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POSSE E

DIREITOS REAIS
PARTE I
Professor Lucas Della Torre
CAPÍTULO 1: POSSE
TÓPICOS E DESTAQUES

Uma Introdução ao Direito Real


POSSE
INTRODUÇÃO
Enquanto no Direito das Obrigações
são reguladas as relações humanas,
no Direito Real, o foco é a relação
entre as pessoas e as coisas,
visando sempre ao resultado
econômico dessa relação. Porém,
tanto o Direito Obrigacional quanto
o Real são subdivisões do Direito
Patrimonial.

No Direito Patrimonial, a autonomia privada é predominante, e


CAPÍTULO 1 - POSSE a liberdade dos particulares em dispor de seus bens é enorme.
Tratando especificamente do Direito Real, pode-se dizer que
esse é o campo do direito patrimonial em que a relação do
homem com as coisas é regulada. É muito importante ressaltar
aqui que, quando nos referimos às coisas, não se trata de
qualquer coisa, em um sentido vulgar, mas o que deve ser
entendido por coisa, nesse caso, é tudo aquilo que:

I. for um bem corpóreo;


II. possa ser apropriada;
III. que tenha valor econômico mensurável.
AS TRÊS
CARACTERÍSTICAS
BÁSICAS DO DIREITO
REAL:
DIREITO ABSOLUTO

Não confundir com direito


ilimitado, pois não existem
direitos ilimitados.
O direito absoluto significa que
ele é oponível Erga Omnes, ou
seja, ele é oponível, pelo titular, a
qualquer um que venha o lesar,
ainda que não haja qualquer
relação jurídica entre as partes.
DIREITO TÍPICO

Significa que o direito real deve


estar previsto em lei para que as
partes possam institui-lo, ou
seja, elas não podem criar um
direito real que não tenha
previsão legal. Em resumo: Um
direito real só existe se houver
sua previsão em lei.
ADERÊNCIA À COISA

O direito é ligado à coisa, ao bem,


e não ao seu titular, assim, ainda
que ocorra a mudança de
titularidade de um bem, o direito
continua existindo.

VOCÊ SABIA?
Os direitos reais podem ser
classificados como Direitos
Sobre a Própria Coisa
(Propriedade e Direito Real
em Garantia) ou Direito Sobre
a Coisa Alheia (Demais
Direitos Reais).
O Código Civil elenca,
no artigo 1.225, quais
são os Direitos Reais:
I – A PROPRIEDADE; II – A SUPERFÍCIE;
III – AS SERVIDÕES; IV – O USUFRUTO;

V – O USO; VI – A HABITAÇÃO;

VII – O DIREITO DO VIII – O PENHOR;


PROMITENTE
COMPRADOR DO X – A ANTICRESE.
IMÓVEL;
IX – A HIPOTECA; II – A SUPERFÍCIE;

XI – A CONCESSÃO XII – A
DE USO ESPECIAL CONCESSÃO DE
PARA FINS DE DIREITO REAL DE
MORADIA; USO; E
XIII – A LAJE.
IMPORTANTE

Atenção para o fato de que os direitos reais


sobre as coisas móveis, quando constituídos ou
transmitidos por atos inter vivos, ou seja, por
meio de um negócio jurídico, só são adquiridos
com tradição (a entrega do bem) (art. 1.226,
CC). Por outro lado, os direitos reais referentes
a bens imóveis, quando constituídos ou
transmitidos por atos inter vivos, só são
adquiridos com o registro no Cartório de
Registro de Imóveis, exceto casos expressos
na lei (Art. 1.227, CC).
DA POSSE

O exercício, a exteriorização, da propriedade. Como já


mencionado, não necessariamente a figura do possuidor
se mistura com a do proprietário, um exemplo é locatário
que, apesar de ter a posse do imóvel, não é o proprietário.
Conforme apresentado no Código Civil, em seu art. 1.196:
“Considera-se possuidor todo aquele que tem de fato o
exercício, pleno ou não, de algum dos poderes inerentes à
propriedade”.

É essencial que fique claro que o objeto da posse deve


ser, obrigatoriamente, um bem corpóreo. Assim, nem
todo bem a que se possa atribuir uma propriedade será
possível atribuir a posse.
É assegurado ao possuidor o direito de valer-se de algumas
ações judiciais que tenham por objetivo a proteção de seus
interesses, são as chamadas Ações Possessórias.

O intuito dessas ações é, justamente, conciliar os interesses e


direitos do proprietário e do possuidor. Um importante efeito
da posse é o direito do possuidor aos frutos do bem possuído.

