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Do Moralismo à Ética
Durante as décadas de 1960 e 1970, o discurso político que enfatizava a moral e os bons
costumes vinha associado a idéias conservadoras. Defendê-los era defender valores
sedimentados na sociedade, tidos como essenciais à manutenção da ordem estabelecida.
Por outro lado, os que abraçavam ideias progressistas ou de mudança social tendiam a
entender essa ênfase como um moralismo antiquado, sem muito propósito e, especialmente,
como uma forma de controle ideológico da contestação.
Essa polarização deixava pouco espaço para se pensar a ética como uma importante
dimensão da existência humana.
Vivemos hoje um contexto bem diferente. De certa forma, as instituições que eram criticadas
por seu conservadorismo e pela defesa de um moralismo rígido foram capazes de absorver
parte das práticas e dos significados da crítica social daquele período, ainda que um tanto
esvaziados de seu conteúdo.
Para auxiliar nessa reflexão, que pode ter tantos efeitos na atividade profissional do servidor
público, é importante esclarecermos os sentidos do termo "ética".
Embora certas práticas sociais inovadoras tenham ganhado terreno, e a própria ideia de
"contestação" tenha conquistado ampla aceitação social, isso não representou um estado de
amoralidade ou descrédito do discurso ético. Assiste-se hoje a uma forte preocupação com a
dimensão ética da vida social em todos os campos, especialmente na interação entre economia
e política, e no exercício das funções públicas.
Por sua vez, observa-se uma sensibilidade cada vez maior na sociedade brasileira em relação
aos padrões éticos de conduta dos servidores públicos. A imprensa e a opinião pública têm
constantemente apontado escândalos na administração do Estado e exigido que seus
representantes eleitos ou que os servidores de carreira se conduzam segundo normas e
valores que de fato façam justiça ao conceito de um serviço público.
Essa abertura acaba repercutindo nas instituições públicas, tanto nas de representação quanto
nas de administração. Como resultado, vemos os representantes eleitos e os profissionais da
administração pública preocupados em atender as demandas de ordem ética da sociedade.
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É muito adequado, portanto, a quem pretende aprimorar sua atuação profissional nos diversos
setores do serviço público, identificar e compreender o que significa ética e a relação desta
com a atividade do Estado.
Assim, no curso que estamos iniciando, você vai conhecer, no Módulo 3, códigos de conduta
ética e normas específicas de orientação das ações do servidor público. O Módulo 2 tratará da
fundamentação desses códigos na ideia de Estado democrático e de direito, voltado para o
interesse público e não apenas de grupos particulares. Para melhor compreensão desses
tópicos, o Módulo 1 apresentará os conceitos básicos de ética e um esboço de suas relações
com a política e o direito.
O que têm a ver esses dois sentidos etimológicos de ethos? Como isso pode nos ajudar a
entender o que é ética?
Pode-se dizer que a casa do ser humano é algo que o separa do mundo natural, é o lugar que
o abriga das ameaças e desafios do mundo (chuva, animais ferozes etc.). Nesse sentido, a
ética tem a ver com algo que é próprio de todo ser humano, enquanto um ser que se distingue
do restante da natureza.
O outro sentido de ethos complementa aquele na medida em que o hábito ou costume são
resultados de uma ação repetitiva, mas que não é meramente instintiva como no caso dos
animais não humanos. Pelo hábito, o ser humano acumula e põe em prática um conhecimento
que vem da sua própria experiência e de outros. Assim, casas são feitas pelos seres humanos
com base no conhecimento acumulado há muitas gerações, que é fruto da experiência pessoal
e coletiva refletidas racionalmente.
Ao mesmo tempo, essa ação é feita para responder a um desafio do mundo (a proteção contra
ameaças, por exemplo) ou a um desejo por beleza e conforto. Nessa ação, que responde a um
desafio, temos importante elemento do ethos: os valores.
Em outras palavras, beleza, segurança e conforto são bens ou finalidades valiosos que
orientam a ação de quem constrói uma casa. Assim, o ethos é a morada humana, fruto do
hábito que deriva da experiência acumulada pelo indivíduo e a tradição, e que se faz de modo
planejado para atingir certos fins ou valores.
O primeiro sentido de ética, portanto, é de conjunto de valores e normas consolidados por uma
tradição ou hábito socialmente reforçados, transmitidos e controlados.
Nesse sentido, não existe sociedade humana (uma nação, uma cidade, um grupo específico)
que não tenha uma ética, que não tenha um conjunto de normas e valores que pretenda guiar a
conduta dos seus membros. Sendo assim, não existe ser humano sem ética.
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Um problema surge, porém, quando se percebe que há diferentes valores e normas derivados
de diferentes tradições. Como saber qual o modo certo de agir se há tantas tradições
diferentes?
A essa idéia geralmente se dá o nome de "relativismo ético", que, apesar de parecer muito
razoável e verdadeiro, é bastante problemático. Se aceitarmos o relativismo, corremos um
grande perigo de perda da força de qualquer norma e valor. Qualquer indivíduo poderá alegar
que sua ação é eticamente correta simplesmente porque ele pensa assim e, desse modo, não
haveria mais nenhuma norma ou valor que pudesse guiar a conduta das pessoas (como um
todo).
A morada humana, o ethos, ficaria totalmente confusa ou, pior ainda, acabaria prevalecendo o
uso da força física, como no mundo natural.
A constatação da diversidade de éticas sociais não deixa de ser um problema. Foi como
resposta a esse problema que surgiu a Ética como área de estudo da Filosofia na Grécia
antiga, com Sócrates e seu discípulo mais famoso, Platão.
Um livro muito interessante e fácil de ler, que mostra bem os primeiros passos da Ética como
área de estudos, é um diálogo de Platão chamado Críton ou O dever.
Nele, temos a seguinte situação: Sócrates está preso, condenado pelas autoridades de Atenas
por uma conduta considerada tão séria que sua pena era a morte. Nos últimos momentos em
que aguardava a execução da sentença, Sócrates recebe a visita de um amigo influente
chamado Críton. Este propõe a Sócrates a fuga da prisão e o exílio em outra cidade, de modo
que ele pudesse preservar sua vida.
O que se segue é um diálogo entre Sócrates e Críton, em que se mostra pela primeira vez uma
alternativa ao relativismo ético, postulado pela Ética como área de estudo. Uma norma, valor
ou conduta devem ser aceitos se forem baseados na razão, tida como uma capacidade
presente em todos os seres humanos e, portanto, não sujeita às variações da história, das
culturas e sociedades.
Embora a Ética como disciplina tenha, em termos gerais, dado uma resposta satisfatória ao
relativismo ético, a tentativa de basear a conduta humana na razão teve de lidar com a
complexidade própria de um assunto que envolve noções como "bem", "racionalidade",
"responsabilidade", entre outras.
A perigosa tese de que "tudo vale" foi bem respondida, mas implicou um esforço enorme para
dar conteúdo a noções como as indicadas acima, o que gerou um grande número de
abordagens ao longo da história da Filosofia.
Em pouco tempo, a Ética se tornou uma área de estudo complexa, sendo hoje em dia dividida
em dois problemas fundamentais: a ética normativa (que se ocupa em elucidar que ações são
corretas e que ações são erradas) e a metaética (que discute o sentido dos termos éticos, se
as normas morais são objetivas ou subjetivas, entre outras questões). Em nosso curso,
veremos principalmente a parte normativa da ética, embora venhamos a tocar em alguns
tópicos de metaética também.
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Dentre as abordagens de ética normativa, cabe destacar três particularmente influentes e que
podem nos ajudar a entender de uma maneira mais rica o conceito de ética.
