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TEORIA GERAL DO DIREITO CIVIL

Situações Jurídicas

Uma situação jurídica é uma situação de pessoas; é o produto de uma decisão apropriada,
correspondendo ao ato e ao efeito de realizar o direito, resolvendo um caso concreto. Pode
considerar-se subjetiva (por ser atinente ao sujeito), mas não tem uma essência psicológica:
sendo jurídica, ela compartilha a natureza cultural, ou seja, é objetiva e exterior.

Modalidades de situações jurídicas

• Simples vs. Complexas:


i) Uma situação jurídica é simples quando se compõe de um único fator, que não
pode ser retirado do seu conteúdo sob pena de se tornar ininteligível. Por
exemplo: A pode exigir a B que lhe pague 100€; não se pode retirar nada do
seu seio, sob pena de não haver já uma decisão jurídica
ii) Uma situação jurídica complexa compõe-se de vários elementos que podem
ser retirados do conteúdo onde se inserem, e tornar-se situações jurídicas
autónomas. Ex.: O direito de propriedade sobre um imóvel; desta situação
podemos retirar as faculdades de construir, de cultivar ou o poder de vender
(quando atomizados, fazem sentido, podendo consubstanciar-se direitos
autónomos)
• Unissubjetivas vs. Plurissubjetivas
i) A situação jurídica unissubjetiva postula apenas um sujeito. Ex.: António tem
um dever de executar uma obra
ii) A situação jurídica plurissubjetiva assenta em mais de uma pessoa. Ex.:
António e Bento celebram um contrato de compra e venda; há, nesta situação,
um credor e um devedor (os art. 397º e 1403º são SJ plurissubjetivas)
• Absolutas vs. Relativas
i) Uma situação absoluta existe por si, sem dependência de uma outra situação,
de sinal contrario. Ex.: O Manuel é dono de um imóvel; não há aqui uma
relação de sentido inverso, não há o “ser dono” e o “ser possuído” (o art.
1305º é uma SJ absoluta)
ii) A situação relativa pressupõe a existência de uma relação de sentido inverso,
ou seja, depende de uma outra situação. Ex.: Carlos e Edgar celebram um
contrato, devendo Carlos 500€ a Edgar; estamos perante duas situações: por
um lado temos o dever de Carlos de pagar, e por outro temos o direito de
Edgar receber o pagamento
• Patrimoniais vs. Não-patrimoniais
i) A situação patrimonial tem conteúdo económico, podendo ser avaliado em
dinheiro; segundo o prof. Menezes Cordeiro, é patrimonial a situação cuja
troca por dinheiro é admitida pelo Direito
ii) A não-patrimonialidade está associada a algo sem conteúdo económico. Ex.: o
exercício do poder paternal é uma SJ não-patrimonial, porque, segundo o prof.
Menezes Cordeiro, qualquer troca por dinheiro não admitida pelo direito é
não-patrimonial
• Ativas vs. Passivas (podem combinar-se entre si em medidas diversas)

Márcia Cabral Barroso


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i) A situação será ativa se o sujeito dessa situação, pela sua vontade, puder
dispor dos efeitos; o sujeito de uma situação ativa age ao abrigo de certas
normas, que contêm permissões ou então que lhe conferem poder
ii) Os efeitos das situações passivas são colocados na pendência de uma pessoa
que não o seu sujeito; reportam-se, então, a normas que ou proíbem algo ou
impõem algo
• Analíticas vs. Compreensivas
i) As situações analíticas obtêm-se através da redução, aos fatores componentes
elementares, das realidades jurídicas; apresentam-se como formulas logicas.
Ex.: o dever de cooperação entre os cônjuges
ii) As situações compreensivas são formadas na história e abrangem múltiplos
elementos, coligados às vezes de formas que não obedecem a qualquer lógica;
por vezes, nestas situações há aspetos incoerentes. Ex.: o casamento é uma
situação jurídica que resulta da história e da cultura; teve o seu momento
inicial, teve a sua evolução, e a ele estão associados uma série de aspetos que
se foram construindo por esse dever histórico milenar. O mesmo se pode dizer
do direito de propriedade.

Direito subjetivo

O conceito de direito subjetivo foi evoluindo ao longo da Historia:

a) Era desconhecido no direito romano: a pessoa que, nesse ordenamento, detivesse


uma posição favorável que lhe conferisse uma particular proteção do Estado, dispunha
de uma ação (a possibilidade de, junto de um magistrado, obter uma injunção que,
caso se verificassem os componentes e alegados factos, habilitasse o juiz a determinar
medidas concretas).
b) Na idade média, gerações de juristas conseguiram isolar a posição substantiva
correspondente à ação processual, o direito subjetivo. Os teóricos do direito natural
vieram a colocar o direito subjetivo numa posição de particular relevo ideológico:
inatos às pessoas, alguns direitos impor-se-iam ao Direito e ao Estado, obrigando ao
seu respeito; desses direitos (direitos originários), tornar-se-ia possível, depois, deduzir
os restantes que, por dependerem de posteriores vicissitudes(mudanças), seriam, tão-
só, direitos adquiridos.
c) Savigny (1779 – 1861) definia o direito subjetivo como um poder da vontade; tal poder
deveria ser entendido com o reconhecimento, ao sujeito titular do direito, de um
âmbito da liberdade independente de qualquer vontade estranha
d) Jhering (1818 – 1892) critica a teoria da vontade apresentada por Savigny, dizendo
que: os direitos subjetivos estavam presentes em pessoas totalmente privadas de
vontade (os menores e os dementes), e que essa mesma presença em pessoas que,
por ignorarem a existência dos direitos em cas, não podem assumir uma qualquer
vontade que lhes sirva de suporte. Jhering defende que não é a vontade ou o poder
que formam a substância do direito, mas sim o aproveitamento, e que o conceito de
direito subjetivo respeita à segurança jurídica do aproveitamento de bens
e) Regelsberger (1831 - 1911), que tenta sintetizar as conceções de Savigny e de Jhering,
dizendo que o direito subjetivo surge quando a ordem jurídica faculta a uma pessoa a
realização de um fim e reconheça e proteja esse fim. Ou seja, por um lado, na primeira
parte, defende o interesse e a sua prossecução, e na segunda parte, atribui a essa

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pessoa um poder. De uma forma ou de outra, as duas críticas feitas a Savigny e Jhering
aplicam-se aqui. Esta conceção influenciou a doutrina civilista, mormente a portuguesa
– Paulo Cunha, Castro Mendes.
f) A partir do séc. XX, surgem as posições negativistas, protecionistas e neo-empíricas
quanto ao conceito de direito subjetivo: entre os negativistas, é particularmente
conhecido Léon Dugit, que diz que há que limitar o conceito do direito subjetivo,
reduzi-lo apenas a uma situação de vantagem, retirando-lhe toda a valoração cultural,
e reduzindo o conceito a um mero conceito técnico; uma formula protecionista foi a
de August Thon, que defendia que o direito subjetivo era uma fonte de pretensões
eventuais, expressa, em termos práticos, na tutela acordada pelas normas aos
interesses de um particular contra um particular (o elemento essencial do direito
subjetivo, para os protecionistas, é a ordem jurídica de proteger determinada situação;
a orientação neo-empírica é propugnada por Karl Larenz, que, analisando o conceito
de direito subjetivo, diz que as conceções de direito subjetivo são tão diversas que
nem vale a pena defini-lo, a única coisa que podemos fazer é classificar essas
situações, não defini-la.

O prof. Menezes Cordeiro acaba por definir direito subjetivo como uma permissão
normativa especifica de aproveitamento de um bem. Decomponhamos estes termos:

• É uma permissão normativa – a norma é que atribui o direito. Isto quer dizer que na
base do direito subjetivo não está qualquer tipo de norma, tem que ser uma norma
permissiva. Por outro lado, o direito subjetivo não é qualquer poder – é só aquele que
é dado pela norma que permite. Confere Uma vantagem
• É uma permissão normativa específica – o direito subjetivo não confere um espaço de
autonomia genérico, mas é específico para aquela pessoa, ou seja, só permite a
alguém concretamente atuar.
• Destina-se a aproveitar os bens (em sentido amplo). Este elemento destaca a utilidade
– o direito subjetivo é útil a alguém.
• Tem também o elemento da vontade – "para o aproveitamento de um bem".

Modalidades de direitos subjetivos

Critério Em sentido comum – permissão especifica de aproveitamento de um bem;


estrutural deriva da incidência de uma norma permissiva

Em sentido potestativo – poder de alterar, unilateralmente, através de uma


manifestação de vontade, a ordem jurídica; é fruto de uma norma que
confere um poder (Ex.: A propõe um negócio a B; quando B aceita o negócio,
ele está a exercer um direito potestativo, porque modifica não só a sua esfera
jurídica, como também altera a esfera jurídica de A). Comportam múltiplas
classificações:

• Autónomos e integrados (conforme surjam de modo isolado)


• Com destinatário e sem destinatário (consoante as alterações que
eles promovam se deem na esfera jurídica de outrem)
• De exercício judicial ou extrajudicial (no primeiro caso, o titular tem
de se dirigir ao tribunal; no segundo, pode fazê-lo
independentemente dessa formalidade)

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• Constitutivos, modificativos ou extintivos (em função de darem lugar,
pelo seu exercício, a uma nova situação jurídica, de alterarem uma
situação preexistente, ou de extinguirem essa mesma situação,
respetivamente)

Critério do Direitos subjetivos patrimoniais: quando incidem sobre objetos que, tendo
objeto natureza económica, sejam avaliáveis em dinheiro; podem ser corpóreos (c/
existência física), incorpóreos (resultam de meras criações de espirito
humano, que abrangem bens intelectuais, prestações e realidades juridicas)

Direitos subjetivos não-patrimoniais: os bens não têm natureza económica,


nem se exprimem, à partida, em dinheiro; podem ser pessoais (reportam-se à
própria pessoa) ou familiares (surgem no âmbito da família)

Critério do Direitos subjetivos de credito


regime
Direitos subjetivos reais

Direitos subjetivos das sucessões

Direitos subjetivos de família

A doutrina costuma isolar cinco categorias de situações jurídicas ativas, que não os direitos
subjetivos:

• Poder – disponibilidade de meios para a obtenção de um fim; é uma situação


analítica: obtém-se por via logica e surge como fator componente elementar das
realidades juridicas; também se podem incluir em situações mais vastas que,
globalmente consideradas, sejam passivas. Comportam várias classificações:
podem ser materiais ou jurídicos, sendo que nestes últimos há que lidar com
poderes constitutivos, modificativos ou extintivos; de gozo, de credito, de garantia
ou potestativos (conforme tais meios tenham por fim o aproveitamento de uma
coisa corpórea, a exigência de uma conduta, a atuação dos esquemas da Situação de
responsabilidade patrimonial ou a produção de efeitos de Direito); autónomos ou inação
integrados (em consonância com a sua independência ou com a sua integração)
• Faculdades – conjunto de poderes ou de outras posições ativas, unificado numa
designação comum
• Proteções reflexas (ou indiretas) – técnica que faz incidir, numa generalidade de
pessoas, normas de comportamento que acabem por acautelar certos interesses;
assim, haverá um beneficiário ao qual, não sendo atribuída qualquer permissão, se
concede uma certa tutela, através dos deveres assacados a terceiros (ex.: inguem
tem o direito a que os outros sejam vacinados ou a que os importadores paguem
taxas alfandegarias; mas a existência de normas com esse conteúdo protege, sem
duvida, interesses particulares
• Expetativa jurídica – retrata a posição do sujeito inserido na sequencia que irá
conduzir a um verdadeiro direito, mas antes de este surgir. Ex.: António quer
contratar Bento – esperança; Bento convence António que vai contratar –
expectativa, mas ainda não direito subjetivo; Bento pede um empréstimo para
pagar o que vai pagar a António. António no último minuto contrata outro. Este

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processo lento pode merecer alguma tutela no caso da posição do Bento, cuja
expectativa foi criada por António e defraudada injustamente. É uma situação que
está a meio caminho entre a simples esperança material e o direito subjetivo pode
ser tutelada pela lei.
• Poderes funcionais – obrigações especificas de aproveitamento de um bem
• Exceções – situação jurídica pela qual a pessoa adstrita a um dever pode,
licitamente, recusar a efetivação da pretensão correspondente. Ex.: o vendedor
pode recusar entregar a coisa enquanto o comprador não lhe pagar o preço: é a
exceção do contrato não-cumprido (art. 428º/1 CC). As exceções podem ser
perentórias (detêm a pretensão por tempo indeterminado) ou dilatórias (detêm a
pretensão por tempo determinado), ou fortes (permitem ao beneficiário deter um
direito alheio) ou fracas (permitem ao beneficiário enfraquecer um direito alheio)

A doutrina costuma também distinguir cinco categorias de situações passivas:

• Obrigações – o CC define esta figura no art. 397º como o vinculo jurídico por virtude
do qual uma pessoa fica adstrita para com outra à realização de uma prestação
• Dever – traduz a incidência de normas de conduta: impositivas ou proibitivas; a pessoa
adstrita a um dever encontra-se na necessidade juridica de praticar ou de não praticar
certo facto
(As obrigações e os deveres são suscetivas de inúmeras classificações: atendeno ao
objeto podem ser de dare (o adstrito deve entregar uma coisa a outrem) ou de facere
(o adstrito deve desenvolver uma atividade em prol de outrem, surgindo três sub-
hipoteses: de facere propriamente ditas – deve-se desenvolver uma atividade em si -,
de non facere – deve-se abster de certa atuação -, e de patti – deve-se sofrer que
alguém desenvolva, na sua esfera, uma atividade que, em principio, não poderia ter
lugar)
• Sujeições – situações jurídica passivas correspondentes aos direitos potestativos; está
numa sujeição a pessoa que possa ver a sua posição alterada por outrem,
unilateralmente
• Ónus e encargos - é encarado tradicionalmente como não tendo um dever, mas para
beneficiar de certas vantagens terá que adotar um certo comportamento. O Prof.
Menezes Cordeiro critica este entendimento, e reserva a figura do ónus para o direito
processual; propõe, como designação para esta figura, as expressões de ónus material
ou encargo. Ónus material ou encargo, para o Prof. Menezes Cordeiro, é um dever,
que, todavia, tem um regime particular que o faz distinguir das obrigações e deveres.
Essa particularidade reside no facto de se tratar de um dever que proporciona
vantagens a outras pessoas, mas essas outras pessoas não podem exigir o seu
cumprimento. Ex.: Art.ºs 916º e 1220º do Código Civil; segundo estes artigos, o
comprador de um bem defeituoso, ou o dono da obra que evidencie defeitos, tem que
denunciar ao vendedor ou ao empreiteiro esses defeitos, mas para que essa possível
denúncia de defeitos não se prolongue no tempo, a lei prevê prazos curtos para essa
denúncia; se não o fizerem no prazo previsto na lei, os seus direitos – nomeadamente
de eliminação de defeitos, ou de indemnização – caducam, mas o devedor não tem
direito a exigir o cumprimento desses deveres de denúncia.
• Deveres genéricos – traduzem-se em posições absolutas, isto é, sem relação jurídica.
Ex.: ao impor, em termos gerais, obrigações de silencio, durante a noite, o Direito

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impõe a todos o correspondente dever genérico de respeito, sem que se visualize
alguém com um particular “direito ao silencio”
• Deveres funcionais – situações nas quais uma pessoa se encontre, por força da sua
presença em determinada posição; os comportamentos que ele postule podem,
diretamente, ser exigidos por certas pessoas, mantendo-se embora numa larga
margem de discricionariedade por parte do obrigado.

