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1º ano de DireitoÉticaCAD

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1º ano de DireitoÉticaCAD

Com o inicio da pandemia COVID-19 em 2020, em Portugal, veio também mais tempo livre no
sentido em que nos encontrávamos em confinamento geral obrigatório. Com mais tempo livre,
já que, por exemplo, as horas despendidas em transportes diariamente para a faculdade
podiam ser agora direcionadas para outras questões. Decidi então, literalmente de um dia para
o outro, criar a CAD, Comunidade de Aficionados de Direito. Com que objetivo? Queria ligar os
estudantes de Direito de todo o país, queria divulgar e criticar as mais recentes notícias
jurídico-políticas, queria levar a cabo iniciativas que aproveitassem a todo e qualquer jurista,
professor, estudante, advogado, etc… Criei o site, a página no Instagram e assim se começou a
erguer o projeto. Entretanto, com as aulas online, pensei também em elaborar apontamentos
semanais e divulgar com os meus colegas, utópico para um trabalho a sós, mas perfeitamente
possível com a entreajuda dos meus colegas porque cada grupo de estudantes faria os
apontamentos semanais de cada cadeira. Porque fazer os apontamentos semanais? A resposta
é extensa, mas simples. Com a “obrigação” de preparar esses mesmos apontamentos, tenho
também um duplo dever de assistir às aulas, de perceber e apontar as mesmas, porque não o
fazendo, falharia comigo e com os restantes colegas com quem me comprometi a partilhar os
apontamentos. Desta forma, dividimos até pelos vários estudantes a tarefa de recolher os
escritos relativos às diversas matérias. É trabalhoso, mas, inevitavelmente, ao
preocuparmo-nos com nos próprios estamos também a ajudar todos os outros alunos. Ou seja,
no 1º ano, começamos apenas a partir de março com os apontamentos semanais, mas no 2º
ano, ano letivo 2020/2021, os apontamentos semanais começaram no inicio e acabaram
apenas no fim do ano letivo! Dito isto, pode conter falhas de escrita ou de direito, foi feito ao
longo do tempo por juristas em formação, entregue semanalmente, portanto, é compreensível
e pedimos também que quando notada alguma falha grave nesse sentido, que nos seja
comunicado. Este projeto ajudou também a impulsionar um ambiente saudável no curso de
Direito na nossa universidade, não que já não o houvesse, mas esta iniciativa só o veio
melhorar. Esperamos ainda que esta iniciativa inspire ad aeternum o maior número de
estudantes possíveis, já que ficou demonstrado que a entreajuda tem efeitos positivos para
todos nós. Se tiveres interesse em colaborar connosco, envia-nos mensagem no Instagram.
Somos vários estudantes da licenciatura em Direito com vontade de mudar, ajudar e com
disponibilidade em ser ajudados. Obrigado a todos aqueles que todos os dias se esforçam por
uma comunidade melhor, saudavelmente competitiva, consciente e dedicada.

João Paulo Silva, Fundador da Comunidade de Aficionados do Direito.

Resumos de Ética (Frequência):

Índice:
1.1. Ética 2
1.2. Moral 3
1.3. Deontologia 4
1.4. Direito 5
1.5. Filosofia 5
2. A doutrina de Platão: a verdade enquanto fundamento do comportamento ético –
Idealismo platónico 6

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3. A doutrina de Aristóteles: A Ética enquanto Ciência prática do Bem – Realismo


aristotélico 7
Aristóteles vs. Platão: 7
4. Ética estoica e a defesa do comportamento ético enquanto manifestação da Razão: 7
5. Ética epicurista e a sustentação do Prazer (uma antevisão do pensamento utilitarista): 8
6. A Ética Kantiana – aspetos fundamentais: 9
7. A conduta ética e as virtudes humanas, no pensamento de Adam: 10
8. A Ética no pensamento de John Stuart Mill – utilitarismo: 11
9. O positivismo ético de Durkheim: 13
10.1. O conceito de direito e a ideia de justiça: 13
10.2. A justiça como um julgamento subjetivo de valor: 14
10.3. Justiça e paz e a criação de uma ordem jurídica: 15
10.4. Justiça e legalidade: 15
11. Autores e as suas ideias de justiça e lei: 16
11.1. Aristóteles (384-322 a.C.): 16
11.2. S. Tomás de Aquino (1225-1274): 18
11.3. Santo Agostinho (354-430): 21
11.4. Sólon (640-558 a.C.): 21
11.5. Cícero (106-43 a.C.): 22
12. A ética e o Direito: 23
12.1. Direito natural: 23
Criticas ao Direito natural: 24
12.2. O dualismo de Direito positivo e Direito natural: 24
12.3. O principio de validade no direito natural e no direito positivo; o fator de coerção;
direito e Estado: 25
12.4. O “dever ser”: validade absoluta e relativa 26
12.5. A limitação da ideia de Direito natural: 26
12.6. A impossibilidade de coexistência do Direito positivo e do Direito natural 27
13. A questão da Legitimidade e da Legalidade: o positivismo jurídico de Kelsen: 27
14. A Deontologia profissional dos Advogados: aspetos essenciais: 29

1. Definir os seguintes conceitos:

1.1. Ética:

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● Etimologicamente, ética, deriva de “ethos”, que significa modo de ser, hábito ou


costume. Assim, do ponto de vista etimológico, a ética consiste no estudo dos
costumes humanos.

● Os costumes incluem aquilo que diz respeito às práticas comuns ou convenções


sociais que definem o caráter próprio de um grupo ou nação, por exemplo, a forma
de saudar, a maneira de vestir, as normas sociais de etiqueta, as normas de
cortesia, etc., estas normas variam de uma região para outra, de uma ordem para
outra e podem, inclusive, ser alteradas pela própria sociedade.

● Por outro lado, os costumes levam em si mesmos a outro tipo de práticas mais
transcendentais, que refletem o caráter e o modo de ser das próprias pessoas: o
respeito pela honestidade, a valorização da liberdade, o respeito pelas leis e os
direitos humanos, os quais se relacionam com a natureza social e a essência
espiritual do ser humano. É deste tipo de costumes também referido à moral, de
que trata a ética.

● Relativamente ao uso popular do termo “ética”, este tem diferentes significados.


Um deles, sempre mencionado, é que a ética diz respeito aos princípios de conduta
que norteiam um individuo ou grupo de indivíduos. Desta forma, a expressão “ética
pessoal” é normalmente aplicada em referência aos princípios de conduta das
pessoas em geral. No mesmo sentido, a expressão “ética profissional” serve como
indicativo do conjunto de normas que delimita a conduta dos integrantes de
determinada profissão.

● A ética é, assim, um ramo da filosofia que lida com o que é moralmente bom ou
mau, certo ou errado. Pode-se dizer, também, que ética e “filosofia da moral” são
sinónimos.

● O ser humano emite juízos de valor em relação a si próprio e aos outros. Através
desses juízos enuncia aquilo que está bem e aquilo que está mal na conduta dos
indivíduos, ao mesmo tempo que expressa aquilo que devia fazer. A ética
estabelece, portanto, os critérios de valorização moral, de liberdade e
responsabilidade individual. Ocupa-se, como referido, da ação humana a partir do
“dever ser”.

● Desta forma, a questão de o “dever ser” passa a ser a característica que define e
distingue a ética das restantes disciplinas.

● Concluindo, a ética caracteriza-se por utilizar uma linguagem valorativa e


prescritiva ou normativa. Conduz à reflexão acerca do bom e do mau. Com base

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nos princípios éticos, o individuo toma decisões e orienta as suas ações a partir de
motivações do tipo moral ou legal.

1.2. Moral:

● A palavra moral, deriva da palavra latina “more”, que também significa “costumes”,
“hábitos”, conjunto de regras de convívio, num determinado espaço, numa
determinada comunidade, numa determinada sociedade. Deste modo, moral é a
ciência que ensina as regras que se devem seguir para fazer o bem e evitar o mal.

● Atualmente, o conceito de moral é utilizado tendo em consideração a


intencionalidade do comportamento, ou seja, tendo em conta o impulso
involuntário pelo qual se prefere atuar de forma determinada.

● Isto porque, sendo as atitudes e os comportamentos dos indivíduos orientados por


normas, ideias e valores próprios do seu grupo social, este é um processo que se
interioriza de modo impercetível na consciência de cada um.