No entanto, diferente de outros animais que vivem em sociedade (abelhas, formigas e zebras,
por exemplo), o homem tem a possibilidade de agir racionalmente. A ação racional se distingue
da guiada por instintos porque é livre. A liberdade humana se deve ao fato de que, por sermos
dotados de razão, podemos escolher entre opções de forma consciente.
A melhor opção será aquela que melhor conduzir à realização do bem. Segundo Aristóteles,
pode-se entender "bem" de várias maneiras, mas é possível classificá-lo de acordo com sua
importância. O bem supremo seria a felicidade, entendida como realização das potencialidades
do indivíduo como ser humano.
Para a felicidade, entendida dessa maneira, vários bens podem ser importantes, tais como o
prazer ou alegria, a riqueza material e o reconhecimento ou fama. No entanto, eles são bens
secundários, que só fazem sentido em vista de um bem maior. Para Aristóteles, o que
realmente realiza o homem e o faz feliz é a posse ativa da sabedoria prática, ou seja, daquela
razão que permite agir do modo certo na situação adequada.
Agir do modo certo na situação adequada implica discernimento e lucidez, que são os maiores
bens que as pessoas deveriam buscar. São propriamente humanos (não como o prazer, que
também é usufruído por animais não humanos), não podem ser tirados de nós, podem ser
acumulados de acordo com nossas vontades (diferentemente da riqueza material) e não
dependem dos outros para terem valor (ao contrário da fama, que precisa necessariamente dos
outros para existir).
A pessoa de discernimento é aquela que mostra na prática uma forma sábia de viver, chamada
por Aristóteles o equivalente em português ao que chamamos de "virtuosa". Assim, a pessoa
mais feliz, mais realizada, é a pessoa mais virtuosa e não a rica, mais alegre ou famosa.
Embora cada situação exija um discernimento próprio quanto ao modo correto de agir,
Aristóteles defendia que, em geral, o modo correto de agir é o que evita extremos ou, como se
diz popularmente, "nem tanto ao mar nem tanto à terra".
Assim, por exemplo, o virtuoso não é nem o covarde, que tem medo excessivo de se expor,
nem o temerário, que se expõe demais, mas o corajoso, que enfrenta o perigo de forma ativa,
mas com prudência. A sabedoria prática está em encontrar a justa medida para cada ação, de
modo a se poder avaliar que aquela foi eticamente correta.
Para Kant, uma ação só é eticamente correta se for movida exclusivamente por uma boa
intenção. O bem mais importante a ser buscado na conduta humana é agir a partir da
consciência do que deve ser feito. Em outras palavras, agir bem é agir com base no dever.
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Por estranho que possa parecer, para Kant, agir com base no dever é a única maneira de agir
livremente. Isso porque o indivíduo só é livre quando não se submete a nenhuma condição
externa à sua própria vontade.
A vontade não deve ser confundida com o desejo, que é um impulso natural em nós para a
satisfação de necessidades naturais. A vontade é uma capacidade de agir segundo a razão
consciente. Assim, agir com base na vontade é agir com base na razão e não se submeter nem
mesmo aos apelos do desejo.
Nesse sentido, só uma ação a partir da vontade livre é eticamente correta para Kant. Ser livre é
agir conforme o que manda a consciência incondicionalmente, é não permitir que nada além
daquilo que sabemos ser correto interfira em nossa conduta.
Assim, quando mentimos sabemos que isso é eticamente errado, mas o fazemos porque
somos movidos por algum impulso que se sobrepõe à razão, como o medo ou o desejo de
levar alguma vantagem. Nossa ação nesse caso não foi livre, porque não fomos capazes de
fazer o que sabíamos ser certo.
Para se avaliar se uma ação é moralmente correta, Kant propunha que se avaliasse o quanto
ela poderia ser universalizada, ou seja, o agente deve imaginar se sua ação seria boa para
todos que a praticassem. A esse critério ele chamou de "imperativo categórico", pois se tratava
de um mandamento (imperativo) e que deveria ser obedecido de forma incondicional (de forma
categórica e não hipotética, como se dependesse de alguma condição).
Uma das formas do imperativo categórico era assim: "aja de modo tal que a regra específica da
sua ação concreta possa ser tomada como lei universal para todos". Desse modo, a mentira
não pode ser considerada uma ação eticamente correta porque não pode ser universalizada.
Eu não posso querer que todos mintam, porque o resultado vai ser uma situação insustentável,
na qual ninguém mais poderá confiar no que o outro diz, uma situação na qual a comunicação
ficará impossível.
Desse modo, para Kant, agir eticamente é agir por dever e seu motivo é a realização do bem
geral e não da vantagem de um indivíduo ou de um grupo particular.
Uma conduta só pode ser avaliada como boa se for útil, no sentido de fazer bem ao maior
número possível de pessoas e mal ao menor número possível. Uma ação pode ser muito bem-
intencionada, mas ela será ruim se acabar sendo prejudicial aos outros, ou seja, como se diz
popularmente, "de boas intenções o inferno está cheio".
O utilitarismo tem a vantagem de tornar bem claro quando uma ação é eticamente boa ao
permitir uma avaliação bem objetiva de uma conduta por meio das consequências que ela traz
e do número de pessoas que são beneficiadas ou prejudicadas.
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"Beneficiar alguém" para o utilitarismo quer dizer aumentar a quantidade de prazer e diminuir a
quantidade de dor que essa pessoa sente. "Prejudicar" é o contrário: diminuir o prazer e
aumentar a dor.
Assim, para saber se uma ação é eticamente boa, basta medir o quanto de prazer ela traz para
o maior número e o quanto de dor ela implica para a maioria.
Por outro lado, o prazer de que fala o utilitarismo não é a mera fruição de sensações físicas,
comuns a animais não humanos também. Embora seja importante a satisfação das
necessidades a elas correspondentes (por isso a fome é eticamente condenável para o
utilitarismo), os prazeres mais importantes são os propriamente humanos, como a busca do
conhecimento, a ocupação com as grandes questões públicas e a fruição das artes de alto
padrão de beleza.
Cada indivíduo deve agir não conforme seu próprio prazer pessoal, mas levando em conta a
felicidade (medida em termos de prazer e dor) do maior número. Nenhum indivíduo pode ser
feliz se a coletividade da qual ele faz parte é infeliz, ou seja, o bem comum é condição para a
plenitude do bem individual.
Em outras palavras, mesmo que uma conduta seja habitual e frequentemente praticada numa
sociedade, ainda assim podemos dizer que ela é antiética.
Furar fila e empregar parentes em funções públicas sem concurso, por exemplo, podem ser
condutas muito comuns num grupo social. Nem por isso as consideramos eticamente corretas.
Isso significa que o que é ético no primeiro sentido (conduta baseada em normas e valores
socialmente sancionados) pode não ser ético nesse terceiro sentido.
Para esse terceiro sentido, uma ação é considerada eticamente correta se for justificada
racionalmente. Isso quer dizer que alegar que "todo mundo faz assim" não significa que esteja
correto eticamente.
Dizer que todo mundo fura fila pode até explicar por que eu estou fazendo a mesma coisa, ou
seja, porque se trata de um comportamento frequente e que, de tão comum, eu acabei
assimilando instintivamente à minha conduta. No entanto, posso ainda assim considerá-lo sem
justificação, ou seja, antiético.
Nesse sentido, a expressão "explica, mas não justifica" nos ajuda a elucidar um pouco mais
esse terceiro sentido de "ética". Ética aqui tem a ver não com a explicação de como as pessoas
de fato agem ou de como as coisas acontecem frequentemente, mas com o modo como as
pessoas devem agir, com a justificação racional do que se faz.
É por isso que podemos avaliar uma conduta como socialmente difundida ou psicologicamente
compreensível e rejeitá-la como inaceitável do ponto de vista ético.
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Podemos, então, entender ética nesse terceiro sentido como a conduta justificada
racionalmente.
