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INTRODUÇÃO
O Direito das Coisas, como já se pode antever, é o ramo do Direito Civil que
regula as relações jurídicas estabelecidas entre pessoas e coisas,
determinadas ou determináveis.
Coisa é tudo aquilo que não é pessoa, física ou jurídica, ou ente
despersonalizado (condomínio edilício, espólio, massa falida). Contudo, coisa
precisa ser considerado um bem material. Toda coisa é bem, mas nem todo
bem é coisa. Honra, liberdade, vida e vários outros são bens, mas não são
coisas.
Assim, haverá uma relação material exercida pelo sujeito ativo em face da coisa.
Esse sujeito ativo poderá ser pessoa física, jurídica ou mesmo ente
despersonalizado, como massa falida e condomínio edilício.
No direito das coisas, o sujeito passivo é indeterminado, mas podendo ser
determinado. No direito das coisas, a eficácia dos direitos se dá em face de toda
a coletividade, podendo ser operada erga omnes, se atendidos os requisitos
legais para cada categoria de direito.
Contudo, Direito das Coisas não é sinônimo de Direitos Reais. O primeiro é
mais abrangente.
O Direito das Coisas está regido pelo Livro III do Código Civil, e é mais
abrangente que os Direitos Reais, por envolver também a posse. Assim, posse
não é Direito Real, tanto que não se encontra no mesmo Título dos Direitos
Reais, no Livro III. A posse é uma relação fática de sujeição entre o possuidor e
a coisa móvel ou imóvel. Sendo assim, posse não é propriamente um direito real,
mas sim um fato que gera outros direitos.
Em relação aos Direitos Reais, há duas teorias que justificam a sua natureza:
• teoria personalista: o Direito Real é uma relação jurídica estabelecida entre
pessoas, mas
intermediada por coisas, ainda que as pessoas sejam indeterminadas. Essa
teoria nega a
realidade metodológica dos direitos reais ou das coisas;
• teoria realista: é também conhecida como teoria clássica. Nela, os Direitos
Reais constituem um poder imediato que a pessoa exerce sobre a coisa, e com
eficácia erga omnes. Para esta teoria, o Direito Real é imediato da pessoa sobre
a coisa. Esta é a teoria adotada pelo atual CC.
Quanto aos Direitos Reais, eles incidem sobre a própria coisa ou sobre coisa
alheia (direito de gozo, de garantia etc.). O mais amplo de todos os direitos reais
é a propriedade, uma vez que comporta o uso, o gozo (extrair benefícios), a
reivindicação e a disposição (esse último instituto só se liga a propriedade,
tornando possível alienar, gravar e alterar a substância do bem). Decorrem dos
Direitos Reais as ações reais, as quais dizem respeito a imóveis e também têm
natureza real imobiliária.
1.1. Direitos Reais x Direitos Pessoais (obrigacionais)
• Os direitos reais têm oponibilidade erga omnes. No direito patrimonial, em
regra, há efeitos
apenas inter partes, sem vincular terceiros que não integrem a relação jurídica.
• Nos direitos reais há direito de sequela, ou seja, o direito de reivindicar o bem
onde quer que
ele esteja. Tal direito segue a coisa, onde quer que ela esteja (móvel) ou na
posse de quem
estiver (imóvel). No direito obrigacional, há a responsabilidade patrimonial,
convertida em
perdas e danos.
• No direito real há direito de preferência, tendo caráter taxativo na lei (tipicidade).
No caso de
direitos pessoais de caráter patrimonial, há contratos típicos e atípicos,
inominados, inexistindo rol exaustivo de todas as espécies de direitos reais.
O rol dos direitos reais está elencado no art. 1225 do CC. Segundo esse
dispositivo, são direitos reais:
• a propriedade;
• a superfície;
• as servidões;
• o usufruto;
• o uso;
• a habitação;
• o direito do promitente comprador do imóvel;
• o penhor;
• a hipoteca;
• a anticrese;
• a concessão de uso especial para fins de moradia;
• a concessão de direito real de uso;
• a laje.
Contudo, leis extravagantes podem criar novos direitos reais, como foi o
caso da Lei nº 11.977/2009, que dispõe sobre o Programa Minha Casa Minha
Vida, a qual estabeleceu a legitimação da posse como direito real (art. 59).
