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DEFINIÇÕES E OBJECTO DA ÉTICA:

Etimologicamente, a Ética provém do grego “ethiké” ou do latim “ethica”, que significa


ciência relativa aos costumes. Aliás, a ética é o domínio da filosofia que tem por objectivo o
juízo de apreciação que distingue o bem e o mal, o comportamento correcto e o incorrecto.
Os princípios éticos constituem-se enquanto directrizes, pelas quais o homem rege o seu
comportamento, tendo em vista uma filosofia moral dignificante. Os códigos de ética são
dificilmente separáveis da deontologia profissional, pelo que não é pouco frequente os
termos ética e deontologia serem utilizados indiferentemente.

Conceitualmente ou no sentido mais âmplo do termo, podemos definir a Ética como:

 Teoria ou ciência do comportamento moral dos homens em sociedade;

 Ciência de uma forma específica de comportamento humano que é exactamente o


comportamento moral;
 Estudo do juízo de apreciação que se refere à conduta humana susceptível de
qualificação do ponto de vista do bem e do mal, seja relativamente a determinada
sociedade, seja de modo absoluto (Aurélio Buarque de Holanda Ferreira);

 Teoria ou ciência do comportamento moral dos homens em sociedade (Adolfo


Sánchez Vázquez).

Destas definições se deduz que o Mundo Moral é o campo ou o objecto de estudo da Ética.
Não para estabelecer normas e códigos, isto é, dizer como deves ou não agir em tal situação
concreta, mas sim, para reflectir sobre os fundamentos, princípios, ideologias subjacentes,
valores, termos e conceitos usados pela Moral.

A Ética, segundo Sanchez Vásquez, depara com uma experiência histórica-social no terreno
da Moral, ou seja, com uma série de práticas morais e, partindo delas, procura determinar:

 a essência da Moral;
 sua origem;
 as condições objectivas e subjectivas do acto moral;
 as fontes de avaliação moral;
 a natureza e a função dos juízos morais;
 os critérios de justificação destes juízos;
 o princípio ou princípios que regem a mudança e a sucessão dos diferentes sistemas
morais, nos diversos tempos e nos diversos lugares.

PROBLEMAS FUNDAMENTAIS DA ÉTICA:

A ÉTICA, no nosso entender, visa responder a dois problemas essencialmente: o crítico e o


teórico.

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Entretanto, tudo gira em torno das seguintes questões:

i. Qual é a base, o fundamento e o valor dos códigos, princípios, normas e convicções


ii. .morais existentes por aí?
iii. Quais são os pressupostos essenciais à ação moral, para que um acto seja moral, aquilo
sem o qual não se poderia falar de moralidade?
iv. Quais são os critérios máximos ou básicos de moralidade ou imoralidade de um acto
humano?

1. O PROBLEMA CRÍTICO:

Olhando em nossa volta, vemos que por toda a parte há códigos (normas e leis codificadas),
como é o caso de:

 códigos de direito civil;


 códigos de direito canônico;
 código de trânsito;
 dezenas de códigos de Ética.

Restringindo-nos aos códigos éticos e/ou morais, vemos que eles prescrevem deveres,
estabelecem leis e ditam normas que devem ser obedecidas por determinadas pessoas, grupos
ou nações. Deixando de lado as tábuas da Lei ou o alcorão que segundo o Judeu –
Cristianismo e o Islamismo foram ditados pela autoridade incontestável de Deus, Senhor
Absoluto, todos os outros códigos morais têm origem humana, lugar e data e autor certos ou
presumíveis.

Não obstante, por que em certa medida somos obrigados a obedecer a eles? Que valor têm?
Podem ser mudados? Por quem? Pelo governo? Pela sociedade? Pelos sábios?

Foram questões de género que abriram caminho à reflexão moral e à crítica da moral
tradicional, para buscar princípios mais sólidos para a república ateniense. Assim nasceu a
ÉTICA como reflexão sobre a moral vivida, seus códigos, seu sentido, fraqueza ou solidez de
suas bases.

Na sequência das diversidades culturais, linguísticas e étnicas, procura-se saber se as normas


morais baseiam-se ou não na natureza humana ou em contratos, em convenções sociais, em
acordos entre as pessoas ou grupos com a finalidade de possibilitar uma melhor ou péssima
convivência entre elas.

Em consequência disso, os gregos deram dois tipos de resposta a este problema:

1. para os sofistas, essas normas não se fundam na natureza humana, mas sim, sobre
determinadas convenções sociais. Os Estados fixam para seus cidadãos as normas que
julgam mais oportunas a seu bem-estar individual e social.

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2. e para Sócrates, essas normas, códigos e convenções morais baseiam-se na natureza das
coisas e do homem. Segundo ele, o problema, é que o homem é um grande ignorante.
Não conhece nem a natureza nem a si mesmo. Daí Sócrates afirmar que todo o mal é e
vem da ignorância e que o início da sabedoria e do bem moral é conhece-te a ti mesmo.

2. O PROBLEMA TEÓRICO:

O problema teórico, responde basicamente a duas questões, nomeadamente:

 Quais são as condições e os pressupostos essenciais para que um acto


humano seja moral?
 Qual é o critério supreme ou máximo para diferenciar o bem do mal, o
moral do immoral?

a) Condições de moralidade

 Liberdade – Sem liberdade não se pode falar de moralidade. Nisto todos os filósofos
estão de acordo. Entendemos por liberdade a possibilidade de escolha consciente,
convicta, íntima e pessoal de valores que, a seu juízo, servem para sua valorização ou
para a valorização dos outros.

 Norma – valor ou princípio que se impõe à vontade como obrigatório para ela atingir
certo bem. Eu livremente aceito e cumpro esta norma que conheço como boa para
atingir meus fins morais e, assim a minha e/ou a nossa realização.

 Consciência – o conhecimento intuitivo e imediato do espírito e dos seus fenômenos


ou a intuição que o espírito tem de si mesmo e das suas vivências. Em sentido moral,
a consciencia é o juiz do valor moral das nossas actividades; avalia os nossos actos,
atribuindo-lhes mérito e demérito, julga-os sob ponto de vista de bem ou mal e indica
o dever a seguir.

 Responsabilidade – obrigação de responder pelas consequências dos seus próprios


actos. A responsabilidade exige como condição fundamental a imputabilidade, isto é,
a atribuição de um acto a uma pessoa como seu autor. “Eu sou responsavel por
danificar este livro” equivale a dizer que sou o autor deste acto e que ele resulta de
uma resolução tomada por mim. Só é responsável por certo acto o homem a quem
esse mesmo acto é imputado. Por exemplo: Se um demente que mata não é
moralmente responsável por seu acto, um médico que deixa morrer um paciente por
imperícia é responsável moralmente por essa morte.

