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POSSE: CONCEITO, ORIGEM, CLASSIFICAÇÃO, NATUREZA

E OBJETO.

Enquanto no Direito das Obrigações são reguladas as relações


humanas, no Direito Real, o foco é a relação entre as pessoas e as coisas,
visando sempre ao resultado econômico dessa relação. Porém, tanto o
Direito Obrigacional quanto o Real são subdivisões do Direito Patrimonial.
No Direito Patrimonial, a autonomia privada é predominante, e a
liberdade dos particulares em dispor de seus bens é enorme.
Tratando especificamente do Direito Real, pode-se dizer que esse é
o campo do direito patrimonial em que a relação do homem com as coisas
é regulada.
É muito importante ressaltar aqui que, quando nos referimos às
coisas, não se trata de qualquer coisa, em um sentido vulgar, mas o que
deve ser entendido por coisa, nesse caso, é tudo aquilo que:
i. for um bem corpóreo;
ii. possa ser apropriada;
iii. que tenha valor econômico mensurável.

DA POSSE
A posse é o exercício, a exteriorização, da propriedade. Como já
mencionado, não necessariamente a figura do possuidor se mistura
com a do proprietário, um exemplo é locatário que, apesar de ter a
posse do imóvel, não é o proprietário.
Conforme apresentado no Código Civil, em seu art. 1.196:
“Considera-se possuidor todo aquele que tem de fato o exercício, pleno ou
não, de algum dos poderes inerentes à propriedade”.
Posse é conduta de dono, segundo Ihering, que tem a teoria mais
aceita e é citado em todos os livros de Direito das Coisas. Vejamos o
conceito legal de possuidor, de acordo com o Código Civil:
Art. 1.196: Considera-se possuidor todo aquele que tem de fato o
exercício, pleno ou não, de algum dos poderes inerentes à propriedade.

ATENTE-SE À DIFERENÇA ENTRE POSSE E DETENÇÃO:

Art. 1.198: Considera-se detentor aquele que, achando-se em


relação de dependência para com outro, conserva a posse em nome deste
e em cumprimento de ordens ou instruções suas
É essencial que fique claro que o objeto da posse deve ser,
obrigatoriamente, um bem corpóreo. Assim, nem todo bem a que se possa
atribuir uma propriedade será possível atribuir a posse.

O QUE PODE ENTÃO SER OBJETO DE POSSE?


Pode ser toda coisa material, corpórea, que ocupa lugar no espaço. Como
diziam os romanos, “res qui tangit possum”, ou coisa que pode ser tocada. Assim,
todas as coisas móveis e imóveis que ocupam lugar no espaço podem ser possuídas
e protegidas. Essa é a regra geral, embora admita-se com controvérsias a
possibilidade de posse de coisas imateriais como linha telefônica, energia elétrica,
sinal de TV por assinatura, marcas e patentes protegidas pela propriedade intelectual
etc.
Não há posse nos direitos autorais, nos direitos de crédito, nas obrigações de
fazer e de não-fazer, entre outros. Mas alguns contratos exigem a transferência da
posse para sua formação como locação, depósito e comodato. Outros contratos não
transferem só a posse, mas também a propriedade da coisa como compra e venda,
doação e mútuo.

É assegurado ao possuidor o direito de valer-se de algumas ações


judiciais que tenham por objetivo a proteção de seus interesses, são as
chamadas Ações Possessórias.
O intuito dessas ações é, justamente, conciliar os interesses e direitos
do proprietário e do possuidor.
Um importante efeito da posse é o direito do possuidor aos frutos do
bem possuído. O possuidor de bens que geram frutos tem direito a esses,
porém a extensão desse direito será determinada de acordo com alguns
elementos que serão vistos mais adiante.
Adicionalmente, a posse terá efeitos para o possuidor, no que diz
respeito à deterioração ou perda do bem enquanto estava em suas mãos.
O mesmo ocorre com as benfeitorias por ele introduzidas. Outro importante
efeito da posse é a possibilidade de dar ao possuidor o direito à
propriedade do bem possuído, como é o caso da conhecida usucapião.

