Você está na página 1de 74

DIREITOS REAIS

Apontamentos Prof. Pedro de Albuquerque

FACULDADE DE DIREITO DE LISBOA | ANO LETIVO 2019-2020


BEATRIZ DE OLIVEIRA MARTINS | TURMA A
Direitos Reais

I. Introdução
Os Direitos Reais consistem num ramo do Direito Civil que tem por base os direitos subjetivos,
nomeadamente os direitos de crédito (incidem sobre pessoas) e os direitos reais (incidem sobre
coisas).
O Direito das Coisas corresponde ao direito que regula a atribuição de coisas corpóreas come
eficácia real perante terceiros. Tal como defende OLIVEIRA ASCENSÃO, o Direito das Coisas
disciplina a atribuição das coisas em termos reais.
Tem as seguintes características:
• Natureza patrimonial
• Liberdade e igualdade – têm tutela constitucional (art. 62º/1 CRP)
• Fora do âmbito comercial

1. Princípios gerais dos Direitos Reais


1.1. Princípio da tipicidade
Também conhecido pelo princípio do numerus clausus (art. 1306º CC), que proíbe a
constituição de direitos reais fora dos previstos no CC; os direitos reais constituídos que não
estejam previstos na lei têm natureza meramente obrigacional. A tipicidade dos direitos reais
diz respeito à configuração e ao conteúdo dos direitos reais, não aos negócios constitutivos,
modificativos ou extintivos desses direitos.
Mas isto não impede que durante a interpretação não se possa qualificar como direitos reais
direitos que não estejam previstos na lei enquanto tal – ex. caso do direito do locatário
Explicações para o princípio da tipicidade:
• Os direitos reais têm um caráter absoluto que pode ser oposto a qualquer adquirente de
boa-fé
• Não pode haver direitos sobrepostos sobre a mesma coisa, uma vez que se limita a sua
exploração pela existência de litígios
A violação do princípio da tipicidade (art. 1306º in fine CC) importa que os direitos constituídos
tenham eficácia meramente obrigacional.

1.2. Princípio da especialidade


Exige-se que a coisa objeto do direito real seja individualizável, ou seja, as coisas corpóreas têm
de ser:

1
Direitos Reais

• Determinadas – se a coisa for genérica, não há um direito real, mas um direito de


crédito (art. 539º CC); que só se transforma em direito real quando a coisa for
determinada (art. 408º/2 CC)
• Presentes – só as coisas presentes podem ser objeto de direitos reais. As coisas futuras
constituem direitos de crédito
• Autónomas – não se constituem direitos reais sobre coisas ligadas materialmente a
outras, exigindo-se primeiro a sua separação. Se uma coisa for incorporada noutra,
perde a sua natureza de direito real

1.3. Princípio da elasticidade


Sugere que os direitos reais não são imutáveis, variam consoante a constituição e extinção dos
direitos reais que incidem sobre a coisa. Extinguindo-se o direito real mais pequeno, o direito
real maior pode retomar a sua “forma” original.
Ex. foi constituído um direito de locação sobre um direito de propriedade; quando se
extingue o direito de locação, o direito de propriedade retoma a sua natureza
ORLANDO CARVALHO tem admitido um subprincípio da compatibilidade, segundo o qual só
pode existir um direito real sobre uma coisa que seja compatível com outro direito que a tenha
por objeto.
• MENEZES LEITÃO afirma que não será bem assim, uma vez que não se podem constituir
sucessivamente 2 propriedades sobre a mesma coisa, pelo que os direitos serão
naturalmente incompatíveis porque o 2º direito constituído não é legítimo

1.4. Principio da transmissibilidade


Os direitos reais podem ser transmissíveis por morte (art. 2024º CC); excetuam-se os direitos de
usufruto e o uso de habitação (art. 1443º CC).
Os direitos reais também podem ser transmissíveis por ato inter vivos, salvo em relação aos
direitos reais inalienáveis, como o uso e habitação (art. 1488º CC).
Segundo o princípio da consensualidade, é necessário o acordo das partes para a constituição
de direitos reais, daí que a celebração do contrato acarrete logo a transferência do direito real
(art. 408º/1 CC) – a constituição do direito real é imediata e instantânea.
Também o princípio da causalidade, ligado a ele, defende que o direito real deve ser
constituído ou transmitido através da justa causa de aquisição da coisa, ou seja, é a validade do
título que determina a constituição ou não de um direito real.

2
Direitos Reais

1.5. Princípio da publicidade


Os factos relativos a direitos reais devem ser publicitados. A melhor forma de assegurar a
publicidade é através da posse, especialmente quanto às coisas móveis não sujeitas a registo.
Segundo o art. 1268º/1 CC, presume-se (presunção ilidível) que o possuidor da coisa tem um
direito de propriedade sobre ela.
Ainda assim, para assegurar a publicidade dos direitos reais, exige-se o registo quanto aos bens
imóveis (art. 875º CC) e alguns móveis.

1.6. Princípio da boa-fé


Aplicação do princípio da boa-fé quanto à posse (art. 1260º, 1269º e ss. CC), à usucapião (art.
1295º e 1298º CC).

2. Conceito de direitos reais


Segundo uma teoria clássica, o direito real assentava na relação entre a pessoa e a coisa, que
era afetada ao sujeito; enquanto que os direitos obrigacionais tinham por base relações apenas
entre pessoas. Esta teoria foi bastante criticada pelo facto de a propriedade, sendo um direito
que só podia ser afetado a pessoas e não a coisas.
No séc. XIX, surgiu uma divergência entre THIBAUT, que defendia que os direitos reais eram
direitos absolutos, e FEUERBACH, que defendia que era um direito que teria validade contra
todas as pessoas.
Com isto surgiram 3 teorias:
• Teoria do poder direto e imediato sobre a coisa (Prof. Guilherme Moreira e Pessoa
Jorge) – um direito real é aquele que recai direta e imediatamente sobre uma coisa
corpórea, sem que seja necessária a colaboração de alguém para exercer esse direito.
• Teoria do poder absoluto (Prof. Manuel de Andrade) – o direito real caracteriza-se pela
relação com uma infinidade de sujeitos da ordem jurídica, uma vez que o titular do
direito tem a faculdade de exigir aos outros que não perturbem o exercício do mesmo.
Numa variante, há quem entenda que não se trata de uma faculdade, mas de uma
proibição de ingerência.
• Teoria mista (Prof. Galvão Telles, Antunes Varela e Mota Pinto) – o direito tem uma
vertente interna – poder direto e imediato sobre a coisa – e uma vertente externa –
relação com todos os outros sujeitos da ordem jurídica

3
Direitos Reais

GOMES DA SILVA confronta dos direitos de crédito com os direitos reais da seguinte forma:
• O direito fundamental do credor tem por objeto exclusivamente um ato humano; os
direitos que se exercem diretamente sobre coisas hão de diferir sempre ao direito à
prestação
• O fim do direito de crédito deve alcançar-se por meio de um ato humano enquanto que
o objetivo dos direitos reais se consegue pela utilização direta das coisas
• Define o direito subjetivo como afetação autónoma de um bem à realização de um ou
mais fim de pessoas individualmente consideradas
Para o PROF. PEDRO DE ALBUQUERQUE, poder e direito subjetivo são realidades distintas, e
por isso o direito subjetivo não é um poder, nem o direito real é um poder
OLIVEIRA ASCENSÃO defende que os direitos reais são direitos subjetivos absolutos, inerentes
a uma coisa e funcionalmente dirigidos à afetação desta aos interesses do sujeito.
• Os direitos absolutos são não relativos, por serem independentes de uma relação
• A inerência respeita à coisa, que está de tal maneira afetada pelo direito que não pode
ser desvinculado deste na ausência de causalidade; a coisa continua a ser objeto do
direito real mesmo que passe por 1000 mãos
Segundo MENEZES CORDEIRO, Um direito real é uma permissão normativa específica de
aproveitamento de uma coisa corpórea. Considera que esta distinção entre direito de crédito e
direito real, segundo a qual os direitos reais são direitos absolutos, não tem cabimento no
Direito português.
• Circunstância de alegadamente existirem direitos reais inoponíveis – hipóteses em que
um direito real, por força das regras do registo e da aquisição tabular, em que o titular
de um direito real vê formar-se contra si uma posição contrária à sua
• Ao contrario do que seria pretendido pelo OLIVEIRA ASCENSÃO, haveria direitos reais
não absolutos, na medida em que afastada a ideia de que o aproveitamento
proporcionado pelo direito real, existiria a possibilidade de direitos reais relativos – ex.
servidão de vistas pela qual o beneficiário, podendo abrir janelas a menos de 1,50m de
sua extrema, aproveitaria a obrigação do vizinho de não construir a menos de 1,50m
(1362º CC)
• A diferenciação entre direitos de crédito e de direitos reais dependeria do respetivo
regime, sublinhando o facto de o direito civil não estar só na lei; muita da sua
problemática surge no plano dos problemas concretos que o intérprete-aplicador não
pode deixar sem solução

4
Direitos Reais

o No núcleo da distinção nos podemos situar o direitos subjetivo; o direito de


crédito traduzia um aproveitamento de um crédito, enquanto que o direito de
crédito se traduziria no aproveitamento de uma coisa
MENEZES CORDEIRO define os direitos reais como uma permissão normativa específica de
aproveitamento de uma coisa corpórea. MENEZES LEITÃO acrescenta o caráter absoluto do
direito real.
O nosso Direito pressupõe uma categoria de direito subjetivo real, com 2 vertentes:
1. Como direito real de gozo – a categoria direito real de gozo assenta num regime. Por
exemplo, só os direitos reais de gozo são suscetíveis de usucapião. Nota: há quem
entende que a posse é um direito real de gozo, mas o Prof. Pedro de Albuquerque não
concorda
a. Direito de propriedade
b. Usufruto, uso e habitação
c. Enfiteuse (abolida)
d. Direitos de superfície
e. Servidão
2. Como categoria geral – as fontes normativas disciplinam uma categoria mais vasta de
direitos reais, p.e., o direito de habitação periódica (DL 275/93)
• O regime das águas e baldios consta de legislação avulsa
• E recentemente foi criado o direito real de habitação definitiva

3. Características dos direitos reais


3.1. Caráter absoluto
Consiste no facto de os direitos reais não se estruturarem com base em qualquer relação
jurídica, podendo, por isso, ser opostos erga omnes.
A maior parte da doutrina defende que os direitos reais são absolutos por serem oponíveis erga
omnes, ao contrário do direito de crédito, que é oponível apenas ao devedor.
OLIVEIRA ASCENSÃO defende que são direitos absolutos porque não se baseiam em nenhuma
relação e, por isso é que é oponível erga omnes --» posição correta segundo PEDRO DE
ALBUQUERQUE
Sendo absoluto, existe um dever genérico de respeito por parte de outros sujeitos a quem o
titular pode opor eficazmente o seu direito.

5
Direitos Reais

Em relação aos direitos reais de gozo, a oponibilidade erga omnes pode ser exercida através de,
p.e., uma ação de reivindicação (art. 1311º a 1315º CC). Quanto aos direitos reais de garantia,
será através dos rendimentos da coisa.

