticas podem ser analisadas sob diferentes perspectivas, que
atentam-se para os problemas de moralidade por meio de enfoques únicos. Essas diferentes
abordagens não necessariamente negam a existência uma da outra, mas se complementam
e/ou funcionam como alternativas entre si mesmas. Mesmo assim, ainda é uma tarefa quase
utópica encontrar uma teoria comum que gere consenso entre cada consciência individual.

2 TEORIA DEONTOLÓGICA

Uma das linhas centrais do pensamento ético é a deontologia. Essa teoria enfatiza que
o centro do valor moral está nas regras morais, as quais possuem um caráter absoluto. Dessa
forma, a partir da perspectiva do filósofo Immanuel Kant, um dos principais defensores desse
pensamento, a ética deontológica adota uma concepção racional. Ou seja, as regras morais
não devem deixar de serem cumpridas por uma tentativa de alcançar uma melhor
consequência ou de adequação a uma melhor finalidade última, e isso é assim,
exclusivamente, por motivos intrínsecas ao próprio ser humano: a racionalidade.
A partir dessa ideia, Kant propõe o imperativo categórico, um sistema baseado no
dever que, teoricamente, norteia o mundo e orienta como o indivíduo deve agir nesse mundo.
Conforme Fidalgo (2006) explica, o sentido de "dever" nessa aplicação não se refere a casos
de imperativos hipotéticos, que implicam uma condição, mas sim de obrigação, em que os
deveres "devem ser observados pura e simplesmente". Esse sistema se constitui a partir da
seguinte norma “Age apenas segundo uma máxima tal que possas ao mesmo tempo querer
que ela se torne lei universal”. Isso é, ao se deparar com um dilema ético, o indivíduo,
necessariamente, precisa se questionar "a ação que pretendo tomar poderia se tornar uma lei
universal?" ou ainda "qual seria os efeitos se a minha conduta se tornasse generalizada por
todos os indivíduos?".
Além do princípio de universalização, a ética dos deveres de Kant também pressupõe
que o indivíduo deve ser tratados com um fim em si mesmo, e não como meio. Isso quer
dizer que, para atingir qualquer fim, não se deve usar ou manipular uma pessoa como meio,
para tentar obter o resultado esperado.
Os deveres morais que precisamos cumpir se originam e legitimam em nosso próprio
interior, na racionalidade. Negar esses deveres seria como negar a razão. E, da mesma forma
que existem os deveres, existem as restrições, que indicam o que não podemos fazer. Por ser
um ato puramente racional, deve ser independente de suas razões sensíveis, como cultura,
sentimentalização e crenças. Essa, talvez, seja a raiz de um dos problemas da ética
deontológica: apesar de sermos racionais, o afastamento de nossas subjetividades é
praticamente impossível, então a universalização de nossos atos pode fazer sentido para nós e
para a comunidade onde vivemos, mas não para outras.
Por fim, uma das maiores características da deontologia é seu enfoque na própria
ação. Uma determinada conduta pode até gerar consequências negativas, mas isso não
significa que é uma conduta imoral. Os efeitos de uma ação não impactam no seu propósito,
ou seja, o que vale aqui é a intenção do indivíduo, a qual permite avaliar o seu caráter moral.
3 UTILITARISMO

A teoria utilitarista busca proporcionar o maior bem possível, para o maior número de
pessoas. Essa teoria defende que o princípio da moralidade encontra-se na maximização dos
prazeres e minimização da dor. Proposta por Jeremy Bentham e John Stuart Mill, essa
corrente é também conhecida como "ética das consequências", uma vez que, diferentemente
ao deontologismo, aqui o que importa em uma ação não é a intenção, mas sim suas
consequências.
A essencia utilitarista se relaciona, então, ao esforço de conseguir provocar a maior
felicidade possível, e não mais ao cumprimento de um conjunto de regras racionais. Para os
utilitaristas, portanto, o dever moral é proporcionar ao mundo o bem-estar.
Ao deparar-se com um dilema ético, o indivíduo precisa analisar os efeitos das
alternativas possíveis para optar pela que proporciona uma maior utilidade. Assim, sob essa
perspectiva, entende-se que as ações humanas não são puramente boas ou más, mas sim
melhores ou piores pelo ponto de vista moral, conforme se ajustam ao maior bem procurado.
Assim, o utilitarismo, ou ética das consequências, pode ser considerada uma
abordagem altruísta. A partir de uma ação, é preciso tentar produzir a maior quantidade de
bem-estar possível e, para quantificar isso, faz-se "um somatório das felicidades individuais",
um cálculo da moral, no qual independe como será repartição dessa quantidade entre os
indivíduos afetados. A felicidade de todas as pessoas tem o mesmo peso, conta por igual, sem
distinções. Da mesma forma, o cálculo leva em consideração os seres não racionais, pois
apesar de serem irracionais, podem sofrer.
A partir disso, para essa perspectiva, entretanto, seria válido sacrificar uma minoria
em prol do bem-estar da maioria, para alcançar uma felicidade "maior".