TEORIAS ACERCA DA NATUREZA JURÍDICA DA POSSE

A proteção da posse no direito brasileiro se dá considerando-a de


forma autônoma ou não. Ou seja, protege-se a posse correspondente ao
direito de propriedade ou a outros direitos reais, mas também, protege-se
a posse independentemente da existência de um título. Tentando explicar
o instituto da posse, surgem teorias definindo sua natureza jurídica, e se
destacam:
1 – Teoria de Savigny: posse é o poder de dispor fisicamente da
coisa, com o ânimo de considerá-la sua e defendê-la contra a intervenção
de terceiros. Trata-se de uma reconstrução do direito romano.
Há dois elementos na posse: um elemento material, o corpus, que
é representado pelo poder físico sobre a coisa; e, um elemento intelectual,
o animus, ou seja, o propósito de ter a coisa como sua.
2 – Teoria de Ihering: posse é o pressuposto para o exercício da
propriedade. Para esse jurista, a distinção entre corpus e animus é
irrelevante, considerando que a noção de animus já se encontra na
de corpus, sendo a maneira como o proprietário age em face da coisa
de que é possuidor. Na verdade, o possuidor será aquele que age em
face da coisa corpórea como se fosse o proprietário, pois a posse nada
mais é que uma exteriorização da propriedade. Em suma, poder-se-ia
dizer que:
a) a posse é a condição de fato da utilização econômica da
propriedade;
b) o direito de possuir faz parte do conteúdo do direito de propriedade;
c) a posse é um meio de defesa da propriedade;
d) a posse é uma rota que leva à propriedade

E QUAL É A NATUREZA JURÍDICA DA POSSE?


Savigny sustenta que a posse é, ao mesmo tempo, um direito e
um fato. Considerada em si mesma, é um fato; considerada nos
efeitos que gera, isto é, usucapião e interditos, ela se apresenta como
um direito. Ihering sustenta que a posse é um direito.
Clóvis Beviláqua negava à posse a natureza de um direito. Entendia
que a posse é mero estado de fato, que a lei protege em atenção à
propriedade, de que ela é a manifestação exterior.

A POSSE É UM FATO OU UM DIREITO?


a) Posse é um fato: Windscheid, Trabuechi, Van Wetter,
Cujacius etc
NATUREZA DA POSSE b) Posse é um fato e um direito: Savigny, Lafayette, Domat, Wodon,
Ribas, Laurent, Pothier, etc
c) Posse é um direito hl, Ortolan, Puchta etc. Para a
maioria de nossos civilistas é um
direito real devido ao seu exercício
direto, sua oponibilidade erga
omnes e sua incidência em objeto
obrigatoriamente determinada

Quadro sinótico Maria Helena Diniz!.


Discute-se na doutrina se a posse traduz apenas um fato, ou se traduz um
direito, ou ainda, se significa as duas situações, fato e direito. À primeira vista, a
posse, considerada em si mesma, retrata um fato, mas, pelas consequências
jurídicas que a acompanham, pelos efeitos legais, insere-se na esfera do direito. A
divergência maior reside na classificação desse direito: real, pessoal ou especial. A
posse é regulada em lei como uma situação de fato.
POR QUE É PROTEGIDA A POSSE?
O objetivo dessa proteção jurídica é o de evitar a violência e
assegurar a paz social. Na verdade, é uma situação de fato que aparenta
ser uma situação de direito, e por essa razão, o legislador entendeu como
afeita à proteção.
CLASSIFICAÇÃO DA POSSE

a) Posse Direta x Posse Indireta (art. 1197 CC):


O art. 1197 do CC permite o desdobramento da posse, que poderá
ocorrer em razão de um direito pessoal (ex. comodato, locação, depósito)
ou direito real (usufruto, penhor, habitação, servidão).
Art. 1.197. A posse direta, de pessoa que tem a coisa em seu poder,
temporariamente, em virtude de direito pessoal, ou real, não anula a
indireta, de quem aquela foi havida, podendo o possuidor direto defender
a sua posse contra o indireto.
Obs1: O possuidor direto pode fazer uso dos interditos possessórios
contra o possuidor indireto e vice-versa.
Enunciado 76 CJF: Art. 1.197: O possuidor direto tem direito de
defender a sua posse contra o indireto, e este, contra aquele (art. 1.197,
in fine, do Código Civil).