3.2. Inerência
Significa que os direitos reais estabelecem coma coisa uma relação especialmente intensa, já
que a coisa corpórea não pode se separar do direito real, por ser o seu objeto. Para além disso,
a coisa deve ser existente, certa e determinada para pode ser objeto de um direito real.

3.3. Sequela
Constitui uma manifestação da inerência, e significa que titular pode ir buscar a coisa,
independentemente de quem for o seu possuidor.
O direito, a partir do momento em que seja constituído, não se afasta da coisa; ou seja,
continua a haver direito real independentemente de onde esteja a coisa.
Isto significa que, p.e., numa ação de reivindicação, o titular pode sempre buscar a coisa,
mesmo que tenha sido transmitida para um terceiro de boa-fé.

3.4. Prevalência
Significa que o direito real que se constitui em 1º lugar prevalece sobre os que se constituam ou
registem posteriormente, mesmo que o direito posterior seja um direito de crédito.
Ex. A vende um imóvel a B que, por sua vez, vende-o a C. A propriedade do imóvel
pertence a B, salvo se C registar o imóvel 1º.
O principio da prevalência tem 2 dimensões:
1. Os direitos reais, em caso de se encontrarem em situação de conflito, prevalecem por
ordem de prioridade (ex. alguém vende 2x o mesmo bem)
a. PIRES DE LIMA - temos uma manifestação do princípio da prevalência, na medida
em que o 1º direito prevalece perante o 2º, nos termos do art. 1578º e 1579º CC
b. PINTO COELHO e PROF. PEDRO DE ALBUQUERQUE – estão contra, por
entenderem que só se pode falar em prevalência quando há um conflito efetivo
de direitos; neste caso, o 2º ato é nulo e, portanto, não dá origem a nenhum
direito que se possa dizer que está em conflito com o 1º direitos
Não havia impedimento a que a ideia de prevalência seja usada para significar que o
1º direito impede o aparecimento do 2º, muito embora a questão se aparente como
meramente vocabular. Por isso, há quem entenda que o princípio da prevalência se
circunscreve apenas a alguns direitos reais, concretamente no âmbito dos direitos
reais de garantia.

6
Direitos Reais

2. Circunstância de os direitos reais prevalecerem sobre os direitos de crédito – tem sido


objeto de alguma contestação
a. MENEZES CORDEIRO considera que, neste âmbito, o que teríamos seria apenas a
nulidade da constituição do crédito, se o direito real já existisse anteriormente
(art. 780º/1 CC)
b. OLIVEIRA ASCENSÃO E CARVALHO FERNANDES objetam a esta contestação,
dizendo que a extinção do crédito não é uma necessidade lógica; ainda assim,
podemos dizer que são imediatamente as regras de direito das obrigações a
regular a extinção dos direitos de crédito
c. PROF. PEDRO DE ALBUQUERQUE pergunta porque é que, na presença de um
conflito entre um direito real e um direito de crédito, se vai proceder á aplicação
de regras que conduzem à extinção dos direitos de crédito e não precisamente o
contrário. A resposta não nos é dada apenas pelas normas de direito das
obrigações, mas antes pelas características próprias dos direitos reais. Nesta
perspetiva, dir-se-á que o direito de crédito se extingue segundo as regras de
direito das obrigações, porque o direito real não lhe consente que subsista.

Quanto aos efeitos da prevalência:


• Direitos reais de gozo – o 2º direito não se chega a constituir
• Direitos reais de garantia – o 2º só será satisfeito quando o 1º direito o for
• A partir do momento em que se constitui o direito real, o direito extingue-se por
impossibilidade
Mas há exceções, p.e., o caso dos privilégios creditórios – prevalência com base na natureza do
privilégio (art. 745º e ss. CC) – ou da prevalência dos privilégios gerais sobre os privilégios
especiais, que são direitos reais.

4. Objeto dos direitos reais


Os Direitos Reais correspondem ao ramo de Direito que regula a atribuição das coisas com
eficácia real.
Segundo o art. 202º/1 CC, uma coisa é tudo o que possa ser objeto de relações jurídicas; no
entanto, a doutrina tem criticado esta definição, uma vez que nem tudo o que é objeto de
relações jurídica é considerado coisa – p.e., os direitos de crédito são objeto de relações
jurídicas, mas não são coisas.

7
Direitos Reais

4.1. Classificações de coisas corpóreas


• Coisas no comércio e coisas fora do comércio – coisas que não podem ser objeto de
direitos privados, que estão no domínio público ou que são insuscetíveis de apropriação
individual
• Coisas imóveis – enumeradas no art. 204º CC (Para MENEZES CORDEIRO e JOSÉ
ALBERTO VIEIRA, o art. 204º CC é meramente exemplificativo; para CASTRO MENDES e
MENEZES LEITÃO, é uma enumeração taxativa
o Prédios urbanos – edifício incorporado no solo com caráter de permanência e as
suas partes integrantes
o Prédios rústicos – solo ou terreno
▪ As casas desmontáveis não são prédio urbano porque não estão
incorporadas com caráter de permanência no solo
▪ As construções existentes que estão subordinadas à atividade económica
desenvolvida, p.e., celeiros, são considerados prédios rústicos
o Em caso de dúvida, aplica-se o critério da afetação económica: a afetação
económica predominante é a que determina a qualificação do prédio como
urbano ou rústico
o Águas – podem ser públicas ou privadas
o Árvores, arbustos e frutos naturais enquanto estiverem ligados ao solo
o Partes integrantes – coisas móveis ligadas materialmente ao prédio com caráter
de permanência

• Coisas móveis – todas as que não sejam coisas imóveis (art. 205º CC)
o Simples – não se podem decompor noutras coisas sem que percam a identidade
o Compostas– resultam de várias coisas simples que, unidas, passam a ser
consideradas uma única coisa; p.e., automóvel
▪ Universalidades de facto – pluralidade de coisas pertencentes a uma
mesma pessoa
o Fungíveis – estão determinadas pelo seu género, qualidade e quantidade (art.
207º CC)
o Infungíveis – estão individualmente determinadas
▪ Se as coisas não estiverem totalmente determinadas não podem ser
objeto de direitos reais, apenas de direitos de crédito
o Consumíveis – coisas cujo uso regular conduz à alienação ou destruição (art. 208º
CC)
o Não consumíveis
▪ Duradouras – não se deterioram com o seu uso regular (p.e., estátuas)
▪ Deterioráveis – deterioram-se com o uso regular (p.e., alimentos)

8
Direitos Reais

o Divisíveis – coisas que podem ser fracionadas sem que haja alteração da
substância, diminua o seu valor ou prejuízo para o seu uso (p.e., terreno)
▪ Podem ser criados limites – legais ou convencionais – à divisão da coisa
▪ Determina a extinção do direito real sobre a coisa e a criação de novos
direitos reais sobre as parte fracionadas
o Indivisíveis
o Principais – não estão subordinadas a qualquer outra coisa
o Acessórias (ou pertenças) – não são partes integrantes, mas são afetadas ao
serviço de uma coisa principal
▪ Segundo CASTRO MENDES, pelo princípio da boa-fé, não se pode aplicar o
art. 210º CC às coisas acessórias sem valor autónomo; neste caso aplica-se
o nº2
▪ O PROF. MENEZES CORDEIRO entende que se pode afastar o 210º/2 CC
por via da interpretação ou dos deveres acessórios resultantes da boa-fé
o Presentes – coisas que existem naquele momento e que pertencem a
determinado titular
o Futuras – ainda não existem ou ainda não pertencem ao disponente (art. 211º
CC)
o Frutos – tudo o que uma coisa produz esporadicamente, sem que se altere a sua
substância (art. 212º CC)
▪ Naturais – os que provém diretamente da coisa (frutos orgânicos)
• Quem colher prematuramente os frutos naturais está obrigado a
restituí-los (art. 214º CC)
▪ Civis – rendas e interesses que a coisa produz em virtude de uma relação
jurídica
▪ Pendentes – já foram produzidos pela coisa, mas ainda não foram
separados desta
▪ Percebidos – foram separados da coisa principal por ação humana
o Benfeitorias (art. 216º/1 CC) – todas as despesas feitas para conservar ou
melhorar a coisa
▪ Necessárias – visam evitar a perda, destruição ou deterioração da coisa
▪ Úteis – não são indispensáveis mas aumentam o valor
▪ Voluptuárias – servem apenas para recreio do benfeitorizante

5. Situações jurídicas propter rem


Correspondem a situações jurídicas cujo sujeito ativo ou passivo é determinado pela
titularidade de um direito real.

9
Direitos Reais

Quanto às obrigações propter rem, já que são obrigações cujo devedor é determinado pela
titularidade de um direito real.
Fazem parte do conteúdo do direito real estas estão sujeitas ao princípio da tipicidade do art.
1306º/1 CC, já que vinculam o titular do direito real, pelo que não estão sujeitas ao princípio da
autonomia privada.
o Se forem constituída obrigações fora dos casos previstos na lei, a obrigação é
considerada comum
Tendo em conta que acompanha o direito real, a partir do momento em que este se transmite,
também se transmite a obrigação propter rem, passando a vincular o titular do direito.
Mas se a obrigação se tiver vencido enquanto a coisa estava na titularidade do alienantes, já
não se transmite, uma vez que o vencimento passou a vincular o titular do direito real.

5.1. Natureza jurídica


Existem 4 teorias:
o Teoria realista – as obrigações propter rem são verdadeiros direitos reais. Não são
verdadeiras obrigações porque advém da própria propriedade e porque podem ser
extintas por renúncia
o Teoria personalista – constituem verdadeiras obrigações, uma vez que a pessoa tem o
dever de realizar certa prestação; no entanto, não são direitos reais porque não incide
sobre uma coisa corpórea, apenas serve para determinar o devedor da obrigação
(ANTUNES VARELA, PROF. MENEZES CORDEIRO e MENEZES LEITÃO)
o Teoria mista – têm uma natureza mista porque têm elementos dos direitos reais e dos
direitos de crédito
o Teoria relativa – são direitos reais ou direitos de crédito, consoante o critério escolhido:
o 1º critério – os direitos reais têm caráter absoluto e imediato, o que não
acontece com os direitos de crédito
o 2º critério – tem a ver com a inerência de uma coisa determinada e se o titular
pode obter a satisfação do seu crédito com independência das relações de facto
de Direito: se sim, é um direito real

5.2. Ónus real


Corresponde a uma prestação de dare, que pode ser em dinheiro ou géneros, que é imposta ao
titular de determinado bem e atribui ao titular preferência no pagamento sobre esse bem.
Distinguem-se das obrigações propter rem por não fazerem parte do conteúdo do direito real:

10
Direitos Reais

o Nas obrigações propter rem o titular só fica vinculado ao cumprimento das prestações
que se constituíam na vigência do seu direito
o No ónus real, fica vinculado ainda ao cumprimento das prestações anteriores à aquisição
do direito