Muito embora a doutrina majoritariamente lecione que os direitos reais precisam
estar previstos em lei, o STJ já entendeu que a multipropriedade imobiliária
(time-sharing) possuía natureza jurídica de direito real, embora naquela
época não houvesse previsão legal. Contudo, posteriormente, a Lei nº
13.465/2017 introduziu esse instituto no Código Civil, a partir do art. 1.358-B.
Atente-se que, para provas objetivas, deve ser adotada a concepção de
taxatividade dos direitos reais, ou seja, eles só existem quando previstos em lei.
1.2. Demais diferenças entre os direitos reais e os direitos pessoais
patrimoniais
1.2.1. Direitos reais
• Relações estabelecidas entre pessoas e coisas (relação imediata).
• Incidência forte do princípio da publicidade.
• Direito real tem eficácia erga omnes. O registro do direito, em regra, possui
natureza constitutiva (mas a usucapião, por exemplo, é exceção, pois o registro
é declaratório).
• O rol é taxativo, mas a lei pode criar novos direitos reais.
• O direito é permanente.
• Direitos reais podem ser objeto de usucapião.
1.2.2. Direitos pessoais
• Relação jurídica entre pessoas (inter partes). O objeto imediato é uma
prestação, que pode ser de dar, fazer ou não fazer.
• Característica mais relevante é a autonomia privada.
• O rol legal é exemplificativo.
• O direito tem caráter transitório, como regra.
• Não se adquirem por usucapião.
Quanto à eficácia inter partes do direito obrigacional, vale dizer que esta
pode ser relativizada, como no caso da tutela externa do crédito, quando a
eficácia do contrato e sua função social geram efeitos e devem ser respeitados
por quem não participou da relação jurídica material, havendo uma mitigação
da relatividade dos contratos.
Ainda, não se deve confundir direitos reais com obrigações propter rem. Essas
têm caráter pessoal, mas perseguem a coisa e se transmitem conjuntamente a
ela. Ex.: se não foi pago o rateio do condomínio edilício pelo locador, o locatário
deverá pagá-lo. A taxa condominial, apesar de não ser um direito real, é uma
obrigação que persegue a coisa.
O abuso de direito no exercício da propriedade (ato emulativo) também é
um conceito híbrido, pois, quando há abuso no seu exercício, há uma
repercussão dos direitos pessoais de caráter patrimonial, nascendo o dever de
indenizar.
2. DA POSSE
2.1. Natureza jurídica da posse
Primeiramente, não se um tema pacífico. Existem duas correntes, uma que
enxerga a posse como fato, outra, como direito.
Como visto acima, definitivamente ela não é direito real, pois não está
elencada no rol do art. 1.225 do CC. Para parte da doutrina, ela é direito real de
natureza especial. Especial porque a posse é a exteriorização da propriedade,
o domínio fático que a pessoa exerce sobre uma coisa.
Se direito é fato, valor e norma, a posse é o componente jurídico do direito. A
posse nasce de um fato que é valorado e encontra respaldo normativo. Por isso
teria a natureza especial, por conta desse nascedouro fático.
Atualmente, a tendência maior é de se entender a posse como um fato jurídico,
gerador de um
estado de aparência, que repercute em diversas esferas de direitos e obrigações.
Há, ainda, duas correntes que procuram justificar a posse como categoria
jurídica.
1ª Teoria Subjetivista (Savigny): dá relevância ao aspecto subjetivo da posse.
Aqui, a posse possui dois elementos:
• Corpus: é o elemento objetivo, material, que é a disponibilidade sobre a coisa.
• Animus: é o elemento subjetivo, que é a intenção de ter a coisa para si.
Se adotada essa teoria, não seriam possuidores o locatário, comodatário,
depositário, etc., pois não haveria animus destes agentes.
2ª Teoria Objetiva (Ihering): para constituição da posse, basta que o sujeito
disponha fisicamente da coisa. Na verdade, para Ihering, o corpus é formado
pela atitude externa do possuidor em relação à coisa.
O possuidor passa a agir, em relação à coisa, com intuito de explorá-la, inclusive
economicamente. Essa teoria foi a adotada no Código Civil (art. 1.196), o qual
determina que se considera possuidor todo aquele que tem de fato o exercício,
pleno ou não, de algum dos poderes inerentes à propriedade.