Embora "ética" e "moral" sejam palavras de raízes históricas diferentes (ética, como vimos,
vem do grego ethos e moral vem do latim mores), elas têm etimologicamente um sentido
comum, o de hábito ou costume. No entanto, para facilitar nossa comunicação, podemos fazer
como alguns filósofos e reservar "moral" para o primeiro sentido de ética visto aqui, ou seja, a
conduta baseada em normas e valores estabelecidos e difundidos socialmente, e reservar
"ética" para a conduta justificável racionalmente.
O segundo sentido de "ética" (a área de estudo da Filosofia) fica, então, denominado Ética com
"e" maiúsculo, tal como se escreve o nome de uma área do conhecimento em português, que
podemos chamar também de "filosofia moral".Assim, quando falarmos de ética na
administração pública, neste curso, vamos nos referir ao tipo de conduta racionalmente
justificável que se espera de um conjunto de indivíduos. Uma conduta que pode coincidir ou
não com a moral de fato vigente entre a maioria das pessoas que pertencem a essa categoria,
ou seja, com o modo pelo qual, de fato, se comportam os servidores públicos.
Vamos, a seguir, explorar alguns conceitos que podem ser úteis para a avaliação ética da
conduta do servidor público.
O conceito de racionalidade é bastante difícil e não cabe nesse curso aprofundá-lo demais.
Para o propósito de introdução geral ao tema da ética, de modo a aperfeiçoar a conduta do
servidor público, podemos nos restringir a dois elementos de justificação que, de certo modo,
estavam presentes desde os primeiros textos da filosofia moral.
No Críton - diálogo de Platão que citamos anteriormente - Sócrates reage à proposta de seu
amigo com base em dois princípios de racionalidade.
Assim, fugir da prisão depois de ter sido condenado, mesmo que injustamente a seu ver, não
seria coerente e, portanto, não seria uma conduta justificável.
Por esse princípio, se não posso concordar que todos façam o mesmo que eu, então minha
conduta não é universalizável e, portanto, não se justifica racionalmente.
Em outras palavras, se tomo meu ato como uma exceção, que eu não concordaria que fosse
repetido por outras pessoas, então tenho aqui um claro sinal de que se trata de um ato
injustificável.
No caso de Sócrates, o argumento que ele apresentou a Críton era de que as leis e as
instituições ficariam totalmente desmoralizadas caso todos as desrespeitassem, como seu
amigo estava propondo que ele fizesse. Embora a simples fuga individual de Sócrates não
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fosse ter todo esse impacto, se todos seguissem seu exemplo, o enfraquecimento institucional
e normativo da sociedade seria uma consequência bastante certa.
De certo modo, a irracionalidade da conduta que fere o princípio de universalização tem a ver
também com as consequências da ação para o indivíduo e o grupo. A ideia de que haveria um
efeito ruim para o próprio indivíduo que a realizou, caso todos agissem como ele agiu, se
aproxima bastante da ética utilitarista, que também fala do tipo de consequência como
parâmetro para avaliar uma conduta.
É certo que o problema da racionalidade de uma ação é um tema complexo e não se esgota
com essa abordagem introdutória. No entanto, esses dois princípios, coerência e
universalização, parecem incluir dois importantes elementos para se avaliar se uma conduta é
justificável e podem ser bastante úteis para se julgar se uma determinada ação de um servidor
público é eticamente aceitável.
Uma dificuldade com essa concepção de ética é que, muitas vezes, as pessoas são levadas a
agir de um modo determinado pelos seus desejos e condicionamentos sociais. Fazer qualquer
juízo ético sobre seu comportamento parece esquecer que as "pessoas são de carne e osso".
É claro que não podemos esquecer que ninguém é perfeito, mas o que teríamos se abríssemos
mão do julgamento ético?
Se não temos, em princípio, uma vontade que se baseie numa decisão racional e livre, mas, ao
contrário, que é sempre condicionada por conveniências pessoais e motivos psicossociais,
então não há como se justificar o tratamento diferenciado que se dá entre uma máquina, que
se usa como instrumento, e um indivíduo humano, que julgamos digno de ser tratado como fim
em si mesmo, não como um joguete. Em outras palavras, a possibilidade de sermos
responsabilizados pelo que fazemos é um elemento fundamental que nos caracteriza como
seres humanos.
Em segundo lugar, a redução do âmbito ético à esfera das causas e desejos tornaria difícil a
compreensão de atos como a indignação moral, a resistência à influência predominante no
meio e o comportamento conscientemente desviante do normalmente esperado.
Nem todo alemão no período nazista aceitou passivamente a ideologia racista, muitos se
opuseram e resistiram, pondo em risco a própria vida. Mesmo que eu me sinta injustiçado ou
perceba que os espertos têm tido sucesso material, posso me recusar a entrar para a
criminalidade ou a agir desonestamente. Muitos de nós somos capazes de renunciar a uma
conveniência pessoal em função do que consideramos correto.
Se é verdade que abrir mão do julgamento moral acarreta sérias consequências do ponto de
vista da liberdade e da dignidade humanas, e se é verdade que as explicações oferecidas
pelas ciências sociais e humanas não implicam o desaparecimento do âmbito especificamente
ético, ainda nos resta um segundo problema a ser brevemente analisado neste tópico: o
problema do conflito de valores numa análise especificamente ética de uma determinada
conduta.
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O que fazer quando mais de uma obrigação ética parece estar envolvida numa ação?
Um belo exemplo desse problema está num famoso texto do filósofo francês Jean-Paul Sartre,
intitulado O Existencialismo é um Humanismo. Sartre apresenta o caso de um jovem que se
vê na difícil situação de optar por defender a pátria na guerra ou cuidar de sua mãe doente que
o tem como única alternativa de ajuda. Ambas opções parecem eticamente justificáveis, ambas
passam pelo critério de universalização e coerência enunciados acima.
Por outro lado, nenhuma das escolhas possíveis está fundada em qualquer motivação externa
à vontade movida racionalmente. O caso em questão é o de alguém tentando se guiar pelo que
racionalmente parece o caminho mais correto. Assim, o que temos aqui é uma situação na qual
o julgamento ético fica indeterminado, pois qualquer uma das decisões é passível de
justificação racional.
Nos casos onde critérios puramente éticos não permitem um julgamento conclusivo da
correção de uma ação, podemos recorrer a padrões próximos ao da ética, como os da política
ou do direito.
Em todo caso, o que Sartre queria com esse exemplo era defender a idéia de que, nas
situações concretas de nossas vidas, no mais das vezes, não temos em que nos apoiar e que o
rumo que damos para nossas existências depende, no fundo, de nossas decisões e não de
qualquer essência universal que sirva de guia infalível para nossos atos.
Para Sartre, ao mesmo tempo em que não dispomos de parâmetros de julgamentos gerais que
sempre decidam conclusivamente sobre a correção ética de uma ação, devemos encarar
nossa conduta concreta como se fosse um exemplo para toda a humanidade, como se
estivéssemos construindo a própria essência do ser humano a cada decisão que tomamos.
Trata-se de uma versão existencialista do princípio de universalização.
A sugestão apresentada foi de que, nesses casos, devemos combinar a avaliação ética com
valores e normas presentes na política e no direito.
Para que os indivíduos possam agir conjuntamente, é preciso haver acordo entre eles. Esse
acordo se faz por meio do direito, que pode ser entendido como o conjunto de normas e leis
positivas vigentes num país e que têm força coercitiva.
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Tanto a ética, a política e o direito dizem respeito a valores, dizem respeito ao que é
considerado um bem. O bem da política é que se chama de justiça, entendida como o bem
comum a ser atingido pela ação coletiva.