4 A ÉTICA DAS VIRTUDES

Se na deontologia e no utilitarismo os dilemas éticos centravam-se no questionamento


"o que devo fazer?", a ética das virtudes muda o enfoque da reflexão e, então, pergunta "que
tipo de pessoa devo ser?". Com origem na filosofia grega, em especial, em Aristóteles, esse
pensamento desloca o foco do problema e atenta-se não mais à ação, mas sim ao agente que a
realiza. O que vale não é mais a conduta do indivíduo, muito menos as consequências
decorrentes dela, mas sim as virtudes determinantes dessas ações.
Enquanto terceira abordagem, a ética das virtudes opõe-se à deontologia e o
utilitarismo. Ela funciona como uma alternativa a essas e coloca-se acima dessa dualidade,
uma vez que abre mão de encontrar "a chave" das ações morais para apostar no caráter.
Assim, por essa perspectiva, não existem regras previamente determinadas que
possam orientar as decisões de cada pessoa ou um cálculo de moral a ser feito. Ao contrário
da premissa universalista da deontologia, aqui cada circunstância é específica e requer uma
reflexão individual. Da mesma forma, a diferença é que, enquanto a deontologia divide os
atos entre bons e maus, e o utilitarismo entre melhores e piores, aqui o propósito é olhar para
o caráter do agente, de onde provêm esses atos. O agente se torna bom por fazer atos bons.
Essa reflexão sob cada ato, por sua vez, só é possível se o agente desenvolver e
exercitar tais virtudes de caráter que possam auxiliá-lo nos modos de agir, sempre na
perspectiva de buscar o bem. A virtude ética não é algo natural ou intrínseco ao ser humano,
é uma disposição adquirida pelo hábito, que se conquista e se refina pela constância e que
aumenta e se aprofunda com a experiência.
Aristóteles apontou aproximadamente 18 virtudes, entre morais e intelectuais, que
permitem a uma pessoa desempenhar bem sua função humana, a partir de um um bom
caráter. O filósofo destaca: nenhuma virtude deve ser extrema. Para alcançá-la, é necessário
um ponto de equilíbrio, entre excesso e carência.
Uma das principais diferenças entre a ética das virtudes e a ética deontológica é a
relação com o outro. Enquanto a teoria kantiana assume que temos plena capacidade de nos
colocarmos no lugar de outra pessoa (já que, assim como ela, somos racionais) para julgar
suas ações, a ética dos deveres pressupõe que é preciso que os indivíduos se manifestem em
voz própria. Para essa abordagem, quem for diretamente afetado precisa se expressar de
forma autônoma, por si próprio.
Já em relação ao utilitarismo, um ponto principal de convergência é o caráter íntegro
do agente. Isso porque, independente do quão ruins sejam as consequências, a ética das
virtudes valoriza o modo como esse agente reage com as situações e a forma que lida com
elas, e não propriamente ao nível de felicidade ou sofrimento que as consequências causam.
Assim, a ética das virtudes adota a metáfora do arqueiro para se pensar a ação
virtuosa. Embora exista um alvo a ser alcançado, que seria um acerto absoluto, também existe
uma área que permite acertos que não seja totais, mas que não deixam de ser acertos. Da
mesma forma, erros não são definitivos, pois há uma zona que permite entender o quanto se
aproxima de um acerto.
Por fim, uma vez que essa abordagem requer uma reflexão individual para cada ato, é
necessário impor limites morais, os quais atuam como interdições absolutas. Não ser cruel,
não assassinar e não cometer incesto são atos que constituem os limites da moralidade.

REFERÊNCIAS

FIDALGO, Joaquim. O lugar da ética e da auto-regulação na identidade profissional dos


jornalistas. Universidade do Minho, Instituto de Ciências Sociais. Novembro de 2006

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