Pessoas Singulares Direito objetivo subordina os direitos subjetivos

Atualmente, todo o ser humano é pessoa. Mas o Direito admite que possam aina ser
consideradas pessoa, realidades não correspondentes a seres humanos, as pessoas coletivas e
o nascituro. Por isso, a pessoa é definida, em termos dogmáticos, como a suscetibilidade de
ser titular de direitos e de ficar adstrito a obrigações; a pessoa é o destinatário de normas
jurídicas (centro de imputação dessas normas).

Personalidade singular – traduz a dimensão jurídica do ser humano, enquanto


realidade racional, dotada de liberdade.

Os direitos de personalidade exprimem posições jurídicas protegidas pelo Direito


objetivo, posições essas que se reportam diretamente à própria pessoa tutelada; surgem no
Direito civil, traduzindo a aplicação da técnica jurídica privada no domínio da tutela humana.
Os direitos de personalidade servem a pessoa singular que se apresente, como pessoa:
opõem-se, ou podem opor-se, a todos os interesses organizados e, particularmente ao Estado,
ao poder económico, ao poder politico e ao poder de comunicação social.

Características dos direitos de personalidade: Direito absoluto

• Absolutidade – os direitos de personalidade são direitos absolutos; ao ser absoluto, o


direito de personalidade permite ao seu titular exigir a qualquer pessoa o acatamento
de condutas necessárias à sua efetivação, não postulam relações jurídicas, e devem ser
respeitados por todos
• Os direitos de personalidade podem ser: não-patrimoniais em sentido forte (o Direito
não admite que os correspondentes bens sejam permutados por dinheiro, como por
exemplo, o direito à vida), em sentido fraco (não podem ser abdicados por dinheiro
embora, dentro de certas regras, se admita que surjam como objeto de negócios
patrimoniais ou com algum alcance patrimonial), e patrimoniais (na medida em que
são avaliáveis em dinheiro e podem ser negociados o mercado, como por exemplo, o
direito à imagem)
• Dupla inerência – a doutrina refere a inerência à pessoa como característica particular
dos direitos de personalidade; efetivamente, o direito de personalidade respeita a
uma pessoa; o direito de personalidade liga, inevitavelmente, uma pessoa a um bem
que lhe diz exclusivamente respeito, ou seja, nos direitos de personalidade, uma
primeira vertente de inerência é constituída pela intransmissibilidade da sua posição
ativa (o direito de personalidade nasce na esfera de um titular e aí ficará até à sua
extinção). O direito de personalidade está, ainda, indissociavelmente ligado ao seu

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objeto; ele reporta-se a um bem de personalidade, atingindo-o onde quer que ele se
encontre.
• Direitos inatos e perpétuos – há direitos de personalidade que nunca podem ser
postos em causa: prevalecem, ainda que em termos funcionais, sobre quaisquer
outros (como o direito à vida); a lei não admite certas limitações convencionais aos
direitos de personalidade, os negócios que a tanto conduzam são nulos, assim se
assegurando a prevalência da personalidade (estes postulados, na pratica, não
permitem avançar no sentido de uma apregoada prevalência, logo, não podemos
apresentar a prevalência como característica dos direitos de personalidade)

Bens de personalidade: o “bem” é uma realidade capaz de satisfazer necessidades ou


apetências da pessoa; nesse sentido, a própria pessoa representa um “bem”, para si ou para os
outros. bens de personalidade correspondem a aspetos específicos de uma pessoa,
efetivamente presentes, e suscetíveis de serem disfrutados pelo próprio; decompondo a
noção: aspetos específicos porque o bem será sempre algo delimitado, para poder suportar
um direito subjetivo; de uma pessoa, já que estão e causa bens de personalidade e não
quaisquer outros; efetivamente presentes, a vantagem futura, mesmo quando tutelada pelo
direito, não constitui algo de uma pessoa; suscetíveis de serem disfrutados pelo próprio, na
medida em que o bem de personalidade opera como algo de “egoísta” ou “introvertido”.

Concluímos que a ideia de bem de personalidade é tanto mais útil quanto mais preciso e
delimitado for o seu universo.

O art.70º CC dispensa uma tutela geral, podendo dar azo a diversos direitos subjetivos
de personalidade em sentido próprio: não há, neste domínio, qualquer tipicidade. Além disso,
poderá ainda haver uma proteção independente de quaisquer direitos subjetivos, antes
através de norma de proteção, no sentido do art.483º (responsabilidade civil).

Para que haja responsabilidade civil, é necessário que estejam preenchidos estes 5
pressupostos:

• Facto ilícito (art.483º)


• Dano (art.483º)
• Culpa (art.487º)
• Imputabilidade (art.448º)
• Nexo de causalidade (art.563º)

Exemplo: António tira uma foto de Bento durante a festa da cerveja, evidenciado a sua
embriaguez, e publica-a numa rede social, sem o seu consentimento. Facto ilícito: publicação
da foto de Bento numa rede social; dano: violação do direito à imagem e do direito à honra de
Bento; culpa: cabe a Bento provar a culpa do autor da lesão, neste caso António;
Imputabilidade: nos termos do art.448º, nada nos diz que António é imputável; Nexo de
causalidade: se António não tivesse divulgado a foto, o direito à imagem e o direito à honra de
Bento não teria sido violado.

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Direitos fundamentais – positivação, nas ordens internas do tipo continental, dos direitos do
homem; podemos apresentar os direitos fundamentais como as posições jurídicas ativas
consagradas na Constituição. Distingue-se entre direitos fundamentais públicos (têm a ver com
regras administrativas, pessoais ou processuais: o direito à tutela jurisdicional efetiva, o direito
de resistência, o direito à contenção das medidas criminais, …) e direitos fundamentais
privados (correspondem a regras materialmente civis ou privadas, isto é, a regras que, embora
constitucionalizadas, se podem considerar como de direito privado, através dos critérios
histórico-sistemáticos: art.24º a 26º CRP).

Direitos de personalidade em especial

➢ Direito á vida (art.24º CRP): assegura a preservação das funções vitais do organismo
biológico humano; um atentado à integridade física desse organismo ou qualquer
outro esquema que provoque sofrimento físico, mas que não ponha em causa
imediata a sobrevivência, atingirá outros direitos de personalidade, não o direito a
vida. Em qualquer conflito de direitos ou deveres, a dirimir de acordo com o art.335º
CC, o direito à vida, quando direta e funcionalmente em causa, nunca pode ceder; o
Direito civil não aceita a supressão de uma vida humana; nunca, definitivamente e em
caso algum, caso estejam em conflitos direitos à vida de diversas pessoas; por
exemplo, um medico que esteja perante um cenário de duas vitimas de um acidente
grave, só pode acudir um dos feridos, tendo, portanto, de deixar morrer o outro: o
problema terá de ser resolvido in concreto (salvar os mais viáveis, os mais mais novos,
as mães com crianças, os pais de família, o adversário, assim sucessivamente), e
verificados os pressupostos, o Direito civil considerará que, por conflito de deveres,
não houve qualquer violação do direito á vida. Também não haverá violação do direito
à vida perante uma causa adequada, como a legitima defesa.
O direito à vida é inviolável, logo, o seu titular não pode aliena-lo ou, de modo direto,
necessário ou eventual, proceder, ele próprio, á sua supressão, pedindo a morte ou
praticando suicídio; no caso de tentativa de suicídio, todos os danos colaterais,
incluindo tratamentos médicos e outras despesas, caberão ao suicida tentado; a
indemnização, poderá, todavia ser minorada ou suprimida, pois o suicida estará, em
geral, num estado de tal perturbação, que não é possível formular o juízo de culpa.
A eutanásia não é admissível, à partida, pelo Direito civil, seja como auxilio ao suicídio,
seja como produto exclusivo da atuação de terceiros, já que a eutanásia pretende
justificar a eliminação da vida de uma pessoa como modo de suprimir o seu
sofrimento. A morte de uma pessoa causa danos patrimoniais e morais: quer na
própria vitima, quer no circulo dos seus familiares, particularmente no do cônjuge
sobrevivo e nos dos filhos menores, quando esse seja o caso. Todos os danos
patrimoniais devem ser indemnizados, numa logica que se estende à hipótese de
atentado à integridade física – art.495º/1 e 2 -, e para alem dos danos patrimoniais,
temos ainda lucros cessantes: o falecido não poderá mais trabalhar, cabendo a
indemnização a familiares dele dependentes, delimitando o art.495º/3, o calculo dos
beneficiários da indemnização; os danos morais não são avaliáveis em dinheiro, sendo
essa matéria referida no art.496º: o nº1 refere o principio geral da ressarcibilidade dos
danos não-patrimoniais, o nº2 dá corpo a princípios e a valores básicos do nosso
ordenamento.
A matéria do dano-morte conhece divergências doutrinarias:

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• Oliveira Ascensão e Antunes Varela contestam que o direito à vida possa ser
indemnizável a favor do lesado; não vale afirmar que a morte é computada no
sofrimento dos terceiros, porque isso seria um dano próprio destes, devido a 4
razoes: com a morte cessa a personalidade, logo não se pode constituir um
direito em algo que já não existe; os trabalhos preparatórios e o cuidado posto
em contraditar as iniciativas originais de Vaz Serra, favoráveis ao dano-morte,
mostrariam que a lei não consagraria tal solução; o art.496º esgota o universo
dos danos indemnizáveis e dos seus beneficiários; o direito europeu não seria
favorável ao dano-morte.
• Os autores que criticam Oliveira Ascensão e Antunes Varela, defendem que: a
vida não seria um direito subjetivo se a morte não fosse ressarciavel; os
trabalhos preparatórios mostram apenas a intenção subjtiva de quem os fez; o
art.496º não esgota o universo a que se aplica, já que a seu ado funcionam os
art.70º/1, 483º/2 e 2024º CC; não há nenhum direito europeu cogente, nesta
matéria.
• Galvão Telles, Almeida Costa, Leite de Campos, Menezes Cordeiro e Menezes
Leitão defendem que , para alem das indemnizações arbitradas por via do
art.496º, ainda haja outras, por danos morais e pela supressão do direito à
vida, do próprio lesado e que seguem, depois, por via hereditária,
apresentando os seguintes argumentos: se existe um direito à vida, então há
que dotá-lo da componente tutela aquiliana, logicamente a favor do seu
titular; a atual responsabilidade civil tem funções retributivas e preventivas,
perdendo-se tais funções quando se admitem direitos que desaparecem logo
que violados; a mera aplicação do art.496º/2, desarticulado do resto do
ordenamento conduz a resultados inaceitáveis; as indemnizações arbitradas
pelos nossos tribunais, mau grado algumas melhorias, são totalmente
insatisfatórias.
➢ Direito à integridade física (art.25º CRP): o direito à integridade física assegura a
proteção do ser biológico e das suas diversas funções, nos casos em que não esteja em
causa a sua imediata sobrevivência; a integridade física pode ser diretamente atingida,
através de atuações que visem a própria pessoa enquanto unidade biológica ou
indiretamente, mediante atuações que venham bulir com aspetos circundantes ou
ambientais.
➢ Direito à honra: a honra constitui a consideração pela integridade moral de cada ser
humano; podemos distinguir honra social (ou exterior) – conjunto de apreciações
valorativas ou de respeito e deferência de que cada um disfruta na sociedade – e a
honra pessoal (ou interior) – autoestima ou imagem que cada um faz das suas próprias
qualidades. A honra constitui uma base para juízos éticos dos seus semelhantes, juízos
esses que se repercutem na autoestima de cada um, que no seu conjunto dá corpo à
integridade moral ,formalmente referida no art.70º/1 e 484º.
O CC não refere a honra e a sua tutela: o art.70º/1 protege “…os indivíduos contra
qualquer ofensa ilícita ou ameaça de ofensa, à sua personalidade (…) moral”; o art.
484º aproxima-se dos direitos de personalidade, já que a ofensa do credito ou do bom
nome exige, em regra, medidas de correção e de reposição da verdade, que não se
esgotam na responsabilidade civil; a constituição, ao referir no art.26º, o direito ao
bom nome e á reputação, entre os direitos fundamentais protegidos dá, à honra, mais
uma base jurídico-positiva de tutela legal.