A justiça se manifesta também no modo como é distribuído esse bem comum, conforme
princípios como o mérito (é justo que cada um tenha o que fez por merecer), a equanimidade (é
justo que os bens sejam distribuídos de modo que todos tenham as mesmas oportunidades) e
a isonomia (é justo que todos sejam tratados do mesmo modo pelas instituições públicas e as
leis).
Diferentemente da ética, a ação política sempre leva em conta o que de fato é possível fazer,
dado que se trata de uma conduta que resulta do acordo e da pressão de grupos e indivíduos
com pontos de vista diferentes.
O direito tem a ver com a norma garantida, em último caso, pelo recurso à força pelo Estado.
Se eu não cumpro uma lei, sou passível de punição por instituições públicas. No caso da ética,
é a própria consciência do indivíduo que fala, ou seja, que o censura ou elogia.
Como vimos acima, uma ação tem valor ético quando é feita de forma autônoma, por iniciativa
própria. Quando dizemos que alguém é responsável pelo que faz, estamos pressupondo que
ele tem autonomia para agir.
Em suas ações, o servidor público é passível de julgamento ético, como qualquer pessoa, mas
também pode ser avaliado conforme a justiça da conduta que tomou (ou seja, o quanto esta
atende ao interesse público) e, principalmente, no quanto sua ação está de acordo com a
legislação vigente.
É claro que ela não resolve tudo, que sempre é necessário aperfeiçoar as instituições e aplicar
bem as leis vigentes, mas não se pode negar que o aprimoramento do discernimento ético do
servidor público tem grande papel na melhoria do serviço público em nosso país.
É com esse propósito que se justifica o curso que estamos fazendo. Trata-se aqui de
apresentar ideias e argumentos que ajudem cada servidor a discernir melhor seu próprio modo
de agir em seu trabalho no dia a dia e aperfeiçoar sua conduta.
Se pudermos contribuir para esse propósito, já teremos feito algo muito importante.
Continuemos nosso curso com o módulo 2, referente à aplicação desses conceitos éticos à
administração pública mais concretamente.
Conteúdo - Módulo 2
Por que falar em ética da vida pública?
A Natureza da Política
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Vimos que a ética diz respeito, principalmente, à ação do indivíduo: aos valores e normas
implícitos em sua conduta, permitindo que esta seja julgada como correta ou incorreta, como
ética ou antiética. Embora a ética trate também de ações que o indivíduo realize em relação a
si mesmo, normalmente ela se refere àquilo que as pessoas fazem para outras pessoas.
Um dos traços mais característicos dos seres humanos é que eles vivem em coletividades e
precisam da convivência com outros seres humanos para se realizarem como pessoas.
Esse fazer coletivo, porém, não resulta apenas em grandes coisas. Embora nem sempre o
percebamos, muito de nossos próprios pequenos sucessos individuais depende também do
sucesso de nossa coletividade. E isso é obra da política.
Em política temos também que deliberar e fazer escolhas, como na ética. Não haveria política
se não houvesse alternativas, se não houvesse espaço para a decisão efetiva acerca de que
rumo tomar, se tudo fosse submetido à necessidade férrea ou ao absolutamente casual,
conceitos que estudamos no Módulo 1.
A política é uma atividade inteligente. Sua marca é intervir no mundo segundo uma intenção
premeditada, para conservar ou mudar um estado de coisas. Além disso, as alternativas
políticas não são neutras em relação aos valores morais, pois elas dificilmente escapam a uma
ponderação sobre o mérito ou demérito da ação: sua justiça, correção, prudência, coragem,
magnanimidade...
Aquilo que na ação individual é precedido por uma reflexão introspectiva e silenciosa, no
âmbito político se torna um processo visível, interpessoal e, às vezes, bem barulhento, que vai
de um simples intercâmbio de opiniões até uma discussão acalorada, uma pomposa
assembleia ou um debate na televisão em rede nacional.
Mas, se a política é assim tão importante e tão útil, por que muita gente diz ter aversão a
ela? A resposta a essa questão nos remete a um segundo elemento fundamental da natureza
da política. Além de ser a união de indivíduos empenhados em resolver problemas que só
coletivamente podem ser resolvidos, a política é também a atividade de conquista e
manutenção do poder que permite resolver esses problemas.
O que vemos numa eleição, num debate entre parlamentares de partidos opostos ou num
golpe de Estado, por exemplo, são ações tipicamente políticas porque se referem à disputa
pelo poder. Esse elemento de conflito e tensão, que envolve ações nem sempre muito
apreciáveis do ponto de vista ético, talvez seja a principal causa para muitas pessoas terem um
sentimento negativo em relação à política.
Assim, a natureza da política envolve não apenas o trabalho coletivo na busca de solucionar
problemas comuns a todos (segurança, saúde, transporte, educação etc.), mas também a
disputa pelo poder que possibilita resolver esses problemas. Uma grande questão a ser
resolvida pela atividade e pelas instituições políticas é como fazer com que a disputa pelo
poder não inviabilize ou mesmo coloque em segundo plano o objetivo maior de se buscar o
bem comum.
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A política, por ser uma ação coletiva, precisa de um ambiente onde se dão os acordos e
conflitos entre seus membros: a vida pública. Esta se define por sua distinção da vida privada.
Embora se possa falar de poder nas relações interpessoais (entre cônjuges, amigos ou
familiares, por exemplo), o mais apropriado é pensar que o que está envolvido no poder político
é um âmbito de relações que se regula por normas impessoais e válidas para todos.
O Estado
A distinção entre público e privado é fundamental para se entender melhor a aplicação da ética
ao campo de atuação do servidor público. Como veremos a seguir, ela permite entender e
avaliar com mais clareza fenômenos como a corrupção e o clientelismo.
O espaço público delimitado pela jurisdição de um Estado é também o que define a cidadania.
Cidadão é aquele que tem determinados direitos e deveres perante a ordem jurídica definida
por um Estado. Aprofundaremos o conceito de cidadania mais adiante.
Um Estado é tanto a estrutura política e jurídica de uma nação quanto o conjunto das
instituições que administram um país. Classicamente, um Estado se caracteriza por ter um
povo, um governo e um território. Assim, o âmbito no qual se dá o tratamento igual aos
membros de uma coletividade política e as relações impessoais mediadas por regras comuns,
independentemente de inclinações e preferências pessoais, é aquele abrangido pelo Estado ao
qual o indivíduo pertence.
Outro conceito clássico no entendimento do Estado moderno é que ele detém o monopólio do
uso legítimo da força. Em outros termos, só o Estado, lançando mão de um aparato policial e
de forças armadas, tem legitimidade para usar a força física para levar alguém a agir de uma
determinada maneira.
Afora as ações de legítima defesa (definidas também em lei), os cidadãos não podem usar a
força uns contra os outros. Quando o fazem, o Estado tem o dever de intervir e punir esse ato.
Por outro lado, além do aparato policial, das forças armadas e do sistema judiciário, o Estado
atualmente é também dotado de várias instituições que objetivam realizar serviços
considerados importantes para a concretização de finalidades comuns, tais como saúde,
educação, transporte etc.
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Obviamente, os recursos e mecanismos envolvidos na realização dos serviços públicos são
outro componente fundamental do poder do Estado, e seu domínio é mais uma razão da busca
pela conquista do poder político.
É preciso lembrar, porém, que vários serviços de interesse público são prestados por
instituições que não estão sob o controle do Estado. Por outro lado, há dentro do Estado
instituições que servem de apoio a ações do próprio Estado, sem contar as ações e iniciativas
nas quais o Estado se envolve no interesse de sua própria manutenção ou crescimento. Isso
significa que o Estado não coincide com a esfera pública, pois há agentes não estatais que
participam dela ativamente e nem sempre o interesse do Estado é um interesse público, mas
do próprio Estado como ente autônomo. Essa distinção será uma base importante para a
avaliação ética de certos casos envolvendo a conduta do servidor público.