● Assim, a moral adquire-se, mediante a aprendizagem ao longo da vida, daquilo que


é devido, do que é bom e mau. E, tendo mesmo os sistemas de valorização moral
relação com as exigências sociais de cada etapa histórica, podendo o sentido social
dos conceitos morais variar de uma época para outra, o seu conteúdo moral
conserva-se mais ou menos igual.

● A Moral é, então, um conjunto de regras, valores e proibições vindos do exterior ao


homem, ou seja, impostos pela política, a religião, a filosofia, a ideologia, os
costumes sociais, que impõem ao homem que faça o bem e o justo nas suas esferas
de atividade.

● Enquanto que a ética implica sempre uma reflexão teórica sobre qualquer moral,
uma revisão racional e crítica sobre a validade da conduta humana, a moral é a
aceitação de regras dadas. A ética é uma análise crítica dessas regras.

1.3. Deontologia:

● Deontologia, deriva do grego “deon” ou “deontos” /” logos” e, significa, o estudo


dos deveres.

● O objetivo da deontologia é, portanto, reger os comportamentos dos membros de


uma profissão para alcançar a excelência no trabalho, garantir a confiança do
público e proteger a reputação da profissão.

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● Trata-se, em concreto, do estudo do conjunto dos deveres profissionais


estabelecidos num código específico que, muitas vezes, propõe sanções para os
infratores. Melhor dizendo, é um conjunto de deveres, princípios e normas
reguladoras dos comportamentos exigíveis aos profissionais, ainda que nem
sempre estejam codificados numa regulamentação jurídica. Isto porque alguns
conjuntos de normas não têm uma função normativa (presente nos códigos
deontológicos), mas apenas reguladora (como, por exemplo, as declarações de
princípios e os enunciados de valores).

● Neste sentido, a deontologia é uma disciplina da ética especialmente adaptada ao


exercício de uma profissão. Em regra, os códigos de deontologia têm por base
grandes declarações universais e esforçam-se por traduzir o sentimento ético
expresso nestas, adaptando-o às particularidades de cada profissão e de cada país.

● Os códigos de ética são dificilmente separáveis da deontologia profissional, pelo


que é frequente os termos ética e deontologia serem utilizados como sinónimos.

● Atualmente, a deontologia refere-se ao conjunto normativo de imposições que


deve nortear uma atividade profissional, de modo a obter um tratamento
constante e justo a tantos quantos recorrem a esse bem ou serviço.

● Mas a ética não se reduz à deontologia. Alguns autores alertam para a necessidade
de ir além do mero cumprimento das normas deontológicas.

● Seguir os princípios éticos vertidos nos códigos deontológicos porque o seu


incumprimento tem consequências sociais (nomeadamente disciplinares) não é
atuar de forma ética. Porque as ações são apenas conformes à norma e não
conformes ao valor. Se o valor não é assumido pelo agente, este não age
racionalmente, de forma livre e responsável, de acordo com aquilo que,
interiormente, sabe que deve fazer. E a verdade é que para ser bom profissional, o
homem deve desenvolver todas as virtudes humanas, exercitadas através da
profissão.

● Além do mais, a ética não se reduz a um conjunto de proibições: o comportamento


ético gera satisfação, uma vez que se opta, livre e racionalmente, por praticar o
bem. O comportamento ético nasce do interior do homem, das suas convicções,
quer estas sejam, de natureza transcendente, quer de natureza humanista. E não
deve ser adotado apenas como "remédio" em caso de conflito: deve ser vivido
todos os dias, como parte de um projeto de vida pessoal.

1.4. Direito:

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● O termo direito provém da palavra latina “directus”, que significa reto, no sentido
de retidão, o certo, o correto, o mais adequado.

● O direito inspira-se em postulados de justiça e constitui a ordem normativa e


institucional que regula a conduta humana em sociedade. A base do direito
centra-se nas relações sociais, as quais determinam o seu conteúdo e carácter.

● Visto sob este prisma, o direito é um conjunto de normas que permitem resolver os
conflitos no seio de uma sociedade, procurando, desta forma, melhorar as
condições sociais ao sugerir e estabelecer regras justas e equitativas de conduta.

● Portanto, pode-se caracterizar o direito como um conjunto de normas necessárias à


convivência humana que se inspiram e fundamentam na ideia de justiça e tem na
coercibilidade uma importante condição de eficácia.

1.5. Filosofia:

● Filosofia é uma palavra de origem grega, cujo significado literal é “amor à


sabedoria”. A filosofia estuda problemas essenciais da humanidade, procurando a
compreensão da realidade e de como o homem se relaciona com o mundo. Os
problemas estudados pela filosofia são, basicamente, a existência, o conhecimento,
a verdade, os valores morais, a estética, a mente e a linguagem.

● A filosofia envolve todas as conceções de ciência, conhecimento e saber racional. É


importante ter em mente que a filosofia se preocupa com questões referentes ao
ser humano, mas de uma maneira diferente da religião, que se baseia na fé. Na
filosofia, a razão é a palavra-chave.

● O termo filosofia é uma junção das duas palavras gregas “philo” e “sophia”. A
primeira significa amizade, fraternidade, enquanto a segunda significa sabedoria.

● Assim, chegamos à definição “amor à sabedoria”, sendo o filósofo aquele que tem
desejo pelo saber. Neste sentido, a filosofia é o estado de espírito daquele que
procura e respeita o conhecimento.

● Com a filosofia conseguimos identificar o motivo pelo qual as coisas mudam,


porque não é o suficiente ter um conhecimento técnico e/ou especializado, mas é
essencial ter o que chamamos de conhecimento global para que assim possamos
compreender melhor o mundo no qual estamos inseridos.

● Podemos dizer também que a filosofia é uma espécie de educação que tem
ultrapassado as fronteiras cognitivas e todos os outros conhecimentos adquiridos

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convencionalmente, pois ela nos leva a refletir sobre tudo, a questionar, a debater
e até a oferecer soluções.

● A filosofia faz-nos sair da escuridão do comodismo e ir encontrar a luz da sabedoria


das soluções, faz entender o que é tido como inútil e perceber com clareza o que é
útil. A filosofia serve para entendermos com clareza os conceitos usados no dia a
dia, na ciência, nas artes, na religião, etc.

2. A doutrina de Platão: a verdade enquanto fundamento do


comportamento ético – Idealismo platónico:
● Platão procura explicar como se desenvolve o conhecimento humano. Segundo ele,
o processo do conhecimento desenvolve-se por meio da passagem progressiva do
mundo das ilusões e das aparências para o mundo das ideias e das essências.

● Para Platão, a sociedade ética tem de residir na verdade. Como a verdade, por
vezes, entra em confronto com outros valores menos importantes, como a
amizade, é impossível, para o ser humano, construir uma sociedade puramente
ética, uma vez que esta não se ergue à base de leis justas, mas com mentalidades
que privilegiem sempre a verdade em detrimento de outros valores.

● Essas mentalidades devem formar-se desde cedo no ser humano, através de uma
educação que incuta o valor de verdade e o seu caráter absoluto e intransigente
nas crianças.

● Para Platão, este mundo sensível em que nos movemos é uma cópia do verdadeiro
mundo: o mundo das ideias. Do mundo ideal provém o homem, pela sua alma, e a
ele há-de voltar utilizando as suas forças: inteligência, vontade e entusiasmo.
Segundo o mesmo, todo este mundo é ideal e, ainda que nunca se alcance, há
direito a sonhá-lo. É certo que os homens se comportam de forma enganosa,
grosseira, sem inteligência e desprovidos de virtude, mas isso não significa que seja
o ideal.

● Assim, Platão dá-nos uma explicação simples para o facto de as coisas não serem
como deveriam ser: este mundo não é o verdadeiro mundo. Assim sendo, o
platonismo corre o risco de não se preocupar com os reais problemas do género
humano, que não se apresentam com perfis ideais.

● É possível confirmar que a conceção platónica de sociedade ética é utópica, uma


vez que não tem efeitos práticos na realidade.

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3. A doutrina de Aristóteles: A Ética enquanto Ciência prática do Bem –


Realismo aristotélico:

● Aristóteles fez o seguinte raciocínio: alguém que pratica o mal, ou está a proceder
involuntariamente ou não está na plena posse das suas faculdades mentais, visto
que o ser humano é inteligente e percebe que os seus atos acarretam sempre
consequências, por isso, agindo inteligentemente, só se pode agir eticamente, caso
contrário sofre-se as inevitáveis e prejudiciais consequências. Ou seja, nenhum ser
humano pode agir conscientemente pretendendo o mal.