DEFINIÇÃO DA MORAL – (etimologicamente vem do latim: mores, costumes. Que


significa etimologicamente como ciência dos costumes). Sendo assim a sua definição, a
moral é a ciência que estabelece as leis ideais da actividade livre do homem, às quais deve
conformar as suas acções, para poder viver conforme a sua natureza e atingir o seu fim
último.

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A moral aplica-se à actividade livre do homem, àqueles actos de que o homem é
verdadeiramente senhor. O seu objecto consiste em orientar o uso que o homem deve fazer
da sua liberdade. A moral se deve subordinar todas as manifestações da vida humana: as
publicações, os espectáculos, as actividades artísticas, mecânicas, manuais, a luta do dia a
dia. Não são objecto da moral as acções da criança, do apaixonado, do demente e de todos
aqueles que não tenham consciencia da sua acção.

A finalidade da moral é levar o homem a viver conforme a sua natureza. O homem dotado de
razão e vontade livre, tem uma função mais elevada – realizar a sua verdadeira natureza
racional e, assim atingir a sua finalidade. O homem tem de opor a certa tendência que o
arrastam para o mal e praticar certas acções que julga boas.

Moral Individual – a moral pessoal ou individual trata dos deveres do homem para consigo
próprio. Como o homem consta de alma e corpo, estes deveres dividem-se em deveres
relativos ao corpo e deveres referentes a alma.

Moral Social – a moral social define os deveres do homem, como membro da sociedade,
para com os diferentes grupos sociais no espaço em que se encontra. O homem vive fazendo
parte integrante de três sociedades: a humanidade, a família e a sociedade civil. Assim, a
moral social divide-se em moral humanitária, moral doméstica e moral cívica ou política.

Entretanto, sei que de certo modo sou limitado pela norma, pela lei, mas isso não me diminui,
já que eu sei que sou um ser relativo, não absoluto. Não sou o ser, o Homem, sou um ser, um
Homem, como os outros homens e em relação necessária, essencial com eles. Assumi o
sentido do limite, a consciência de minha limitação essencial, como parte inata e integrante
do meu ser.

Alias, ser o que eu sou não me humilha nem envergonha, antes pelo contrário. Não obstante,
não quero, com isto dizer que eu sou limitação essencial. Por conseguinte, eu sou também
liberdade essencial, criatividade, espontaneidade, tendência ao Tudo e ao Infinito. Eu tanto
digo que aceito as normas que julgo justas e boas como afirmo que odeio todas as normas
não indispensáveis ou muito necessárias, pois minha vocação maior é a liberdade e a
autonomia para construir pessoalmente a minha história.

As Normas são necessárias, sim. Mas a quais normas eu devo sujeitar um de meus maiores
valores, que é a liberdade? Só se for a uma norma que garanta a minha maior realização, que
seja caminho seguro para meu ser-mais e para o BEM SUPREMO.

Qual seria então essa norma suprema ou o critério máximo de normalidade, o primeiro
princípio moral do qual se podem deduzir logicamente todos os outros e que a eles dá força,
ânimo e sentido?

b) Critério Supremo de moralidade

Nisso, os filósofos se dividem em duas grandes correntes:

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 Morais Teológicas – os que dizem que o critério supremo é o fim último (ou
finalidade maior e mais importante do Homem, para a qual ele tem de caminhar com
seus actos morais). São bons os actos que me aproximam desse fim último. São maus
os actos que dele me afastam.

São: hedonismo, utilitarismo, eudemonismo e ética dos valores, para os quais o fim último é
respectivamente o prazer, o útil, a felicidade e os valores.

 Morais Deontológicas ou do Dever ou da Lei – as que afirmam que o critério


supremo é o DEVER ou as LEIS.

É bom aquilo que é dever ou que é mandado pela Lei ou pela autoridade ou pela Consciência.

Seus representantes são:

 estoicismo

 o formalismo Kantiano

c) Morais situacionais e relativistas – são as que se recusam a construir a moral sobre um


princípio absoluto, seja ele o fim último ou o dever.

O homem tem sim deveres a cumprir, leis a observar, fins a realizar, mas estes não são
estáveis. Mudam conforme a época, o lugar, as circunstâncias. Daí, naturalmente só se pode
construir uma moral relativista e situacionista.

De morais relativistas são exemplos:

 na antigüidade: os Sofistas, os Cépticos e Nominalistas.


 na Modernidade: o materialismo histórico de Marx e Engels, o Neopositivismo e os
Analistas da Linguagem.

Fundamentos teóricos para uma deontologia profissional 

1. O PROBLEMA MORAL

1.1 – ACTOS MORAIS: As relações entre as pessoas, entre os grupos e entre as nações não
são lineares. Apresentam problemas, são complexas.

Por vezes não sabemos como agir. E sentimos necessidade de saber como agir. Vejamos
alguns exemplos da nossa realidade real ou da realidade fantástica tão insistente, maciça,
brilhante, subreptícia ou descaradamente veiculada por nossa maior pregadora de princípios
"Morais", a TV Globo, com suas novelas:

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 Pode uma gestante com rubéola abortar?
 Devia o Roque Santeiro ir armado ou desarmado ao encontro de Navalhada?
 A Lulu podia ou não podia abandonar o José das Medalhas?

1.2 – JUÍZOS MORAIS: Nós continuamente julgamos os atos dos outros e somos por eles
julgados. Às vezes, raramente, até nos julgamos a nós mesmos. Aprovamos, desaprovamos,
-condenamos, somos aprovados e desaprovados. Isto é, emitimos continuamente juízos
morais, dando aos atos humanos (livres e conscientes) os atributos de bom ou de mau.

Ex:

 O Senhorzinho Malta é um criminoso, um arbitrário, um prepotente e


devia ser condenado à prisão perpétua, ou mesmo à morte.
 O Partido X não tinha o direito de gastar rios de dinheiro em São Luís para
eleger seu candidato. Mesmo que fosse dinheiro deles, teria sido abuso do poder
econômico. Portanto ilegal e imoral.

1.3 – NORMAS MORAIS: Ora a dúvida quanto a como devemos agir e o fato que julgamos
e somos julgados pressupõem que haja:

 princípios
 normas
 regras
 leis

Parâmetros de comportamento que nos dizem ou indicam o que se pode ou não pode, deve ou
não deve fazer e que, de certo modo, nos obrigam e em base aos quais nós julgamos, sem ser
considerados levianos, incompetentes ou intrometidos.

 Mas quais são ou devem ser essas normas?

 Quem as pode ou deve fazer e modificar?

 São mesmo obrigatórias ou deixam liberdade (moral!) de ação?

 São gerais (para todos) ou só para alguns?