O chamado Estado Moderno surge na Europa a partir do século XIII em resposta a desafios de
segurança e de necessidade de expansão econômica. A fragmentação dos feudos medievais e
a pouca especialização de sua administração não permitiam atender a demandas por maior
segurança tanto interna quanto externa. A centralização do poder político nas mãos de um
soberano, diminuindo o papel das aristocracias feudais, foi o modo de responder a essa
exigência. O monarca absoluto de um território unificado podia arregimentar forças armadas
mais eficientes na defesa contra inimigos externos, além de garantir melhor a ordem interna e a
prestação de justiça para a resolução de conflitos entre os cidadãos.
Por outro lado, junto com a centralização do poder político em torno do soberano absoluto, o
Estado Moderno foi aos poucos substituindo as associações pessoais familiares do feudo
medieval, que eram guiadas pela tradição, por instituições impessoais e especializadas,
regidas por padrões de racionalidade.
Em outras palavras, o Estado Moderno criou uma estrutura organizativa formal destinada a
administrar a vida pública, possibilitando a consecução de objetivos não só sociais e políticos
(segurança e resolução de conflitos), mas também econômicos.
Com o Estado Moderno, começam a se instaurar direitos civis básicos como o de ir e vir, que
não era acessível ao servo feudal; o direito à propriedade, fundamental para o novo modo de
vida econômico que surgia, e o direito à justiça e segurança pessoal.
Embora a aristocracia ainda desempenhasse papel importante, aos poucos foi crescendo a
importância de grupos de plebeus que estavam à frente de empreendimentos econômicos
importantes, ligados ao comércio e à manufatura, e que buscavam maior influência nas
decisões do Estado. Devido ao fato de que esses grupos habitavam os burgos - cidades que
começavam a reaparecer por toda a Europa - eles passaram a ser conhecidos como
"burgueses".
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não era, como o servo feudal, preso à terra na qual trabalhava em troca de seus meios de
subsistência.
Aos poucos, vai ganhando força um tipo de relação de trabalho mais livre, na qual o
trabalhador é remunerado por seu serviço em moeda, o salário.
Todas essas alterações vão significar mudanças importantes no papel do Estado e no alcance
do poder a ser desempenhado pelo soberano. Os interlocutores do Estado vão deixando de ser
as famílias aristocráticas de senhores feudais e passam a ser os indivíduos. Em outros termos,
vai surgindo um conjunto de valores articulados em torno da noção de liberdade individual,
coerente com a importância crescente da iniciativa econômica dos burgueses em seus
negócios privados.
A limitação do poder absoluto do soberano se torna necessária para permitir a ampliação dos
direitos civis e a posterior criação dos direitos políticos.
No campo civil, o cidadão passou a ter direito à liberdade religiosa e de expressão de suas
ideias. Os direitos políticos de organização em partidos e eleição direta de governantes ou
representantes vão aparecer na Europa no século XIX.
No entanto, a autonomia do aparelho administrativo também vai implicar problemas, que vão
ser objeto de críticas e discussões até hoje. De um lado, o Estado contemporâneo vai ser
criticado por se tornar um fim em si mesmo, não mais se importando com o desempenho das
finalidades públicas para as quais foi criado e é mantido. Por outro lado, o Estado atualmente
vai ser criticado porque se ocupa muito mais dos interesses dos grandes grupos econômicos
capitalistas e não com os problemas e demandas da maioria dos cidadãos.
O Estado Contemporâneo surge, então, como resultado de um lento processo no qual a noção
de direitos do cidadão vai se ampliando e o poder político vai deixando de estar ligado à
pessoa do soberano e passando para o império da lei. Tem-se a instauração do estado de
direito e a crescente igualdade de participação do cidadão nas decisões do Estado. Surge o
que se chama de democracia moderna.
4. Democracia e Cidadania
No Estado Contemporâneo, surgido das revoluções burguesas dos séculos XVII e XVIII, a
participação política foi elemento fundamental para a consolidação do império da lei e o
atendimento às demandas de um número cada vez maior de cidadãos.
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Além disso, eram considerados cidadãos apenas os adultos do sexo masculino, nascidos em
Atenas e que fossem livres. Isso excluía a maior parte da população, ou seja, as mulheres, os
escravos e os estrangeiros, além das crianças.
Por outro lado, mesmo entre os adultos do sexo masculino a participação era baixa, pois a
maioria não tinha tempo para se dedicar a atividades políticas. No fim das contas, havia pouca
diferença entre a democracia grega e um tipo de oligarquia, onde os mais ricos é que
realmente decidiam os rumos do Estado.
Assim, um primeiro sentido da democracia moderna foi o de ser uma forma de governo oposta
a todo tipo de despotismo e autocracia. Em outras palavras, numa democracia, decisões
devem ser tomadas não por um pretenso iluminado que dita o que deve ser feito, mas por
instituições colegiadas, sujeitas ao controle e à eleição popular.
Por outro lado, a democracia representativa moderna é criticada por se restringir à igualdade
formal de todo cidadão como eleitor. Para esses críticos, não adianta nada dar a todos o direito
de votar quando o acesso à educação e a bens de necessidade básica é desigual a ponto de
inviabilizar uma participação consciente e bem informada na escolha dos representantes e no
controle das atividades do Estado. Em suma, a democracia deveria incluir não apenas a
igualdade eleitoral, mas também condições para o exercício da cidadania.
No século XX, surge a noção de direitos sociais, a serem atendidos pelo Estado também. A
participação política exigia informação e capacidade de discernir sobre os rumos que o Estado
deveria tomar. Com isso, surge o direito à educação gratuita, para todos os cidadãos. Além da
educação, aos poucos vão se instaurando outros direitos sociais, como à previdência e
aposentadoria, à saúde, à moradia, à alimentação e à renda mínima.
A noção de cidadania, então, vai se ampliando desde o início da Idade Moderna. Aos poucos,
cidadão deixa de ser aquele que tem direitos civis apenas (à justiça, ao direito de ir e vir, à
expressão livre de suas ideias, à propriedade, à liberdade de crença religiosa), baseados na
ideia de igualdade perante a lei, que garantem a vida em sociedade. Por conta de pressões de
grupos organizados, reformas políticas e revoluções, o cidadão foi adquirindo também direitos
políticos, de determinar pelo voto quem vai exercer o poder no Estado e controlar o modo como
seus representantes eleitos o exercem. Por fim, a cidadania incorporou direitos sociais, que
garantem a participação na riqueza coletiva, de modo a diminuir a desigualdade econômica e
social entre os indivíduos e permitir a participação real de todos.
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5. Cidadania no Brasil
Segundo José Murilo de Carvalho em seu livro Cidadania no Brasil: o Longo Caminho (2001), a
conquista de direitos de cidadania em nosso país seguiu curso diferente do que aconteceu em
outros países de economia desenvolvida. Mais do que isso, os elementos básicos da
cidadania, a igualdade de todos perante a lei e o acesso de todos à justiça, ainda não são uma
realidade para os brasileiros.
Temos ainda uma situação na qual há o que Carvalho (2001) chama de cidadãos de primeira,
segunda e terceira classe. Os de primeira classe, que estão entre os 5% mais ricos do país,
estão acima da lei, no sentido de que raramente são condenados por alguma infração e,
quando o são, conseguem escapar de punição graças à contratação de bons advogados. Para
estes, a lei só vale quando os beneficia e possibilita que consigam favores do Estado, por meio
dos contatos que têm nas diferentes esferas do poder público.
Devido à demora e aos custos de uma ação na justiça, à falta de informação e ao medo de
ações arbitrárias das autoridades policiais e judiciárias, os cidadãos de segunda classe
raramente exigem seus direitos.