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Os atentados à honra podem concretizar-se do modo mais diverso; normalmente eles
ocorrerão pela palavra, ou de modo indireto, como exemplo numa publica exigência
do pagamento de dividas. A afirmação totalmente verdadeira pode atentar contra a
honra das pessoas; nem tudo o que suceda, exista ou se faça tem de ser revelado,
mesmo não estando em causa a intimidade privada, protegida por um direito
especifico, há um juízo de oportunidade a fazer; já a afirmação falsa (contêm uma
asserção que não corresponde à verdade, podendo ser imputável ao agente ou ter
sido perpetrada de boa-fé), tendenciosa ou incompleta é particularmente indicada
para atingir a honra, assim como a exceptio veritatis que, só por si, não é justificativa.
A tutela da honra pode entrar em colisão com a liberdade de informação, também
constitucionalmente garantida. Como o direito à honra é um direito de personalidade,
prevalece sobre o direito à liberdade de informação.
Em termos indemnizatórios, a ofensa à honra pode determinar danos patrimoniais e
não-patrimoniais: os primeiros devem ser ressarcidos, até ao montante do prejuízo,
sendo ainda computáveis danos emergentes e lucros cessantes; os segundos colocam
um problema de danos morais, a arbitrar de acordo com o art.496º/3, 1ª parte. A
indemnização deve exprimir a reprovação do direito e ter efeitos no futuro
➢ Direito ao nome (art.72º CC): cada pessoa dispõe de uma figuração vocabular,
primeiro oral e, depois, também escrita, que permite identifica-la com facilidade e
segurança, o nome; tem uma função dupla: vocativa, porquanto permite designar a
pessoa que o use, e distintiva, por facultar destrinça-la dos demais.
As açoes de defesa do nome podem ser exercidas pelo próprio titular ou, depois da
sua morte, pelo cônjuge sobrevivo ou por qualquer descendente, ascendente, irmão,
sobrinho ou herdeiro do falecido (art.71º/2, ex vi 73º).
O pseudónimo é uma figura semelhante ao noma que consta no art.74º CC, assim
como o nome artístico.
➢ Cartas-missivas confidenciais(art.75º): as cartas-missivas integram-se no âmbito dos
pelo direito à intimidade da vida privada ou aos segredos das pessoas; uma carta
traduz-se num texto, exarado em papel e com um destinatário, e será confidencial
quando contenha matéria que não possa ser comunicada fora do círculo entre o
remetente e o destinatário. A confidencialidade cessa quando colida com outros
direitos de personalidade que, em concreto, prevaleçam, segundo o regime do
art.335º.
A publicação de uma carta-missiva confidencial configurará uma forma agravada de
violação da confidencialidade; o art.76º/1 prevê que a carta só possa ser oublicada
com o consentimento do seu ator ou com suprimento judicial.
➢ Direito à imagem (art.79º): tem-se como imagem a representação de uma pessoa na
sua configuração exterior. O art.79º/1 consagra a regra básica, sendo este direito pós-
eficaz, isto é, depois da morte da pessoa retratada, a autorização compete e pela
ordem nele indicada, às pessoas referidas no art.71º/2; porém, o art.79º/2 introduz
limitações, que dizem que o consentimento do retratado não é necessário nalguma
das circunstâncias referidas neste artigo; o nº3 corrige, um tanto, esta limitação
severa, dispondo que, não obstante a verificação dalguma dessas circunstancias, o
retrato não pode ser divulgado.
A doutrina, procurando isolar até onde pode ir a intervenção na imagem da pessoa,
tem desenvolvido teoria das esferas:

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1º ano, FDUL
• Esfera publica: própria de políticos, atores, desportistas ou outras
celebridades; implicaria uma área de condutas propositadamente acessível ao
público, independentemente de concretas autorizações;
• Esfera individual-social: reporta-se ao relacionamento social normal que as
diversas pessoas estabelecem com amigos, colegas e conhecidos; a
reprodução de imagens seria aí possível, salvo proibição, mas apenas para
circular nesse mesmo meio;
• Esfera privada: vida privada comum da pessoa; apenas acessível ao circulo da
família ou dos amigos mais estreitos, equiparáveis a familiares;
• Esfera secreta: abrange o âmbito que o próprio tenha decidido não revelar a
ninguém; desde o momento em que ele observe a discrição compatível com
tal decisão, esta esfera tem absoluta tutela
• Esfera intima: reporta-se à vida sentimental ou familiar no sentido mais estrito
(cônjuge e filhos); tem uma tutela absoluta, independentemente de quaisquer
prévias decisões, nesse sentido, do titular considerado; elas são dispensáveis.

As esferas publica e individual-social permitem retratar sem autorização,


consoante as circunstancias e os objetivos, mas apenas para documentar o que lá
se passa; mas, mesmo nessas duas esferas, os retratos não serão permitidos se
puderem prejudicar a honra, a reputação ou o decoro do retratado

➢ Direito á reserva sobre a intimidade da vida privada (art.80º CC): o art.80º/1 protege
as esferas privada, secreta e intima; não já as publica e social-individual. O art.80º/2
delimita a proteção em função de dois elementos: o objetivo (tem a ver com os
especiais valores, in concreto, possam conduzir à intromissão na esfera privada) e o
subjetivo (reporta-se à notoriedade ou ao cargo da pessoa considerada ou à própria
postura que a mesma adote).

O início da personalidade

Nascituro: realidade humana subsequente à conceção e anterior ao nascimento, ou


seja, o nascituro é aquele que vai nascer. Abrange, em sentido amplo, quer o ser já concebido
e ainda não nascido (nascituro em sentido estrito), quer o próprio “ser” ainda não concebido
(o conceturo).

O direito á vida do nascituro, uma vez admitido, surge com a vida; como ao direito à vida
apenas se opõe o direito à vida, o aborto só é lícito se houver necessidade de salvar a mãe e
perante a alternativa concreta, real e comprovada, de a sobrevida do nascituro envolver a
morte da mãe.

O direito civil é levado a distinguir entre personalidade jurídica e capacidade jurídica:


tem-se como personalidade jurídica a qualidade de destinatário de normas jurídicas (dado
qualitativo), e como capacidade jurídica a medida concreta de direitos e deveres de que se
possa, respetivamente, ser titular e destinatário (dimensão quantitativa). Dentro da
capacidade jurídica distingue-se capacidade de gozo (traduz a medida das posições jurídicas

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1º ano, FDUL
que se possam encabeçar) e capacidade de exercício (exprime a medida das posições jurídicas
a exercer pessoal e livremente).

O recém-nascido tem personalidade jurídica (art.66º/1) e pode ser titular de posições


jurídicas: tem capacidade de gozo, ainda que não total, e não tem capacidade de exercício,
devendo ser representado (art.123º e 124º).

Art.66º: refere a personalidade; Art.67º: refere a capacidade de gozo

Direitos específicos dos nascituros:

• Art.66º/2: admite direitos reconhecidos, por lei, aos nascituros (em sentido amplo)
• Art.954º (doação a nascituros que, por via do art.951º/2, produz efeitos
independentemente de aceitação, nos termos aí dispostos)
• Art.1855º (perfilhação de nascituro)
• Art.1878º (conteúdo do poder paternal)
• Art.2033º (princípios gerais da capacidade sucessória)
• Art.2240º (administração da herança ou legado a favor de nascituro)

O art.66ºCC apresenta uma grande divergência doutrinaria:

i) Oliveira Ascensão admite que o nascituro já concebido tem personalidade jurídica


desde o momento da conceção
ii) Menezes Cordeiro diz que a personalidade deveria adquirir-se logo com a
conceção, em nome do principio básico de que todo o ser humano é pessoa; o nº2
doo art.66º tem o sentido de supressão retroativa dos direitos dos nascituros
iii) Capelo de Sousa defende a personalidade jurídica parcial do nascituro já
concebido, onde se inclui a titularidade do direito à vida intrauterina e ao
desenvolvimento desta com vista ao nascimento completo e com vida
iv) Paulo Otero admite poder discutir-se se a tutela conferida pelo direito ao ser
humano antes do nascimento, designadamente através do reconhecimento ao
embrião da titularidade de direitos fundamentais, não justificará a imperatividade
de o Direito não fazer depender do nascimento a aquisição da personalidade
jurídica, transferindo-a para um momento anterior ao nascimento, fazendo
coincidir, por conseguinte, o inicio da personalidade jurídica com o instante do
inicio cientifico da vida.
v) Pires de Lima e Antunes Varela negam aos nascituros a personalidade jurídica.

Registo Civil

O registo civil dá a conhecer os estados das pessoas que dele resultem: no seu
conjunto, podemos falar no “estado civil” das pessoas.

A inscrição dos factos contemplados pelo registo obedece a múltiplas normas


agrupáveis em sete princípios:

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• Principio da tipicidade: apenas estão sujeitos ao registo civil os atos legalmente
referenciados com esse fito, como o nascimento, a filiação, a adoção, o casamento,
etc. (estes atos estão enumerados no art.1º/1 do CRCiv)
• Principio da obrigatoriedade: o registo dos factos a ele sujeitos constitui um dever de
certas pessoas
• Principio da compleitude: os diversos assentos ou averbamentos reportados à mesma
pessoa disponham de quotas de referencia que permitam conhecer, em permanência,
os efetivos estados civis do visado
• Principio da oficiosidade supletiva: havendo omissão ou incorreção do registo, as
mesmas sejam supridas pelo próprio conservador
• Principio da autenticidade: do registo apenas devem resultar factos efetivamente
ocorridos, tendo como consequências determinados vícios do registo, quando não se
verifique a necessária correspondência com essa realidade
• Principio da legalidade: inclusão dos órgãos do registo (particularmente as
conservatórias do registo civil e a Conservatória dos Registos Centrais), na
Administração Pública; a consequência direta deste principio é, aqui, a ausência de
discricionariedade: a lei do registo civil deve ser aplicada como resulta da sua
interpretação.

O registo civil assume uma eficácia relevante sobre os atos a ele sujeitos. O primeiro efeito
do registo civil é o seu papel condicionante absoluto de eficácia (segundo o art.2º do CRCiv, os
factos cujo registo é obrigatório só podem ser invocados depois de registados; o nascimento, a
filiação, o casamento e o óbito produzem múltiplos efeitos e quem os pretender invocar em
juízo terá de usar os meios de prova facultados pelo registo civil, o que pressupõe que tenham
sido registados); o segundo efeito do registo é a sua eficácia probatória plena (o registo civil
faz prova plena dos factos a ele sujeitos e que dele resultem; não pode ser ilidido a não ser
através de ações especificas, que visem o estado da pessoa ou o próprio registo); o terceiro
efeito é a eficácia probatória exclusiva dos meios do registo (a prova dos factos sujeitos a
registo so pode ser feita pelos meios previstos no CRCiv, sendo esses meios a certidão, o
boletim e o bilhete de identidade/cartão de cidadão)

Identidade

A identidade de uma pessoa singular é o conjunto dos elementos que permitem


diferencia-la dos seus semelhantes. Os elementos básicos da identidade do individuo resultam
do registo civil obrigatório, e são: o nome próprio e os apelidos; o sexo; a data de nascimento;
a freguesia e o concelho de naturalidade; o nome completo, a idade, o estado, a naturalidade
e a residência habitual dos pais; o nome completo dos avós; e a nacionalidade.

A identificação civil e a emissão do bilhete de identidade são hoje reguladas pela Lei
nº33/99, de 18 de maio; a identificação civil é assegurada pelo Estado, através de serviços
competentes integrados na Direção-geral dos Registos e do Notariado, do Ministério da
Justiça.

Márcia Cabral Barroso


1º ano, FDUL
Domicilio

O CC não define domicilio, e limita-se, nos seus art.82º e seguintes, a indicar diversos
domicílios: voluntario, geral, profissional, eletivo, dos menores e interditos, dos empregados
públicos e dos agentes diplomáticos portugueses. Podemos inferir dessas indicações que o
domicilio é um lugar no qual, juridicamente e para diversos efeitos, é suposto encontrar-se
determinada pessoa.

No domicilio esta em causa a determinação de um local a que se associa, em termos


jurídicos, a pessoa singular (a pessoa coletiva não tem “domicilio”, mas sim sede); o domicilio
releva, pelo menos, em quatro áreas:

i) Na individualização da própria pessoa


ii) Na determinação de regras aplicáveis, havendo conflitos espaciais de leis
iii) Na explicitação do lugar do cumprimento das obrigações
iv) Na fixação do tribunal competente, para a propositura de ações e para a pratica de
diversos atos

O CC trabalha com as noções de paradeiro (traduz o lugar onde a pessoa


concretamente se encontre, no momento considerado, mas de modo indireto; o CC não
define pardeiro, mas tem-no em conta no seu art.82º/2), de residência (exprime o lugar
onde determinada pessoa habitualmente viva, aí organizando a sua vida; é uma noção de
facto – assim como o paradeiro -, e opõe-se ao domicilio, que é uma noção jurídica; o
art.82º/2 obriga a distinguir entre “residência habitual” e “residência ocasional”, que é o
lugar onde, apesar de tudo e com alguma habitualidade, o visado se encontre) e de
domicilio.