● Segundo Aristóteles, a ética é a ciência prática do bem e bem é o que todos nós
desejamos, já que ninguém atua pretendendo o mal. Se alguém escolhe algo que é
mal, fá-lo porque o julga um bem.

● Aristóteles termina a sua explicação dizendo que o bem próprio do homem é a


inteligência e, portanto, o homem tem de viver segundo a razão. Seguindo a razão,
chega-se às virtudes. A virtude é um hábito que torna bom quem o pratica.

Aristóteles vs. Platão:

● Para Platão, a ética baseia-se na aspiração do homem a ser Deus. Já Aristóteles


deixa na obscuridade essa questão, ainda que se note uma tendência a discordar
da posição de Platão, afirmando que quando se é homem, não se deve conceber
nada mais do que o humano e, quando se é imortal, não se deve conceber nada
mais do que o mortal.

4. Ética estoica e a defesa do comportamento ético enquanto


manifestação da Razão:

● O estoicismo, que a seu modo sobreviveu até aos nossos dias e continua a ser
reconhecido pelos inúmeros leitores das suas obras, foi fundado por volta de 300
a.C., por Zenão de Cicio. Compartilha com outras escolas contemporâneas a
afirmação do primado do problema moral sobre os problemas teóricos.

● As doutrinas estoicas dominaram amplamente um setor importante – às vezes


dominante – da cultura greco-romana, podendo mesmo orgulhar-se de terem sido
praticadas com igual elevação por um aristocrata (Séneca), um antigo escravo
(Epicteto) e um imperador (Marco Aurélio).

● Segundo esta doutrina, só se pode agir eticamente se o fizermos racionalmente,


pois a emoção deturpa o pensamento e provoca precipitações dos nossos atos,
tornando-os contrários à ética.

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● Para o estoico, a vida feliz é a vida virtuosa, isto é, viver conforme a Natureza, ou
seja, viver conforme a razão. O essencial é a retidão, proveniente da lei natural, a
lei divina que mede o justo e o injusto. Para viver retamente é preciso lutar contra
as paixões, contra as boas e as más, de modo a que nada inquiete nem perturbe.

● A ética estoica não é uma ética de conquista, mas de compreensão. Típico,


também, é o cosmopolitismo estoico, isto é, a doutrina de que o homem é cidadão
não de um país, mas do mundo. Igualmente característico é o sentido da igualdade
de todos os homens, e a sua forte dimensão pessoal: “Todas as coisas nos são
alheias, só o tempo é nosso”.

5. Ética epicurista e a sustentação do Prazer (uma antevisão do


pensamento utilitarista):

● De modo semelhante ao estoicismo – o seu inimigo histórico -, o epicurismo é do


século IV a.C. e remonta a Epicuro de Samos, que fundou a sua escola em Atenas.
Dura até hoje sob o nome de “utilitarismo”.

● Esta doutrina advoga que o homem deve fazer aquilo que lhe dá mais prazer.
Epicuro considera que os homens se compõem de corpo e alma e conclui que os
prazeres da alma (o gozo), são superiores aos prazeres do corpo. A busca pelo
prazer tem de ser regida pela prudência, que há-de encaminhar à tranquilidade
interior.

● O essencial é a autossuficiência, não se preocupar com nada, suportar tudo com


tranquilidade. Quando dizemos que o prazer é o bem supremo da vida, não
entendemos os prazeres dos devassos ou os prazeres sensuais, como pensam
alguns que desconhecem ou não aceitam ou interpretam mal a nossa doutrina,
mas o não ter dor no corpo nem perturbação na alma.

● Na prática, o epicurismo levou quase sempre a esta simples conclusão: é licito tudo
o que produz prazer. Esta seria a substância da ética. A única advertência é que a
busca do prazer se faça sem intranquilidade, com domínio de si mesmo, sem
perturbação. O epicurismo histórico foi também bastante associal e é este aspeto
que o utilitarismo irá procurar corrigir.

● No entanto, ao epicurismo é feita uma crítica, que se debruça com a licitude dos
prazeres. Essa objeção aponta para alguns prazeres que podem não ser lícitos,
como o consumo de estupefacientes. Porém, os epicuristas contra-argumentaram
que tudo o que dá prazer é efetivamente lícito, sem confundir prazer com

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satisfação, uma vez que prazer é algo duradouro e incapaz de produzir


consequências negativas, ao contrário da satisfação, momentânea e capaz de
produzir efeitos prejudiciais.

6. A Ética Kantiana – aspetos fundamentais:


● Até meados do século XVIII, a conceção ética corrente no mundo era a cristã, ainda
que com elementos platónicos, aristotélicos e estoicos. Spinoza afirma que o sábio
chega a um conhecimento perfeito, à intuição de que Deus é o mundo ou o mundo
é Deus. A verdadeira religião, como verdadeira ética, é racional e resume-se na
“obediência a Deus com o máximo empenho interior, cultivando a justiça e a
caridade.” Obedecendo desse modo a Deus, o homem obedece na realidade a si
mesmo. E nada o perturba.

● Contudo, mais tarde, David Hume recusa qualquer fundamentação racional da


ética: a razão não é capaz de fomentar a permanência e a coesão. A vontade, o
sentimento, a capacidade afetiva, a imaginação são, vitalmente, mais importantes.
O que não significa que a ética de Hume possa ser reduzida a uma mera questão de
sentimento, a uns hábitos – no sentido de costumes – segundo os quais nos
parecem más as coisas chocantes, desagradáveis, provocantes.

● Deve, contudo, reconhecer-se que Hume não é um moralista normativo, mas


descritivo, fixa-se na origem das ideias morais, a fim de determinar em que medida
os sentimentos básicos, de que derivam, são suscetíveis de explicar a vida coletiva
que é, na essência, o mundo moral.

● Para Hume, a justiça é a virtude suprema. A justiça é o vínculo da vida social: as


regras de justiça têm por objeto o bem ou o interesse comum, a utilidade de todos;
mas politicamente o vinculo é a sua utilidade.

● Kant, por outro lado, está de acordo com Hume na sua ideia de que a ética não tem
fundamentos científicos, mas acrescenta que é mais que a simples simpatia ou
hábitos sociais.

● Os princípios da moral kantiana são imperativos categóricos (incondicionados).


Diz-se “imperativo” porque a lei moral não aconselha, mas manda, e “categórico”
porque não é um juízo hipotético, mas absoluto. Ou seja, a ética kantiana não é
uma ética que dita conteúdos, mas normas formais (“atua de tal modo que possas
querer que essa atuação se converta em lei universal”). Exemplificando: não é
ético roubar, porque o homem não pode querer que essa atuação – o roubo – se
converta em lei universal. Kant é contra todo o prémio, o prémio de uma ação tem

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de ser a própria ação. Não basta atuar conforme o dever. Atuar por dever é a
necessidade de cumprir uma ação por respeito à lei.

● A única condição requerida diretamente como fundamento intrínseco da obrigação


moral é a liberdade. O imperativo categórico supõe uma vontade autónoma e livre.
Se o homem não se sentisse livre, não poderia sentir-se obrigado a obedecer e,
portanto, a lei moral seria absurda. Em suma, para Kant só o homem que procura o
dever pelo dever poderá esperar tudo: o bem supremo.

● Kant procurou, ainda, conciliar o racionalismo com o empirismo. A este respeito, a


ética kantiana é de uma grandeza inegável, mas tem algumas debilidades,
nomeadamente o exagero do caráter a priori das formas de conhecimento e, de
modo especial, a exagerada autonomia do imperativo categórico: tudo se reduz ao
imperativo categórico que, por sua vez, se apoia, circularmente, em si mesmo, isto
é, numa afirmação categórica. Portanto, não é difícil prever que o rigorismo formal
kantiano – a sua pura ética do dever pelo dever – se tenha vindo a acomodar a uma
espécie de subjetivismo sociológico: o homem considera dever coisas mutáveis,
dependentes das circunstâncias e dos tempos.

7. A conduta ética e as virtudes humanas, no pensamento de Adam:

● Para Adam Smith, a simpatia é a condição necessária e suficiente para


fundamentar a moral.

● O juízo moral explicar-se-ia, assim, pela simpatia, porque julgar é aprovar ou


desaprovar, e isso não é mais do que uma demonstração da presença ou da
ausência de simpatia.

● No fundo, estaríamos perante uma nova formulação da doutrina de Hume. No


entanto, isto não é inteiramente verdade. As semelhanças entre Hume e Adam
Smith não podem ignorar as diferenças.