Ex:

 Todos os moçambicanos são iguais perante a lei.


 O preconceito tribal,regional e racial é crime.
 Devemos fazer o bem e evitar o mal

Apesar das normas existentes (jurídicas, morais etc.), muitas vezes ainda ficamos na dúvida
sobre como agir retamente. Isso porque ou não existem normas ainda, ou nós não as
conhecemos, ou não as sabemos interpretar bem.

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Ex: de situações que exigem normas ou deixam dúvidas:

 A polícia pode matar os criminosos?


 Será que constitui quebra de sigilo e é imoral a Assistente Social entregar às
Autoridades um toxicômano?
 Deve um "Código de Ética" procurar defender os interesses e os direitos da Classe ou,
pelo contrário, preocupar-se em procurar modos de ser, de pensar e de agir que
tornem mais moral e mais eficiente a ação da Classe em prol da Sociedade?

Em poucas palavras, na nossa vida real e concreta do dia-a-dia, estamos sempre às voltas
com problemas morais práticos semelhantes a estes: seja de atos, seja de juízos, seja de
normas morais. E isto vale para todos: as pessoas, os grupos, as sociedades, as nações. Não
podemos escapar aos problemas concretos e muitas vezes não fáceis da MORAL. Moral não
representa, sozinha, a VIDA TODA. Mas é da VIDA uma parte importante. É com ela, com a
Moral, que tentamos nos construir, nos aperfeiçoar, melhorar nossas relações vitais e
melhorar o tempo, as instituições e o Mundo em que vivemos.

Mas o que é concretamente a Moral, quais suas características fundamentais?

1.4 – TRAÇOS ESSENCIAIS DA MORAL: Resumidamente são os seguintes os traços


essenciais da moral. (1)

 é uma forma de comportamento humano que compreende tanto um


aspecto normativo (regras de ação) quanto um aspecto factual (necessidade de
adequação dos atos humanos às normas)
 a Moral é um fato social: tende a ajudar os grupos e as sociedades a
organizarem suas ações em base a valores e fins e assim a solucionar suas necessidades.
 é um fato individual, de cada pessoa, pois exige a interiorização, a adesão
íntima, o reconhecimento interior das normas estabelecidas pela comunidade ou
descobertas pessoalmente.
 o ato moral, manifestação concreta do comportamento moral de pessoas
reais, é complexo, e é síntese indissolúvel de:

Motivação  
Intenção a perfeição deles todos,
Decisão em sínteses, forma a perfeição
Meios do normal
Resultados  

1. o ato moral, como ato consciente e voluntário, supõe uma participação livre do sujeito
em suas realizações; é portanto incompatível com a imposição forçada de normas.

Podemos agora tentar uma definição:

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A Moral é um sistema de normas, princípios e valores, segundo o qual são regulamentadas as
relações mútuas entre os indivíduos ou entre estes e as comunidades, de tal maneira que estas
normas, dotadas de um caráter histórico e social, sejam acatadas livremente e
conscientemente, por uma convicção íntima e não de uma maneira mecânica, externa ou
impessoal.

2. O PROBLEMA ÉTICO

Uma coisa porém é o Problema Moral outra coisa é o Problema Ético.

Nós não só agimos moralmente (ação, decisão, normas, juízos morais), mas também
refletimos sobre nosso comportamento moral e o tomamos, portanto, como objeto de nossa
reflexão, buscando os como, porquê, para quê e demais relações dos atos morais.

E assim, parando para aprofundar uma reflexão sobre o mundo da Moral, sobre os atos
humanos sob o aspecto de bem ou de mal, nos estamos dando um passo importante:

 saímos do campo da Moral

 entramos no campo da Ética

3. O PROBLEMA DEONTOLÓGICO (4)

O vocabulário grego "déon" significa

 o obrigatório
 o justo
 o adequado

A partir deste particípio e da palavra loghia, Jeremias Bentham cunhou o termo deontologia,
em 1834. Como ciência de normas que são meios para alcançar certos fins.

Após Bentham tornou-se comum considerar a Deontologia não só como uma disciplina
normativa, mas também descritiva e empírica que tem como finalidade a determinação dos
deveres que devem ser cumpridos em determinadas circunstâncias sociais e de modo todo
especial dentro de uma determinada profissão.

A Deontologia é, então, a ciência que estabelece normas diretoras das atividades


profissionais sob o signo de retidão moral ou honestidade estabelecendo o bem a fazer e o
mal a evitar no exercício da profissão.

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Partindo do pressuposto de que a atividade profissional é, toda ela, sujeita à norma moral, a
Deontologia profissional elabora sistematicamente os ideais e as normas que devem orientar
a atividade profissional.

3.1 – PRINCÍPIOS PARA UMA DEONTOLOGIA INTERPROFISSIONAL:

Deixando de lado os aspectos de cada profissão, uma boa Deontologia profissional deve ter o
seguinte esquema básico de conduta profissional:

3.1.1 Na área da profissão, terá como norma fundamental:

Zelar, com sua competência e honestidade, pelo bom nome ou reputação da profissão.
Sublinhamos competência e honestidade pois a reputação da Profissão não deve ser
procurada por si mesma ou a qualquer preço, mas deve ser a conseqüência natural da
competência e honestidade de seus membros e do grupo como um todo, na busca honesta
comprometida e inteligente do BEM COMUM para a sociedade como um todo, como os
meios que essa profissão proporciona.

3.1.2 – Na área da ordem profissional, ou seja, na relação com seus pares e colegas de
profissão, a norma fundamental será:

Culto de lealdade e solidariedade profissional evitando críticas levianas, competição e


concorrência desleal. Sem descambar, naturalmente para o acobertamento de toda e qualquer
ação dos colegas e sem nunca ferir a verdade, a justiça, a moral ou o BEM COMUM. Mais
Máfias, pactos de silêncio, e sociedades secretas, não são necessárias. Vida a propósito, as
páginas candentes de Jayme Landmann em "Ética Médica sem Máscaras".

3.1.3 Na área da clientela profissional, os que são os usuários dos serviços profissionais
(verdadeiro coração da Deontologia Profissional), deverá haver três normas fundamentais:

a) execução íntegra do serviço conforme o combinado com o usuário.


Sempre naturalmente que o pedido seja moralmente lícito no plano objetivo e não vá
contra o bem comum ou de terceiros ou do próprio solicitante.

Se do ponto de vista técnico o pedido é menos seguro ou menos bom ou tem consequências
não previstas pelo solicitante, deve o profissional esclarecer o cliente mostrando as
inconveniências existentes e os procedimentos para melhor execução, após o que pode deixar
o cliente decidir e assumir toda a responsabilidade pelas consequências, exceto, se houver
prejuízos ao bem comum ou a terceiros.

b) a remuneração justa: nunca por motivo algum, deve ser excessiva. Nada impede que se
prestem serviços a menor preço ou mesmo gratuitamente, em casos de necessidade financeira
do usuário.