Quanto aos efeitos, temos: domicilio geral (releva para uma generalidade de situações
jurídicas) e domicilio especial ou particular (opera para situações especificas). Quanto à
escolha temos: domicilio voluntario (depende da opção do sujeito) e domicilio legal
(correspondente a uma estatuição da lei). Estas distinções podem intercruzar-se, e assim
teremos domicílios legais voluntários e legais, e domicílios especiais voluntários e legais.

Domicilio geral voluntario: figura nuclear. Depende de uma escolha do sujeito; tal escolha não
é, porem, diretamente dirigida ao domicilio, mas antes à residência ou ao paradeiro. O
domicilio vai, sucessivamente, corresponder: à residência permanente, quando o sujeito se
encontre, sem interrupção, num determinado local; à residência habitual, quando, circulando
por vários locais, ele tenha, todavia, um de presença claramente predominante; a alguma das
residências alternativas, na hipótese de ser esse o figurino habitacional do sujeito; à residência
ocasional, quando não seja possível apontar ao sujeito uma residência mais estável; ao
paradeiro, na falta de outro critério.

Domicilio eletivo: segundo o art.84º, é permitido estipular um determinado domicilio


particular para determinados negocio, contanto que a estipulação seja reduzida a escrito;
quando as partes fazem uso desta possibilidade teremos um domicilio voluntario e especial. O
domicilio eletivo opera, em regra, como uma clausula em negocio mais vasto. Um negocio que
fixasse determinado domicilio para negócios, sem especificar minimamente quais, será nulo
por indeterminabilidade do conteúdo (art.280º/1); podem-se estipular domicílios para

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negócios futuros eventuais, desde que se reportem a relações entre as pessoas que tenham
intervindo na sua estipulação.

Domicilio profissional: o art.83º/1 fixa o denominado domicilio profissional, que poderá


coincidir com os escritórios ou os consultórios de advogados ou médicos, com os ateliers dos
arquitetos ou com os diversos estabelecimentos dos comerciantes. Trata-se de um domicilio
especial, porque é reportado às relações referidas à profissão em jogo, e de um domicilio
voluntario, porque a escolha de qualquer profissão é voluntario.

Domicilio legais: domicílios fixados pela lei. A primeira hipótese é a do domicilio dos menores e
dos interditos (art.85º/1); segue-se o domicilio legal dos “funcionários públicos” (art.87º/1),
que pode coincidir com o seu domicilio profissional; finalmente, o domicilio dos agentes
diplomáticos portugueses (art.88º).

Ausência e morte presumida

Uma pessoa diz-se ausente quando não esteja onde seria de esperar vê-la (em termos
correntes); em termos jurídicos, a ausência implica um desaparecimento prolongado e sem
noticias.

O CC previu um instituto da ausência que engloba 3 subinstitutos:

1) Curadoria provisoria
2) Curadoria definitiva
3) Morte presumida

Curadoria provisoria (art.89º e ss.)

A curadoria provisória inicia-se, simplesmente, com a necessidade de prover acerca da


administração dos bens de quem tenha desaparecido sem que dele se saiba e sem ter deixado
representante, legal ou voluntario, ou quando, havendo representante, este não possa ou não
queira exercer as suas funções. Além da nomeação do curador provisório, a lei admite que
possam ser adotadas as providencias cautelares indispensáveis à preservação de quaisquer
bens do ausente; tais providencias podem incluir: a entrega de certos bens a um depositário; a
alienação de bens deterioráveis, que não constitui disposição; pagamentos urgentes, por conta
dos bens do ausente; procedimentos cautelares relativos a ações de fundo a propor em nome
e por conta do ausente.

A curadoria provisoria e as providencias cautelares podem ser requeridas pelo


Ministério Publico ou por qualquer interessado (art.91º); o curador provisório é escolhido de
entre as pessoas referidas no art.92º/1, e havendo conflito de interesses, deve recorrer-se ao
curador especial do art.89º/3, não havendo qualquer indicação sequencial na escolha do
curador (porem, para evitar sobressaltos na administração de bens e como a ausência é um
instituto dinâmico, o juiz deve procurar, logo na curadoria provisoria, escolher o curador que,
presumivelmente, funcionara como principal herdeiro ou como cabeça-de-casal). O curador
provisório pode ser substituído, a requerimento do Ministério Publico ou de qualquer
interessado, logo que se mostre inconveniente a sua permanência no cargo.

Márcia Cabral Barroso


1º ano, FDUL
Na curadoria provisoria há ainda uma grande expetativa em torno do regresso do
ausente, sendo o interesse dominante neste subinstitutos o do ausente, dai o art.93º impor
que, antes de entregues ao curador provisório, os bens sejam relacionados e o curador
provisório preste caução, sob pena de ser nomeado outro curador (em caso de urgência, estas
diligencias podem ser dispensadas pelo juiz).

Art.94º: o curador fica na situação de um mandatário geral com poderes de


representação. Deste modo, ele tem poderes gerais de administração, pode intentar as ações
que não possam ser retardadas e contestar as intentadas contra o ausente, alienar ou onerar
imoveis, objetos preciosos, títulos de credito, estabelecimentos comerciais e quaisquer outros
bens cuja alienação ou oneração não seja ato de administração.

Art.95º e 96º: o curador provisório deve prestar contas do seu mandato ao tribunal ou
aos curadores definitivos, quando seja deferida a curadoria definitiva; ele tem direito a uma
remuneração equivalente a 10% da receita liquida que realizar. Com base neste regime,
podemos considerar que o curador provisório é um representante legal do ausente, inserindo-
se num estatuto próprio, decalcado do do mandato.

A curadoria provisoria termina nos termos do art.98º, e quando perca qualquer


interesse pratico, designadamente, pelo desaparecimento do património do ausente.

Curadoria definitiva (art.99º e ss.)

A curadoria definitiva segue-se à fase da provisoria, e é constituída por decisão do


tribunal, denominada “justificação da ausência”, e depende de terem decorridos dois anos
sem se saber do ausente ou cinco, quando tenha deixado representante legal ou voluntario
bastante, e de o Ministério Público ou algum interessado o terem requerido (art.99º)

Os interessados na justificação da ausência são as pessoas referidas no art.100º, e


justificada a ausência, o tribunal requisita certidões dos testamentos públicos e manda
proceder à abertura dos testamentos cerrados que existam, que serão tomados em conta na
partilha e no deferimento da curadoria definitiva (art.101º).

Os legatários e outras pessoas que, por morte do ausente, teriam direito a bens
determinados podem requerer, logo que a ausência esteja justificada, independentemente da
partilha, a entrega dos bens. Posto isto, a administração dos bens cabe ao cabeça-de-casal,
designado nos termos do art.2080º e ss., seguindo-se a partilha com a entrega dos bens aos
herdeiros do ausente, à data das ultimas noticias.

Apesar de todas as medidas apontadas (art.103º a 106º), que nos aproximam já da


sucessão por morte, a situação ainda não é, por lei, considerada definitiva. Assim, tendo em
conta a espécie e valor dos bens e, eventualmente, dos rendimentos a restituir, o tribunal
pode exigir caução aos curadores definitivos ou a algum deles; enquanto não prestar a caução
fixada, o curador esta impedido de receber os bens; esses bens serão entregues, até ao ermo
da curadoria ou à prestação da caução, a outro herdeiro ou interessado que ocupará, em
relação a eles, a posição do curador definitivo. Caso ninguém preste a caução determinada
pelo tribunal, o tribunal ou dispensa a caução, ou recusa a justificação da ausência quanto aos
bens em jogo, mantendo-se a curadoria provisoria, ou procura um depositário fora do circulo
dos herdeiros ou interessados.

Márcia Cabral Barroso


1º ano, FDUL
Art.108º: o cônjuge do ausente, não separado judicialmente de pessoas e bens, pode,
no âmbito do processo de justificação da ausência, requerer inventario e partilha, exigindo
ainda os alimentos a que tiver direito.

Art.109º: os curadores definitivos podem aceitar ou repudiar a “sucessão” do ausente


ou dispor dos direitos sucessórios respetivos; a eficácia de todos esses atos fica sujeita à
condição resolutiva da sobrevivência do ausente.

Aos curadores definitivos é aplicável o art.94º, cessando os poderes antes conferidos


pelo ausente em relação a esses bens. Inferimos daqui que tal como provisórios, os curadores
definitivos são representantes legais do ausente, agindo na base de um mandato geral.

Art.111º: remuneração dos curadores definitivos

A curadoria definitiva cessa nos termos do art.112º.

Morte presumida (art.114º e ss.)

A morte presumida é o ultimo subinstituto da ausência, porem, ela não depende da


prévia instalação das curadorias provisorias e definitivas, podendo ser requerida diretamente,
desde que se verifiquem os requisitos legais previstos no art.114º.

A declaração de morte presumida produz os mesmos efeitos do que a morte, salvo


quanto ao casamento; todavia, sendo o casamento civil, pode o cônjuge contrair novo
casamento, e caso o ausente regresse ou dele houver noticias, considera-se o primeiro
casamento dissolvido por divorcio, à data da declaração de morte presumida.

Os bens do ausente são entregues aos seus sucessores, nos termos do art.101º e ss.,
não havendo, porem, lugar a caução, que pode ser levantada se tiver sido prestada.

Art.118º: caso se prove que o ausente tenha falecido em data diversa da fixada na
sentença de declaração de morte presumida, tem de se recompor o mapa dos sucessores,
cabendo o direito à herança aos que, na data da morte efetiva, lhe deveriam suceder, sem
prejuízo das regras da usucapião; os sucessores assim designados de novo gozam apenas, em
relação aos antigos, dos direitos atribuídos ao ausente, no art.118º/2

Art.119º: regresso do ausente

Menoridade

O primeiro aspeto é a delimitação da situação de menoridade. Sobre isto dispõe o art.º


122.º: é menor quem não tiver ainda completado 18 anos de idade. Esta norma foi alterada
com a chamada reforma de 1977. Antes, a idade era de 21 anos.

Este critério é evidentemente formal - aos dezoito anos e menos um dia, não pode
reger os seus negócios jurídicos; aos dezoito e um dia, já pode: a pessoa não se torna
substancialmente mais capaz por perfazer 18 anos; mas havia que fixar uma fronteira
qualquer. Isto não significa que o sistema jurídico não seja sensível, por várias vias, a que,
abaixo dos 18 anos, haja patamares intermédios de capacidade. Esta é a linha divisória geral,

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1º ano, FDUL
mas há duas formas pelas quais o sistema jurídico evidencia essa sensibilidade a uma evolução
lenta com a idade. Em primeiro lugar, abaixo dos 18 anos são reconhecidos, para certos efeitos
jurídicos, outros patamares de idade como relevantes. Por exemplo, aos 17 anos cessa a
chamada inimputabilidade - a impossibilidade de atribuir a alguém determinado facto, e as
suas consequências. A partir dos 14 anos, numa ação de atribuição do poder paternal, o filho
tem o direito a ser ouvido pelo juiz; isto não significa que possa escolher com quem quer ficar,
mas sim que a sua opinião é tida em conta pelo juiz na decisão final que venha a adotar. A
partir dos 16 anos, o menor pode casar, sendo certo que obviamente casar é um ato da maior
importância, e daí só 2 anos antes. Isto foi também uma alteração feita na reforma de 1977,
porque antes para as meninas eram aos 14 anos e para os rapazes aos 16. É também a partir
dos 16 anos que cessa a inimputabilidade penal dos jovens. Com os 16 anos também, o menor
adquire capacidade para trabalhar. Também a partir dos 16 anos pode administrar os bens que
obtenha com o seu próprio trabalho (art.º 127.º do CC). Quer isto dizer então que a lei, não só
o Código Civil mas também outros diplomas, reconhecem patamares etários inferiores para a
prática ou responsabilidade pela prática de certos atos. Por outro lado, o Código não deixa de
ponderar a chamada aptidão natural das pessoas, independentemente da aquisição da sua
capacidade plena apenas aos 18 anos. O CC valoriza a aptidão natural para os chamados atos
decorrentes da vida normal do menor: se a filha do Sr. Miguel, que tem 15 anos, for à
papelaria comprar o jornal, ela pode fazê-lo.

Consequências de a pessoa ser considerada menor até aos 18 anos:

Diz-nos a lei (art.º 123.º): salvo disposição em contrário, os menores carecem de


capacidade para o exercício de direitos. Esta é, em primeiro lugar, uma situação de
incapacidade de exercício. Só em algumas situações é que estamos a falar de situações de
incapacidade de gozo - um menor com 13 anos não pode casar; um menor não pode perfilhar;
um menor não pode testar. O menor com 10 anos pode ter casas, mundos e fundos, não os
pode é administrar. Regra geral, a incapacidade dos menores é, pois, uma incapacidade de
exercício e não uma incapacidade de gozo. Como incapacidade de exercício, o que o menor
não pode é praticar pessoal e livremente os direitos correspondentes às situações de que é
titular. Como incapacidade de exercício, é uma incapacidade genérica.

Mas diz a lei que pode haver disposições em contrário. São as tais exceções à
incapacidade dos menores, previstas no art.º 127.º; temos aqui três tipos de situações:

1. Atos de administração e disposição de bens adquiridos pelo trabalho (art.º 127.º n.º
1 al. a)). Se o menor pode trabalhar a partir dos 16 anos, desde que se verifiquem as condições
dos art.50.º e ss. do Código do Trabalho, então naturalmente ele pode administrar ou dispor
dos bens que tenha adquirido por via do seu trabalho. Quer isto dizer que, se só o pode fazer
depois dos 16, antes tem uma incapacidade de gozo - não pode sequer trabalhar. Esta regra
tem, todavia, que se conjugar com uma regra do Código do Trabalho sobre o destino da
remuneração, uma vez que o Código do Trabalho distingue entre capacidade para trabalhar e
o regime da remuneração, e só permite a que os progenitores se oponham a que o menor
aufira diretamente a retribuição. Se houver tal disposição dos pais, são eles quem recebe. Esta
norma prevalece, por ser posterior, ao Código Civil.