5.2.1. Natureza do ónus real


o Teoria da natureza de direitos reais (RUI PINTO) – há uma inerência que produziria uma
afetação jurídica de uma coisa a outrem; tem características de direito real,
nomeadamente a tipicidade e a sujeição a registo
o Teoria da natureza de obrigações propter rem (OLIVEIRA ASCENSÃO e JOSÉ ALBERTO
VIEIRA) – não são verdadeiros direitos reais porque não incidem sobre coisas, sendo
antes direitos a prestações, em que a ligação à coisa serve para determinar o devedor
o Teoria da natureza de obrigações propter rem mais direito real de garantia (Henrique
Mesquita) – o ónus real corresponde a uma figura composta que engloba uma obrigação
propter rem e uma garantia imobiliária
▪ MENEZES LEITÃO concorda: o ónus real não pode ser considerado um direito real
porque não incide sobre uma coisa, mas é uma obrigação em que o devedor é
determinado em função da titularidade de um direito real
o Teoria da figura complexa (CARVALHO FERNANDES) – o ónus real é uma figura
complexa porque engloba elementos obrigacionais e reais de garantia, sendo que estes
se sobrepõem aos primeiros

5.3. Pretensões reais


Apesar de os direitos reais terem caráter absoluto, no caso de os mesmos serem violados, dão
ao titular um direito de exigir a cessação da violação do direito real (restituição da coisa e
indemnização pelos danos causados), ou seja, uma pretensão real.
As pretensões reais são direitos relativos originados pelo direito real, estando ligadas a este. No
entanto, não fazem parte do conteúdo do direito real.
Sendo direitos relativos, estão sujeitas ao regime dos direitos de crédito, nomeadamente
quanto ao cumprimento (art. 762º e ss. CC) e à mora do devedor (804º e ss. CC) e do credor
(art. 813º e ss. CC).
Mas há casos, p.e., as ações de reivindicação, que são pretensões primárias, só podem ser
exercidas por terceiro mediante uma procuração, para além de serem imprescritíveis. Pelo
contrário, as pretensões secundárias, p.e., o direito de indemnização por responsabilidade civil,
já podem ser alvo de cessão para terceiro (art. 577º e ss. CC).

11
Direitos Reais

o Mas já não se aplica às pretensões reais o regime da indemnização por incumprimento,


uma vez que isso implica que haja uma obrigação que tenha sido violada; mas as
pretensões reais só surgem na violação de um direito real.

6. Classificações de direitos reais


As classificações mais importantes são as seguintes:
o Direitos reais de gozo – atribuem ao seu titular um direito uso ou fruição ou disposição
de uma coisa corpórea. Só o direito de propriedade engloba estas 3 faculdades.
▪ MENEZES LEITÃO – a posse não é um direito real, devendo ser tratada
autonomamente
o Direitos reais de garantia – atribui ao titular credor uma preferência no pagamento do
seu crédito, podendo este crédito ser pago em 1º lugar; ex. consignação de
rendimentos, penhor, hipoteca
o Direitos reais de aquisição – é conferida ao titular a possibilidade de vir a adquirir um
direito real sobre certa coisa

Outra classificação: direito real maior (atribui ao titular todas as faculdades inerentes à coisa)
VS direito real menor – não atribuem todas as faculdades inerentes à coisa).
 Teoria do desmembramento – os direitos reais menores são formados através da
fragmentação do direito de propriedade
 Teoria da oneração (PROF. MENEZES CORDEIRO e OLIVEIRA ASCENSÃO) – os direitos
reais menores surgem de um direito novo em termos de conteúdo e que comprime o
direito real maior; mas que, pela sua elasticidade, possa recuperar o seu conteúdo
original

Direitos reais simples VS direitos reais complexos:


o Direitos reais simples – aqueles cuja afetação é feita através de determinada forma
o Direitos reais complexos – aqueles cuja afetação depende de uma conjugação de
formas
o Direitos reais coletivos - não perdem autonomia entre si; ex. universalidades de
Direito
o Direitos reias compostos – há perda de autonomia entre eles

Direitos reais autónomos VS direitos reais subordinados


o Direitos autónomos – não dependem de outro direito; ex. propriedade ou usufruto
o Direitos subordinados – dependentes de outro direito; ex. direitos reais de garantia
estão dependentes do direito de crédito que garantem

12
Direitos Reais

II. A posse
Segundo o art. 1251º CC, a posse é um poder que se manifesta quando alguém atua por forma
correspondente ao exercício do direito de propriedade ou de outro direito real. Poderá ser um
direito efetivo ou um direito real, que pode ser um direito efetivamente existente (p.e., quando
alguém simultaneamente é proprietário e possuidor) ou pode ser um direito meramente suposto,
que não existe, p.e., quando um possuidor se comporta como proprietário, mas não é.
A posse é uma situação jurídica que corresponde ao exercício fáctico de poderes sobre as
coisas, através do qual se tutela a exteriorização do direito, independentemente da sua
titularidade.

1. Distinção entre posse e detenção


Segundo SAVIGNY (teoria subjetivista da posse), a posse pressupõe a detenção (possibilidade física
de exercer controlo sobre uma coisa); mas a detenção não seria um conceito jurídico mas uma
situação jurídica que se limitaria ao exercício fáctico de poderes sobre uma coisa, exercendo um
direito de propriedade alheio. Para adquirir a posse, seria necessária a detenção e o animus da
coisa, ou seja, a vontade de possuir a coisa como dono.
Para JHERING (teoria objetivista da posse), o animus não é o critério de distinção da posse e da
detenção; mas o interesse de uma pessoa sobre a coisa – interesse esse que a lei disciplina. O que
qualifica a posse como tal é a relação material com a coisa e o interesse de manter essa relação, daí
que, em princípio, a detenção conduza sempre à posse, salvo se a lei desqualificar a relação do
detentor com a coisa retirando-lhe essa tutela.
A lei portuguesa tem uma formulação subjetivista: no art. 1253º/ a) e c) CC não se exige a intenção
de atuar como titular do direito, mas exige-se o animus domini, ou seja, a intenção de possuir a
coisa como dono.
Mas há autores, como o PROF. MENEZES CORDEIRO e o JOSÉ ALBERTO VIEIRA, que defendem a
teoria objetivista, porque o art. 1251º CC não se refere ao animus como pressuposto da posse – a
posse é genericamente atribuída a quem exerce um direito real – e porque o art. 1253º CC se refere
aos casos de mera detenção: as alíneas b) e c) determinam os atos de mera tolerância em que o
detentor é considerado enquanto tal porque pretende dar a posse a outrem.
Quanto à alínea a):
O PROF. MENEZES CORDEIRO defende a teoria da causa, segundo a qual o art. 1253º/a)
determina os casos em que a lei exclui a existência de posse
Para MENEZES LEITÃO, corresponde às situações em que há um exercício de poderes sobre a
coisa aos quais o direito não reconhece tutela possessória

13
Direitos Reais

Para OLIVEIRA ASCENSÃO, que defende uma conceção objetiva da posse, vem dizer que o
sentido desse preceito é de atribuir relevância negativa à vontade, no sentido em que, por
força desse preceito temos uma situação em que a vontade do possuidor não confere a
posse, antes a retira em situações que normalmente seriam de posse.
Para JOSÉ ALBERTO VIEIRA, corresponde aos casos de constituto possessório, em que a
posse se transmite para o adquirente da coisa. Por isso a alínea a) tem uma formulação
objetivista, uma vez que a referência à intenção não serve para transformar toda a
detenção em posse. Vem ainda dizer, numa 1ª fase, que a vontade não tem valor
constitutivo da posse; quanto muito, terá um valor negativo, no sentido em que não
confere posse, mas que afasta a aplicação do regime da posse em situações que seriam de
posse.
Tanto OLIVEIRA ASCENSÃO e JOSÉ ALVERTO VIEIRA defendem que determinadas
situações de poder material não dariam lugar à posse sempre que o sujeito manifestasse
uma vontade negativa de ser possuidor, isto é, que não quisesse ser possuidor. Isto pelo
facto de a posse não dar apenas origem a direito mas também a deveres, e por isso não
ser admissível que o sujeito que tenha o poder material sobre a coisa através de um
protesto em sentido contrário, afastar a aplicação destes mesmos deveres. No limite, o
autor do furto, por muito que não queria ser possuidor, é de facto possuidor, e aplicam-
se-lhe as consequências de ser possuidor. Por outro lado, no âmbito da teoria do
negócio jurídico, o protesto em sentido contrário ao comportamento efetivo tido, não
levar à destruição e à aplicação do regime que responde ao comportamento efetivo e
material.
• O PROF. PEDRO DE ALBUQUERQUE defende que a crítica que JAV faz a MC no que
diz respeito ao 1253º/a) não tem fundamento, este preceito faz referência a
situações em que há uma degradação, por força de um determinado regime, do
controlo de facto em situações de detenção, mas também deve juntar-se a isso a
situação do constituto possessório.
Para o PROF. PEDRO DE ALBUQUERQUE, aplica-se a teoria da causa para enquadrar o 1253º/a),
para o qual ficam abrangidas as seguintes situações:
1. As situações que correspondem ao exercício do poder de facto sobre bens de domínio
publico
2. As hipóteses do art. 2096º/2 CC
3. Os casos em que se assiste ao constituto possessório em que o alienante do direito real
que transmite a sua posição passa de possuidor a mero detentor, mesmo que conserve
o controlo material sobre a coisa, e o novo possuidor é o adquirente do direito real

14
Direitos Reais

2. Âmbito da posse
Tendo em conta que o art. 1251º CC se refere ao exercício do direito de propriedade ou de
outro direito real, podemos considerar que a posse só pode ter por objeto coisas suscetíveis de
serem tuteladas por um direito real.
Segundo o art. 1302º CC, a posse só pode ter por objeto coisas corpóreas – móveis ou imóveis –
, não podendo incidir sobre coisas incorpóreas, sobre coisas fora do comércio ou sobre coisas
insuscetíveis de apropriação individual.
• Prédios rústicos e urbanos – a posse vale quanto aos respetivos limites horizontais e
verticais
• Águas – a posse vale quanto à sua massa individualizada pela sua localização
• Energia – a posse vale para quem a emite ou a conduz

2.1. Direitos abrangidos pela tutela possessória


Segundo o art. 1251º CC, a posse abrange o direito de propriedade, bem como outros direitos
reais; no entanto, nem todos os direitos reais são alvo de posse, como é o caso, p.e., da
hipoteca.
Por outro lado, no caso do exercício da posse por usufruto, o usufrutuário atuará como
detentor e possuidor da coisa: detentor em relação ao direito de propriedade e possuidor em
nome próprio em relação ao usufruto.
Quanto à superfície, esta também é suscetível de posse, que abrange o direito sobre as
construções e plantações em terreno alheio, mas também a faculdade de construir ou plantar,
que já se tenha iniciado a construção ou plantação.
Relativamente aos direitos reais de garantia, só há tutela possessória se houver alguma forma
de apreensão formal da coisa por parte do respetivo credor, caso contrário, não são suscetíveis
de posse.