Qual intervenção de terceiros que o possuidor direto faz jus


quando é demandado em razão de um direito que o demandante tem em
face do possuidor indireto? Denunciação à lide (direito de regresso).

b) Posse Justa x Posse Injusta (art. 1200 CC):


Art. 1.200. É justa a posse que não for violenta, clandestina ou
precária.
Posse Injusta – presença dos vícios objetivos da posse:
Violência – aquisição da posse através da força;
Clandestinidade – é aquela adquirida na obscuridade (“na calada da noite”),
no arredio do conhecimento do possuidor;
Precariedade – é aquela decorrente do abuso de confiança. Em outras
palavras, não pode haver dúvida quanto à posse, que deve ser clara e firme, para
que seja considerada justa.
A posse precária é a posse injusta mais odiosa porque ela nasce do abuso de
confiança (ex: o comodatário que findo o empréstimo não devolve o bem; o inquilino
que não devolve a casa ao término da locação; A pede a B para entregar um livro a
C, porém B não cumpre o prometido e fica com o livro, abusando da confiança de A).
A consequência da posse injusta é a não posse (não induz posse), o que
impede a usucapião e a utilização de interdito possessório. Porém, embora não seja
possuidor nem detentor, será possível a utilização do desforço imediato (autotutela)
perante terceiros, a fim de evitar um caos social.

c) Posse de Boa-fé e de Má-fé: é considerada de boa-fé a posse em


que o possuidor ignora os eventuais vícios de sua posse. Adicionalmente,
o possuidor que possua um título que dê fundamento à posse, como um
contrato de locação, comodato ou arrendamento.
Esta definição é trazida pelo Código Civil, de maneira clara, em seu
artigo 1.201. Vejamos:

Art. 1.201. É de boa-fé a posse, se o possuidor ignora o vício, ou


o obstáculo que impede a aquisição da coisa.
Parágrafo único. O possuidor com justo título tem por si a presunção
de boa-fé, salvo prova em contrário, ou quando a lei expressamente não
admite esta presunção

Como vemos no parágrafo único, a boa-fé do possuidor de justo título


é presumida, a menos que haja prova em contrário ou vedação expressa
da lei a essa presunção. Com isso, podemos resumir a posse quanto à
boa-fé da seguinte maneira:
• Posse de Boa-Fé: é aquela que o possuidor ignora eventuais vícios
ou possua título justo que dê fundamento à sua posse e ofereça presunção
da boa-fé de sua posse.

• Posse de Má-Fé: ocorre quando, mesmo ciente de vícios em sua


posse, o possuidor tem a intenção de exercer seu domínio sobre ela. Aqui
não há a possibilidade de título justo que possa oferecer a presunção de
boa-fé.
A posse de boa-fé não perde esse caráter, salvo se comprovado que
o possuidor tem ciência de que possui o bem indevidamente, ou caso as
circunstâncias façam presumir isto, conforme art. 1.202 do Código Civil.

d) Posse Viciada e Sem Vício: segundo o Professor Fábio Ulhoa


Coelho, a união dos critérios de classificação de Posse Justa/Injusta e
Posse de Boa-Fé/Má-Fé resulta na distinção entre uma posse viciada ou
sem vício.
Há vício na posse quando ela for injusta ou de má-fé. Caso seja
injusta, será um vício objetivo, que diz respeito à relação entre o possuidor
e o objeto. Por outro lado, quando se tratar de má-fé, será um vício
subjetivo, que tem relação com o conhecimento de obstáculos que possam
macular a legitimidade de sua posse. Conhecendo esses obstáculos e,
ainda assim, tentando manter a posse, essa será de má-fé, mas, caso o
possuidor as desconheça, ela será de boa-fé.
O fato relevante quanto à existência ou não de vícios na posse é que
seu surgimento ou desaparecimento devem ser provados por quem se
beneficiará deles. Isto está expresso no artigo 1.203 do Código Civil.
e) Posse Nova ou Posse Velha: essa classificação se refere ao
tempo, e é importantíssima para questões processuais referentes às
ações possessórias. A classificação é extremamente simples, a Posse
Nova é aquela que conta com até um ano, enquanto a Posse Velha é a
que conta com um ano e um dia ou mais.
Na prática, as ações possessórias referentes a uma posse nova
deverão seguir um procedimento especial, enquanto aquelas referentes
às posses velhas seguirão o procedimento ordinário, mantendo, porém,
seu caráter de ações possessórias (art. 558, CPC).