2. São válidos os negócios jurídicos decorrentes da vida do menor, que estejam ao seu
alcance, e que impliquem despesas de pequena importância. Está aqui ligada a tal ideia de
aptidão natural. Aqui tem-se por "capacidade" uma representação de "aptidão", isto é, ao

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1º ano, FDUL
alcance da sua compreensão. Por outro lado, temos outro conceito indeterminado - negócios
próprios da vida corrente do menor. A vida corrente de um menor que está deslocado a
estudar tem que incluir, se calhar, negócios diferentes dos de um menor que está em casa dos
pais. A vida corrente de um menor de classe alta será diferente de um menor de classe pobre.
Temos ainda outro conceito indeterminado - bens de pequena importância. Um bem de
pequena importância será diferente para um rico menor que para um pobre menor ou de um
menor rico para um menor pobre. E a fórmula legal é pois relativamente elástica, pois há que
preencher aqui estes conceitos indeterminados no caso concreto. Esta exceção tenta também
diminuir os efeitos da tal quebra formal, de 18 anos num dia.

3. Negócios relativos à profissão, arte ou ofício que o menor tenha sido autorizado a
exercer, etc. Esta norma tem uma redação muito desatualizada. Esta interpretação tem que
ser uma interpretação atualizada, para abranger contratos de prestação de serviços, de
trabalho, etc. Também esta norma exige conjugação com o Código Do Trabalho, porque há
autorização dos pais que pode ter formas diferentes consoante a idade do menor. Qual é a
diferença entre esta alínea (c)) e a al. a)? Numa, fala-se de dispor dos rendimentos (al. a));
noutra, nesta, fala-se dos atos que haja que praticar no âmbito de certa profissão específica.
Esta alínea deve ser conjugada com o n.º 2 - só os bens de que o menor possa dispor no
exercício dessa profissão é que são responsáveis pelos atos que venha a praticar no exercício
da mesma. E como se poderá suprir esta incapacidade genérica dos menores? Há aqui que
distinguir entre meios de suprimento e forma de suprimento. O meio de suprimento típico da
incapacidade dos menores é o poder paternal (art.º 124.º). Subsidiariamente, é a tutela (art.º
129.º). A lei não regula aqui nem um nem outro, até porque temos que ir ao regime jurídico
respetivo.

O poder paternal é regulado nos art.1877.º e ss. Interessa-nos agora especificamente o


art.º 1901.º, que nos diz quem é que tem o poder paternal. A situação é diferente consoante
os pais sejam ou não sejam casados. A regra também foi alterada em 1977. Diz-nos a lei que,
na constância do matrimónio, o poder paternal pertencer a ambos os pais. Se houver
impedimento de um dos pais, é exercido automaticamente pelo outro (art.1901.º n.º 2 e art.º
1903.º). Se os pais viverem em união de facto, a ambos pertence o poder paternal, desde que
o declarem no registo civil. Se não habitarem juntos, pertence ao progenitor que detenha a
guarda da criança, o mesmo sucedendo em caso de divórcio, a menos que hajam acordado na
fixação do poder paternal para ambos (art.º 1906.º). Há aqui diversas disposições que têm a
ver com situações típicas de entrega do menor, divórcio, viuvez, casamento, etc. Mas esta é a
regra geral. Quanto à tutela, o art.º 124.º remete, subsidiariamente, para o regime de tutela.
Há lugar a tutela se faltarem os progenitores, ou se este lhes houver sido retirado, por
exemplo por prática de atos indignos, violência sobre o menor, etc. Há lugar ao deferimento
da tutela se os pais forem incógnitos ou se estiverem há mais de seis meses impedidos de
exercer o poder paternal. As situações em que o menor é sujeito a tutela estão no art.º 1921.º.
Pode ainda excecionalmente ser instituído ao menor um regime de administração de bens,
quando a gestão de alguns bens do menor seja confiada pelo Tribunal a pessoas diferentes dos
pais: suponha-se um avô que deixe algo ao neto, mas que como já sabe que o filho gasta tudo,
determina em testamento que aqueles bens que deixou ao filho devem ser administrados pelo
Sr. Dr. Z. Há também situações em que, sem ser por este tipo de coisas, por qualquer outra
razão, os pais podem estar impedidos relativamente ao exercício do poder paternal em
matéria de exercícios de direitos patrimoniais. É o caso de um menor que tenha um pai

Márcia Cabral Barroso


1º ano, FDUL
pródigo, alguém que gasta em demasia. O direito da família, que é a regulamentação do poder
paternal, contempla uma regulamentação bastante exaustiva. Devemos retirar o essencial -
quem é titular e que o poder paternal é exercido no interesse dos filhos. Por um lado, é uma
situação de vantagem (é um poder), mas é de exercício vinculado (não se pode renunciar), e
tem que ser exercido no interesse do menor. A doutrina portuguesa chama-lhe um poder-
dever.

O poder paternal tem um conteúdo bastante amplo: contém aspetos relacionados à


pessoa do próprio filho e aspetos também patrimoniais. Os filhos têm, em relação aos pais, um
dever genérico de obediência. Esse dever também tem limites. A lei consagra o dever de
obediência no art.º 128.º do CC, excetuando o que seja ilícito ou imoral. O dever de obediência
é em relação aos pais, mas também em relação ao tutor. Isto quanto ao meio de suprimento
da incapacidade; quanto à forma, como são praticados os atos que o menor não pode praticar
pessoal e livremente, a forma é a representação legal. Os titulares ou do poder paternal ou da
tutela (os pais ou o tutor), atuam em representação dos filhos, nos termos do art.º 1881.º. Ou
seja: praticam os atos em vez do menor que é incapaz.

O que acontece aos atos praticados pelo menor no âmbito dessa mesma incapacidade,
ou seja, o que sucede se o menor pratica um negócio jurídico, não obstante não ter
capacidade para ele - uma compra e venda, uma doação, etc.?

Sobre esta matéria, diz-nos o art.º 125.º que os atos jurídicos praticados pelos
menores no âmbito da sua incapacidade são anuláveis. A anulabilidade é, pois, o desvalor
associado a estes negócios jurídicos, porque, o que está em causa é proteger o menor, e,
portanto, um interesse privado, não um interesse público ou um interesse geral. Estes
negócios são, pois, anuláveis.

Diz-nos a lei que tem que haver um interesse e só o interessado é que pode requerer a
anulação do ato. Os negócios podem ser anulados, em primeiro lugar, a requerimento do
progenitor que exerça o poder paternal, do tutor ou do administrador de bens, ou seja, da
pessoa que exerça normalmente a capacidade de exercício; há que pedir essa anulação no
prazo de um ano a partir da altura em que se tome conhecimento, mas nunca depois de o
menor fazer 18 anos: por exemplo, António, vendeu a 1 de Janeiro o carro que o avô lhe tinha
deixado em testamento; os pais do António só voltam do Japão a 1 de Fevereiro, logo, será até
31 de Janeiro do ano seguinte que se poderá pedir a anulação. Mas há aqui uma nuance: se o
António tivesse 17 anos e meio a 1 de fevereiro, o prazo acabava quando ele fizesse 18 anos.
Só não há dependência de prazo nos casos do n.º 2 do art.º 287.º: no caso de o negócio não
estar cumprido; tal como sucede em relação à anulabilidade em geral, não há aqui pendência
de prazo para requerer a anulação do negócio, só se o negócio estiver cumprido é que se
contam estes prazos.

O próprio menor pode requerer a anulabilidade do negócio, e pode fazê-lo no prazo de


um ano a contar da sua maioridade ou emancipação: a maioridade pode ocorrer já depois de
um ano do negócio celebrado, mas é por causa desta hipótese aqui que o n.º 1 surge
comprimido, ou limitado, até aos 18 anos. Assim, os pais podem ter o tal prazo de um ano e, se
o não praticarem, o menor terá outro prazo quando fizer 18 anos.

A lei ainda prevê que o menor morra e deixe herdeiros. Para esse caso, atribui-se
legitimidade a qualquer herdeiro do menor no prazo de um ano após a sua morte, sua do

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1º ano, FDUL
menor, desde que o menor não morra mais de um ano depois de atingir a maioridade. É, pois,
um regime bem amplo de anulabilidade.

Apesar de tudo, a lei estabelece um limite, que é o que consta do art.º 126.º. Se o
menor tiver usado de dolo para se fazer passar por maior, etc., não pode usar a faculdade
prevista na al. b) que acima vimos. Não se trata de simples dolo na prática do negócio. O dolo
aqui será fazer-se passar por maior. Quando isso suceder, ele não poderá depois quando for
maior vir prevalecer-se da sua maioridade para atacar o negócio que praticou dolosamente. O
dolo trata-se de um artifício ou sugestão para induzir alguém em erro, ou não dissimular o erro
em que já está (art.º 253.º).

A doutrina discute a propósito deste artigo uma outra questão: este regime do art.º
126.º será só aplicável à ação proposta pelo menor no ano subsequente à maioridade ou
emancipação, ou não poderão também os seus representantes nem os seus herdeiros?

• O Prof. Pedro Pais de Vasconcelos diz que ninguém pode requerer: se o


menor usou de dolo, nem ele, nem os representantes, nem os herdeiros
podem requerer esta anulação. Haveria aqui um terceiro a tutelar;
• Oliveira Ascensão e Antunes Varela dizem que os pais podem, mas os
herdeiros não: os herdeiros sucedem, nas situações jurídicas, ao menor que
morre, porque os herdeiros pegam nas situações e posições jurídicas do
menor tal qual como estão. Já os pais ou, em suma, os representantes,
poderão fazê-lo, pois ao representá-lo eles deverão gozar dos poderes mais
amplos possíveis, dado que eles na prática é que têm que zelar pelos atos do
menor, digamos assim. Isto independentemente de haver ou não lugar a
responsabilidade pré-contratual.

Prevê ainda a lei que, quanto a este caso, a anulabilidade possa ser sanável, nos
termos do regime geral, aqui com especificidades (art.º 125.º n.º 2), quer por confirmação do
menor quando atingir a maioridade, quer por confirmação dos
progenitores/tutores/administradores, desde que pudessem celebrar o negócio pelo menor.
Temos aqui pois um regime bastante protetor do menor, prevalecendo claramente o interesse
dele, com exceção do dolo. Esta questão do desvalor dos atos jurídicos praticados pelo menor
no âmbito da sua incapacidade.

A incapacidade cessa numa de duas situações:

1. O menor atinge os 18 anos (art.129.º e 130.º). O efeito desta cessação é pleno - a


partir da maioridade passa a ter uma capacidade genérica e plena de exercício dos seus
direitos;

2. Em caso de emancipação (art.º 138.º).

A situação de maioridade é, como já vimos, de capacidade plena. Só assim não sucede


nos termos do art.131.º: O que o art.131.º nos diz é que há certas situações em que, apesar de
o menor atingir 18 anos, pode não cessar o poder paternal ou a tutela; em situações
relativamente raras - quando for instituída para proteção desse menor que se torna maior o
instituto da interdição ou da inabilitação. Suponhamos que o menor é deficiente profundo;
porque ele é menor, o Tribunal nada faz, porque ele está sujeito ao poder paternal. Contudo,
aos 18 anos ele passaria a ser maior. O que fazer então? Os pais podem propor uma ação de

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1º ano, FDUL
interdição ou inabilitação, no prazo máximo de 1 ano antes de ele fazer 18 anos, requerendo a
incapacidade respetiva. Caso esteja a correr esta ação, até ao trânsito em julgado da sentença
manter-se-á esse poder paternal. Isto significa, voltando ao art.º 125.º n.º 1 al. a), que nestas
situações, enquanto se mantiver o poder paternal, o prazo poderá ser então maior para anular
os negócios - tanto maior quanto tempo demorar a ação a ser resolvida.

A emancipação é a possibilidade de o menor ser equiparado, para diversos efeitos, ao


facto de ser maior. Ele não passa a ser maior, passa a ser menor emancipado. A emancipação
no Direito português só pode ocorrer pelo casamento (art.º 132.º). Anteriormente, os pais
podiam, aos 18 anos, autorizar a emancipação, entre os 18 e os 21, que existia em paralelo
com a emancipação por casamento. Hoje não faz sentido. Para que haja emancipação,
primeiro é necessário que os pais tenham dado autorização para o casamento: se os pais não a
derem, nem for suprida essa falta de autorização por nenhuma autoridade pública
(Conservador do Registo Civil), será um casamento irregular, com regime especial; se o
casamento tiver sido autorizado, aplica-se o art.º 133.º; os casamentos não autorizados,
dispõe o Art.º 1649.º que a administração do património anterior ao casamento continua a
pertencer, até à sua maioridade, ao pai e à mãe. Há ainda questões, como a do trabalho dos
menores, em que mesmo emancipados continuam a ser menores.

Interdição e inabilitação

Interdição

A interdição tem os fundamentos previstos no art.º 138.º, desde que sejam verificadas
duas situações:

1. Sejam aplicados a maiores - se forem menores avança o poder paternal;

2. Não é qualquer surdez-mudez, cegueira ou anomalia psíquica - só aquela que for


totalmente incapacitante (art.º 138.º n.º 1): só podem ser interditos os sujeitos que se
mostrem incapazes de governar as suas pessoas ou bens.

Do n.º 2 do art.º 138.º resulta que estas ações podem ser requeridas ainda num ano
antes da menoridade, para que se tornem eficazes na sua maioridade.