2.2. Concurso de posses


Casos em que várias pessoas têm a posse sobre a mesma coisa. Neste caso, podemos distinguir
entre:
• Sobreposição de posses – quando a coisa seja possuída segundo direitos reais distintos
• Comunhão de posses – quando a coisa é possuída por várias pessoas com base no
mesmo direito ou num acordo comum
• Conflito de posses – quando existem duas posses sobre a mesma coisa

15
Direitos Reais

Na sobreposição de posses, se o proprietário da coisa constituir um usufruto, surgem 2 posses:


uma sobre a propriedade e a outra sobre o usufruto; mas se o usufrutuário exercer poderes de
facto sobre a coisa, tem a posse em relação ao usufruto.
No conflito de posses, a prioridade é dada segundo estes critérios (art. 1276º/3 CC):
1. Posse titulada sobre a posse não titulada
2. Posse mais antiga se não houver título
3. Posse atual, se as posses tiverem a mesma antiguidade

3. Classificação da posse
OLIVEIRA ASCENSÃO e CARVALHO FERNANDES distinguem a posse como categoria jurídica e
como regime:
• Como categoria jurídica, a posse é ampla, e abrange todas as situações em que são
concedidas ações possessórias.
• Enquanto regime, a posse só se aplicaria aos direitos reais de gozo
Segundo o art. 1258º CC, a posse pode ser:
• Titulada ou não titulada
• De boa ou de má-fé
• Pacífica ou violenta
• Pública ou oculta
• Causal ou formal
Classificações do PROF.
• Civil ou interdital MENEZES CORDEIRO
• Efetiva ou não efetiva

3.1. Posse titulada ou posse não titulada


O titulo equivale a um ato jurídico aquisitivo que tem de ser idóneo à aquisição, mas que, em
concreto, pode ser inválido, desde que a invalidade não seja uma invalidade formal.
A posse titulada resulta de um modo legitimo de aquisição da posse (art. 1259º CC) – ex. por
negócio jurídico, ao contrário da posse não titulada.
Para JOSÉ ALBERTO VIEIRA, o modo de aquisição legítima da posse é demonstrado
pelo modo de exteriorização do direito real (propriedade, usufruto, …) e não da
própria posse. Por outro lado, o facto que titula a posse deve ter eficácia real para
permitir a constituição ou transmissão do direito a que se refere a posse, mesmo que

16
Direitos Reais

seja substancialmente inválido (art. 1259º/1 CC), o vício de forma gera uma posse não
titulada, mesmo que haja eficácia real para a aquisição do direito de propriedade.
Imaginemos que o negócio jurídico que fundava a posse era considerado inválido, neste caso
haveria na mesma posse titulada; ou seja, há posse titulada independentemente da validade
material do negócio jurídico.
Segundo o art. 1259º/2 CC, o título não se presume, devendo este ser provado por quem o
invoca.

3.2. Posse de boa-fé e posse de má-fé


O art. 1260º/1 CC define a posse pacífica como aquela que surge se o possuidor ignorava ao
adquiri-la, que lesava o direito de outrem.
Importante é a presunção de boa-fé estabelecida a favor do possuidor titulado: havendo posse
titulada, presume-se a posse de boa-fé do possuidor. Em contrapartida, resume-se de má-fé a
posse não titulada, conforma o art. 1260º/2 CC

3.3. Posse violenta e posse pacífica


A posse violenta é aquela cuja aquisição se deveu à utilização de meios de coação física ou
moral (art. 1261º/2 CC); presume-se de má-fé, nos termos do art. 1260º/3 CC. A posse pacífica
é aquela que foi adquirida sem violência (art. 1261º/1 CC).
Segundo o PROF. MENEZES CORDEIRO, a violência requerida para podermos dizer que estamos
perante posse violenta, deve ser contra pessoa s e não contra coisas. A casuística diz-nos que a
posse violenta não advém, p.e., do uso de chave contrafeita para furtar um automóvel, ou a
ocupação de um imóvel com arrombamento de portas, desde que não estivesse ninguém em
casa.
OLIVEIRA ASCENSÃO refere a admissibilidade, nalguma jurisprudência, de coação física sobre
coisas, devido ao facto de a coação física relevante em sede de posse não ter nada a ver com a
coação física prevista no art. 246º CC. o PROF. PEDRO DE ALBUQUERQUE defende que isto não
é verdade, quando o art. 1261º/2 CC recorre a esta noção, está apenas a mencionar a violência
além da coação moral.
A posse violenta não pode ser registada (art. 1295º/2 CC) e não permite a contagem do prazo
para a usucapião (art. 1297º e 1300º/1 CC).

3.4. Posse pública e posse oculta


A posse pública é aquela que é conhecida por todos os interessados (art. 1262º CC). A posse
oculta é aquela cujo conhecimento não é possível.

17
Direitos Reais

O PROF. MENEZES CORDEIRO considera que a posse pública é definida como tal, não por
referência ao momento da sua constituição, mas antes de acordo com o modo como é
exercido. Ou seja, a posse pode passar de oculta a pública (e vice-versa), pelo modo como é
exercida; nesse sentido parece apontar o art. 1297º CC.
O PROF. PEDRO DE ALBUQUERQUE defende que uma posse totalmente oculta desde o início
do exercício dos atos materiais não é uma verdadeira posse.
O art. 1267º CC refere-se às situações de perda de posse e o nº2 refere-se à perda de posse
quando a nova posse for tomada publicamente ou ocultamente:
• Se foi tomada publicamente, e se ela se mantiver pública por mais de 1 ano, isso
significa que o antigo possuidor perde a posse, quer tenha conhecimento da nova posse,
quer não tenha (1267º/1d) e 2 CC)
• Se for tomada ocultamente, ela só origina a perda da anterior posse se for do
conhecimento do esbulhado (1267º CC)
A posse do antigo possuidor mantém-se durante 1 ano, e concorre com a posse do novo
possuidor; depois desse ano, cessa a posse do antigo possuidor e subsiste a do novo.
A posse oculta não pode ser registada (art. 1295º/2 CC) e não permite a contagem do prazo
para a usucapião (art. 1297º e 1300º/1 CC).

3.5.Posse causal e posse formal


A posse causal é aquela que é acompanhada pela titularidade do direito; a posse formal é
aquela que não é acompanhada pela titularidade do direito:
• Nos casos de posse causal, o possuidor é, em simultâneo, titular do direito em cujos
termos se processo exercício possessório (ex. o proprietário que seja possuidor tem uma
posse causal). Exige-se, então, que haja controlo pelo titular do respetivo direito de
fundo
• Nos casos de posse formal, o possuidor não tem, ou pelo menos não invoca, a
titularidade do direito de fundo.
A posse não decorre da titularidade do direito nem atribui esta atribui uma presunção de posse
sobre a coisa.

3.6. Posse civil e posse interdital


Na posse civil são atribuídos todos os efeitos possessórios sobre a coisa, incluindo a usucapião –
direitos reais de gozo. Na posse interdital são atribuídas alguma ações possessórias e alguns
efeitos possessórios, mas nunca a usucapião – direitos reais de garantia e direitos pessoais de
gozo.

18
Direitos Reais

3.7. Posse efetiva e posse não efetiva


Posse efetiva é aquele em que se tem a posse material da coisa. Na posse não efetiva, a
situação possessória resulta da lei, p.e., caso do art. 1278º/1 CC.

4. Vicissitudes da posse
4.1. Constituição da posse
4.1.1. Apossamento:
Consiste na prática de atos materiais sobre a coisa, de forma repetida e com publicidade, ou
seja, há um aproveitamento direto da coisa.
Os atos materiais devem corresponder a uma forma de apropriação da coisa:
• Nas coisas móveis, deve implicar a deslocação para a esfera de atuação do novo
possuidor
• Nas coisas imoveis, deve implicar o efetivo aproveitamento do imóvel, p.e., com a sua
habitação
Também têm de corresponder ao exercício de determinado direito sobre a coisa e devem ser
reiterados, ou seja, repetidos, uma vez que a posse pressupõe que haja uma certa duração da
relação com a coisa.

4.1.2. Tradição material ou simbólica da coisa


O conceito de tradição tem 2 vertentes:
• Vertente negativa – cedência da coisa pelo antigo possuidor
• Vertente positiva – apreensão da coisa pelo novo possuidor
Por outro lado, a tradição poderá ser:
• Material – há entrega e recebimento físicos da coisa
o Bens imóveis – deslocação do adquirente ao imóvel, que entra efetivamente nele
o Bens móveis – transporte da coisa
• Simbólica – há um acordo específico entre as partes relativo à transmissão da posse,
dispensando-se o contacto material do adquirente com a coisa

4.1.3. Constituto possessório


Por força do constituto possessório, a posse se transfere automaticamente com a simples
celebração de um negócio transmissivo do direito, e portanto com o mero consenso para a
transmissão do direito, independentemente de qualquer vontade para a transferência da

19
Direitos Reais

posse. Dizendo que, em todos os casos em que alguém celebra um contrato transmissivo de um
direito real, a posse se transmite automaticamente por mero efeito do contrato, havendo um
causa jurídica de transmissão da posse, independentemente da transmissão do controlo
material da coisa.
No âmbito do constituto possessório, JOSÉ ALBERTO VIEIRA defende que existem 3 requisitos:
1. Existência de um negócio jurídico de transmissão de um direito real de gozo
2. O facto de o transmitente do direito real ser efetivamente possuidor
3. Existência de uma causa para detenção
a. Podia constituir um contrato. Ex. o comprador celebra, ao mesmo tempo que,
realiza, um outro contrato de cv com o comprador, nos termos do qual se
constitui um direito que requer uma atuação material sobre a coisa) – a doutrina
defende que o comprador adquire a posse anterior do transmitente vendedor e
referente ao direito real transmitido, mesmo que, em cumprimento do contrato
celebrado, o alienante vendedor permanece com a coisa em seu poder. A vende
a B um pc e, ao mesmo tempo, celebra um contrato de locação por força do qual
o vendedor pode conservar o pc– ainda assim, não obstante A ter conservado a
coia em seu poder, a posse transmite-se para o adquirente, mesmo que, em
cumprimento do 2º cotrato, a coisa permanece sujeita ao controlo material do
alienante.
b. De acordo com JAV, a possibilidade de, em vez de haver 2 negócios distintos,
termos um só contrato no qual é aposto uma cláusula em que se permite ao
alienante conservar o poder material sobre a coisa. Ex. compra e venda com
reserva de usufruto, por força do qual A vende o pc a B, mas reserva para si o
usufruto do pc; nós temos aqui uma situação em que há um contrato de cv com
uma cláusula de reserva de usufruto, que justifica a transferência da posse, por
força do regime do constituto possessório, sem que haja entrega da coisa.
Todavia, JOSÉ ALBERTO VIEIRA sé Alberto Vieira e a generalidade da doutrina defendem que,
não ocorrendo uma 2ª causa justificadora, a não entrega da coisa ao adquirente do direito real
não determinaria a transferência da posse, como consequência da vontade das partes.
A causa jurídica de um constituto possessório seria uma figura que poderia levar à transferência
da posse, verificados estes 3 pressupostos. Exige como requisito da transmissão da posse uma
vontade das partes a permitirem que o alienante possuidor e que transmite possa conservar a
coisa em seu poder – sem isso, não há constituto possessório.
O PROF. PEDRO DE ALBUQUERQUE defende que nada impediria a possibilidade de o
constituto possessório funcionar sem qualquer convenção nesse sentido. A questão está
em saber se, à luz da conceção objetivista da posse, se pode considerar que o art. 1264º
estar para a posse como o art. 408º para os direitos reais. Defende que sim, porque a
tradição deixou de ser necessária para a transmissão do direito real; por isso se debateu

20
Direitos Reais

se, em virtude do mero contrato ou título, não se devia operar também a transferência
da posse.
Se o alienante for também possuidor, permitindo ao adquirente o recuso do regime da posse,
independentemente de a coisa lhe ter sido entregue; esta situação tem tido expressão em
alguma doutrina, onde aparecem manifestações de que o constituto possessório opera a mera
transmissão da posse, independentemente de qualquer vontade no sentido da transmissão da
posse ou de qualquer transferência do poder material sobre a coisa.
A ideia subjacente a este entendimento vai, todavia, normalmente na linha das
orientações subjetivistas da posse, pelo que o PROF. PEDRO DE ALBUQUERQUE rejeita
esta entendimento por defender uma conceção objetivista da posse. A questão que
devemos colocar é se a posse se pode transmitir apenas com a transmissão do direito
real, independentemente da transferência do poder de facto sobre a coisa.