● Antes de mais, o imaginário observador honrado e imparcial, mais do que exterior,


é algo interior a cada um de nós, e tanto mais quanto o seu juízo é função da nossa
própria experiência: como simpatizantes, juízes e espectadores das ações dos
outros. Daí o peculiar psicologismo de Smith, que o leva a construir o seu sistema
de filosofia moral com base nestas simpatias triangulares.

● De facto, a admiração pelo pensamento de Hume não impediu Smith de reagir


contra muitos dos seus pontos de vista, como acontece em relação à utilidade da
ação.

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● Enquanto, em Hume, permanece a ideia de que toda a ação tem um fim prático,
Smith insiste em que, quando aprovamos a conduta de um homem, o fazemos
porque é apropriada e não só porque é útil. Um comportamento apropriado é bom
em si mesmo, para além de ser fonte de felicidade pessoal e de prosperidade
social.

● Para Smith, são as regras de conduta que tornam possível a vida em sociedade e a
cooperação. O homem necessita de se integrar num grupo para a sua sobrevivência
e o seu desenvolvimento. Por essa razão, a Natureza dotou a raça humana de
aptidões e qualidades que a induzem à vida em sociedade e, inclusive, que a
movem a procurar o respeito e a aprovação dos outros.

● Adam Smith salienta para além das simpatias e das paixões, as virtudes, tanto mais
que, apesar do papel central da simpatia, o sistema moral de Smith é um sistema
repleto de virtudes.

● Por isso, o espectador imparcial de Smith não se contenta em simplesmente


garantir que a humanidade se alimente; deseja também que mostre “sentimentos
generosos, nobres e ternos” e que desfrute de mentes ativas, curiosas e
inovadoras. Deseja que o homem atinja um equilíbrio entre os diversos aspetos da
vida. Smith estava consciente de que a insensatez humana levaria a um
desequilíbrio.

● A obsessiva admiração da riqueza é, em última instância, a grande e universal causa


da corrupção dos nossos sentimentos morais. Assim, a virtude estrita exige um
sentido de perspetiva e de moderação.

8. A Ética no pensamento de John Stuart Mill – utilitarismo:


● Pode-se afirmar que o principal contributo de Mill consistiu em atualizar o
epicurismo através do seu “casamento” com a doutrina ética defendida pelo seu
padrinho intelectual, Jeremy Bentham: o objetivo da ética é a maior felicidade para
o maior número possível de pessoas.

● É sabido que Bentham reclama ser o Newton da ciência moral e política; ao mesmo
tempo que pretende converter-se no primeiro “engenheiro social”, através da
aplicação dos princípios desta nova ciência à resolução de problemas da sociedade,
empregando para tal, de um modo massivo, a técnica e os instrumentos jurídicos.

● Bentham e Mill podem ser considerados os inspiradores do utilitarismo social,


político e ético.

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● No entanto, importa aqui distinguir o “primeiro” e o “segundo” Mill,


acompanhando com cuidado a sua oscilação entre a razão e o coração, entre o
liberalismo e o socialismo.

● Dito isto importa reconhecer que Mill chegou a demarcar-se das considerações
exclusivamente quantitativas do prazer e felicidade de Bentham, introduzindo no
seu utilitarismo elementos antropológicos novos, próximos do aristotelismo.

● É assim que, embora continuando a defender a felicidade, isto é, o prazer com


ausência de sofrimento, aconselha o respeito pelo princípio da diversa qualidade
dos prazeres, entre os quais os intelectuais e morais são mais desejáveis e têm mais
valor do que os outros. Pode-se, então, dizer que tanto para Mill, como para
Epicuro, há que aspirar aos prazeres superiores, que são os do espirito. Daí que não
identifique felicidade com satisfação.

● É também verdade que o seu utilitarismo não pretende ser individualista, ao


contrário de Bentham. Mill exaltava o conceito de comunidade e a ideia do social e,
por isso, diz que a utilidade não se refere só à máxima felicidade da gente, mas à
maior soma total e geral de felicidade.

● O utilitarismo de Mill torna-o prisioneiro de um moral consequencialista, com


decisões permanentemente sujeitas a uma contabilidade feita de balanços
positivos, sempre provisórios e muito discutíveis, entre grupos de beneficiários e
de prejudicados. Não há norma superior nem, portanto, critério para saber o que é
que se considera em cada momento ético. Mill é relativista.

● Mill vai muito além de Hume, não considera que o dever moral esteja assinalado
fora do homem, nem seja algo inato, nem que se possa ler no seu interior. Ainda
que, quando trata da fundamentação da ética, considere que ela é mais do que a
simpatia: a sua base firme é constituída pelos sentimentos morais da humanidade,
o desejo de estarmos unidos com os nossos semelhantes que já é um poderoso
principio da natureza humana. Mill enfatiza, portanto, os sentimentos de
solidariedade.

9. O positivismo ético de Durkheim:


● Durkheim defende que a regra moral é toda ela mandamento e não outra coisa. A
ética é um sistema de mandamentos, feito de “tu deves”.

● O seu positivismo social não só toma a moral relativa como dá à ciência moral um
fim prático: levar os homens a conhecer e a conformar-se com as leis da existência
social, o que se consegue através da educação.

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1º ano de DireitoÉticaCAD

● Para Durkheim, a sociedade, como ser distinto e superior ao individuo, é fonte de


bem, objeto de respeito e de controlo e sanção para os seus membros.

● Como ele próprio nos diz: “a sociedade manda em nós porque é exterior e superior
a nós; a distancia moral que há entre ela e nós converte-a numa autoridade face à
qual a nossa vontade se inclina. Mas sendo, por outro lado, interior a nós, sendo
nós, por isso a amamos.”.

10. A ética e a justiça:

10.1. O conceito de direito e a ideia de justiça:

● Libertar o conceito de Direito da ideia de justiça é difícil porque ambos são


constantemente confundidos no pensamento político não científico, assim como na
linguagem comum, e porque essa confusão corresponde à tendência ideológica de
dar aparência de justiça ao Direito positivo. Se Direito e justiça são identificados, se
apenas uma ordem justa é chama de Direito, uma ordem social que é apresentada
como Direito é – ao mesmo tempo – apresentada como justa, e isso significa
justificá-la moralmente.

● A tendência de identificar Direito e justiça é a tendência de justificar uma dada


ordem social. É uma tendência política, não cientifica. Em vista dessa tendência, o
esforço de lidar com o Direito e a justiça como dois problemas distintos pode cair
sob a suspeita de estar a abandonar inteiramente a exigência de que o Direito
positivo deva ser justo.

● De qualquer modo, uma teoria pura do Direito, ao declarar-se incompetente para


responder se uma dada lei é justa ou injusta ou no que consiste o elemento
essencial da justiça, não se opõe de modo algum a essa exigência. Uma teoria pura
do Direito – uma ciência – não pode responder a essas perguntas porque elas não
podem, de modo algum, ser respondidas cientificamente.

● Dizer que uma ordem social é justa significa que essa ordem regula a conduta
humana de modo satisfatório a todos, ou seja, que todos os homens encontrem
nela a sua felicidade. O anseio por justiça é o eterno anseio do homem pela
felicidade. É a felicidade que o homem não pode encontrar como individuo isolado
e que, portanto, procura em sociedade. A justiça é, portanto, a felicidade social.

10.2. A justiça como um julgamento subjetivo de valor:

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1º ano de DireitoÉticaCAD

● É obvio que não pode existir nenhuma ordem justa, ou seja, uma ordem que
proporcione felicidade a todos. É, por isso, inevitável que a felicidade de um
individuo entre, em algum tempo, em conflito com a de outro.

● Uma ordem justa não é possível mesmo com a suposição de que ela procure
concretizar não a felicidade individual de cada um, mas sim a maior felicidade
possível do maior número possível de indivíduos.

● A felicidade que uma ordem social é capaz de assegurar pode ser felicidade apenas
no sentido coletivo, ou seja, a satisfação de certas necessidades, reconhecidas pela
autoridade social, pelo legislador, como necessidades dignas de serem satisfeitas
(ex: necessidades de alimentação, vestuário e moradia).

● As necessidades humanas dignas de serem satisfeitas correspondem a um


julgamento de valor, determinado por fatores emocionais e, consequentemente,
de caráter subjetivo, válido apenas para o sujeito que julga e, por conseguinte,
apenas relativo.