Cidadãos de terceira classe seriam os que ganham até um salário mínimo mensal, algo em
torno de 25% da população brasileira. Eles formam a maioria da população que habita a
periferia das grandes cidades brasileiras. Na sua maior parte, são pardos ou negros, com grau
de instrução baixo ou mesmo analfabetos. Não se sentem protegidos pela lei ou pelo Estado.
Seu contato com as autoridades policiais ou judiciárias não é o de demanda por seus direitos
individuais, mas como vítimas de violência arbitrária e repressão.
Não se pode negar que houve avanços, mas ainda há muito que fazer.
O estudo da história da cidadania no Brasil mostra que, na maior parte do tempo, o poder do
Estado não foi usado para fins públicos como a atenção aos direitos civis de todos os cidadãos
e a ampliação dos direitos sociais, com vistas à diminuição das desigualdades.
O Estado brasileiro tem sido, na maior parte de sua história, privatizado em benefício dos mais
poderosos.
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A esse fenômeno, os sociólogos dão o nome de "patrimonialismo clientelista". Vejamos a
seguir o que quer dizer essa expressão e como o entendimento dela permite compreender o
grave problema da corrupção.
Patrimonialismo
Segundo o sociólogo alemão Max Weber, patrimonialismo é uma forma de organização da
sociedade inspirada na economia doméstica e baseada numa autoridade fortalecida pela
tradição. O termo original é do latim, patrimonium, e significa o conjunto de bens paternos, a
herança familiar. Em outras palavras, no patrimonialismo, o poder do Estado está na mão de
determinadas famílias, que se servem dos recursos públicos como se fossem propriedade
privada sua e exercem o poder não com base na lei, mas no próprio interesse dessas famílias
dominantes, que se estabeleceram no passado e foram se mantendo poderosas ao longo dos
anos. No Brasil, o patrimonialismo foi o modo como se organizou a sociedade antes do
fortalecimento do Estado, da sua maior presença no cotidiano. Aos poucos, os interesses
pessoais de famílias poderosas e seu arbítrio foram sendo substituídos por mecanismos mais
impessoais de acesso aos bens, e decisões tomadas com base na lei. Porém, valores
tipicamente patrimoniais como a lealdade, o compadrio e o tráfico de influência, em suma, a
cultura do "você sabe com quem está falando", parecem ainda muito presentes no Estado
brasileiro.
Clientelismo
Um fenômeno estreitamente vinculado ao patrimonialismo é o clientelismo. Enquanto o
patrimonialismo é o modo como se organiza a sociedade (em torno de famílias que detêm um
grande patrimônio e são consagradas pela tradição), o clientelismo é a faceta política do
patrimonialismo e se define por um modo de relacionamento entre o poderoso e os que dele
dependem, os seus clientes. Na Roma antiga, a clientela era uma relação de dependência
econômica e política entre um patrono, que oferecia seu poder de proteção e influência, e o
cliente, que lhe prestava lealdade, serviço militar e, em circunstâncias especiais, pagava-lhe
tributo. Tratava-se, portanto, de uma relação de dependência pessoal, de natureza vertical, ou
seja, há no clientelismo um superior e um subordinado.
Corrupção
Corrupção significa, em termos gerais, deterioração, adulteração das características originais
de algo. Em termos da administração pública, corrupção é o fenômeno pelo qual o funcionário
público age de modo diferente da lei, favorecendo interesses particulares em troca de
recompensa. O peculato (desvio ou apropriação de recursos públicos para uso privado) e o
nepotismo (favoritismo em relação a parentes) são exemplos de corrupção pública. Trata-se de
um comportamento que se define principalmente pela confusão entre a esfera pública e a
esfera privada, entendidos dentro dos limites da lei no Estado.
Por outro lado, embora se possa esperar menos corrupção num Estado com menos recursos
(pois a esfera pública é menor), o que realmente parece determinar a possibilidade de
corrupção, do ponto de vista jurídico, é a falta de mecanismos institucionais claros e
operacionais de controle e responsabilização pública do uso dos recursos públicos. Por outro
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lado, a corrupção tem também a ver com a falta de disseminação da cultura que distingue o
domínio público do domínio privado e que valoriza o Estado como instituição que deve estar a
serviço de todos, de forma impessoal e não de interesses individuais.
Assim, do ponto de vista ético, a corrupção é antes de tudo um problema derivado da falta de
separação entre a esfera pública e a privada, ou seja, o fato de o servidor público tomar os
recursos do Estado como se fossem seus ou do grupo ao qual está ligado.
O Estado impessoal, que está a serviço de todos, baseia-se em relações políticas horizontais,
ou seja, não entre superiores e subordinados, mas entre cidadãos e servidores públicos, com
direitos e deveres estabelecidos em lei e da vontade consagrada pelo voto, e não dependentes
da vontade arbitrária de indivíduos ou famílias poderosas.
Embora sua concretização plena ainda seja um desafio a ser vencido, o estabelecimento do
concurso público como critério único para ingresso nas carreiras de servidor do Estado,
previsto na Constituição Federal de 1988, é um grande impulso nesse sentido. Desse modo, o
servidor concursado não depende mais de um benfeitor que lhe concedeu o emprego e lhe
exige lealdade. Seu compromisso passa a ser com o cidadão que paga os impostos e não com
um "poderoso de plantão" ou com o grupo político que o pôs no cargo.
Além do clientelismo, que seria o modo mais comum de relação entre Estado e sociedade no
Brasil, tal como vimos acima, Nunes (1997) indica outro padrão de procedimento, que se tornou
mais comum no Brasil a partir de 1930: o "insulamento burocrático".
Para finalizar essa reflexão sobre ética e a conduta do servidor público, é importante
pensarmos um pouco sobre a noção de responsabilidade pública, uma tradução possível do
termo inglês accountability.
Em seu artigo "Accountability: Quando poderemos traduzi-la para o português?", Anna Maria
Campos coloca em questão exatamente a possibilidade de traduzir a palavra inglesa para o
português, devido à diferença nas culturas de serviço público existentes no Brasil e nos
Estados Unidos.
Segundo ela, a comparação revela alguns problemas graves de nossa administração pública.
Por um lado, observa-se a desconsideração pelo cidadão a ser atendido e pelos recursos
públicos a serem usados, o formalismo e a falta de transparência. Por outro, a passividade
diante da corrupção e do desrespeito, e a desinformação acerca dos próprios direitos por parte
do cidadão no Brasil são também impressionantes para quem compara os dois países quanto à
relação entre Estado e sociedade.
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Embora o controle interno, conduzido pelos superiores hierárquicos, possa ajudar no
aperfeiçoamento do caráter público do serviço prestado pelo Estado, ele não é suficiente para
garantir a qualidade e a relevância no atendimento das demandas dos cidadãos.
Faz-se necessário um tipo de controle mais direto do serviço público, por meio da mídia, por
exemplo, e outros modos de exercício ativo da cidadania. Nesse sentido, a prestação de um
serviço público mais adequado precisa de uma sociedade civil mais bem organizada e do
fortalecimento da democracia.
Por fim, há também o grande desafio de enraizar na cultura brasileira as noções de:
Assim, um grande desafio que se coloca entre nós em favor da ética na vida pública é o de
trocar o proverbial "você sabe com quem está falando?", que é expressão da desigualdade
antidemocrática arraigada em nossa cultura, pelo "quem você pensa que é?", que exprime a
noção oposta, de igualdade democrática. Esta última mostra uma reação cidadã contra uma
conduta de quem se pretende acima dos outros, pois exige o respeito dos direitos e protesta
contra quem se considera fora do alcance da lei. Mas esse já não é um desafio apenas para o
serviço público, e sim para todos os cidadãos brasileiros.