4.1.4. Inversão do título da posse


Segundo o art. 1265º CC, corresponde às situações em que se passa de detenção para
verdadeira posse da coisa.
A inversão do titulo pode ocorrer por:
• Oposição do detentor contra o possuidor primitivo através de atos que contradizem a
situação de posse em nome alheio
• Verificação de um ato de terceiro capaz de transmitir a coisa, através do qual o detentor
adquire um novo título para a situação possessória
o A exigência de uma causa jurídica suficiente para a transmissão da posse é
explicada pela necessidade de substituição do titulo antigo por um novo

4.2. Manutenção da posse


Para SAVIGNY, tendo em conta que a posse é composta por um corpus e um animus, a posse
mantém-se até que um destes elementos se extinga.
A lei portuguesa adotou o entendimento de SAVIGNY: o art. 1257º/1 CC defende que a posse se
mantém enquanto durar o exercício do direito ou a possibilidade de continuar esse exercício.
• MANUEL RODRIGUES defende que não se aplica em relação aos direitos reais suscetíveis
de extinção por não uso
• ANTUNES VARELA não concorda, defendendo que enquanto não for decretada a
extinção do direito real, o titular deve continuar a beneficiar do constituto possessório
Segundo o art. 1257º/2 CC, a posse presume-se que continua na titularidade de quem a
começou.

21
Direitos Reais

4.3. Modificação da posse


Ocorre sempre que houver alteração das características da posse, o que é relevante porque,
p.e., a posse pode deixar de ser de boa-fé e passar a ser posse de má-fé, que tem um regime
diferente.

4.4. Perda da posse


Segundo o art. 1267º CC, a perda da posse pode ocorrer por:
• Abandono – o possuidor abdica da sua posse sobre a coisa
• Perda ou destruição da coisa ou a sua colocação fora do comércio – neste caso deixa de
haver controlo material sobre a coisa
• Cedência – pode resultar da tradição material ou simbólica da coisa ou então por
constituto possessório
• Posse de outrem por mais de 1 ano

5. Efeitos da posse
5.1. Direitos do possuidor
Presunção de titularidade do direito: segundo o art. 1268º CC, presume-se que o possuidor
tem a titularidade do direito, dispensando-se a prova de titularidade para exercer a posse. Mas
esta presunção não atribui a titularidade do Direito a quem tenha a posse da coisa (não vigora o
princípio de “posse vale título”).
Só não se verifica a presunção se outra pessoa tiver registado a aquisição da coisa antes do
início da posse por outra; neste caso, a presunção vale a favor de quem registou a coisa.
Direito de uso da coisa, que corresponde ao exercício da posse sobre ela. Há direito (lícito) de
uso da coisa nos casos de boa e de má-fé, já que só há responsabilidade do possuidor só ocorre
com a perda ou deterioração da coisa (art. 1269º a contrario CC); ou seja, o simples uso da
coisa não incorre o possuidor no dever de indemnizar.
Direitos aos frutos percebidos da coisa, que é atribuído ao possuidor de boa-fé, nos termos do
art. 1270º CC. O possuidor de má-fé deve restituir os frutos e responde nos termos do art.
1271º CC. Está subjacente o poder de fruição que legitima o titular de boa-fé a reclamar os
frutos pendentes e percebidos até ao momento em que souber que está a lesar o direito de
outrem.
Direito ao pagamento dos encargos da coisa, em caso de não atribuição dos frutos, que é
atribuído pelo art. 1272º CC; o titular do direito e o possuidor estão obrigados ao pagamento

22
Direitos Reais

dos encargos da coisa, no período a que respeitam esses encargos – decorrência da proibição
do enriquecimento sem causa do art. 473º CC. O possuidor de má-fé está obrigado a restituir os
frutos, mas poderá ser indemnizado pelos custos relativos à produção e colheita, desde que
não sejam superiores ao valor dos respetivos frutos (art. 215º/2 CC).
Direito ao reembolso das benfeitorias realizadas pelo possuidor da coisa, que pode ser
exercido perante o proprietário da coisa. Mas o regime pode variar consoante se trate de
benfeitorias necessárias, úteis ou voluptuárias (art. 216º CC).
• Benfeitorias necessárias – o possuidor pode sempre pedir uma indemnização pela sua
realização (art. 1273º CC)
• Benfeitorias úteis – o possuidor pode levantar as benfeitorias desde que não deteriore a
coisa; se isso não for possível, será indemnizado nos termos do enriquecimento sem
causa (art. 1273º CC)
• Benfeitorias voluptuárias – o possuidor de boa-fé pode levantar as benfeitorias sem
deteriorar a coisa; se isso não for possível, não tem direito a indemnização; o possuidor
de má-fé pede as benfeitorias, de qualquer forma (art. 1275º CC)
Direito de indemnização por esbulho da coisa, nos termos do art. 1284º CC
Aquisição da propriedade por usucapião, nos termos do art. 1287º CC

5.2. Deveres do possuidor


Responsabilidade pela perda ou deterioração da coisa, que varia consoante o possuidor esteja
de boa ou de má-fé:
• Se estiver de boa-fé, o possuidor só é responsável se tiver agido com culpa
o Segundo PROF. MENEZES CORDEIRO, CARNEIRO DA FRADA e MOTA PINTO
defendem que o art. 1269º CC limita o 894º CC, referente à obrigação de
restituição do preço. O art. 1269º CC diz que o possuidor de boa-fé responde pela
perda ou deterioração da coisa se tiver procedido com culpa. Perante isso,
grande parte da doutrina tem entendido que o possuidor de má-fé responde
independentemente de culpa (interpretação a contrario).
o Já HENRIQUE MESQUITA e o PROF. PEDRO DE ALBUQUERQUE propõem a
aplicação do art. 807º CC ao possuidor de má-fé, o que significaria que este se
poderia exonerar da sua responsabilidade, provando que os danos ocorreriam na
mesma, ainda que a coisa estivesse na posse do proprietário.
• Se estiver de má-fé, é responsável pelo risco (art. 1269º a contrario CC), como devedor
em mora (art. 807º/1 CC), já que adquiriu a posse de forma ilegítima

23
Direitos Reais

Responsabilidade pelos frutos que um proprietário diligente teria obtido, em caso de má-fé,
relativamente aos frutos que a coisa produziu até ao termo da posse, respondendo ainda pelo
valor deles (art. 1271º CC) – decorrência da proibição do enriquecimento sem causa
Obrigação de pagamento dos encargos da coisa, em caso de atribuição dos frutos, nos termos
do art. 1272º CC, desde que o possuidor esteja de boa-fé.

6. Defesa da posse
A é ameaçado na sua posse por B, que diz que se irá apropriar dos bens, mas ainda não o fez. O
que poderá A fazer? Independentemente da hipótese de esbulho violento, o possuidor pode
ser perturbado por 3 maneiras:
• O perigo de perturbação – ação de prevenção (art. 1286º CC), sendo necessário um justo
receito de perturbação
• Pela perturbação efetiva – ação de manutenção, só pode ser intentada no prazo de 1
ano a partir do momento da perturbação (art. 1282º CC)
• Pelo esbulho – ação de restituição, só pode ser intentada no prazo de 1 ano a partir do
momento do esbulho (art. 1282º CC), e não pode ser intentada contra terceiro de boa-
fé, nos termos do art. 1281º CC
A defesa da posse poderá ocorrer por:
• Ação de prevenção (art. 1276º CC)
• Ação de manutenção (art. 1278º CC)
• Ação de restituição (art. 1278º CC)
• Procedimento cautelar em caso de esbulho violento (art. 1279º CC)
• Embargo de terceiro (art. 1285º CC)
• Ação direta (art. 1277º e 336º CC) – forma de autotutela da posse
Segundo o art. 1251º CC, só quem tem a posse da coisa nos termos de um direito real é que
pode recorrer às ações possessórias; mas já não será possível relativamente, p.e., aos direitos
familiares. Por outro lado, as ações de tutela possessória não podem ser utilizadas
relativamente aos casos de mera detenção.
Relativamente à legitimidade passiva, esta encontra-se restringida ao perturbador da posse
(art. 1281º/1 CC); nos casos de esbulho, já abrange o perturbador e os seus herdeiros (art.
1281º/2 CC).
6.1. Regimes específicos
Ação de prevenção (art. 1276º CC) – encontra-se fundamentada no justo receio do possuidor
de que vai ser perturbado ou esbulhado da sua posse

24
Direitos Reais

Ações de manutenção e restituição (art. 1278º CC) – na ação de manutenção pressupõe-se a


existência de alguma perturbação da posse, o que exige um ato material que afete o direito
sobre a posse, e não um mero ato jurídico. Na ação de restituição exige-se que se tenha
consumado o esbulho da posse, em resultado de um ato material ou jurídico com o fim de
constituir uma posse própria.
Segundo o art. 1278º/1 CC, basta a demonstração da posse ou do esbulho para proceder a
ação, sendo que, neste caso, o possuidor é havido como nunca perturbado ou esbulhado (art.
1283º CC). Mas a ação torna-se supervenientemente inútil a partir do momento em que haja
decisão sobre a titularidade do direito.
Ação de restituição no caso de esbulho violento (art. 1279º CC) – pressupõe a posse (e não a
mera detenção), o esbulho e a violência – coação física e moral – para proceder (art. 377º CPC).

7. Natureza da posse
Existe uma divergência doutrinária, já que uns afirmam que a posse é um facto, outros que é
um direito e, por fim, uma posição intermédia que defende que é simultaneamente um facto e
um direito.
• Como facto (WINDSCHIED) – a posse é um facto porque, apesar de produzir efeitos
jurídicos, não decorre de um direito, mas do facto de estar vedada aos outros
coercivamente
• Como direito – é um direito porque não consiste só num poder direto e indireto sobre a
coisa, mas também atribui ao titular a faculdade de exigir dos outros a abstenção de
violação da sua posse
o Como direito real (CARVALHO FERNANDES) – é um direito real por estar inserido
no livro de Direitos Reais
o Como direito subjetivo (OLIVEIRA ASCENSÃO e o PROF. MENEZES CORDEIRO) –
não é um direito real por não ser um direito inerente à coisa; também não é um
direito relativo porque não assenta numa relação entre o titular da posse e o
titular da propriedade da coisa, mas tem mecanismos de defesa que vêm dos
direitos relativos
▪ MENEZES LEITÃO – a posse é um direito de gozo sem natureza real por
não haver ingerência na posse e porque a tutela possessória só surge
depois da atribuição do direito ao exercício da posse
• Como facto e direito (SAVIGNY) – é um facto porque é independente das regras
estabelecidas para a aquisição e perda de direitos, é um direito porque resulta da
concessão dos interditos, no caso da perturbação e do esbulho

25
Direitos Reais

III. Teoria geral dos Direitos Reais


1. Conteúdo dos direitos reais
Segundo o princípio da tipicidade (art. 1306º CC), o conteúdo dos direitos reais não está na
disponibilidade das partes, pelo que este têm de se retirar dos tipos de direitos reais
consagrados na lei.