● Mas isto não significa que cada individuo possua o seu próprio sistema de valores.
Na verdade, muitos indivíduos concordam nos seus julgamentos de valor. Um
sistema positivo de valores não é uma criação arbitrária de um individuo isolado,
mas sempre o resultado da influência que os indivíduos exercem uns sobre os
outros dentro de um dado grupo, seja ele família, tribo, classe ou profissão. O facto
de haver certos valores geralmente aceites dentro de cada sociedade não
contradiz, de modo algum, o caráter subjetivo e relativo desses julgamentos de
valor.

● Que muito indivíduos estejam em concordância quanto aos seus julgamentos de


valor não é uma prova de que esses julgamentos sejam concretos. Assim, o facto de
a maioria das pessoas acreditarem que o sol gira em redor da Terra não é, ou não
foi, uma prova de veracidade dessa ideia. O critério de justiça, como critério de
verdade, não depende da frequência com que são feitos julgamentos sobre a
realidade ou julgamentos de valor.

10.3. Justiça e paz e a criação de uma ordem jurídica:


● A justiça é uma ideia irracional. Por mais indispensável que seja para a ação dos
homens, não está sujeita à cognição (conhecimento). Na perspetiva da cognição
racional, existem apenas interesses e, consequentemente, conflitos de interesses.

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1º ano de DireitoÉticaCAD

● A sua solução seria alcançada pela criação de uma ordem que satisfaça um
interesse em detrimento de outro ou que procure alcançar um compromisso entre
interesses opostos.

● Esta perspetiva apresenta o Direito tal como ele é, sem defendê-lo chamando-o
justo. Ou condená-lo denominando-o injusto. Procura o direito real e possível, não
o correto. É, nesse sentido, uma teoria radicalmente realista e empírica.

● Contudo, somente uma ordem jurídica que não satisfaça os interesses de um em


detrimento do outro, mas que, ao contrário, proporcione uma solução de
compromisso entre interesses opostos, de modo a minimizar os possíveis atritos,
estará em posição de assegurar a paz social.

● E, apesar do ideal de justiça ser razoavelmente diferente do ideal de paz, existe


uma tendência definida de identificar os dois ideais ou de substituir o ideal de
justiça pelo de paz.

10.4. Justiça e legalidade:


● A justiça significa legalidade, é justo que uma regra geral seja aplicada em todos os
casos em que, de acordo com o seu conteúdo, esta regra deva ser aplicada. É
injusto que ela seja aplicada num caso, mas não em outro caso similar.

● A justiça é compatível e necessária a qualquer ordem jurídica positiva. Justiça


significa a manutenção de uma ordem positiva através da sua aplicação
escrupulosa. Trata-se de justiça sob o Direito. A afirmação de que o
comportamento de um individuo é justo ou injusto, no sentido de legal ou ilegal,
significa que a sua conduta corresponde ou não a uma norma jurídica, pressuposta
como sendo válida pelo sujeito que julga, por pertencer essa norma a uma ordem
jurídica positiva.

● Se a declaração de que certa conduta corresponde ou não a uma norma leal for
chamada juramento de valor, isto é julgamento objetivo de valor, que deve ser
distinguido de um julgamento subjetivo pelo qual a vontade ou o sentimento do
sujeito que julga é expresso.

11. Autores e as suas ideias de justiça e lei:

11.1. Aristóteles (384-322 a.C.):

Sobre a justiça:

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1º ano de DireitoÉticaCAD

● A justiça, para Aristóteles, é aquela disposição do caráter a partir do qual os


homens agem justamente.

● Injusto será quem transgride a lei, quem quer ter mais do que é devido e quem é
mau, logo, justo será quem observa a lei e respeita a igualdade. Nestes termos
entendemos por justo, o que produz e salvaguarda a felicidade, não só a própria
como a felicidade comum.

● Assim, verificamos que é nas relações com os outros, em função delas, e até a
partir delas, que devemos encontrar uma noção do que é ou pode ser considerado
justo.

Desta forma, é de realçar a sua obra “Ética a Nicómaco”:

● Nesta obra Aristóteles procura indicar um sentido para a definição do que pode ser
considerado correto, quer no comportamento de cada homem consigo próprio,
quer no comportamento por si estabelecido com os outros.

● Aquilo que somos não deixará de se refletir na comunidade em que estamos


inseridos, não sendo isso indiferente à forma como essa comunidade se organiza e
ao tipo de regime politico que institui. Se cada comunidade tem um fim, esse fim
baseia-se num principio e entre o principio e o fim há um meio pelo qual se
alcançam ou tentam alcançar, os objetivos definidos.

● Sendo o principio de qualquer comunidade os homens, os fins dessa comunidade


não podem desligar-se da razão que naturalmente os levam a querer viver em
conjunto. E, sendo essa razão o bem-estar, a felicidade, devemos querer que a ação
desenvolvida pelos homens não prejudique o fim a atingir, ou seja, o fim que os
levou a querer naturalmente viver em conjunto. Essa ação tem de respeitar o
equilíbrio entre todos, promover a equidade e a harmonia. Tem, em suma, de ser
justa.

É, então, necessário proceder a uma distinção entre as referidas justiça particular e a


justiça politica:

a) Justiça particular:

A justiça particular apresenta-se de duas formas.

1. Justiça distributiva: tem o seu campo de aplicação nas distribuições da honra


ou riqueza. Segue o principio da distribuição de acordo com o mérito e é
proporcional, porque se as pessoas não forem iguais não terão partes iguais, e
ainda porque se os homens se reuniram em comunidades por causa das

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1º ano de DireitoÉticaCAD

riquezas, a participação na cidade deveria ser proporcional à participação na


riqueza.

2. Justiça corretiva: diz respeito às transações particulares, observa o principio da


igualdade, porque a lei olha apenas para a especificidade do dano, e trata toda
a gente por igual.

b) Justiça política:
● Segundo Aristóteles a justiça política tem em vista a autossuficiência das
comunidades entre homens livres e iguais e é também apresentada de duas
formas. Uma é natural e a outra convencional.
1. Justiça natural: é comum a todos os povos e não está dependente da decisão
política particular de cada governo.

2. Justiça convencional: há uma lei particular, ou seja, aquela que foi definida por
cada povo em relação a si mesmo, quer seja escrita ou não escrita e há uma lei
comum, que é definida segundo a natureza. Neste caso, a justiça convencional é
particular de cada povo, devendo respeitar a justiça natural, mas indicando as
especificidades próprias de cada comunidade, como tal interpretadas pelos
respetivos governantes.

Sobre a lei:

● A lei, segundo Aristóteles, é a razão liberta do desejo e se o que nela estiver


disposto tiver sido corretamente disposto pelo legislador, a lei é justa, caso seja
inoportuna poderá não ser tão justa.

● De igual modo importa observar que para ele as leis fundadas nos costumes têm
supremacia e referem-se a questões ainda mais importantes do que as leis escritas.

11.2. S. Tomás de Aquino (1225-1274):

Sobre a justiça:

● A justiça para S. Tomás de Aquino é a constante e perpétua vontade de dar a cada


um o que é seu por direito.

● Já no que respeita a S. Tomás de Aquino, verifica-se uma sintonia com o que


anteriormente foi dito por Aristóteles, com a particular e relevante diferença de
que para este, sendo o mundo, logo o Homem, uma criação de Deus, o conceito de
justiça não poderia deixar de evidenciar os princípios naturais que Dele derivam.

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1º ano de DireitoÉticaCAD

E, neste sentido a justiça era classificada em:

a) Justiça particular: é aquela que obriga o homem a fazer o bem em relação a todas
as coisas que se referem a outra pessoa particular.

Dentro da justiça particular existe:


1. Justiça comutativa: consiste na relação mútua de dar e receber; é própria das
relações particulares e entre particulares.

2. Justiça distributiva: consiste na distribuição e pela qual o que manda ou


administra dá a cada um a sua dignidade, ou seja, diz respeito às relações dos
governantes para com os cidadãos e determina que a distribuição da riqueza
seja feita em função da dignidade de cada um. Assim, esta corresponde à
ordem social.

b) Justiça geral ou legal: obriga o homem ao bem comum, ou seja diz respeito às
relações dos particulares para com a sociedade em que cada um se encontra
inserido e fala-nos das obrigações daqueles para com esta.

Assim, teríamos três tipos de justiça:

1. Justiça geral ou social: aquela que trata das obrigações individuais para com a
sociedade.

2. Justiça distributiva: aquela que, ao inverso, trata das obrigações da sociedade


para com cada individuo particular.

3. Justiça comutativa: aquela que se ocupa das relações que os indivíduos


estabelecem entre si.