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Se há o dever da solidariedade com os colegas, porque não o deve ou pelo menos o pode
haver com os usuários? Dado o baixo nível de renda de nosso povo, há por aí muitos
profissionais, baseados em códigos de Ética Profissional, cobrando tarifas que o Povo em
geral não pode de forma alguma pagar. Que será então mais moral: ficar fiel às tarifas ou
emolumentos estabelecidos pela classe (vide médicos, dentistas, advogados, cartórios, etc.)
ou possibilitar ao Povo que usufrua dos serviços de que precisa e a que tem direito?

E não vale o argumento de que a vida está cara, ou de que se trabalha muito, ou de que "se
hoje ganho é porque estudei e trabalhei para chegar onde estou". Isso tudo não passa de
sofismas. A vida está cara para todos e se pudeste estudar para chegar onde estás, estudastes
à custa da nação, à qual deves agora servir como um cidadão comum sem te autonomeares e
autojustificares como um privilegiado, um pequeno super-homem, indiferente ou superior ao
bem Comum do Povo Brasileiro.

c) o segredo profissional: o que se vem a conhecer de íntimo e pessoal no exercício da


profissão faz parte do que se domina de segredo natural ou segredo confiado e só se pode
usar para melhor prestação de serviço e não para outros fins, a não ser em casos de grave e
urgente perigo para o cliente, para si, para terceiros o para o bem comum.

4.CONCLUSÃO

Mas o que tem tudo isto a ver com o Código de Ética Profissional?

4.1 – Provar, com o acima exposto, que o nome não está certo. (5) Apesar de ser tão usado no
mundo, nasceu de um erro. Não devia ser código de Ética, mas se é que um Código é preciso
para uma profissão, (o que eu duvido) seria um código de deveres e de direitos, um estatuto,
um código de deveres e de direitos, um estatuto, um código de deveres e de direitos, um
estatuto, um código de sanções (penal) ou, talvez mesmo só um código de etiqueta (pequena
ética?) de bons modos de boas maneiras.(6)

Talvez um bom estatuto registrado em cartório, também resolvesse. Ou já que os códigos têm
valor de Lei, se o governo quer mesmo legislar sobre as profissões, poderia fazer código de
deveres e direitos e sanções, das profissões reconhecidas.

Assim, para este seminário, em vez de chamar um professor de Filosofia para falar sobre
Fundamentos Teóricos da Ética profissional, teriam chamado um professor de Direito para
falar de fundamentos teóricos de um Código de Leis do Serviço Social ou, então, um
professor de Relações Humanas, de Protocolos ou de Cerimonial que falaria sobre o que bem
e o que não cai bem nas relações profissionais com os usuários ou clientela.

Não quero com isto dizer que as Assistentes Sociais como pessoas e como grupo, nada têm a
ver com a Moral ou com a Ética. Têm sim, como Pessoas e Profissionais normais. Pessoas
humanas sujeitas à Moral, como qualquer outra pessoa humana na sua Vida e na sua
Profissão.

Quero só frisar que não acho sentido se outorgar um código de Ética ou melhor de Moral
para uma Profissão, elevando-a assim acima do comum dos mortais. Isto, sobretudo em

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tempos de Novas República, de Democratização, tem um certo ranço de privilégio, de foro
especial, de máfia ou sociedade secreta de iniciados.

4.2 – À parte o problema do equívoco do nome que, como tantos outros equívocos se
tornaram norma prática e até lei em nosso país, acho muito positivo que este grupo
profissional se reúna para refletir não só sobre o "Código de Ética, Moral, Deontologia,
Etiqueta" ou outro nome qualquer, mas para, perante a rápida evolução das idéias e dos
acontecimentos (nos Centros do Poder, que as Periferias Sociais, as Margens... continuam
sempre a mesma, para não dizermos pior) mas para refletir sobre:

4.2.1 – A situação concreta, real, conflituosa, dialética, insegura, das Assistentes Sociais no
Maranhão de hoje (não só em São Luís onde estranhamente estão concentradas cerca de 90%
das Profissionais do Serviço Social, numa demonstração irretorquível de "capitalização" do
Serviço Social no Estado).

– A contradição viva e o desafio dilacerante que é o fato de ser Assistente Social para
transformar a sociedade conforme belos ideais do Mundo, Sociedade, Grupo e Pessoa e, por
outro lado, terem de ser empregadas dos perpetuadores do Status quo, no governo e nas
empresas, sobretudo enquanto governo e empresas pensaram que são seres superiores,
pairando acima da Lei, da Moral e do Bem Comum, não obrigados a prestarem contas de
seus atos a uma Sociedade frente organizada, onde o governo esteja a serviço do Povo e não
vice-versa.

4.2.2 – A busca de linhas-mestras da postura claras e crítica da Assistente Social perante tudo
isso que está aí, buscando o melhor, o mais perfeito dentro do dialeticamente possível (isto é
de um possível que exige luta para poder ser sempre mais ampliado).

4.2.3 – A constante interação do Curso de Serviço Social com o grupo maranhense de


Assistentes Sociais, num contínuo e nunca acabado Feed-back: a teoria questionando a
prática (ou práxis ? !); a prática concerta questionando as teorias e o ensino de Serviço Social
na Universidade, já que a impressão que se tem é que entre a teoria e a práxis, entre o
Bacanga e a Cidade, em termos de Serviço Social não está havendo comunicação suficiente.

4.3 – Em vez de tirarmos todas as conclusões lógicas da comparação dos três tópicos: Moral,
Ética e Deontologia e de aplicarmos isso pormenorizadamente à realidade do Serviço Social
aqui hoje em São Luís, como grupo de Profissionais e como sua ação profissional nas
empresas e entre o povo, preferimos, como aliás tão bem já fazia o velho Sócrates, suscitar
esse trabalho e essas respostas com a série de questionamentos que se seguem. Mais do que
dar a papa feita, preferimos suscitar, por vezes até pungentemente, uma reflexão crítica de
onde nasçam as devidas conclusões:

4.3.1 – Porquê "Ética Profissional" e não Moral, Política, Estatuto, Código de deveres,
direitos e penas (ou sanções), Princípios Filosóficos, sociais e políticos, Declaração de
valores, Código de Etiqueta, Código disciplinar?

4.3.2 – Porquê Código de Ética do Serviço Social, do Médico, do Químico e... demais
"profissões nobres", isto é, que dão dinheiro e status, quando, por outro lado, a Família, a

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Nação, o Clero, os Artistas, os Comerciantes, os Trabalhadores rurais, os Professores, os
Estudantes e muitas outras categorias não têm códigos específicos de Ética? Porquê? Será
que são menos importantes, será que soa menos inteligentes, menos nobres, que têm menos
direitos e mais deveres?