Conteúdo - Módulo 3
2. Por que conduta e regras de conduta?
Conduta Moral
A conduta ética do servidor público não é apenas uma questão de comportar-se de acordo com
o que é permitido. O essencial da conduta é a orientação interna que ele dá a suas ações: a
motivação, o esmero, o gosto com que realiza seu ofício para cumprir seus deveres ou para
fazer mais do que a função lhe prescreve.
Há certos aspectos do serviço público que não se medem pelo simples cumprimento exterior
das normas, mas pela qualidade com que as regras são observadas. Quantas vezes nossas
leis são cumpridas "na letra", mas não no seu "espírito"? A conduta, portanto, leva em conta a
escolha consciente do agente.
Essa escolha consciente não estará livre do julgamento ético, conteúdo que estudamos no
Módulo 1. Mesmo assim, é muito bom que se fale em regras de conduta. Por quê?
Porém, não se trata de qualquer regra ou procedimento. Na verdade, devemos estar atentos a
dois tipos diferentes de regras de conduta. Acesse o infográfico abaixo para conhecer estas
regras.
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Regras imperativas
São regras que simplesmente proíbem ou ordenam, pressupondo que o sujeito saiba fazer o
que se ordena e conheça as condutas proibidas.
Regras constitutivas
São regras que instruem as pessoas a fazer algo. Elas orientam o sujeito ético a realizar ou
construir o que se deseja. Como toda regra, elas limitam o leque de coisas que poderiam ser
feitas. Contudo, ao contrário das regras imperativas, as regras constitutivas mais orientam a
ação do indivíduo do que a ordenam ou a proíbem.
são regras que instruem as pessoas a fazer algo. Elas orientam o sujeito ético a realizar ou
construir o que se deseja. Como toda regra, elas limitam o leque de coisas que poderiam ser
feitas. Contudo, ao contrário das regras imperativas, as regras constitutivas mais orientam a
ação do indivíduo do que a ordenam ou a proíbem.
Resumindo:
Início de destaque.
As regras imperativas dizem o que não pode ser feito e o que deve ser feito.
Fim de destaque.
Início de destaque.
As regras constitutivas dizem como fazer o que pode e deve ser feito.
Fim de destaque.
Para utilizar esse programa, não basta tê-lo instalado em seu computador, no escritório de sua
casa. Você precisa saber usar o programa para que ele faça o que você quer. Se não há
ninguém para ensiná-lo, você precisa ler o manual, que o instruirá sobre os passos a seguir.
O manual contém regras que, evidentemente, o levam a seguir um caminho e não outro. Sem o
manual, você teria possivelmente inúmeros caminhos a seguir. E esse grande número de
alternativas o impediria de seguir em frente. O manual, porém, diz: "faça isso, não faça aquilo"
etc. Ele traça um caminho imaginário à sua frente, possibilitando a sua ação.
Quando queremos fazer algo complexo e de alta responsabilidade, como é o caso do serviço
público, nos sentimos como se estivéssemos diante de uma floresta densa e escura. As regras
imperativas nos dizem que podemos e devemos atravessar a floresta.
Porém, se não vemos nenhuma trilha, será muito difícil atravessá-la, pois teremos muitas
opções e, por isso mesmo, grande chance de erro. Essa incerteza quanto ao caminho a seguir
nos deixa inseguros.
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Para utilizar o programa de computador, não é suficiente a licença de uso: precisamos de
regras constitutivas que nos orientem como utilizá-lo.
Da mesma forma, para atravessar a floresta, não bastam as regras imperativas, precisamos de
regras constitutivas que nos orientem sobre qual caminho devemos seguir e quais atalhos não
podemos tomar de maneira nenhuma, se desejamos chegar ao nosso destino com segurança e
fazendo apenas o que é correto.
As regras de conduta são regras constitutivas estabelecidas a partir de regras imperativas, nos
orientando diante de uma ação desafiadora e arriscada.
Para melhor compreender a importância das regras de conduta, cabe retomar a ideia que
estudamos no Módulo 1 sobre ação racionalmente justificável como a característica principal de
uma conduta ética em geral.
As regras de conduta nos ajudam nesse processo de escolha da melhor maneira de agir,
permitindo que decidamos os caminhos adequados e nos ajudando a decidir pelas ações
eticamente corretas e politicamente justas.
Tendo em conta essa concepção das regras, vejamos agora alguns princípios básicos da
conduta do servidor público.
Início de destaque.
Fim de destaque.
Início de destaque.
ESTADO X PATRÃO
Por outro lado, o Estado não é um "patrão" no sentido usual, que explora o trabalho alheio para
promover seus próprios interesses. Se há um "patrão" em jogo - a própria comunidade que o
Estado deve representar -, ele não se encaixa bem no papel de explorador do trabalho, embora
até possa ser rigoroso com os seus funcionários, no que tange ao zelo com a coisa pública
( res publica ).
Fim de destaque.
Vocação porque exige desprendimento: por mais bem pago que seja, o serviço público jamais
será o lugar ideal para quem busca o mais alto retorno que o mercado de trabalho pode
oferecer.
21
Desprendimento não significa ausência de uma ambição salutar. Trata-se de uma ambição de
natureza distinta daquela que se espera nos negócios privados: estamos falando do desejo de
tornar a sua cidade, estado ou país um lugar melhor de se viver, da vontade de enfrentar os
desafios que essa meta impõe, e da necessidade de ser reconhecido por isso.
Profissionalismo
O serviço público é uma atividade altamente profissional porque é produto de uma opção: o
Estado convoca seus quadros de carreira para uma dedicação plena.
Dos ocupantes desses cargos não se espera um vínculo eventual ou superficial, mas uma
concentração, intelectual e emocional, na função pública escolhida. Por isso, essa função tem
que estar relacionada a um talento real, desenvolvido pela educação e pela experiência ao
exercê-la.
Uma dedicação plena e por toda uma vida só pode dar certo se o candidato ao cargo tiver,
além do empenho para servir à comunidade, a competência e o gosto para fazer o que se
espera do cargo. Do contrário, em pouco tempo, o desempenho se tornará enfadonho, com
prejuízo ao público e ao próprio servidor.
Mas o profissionalismo do serviço público é mais do que o exercício talentoso de uma função.
Há valores em jogo e uma conduta adequada a seguir. Para além do compromisso ético com o
bem comum, uma atitude profissional exige, entre outras qualidades:
Imparcialidade
O serviço público envolve relacionamentos humanos que podem se chocar com nossos gostos
e preferências pessoais - políticas, ideológicas, religiosas ou o que for.
Às vezes simpatizamos muito com certas pessoas e detestamos outras, apoiamos um partido
ou corrente política e não outra, essa igreja e não aquela etc. É claro que o exercício correto de
qualquer ofício não pode deixar que esses gostos e preferências interfiram no que deve ser
feito.
Objetividade
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Não é o caso de sufocar as emoções, mas sim educá-las para seguir o fluxo racional que leva
ao sucesso do trabalho.
Excelência
Decoro
Mas há outras qualidades que focam mais de perto a natureza ético-política do serviço público.
Vejamos algumas delas em detalhes...
O Servidor público, em maior ou menor escala, com frequência depara-se com o problema da
condução correta dessas pressões e conflitos. Não há, por certo, receitas prontas nesse caso.
Mas há, sim, uma postura geral que deve ser observada com zelo. Essa postura é o decoro.
O decoro é uma "postura" porque une a disposição interna para agir corretamente com a
aparência desse agir. Decoro, do latim decorum, é "a face pública de um estado pessoal da
honradez" (David Burchell).
Decoro, portanto, compreende não apenas a retidão de uma ação, mas também a visão que a
sociedade tem dessa ação como sendo correta.
Sabedor de que sua função é alvo natural de desconfiança das partes interessadas e de
ressentimento de quem não consegue obter o benefício particular esperado, o servidor deve
construir uma personalidade e uma reputação cívicas à altura de sua autoridade formal.