Em regra, os interditos são equiparados aos menores (art.º 139.º). Havendo uma
incapacidade genérica de exercício, a forma adequada de suprimento é ainda a representação.
É uma representação legal e não uma representação voluntária, sendo o meio a tutela. Em
alguns casos, essa tutela é assistida pela administração de bens.

A lei determina as pessoas a quem pode ser incumbida a tutela no art.º 143.º. Se se
tratar de um jovem, o que vai acontecer é que serão os pais que continuam a exercer o poder
paternal; nos restantes casos, será designado um tutor. A lei depois atribui competências aos
tribunais - isto é um processo judicial - e diz no art.º 141.º do Código Civil quem pode requerer
esta interdição. O Tribunal pode decretar providências intermédias enquanto não estiver
deferida a tutela, e decretará ainda quem exerce internamente a tutela (art.143.º e 144.º,
respetivamente), e estabelece ainda alguns deveres especiais do tutor nesta matéria (cuidar da
saúde, da pessoa, etc.); tem ainda total liberdade na medida que decreta, e pode, solicitada
uma interdição, decretar apenas inabilitação, ou vice-versa.

Márcia Cabral Barroso


1º ano, FDUL
A lei preocupa-se depois especificamente com a publicidade da sentença de interdição
(art.º 147.º), porque também relativamente aos atos praticados pelo interdito temos que
saber qual o valor que têm. O interdito é genericamente incapaz de exercício. A lei distingue
várias situações consoante o momento em que são praticados os negócio e a relação desse
momento com o da sentença da declaração: os negócios celebrados pelo interdito depois do
registo da sentença de interdição definitiva são anuláveis (art.148º); nos atos depois de
anunciada a proposição da ação da ação nos termos da lei de processo, contanto que a
interdição venha a ser definitivamente decretada e se mostre que o negocio causou prejuízo
ao interdito, também são anuláveis (art.149º); nos atos anteriores à publicitação da ação, os
negócios são válidos, salvo se se verificarem os requisitos da incapacidade acidental (art.º
257.º)

A interdição é uma situação de grande estabilidade - uma vez decretada, está lá para
durar - mas a lei coloca a possibilidade de a interdição ser levantada (uma pessoa que sofre de
uma doença psíquica grave, mas que se cure, por exemplo). Esse levantamento tem, contudo,
que ser judicial (art.º 151.º). Nos restantes aspetos, aplica-se o regime da menoridade: são
válidos os atos praticados no âmbito da vida corrente (art.º 127.º), etc., com as adaptações
que se julgarem necessárias. O mesmo se diz da possibilidade de anular, por quem, como, etc.

Inabilitação

O regime está previsto nos art.152.º e ss. Aqui temos dois tipos de fundamentos:

1. Comuns à interdição, mas menos graves (anomalia psíquica, surdez-mudez ou cegueira, mas
não tão graves que justifiquem a interdição), embora tenham que ser de carácter permanente
e menos graves que a interdição;

2. Fundamentos específicos - a habitual prodigalidade, o abuso de bebidas alcoólicas ou de


estupefacientes, desde que as pessoas se mostrem incapazes de reger convenientemente o
seu património. (A prodigalidade tem a ver com a dissipação de bens - não basta ser gastador,
é preciso ser um pródigo, ser um dissipador de bens, sendo que esse facto de ser dissipador
tem que decorrer do facto de ser incapaz de gerir o seu património. O mesmo a dizer quanto a
quem bebe ou a quem se droga. Quando isso sucede, o raciocínio da ordem jurídica é sempre
o mesmo).

A curatela é o meio de suprimento da incapacidade por inabilitação (art.º 153.º). O


curador assiste o incapaz na prática do ato - ele confirma o ato, não se substitui ao incapaz na
sua prática. Este regime é feito para situações de incapacidade menos gravosas, pelo que o
que é preciso é só que alguém o ajude. Normalmente, os inabilitados não vêm a sua gestão da
vida pessoal normal afetada pela necessidade de curador - só os atos de disposição (art.º
153.º). Isto não impede que a sentença, de forma mais maleável do que a que existe para as
outras formas de incapacidade, mas há um regime normal - atos de administração são livres,
atos de disposição vinculados à autorização.

A administração é atribuída pelo Tribunal ao curador (art.º 154.º), e ele pode ser
assistido por um conselho de família. Em tudo o resto a lei manda remeter para o regime das
interdições, e daí por remissão dupla ao regime da menoridade.

Tal como a interdição, a inabilitação também pode ser levantada, mas só ao fim de
cinco anos.

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1º ano, FDUL
O termo da personalidade jurídica

A personalidade jurídica, segundo o art.68º, cessa com a morte – a Lei nº141/99, de 28


de agosto, define, no art.2º, como a cessação irreversível das funções do tronco cerebral. A
verificação da morte cabe aos médicos responsáveis pelo doente ou que em primeiro lugar
compareça. Nos momentos em que varias pessoas morram em idênticas circunstâncias sem
que concretamente se possa apurar por que ordem morreram, presume-se que faleceram
todos ao mesmo tempo (comoriência).

O art.68º/3 dá por falecida a pessoa cujo cadáver não foi encontrado ou reconhecido,
quando o desaparecimento se tiver dado em circunstancias que não permitiam duvidar da
morte dela.

Consequências da morte:

1) Termo da personalidade
2) Extinção dos direitos de personalidade, dos direitos pessoais e de certos direitos
patrimoniais
3) Abertura da sucessão

O direito reconhece uma tutela post mortem dos direitos de personalidade, já que a
personalidade se extingue com a morte. O CC dispõe no art.71º a tutela dos direitos de
personalidade da pessoa falecida; tem legitimidade para requerer a tutela da personalidade as
pessoas referidas no art.71º/2 (que pode ser complementado com o art.496º/2).

Teorias da consequência da violação dos direitos de personalidade do de cuiús

• Teoria da sensibilidade do falecido: a determinação da violação dos seus direitos de


personalidade deveria procurar reconstituir o que o próprio falecido sentiria, se fosse
vivo, servindo essa reconstituição para apurar a extensão da violação e as suas
consequências
• Teoria da sensibilidade dos familiares vivos: apela para o atentado aos sentimentos
destes, mercê da ofensa feita ao ente querido desparecido; a ofensa feita a um
parente próximo é, muitas vezes, mais sentida pelos seus familiares do que pelo
próprio, mesmo quando vivo, todavia, a lei procura, aqui, defender os “direitos de
personalidade do falecido” e não dos sobreviventes, não podendo o centro de
gravidade da violação ser procurado na sensibilidade dos parentes
• Teoria da ofensa da memoria in abstracto: não estão em causa os direitos de
personalidade do falecido, mas, antes, o respeito devido à sua memoria, respeito esse
que é quebrado com atentados formais àquilo que seriam os seus bens de
personalidade
• Teoria da memoria in concreto: ideia do respeito concreto devido à memória dos
mortos, como valor em jogo, todavia, as quebras a esse respeito são sentidas pelos
familiares sobrevivos mais chegados; apenas eles podem inteligir e sentir a
inveracidade ou a injustiça das violações, concluindo-se que a bitola da violação reside

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1º ano, FDUL
no respeito concreto pela memoria daquele morto, tal como é sentido e sofrido pelos
seus familiares sobrevivos.

(Menezes Cordeiro defende as ultimas duas teorias)

O art.71º/1 surge sistematicamente contraditório, na medida em que o art.68º nos diz


que a personalidade jurídica cessa com a morte, e este nos diz que os direitos de
personalidade gozam de proteção depois da morte do respetivo titular:

i) Pires de Lima e Antunes Varela: teoria do prolongamento da personalidade (a


personalidade não se extingue totalmente com a morte:
ii) Oliveira Ascensão: teoria da memoria do falecido como bem autónomo (a
personalidade cessa com a morte, havendo uma tutela não aos direitos de
personalidade do falecido, mas sim à sua memoria
iii) Menezes Cordeiro: teoria do direito dos vivos (a tutela visa a proteção das pessoas
referidas no art.71º/2, afetadas por atos ofensivos à memoria do falecido)

Pessoas coletivas

Personalidade coletiva:

• Savigny: pessoa é todo o sujeito de relações jurídicas que, tecnicamente, não


corresponda a uma “pessoa natural”, mas que seja tratado, como pessoa, através de
uma ficção teórica, numa situação que se justifica, para permitir determinada
finalidade humana (teoria da ficção)
• Jhering: as pessoas coletivas são os meios mais adequados para proteger os interesses
que o Direito tutela
• Von Gierke: a personalidade coletiva não é uma ficção, nem uma criação do Direito; a
pessoa coletiva é uma pessoa efetiva e plena, semelhante à pessoa singular, porém, ao
contrario desta, é uma pessoa composta (organicismo)

O organicismo de Von Gierke veio ceder o lugar a substratos mais subtis; assim, é possível
apontar três tradições que procuram o substrato das pessoas coletivas: o acervo de bens, as
manifestações institucionalizadas da vontade e organizações não especificas.

• Menezes Cordeiro – em Direito, pessoa é um centro de imputação de normas jurídicas;


é singular quando esse centro corresponde a um ser humano, é coletiva em todos os
outros casos.

Pessoas rudimentares

Noção - Doutrina de Paulo Cunha; realidades a quem a lei recusaria a titularidade de direitos
civis, admitindo-lhes, todavia, direitos processuais. Às pessoas rudimentares podem aplicar-se
regras próprias da personalidade coletiva; fora do que a lei preveja, a pessoa rudimentar é
substituída pelos titulares efetivos dos bens em presença.

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Personalidade judiciaria – suscetibilidade de ser parte (art.5º/1 CPC); quem tiver capacidade
jurídica tem, igualmente, personalidade judiciaria, porém, podem existir entidades com
personalidade judiciaria, mas sem personalidade jurídica (art.5º/2 CPC)

Personalidade económica – traduz a aptidão que determinadas entidades tenham de ser


destinatárias de regras de Direito da economia ou de regras de Direito patrimonial (a empresa
surge como uma pessoa rudimentar)

Personalidade laboral – como as aptidões das comissões de trabalhadores estavam limitadas


para regras estritamente laborais, estas podem-se enquadrar na ideia de pessoa rudimentar,
mesmo que o art.17º da Lei nº68/79, de 9 de outubro, e o art.54º/5 CRP lhes confira
personalidade judiciaria.

Personalidade tributaria – qualidade de se ser sujeito passivo da obrigação de imposto, com


todas as posições instrumentais que isso implica; são reconhecidos como sujeitos passivos
entidades desprovidas de “personalidade jurídica plena”

A pessoa coletiva retira a sua personalidade de um ato formal; todavia, a pessoa coletiva
prossegue objetivos práticos, surgindo dotada de um substrato: esse substrato põe-se em
marcha antes do ato formal atributivo da personalidade – pessoas coletivas em formação
(art.195º e ss.) -, ou pode manter-se depois de um ato formal do sentido contrario que,
visando a extinção da pessoa coletiva, venha suprimir a personalidade (plena) – pessoas
coletivas em extinção (equivalem as pessoas rudimentares).

Hipóteses de pessoas rudimentares:

➢ Associações não reconhecidas: dispõem de um fundo comum; embora, teoricamente,


esse fundo esteja na titularidade de cada um dos associados, nenhum deles pode
exigir a sua divisão, tal como nenhum credor dos associados o pode fazer excutir
➢ Comissões: os fundos angariados devem ser afetos ao fim anunciado, sendo os
membros da comissão pessoal e solidariamente responsáveis pela sua conservação
➢ Sociedades civis
➢ Sociedades irregulares

São também pessoas rudimentares as esferas jurídicas e os patrimónios de afetação –


conjuntos de direitos e de obrigações que, em vez de estarem unificados em função de uma
titularidade unitária, o estejam por força da afetação que os una.

Uma pessoa coletiva é diferente de uma pessoa rudimentar devido ao modo coletivo:
temos uma pessoa coletiva quando o modo coletivo atinja toda a entidade considerada; temos
uma pessoa rudimentar quando o modo coletivo atinge parcialmente a entidade considerada.
Surge, ainda, uma terceira categoria, a de situações em que o Direito trata, em conjunto,
realidades atinentes a varias pessoas, sem, todavia, nem total nem parcialmente, o fazer como
se de uma única se tratasse – modo coletivo imperfeito -, surgindo, assim, as figuras afins às
pessoas coletivas.

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O modo coletivo imperfeito pode ser exemplificado através da figura do litisconsórcio
necessário: segundo este preceito, quando, com referencia a determinada situação
controvertida, a lei ou o negocio jurídico exijam a intervenção de vários interessados, a ação
deve ser intentada por todos eles (litisconsórcio necessário ativo) ou contra todos eles
(litisconsórcio necessário passivo), sob pena de legitimidade.

De entre as figuras afins da personalidade coletiva encontramos:

• Mão-comum (ou comunhão em mão-comum), onde duas ou mais pessoas detêm um


direito em conjunto, podendo exercer atuações restritas enquanto membros dos
grupos; não podem dispor da sua “parcela” e não podem pedir a divisão da situação;
alem disso, toda a sua atuação sobre a coisa passa pela mediação do grupo
• Comunhão simples, onde duas ou mais pessoas são titulares de direitos sobre o
mesmo objeto, direitos esses representados por quotas, sendo esta matéria tratada no
CC a propósito das compropriedades (art.1403º e ss.) sendo aplicáveis a outras formas
de comunhão (art.1404º); embora haja direitos que só em conjunto podem ser usados,
cada titular mantem uma individualidade, podendo alienar a sua quota ou pedir a
divisão da coisa; na administração da coisa há que recorrer às regras da sociedade
(art.1407º), o que acentua uma aproximação as pessoas rudimentares.