1.1. Exclusão da posse do âmbito dos direitos reais


O PROF. MENEZES CORDEIRO insere a posse do conteúdo dos direitos reais, nomeadamente
dos direitos reais de gozo, já que o exercício de poderes materiais sobre a coisa, ou seja, o seu
gozo, exige a posse.
O MENEZES LEITÃO discorda, uma vez que, não sendo a posse um direito real, também não faz
parte do conteúdo dos direitos reais; no entanto, a posse está ligada aos direitos reais porque
resulta do exercício destes.

1.2. Conteúdo dos direitos reais de gozo


Segundo o art. 1305º CC, os direitos reais de gozo podem conferir faculdades de uso, fruição e
disposição das coisas:
• Uso – permissão de se servir dela para qualquer fim em que a coisa posse ser utilizada.
No caso da propriedade, o uso é pleno, nos termos do art. 1305º CC, podendo a coisa
ser usada para qualquer fim em que possa ser utilizada. Nos outros direitos reais de
gozo, o uso pode ser limitado pelo destino económico atribuído à coisa (art. 1446º CC),
pelas necessidades do titular (art. 1484º CC) ou por uma utilidade específica, suscetível
de ser gozada por intermédio de um prédio (art. 1544º CC)
• Fruição – permissão de retirar dela os rendimentos que ela possa proporcionar
periodicamente, sem prejuízo da sua substância.
o Fruição natural, quando se refira aos frutos naturais das coisas; ou fruição civil,
consoante abranja as rendas ou interesses que a coisa produz em virtude de uma
relação jurídica
o Mas a fruição não é essencial ao conteúdo dos direitos reais de gozo, uma vez
que nem todas as coisas são suscetíveis de produzir frutos
o Quem obtiver frutos a partir das coisas está a exercer um direito real sobre estes;
então, adquire a posse da coisa, podendo adquiri-la por usucapião se não for
titular do direito.
• Disposição – abrange os poderes de consumo, transformação, alienação, deterioração
ou destruição da coisa. Em princípio, só o proprietário tem poderes de disposição
integrais sobre a coisa, limitando-se a disposição nos outros direitos reais à alienação ou

26
Direitos Reais

renúncia do direito, quando estas sejam permitida, e em certos casos, à sua


transformação.

1.3. Conteúdo dos direitos reais de garantia


Os direitos reais de garantia atribuem ao seu titular a preferência na satisfação de um direito de
crédito que se confronta com outros credores, sobre determinada coisa. O titular tem as
seguintes faculdades:
 Executar a coisa, em caso de incumprimento do seu crédito
 Reclamar o pagamento à frente dos restantes credores do devedor pelo produto da
venda da coisa sobre que incide o seu direito.
Os direitos reais de garantia são acessórios em relação ao crédito, extinguindo-se se o crédito
se extinguir (art. 730º/ a), 664º, 667º e 761º CC).

2. Limitações aos direitos reais


2.1. A limitação da propriedade pela sua função social
No Direito Romano, havia uma ideia de que a propriedade tinha um caráter ilimitado, não
havendo limites à propriedade vertical nem ao seu exercício. No entanto, esta ideia foi afastada
pela doutrina do abuso de direito.
O art. 334º CC considera ilegítimo o abuso do direito em contrariedade com o seu fim
socioeconómico, pelo que não será permitido o exercício do direito de propriedade em termos
manifestamente contrários ao sistema jurídico.

2.2. As limitações de Direito Público


1. Expropriação (art. 62º/2 CRP) – consiste na subtração de um bem imóvel ao seu
proprietário; distingue-se entre expropriação por utilidade pública ou particular,
consoante o interesse que esta visa servir (art. 1310º CC)
2. Requisição: corresponde ao ato administrativo pelo qual um órgão competente impõe a
um particular, mediante indemnização, a obrigação de prestar serviços, ceder coisas
móveis ou imóveis, e consentir na utilização temporária de quaisquer bens que sejam
necessários à realização do interesse público
3. Nacionalização e coletivização: a nacionalização e a coletivização constituem formas de
apropriação pública dos bens com base na lei
4. Confisco: consiste na apropriação pelo Estado de bens privados, sem pagamento de
qualquer indemnização.

27
Direitos Reais

5. Servidões administrativas: consiste no aproveitamento de utilidades de determinado


prédio em benefício de outra entidade, pública ou privada, por razões de interesse
público

2.3. As limitações de Direito Privado


1. Relações de vizinhança: estabelecem limitações ao exercício dos direitos reais sobre os
prédios, em benefício do titular do direito real sobre prédio vizinho. Podem
corresponder a deveres negativos ou positivos
2. Deveres de abstenção de certas condutas:
a. Dever de abstenção de emissões (art. 1346º CC)
b. Proibição de perturbar o escoamento natural das águas (art. 1351º CC)
c. Limitações impostas às construções e edificações:
i. Devassa do prédio vizinho (art. 1360º/1 CC)
ii. Gotejamento sobre o prédio vizinho (art. 1365º/1 CC)
d. Limitações impostas às plantações de árvores e arbustos (art. 1366º/1 CC)
3. Deveres de tolerar o exercício de poderes sobre o prédio: p.e., dever de permitir a
passagem momentânea, quando esta se torne necessária por algum motivo
4. Deveres de prevenção do perigo para o prédio vizinho:
a. Dever de evitar efeitos nocivos resultantes de obras, instalações ou depósitos de
substâncias corrosivas ou perigosas (art. 1347º CC)
b. Dever de evitar a ruína de edifícios ou outras construções proprietário está
naturalmente obrigado a evitar a ruína dos seus edifícios ou outras construções.
5. Deveres de participar em atividades de interesse comum
a. Dever de concorrer para a demarcação dos prédios (art. 1353º CC)
b. Deveres relativos às paredes e muros de meação (art. 1370º/1 CC), presumindo-
se a comunhão (presunção ilidível)

3. Contitularidade de direitos reais


3.1. Compropriedade
Segundo o art. 1403º/1 CC, existe compropriedade quando duas ou mais pessoas são
simultaneamente titulares do direito de propriedade sobre a mesma coisa, ou seja, sempre que
a propriedade seja atribuída a mais do que um titular.
A compropriedade pode ser constituída por:
 Negócio jurídico
 Facto jurídico não negocial

28
Direitos Reais

o Usucapião: sempre que ela seja invocada após uma situação de composse em
relação à coisa
o Ocupação: sempre que várias pessoas procedam em conjunto a esse ato
o Achamento: é imposta a compropriedade no achamento de tesouros, em virtude
da atribuição da compropriedade no achamento de tesouros, em virtude da
atribuição de metade do achado ao proprietário da coisa (art. 1325º CC)
o Acessão: a lei prevê a atribuição da compropriedade, a desfazer através da
licitação, em certos casos de acessão industrial (artigos 1333.º, n.º2, 1335.º, n.º3
e 1340.º, n.º2 CC)
o Sentença judicial: quando esta seja solicitada em relação às paredes e muros de
meação, nos termos do art. 1370º CC
o Disposição da lei: presunções de comunhão (art. 1358º/1, 1359º/2, 1368º e
1371º CC)

3.1.1. Poderes dos comproprietários


Segundo o art. 1406º CC, os poderes dos comproprietários abrangem:
a) O uso da coisa comum, sendo que na falta de acordo sobre a utilização da coisa comum,
qualquer um dos comproprietários se pode servir dela, com 2 limites:
a. O comproprietário não pode usar a coisa para fim diverso daquele a que ela se
destina
b. Não pode privar os outros consortes do uso a que igualmente têm direito
b) A reivindicação da coisa comum de terceiro, solicitando o reconhecimento da
compropriedade e consequente restituição da coisa, se esta estiver na posse ou
detenção de terceiro (art. 1311º CC).
c) A alienação ou oneração da coisa (art. 1408º CC), uma vez que cada comproprietário
pode livremente dispor de toda a sua quota na comunhão; no entanto, não tem nenhum
direito exclusivo sobre a coisa, pelo que não pode aliená-la nem onerá-la sem o acordo
dos outros consortes, que é havida como alienação de coisa alheia
d) O direito de preferência (art. 1409º CC) na venda ou dação em cumprimento da quota do
seu consorte, de modo a evitar que terceiros se intrometam na titularidade do direito
sobre a coisa.
e) O poder de exigir a divisão da coisa comum (art. 1412º CC), sendo que nenhum dos
comproprietários é obrigado a permanecer na indivisão, a menos que haja uma cláusula
de indivisão que deve ser registada se a compropriedade respeitar a coisas imóveis ou a
coisas móveis sujeitas a registo.

29
Direitos Reais

3.1.2. Obrigações dos comproprietários


1. A participação nos encargos da coisa (art. 1405º/1 CC) na proporção das suas quotas,
devendo ainda contribuir para as despesas necessárias à conservação ou fruição da coisa
comum – regra: repartem-se os encargos da coisa por todos os comproprietários na
medida proporcional às suas quotas.
2. A administração da coisa comum (art. 1407º CC), que abrange os atos de fruição da
coisa comum, a sua conservação ou beneficiação e ainda os atos de alienação de frutos;
remete-se para a administração da sociedade civil do art. 985º CC:
a. Administração disjuntiva (art. 985º CC): os poderes de administração
concentram-se todos em cada um dos comproprietários, que podem praticar,
individualmente, todos os atos de administração, sem consentimento dos outros.
b. Administração conjunta e maioritária: a realização de atos de administração
necessita do consenso de todos os comproprietários ou uma deliberação da
maioria
3. A disposição da coisa comum, que compreende a alienação ou oneração da coisa (art.
1408º/2 CC), ou a sua transformação ou destruição.
4. A extinção da compropriedade, sempre que cessar a situação de contitularidade do
direito em relação à coisa, que pode resultar ou da aquisição da propriedade sobre toda
a coisa, ou da divisão da coisa em frações

3.1.3. A natureza jurídica da compropriedade


Existem 4 teorias:
1. Teoria do direito sobre quotas (GUILHERME MOREIRA e MOTA PINTO): para cada
comproprietário existe um direito a uma quota ideal ou intelectual do objeto da
propriedade, o que explica a possibilidade de alienação separada dessa quota, bem
como o direito de requerer a divisão da coisa comum.
2. Teoria da pluralidade de direitos sobre a mesma coisa (OLIVEIRA ASCENSÃO, PROF.
MENEZES CORDEIRO e JOSÉ ALBERTO VIEIRA): na compropriedade existe uma
pluralidade de direitos que recaem sobre a mesma coisa, o que determina uma
limitação mútua ao respetivo exercício
a. Segundo MENEZES LEITÃO, esta teoria confunde as situações de contitularidade
de direitos com as do concurso de direitos; para além disso, não explica o facto
de a maior parte dos poderes atribuídos aos consortes dever ser exercida
conjuntamente.
3. Teoria do direito único como pluralidade de titulares (PIRES DE LIMA e ANTUNES
VARELA): as quotas referem-se a partes do direito e não a partes ideais da coisa.
4. Teoria da compropriedade como pessoa coletiva: na compropriedade existe uma pessoa
coletiva, o que seria comprovado pela existência de uma relação de administração e

30
Direitos Reais

pelas regras relativas à formação da vontade coletiva; sendo que o direito real pertence
à coletividade dos consortes
a. No entanto, esta teoria não faz sentido, porque a lei não personifica a
compropriedade, e por isso não pode ser considerada enquanto pessoa coletiva.