● S. Tomás atribui as manifestações de caráter que conduzem o homem a agir bem, a


agir corretamente, a agir de acordo com o que é justo, a Deus. Para ele essas
manifestações traduzirão o que está disposto na lei da justiça, sendo que essa lei
da justiça reflete uma vontade de alguém superior a nós próprios, ou seja, Deus.

● Podemos percecionar que este se preocupa em pautar as relações dos homens e


da sociedade que consistem na convivência, através de critérios de harmonia e de
respeito mútuo.

● S. Tomás de Aquino procura o justo equilíbrio entre os homens, esta é a condição


intransponível para que a paz e a felicidade sejam alcançadas.

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1º ano de DireitoÉticaCAD

Sobre a lei:

● Segundo S. Tomás a lei é uma regra e medida dos nossos atos. O seu objetivo é o
bem comum, e como este pertence e diz respeito a toda a comunidade, a
instituição da lei pertence quer a todo o povo, quer à pessoa pública que tem a seu
cargo a sua governação, devendo ser a intenção de todo o legislador fazer de bons
todos aqueles aos quais a lei é dada.

Para ele existem vários tipos de leis: a lei eterna, a lei natural, a lei humana e a lei
divina.

Lei eterna:

● A lei eterna é aquela que transmite, a própria razão de Deus governador e


ordenador de todas as coisas. Assim sendo, toda a comunidade do universo está
governada por uma razão divina.

Lei natural:

● A lei natural é a participação da lei eterna na criatura racional, há uma ligação


intrínseca entre Deus e o Homem por si criado.

● Esta lei abrange a ordenação de todo o agir humano, incluído o que respeita à
realização da justiça na vida social. Tem o seu fundamento último na lei eterna e
resulta, no fundo, da participação intelectual e racional dos seres humanos nessa
mesma lei.

Lei humana:

● A lei humana consiste na disposição particular descoberta pela razão humana,


razão essa em que os nossos atos são dirigidos a um determinado fim, o chamado
bem comum.

● O Estado, através dos órgãos a quem compete legislar, não terá, desta maneira, um
poder ilimitado, já que a sua ação se deva encontrar condicionada quer pelo
respeito da razão humana, quer pela finalidade a que as leis se destinam,
nomeadamente o bem comum.

● A adoção deste principio afasta liminarmente a possibilidade de existência de leis


contrárias ao respeito da dignidade humana (de leis injustas), mesmo que
aprovadas por maioria. Não basta nestes termos a uma lei sê-lo, ou seja,
preencher os requisitos formais para como tal ser classificada, é preciso que seja
justa.

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1º ano de DireitoÉticaCAD

● A razão para que exista lei é a de que era necessário para a paz e a virtude dos
homens que se instituíssem leis, leis que os conduzissem a prosseguir numa
determinada direção, para que a harmonia, a estabilidade social, e o bem de
todos, não fossem afetados ou postos em causa.

● Deste modo, a vontade humana que determina a lei para que tenha força de lei, é
necessário que seja orientada pela razão.

● Para S. Tomás de Aquino, a instituição da lei pertencia quer ao povo, quer à pessoa
pública que tem a seu cargo a governação.

Lei divina:

● A lei divina poderá ser considerada a lei positiva de Deus, a lei escrita de Deus, que
se revela e transmite através dos textos do antigo e novo testamento.

Em conclusão:

● Podemos dizer que o direito traduz sempre um sistema de valores. E enquanto


sistema de valores decorrentes da dignidade da pessoa humana, o direito obedece
a um principio de coerência eterna.

● As normas legais não são, nem podem ser, alheias ou indiferentes aos princípios de
quem as projeta e faz.

● S. Tomás de Aquino sabia que o legislador, qualquer que ele seja, ao aprovar uma
lei manifesta as ideias em que se revê e procura através delas estipular o
comportamento daqueles a quem essa lei se destina. E, por isso mesmo, S. Tomás
lembra ao legislador que há uma hierarquia de valores na formação das leis, que
não pode ser ignorada ou esquecida.

11.3. Santo Agostinho (354-430):

Sobre a justiça:

● Para Santo Agostinho só há direito se houver uma verdadeira justiça. A justiça, é


considerada como a procura de um sentido, de um caminho, para a felicidade de
cada um e de todos. A justiça é a virtude, pela qual se dá a cada um o que é seu, e
a sua ausência conduz ao caos, à insegurança e à incerteza.

● Essa justiça dirige-se a um povo, entendido como a união de uma multidão de seres
racionais associados pela participação concorde nos bens que amam.

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1º ano de DireitoÉticaCAD

● No entanto, temos de ter uma especial atenção ao pensamento de Santo Agostinho


quando o analisamos, porque este incide sempre na sua fé e nos fins últimos a que
ela conduz. Orienta-nos para a compreensão da verdade de Deus e para a vida que
de acordo com essa verdade deve existir.

● Santo Agostinho, para quem a justiça é a ideia central que vem desde a fé à
constituição dos Estados, defende que só através dos seus representantes, pode-se
fazer a lei, mas a justiça vem de Deus.

Esta justiça pode ser a justiça dos homens e a justiça divina.

1. Justiça dos homens: pode ser apenas a tradução da vontade dos que dominam,
dos que controlam o poder, e quem em nome do poder definem a ordem e a forma
de a manter. A lei que vigora é desse modo a expressão da ordem estabelecida,
independentemente dos fins a que se propõe.

2. Justiça divina: é aquela que se orienta em nome dos princípios ordenados e


definidos por Deus, a que os homens se sujeitam por Nele acreditarem. E, de
acordo com este pensamento, as leis temporais são boas se forem conduzidas à
verdade.

● Onde não houver verdadeira justiça, não pode haver direito, porque não podemos
chamar direito, nem considerar como tal, as iníquas instituições dos homens,
contrariando assim a ideia de que é direito o que é útil a quem mais tiver
influência.

11.4. Sólon (640-558 a.C.):

● Sólon preocupou-se com a defesa dos direitos individuais e com a submissão à lei.
Para ele a democracia significava, essencialmente, que o detentor do poder servia a
lei e agia de acordo com a lei.

● Fiel a este principio, Sólon pretendia acima de tudo criar uma ordem boa, no
sentido de que esta implicava que a norma da justiça e as suas leis conseguissem
criar uma atmosfera assente na legalidade.

● Defendeu também a segurança e a certeza jurídicas, determinando que as leis


vigorassem por cem anos, instituindo uma nova constituição e dando à Cidade
novas leis, preocupando-se com o seu rigoroso cumprimento.

23
1º ano de DireitoÉticaCAD

● Determinou, que as penas só poderiam ser aplicadas após o julgamento e


condenação judicial, demonstrando empenho em combater a arbitrariedade na sua
aplicação.

● Sólon preferia a força da lei, acreditando que à justiça individual contrapunha-se a


justiça legal.

● As leis de Sólon, instauram a igualdade civil, suprimem a propriedade coletiva dos


clãs e a servidão por dívidas, limitam o poder paternal, estabelecem o testamento e
a adoção.

11.5. Cícero (106-43 a.C.):

Sobre a lei natural:

● Para Cícero o direito nasce da natureza, sendo assim necessário distinguir o Direito
Universal e as leis, do direito civil.

● A Lei é o critério do justo e do injusto e é a razão suprema, impressa na Natureza,


que ordena o que se deve fazer e proíbe o contrário.

● Cícero acreditava que existia uma lei natural universalmente válida, cuja origem é
da vontade racional divina. Ele admite que é a própria divindade nos homens que
lhe prescreve o bem e lhes proíbe o mal. Estas ideias, que eram tão importantes
para o pensador romano, refletiam o principio de que há um direito natural
universal, pelo que nenhuma legislação que o infrinja merece o nome de lei.

● Seguir hoje a ideia de Cícero, pressupõe aceitar que não se pode dar o nome do
Direito a qualquer normação da sociedade através da lei do Estado.

12. A ética e o Direito:

12.1. Direito natural:


● A doutrina do Direito Natural assenta no pressuposto de que a conduta humana
provém da natureza, ou seja, da natureza das coisas ou da natureza do homem, da
razão humana ou da vontade de Deus.

● Há um ordenamento das relações humanas diferente do Direito positivo, mais


elevado e absolutamente válido e justo, pois emana da natureza, da razão humana
ou da vontade de Deus.