Critérios de classificação das pessoas coletivas

➢ Pessoas coletivas publicas vs. Pessoas coletivas privadas: quanto a esta distinção,
encontramos as teorias que permitem distinguir o Direito publico do direito privado.
Essas teorias são:
i) Teoria do fim ou do interesse prosseguido – as pessoas coletivas publicas
prosseguem fins ou interesses públicos, enquanto as privadas prosseguem fins
ou interesses privados. (Problema: podem prosseguir interesses públicos
entidades privadas e vice-versa)
ii) Teoria da titularidade de poderes de autoridade – as pessoas coletivas públicas
teriam o chamado ius imperii, podendo praticar atos de autoridade, só
discutíveis a posteriori, enquanto as privadas se moveriam no âmbito
igualitário do Direito privado. (Problema: há pessoas coletivas publicas que
apenas recorrem ao direito privado, enquanto certas pessoas privadas vêm-se
investidas em poderes de autoridade
iii) Teoria da integração – as pessoas coletivas públicas integrar-se-iam na
organização do Estado, ao contrario das privadas. (Problema: na organização
do Estado, atuam entes públicos e entes privados)
iv) Teoria da iniciativa – as pessoas coletivas públicas seriam criadas pelo Estado,
enquanto as privadas proviriam da iniciativa privada. (Problema: o Estado cria,
com frequência, sociedades anonimas por DL)
v) Teoria do regime – as pessoas coletivas públicas subordinar-se-iam a um
regime especifico que incluiria a sua sujeição geral ao Direito público, a
competência dos tribunais administrativos, um estatuto tributário especifico e
um regime particular das relações de trabalho. (Problema: a multiplicação de
híbridos e a tendência atual para remeter certos entes públicos para o foro

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comum, para a tributação gera e para o contrato individual de trabalho,
acabam por acantonar esta orientação nos “poderes de autoridade”)
vi) Teorias negativistas ou agnósticas – perante a complexidade da matéria,
recusam-se a tomar posição ou declaram inviável fazer uma distinção.

Menezes Cordeiro apresenta três classificações distintas que encobrem a distinção


entre pessoas publicas e privadas:

- a que distingue as pessoas coletivas consoante tenham ou não poderes de autoridade: às


primeiras podemos chamar de “Direito público”, com a reserva de que este se pode limitar à
parcela em que os tais poderes de autoridade lhe tenham sido atribuídos e sejam exercidos;

- a que distingue as pessoas coletivas em função da titularidade do investimento que


representem: nuns casos, o capital provém do Estado, noutros, da iniciativa privada; esta
classificação distingue um setor público caracterizado pela natureza pública dos fundos, e tem
um grande interesse por justificar a fiscalização pública de tais dinheiros, com relevo para a
jurisdição do Tribunal de Contas

- o que distingue as pessoas coletivas em função da sua configuração jurídica: as sociedades, as


cooperativas, as associações e fundações de Direito civil, e outras entidades equivalentes a
associações e aprovadas por diplomas extravagantes são privadas; as restantes entidades são
públicas. (só a esta classificação, segundo Menezes Cordeiro, cabe a designação pessoas
públicas/pessoas privadas).

Nas pessoas coletivas vigora um principio de tipicidade, o que significa que é possível
indicar as diversas pessoas coletivas existentes. Como esta tarefa é mais fácil no Direito
privado, por força da iniciativa privada, os particulares acolhem-se às leis, reconduzindo-lhes
as figuras que criem. Podemos então concluir que são privadas as pessoas coletivas que se
rejam pelo Direito civil ou comercial, assumindo a forma de sociedades comerciais, de
cooperativas, de associações, de fundações ou de sociedades civis e, ainda, de outras figuras,
plenas ou rudimentares, que ocorram em setores civis ou comerciais extravagantes; as
restantes são publicas.

Classificações das pessoas coletivas públicas:

• Pessoas coletivas de população e território: o Estado, as regiões autónomas e as


diversas autarquias
• Pessoas coletivas de tipo fundacionalista ou institucional: institutos públicos,
fundações publicas, serviços e estabelecimentos públicos personalizados e empresas
públicas
• Pessoas coletivas de tipo associativo: as associações publicas, como a ordem dos
advogados
➢ Pessoas coletivas de utilidade publica: algumas pessoas coletivas privadas,
designadamente de tipo associativo, prosseguem fins de interesse público, que
deveriam, ou poderiam, ser cometidos ao Estado; a essas pessoas é-lhe dispensado,
pelo Direito, um estatuto dito de “utilidade pública”, com consequências no seu
regime, estatuto esse que consta do DL nº460/77, de 7 de novembro. São
consideradas pessoas coletivas de utilidade publica as associações ou fundações que
prossigam fins de interesse geral, ou da comunidade nacional ou de qualquer região
ou circunscrição, cooperando com a Administração Central ou administração local.

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Os ramos de atividade que justificam o aparecimento de “utilidades públicas”
especificas são os ramos da utilidade turística e os da utilidade publica desportiva
➢ Pessoas coletivas nacionais, estrangeiras, internacionais e comunitárias
• Pessoas coletivas nacionais são aquelas que têm sede principal e efetiva em
território português (art.33º/1 CC e 3º/1 CSC); a sociedade que tenha a sua
sede estatuaria em Portugal, não pode opor a terceiros a sua sujeição a uma
lei diferente da portuguesa
• Pessoas coletivas estrangeiras são aquelas cuja sede não seja em território
português
• Pessoas coletivas internacionais são aquelas que retiram a sua personalidade
de fontes internacionais, sejam de tratados ou convenções internacionais; em
regra, as pessoas coletivas internacionais, normalmente, “organizações
internacionais”, estão vocacionadas para atuar em diversos Estados, porem, a
sua especificidade reside na fonte e não, propriamente, no campo de atuação
• Pessoas coletivas comunitárias são as que retiram a sua personalidade de
fontes do Direito europeu; para alem da União Europeia, temos o exemplo do
Banco Central Europeu
➢ Pessoas coletivas associativas e fundacionais: na pessoa coletiva associativa, o
substrato é constituído por uma agregação de pessoas, que juntam os seus esforços
para um objetivo comum (art.167º e ss.); na pessoa coletiva fundacional, o substrato
redunda num valor ou num acervo de bens, que potenciara a atuação da pessoa
coletiva (art.185º e ss.)
➢ Pessoas com e sem fins lucrativos: as pessoas coletivas têm fins lucrativos quando os
seus objetivos sejam a obtenção de lucro (se tiverem base associativa, surgem como
sociedades), caso contrario, será uma pessoa coletiva sem fins lucrativos (podem ser
associações ou fundações). Estas categorias, porém, estão ultrapassadas, já que a
função de uma sociedade pode ser puramente benemérita, e também porque, no caso
das pessoas sem fins lucrativas, é sempre desejável que elas disponham de
rendimentos próprios, normalmente obtidos através de atuações lucrativas; nessa
altura, o seu objetivo geral poderá ser lucrativo, ainda que afetando os lucros a fins
beneméritos
➢ Pessoas coletivas comuns e especiais: a pessoa coletiva comum rege-se pelo regime
mais genérico, disponível na ordem jurídica considerada (neste caso, o CC); as pessoas
coletivas especiais dependem de regras diferenciadas, particularmente previstas para
a categoria que elas integrem (temos como exemplo de uma pessoa coletiva especial a
associação de estudantes)

Tipologia de pessoas coletivas privadas

Para evitar surpresas e acautelar os interesses dos diversos operadores jurídicos, O


Direito determina, em abstrato, as formas que as pessoas coletivas podem assumir; tais
formas são aplicáveis aos particulares quando, ao abrigo das suas liberdades de associação, de
iniciativa económica ou de contratação, constituam pessoas coletivas, que, por sua vez,
deverão escolher um dos sistemas disponibilizados pela lei.

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1º ano, FDUL
Fala-se em tipicidade das pessoas coletivas, particularmente das privadas, para
designar o principio segundo o qual elas devem obedecer a uma das formas previstas na lei. Os
tipos legais de pessoas coletivas contêm os aspetos fundamentais do ente considerado e,
designadamente, os órgãos essenciais, o modo de representação, o regime de
responsabilidade por dividas e os elementos que devam, necessariamente, constar dos
estatutos.

A tipicidade não é fechada, no sentido de dever conter, de modo exaustivo, todos os


elementos atinentes ao tipo considerado; terá, no entanto, de compor contornos mínimos, sob
pena de facultar às pessoas interessadas a constituição das mais díspares e inesperadas
figuras. Uma consequência pratica desta tipicidade é a existência de numerus clausus de
figuras relevantes (como todos os tipos de pessoas coletivas constam da lei, é possível
identificá-los e seriá-los); a segunda consequência é a impossibilidade de, por analogia,
construir novos tipos de pessoas coletivas, já que o recurso à analogia pressupõe a existência
de uma lacuna: numa área normativamente dominada por um principio de tipicidade, não há
lacunas, logo, uma figura controversa ou cai nalgum dos tipos legais, ou não cai, e nessa altura,
não assume relevância para a série considerada.

Quais os elementos essenciais para que surja uma pessoa coletiva?

Uma pessoa coletiva tem, em principio, sempre subjacente um ato de constituição. O


CC não identifica claramente esse ato, mas pressupõe-no nos art.158º/1, no art.158º -A, no
art.167º/1+168º/1, e no art.185º/1.

Podemos classificar esses atos através de três teorias:

• Teoria da norma: defendida pelos organicistas, com relevo para Otto Von Gierke que
via, no ato constitutivo, uma “fonte autónoma e própria”; hoje, ela prolonga-se em
autores que apelam a um “ato conjunto”, ainda que negocial; na constituição de uma
pessoa coletiva, não haveria uma negociação na qual duas partes procurem
harmonizar os seus interesses.
• Teoria do contrato: vê, na constituição de uma associação, um contrato de
constituição, de tipo organizatório, e na de uma fundação, um negocio unilateral de
tipo fundacional
• Teoria mista: o ato de constituição teria natureza contratual, enquanto os estatutos
assumiriam natureza normativa.

As pessoas coletivas podem ser constituídas por diploma legal ou por deliberação de um
ente coletivo.

Ato constitutivo – corresponde a uma ou mais declarações de vontade, nas quais o ou os


fundadores se identificam, nos termos da lei notarial quando aplicável e dão conta da vontade
de constituir determinada pessoa coletiva, aprovando os estatutos; estes, por seu turno,
analisam-se num documento eventualmente autónomo, que regula as características e o
funcionamento da pessoa coletiva criada. Estão sujeitos a escritura pública.

Do ato constitutivo devem constar elementos circunstanciais atinentes à constituição da


pessoa coletiva e aos intervenientes no ato.

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Estatutos – negocio fonte de situações jurídicas, contratual ou unilateral. Têm a natureza
de um ato constitutivo, estando também sujeitos a escritura publica. A sua interpretação
obedece a regras de tipo objetivo, mais próprias da interpretação e integração dos negócios
jurídicos, sendo essa interpretação e integração feitas de acordo com regras semelhantes às
legais, por manifesta analogia (art.9º e 10º CC).

Dos estatutos deverão constar as regras que, para o futuro, vão reger o ente coletivo, as suas
relações com os associados e as destes entre si, quando os haja, e as relações com terceiros:

• Art.167º: refere os elementos essenciais (nº1) e eventuais (nº2) que devem constar
dos estatutos das associações
• Art.186º: os estatutos das fundações podem ser lavrados posteriormente, por pessoa
diversa do instituidor; todavia, este artigo dispõe os elementos necessários a indicar
pelo instituidor, no próprio ato de constituição
• Art.280º: os estatutos podem não conter algum(ns) dos elementos essenciais
apontados; nessa altura, ou é possível suprir a omissão, pela interpretação ou com
recurso a algum ato superveniente, ou a constituição da pessoa coletiva é nula, por
indeterminabilidade do objeto do ato de que ela dependa.

Na base do conteúdo necessário dos estatutos estão diversos elementos que, de acordo com a
tradição nacional, pode-se sistematizar em:

a) Elemento pessoal ou patrimonial, que tem a ver com a necessidade de associados nas
associações (elemento pessoal), e de bens nas fundações (elemento patrimonial). O
art.167º consigna o requisito dos associados, referindo os “bens ou serviços com que
os associados concorrem para o património social”: a associação dispensa patrimónios,
assim como dispensa, por maioria de razão, que os associados para ele concorram, e o
art.182º/1 al. d) considera causa de extinção da associação o falecimento ou
desaparecimento de todos os associados (nenhum preceito liga a ausência de
património a uma das causas de extinção das associações); quanto às fundações, a
insuficiência de bens justifica o seu não-reconhecimento (188º/2), sendo a insolvência
uma causa da extinção (192º/1, al. C))
b) Elemento teleológico ou fim da pessoa coletiva – tende a ser o fator essencial dos
estatutos (art.167º/1 e 186º/1). O fim da pessoa coletiva vai ditar a sua idoneidade e,
sendo o caso, o seu reconhecimento; a sua capacidade, em função do principio da
especialidade; o eventual reconhecimento de utilidade pública; o tipo de atuação
requerido aos titulares dos seus órgãos; as coordenadas de interpretação dos
estatutos.
c) Elemento organizacional – abrange um conjunto de fatores: a denominação, a sede, a
orgânica, e a forma do seu funcionamento (art.162º a 165º, 167º/1 e 186º/2). Trata-se
de um elemento primordial, já que dá corpo ao modo coletivo de aplicação das
normas, base da moderna doutrina da personalidade coletiva, e além disso, ele tem
um relevo prático que justifica o seu tratamento em rubrica própria.
A doutrina pergunta, por fim, pela existência de um elemento voluntário ou animus
personificandi, verificando-se três posições:

i) O animus personificandi seria necessário para a constituição de uma pessoa


coletiva

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ii) O animus personificandi seria desnecessário, porque normalmente não passa pela
mente dos associados ou dos fundadores a ideia de personalidade
iii) O animus personificandi presume-se ou, noutra variedade, ele não tem de ser
expresso, antes se dirigindo às consequências praticas do ato constitutivo

A pergunta por um animus personificandi é, todavia, mais do que a comum indagação pelo
papel da vontade dos negócios; não haverá, para alem dessa vontade, um suplementum de
intenção dirigido à personificação? Menezes Cordeiro responde que a vontade está sempre
presente no desenvolvimento de efeitos jurídicos tributários da autonomia privada.