Portanto, para o CC, possuidor é quem exerce sobre a coisa um ou mais dos
poderes inerentes à propriedade.
• Direito perpétuo: o direito não se perde, como regra, pelo seu não exercício.
• Direito elástico: Orlando Gomes diz que a propriedade pode ser distendida ou
contraída, de
acordo com o seu exercício.
3.3. Função social e socioambiental da propriedade
O §1º do art. 1.228 do CC determina que o direito de propriedade deve ser
exercido em consonância com as suas finalidades econômicas e sociais, de
modo que sejam preservados, de conformidade com o estabelecido em lei
especial, a flora, a fauna, as belezas naturais, o equilíbrio ecológico e o
patrimônio histórico e artístico, além de aspectos urbanísticos.
Esse dispositivo confere uma finalidade ao exercício do direito de propriedade.
É necessário que ela cumpra essa função.
A função social e socioambiental da propriedade também está prevista no art.
225 da CF, dispositivo que protege o meio ambiente como um bem difuso e que
visa à sadia qualidade de vida das pessoas e das futuras gerações (assegura
direitos intergeracionais). A função social da propriedade tem uma dupla
intervenção:
• Faceta limitadora: veda a degradação do meio ambiente.
• Faceta impulsionadora: fomenta a exploração da propriedade.
A CF traz vários preceitos que seguem a linha da faceta impulsionadora da
função social da
propriedade. O art. 186 da CF impõe que haverá função social da propriedade
quando se der o seu aproveitamento racional e adequado. É preciso
aproveitar a propriedade para que se exerça a função social.
Tratando-se de imóvel urbano, as definições quanto à correta ocupação do solo
competiram
prioritariamente ao Município, conforme a CF, sem prejuízo de atuação de regras
gerais dos estados e da União.
O STJ tem decidido que o novo proprietário de um imóvel é obrigado a fazer a
reparação ambiental, mesmo que não tenha sido ele o causador do dano.
É imperioso anotar que o art. 2º, §2º, do Código Florestal (Lei nº 12.651/2012)
aduz que as obrigações previstas nesta Lei têm natureza real e são
transmitidas ao sucessor a qualquer título, no caso de transferência de
domínio ou posse do imóvel rural.
São proibidos os atos que não tragam ao proprietário qualquer comodidade ou
utilidade, e sejam animados pela intenção de prejudicar outrem. Na verdade, o
que há aqui é a vedação do exercício abusivo do direito de propriedade. É outro
exemplo de vedação ao ato emulativo. Faz-se, assim, a leitura sistemática do
art. 1.228, §2º, e do art. 187, ambos do CC, que tratam do abuso do direito.
O Enunciado 49 do CJF estabelece que a regra do §2º do art. 1.228 do CC
deve ser interpretada restritivamente, prevalecendo o art. 187 da Lei Civil. Para
efeitos de ato emulativo, é preciso lembrar que tal responsabilidade, como regra,
tem caráter objetivo, e não subjetivo.
Quanto às limitações à propriedade, ainda existe o §3º do art. 1.228, o qual trata
da desapropriação por necessidade ou por utilidade pública, da desapropriação
por interesse sócia e do ato de requisição em caso de perigo público iminente.
Quanto à sua abrangência, a propriedade do solo abrange a do espaço aéreo e
subsolo
correspondentes, em altura e profundidade úteis ao seu exercício, não podendo
o proprietário se opor a atividades que sejam realizadas por terceiros a tal altura
ou profundidade que não tenha ele interesse legítimo em impedi-las. Esse
dispositivo trata da extensão vertical da propriedade.
A propriedade do solo não abrange a das jazidas, minas e demais recursos
minerais, os potenciais de energia hidráulica, os monumentos arqueológicos e
outros bens referidos por leis especiais. Isso se dá porque a Constituição estipula
que tais bens pertencem à União. O que fica garantido ao concessionário é
o produto da lavra.
Contudo, o proprietário do solo tem o direito de explorar os recursos minerais de
emprego imediato na construção civil, desde que eles não sejam submetidos a
transformação industrial (como a areia, por exemplo).
O art. 1.231 do CC determina que a propriedade presume-se plena e exclusiva,
até prova em
contrário.