Eis o valor auxiliar das normas de conduta, que se relacionam diretamente com os códigos de
ética que veremos a seguir. O propósito desses códigos é justamente indicar ao ocupante do
cargo público maneiras de construir aquela personalidade. Exatamente porque a reputação é
tão importante na noção de decoro, duas qualidades vizinhas o acompanham inevitavelmente:
a probidade e a integridade.
Essas qualidades se estabelecem por meio de um vínculo entre passado, presente e futuro:
uma boa reputação não se constrói do dia para a noite; ela se faz ao longo de toda uma
carreira. Como passou pela prova do tempo, a reputação dá uma noção segura do caráter e da
personalidade do servidor.
O decoro, a probidade e a integridade não são apenas patrimônios pessoais. São caracteres
imediatamente transferidos à "personalidade" do Estado. Isto quer dizer que uma administração
pública proba, íntegra e atenta ao decoro é função direta da probidade, integridade e
honestidade de seus funcionários.
Civilidade
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Finalmente, há que mencionar a civilidade.
Essa qualidade é, genericamente falando, uma disposição para tornar as relações sociais mais
fluentes ou menos ásperas.
Quanto mais competição e conflito existirem no contexto dessas relações sociais, mais
necessária será a civilidade, especialmente quando o Estado é o mediador desses conflitos.
a) Prestação de contas
b) Espírito Cooperativo
Civilidade aqui se refere à abertura para acomodar diferenças. Essa é uma qualidade essencial
nos processos de mediação. Normalmente, em um conflito ou competição, existe a tendência
de se ampliar exageradamente o campo de atrito das relações, ao mesmo tempo em que se
estreitam as possibilidades de cooperação e acordo. Ter o "espírito cooperativo" não é
promover a conciliação a qualquer preço, ferindo princípios éticos. É, ao contrário, credenciar-
se como um agente que promova a boa vontade e motive as ações coletivas construtivas.
O código tenta capturar um aspecto que escapa, em geral, à legislação e ao legislador: pode-
se cumprir perfeitamente a lei e, ainda assim, prejudicar alguém.
Exige-se ética na vida pública porque as pessoas não apenas desejam o cumprimento da lei,
mas sim o seu bom cumprimento. Incorporar essa dimensão do bom cumprimento da lei é uma
tarefa difícil, mas que cabe perfeitamente a um código de ética.
Por outro lado, também não faria sentido ter um código de ética que apenas repetisse o que já
está plenamente determinado e assegurado na lei.
Explicitar os valores afirmados por um grupo e, em seguida, dar uma concretude maior
a eles por meio de normas que sirvam de instrumentos para realizar os valores
afirmados.
Cuidar para não ser entendido, primariamente, como um instrumento disciplinar e
repressivo.
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Cuidar para que não esteja voltado exclusivamente para "quem não tem ética". É bem
provável que o inverso seja mais verdadeiro.
Quando se trata de uma entidade ou órgão público, quatro questões devem ser tratadas num
código de ética:
Em resumo, o Código de Ética numa entidade pública deve estabelecer um padrão geral de
conduta.
Importante!!!
Ao se definir o seu conteúdo, é bom lembrar que não se está agindo nem como um
legislador no Congresso Nacional nem como um reformador moral.
Não se pode ir contra a lei, mas também não se deve simplesmente repeti-la. É preciso
valorizar o aspecto do bom cumprimento da lei, identificando os casos em que, mesmo
dentro da legalidade, cometem-se atos que, intencionalmente ou não, prejudiquem
alguém.
O código deve ser um instrumento para a resolução de conflitos morais do grupo a que
se aplica, e não um instrumento repressivo ou disciplinador.
Não deve haver nenhuma pretensão de uso universal do código: ele deve servir de
guia para a resolução dos problemas específicos do grupo de servidores compreendido
por esse código.
No âmbito da Administração Pública Federal brasileira, uma série de iniciativas têm sido
tomadas desde meados da década de 1990. Entre elas, cabe mencionar:
25
Comissão de Ética Pública
Como ponto alto desse processo, há que se destacar a formação da Comissão de Ética
Pública, criada por Decreto Presidencial em 26 de maio de 1999, de cujas atividades falaremos
a seguir.
Composição
Integrada por sete brasileiros que preencham os requisitos de idoneidade moral, reputação
ilibada e notória experiência em administração pública, designados pelo Presidente da
República.
Seus membros não recebem remuneração. Os trabalhos por eles desenvolvidos são
considerados prestação de relevante serviço público.
Objetivos
Assegurar um padrão ético efetivo para os ocupantes dos mais altos cargos do
Executivo Federal, por meio de normas de fácil aplicação e compreensão, suficientes
para o cumprimento dos valores éticos estabelecidos pela Constituição Federal para a
Administração Pública.
Prevenir transgressões éticas durante e depois de exercício do cargo público.
Atuar como instância consultiva que proteja o administrador honesto.
Fazer com que a ética seja reconhecida como instrumento imprescindível para uma
administração pública efetiva, transparente e democrática.
Metodologia de trabalho
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A Comissão de Ética Pública contará com uma Secretaria-Executiva, vinculada à Casa
Civil da Presidência da República, à qual competirá prestar o apoio técnico e
administrativo aos trabalhos da Comissão.
(BRASIL. Decreto nº 6.029, de 1º fevereiro de 2007, art. 4º, parágrafo único)
A Rede de Ética
Resultados
Antes da Rede de Ética, 30% dos órgãos e entidades federais levavam em conta regras de
conduta padronizadas para seus quadros.
E pouco mais de 20% dos órgãos e entidades federais cumpriam algumas das funções de
gestão da ética: divulgação, capacitação e monitoramento das normas.
Esse quadro tem se alterado gradativamente em direção a uma situação que tende a superar o
ceticismo às iniciativas nesta área. O Informe 2007 da Comissão de Ética Pública, publicado
em janeiro de 2008, registra a ampliação do quantitativo de participantes do Sistema de Gestão
da Ética do Poder Executivo Federal, que inclui, atualmente, 287 órgãos e entidades, 139
Comissões Setoriais de Ética constituídas e 175 representantes setoriais.
27
(Disponível em:
http://etica.planalto.gov.br/arquivos/informes/Informe2007
Parceiros
7. Conclusão
Ao longo do curso, você entrou em contato com noções básicas da ética: os vários sentidos do
termo, um pouco da reflexão filosófica sobre normas de conduta, a ideia de ética como ação
justificável racionalmente (Módulo 1), além das relações entre ética e política (Módulo 2), e
ética e direito (Módulo 3).
Você também viu um panorama das questões de fronteira entre a ética, a política e as
instituições públicas, sendo apresentado (a) aos conceitos da relação entre o público e o
privado, democracia, Estado, cidadania e império da lei.
Em particular, você foi apresentado (a) à ideia de cargo público e aos problemas políticos-
morais associados ao seu exercício.
Por último, você se familiarizou com o problema da conduta e das regras de conduta no serviço
público, e com os valores e atitudes que ele implica. E isso o remeteu então ao tema dos
códigos de ética e às iniciativas governamentais no sentido de adotar padrões de
comportamento ético no Serviço Público Federal Brasileiro, particularmente a questão dos
conflitos de interesse.
Como indicamos no início, o intuito deste curso foi sensibilizá-lo (a) para o tema da ética,
abrindo o caminho de uma atitude reflexiva sobre os problemas práticos em seu ofício
marcados pelo tema. Esperamos que você tenha dado um passo importante nessa direção e
que possa, a partir de agora, aprofundá-lo.
Duas coisas enchem o ânimo com admiração e respeito sempre novos, tanto mais frequentes e
detidamente delas se ocupa a reflexão: o céu estrelado sobre mim e a lei moral em mim.
(Immanuel Kant)
28
A sua participação é fundamental para a construção da excelência no serviço público brasileiro.
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