Organização e funcionamento

O elemento organizacional é o fator básico da personalidade coletiva, já que ele


consubstancia o modo coletivo de aplicação das normas, base da personalidade coletiva.

A organização e o funcionamento de uma pessoa coletiva cobrem a generalidade da


sua compleição e dos seus modos internos de funcionamento. Iremos considerar:

• A denominação: equivale ao nome das pessoas singulares, e tem como objetivo a


proteção geral dispensada ao nome, enquanto direito de personalidade; o “nome” das
pessoas coletivas tem regras próprias de denominação que constam do Registo
Nacional de Pessoas Coletivas (RNPC), mais precisamente no art.36º/1 e 2 do referido
diploma: essas regras são “as denominações das associações e das fundações devem
ser compostas por forma a dar a conhecer a sua natureza associativa ou institucional,
respetivamente, podendo conter siglas, expressões de fantasia ou composições” e
“podem, todavia, ser admitidas denominações sem referencia explicita à natureza
associativa ou institucional, desde que correspondam a designações tradicionais ou
não induzam a erro sobre a natureza da pessoa coletiva”
• A sede: equivale ao domicilio dos particulares; deve ser fixada nos estatutos da pessoa
coletiva, e na sua falta, ela será havida no local em que funcione habitualmente a
administração principal (art.159ºCC)
• A orgânica: os órgãos das pessoas coletivas são as estruturas de organização humana
permanentes, que permitem à pessoa coletiva autodeterminar-se, exercer os seus
direitos e cumprir as suas obrigações; os órgãos e a sua composição devem estar
determinados pelos estatutos da pessoa coletiva (art.162º, 167º/1 e 186º/2): o
art.162º aponta, porém, para um conteúdo mínimo obrigatório, a existência de um
órgão colegial de administração e de um conselho fiscal, que têm de ser constituídos
por um numero impar, sendo um deles o presidente; nas associações, nos termos do
art.170º, tem de existir uma assembleia geral de associados (órgão que faltara,
naturalmente, das associações). EM matéria de órgãos podemos identificar quatro
princípios: divisão de poderes – o art.162º aponta para a existência separada de um
órgão de administração e de um órgão de fiscalização -, colegialidade – a lei impõe que
os órgãos sejam colegiais, prevenindo-se a administração ou a fiscalização por uma
única pessoa -, a livre aceitação – salvo disposição em contrario, que ocorre, por
exemplo, na tutela (art.146º/1), não há obrigatoriedade jurídica de aceitação de
quaisquer cargos -, responsabilidade – os titulares dos órgãos são responsáveis,

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perante a pessoa coletiva; elas têm, para com ela, as obrigações que resultem da lei e
dos estatutos (art.164º/1), sendo responsáveis pela sua violação.
A natureza do vinculo que une os órgãos à pessoa coletiva a que pertençam faz com
que surjam duas teorias: a teoria orgânica – os órgãos seriam parte da pessoa coletiva
constituindo um dos seus elementos -, e a teoria da representação – os órgãos operam
como uma realidade exterior, dotada de poderes de representação, em função de um
vinculo a tanto direcionado.
• Os titulares dos órgãos e a responsabilidade

Administração: o poder fundamental da administração é o de gestão, isto é, o poder de dirigir


os assuntos próprios da pessoa coletiva, tomando todas as decisões concretas necessárias e
orientando a atividade para a prossecução dos fins da pessoa coletiva considerada; o poder de
gestão, omitido, mas pressuposto, pelo CC, abrange a possibilidade de praticar atos materiais
da mais diversa natureza, de dar instruções internas e de praticar atos jurídicos, internos e
externos. A administração tem, ainda e em geral, o poder de representação: trata-se de uma
representação orgânica, porquanto lhe advém da simples pertença ao órgão que esteja em
causa; a precisa determinação do poder de representar a pessoa coletiva depende dos
estatutos (art.163º/1: admite também que a própria administração possa designar
representantes.

Fiscalização: segundo o art.162º, os estatutos das pessoas coletivas devem prever um conselho
fiscal, constituído por um numero ímpar de pessoas, das quais uma é presidente; quanto às
associações, o art.171º/1 dispõe que o conselho fiscal seja convocado pelo respetivo
presidente e só possa deliberar estando presente a maioria dos seus membros. A lei civil nada
mais diz sobre o tema, sendo a lacuna colmatada pelos estatutos, e no silencio destes, há que
recorrer as disposições aplicáveis no domínio das sociedades anónimas (art.413º e ss. CSC, e
420º CSC quanto à competência).

Capacidade e atuação

As pessoas têm capacidade jurídica, isto é, a concreta medida de direitos e de


obrigações de que sejam suscetíveis. Uma orientação leva a que a capacidade das pessoas
coletivas seja limitada pelo principio da especialidade: ela (apenas) abrange os direitos e
obrigações necessários ou convenientes à prossecução dos seus fins, segundo a fórmula do
art.160º/1. Este principio da especialidade teve uma dupla origem: nos países anglo-saxónicos
e nos países latinos. Em Portugal, a preocupação de restringira capacidade das pessoas
coletivas prende-se ao problema dos bens de mão-morta e às leis de desamortização
destinadas a evitá-los.

O principio da especialidade veio a perder os dois pilares histórico-dogmáticos em que


assentava, e a partir do séc. XIX, generalizou-se o sistema de reconhecimento automático da
personalidade coletiva.

O grande campo de eleição para as restrições à capacidade de gozo das pessoas


coletivas é o dos atos gratuitos, que poderiam ser contrários aos fins das pessoas coletivas,
particularmente se elas fossem uma sociedade. A doutrina tende a abandonar tais

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construções. Os donativos conformes com os usos sociais não são havidos como doações, nos
termos do art.940º/2, e ficam de fora. O art.6º/2 CSC também considera não serem contrarias
ao fim da sociedade “as liberdades que possam ser consideradas usuais, segundo a
circunstancias da época e as condições da própria sociedade”. Podemos então concluir que o
principio da especialidade não tem, hoje, alcance dogmático.

A capacidade de gozo das pessoas coletivas sofre quatro tipos de limitações:

• Limitações ditadas pela natureza das coisas: segundo o final do art.160º/2, excetuam-
se ao âmbito da capacidade de gozo das pessoas coletivas os direitos e obrigações
“inseparáveis da personalidade singular”; trata-se fundamentalmente de: situações
jurídicas familiares ou sucessórias; situações de personalidade centradas nas pessoas
singulares, como o direito à vida; situações patrimoniais, mas que pressupõem a
intervenção de uma pessoa singular, como a qualidade de trabalhador; diversas
situações de Direito público, como o direito ao voto. A violação de limitações impostas
pela natureza das coisas implica a nulidade do negocio, por impossibilidade legal
(art.280º/1).
• Limitações legais: são referidas na primeira parte do art.160º/2, e têm uma natureza
profundamente diferente das impostas pela natureza das coisas. A inobservância das
limitações legais à possibilidade de pratica, pelas pessoas coletivas, de certos atos,
conduz, em princípios, à nulidade do ato por violação de lei expressa (294º) ou por
ilicitude (280º/1).
• Limitações estatuarias: à partida, as disposições estatuarias não limitam a capacidade
de gozo da pessoa coletiva. As limitações estatuarias adstringem os órgãos da pessoa
coletiva a não praticar os atos vedados, sem, contudo, limitarem a capacidade da
sociedade. A violação a esses limites estatuários conduz à anulabilidade prevista nos
art.177º e 178º.
• Limitações deliberativas: deve ser aplicado o mesmo regime das limitações estatuarias.
A violação por estas deliberações responsabiliza o seu ator; a capacidade da pessoa
coletiva mantem-se, porem, inata.

Já quanto à capacidade de exercício, as pessoas coletivas regem-se por órgãos, que


precisam naturalmente de pessoas singulares que lhes deem corpo, e são esses órgãos que
atuam, nas competências dadas por lei ou moldadas pela vontade dos sócios em estatutos. Os
titulares dos órgãos não se confundem com o próprio órgão, e têm com a pessoa coletiva uma
relação de representação orgânica.

A PC responde diretamente pelos atos ilícitos dos titulares dos seus órgãos, desde que
tenham agido nessa qualidade [art.165º]. Para efeitos de responsabilidade civil aquiliana, PC é
“comitente” e órgão é “comissário”. A culpa, enquanto juízo de censura, é-lhe aplicável
[art.483º]. Não se trata de responsabilidade das PC por atos dos seus órgãos, mas sim dos seus
representantes [voluntários ou legais], agentes ou mandatários.

Levantamento da personalidade coletiva

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A doutrina que se tem preocupado com o levantamento procede a classificações de casos
concretos em que ele se manifesta. Os casos concretos em que o levantamento se manifesta:
1. Confusão de esferas jurídicas: verifica-se quando, por inobservância de certas
regras societárias ou, mesmo, por decorrências puramente objetivas, não fique clara, na prática,
a separação entre o património da sociedade e a do sócio ou sócios. Estes casos reportam-se,
sobretudo, às chamadas sociedades unipessoais.
2. Subcapitalização: verifica-se uma subcapitalização relevante, para efeitos de
levantamento da personalidade, sempre que uma sociedade tenha sido constituída com um
capital insuficiente (a insuficiência é aferida em função do seu próprio objeto ou da sua atuação
surgindo, assim, como tecnicamente abusiva). Tem de se distinguir entre: subcapitalização
nominal – a sociedade considerada tem um capital formalmente insuficiente para o objeto ou
para os atos a que se destina, todavia pode acudir com capitais alheios – e subcapitalização
material – há uma efetiva insuficiência de fundos próprios ou alheios.
3. Atentado a terceiros e abuso de personalidade: verifica-se sempre que a
personalidade coletiva seja usada, de modo ilícito ou abusivo, para os prejudicar. Como resulta
da própria formula encontrada, não basta uma ocorrência de prejuízo, causada a terceiros
através da pessoa coletiva: para haver levantamento será antes necessário que se assista a uma
utilização contrária a normas ou princípios gerais, incluindo a ética dos negócios. O abuso do
instituto da personalidade coletiva é uma situação de abuso do direito ou de exercício
inadmissível de posições jurídicas, verificada a propósito da atuação do visado, através de uma
pessoa coletiva.

Existem diversas teorias acerca do levantamento da personalidade:

1. Subjetivas: abuso consciente [intenção do agente].


Releva para responsabilidade civil.
Teorias 2. Objetivas: ponderação dos institutos em jogo.
Releva para o abuso do direito.
3. Aplicação de normas: questão de aplicação de normas, e não de
personalidade colectiva.
Releva para a interpretação integrada e melhorada.

MC: levantamento é um instituto de enquadramento. Propõe redução dogmática e


relativização da personalidade coletiva.

Pessoas coletivas em especial

➢ Associações (art.167º a 184º)


• Tipo paradigmático da pessoa coletivo de tipo associativo.
• Substrato: 2 ou mais pessoas, que irão integrar a assembleia geral, salvo
disposição diversa dos estatutos
• Organização (matéria configurada pelos estatutos):
i) Assembleia-geral [art.172º-2].

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ii) Administração [gestão corrente, representação, art.163º-1].
• Conselho fiscal [fiscalização].
• A associação personalizada responde, pelas dívidas próprias, com o seu
património; não responde pelas dos associados, assim como estes não
respondem pelas da associação [total separação de patrimónios, com a
subsequente irresponsabilidade dos associados pelas dividas da associação].
• Lucro: MC infere que se possam exercer atividades lucrativas [vg atos de
comércio, art.157º] desde que o lucro não seja repartido/distribuído [vs
sociedade civil pura, art.980º]. A contrario as associações podem visar o lucro
económico próprio ou de terceiros.
• Admite-se a prática [art.160º] de atos que consubstanciem direitos
“convenientes” para a prossecução dos fins da PC – “direitos” abrange a
liberdade contratual [vg CV].
➢ Fundações (art.185º a 194º)
• Faltam-lhes o substrato humano.
• Autodeterminação inferior.
• Substrato: acervo de bens – só os bens respondem pelas dívidas.
• Constituição:
a) Instituição [negocio jurídico unilateral entre vivos ou mortis causa].
b) Elaboração de estatutos.
c) Reconhecimento [Governo – Ministro do sector].
➢ Sociedades (art.980º a 1021º)
• Sem personalidade jurídica, segundo Pires de Lima, Antunes Varela e Mota
Pinto.
• Com personalidade jurídica, com reservas, segundo Paulo Cunha, Oliveira
Ascensão e Castro Mendes.
• Menezes Cordeiro: o CC exprime-se em modo coletivo. Será pessoa coletiva
semelhante às demais quando constituída por escritura pública e inscrita no RNPC.
Assim sendo, é PC plena e verifica-se a analogia [art.157º e 158º]. Assim sendo, nem
todas as sociedades civis são PC, mas só aquelas constituídas sobre a forma comercial
ou mediante escritura pública, ao abrigo do art.167º.

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