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1º ano de DireitoÉticaCAD

● A vontade de Deus é, na doutrina do Direito natural, idêntica à natureza, na medida


em que a natureza é concebida tendo sido criada por Deus, e as leis naturais como
sendo expressão da vontade de Deus.

● Consequentemente, as leis que regulam a natureza têm o mesmo caráter das


regras jurídicas emitidas por um legislador: elas são comandos dirigidos à natureza;
e a natureza obedece a esses comandos assim como o homem obedece às leis
emitidas por um legislador. A lei criada por um legislador e, por um ato de vontade
de uma autoridade humana, é o Direito positivo.

● Examinando-se cuidadosamente a natureza, em especial a natureza do homem e


das suas relações com os outros homens, podem-se encontrar as regras que
regulam a conduta humana de uma maneira correspondente à natureza e,
portanto, perfeitamente justa.

● Entre os chamados direitos naturais, inatos, sagrados, do homem, a propriedade


privada representa um importante papel. Assim, uma ordem jurídica que não
garante e protege a propriedade privada é considerada contrária à natureza e,
portanto, não pode ter longa duração.

● Contudo, a propriedade privada tem sido declarada como contrária à natureza. Se


os princípios do Direito natural são apresentados para aprovar ou desaprovar uma
ordem jurídica positiva, a sua validade repousa em julgamentos de valor que não
possuem qualquer obrigatoriedade. São apenas a expressão de certos interesses de
grupo ou classe.

● O Direito natural reivindica validade absoluta e, portanto, apresenta-se como uma


ordem permanente, imutável. O Direito positivo, por outro lado, com a sua
validade hipotético-relativa, é uma ordem infinitamente mutável.

● A teoria do Direito natural tem se inclinado, direta ou indiretamente, a abandonar


ou atenuar o postulado de imutabilidade. Substituindo o direito natural absoluto,
ou somando-se a ele, ela afirma existir um Direito natural meramente
hipotético-relativo, variável e ajustável a circunstâncias especiais.

● Desta forma, a doutrina do Direito natural é, por vezes, conservadora, reformista


ou revolucionária em caráter.

Criticas ao Direito natural:

⮚ Aquilo que até agora tem sido proposto como Direito natural ou, o que redunda no
mesmo, como justiça, consiste em fórmulas vazias, como “a cada um o seu”, ou

25
1º ano de DireitoÉticaCAD

tautologias sem sentido como o imperativo categórico, ou seja, a doutrina de Kant


de que os atos de alguém devem ser determinados somente por princípios que se
queiram obrigatórios para todos os homens. Contudo, a fórmula “a cada um o seu”
não responde à questão do que é “o seu de cada um”, e o imperativo categórico
não diz quais são os princípios que se deveria desejar que fossem obrigatórios para
todos os homens.

⮚ Mas o que é o certo e o que é errado? Trata-se de uma questão decisiva e que
permanece sem resposta.

⮚ A resposta a todas estas perguntas deve supostamente ser dada pelo Direito
positivo.

12.2. O dualismo de Direito positivo e Direito natural:


● A doutrina do Direito natural é caracterizada por um dualismo fundamental entre
o Direito positivo e o Direito natural. Acima do imperfeito Direito positivo existe um
perfeito, porque absolutamente justo, o Direito natural; e o Direito positivo é
justificado apenas na medida em que corresponda ao Direito natural.

● O dualismo entre Direito positivo e Direito natural, tão característico da doutrina


do Direito natural, lembra o dualismo metafísico da realidade e a ideia platónica.

● O centro da filosofia de Platão é a sua doutrina das ideias. De acordo com essa
doutrina, o mundo é dividido em duas esferas diferentes: uma é a do mundo
visível, percetível pelos nossos sentidos, o que chamamos realidade; a outra é a do
mundo invisível das ideias. Tudo no mundo visível possui o seu padrão ideal no
outro mundo, o invisível. As coisas que existem neste mundo visível são apenas
cópias imperfeitas das ideias existentes no mundo invisível.

● Este dualismo entre realidade e ideia, entre um mundo imperfeito dos nossos
sentidos e outro perfeito, inacessível à experiência dos nossos sentidos, o dualismo
entre natureza e supranatureza, etc., é um elemento não apenas da filosofia de
Platão, mas, igualmente, um elemento típico de toda a interpretação metafisica. O
propósito dessa metafísica não é explicar racionalmente a realidade, e sim, ao
contrário, aceitá-la ou rejeitá-la emocionalmente.

● Se o homem possuísse um discernimento completo do mundo das ideias, ele seria


capaz de adaptar o seu mundo a esse padrão ideal; e, já que o homem se tornaria
perfeitamente feliz se a sua conduta correspondesse ao ideal, ele certamente
conduzir-se-ia dessa maneira. Ele e, consequentemente, o seu próprio mundo
empírico tornar-se-iam inteiramente bons. Por conseguinte, não existiria um

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1º ano de DireitoÉticaCAD

mundo empiricamente real, distinto de um mundo transcendental ideal. O


dualismo entre este mundo e o outro, resultante da imperfeição do homem,
desapareceria. O ideal seria o real.

● Caso se pudesse ter conhecimento da ordem absolutamente justa, cuja existência é


postulada pela doutrina do Direito natural, o Direito positivo seria desprovido de
sentido.

● Caso houvesse uma justiça objetivamente reconhecível, não haveria Direito


positivo e, consequentemente, Estado, pois não seria necessário coagir as pessoas
a serem felizes.

● Trata-se, na verdade, de uma paráfrase eufemística para o doloroso facto de que a


justiça é um ideal inacessível à cognição humana.

12.3. O principio de validade no direito natural e no direito positivo; o fator


de coerção; direito e Estado:
● Era característica da doutrina do Direito natural o costume de trabalhar sobre o
pressuposto de uma ordem natural. Ao contrário das regras do Direito positivo, as
regras vigentes nesta ordem natural que governava a conduta humana não estão
em vigor por terem sido criadas artificialmente por uma autoridade humana
especifica, mas sim porque emanam de Deus, da natureza ou da razão e são, desse
modo, boas, certas e justas.

● Aqui entra a positividade de um sistema jurídico, em comparação com a lei da


natureza: ele é feito pela vontade humana, em fundamento de validade totalmente
estranho ao Direito natural, porque este não é criado pelo Homem e pela sua
própria pressuposição, não pode ser criado por um ato humano.

● No Direito natural, as suas regras tal como fluem da natureza, de Deus ou de razão,
são imediatamente evidentes como regras da lógica e, desse modo, não requerem
qualquer esforço para serem percebidas como reais.

● Este é o segundo ponto no qual o Direito natural se distingue do direito positivo. O


Direito positivo é essencialmente uma ordem de coerção. Ao contrário das regras
do Direito natural, as suas regras derivam da vontade arbitrária de uma autoridade
humana e, por esse motivo, elas não podem ter a qualidade da auto-evidência
imediata.

● Essa ordem coercitiva é idêntica ao Estado. Assim pode-se dizer que o Estado é a
forma perfeita do Direito positivo. O Direito natural é um principio, uma ordem
não-coercitiva, anárquica. Toda a teoria de direito natural, na medida em que

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1º ano de DireitoÉticaCAD

conserva a ideia de uma lei pura de natureza, é necessariamente um anarquismo


ideal; todo o anarquismo, o cristianismo primitivo ao marxismo moderno, é,
fundamentalmente uma teoria de Direito natural.

12.4. O “dever ser”: validade absoluta e relativa:


● Embora o Direito positivo seja uma ordem coercitiva e o Direito natural uma
ordem não-coercitiva, ambos são, simplesmente ordens, sistemas de normas cujas
regras só podem ser expressas por um “dever ser”.

● As normas do Direito positivo são válidas, ou seja, devem ser obedecidas, não
porque derivam da natureza, de Deus ou da razão, de um principio absolutamente
bom, reto ou justo, mas, simplesmente, porque foram criadas de certo modo ou
feitas por certa pessoa.

● São normas válidas, e a conduta humana deve-se conformar aos seus conteúdos.
Assim como a validade absoluta das suas normas corresponde à ideia de Direito
natural, a validade meramente hipotética das suas normas corresponde à de
Direito positivo.

12.5. A limitação da ideia de Direito natural:


● A comparação do Direito natural com o Direito positivo, leva-nos, por fim, a um
problema que consiste sobretudo na necessidade, inerente a qualquer ordem
normativa de individualizar normas gerais.