4.3.3 – Porquê todos os Códigos de Ética Profissional tentam criar um Foro jurídico especial
nos Conselhos Regionais e Federais onde são julgados os atos contra os Códigos de Ética
Profissional?

Não será isto uma tentativa de criar privilégios e subtrair-se à justiça comum e não irá isto
diretamente contra o preceito constitucional "todos são iguais perante a Lei"? (eh! Mas
alguns são mais iguais!)

4.3.4 – A Ética ou Moral não é para todos os homens em qualquer situação e em qualquer
Profissão? E o Direito Civil e Penal também não?

Porquê, então, Códigos de Ética e foros especiais?

4.3.5 – Onde estão as bases filosóficas, jurídicas, antropológicas, sociológicas, psicológicas...


dos artigos dos Códigos de Ética?

4.3.6 – Quem garante seu valor: Cristo, Santo Tomás, Husserl, Marx, Kant, Hegel, Mounier?

4.3.7 – Por que motivos sérios e em base a que ideais, princípios e valores se está mudando
este Código de Ética?

4.3.8 – O que há de "lugar comum" e o eu há de "específico" neste novo código em relação


ao precedente e aos outros códigos de outras Profissões?

4.3.9 – Um código é uma interpretação, é uma cristalização de valores. Não há o perigo de se


estarem impondo escalas de valores parciais, de um grupo dominante, a nível de classe e
mesmo a nível de nação, já que o novo código vai ter o valor de Lei?

Estamos pelo menos todos conscientes deste perigo? E como poderíamos superá-los?

4.3.10 – Nossos empresários e nossos políticos têm-se denominado freqüentemente amorais,


imorais ou adeptos da moral do interesse próprio acima de tudo. É com eles eu nós
trabalhamos. Como conservar a autenticidade nessas circunstâncias?

 
Referências Bibliográficas

VASQUEZM, A. S. Ética, Civilização Brasileira, 1978, p. 68-69

MONDIN, J. B. Introdução à Filosofia. Ed. Paulinas, S. Paulo, 1983, p. 91-95

12
Dicionário de Filosofia. Alianza Editorial, Madrid. 1982, p. 749 e Fernando Bastos de Ávila.
Pequena Enciclopédia de Moral e Civismo. FENAME, 1978, p. 178-179

LANDMANN, J. Ética Médica sem Máscaras, Ed. Guanabara, 1985, p. 26-27

RIBEIRO, R. J. A etiqueta no Antigo Regime: do sangue à doce vida. 

II

Breve Resenha da Ética e da Moral

A ética se relaciona com outras ciências através do comportamento humano e suas


relações, que fazem parte de uma sociedade que é a moral. Também apresenta uma relação
direta com as ciências que estudam e determinam as leis sociais. Sendo influenciadas e
mantidas através das relações e atos econômicos, pelas relações de moral, social, comercial e
do trabalho.

Nas palavras de Vázquez, as doutrinas éticas fundamentais nascem e se desenvolvem em


diferentes épocas e sociedades como respostas aos problemas básicos apresentados pelas
relações entre os homens, e, em particular, pelo seu comportamento moral efetivo. Existe
assim uma estreita vinculação entre os conceitos morais e a realidade humana, social, sujeita
historicamente à mudança. Dentro desta conceituação, as doutrinas éticas não são
consideradas de modo isolado, mas dentro de um processo de mudança e de sucessão que
constitui propriamente a sua história.
  Uma moral primitiva surgiu com o próprio homem, onde a sobrevivência básica se
constituía na norma ética fundamental. A “Moral Tribal” se resumia em trabalhar para
comer, matar para não morrer.
O   homem da caverna lutava para se alimentar e para preservar o seu abrigo natural.
Naquelas circunstâncias, atitudes de alta agressividade - na nossa conceituação atual -
poderiam e eram consideradas eticamente válidas. Mas o homem primitivo foi evoluindo e
suas novas realidades sociais criaram por sua vez novas realidades éticas que modificaram e
até mesmo anularam as regras anteriores.
Nesta nova evolução histórica, chegamos à civilização grega que influiu de modo
avassalador em nosso mundo ocidental.

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Surgiu então a chamada Ética Grega. Ao naturalismo dos filósofos pré-socráticos
sucedeu uma preocupação com os problemas do homem, seus problemas políticos e morais,
em decorrência da democratização da vida política da Antiga Grécia. Aparecem então os
filósofos e grupos que introduzem novas formas de posicionamento que marcaram a história.
No século V a.C., surgiram os Sofistas que consideravam estéril o saber a respeito do
mundo, sendo atraídos especialmente pelo saber a respeito do homem, particularmente
político e jurídico. Tornaram-se os mestres que ensinavam a arte de convencer pela
argumentação, pela discussão. Para eles não existiam nem verdade nem erro e as normas, por
serem humanas, eram transitórias.
Surgiu em seguida Sócrates, que, apesar de também desprezar o conhecimento da
natureza e a tradição, rejeitava o relativismo e o subjetivismo dos sofistas. Sócrates
considerava como saber fundamental o saber a respeito do homem. Daí seu ensinamento
básico: “Homem, conhece-te a ti mesmo”. E acrescentava: “Só sei que nada sei!”
Concluindo: “Deve-se melhorar o conhecimento e aperfeiçoar a conduta”.
A ética socrática é racionalista e pode ser resumida na seguinte colocação: “O
homem age retamente quando conhece o bem, e, conhecendo-o, não pode deixar de
praticá-lo; por outro lado, aspirando ao bem, sente-se dono de si mesmo e, por
conseguinte, é feliz”.
À ética socrática segue-se a de Platão, seu discípulo, a qual dependia intimamente da sua
concepção metafísica (dualismo do mundo sensível e do mundo das idéias permanentes,
eternas, perfeitas e imutáveis que constituíam a verdadeira realidade) e da sua doutrina da
alma (princípio que animava ou movia o homem, constando de três partes: razão, vontade e
apetite).
PLATÃO privilegiava a relação Homem-Estado, enquanto afirmava a dualidade Corpo-
Alma, onde essa será superior àquela e como conseqüência estabelecia um total desinteresse
pelas coisas materiais, em favor quase que exclusivista das coisas do espírito. Na época
platônica notava-se um desprezo pelo trabalho físico e a exaltação das classes dedicadas às
atividades consideradas superiores: contemplação, política e a guerra. Na sua ética, os
escravos não tinham lugar no Estado ideal, pois seriam desprovidos de virtudes morais e
direitos cívicos. Assim, na ética platônica existia uma estreita unidade da moral e da política,
pois para ele o homem se formava espiritualmente somente no Estado e mediante a
subordinação do indivíduo à comunidade.
Veio a seguir Aristóteles, que foi discípulo de Platão. Mas Aristóteles se opunha a seu
mestre no que dizia respeito ao dualismo ontológico. Para ele a idéia não existia separada dos
indivíduos concretos. A idéia existia somente nos seres individuais. E Aristóteles procurava
responder à pergunta fundamental: qual é o fim último para o qual tende o Homem? Para a
felicidade, dizia ele. E esta felicidade não era o prazer ou a riqueza, mas a vida teórica ou
contemplação, guiada pelo que o homem tinha de mais característico e elevado: a razão.
  Para se realizar esta vida, dizia ele, eram fundamentais as virtudes não inatas, mas que
se adquiriam ou conquistavam pelo exercício. Estas virtudes ele as considerava em duas
classes: as intelectuais e as práticas ou éticas. Finalmente considerava Aristóteles que a
felicidade se alcançava mediante a virtude, porém com algumas condições necessárias:
maturidade, bens materiais, Liberdade pessoal e saúde, embora estas condições isoladas não
bastassem para fazer alguém feliz.
Aristóteles considerava que o homem enquanto tal só poderia viver na cidade, pois era
por natureza um animal político, ou seja, social. Somente os deuses e os animais não tinham
necessidade da comunidade política para viver. Mas ele afirmava que esta vida teórica só era