4. Constituição dos direitos reais


4.1. Por negócio jurídico
A constituição de direitos reais por negócio jurídico encontra-se prevista:
 Direitos reais de gozo: usufruto (art. 1440º CC), uso e habitação (art. 1485º CC)
 Direitos reais de garantia: consignação de rendimentos (art. 658º/2 CC), penhor (art.
667º CC) e hipoteca (art. 712º CC)
 Direitos reais de aquisição: contrato-promessa com eficácia real (art. 413º CC), pacto de
preferência com eficácia real (art. 421º CC)
Pelo princípio da tipicidade dos direitos reais, novos direitos reais não podem ser criados por
negócio jurídico, só aqueles que se encontrem legalmente previstos.

4.2. Por lei


Os direitos reais podem ser constituídos por lei, como é o caso dos privilégios creditórios (art.
733º e ss. CC) ou da hipoteca legal (art. 704º e ss. CC).

4.3. Por sentença judicial


Esta forma de constituição de direitos reais encontra-se prevista nos direitos reais de garantia:
consignação de rendimentos (art. 658º CC), hipoteca judicial (art. 710º e ss. CC); ou para os
direitos reais de gozo em relação à propriedade horizontal (art. 1417º/2 CC) e às servidões
legais (art. 1547º/2 CC).

4.4. Usucapião
Segundo o PROF. PEDRO DE ALBUQUERQUE, a usucapião corresponde à constituição facultada
ao possuidor do direito real correspondente à sua posse, deste de que esta tenha determinadas
características e se mantenha por determinado lapso de tempo. (art. 1287º e ss. CC).
A usucapião assenta em determinados pressupostos:
• A posse deve ser púbica e pacífica (art. 1297º e 1300º/1 CC)

31
Direitos Reais

• Deve referir-se a um direito suscetível de ser adquirido por usucapião, e especialmente


direitos reais de gozo. O locatário que é possuidor não pode invocar a usucapião, uma
vez que o seu direito não corresponde a um direito real de gozo, mas sim a um direito
pessoal de gozo
• A posse deve se mantida durante um determinado período de tempo, consoante o tipo
de posse
o Os prazos de usucapião de imóveis podem ser de 5, 10, 15 e 20 anos, consoante
as características da posse e a existência ou não do título de aquisição da
propriedade ou da posse (arts. 1294º e 1296º CC). Se for uma usucapião invocada
contra o Estado, os prazos aumentam em 50%
A usucapião é uma forma de aquisição originária de direitos, o que significa que cessam todos
os encargos anteriores à usucapião: se houver uma hipoteca, esta extingue-se, a não ser que no
exercício da sua posse, o possuidor que invoca tenha reconhecido a existência dessa hipoteca.
Por outro lado, sobrepõe-se ao registo.

4.4.1. Capacidade para a usucapião


Segundo o art. 1289º CC, a usucapião exige a capacidade de gozo de direitos; sendo que esta
aproveita a todos os que podem adquirir.
Por outro lado, os incapazes podem adquirir por usucapião, tanto por si como por intermédio
das pessoas que legalmente os representem.

4.4.2. Direitos que podem ser objeto da usucapião


A usucapião só pode abranger coisas objeto de direitos privadas, móveis ou imóveis. Deste
modo, as coisas fora do comércio e os bens integrantes do domínio público estão
naturalmente excluídas da usucapião.
O art. 1287º CC restringe a usucapião aos direitos reais de gozo, excluindo-se os direitos de uso
e habituação (art. 1293º CC), uma vez que há uma necessidade de restringir a sua constituição,
em virtude da limitação dos seus conteúdos e do facto de em termos práticos ser difícil a sua
distinção do usufruto.

4.4.3. Requisitos da usucapião


Segundo o art. 1287º CC, a usucapião exige a posse da coisa nos termos de um direito real de
gozo, o que exclui a detenção. Esta posse deve ser pública e pacífica.
Por outro lado, exige-se a inversão do título da posse, só se iniciando o respetivo prazo a partir
da inversão do título.

32
Direitos Reais

4.4.4. Prazos da usucapião


Os prazos para a usucapião variam consoante se trate de:
• Coisas imóveis: a usucapião ocorre nos seguintes prazos:
o 5 anos, no caso de existir registo da mera posse e boa fé (art. 1295º/1 a) CC)
o 10 anos, no caso de:
▪ Existir registo da mera posse, nos termos acima referidos e má fé (art.
1295º/1 b) CC)
▪ Existir título de aquisição e registo deste e boa fé (art. 1294º/a) CC)
o 15 anos, no caso de:
▪ Existir título de aquisição e registo deste, mas a posse ser de má fé (art.
1294º/b) CC)
▪ Não existindo título de aquisição nem registo deste, mas a posse ser de
boa fé (art. 1296º CC)
o 20 anos, no caso de não existir título de aquisição nem registo deste e a posse ser
de má fé (art. 1296º CC)
• Coisas móveis
o Sujeitas a registo:
▪ 2 anos no caso de existir título de aquisição e registo deste, havendo boa
fé (art. 1298º/a) CC)
▪ 4 anos, nas mesmas condições, mas havendo má fé (art. 1298º/a) CC)
▪ 10 anos, não havendo registo, independentemente do título ou da boa fé
(art. 1298º/b) CC)
o Não sujeitas a registo:
▪ 3 anos, havendo justo título e boa fé (art. 1299º CC)
▪ 6 anos, independentemente da boa fé ou do título (art. 1299º CC)
Relativamente à posse oculta ou violenta, não há usucapião; mas, p.e., se a coisa for
transmitida para um terceiro antes da extinção da violência, o terceiro pode vir a adquirir
direitos sobre essa coisa passados 4 anos (se a posse for titulada), ou 7 anos (se não for
titulada) – art. 1300º/2 CC.
Relativamente à contagem dos prazos, o art. 1292º CC determina a aplicação das regras sobre a
suspensão e interrupção da prescrição. Assim, o prazo suspende-se nos casos do art. 318º e ss.
CC e interrompe-se nos casos do art. 323º e ss. CC.

4.4.5. Invocação da usucapião


Segundo o art. 1292º CC, a usucapião só é eficaz se for invocada; com isso, os seus efeitos
retroagem ao início da posse (art. 1288º CC).

33
Direitos Reais

Segundo o art. 300º CC, são nulos todos os negócios jurídicos que visem modificar os prazos
legais da usucapião ou a facilitar ou dificultar as condições em que a prescrição opera os seus
efeitos.
A usucapião tem que ser invocada, judicial ou extrajudicialmente, por aquele a quem aproveita,
pelo seu representante ou, tratando-se de incapaz, pelo MP (art. 303º por remissão do 1292º
CC). Mas pode ser invocada pelos credores e por terceiros com legítimo interesse da sua
declaração, ainda que o possuidor a ela tenha renunciado.

4.5. Acessão
A acessão da posse é um instituto pelo qual, para efeito de usucapião, o possuidor pode juntar
a sua posse à do anterior possuidor. Está prevista no art. 1326º CC, sendo que a transferência
da posse, há de ter de se operar designadamente por tradição ou constituto possessório. Além
disso, essa mesma tradição terá de assentar num titulo abstratamente idóneo para a
transmissão da posse.
Ex. A era possuidor de má-fé, há cerca de 13 anos, de um imóvel que transmite a B, de boa-fé.
Passado 1 ano da tradição C, antigo proprietário, exige através de uma ação de reivindicação a
devolução do bem; B, alegando a sua posse de boa-fé e o titulo aquisitivo da propriedade,
invoca a usucapião contra C através da acessão da sua posse com a posse de A.
Havendo diferenças nas características entre a posse do possuidor e do seu antecessor,
a acessão só opera no âmbito daquela que for melhor. Portanto, como a posse do
anterior possuidor é uma posse de má-fé se faltar o registo, não pode ser alegada por
usucapião.
No entanto, a acessão não é restrita à aquisição da propriedade, podendo ser adquiridos outros
direitos reais, p.e., usufruto (art. 1417º/2 CC) e da hipoteca (art. 691º/1 b) CC).

4.5.1. Classificações da acessão


Segundo o art. 1326º CC, a acessão pode ser:
• Natural – resulta exclusivamente das forças da natureza e industrial, juntando objetos
pertencentes a diferentes donos (união ou confusão) ou aplicando o trabalho próprio
em matéria pertencente a outrem (especificação)
• Industrial
o Acessão industrial mobiliária – respeita apenas a coisas móveis
o Acessão industrial imobiliária – envolve também um bem imóvel

4.5.1.1. A acessão natural

34
Direitos Reais

Segundo o art. 1327º CC, a regra geral é a de que pertence ao dono da coisa tudo o que a esta
acrescer por efeito da natureza, ocorrendo assim uma extensão automática do direito real em
relação a tudo o que acrescer à coisa em virtude de fenómenos naturais.
A lei regula especialmente a acessão natural em resultado da força das águas, distinguindo as
situações de:
1. Aluvião (art. 1328º CC): atribui-se aos donos dos prédios confinantes quaisquer
correntes de água de tudo o que por ação das águas se lhes unir ou nelas for
depositado, sucessiva e impercetivelmente. O mesmo acontece quando, p.e., um
terreno for deslocado por ação das águas
2. Avulsão (art. 1329º CC)
a. Mudança de leito da corrente (art. 1330º CC)
b. Formação de ilhas e mouchões (art. 1331º CC)
c. Formação de lagos e lagoas (art. 1332º CC)
O regime da aluvião e da avulsão é aplicável com as necessárias adaptações à formação de ilhas
e mouchões na corrente de água, pertencendo estas ao dono da parte do leito ocupado (art.
1331º/1 CC).
Pelo contrário, se houver mudança de leito da corrente, o art. 1330º/1 CC determina que se a
corrente mudar de direção, os proprietários do leito antigo conservam o direito que tinham
sobre ele, e o dono do prédio invadido conserva igualmente a propriedade do terreno ocupado
pela corrente.