O possuidor de bens que geram frutos tem direito a esses,


porém a extensão desse direito será determinada de acordo
com alguns elementos que serão vistos mais adiante.
Adicionalmente, a posse terá efeitos para o possuidor, no que
diz respeito à deterioração ou perda do bem enquanto estava
em suas mãos.

O mesmo ocorre com as benfeitorias por ele introduzidas.


Outro importante efeito da posse é a possibilidade de dar ao
possuidor o direito à propriedade do bem possuído, como é o
caso da conhecida usucapião. .
ABORDAGEM DETALHADA

CLASSIFICAÇÃO DA
POSSE
Em nosso estudo sobre a posse, é muito importante
enfrentarmos suas diversas classificações, para que
seja possível aplicar alguns direitos do possuidor ou do
proprietário. Vejamos, pois, as principais
classificações:
POSSE DIRETA POSSE INDIRETA
A Posse Direta (ou Posse Imediata) é exercida Já a Posse Indireta (ou Posse Mediata) é
por quem tenha o bem materialmente, exercida por meio de outrem, havendo apenas o
exercendo um poder direto sobre ele. exercício de direito (no mesmo exemplo da
locação de um imóvel, enquanto o locatário tem
Exemplo: imóvel alugado, em que o locatário a posse direta, o locador detém a posse indireta
tem a posse direta sobre o imóvel. do bem).
Por óbvio, há uma coexistência entre a Posse
Direta e a Indireta, sendo que a Direta é
temporária, persistindo apenas enquanto o
Negócio jurídico que a originou estiver
vigente.

Ainda nos valendo do exemplo da locação de


um imóvel, ao fim do negócio jurídico, a posse
direta é extinta, e o proprietário retoma a
posse do imóvel.

Como dito, a posse direta é temporária e não


anula a indireta, ademais, em caso de conflito
de interesses, a posse direta tem preferência
em relação à indireta. Por exemplo, no caso de
um usufruto, o proprietário não pode pedir a
posse do bem do usufrutuário.
POSSE JUSTA E INJUSTA
A POSSE JUSTA É AQUELA QUE NÃO POSSUI VÍCIOS, OU CONFORME A LEI:
“É JUSTA A POSSE QUE NÃO FOR VIOLENTA, CLANDESTINA OU PRECÁRIA”
(ART. 1.200, CC). APESAR DE DIRETA AO PONTO, A DEFINIÇÃO LEGAL NOS
FORÇA A ANALISAR CADA UMA DAS CONDIÇÕES APRESENTADAS PARA QUE
TENHAMOS UMA REAL COMPREENSÃO DA POSSE JUSTA E INJUSTA,
BASEADO NOS VÍCIOS A SEGUIR:

VIOLENTA CLANDESTINA
a posse violenta é aquela que tenha sido o que caracteriza a Posse Clandestina é o
adquirida por meio do uso indevido da força, ocultamento do proprietário. Ainda que terceiros
que pode ser via agressão física, ameaça ou percebam a posse clandestina, enquanto essa for
ocultada do proprietário (em outras palavras,
por qualquer uso ilícito de força, como
daquele que tem o direito de se opor a essa
remover alguém de dentro de um veículo,
posse), ela permanecerá clandestina. Ainda que
arrombamento de fechaduras etc. Assim, para
seja mansa, a posse clandestina não é considerada
que seja justa, a posse deve ser mansa e justa;
pacífica;
PRECÁRIA
aqui não é necessário que haja violência empregada na apropriação do bem, mas sim o
abuso de confiança ou de direito. Também conhecida como Esbulho Pacífico, a Posse
Precária precisa ser obtida clandestinamente, podendo ocorrer a apropriação precária de
forma ostensiva. Um exemplo de posse precária é o locador de um veículo que não o
retorna ao locatário ao fim do prazo estipulado em contrato, ou mesmo um empregado
que se apropria indevidamente de um bem deixado a seus cuidados.
Dessa forma, a posse é considerada Justa quando não for Violenta, Clandestina ou
Precária. Em outras palavras, não pode haver dúvida quanto à posse, que deve ser clara e
firme, para que seja considerada justa. Um importante ponto a ser compreendido, que
pode parecer contra intuitivo, a princípio, é que tanto a posse justa quanto a injusta
garantem ao possuidor direito de valer-se de ações possessórias. Este direito é evidente
no caso do possuidor justo, porém o injusto, também, pode valer-se dos interditos para
preservar sua posse injusta. O exemplo apresentado pelo Professor Fábio Ulhoa Coelho
ilustra muito bem esta situação: imagine um posseiro que invada uma área de uma
fazenda, de forma clandestina e injusta. Neste caso, se um terceiro tentar turbar ou
esbulhar sua posse, ele poderá defendê-la (evidentemente ele não poderá fazê-lo contra
tentativas de retomada legais por parte do dono da fazenda, proprietário legítimo)2.
Lembre-se de que isto só é válido para proteger a posse ilegal de terceiros, nunca das
pessoas injustamente desapossadas.
POSSE DE BOA-FÉ E MÁ-FÉ
É CONSIDERADA DE BOA-FÉ A POSSE EM QUE O POSSUIDOR IGNORA OS
EVENTUAIS VÍCIOS DE SUA POSSE. ADICIONALMENTE, O POSSUIDOR QUE
POSSUA UM TÍTULO QUE DÊ FUNDAMENTO À POSSE, COMO UM CONTRATO
DE LOCAÇÃO, COMODATO OU ARRENDAMENTO.
ESTA DEFINIÇÃO É TRAZIDA PELO CÓDIGO CIVIL, DE MANEIRA CLARA, EM SEU ARTIGO 1.201. VEJAMOS:

ART. 1.201. É DE BOA-FÉ A POSSE, SE O POSSUIDOR IGNORA O VÍCIO, OU O OBSTÁCULO QUE IMPEDE A AQUISIÇÃO DA COISA. PARÁGRAFO
ÚNICO. O POSSUIDOR COM JUSTO TÍTULO TEM POR SI A PRESUNÇÃO DE BOA-FÉ, SALVO PROVA EM CONTRÁRIO, OU QUANDO A LEI
EXPRESSAMENTE NÃO ADMITE ESTA PRESUNÇÃO

Posse de Boa-Fé: Posse de Má-Fé:


é aquela que o possuidor ignora eventuais ocorre quando, mesmo ciente de vícios em sua
vícios ou possua título justo que dê posse, o possuidor tem a intenção de exercer seu
fundamento à sua posse e ofereça presunção domínio sobre ela. Aqui não há a possibilidade de
título justo que possa oferecer a presunção de
da boa-fé de sua posse.
boa-fé.

A posse de boa-fé não perde esse caráter, salvo se comprovado que o possuidor
tem ciência de que possui o bem indevidamente, ou caso as circunstâncias façam
presumir isto, conforme art. 1.202 do Código Civil.
POSSE VICIADA E SEM VÍCIO
SEGUNDO O PROFESSOR FÁBIO ULHOA COELHO, A UNIÃO DOS CRITÉRIOS DE
CLASSIFICAÇÃO DE POSSE JUSTA/INJUSTA E POSSE DE BOA-FÉ/MÁ-FÉ
RESULTA NA DISTINÇÃO ENTRE UMA POSSE VICIADA OU SEM VÍCIO.
HÁ VÍCIO NA POSSE QUANDO ELA FOR INJUSTA OU DE MÁ-FÉ. CASO SEJA INJUSTA, SERÁ UM VÍCIO OBJETIVO, QUE DIZ RESPEITO À RELAÇÃO
ENTRE O POSSUIDOR E O OBJETO. POR OUTRO LADO, QUANDO SE TRATAR DE MÁ-FÉ, SERÁ UM VÍCIO SUBJETIVO, QUE TEM RELAÇÃO COM O
CONHECIMENTO DE OBSTÁCULOS QUE POSSAM MACULAR A LEGITIMIDADE DE SUA POSSE. CONHECENDO ESSES OBSTÁCULOS E, AINDA
ASSIM, TENTANDO MANTER A POSSE, ESSA SERÁ DE MÁ-FÉ, MAS, CASO O POSSUIDOR AS DESCONHEÇA, ELA SERÁ DE BOA-FÉ.

Como ensina a Professora Maria Helena Diniz a respeito do


O fato relevante quanto à existência ou não princípio geral sobre a continuidade do caráter da posse:
de vícios na posse é que seu surgimento ou
desaparecimento devem ser provados por Há presunção juris tantum de que a posse guarda o caráter
quem se beneficiará deles. Isto está expresso de sua aquisição. Se a posse começou violenta,
no artigo 1.203 do Código Civil. clandestina ou precária, se adquirida de boa ou má-fé, se
direta ou indireta, entende-se que ela permanecerá assim
mesmo, conservando essa qualificação, a não ser que se
prove em contrário.