f) Posse Com ou Sem Justo Título: inicialmente cabe ressaltar que


título, aqui, tem o sentido de dar causa, é o elemento criador da relação
jurídica. Com isso, podemos classificar a posse da seguinte maneira:
• Posse com título: quando há um negócio jurídico que transfira a
posse, representado por um documento escrito.
Exemplo: Contrato de locação.
• Posse sem título: aqui não há, pelo menos aparentemente, uma
causa representativa, um negócio jurídico, que transmita a posse. Ocorre
quando há a posse sem um negócio jurídico prévio que justifique sua
existência.
Exemplo: Alguém encontra um tesouro enterrado.
O professor Flávio Tartuce apresenta os conceitos de Ius
Possessionis, que é a posse autônoma, baseada apenas na posse, e
o Ius Possidendi, que decorre da propriedade. Ocorre que a posse
pode ser por meio de Justo Título ou não, o que tem grande relevância na
definição das condições para a usucapião, podendo alterar o prazo para a
aquisição do direito dela.
É muito importante ressaltar que um Título Justo não é sinônimo de
legítimo. O possuidor do justo título participou de um negócio jurídico que
pretendia transferir a propriedade do bem, mas que, por algum motivo, não
é um negócio apto a atingir esse fim.
Basta, para a criação do Justo Título, que as partes de um
determinado negócio jurídico tivessem a intensão de valer-se desse para
efetuar a transferência da propriedade de algo.
O efeito da posse com justo título é que, uma vez que o negócio que
a originou não possa transferir a propriedade do bem, essa só ocorrerá
com o decurso do tempo, por meio de usucapião.

f) Posse Singular e Composse: um único bem pode ser possuído por


uma pessoa ou mais, simultaneamente. A posse é singular quando há
apenas um possuidor num determinado momento, enquanto há a
composse quando há mais de um possuidor do mesmo bem,
simultaneamente

Um exemplo de composse é a herança, em que mais de uma pessoa se


torna possuidor de determinado bem.

O Código Civil trata da Composse no artigo 1.199, vejamos:

Art. 1.199. Se duas ou mais pessoas possuírem coisa indivisa,


poderá cada uma exercer sobre ela atos possessórios, contanto que não
excluam os dos outros compossuidores.

A composse pode ser classificada como:

• Pro Indiviso: ocorre quando o compossuidores possuem apenas uma


parte ideal do bem apenas;

• Pro Diviso: quando há uma divisão de fato, mas não de direito do bem,
que faz com que cada uma das pessoas que o possui conjuntamente
possua uma parte certa.
Por óbvio é necessário, para que haja a Composse, um bem indivisível e
a pluralidade de possuidores em um mesmo período temporal. A título de
comparação, podemos dizer que a Composse equivale, no caso da posse,
ao que o Condomínio representa para a propriedade.

A composse tem um interessante efeito processual, no que diz respeito à


defesa do interesse dos compossuidores. Qualquer um deles pode buscar,
por meio de ações possessórias, defender os interesses do grupo, sem a
necessidade de litisconsórcio.

Da Detenção

Se imaginarmos uma hierarquia, a Propriedade estaria acima da Posse,


que, por sua vez, estaria acima da Detenção. O artigo 1.198 do Código
Civil trata da detenção:

Art. 1.198. Considera-se detentor aquele que, achando-se em relação de


dependência para com outro, conserva a posse em nome deste e em
cumprimento de ordens ou instruções suas.

Parágrafo único. Aquele que começou a comportar-se do modo como


prescreve este artigo, em relação ao bem e a outra pessoa, presume-se
detentor, até que prove o contrário.

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