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possível a uma minoria ou elite, da qual a maior parte - os escravos - estava excluída. Dentro
deste quadro, o homem - o sábio - devia ser, ao mesmo tempo, um bom cidadão.
Com a decadência do mundo antigo greco-romano, surgiram os Estóicos e os
Epicuristas.
Para ambos, a moral não mais se definia em relação à cidade, mas ao universo (cosmos). O
problema moral era colocado sobre o fundo da necessidade física, natural, do mundo. Por
isso, a física se tornava a premissa da ética.
Para os estóicos o mundo passava a ser o centro de tudo, onde só acontecia o que Deus
quisesse. Passava a dominar assim uma fatalidade absoluta. Não existia a liberdade nem o
acaso. Como conseqüência, o homem que vivia no mundo tinha seu destino rígido e só lhe
restava aceitar este destino e agir consciente dele. Deixava de ter necessidade da
comunidade, pois passava a viver moralmente como cidadão do mundo, do cosmo. Já não era
limitado a uma “polis”, a uma comunidade menor.
Para os epicuristas tudo o que existia, incluindo a alma, era formado de átomos
materiais, não havendo nenhuma intervenção divina nos fenômenos físicos nem na vida
humana.
Livre assim de temores religiosos, o homem passava a buscar seu bem neste mundo, o
qual era representado pelo prazer, ainda que considerassem alguns prazeres como
inadequados, somente devendo buscar aqueles que contribuíssem para a paz da alma. O
homem procurava em si mesmo, ou num pequeno círculo de amigos, a tranqüilidade da alma
e a auto-suficiência.
Com esta ética se desfaziam a unidade moral e da política. Sobre as ruínas desta
sociedade surgiu a Ética Cristã, sobretudo após o século IV quando o cristianismo se tornou
a religião de Roma.
A ética cristã, essencialmente Teocêntrica, partia das revelações de Deus, das relações
do homem com o seu criador e do modo de vida prático que este homem devia seguir para
alcançar a sua salvação. Nesta ética, a relação do homem, mais do que uma inter-relação com
a comunidade ou com o mundo – cosmos -, estava ligada a Deus, seu criador.
Também no que dizia respeito às virtudes havia uma superioridade do divino. Ainda que
assimilando as virtudes fundamentais já enunciadas por Platão: prudência, fortaleza,
temperança e justiça, acentuava virtudes supremas ou teologais: fé, esperança e caridade.
Enquanto as fundamentais regulavam as relações entre os homens, as teologais relacionavam
o homem com Deus.
Na ética cristã, já não existiam as diferenças entre os homens: todos eram iguais diante
de Deus, independentemente de serem livres ou escravos, cultos ou incultos. Mas esta ética
de igualdade foi lançada numa época de enormes desigualdades e assim muita
incompreensão histórica surgiu dos fatos então acontecidos. Muitas vezes a desigualdade
material e social não foi condenada pela ética cristã, gerando com isso críticas violentas no
mundo moderno. Para melhor compreender esta situação é preciso situar-se no momento
histórico-social do tempo em que tal aconteceu. Na verdade o cristianismo veio dar aos
homens, pela primeira vez em sua história, a consciência de sua igualdade - onde incluía os
oprimidos e explorados - mas numa época onde não havia condições reais e sociais para esta
igualdade efetiva.
Na Idade Média, a igualdade só podia ser um nível espiritual ou visualizada num
mundo do amanhã, também espiritual. Portanto o cristianismo tinha uma profunda marca da
Idade Média, quando era totalmente fantasioso pensar-se numa igualdade real de todos os
homens. Esta mensagem certamente terá sido a semente da modificação radical que se