● Porque o homem deve saber se os factos determinantes necessários para a


aplicação da regra de Direito natural em questão são realmente encontrados no
presente caso. Precisa, igualmente, de saber que consequências o Direito natural
atribui a esses factos determinantes e o que considera facto ou justo em tal caso.
Ele deve não apenas saber tudo isso, mas também estar animado de boa vontade
para decidir em conformidade com a regra do Direito natural, isto é, para criar uma
norma individual que corresponda à norma geral do Direito natural.

● Essa norma individual só pode ser, pelo menos formalmente, uma norma positiva,
porque foi produzida por um ato humano. É obvio que as normas do Direito
natural, idealmente independentes da ação e da volição humanas, requerem, em
última análise, a mediação de atos humanos a fim de cumprirem o seu propósito. A
concretização do direito natural torna-se, assim, dependente do conhecimento e da
vontade dos homens.

12.6. A impossibilidade de coexistência do Direito positivo e do Direito


natural:

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1º ano de DireitoÉticaCAD

● O Direito positivo e o Direito natural foram reconhecidos como dois sistemas de


normas que diferem um do outro no seu fundamento último de validade. São dois
sistemas diferentes e simultaneamente válidos.

● Tanto o Direito natural quanto o positivo podem ser reivindicados como sistemas
de normas válidas.

● Qualquer tentativa de estabelecer uma relação entre os dois sistemas de normas


em termos de ordens simultaneamente válidas conduz ao reconhecimento do
Direito positivo como Direito natural, ou do Direito natural com o Direito positivo.

● Caso se admita a validade de uma ordem jurídica natural, não se pode, ao mesmo
tempo, admitir a existência de uma ordem jurídica positiva simultaneamente válida
com a mesma esfera de validade.

● Se as normas do Direito positivo contradizem as normas do Direito natural, elas


devem ser consideradas injustas. É esta possibilidade que impele a diferenciação
entre o Direito positivo e o Direito natural.

13. A questão da Legitimidade e da Legalidade: o positivismo jurídico de


Kelsen:

● Vivendo numa época em que, depois de ter conhecido o apogeu durante o século
XIX, o pensamento jurídico positivista entrou em crise sob ameaça do pensamento
irracionalista; e procurando transmitir à ciência do direito maior rigor, coerência e
autonomia que evitassem a sua confusão com outros conhecimentos (científicos e
filosóficos) com alguma afinidade, Hans Kelsen criou uma das mais grandiosas e
coerentes doutrinas jurídicas de todos os tempos que representa o marco mais
importante na história do pensamento jurídico do século XIX: a teoria pura do
direito.

● A sua atitude foi exclusivamente epistemológica e o seu positivismo científico


impôs-lhe a necessidade de depurar a ciência do direito de todos os elementos
(históricos, sociológicos, políticos, jusnaturalistas, metafísicos, etc.) que pertencem
a outras ordens do conhecimento.

● Por isso, Kelsen começou por separar radicalmente a realidade social e histórica (o
mundo do ser) das normas (o mundo do dever ser) e considera o direito uma
ordem normativa que pertence à categoria ontológica do dever ser: é um conjunto
de normas consideradas na sua autonomia formal, desligadas do fundamento
normativo que as transcende e da realidade social em que atuam. Não recusa que

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1º ano de DireitoÉticaCAD

atrás de uma norma jurídica esteja um conjunto de valores que o ordenamento


jurídico aceita e juridifica.

● Kelsen vê na justiça uma ideia irracional, inacessível ao conhecimento racional e


científico; e a ideia de valor não passa de uma máscara que encobre interesses
sociais ou políticos. Assim, o direito reduz-se a uma peculiar técnica de controlo
social essencialmente coativa, cujo conhecimento é objeto da ciência jurídica que
recusa o contributo da Sociologia, da Política, da Ética, da História, da Filosofia, da
Antropologia, da Teologia, etc.

● A validade de uma norma é conferida por uma norma superior que determina o
seu modo de produção e o órgão competente; por isso uma sentença será válida se
for ditada por um juiz competente num processo que se desenvolva de harmonia
com as leis do procedimento judicial; um regulamento será válido se obedecer a
uma norma legal; e a validade desta funda-se na Constituição.

● Kelsen construiu, portanto, uma cadeia de validades segundo uma hierarquização


de normas em pirâmide, cujo vértice positivo culmina na Constituição Política. Mas
pergunta-se: em que se funda esta validade? A resposta é dada por uma norma
fundamental que manda obedecer à Constituição. Não se trata, porém, de uma
norma real, mas hipotética, pressuposta, que tem por função transmitir validade à
ordem jurídica.

● Simplesmente, a validade quer da ordem jurídica global quer de uma norma


jurídica singular depende da sua eficácia e, portanto, acaba por se apoiar num facto
(a eficácia); por isso, Kelsen viu-se obrigado a recorrer ao mundo da facticidade (do
ser), debilitando a sua construção lógica.

14. A Deontologia profissional dos Advogados: aspetos essenciais:

“Artigo 92.º - Segredo profissional

1. O advogado é obrigado a guardar segredo profissional no que respeita a todos os


factos cujo conhecimento lhe advenha do exercício das suas funções ou da
prestação dos seus serviços, designadamente:
a) A factos referentes a assuntos profissionais conhecidos, exclusivamente, por
revelação do cliente ou revelados por ordem deste;

b) A factos de que tenha tido conhecimento em virtude de cargo desempenhado na


Ordem dos Advogados;

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1º ano de DireitoÉticaCAD

c) A factos referentes a assuntos profissionais comunicados por colega com o qual


esteja associado ou ao qual preste colaboração;

d) A factos comunicados por coautor, corréu ou cointeressado do seu constituinte ou


pelo respetivo representante;

e) A factos de que a parte contrária do cliente ou respetivos representantes lhe


tenham dado conhecimento durante negociações para acordo que vise pôr termo
ao diferendo ou litígio;

f) A factos de que tenha tido conhecimento no âmbito de quaisquer negociações


malogradas, orais ou escritas, em que tenha intervindo.

2. A obrigação do segredo profissional existe quer o serviço solicitado ou cometido ao


advogado envolva ou não representação judicial ou extrajudicial, quer deva ou não
ser remunerado, quer o advogado haja ou não chegado a aceitar e a desempenhar
a representação ou serviço, o mesmo acontecendo para todos os advogados que,
direta ou indiretamente, tenham qualquer intervenção no serviço.

3. O segredo profissional abrange ainda documentos ou outras coisas que se


relacionem, direta ou indiretamente, com os factos sujeitos a sigilo.

4. O advogado pode revelar factos abrangidos pelo segredo profissional, desde que
tal seja absolutamente necessário para a defesa da dignidade, direitos e
interesses legítimos do próprio advogado ou do cliente ou seus representantes,
mediante prévia autorização do presidente do conselho regional respetivo, com
recurso para o bastonário, nos termos previstos no respetivo regulamento.

5. Os atos praticados pelo advogado com violação de segredo profissional não podem
fazer prova em juízo.

6. Ainda que dispensado nos termos do disposto no n.º 4, o advogado pode manter o
segredo profissional.

7. O dever de guardar sigilo quanto aos factos descritos no n.º 1 é extensivo a todas
as pessoas que colaborem com o advogado no exercício da sua atividade
profissional, com a cominação prevista no n.º 5.

8. O advogado deve exigir das pessoas referidas no número anterior, nos termos de
declaração escrita lavrada para o efeito, o cumprimento do dever aí previsto em
momento anterior ao início da colaboração, consistindo em infração disciplinar a
violação daquele dever.”

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1º ano de DireitoÉticaCAD

● Existem exceções ao princípio do sigilo profissional. Isso mesmo está definido nos
princípios deontológicos previstos no Estatuto da Ordem dos Advogados,
nomeadamente no nº4, do seu artigo 92º. De acordo com a norma citada, “O
advogado pode revelar factos abrangidos pelo segredo profissional, desde que tal
seja absolutamente necessário para a defesa da dignidade, direitos e interesses
legítimos do próprio advogado ou do cliente ou seus representantes, mediante
prévia autorização do presidente do conselho regional respetivo, com recurso para
o bastonário, nos termos previstos no respetivo regulamento.”

AGRADECIMENTOS:
Adriana Borges

Ana Rita Alves

David Silva

Eduardo Leão

Érica Araújo

Gabriel Pinho

João Paulo Silva

Manuela

Marlene Ferreira

Matilde Campos

Miguel Ledo

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Pedro Gomes

Apontamentos realizados por membros da CAD. Pedimos que qualquer erro de escrita ou de
direito verificado seja comunicado a um dos membros para posterior correção.

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