Sendo provado em juízo, de maneira que justifique a alteração da qualificação original da posse, sua alteração será
promovida.
POSSE NOVA OU POSSE VELHA
ESSA CLASSIFICAÇÃO SE REFERE AO TEMPO, E É IMPORTANTÍSSIMA PARA
QUESTÕES PROCESSUAIS REFERENTES ÀS AÇÕES POSSESSÓRIAS. A
CLASSIFICAÇÃO É EXTREMAMENTE SIMPLES, A POSSE NOVA É AQUELA QUE
CONTA COM ATÉ UM ANO, ENQUANTO A POSSE VELHA É A QUE CONTA COM
UM ANO E UM DIA OU MAIS. VÍCIO.

Na prática, as ações possessórias referentes Este é um tema a ser aprofundado no direito


a uma posse nova deverão seguir um processual, mas que se mostra relevante ao nosso
procedimento especial, enquanto aquelas estudo devido ao fato de que o Código Civil de
referentes às posses velhas seguirão o 2002 revogou as previsões contidas no Código de
procedimento ordinário, mantendo, porém, 1916, que diziam respeito às posses nova e velha.
seu caráter de ações possessórias (art. 558, Atualmente a matéria é tratada apenas no CPC.
CPC).
POSSE COM OU SEM JUSTO TÍTULO
INICIALMENTE CABE RESSALTAR QUE TÍTULO, AQUI, TEM O SENTIDO DE DAR
CAUSA, É O ELEMENTO CRIADOR DA RELAÇÃO JURÍDICA. COM ISSO,
PODEMOS CLASSIFICAR A POSSE DA SEGUINTE MANEIRA:

Posse com título Posse sem título

quando há um negócio jurídico que aqui não há, pelo menos


transfira a posse, representado por aparentemente, uma causa
um documento escrito. representativa, um negócio jurídico,
que transmita a posse. Ocorre
quando há a posse sem um negócio
Exemplo: Contrato de locação jurídico prévio que justifique sua
existência

Exemplo: Alguém encontra um


tesouro enterrado.
É muito importante ressaltar que um Título Justo não é
IMPORTANTE sinônimo de legítimo.

O possuidor do justo título participou de um negócio


jurídico que pretendia transferir a propriedade do bem,
mas que, por algum motivo, não é um negócio apto a
atingir esse fim. Basta, para a criação do Justo Título,
que as partes de um determinado negócio jurídico
tivessem a intensão de valer-se desse para efetuar a
transferência da propriedade de algo.

O efeito da posse com justo título é que, uma vez que o


negócio que a originou não possa transferir a
propriedade do bem, essa só ocorrerá com o decurso do
tempo, por meio de usucapião.
POSSE SINGULAR E COMPOSSE
UM ÚNICO BEM PODE SER POSSUÍDO POR UMA PESSOA OU MAIS,
SIMULTANEAMENTE. A POSSE É SINGULAR QUANDO HÁ APENAS UM
POSSUIDOR NUM DETERMINADO MOMENTO, ENQUANTO HÁ A COMPOSSE
QUANDO HÁ MAIS DE UM POSSUIDOR DO MESMO BEM, SIMULTANEAMENTE

Um exemplo de composse é a herança, em que mais de uma pessoa se torna


possuidor de determinado bem.

O Código Civil trata da Composse no artigo 1.199, vejamos:

Art. 1.199. Se duas ou mais pessoas possuírem coisa indivisa, poderá cada uma
exercer sobre ela atos possessórios, contanto que não excluam os dos outros
compossuidores.
Pro Indiviso: ocorre
quando o compossuidores
possuem apenas uma parte
ideal do bem apenas;

A COMPOSSE PODE
SER CLASSIFICADA Pro Diviso: quando há uma
COMO: divisão de fato, mas não de
direito do bem, que faz com
que cada uma das pessoas
que o possui
conjuntamente possua uma
parte certa.
FOCO E ATENÇÃO AQUI
Por óbvio é necessário, para que haja a
Composse, um bem indivisível e a pluralidade de
possuidores em um mesmo período temporal.

A título de comparação, podemos dizer que a


Composse equivale, no caso da posse, ao que o
Condomínio representa para a propriedade.

A composse tem um interessante efeito


processual, no que diz respeito à defesa do
interesse dos compossuidores.

Qualquer um deles pode buscar, por meio de


ações possessórias, defender os interesses do
grupo, sem a necessidade de litisconsórcio.

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