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processou no decorrer da história e que, apesar de estarmos longe ainda de sua plena
realização, vem se processando às vezes rápida, às vezes lentamente, mas sempre em
caminhada.
No século XV surge a Moral Burguesa, caracterizada pela exploração do Homem pelo
Homem, dando como corolário o início e a expansão do Capitalismo, no século seguinte.
A ética dominante a partir do século XVI até o século XIX denomina-se Ética Moderna,
Racionalista, embasando a Revolução Industrial do século XVIII. Esta ética, contrapondo-se
à ética teocêntrica da Idade Média, tornou-se antropocêntrica e teve sua maior expressão em
Kant.
Houve mudanças na economia, incrementando-se as forças produtivas e a ciência. Na
ordem social surgiu uma nova classe: a burguesia, seguindo-se a extinção da sociedade
feudal, de pequenos Estados, dando origem à formação dos grandes Estados.
Na religião, surgiram os movimentos reformistas, separando-se a razão da fé, a natureza
de Deus, o Estado da Igreja e até mesmo o homem de Deus. Com isto, a ética moderna
tornou-se essencialmente antropocêntrica, isto é, tornou o homem como o centro de sua
atenção. E Kant deu então o seu mandamento fundamental: “Age de maneira que possas
querer que o motivo que te levou a agir se torne uma lei universal”.
Finalmente chegamos na Ética Contemporânea, que tem o seu início em meados do
século XIX, provocada pelas violentas mudanças ocorridas em toda a humanidade, com o
desenvolvimento das ciências que chegaram ao paradoxo de criar condições cada vez mais
eficientes de destruição, até mesmo da própria humanidade. Ocorreu então uma reação:
a) Contra o formalismo e o universalismo abstrato e em favor do homem concreto.
b)   Contra o racionalismo absoluto e em favor do reconhecimento do irracional no
comportamento humano.
c)   Contra a fundamentação transcendente da ética e em favor da procura da sua origem
no próprio homem.
As principais correntes desta Ética Contemporânea são: o Existencialismo, o
Pragmatismo, a Psicanálise, o Marxismo, o Neopositivismo e a Filosofia Analítica.
No Existencialismo, Kierkegaard e Sartre representam seus principais teóricos. Para
ambos, o que vale é o homem concreto, o indivíduo como tal. Ao racionalismo é contraposto
um irracionalismo absoluto e um individualismo radical. O que diferencia Sartre de
Kierkegaard é a crença em Deus, pois para Sartre Deus não existe, e o homem é plenamente
livre sem qualquer vinculação com um criador.
O pragmatismo nasce e se difunde essencialmente nos Estados Unidos, estreitamente
ligado ao desenvolvimento técnico e científico e do espírito de empresa. O pragmatismo se
caracteriza pela sua identificação da verdade com o útil, no sentido daquilo que melhor ajuda
a viver e a conviver. Para esta corrente, eticamente quando se diz que algo é bom, significa
que leva eficazmente à obtenção de um fim, que leva ao êxito. Deste modo torna-se
essencialmente egoísta.
A Psicanálise deu sua contribuição ética por afirmar que existe uma zona da
personalidade da qual o sujeito não tem consciência (inconsciência). Isto faria com que certos
comportamentos e atitudes recebessem uma outra explicação e, portanto, uma nova
conceituação ética.
No Marxismo, a visão do Homem é de ser produtor, transformador, criador, social e
histórico. Dentro desta visão, são estabelecidas as premissas de uma ética marxista, dando
especial valor às classes e destas, especialmente ao proletariado cujo destino histórico é
abolir a si próprio dando origem a uma sociedade verdadeiramente humana.

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Finalmente no Neopositivismo e nas Filosofias Analíticas parte-se da necessidade de
libertar a ética do domínio da metafísica, acabando por concentrar a sua atenção na análise da
linguagem moral. Há uma insurreição contra toda ética que pretenda definir o bom como
uma propriedade natural, quando se trata de algo que não pode ser definido. E que, portanto,
só pode ser captado por meio da intuição. A esta condição são conduzidos também os
conceitos de dever, justeza, obrigação. No mundo da Ética contemporânea, Mary Warnock
afirma: “Todas as analogias e modelos destinados a esclarecer a linguagem ética têm o
aspecto de tentativas preparatórias para limpar a mesa do jogo. E é natural que nos sintamos
logrados quando comprovamos que, uma vez limpa a mesa, parece estar terminado o próprio
jogo”.
Em nosso século, o Capitalismo Financeiro substitui o Capitalismo Industrial, dando
origem aos trustes e aos cartéis. Somando-se à exploração do Homem pelo Homem, vem a
exploração dos Países pobres pelos Países ricos. Daqueles são retirados, por esses, as
matérias-primas e até os alimentos, sem haver, contudo, qualquer contrapartida sócio-
econômica.
A política, a arte e a ciência vão adquirindo uma autonomia cada vez maior, e a ética,
tanto quanto a religião, perde a hegemonia que exercia sobre a sociedade tradicional. E, num
segundo tempo, a economia assume o papel dominante ficando até mesmo a ética a ela
subordinada. A Consciência passa a ser considerada como uma forma de censura e de
cerceamento da liberdade, enquanto essa adquire foros de plenitude sem limites. Tudo se
justifica em nome da liberdade! A regra predominante se torna a procura do “melhor
produto”, então considerado como o que dá mais lucro e não o que é melhor para o Ser
Humano. A tecnologia supera tudo e se transforma na verdadeira deusa dos tempos
modernos. Com ela, nasce e atinge sua plenitude a Ética da Manipulação, regida pelos grupos
dominantes que afirmam: “assim é que deve ser”. A filosofia de vida assume uma nova
conotação: “os outros que se danem!”
Essa Ética da Manipulação se caracteriza pelos seguintes pontos:
1) Todo processo educativo será orientado para construir cidadãos submissos e
manipuláveis. Pensar, refletir e tomar consciência deverão ser reduzidos aos níveis mínimos.
O cidadão ideal será algo como “uma ameba em coma alcoólica...”  A educação visará
prioritariamente o processo de produção e consumo e o HOMO SAPIENS será substituído
pelo HOMO FABER.
2) Os meios de comunicação se tornarão instrumentos ideais da manipulação. E o maior
deles será a Televisão, onde o diálogo é totalmente inexistente. A psicologia será posta a
serviço desse sistema de mass-media, manipulando cientificamente a opinião pública,
criando necessidades mesmo onde elas inexistam ou até mesmo sejam indesejáveis. Os
anúncios, mais que vender produtos, deverão estimular o consumismo exacerbado, pela
criação de necessidades fictícias. O cidadão passará a comprar coisas, não porque delas
realmente necessite, mas porque lhe foi incutido cientificamente acreditar nessa falsa
necessidade.
Exemplo disso é a indústria farmacêutica inglesa que em 1973 gastou 33 milhões de
libras em publicidade contra 30 milhões em pesquisas...
3) O imediatismo será estimulado, bem como a fixação na condição de descartabilidade
das coisas. Com isso, se criará uma falta de esperança num futuro melhor e as pessoas
buscarão resultados rápidos, mesmo em detrimento da qualidade. Cada conquista será
rapidamente descartada para que novos valores sejam buscados. Até o Ser Humano se tornará
descartável, seja nas relações afetivas - separações, divórcios, amizades passageiras - seja nas

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comerciais, onde as demissões individuais ou em massa se farão sem qualquer
constrangimento, criando uma legião de infelizes desempregados.
4)  O próprio exercício da pesquisa científica será manipulado, ficando essa restrita a um
campo sofisticado e exclusivo, onde o objetivo será sempre e tão-somente o resultado, com
uma absoluta redução ou até anulação do valor da vida, que perderá sua sacralidade. O poder
será a meta fundamental e o homem terá estimulado o seu desejo de dominação e exploração
do seu semelhante sem qualquer escrúpulo. Diante desse quadro, de certo modo assustador,
faz-se mister que o homem de hoje, do aqui e agora, busque encontrar a ética dentro dos
valores imutáveis tanto quanto dos transitórios, formando seu conceito de vida em função de
sua própria dignidade de homem, centro indiscutível de toda a criação.
Como pistas iniciais para uma reflexão mais profunda, colocamos os seguintes pontos:
1)  Como norma básica, pode-se afirmar que “nem tudo o que é cientificamente possível,
é eticamente permitido”. Dentro desse princípio, não se deve cair no rigorismo
fundamentalista, nem escorregar para o laxismo modernista. Sem desprezar as tradições
como conservadoras, deve-se olhar para frente, porém com os pés cravados nas experiências
vividas. A História, preventiva da repetição dos mesmos erros, será cultivada e respeitada.
2)  A vida humana deverá ser inteiramente respeitada, desde a fecundação até a morte. O
Ser Humano nunca será considerado um meio, mas sempre o fim. Exemplo se faz no uso de
placebos na experimentação terapêutica. Não se pode colocar em risco a vida ou a saúde do
Ser Humano, pela omissão deliberada da terapêutica adequada, com o único objetivo de se
testar uma nova medicação experimental.
A esse propósito, deve-se ressaltar que as experiências dos fatos ocorridos durante a II
Guerra Mundial gerou o chamado “Código de Nuremberg”, de 1946, destinado a limitar
possíveis experimentações médicas em Seres Humanos. Em 1962, com modificações em
1964, foi efetivada a “DECLARAÇÃO SOBRE AS PESQUISAS BIOMÉDICAS”, em
Helsinki, com nova revisão em Tóquio, no ano de 1975. E, para mantê-la sempre atualizada à
luz de novas conquistas científicas, ficou deliberado que outras modificações poderiam vir a
ser feitas, sempre que necessário.
Dentro desses princípios, define-se essencialmente que a pesquisa biomédica somente
será aceita como tal, se for verdadeiramente “Pesquisa”, ao invés de experimentações
irrelevantes apenas para aumento curricular de seus autores. Será exigida uma correta
avaliação da relação danos/benefícios e o consentimento prévio dos pacientes será
indispensável para o início e continuidade de trabalhos experimentais. Ainda que esse seja
um ponto bastante controverso em determinados casos, onde uma interferência psicológica
por parte do paciente poderá alterar substancialmente os resultados de uma pesquisa. Assim,
caberá aos pesquisadores buscarem alternativas que atendam as necessidades técnicas da
pesquisa, sem, contudo, violentar os direitos básicos do Ser Humano.
De qualquer forma, toda a relação entre pesquisadores e pacientes deverá
necessariamente ter um caráter de “cumplicidade”, ao invés de furtividade oportunista. Para
isso, os profissionais deverão estabelecer uma comunicação inteiramente compreensível ao
paciente, ao invés da costumeira utilização de um linguajar técnico, manipuladoramente
hermético aos não iniciados, tais como o “mediquês”, o “psicologuês”, o “economês”, etc.,
somente acessíveis à casta privilegiada da Comunidade técnica específica.
 
 3) Mas, não só o Ser Humano deverá ser protegido pelas normas da Bioética, mas todas as
formas de vida existentes na natureza. Afinal, o Homem depende vitalmente de todas elas.
Entre os temas mais polêmicos está a chamada “Vivissecção”, que é o estudo em animais,

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ditos irracionais, vivos. Em 1978 a UNESCO firmou a Declaração Universal dos Direitos dos
Animais, que entre outras coisas termina dizendo: “Todo ato que acarrete a morte de um
animal, sem necessidade, é biocídio, isto é, delito contra a vida”. E prossegue: “Todo ato que
acarrete a morte de grande número de animais selvagens é genocídio, isto é, delito contra a
espécie.
Com tudo isso, busca-se uma “Moralidade dos atos humanos” que o Catecismo
Universal da Igreja Católica, publicado em 1993, explicita muito bem no primeiro capítulo
de sua terceira parte, ao indicar que essa Moralidade depende:
1) Do OBJETO ESCOLHIDO - Ou seja, o bem para o qual se dirige deliberadamente a
vontade.
2) Da INTENÇÃO com que se busca o objeto. Mas tendo sempre presente que “o fim
não justifica os meios”. Uma intenção má pode tornar mau um objeto bom.
3) Das CIRCUNSTÂNCIAS DA AÇÃO - Que podem aumentar ou diminuir a gravidade
do ato e a responsabilidade do agente. Mas não revertem totalmente a qualidade moral de
uma ação.
E acrescenta: “O ato moralmente bom supõe a bondade do objeto, da intenção e das
circunstâncias. Não se pode fazer um mal para que dele resulte um bem”.
A partir daí, podemos concluir duas regras básicas e obvias:
a) Faça ao próximo, o que gostarias que ele te fizesse.
b) A caridade respeita o próximo e sua consciência.
Uma palavra final sobre o histórico e o ensinamento da ética:
Não acreditamos ser possível “ensinar” ética a um adulto. Podemos, isto sim, fornecer
subsídios para um desenvolvimento da Consciência Crítica que irá proporcionar à pessoa
uma melhor possibilidade de avaliação de seus atos e dos acontecimentos que ocorrerem em
seu redor. Com esta avaliação ele será capaz de orientar e reorientar o seu próprio
comportamento, tornando-o ético diante de si mesmo, diante da comunidade em que vive e
diante do Criador Supremo. Ética começa no berço. Compete aos pais, os primeiros
educadores, forjar o caráter de cada novo ser dentro de corretas normas éticas, não só pelas
palavras, mas sobretudo pelos exemplos. Quem traz de sua infância estes conceitos
certamente irá aprimorá-los na sua vida adulta e conseqüentemente viveremos num mundo
melhor. Numa sociedade onde o egoísmo, o pragmatismo frio, a ambição e o apego têm a sua
morada, o homem se torna cada vez menos homem, cada vez mais máquina e nesta distorção
vem a infelicidade, a angústia, o sofrimento estéril. Acompanhando a história do homem, sua
evolução social, cultural e ética, poderemos tirar lições importantíssimas para o futuro da
humanidade. Uma casa se constrói sobre os alicerces assim como o futuro do homem se
constrói sobre o seu passado. Mas assim como a casa somente é habitada depois de
construída, o homem deve habitar o seu mundo no “aqui e agora”, utilizando os alicerces do
passado, mas sem se prender a ele. Pensando no futuro, mas construindo-o já, no momento
em que vive, pois esta é a única realidade que possui. Lamentar o passado ou viver sonhando
com o futuro é desperdiçar totalmente a sua vida, que é realidade hoje.
Este é o sentido de se estudar ética, começando pela sua história e vivendo-a na sua
realidade de hoje.

BIBLIOGRAFIA

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ALVES, Evaldo “Comportar-se fazendo bioética para quem se interessa pela ética”
D’Assumpção, Petrópolis, RJ: Vozes, 1998.

VÁZQUES, Adolfo Sánchez; Ética 27ª.ed.Rio de Janeiro;Civilização brasileira 2005.

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