4.5.1.2. A acessão industrial


A acessão industrial mobiliária pode ocorrer por:
 União: quando há junção de dois ou mais objetos num novo, não sendo possível a sua
separação sem detrimento da coisa
 Confusão: quando há uma reunião de objetos, perdendo por isso a sua individualidade
 Especificação: quando alguém modifica com o seu trabalho alguma coisa que pertence a
outrem
o Se a união ou confusão forem realizadas voluntariamente e ocorrer má fé do seu
autor, deve o autor restituir o valor da coisa e indemnizar o seu dono segundo as
regras do enriquecimento sem causa (art. 1334º/5 CC).
Relativamente acessão industrial imobiliária, verifica-se a aquisição da propriedade sobre coisas
em virtude da realização de obras, sementeiras ou plantações num imóvel, podendo essa
aquisição ocorrer quer em relação ao imóvel, quer em relação aos materiais, sementeiras ou
plantas utilizados:
 Em caso de realização de obra, sementeira ou plantação em terreno próprio com
materiais, sementes ou plantas alheias: a lei permite a aquisição pelo autor da

35
Direitos Reais

incorporação dos materiais, sementes ou plantas utilizados, desde que pague o


respetivo valor, além da indemnização a que haja lugar (art. 1339º CC)
 Caso sejam realizadas obras, sementeiras ou plantações em terreno alheio com
materiais, sementes ou plantas próprias: haverá que distinguir se o autor da
incorporação estava de boa ou má fé
 Caso sejam realizadas obras, sementeiras ou plantações em terreno alheio com
materiais, sementes ou plantas alheias: a lei atribui antes ao dono dos materiais,
sementes, ou plantas os direitos que o art. 1340º CC reconhece ao autor da
incorporação, quer este esteja de boa, quer de má fé (art. 1342º/1 CC).

5. Transmissão dos direitos reais


O direito constitucional de propriedade privada (art. 62º/1 CRP) estende-se aos direitos reais,
relativamente à sua transmissibilidade por ato inter vivos, quer mortis causa.
No âmbito dos direitos reais, a transmissibilidade por morte é a regra, com algumas exceções
em que os direitos reais são vitalícios – p.e., o usufruto (art. 1476º/1 a) CC), e o uso e habitação
(art. 1490º CC).
Em relação à transmissibilidade inter vivos, a regra geral é a alienabilidade dos direitos reais,
segundo os princípios da consensualidade e da causalidade:
• Princípio da consensualidade – os direitos reais são transmissíveis apenas através do
contrato, sem necessidade de realização de qualquer outro ato, como a tradição ou o
registo (art. 408º CC)
• Princípio da causalidade – a transmissão do direito real depende da validade do negócio
transmissivo pelo que, no caso de este ser inválido, a transmissão do direito real não
chega a ocorrer
Tem-se discutido a possibilidade de as partes estabelecerem proibições de transmissão dos
direitos reais por via negocial, através das cláusulas de inalienabilidade que, pelo princípio da
tipicidade, só poderão ter eficácia real se estiverem incluídas no tipo legal do direito em causa.
Se isso não acontecer, as cláusulas de inalienabilidade contrariam contra o princípio da
tipicidade dos direitos reais, pelo que apenas são admissíveis com eficácia meramente
obrigacional (art. 1306º/1 CC).
Neste caso, a transmissão em violação dessas cláusulas não é nula, mas o transmitente
fica na obrigação de indemnizar a outra parte (art. 798º CC); mas há um caso em que a
cláusula de inalienabilidade é nula, mesmo que com eficácia meramente obrigacional,
que é o caso da hipoteca (art. 695º CC).

36
Direitos Reais

5.1. Contratos reais


A constituição de contratos reais (negócios de disposição de direitos reais) inclui-se no âmbito
do princípio da autonomia privada, mas pressupõe que o direito real que esteja na base do
contrato esteja na titularidade do disponente.
Estes contratos são, em princípio, consensuais, já que a transmissão dos direitos reais ocorre
por mero efeito do contrato (art. 408º/1 CC), não necessitando de um ato posterior, como a
tradição ou o registo.
Mas há casos em que a lei prevê contratos reais quoad constitutionem, que carecem de
tradição da coisa para se constituírem – p.e., penhor de coisas (art. 669º/1 CC).
Em princípio, são contratos não formais, estando abrangidos pelo princípio da liberdade de
forma, se tiverem por base coisas móveis (art. 219º CC). Mas se incidirem sobre coisas imóveis,
deverão ser celebrados por escritura pública ou documento particular autenticado.

6. Modificação dos direitos reais


Num primeiro plano, os direitos reais podem-se modificar por:
 Alteração no seu objeto, o que afeta o direito que incide sobre a coisa, uma vez que se
altera a relação de inerência do direito à coisa
 Alteração do seu conteúdo – o objeto mantém-se mas o conteúdo do direito é alterado,
uma vez que se alteraram as faculdades atribuídas ao seu titular

6.1. Alteração no seu objeto


Poderão ocorrer, p.e., em virtude de benfeitorias (art. 1273º e 1275º CC), de divisão da coisa
comum (art. 1412º e 1413º CC), de perda parcial da coisa (art. 1478º/1 CC).

6.2. Alterações no conteúdo


Podem ocorrer por modificação do título constitutivo ou da constituição de direitos reais
menores, como o usufruto (art. 1445º CC).

37
Direitos Reais

7. Defesa dos direitos reais


7.1. Ação de reivindicação (art. 1311º e ss. CC)
A legitimidade ativa pertence ao titular de um direito que atribua a posse da coisa, mas que não
a tenha. A legitimidade passiva pertence a quem seja possuidor ou detentor da coisa, mas não
seja titular do correspondente direito real.
Segundo o art. 1311º/1 CC, o proprietário pode exigir o reconhecimento do seu direito de
propriedade e, consequentemente, a restituição do que lhe pertence. Portanto, a ação de
reivindicação baseia-se em 2 pedidos:
1. Reconhecimento do direito real – deve ser feita a prova de titularidade do direito real
através da demonstração de uma aquisição originária do direito por parte do autor ou
do anterior titular do direito
2. Restituição da coisa, que só pode ser negada nos casos previstos na lei, p.e., se o
possuidor ou detentor tiver um direito real que limite essa posse ou detenção
Segundo o art. 1313º CC, a ação de reivindicação é imprescritível, podendo ser instaurada a
todo o tempo.

7.2. Ação negatória


Ação instaurada pelo proprietário contra quem invoca ter um direito real sobre um bem que
não é seu, ordenando a obtenção de uma declaração de inexistência desse direito

7.3. Ação de demarcação


É utilizada especialmente para estabelecer os limites entre prédios no âmbito das relações de
vizinhança (art. 1353º e ss. CC).
O tribunal deverá decidir a ação em conformidade com os títulos de cada uma das partes; na
falta de títulos suficientes, a demarcação é feita tendo em conta a posse. Se mesmo assim não
for possível a demarcação, esta deverá ser feita distribuindo o terreno em partes iguais (art.
1354º/2 CC).

8. Extinção dos direitos reais


8.1. Expropriação por utilidade pública
Encontra-se prevista em relação à propriedade (art. 1308º CC) e ao usufruto (art. 1480º/2 CC).

38
Direitos Reais

O facto constitutivo da relação jurídica de expropriação pública é a declaração de utilidade


pública, que que não determina logo a perda da propriedade
A aquisição da propriedade por expropriação só ocorre com a decisão judicial
adjudicação da posse e propriedade ou com a formalização do acordo por escritura
pública.

8.2. Perda da coisa


Pelo principio da inerência, a partir do momento em que se extingue a coisa, extingue-se o
direito real inerente a essa coisa.
A perda da coisa tem de ser total; se a perda for parcial, não há perda da coisa, apenas
modificação do objeto.
A perda da coisa poderá ocorrer por desaparecimento ou destruição da coisa; se houver mera
deterioração, não há perda e o direito mantém-se, mesmo que isso implique uma
desvalorização da coisa ou perca aptidão para o fim que visava.

8.3. Impossibilidade de exercício do direito


A impossibilidade de exercício é considerada uma forma extintiva de direitos reais, uma vez
que, se o direito real surge para ser exercido pelo seu titular, então a partir do momento em
que este não o consegue exercer, deixa de haver fundamento para a sua existência.
Apesar de apenas estar previsto para o direito de superfície no art. 1536º/ 1e) CC, este preceito
deve ser aplicado a todos os direitos reais, salvo servidões.
A impossibilidade de exercício deve ser definitiva, já que se for apenas temporária, constitui-se
uma suspensão do direito.

8.4. Abandono
O abandono pressupõe um ato jurídico voluntário do titular, que visa a cessação voluntária da
relação material com a coisa e, como tal, a extinção da propriedade.
O abandono não é um negócio jurídico, uma vez que carece de liberdade de estipulação.
Só está previsto como forma de extinção da posse, nos termos do art. 1267º/1 a) CC.

8.5. Renúncia
Pode-se distinguir entre:

39
Direitos Reais

1. Renúncia abdicativa – resulta de um negócio jurídico dirigido apenas à extinção do


direito real, sem que haja qualquer contrapartida para o titular
Encontra-se prevista em relação a alguns direitos reais de gozo menores, como o
usufruto (art. 1476º/1e) CC), e a todos os direitos reais de garantia, como a hipoteca
(art. 730º/d) CC)
2. Renúncia liberatória – normalmente resulta de um ato unilateral que exonera o titular
de algumas obrigações propter rem
Encontra-se prevista nos casos de compropriedade (art. 1411º CC) ou de uso e
habitação (art. 1485º CC)

8.6. Prescrição
A prescrição não se aplica aos direitos reais de gozo, uma vez que estes, nos termos do art.
298º/3 CC, estão sujeitos a uma causa de extinção própria que é o não uso, e que segue as
regras da caducidade.
Mas aplica-se em alguns direitos reais de garantia, como a hipoteca (art. 730º/b) CC ou o direito
de retenção (art. 761º CC). O mesmo já não acontece com a consignação em rendimento ou ao
penhor, situações em que a lei dispõe que não se podem extinguir por prescrição (art. 664º e
677º CC, respetivamente).

8.7. Caducidade
Corresponde aos casos em que se extingue um direito em virtude da superveniência de um
facto jurídico stricto sensu, como o decurso do tempo ou a morte.
Aplica-se relativamente aos direitos reais temporários, p.e., o usufruto (art. 1476º/1ª) CC) ou o
uso e habitação (art. 1485º CC); que se extinguem quando se extinguir o prazo de caducidade –
todos os direitos reais temporários se extinguem por caducidade.

8.8. Não uso


Segundo o art. 298º/3 CC, os direitos reais de propriedade, usufruto, uso e habitação não se
extinguem por prescrição, mas por não uso. Serão aplicáveis, salvo disposição em contrário, as
regras da caducidade.
Baseia-se na inércia do titular do direito em relação ao exercício das faculdades integrantes.

40
Direitos Reais

8.9. Confusão
Ocorre nos casos em que, na mesma pessoa, se concentra a figura do titular de um direito real
maior e do titular de um direito real menor; ou seja, o titular tem, simultaneamente, um direito
real maior e vários direitos reais menores que, por natureza, integram o direito real maior – o
que não justifica essa distinção.

8.10. Usucapião
Consiste na situação em que o titular do direito real maior consegue, por oposição ao direito
real menor, a liberação deste o qual lhe estava onerado.
Apesar de apenas estar previsto em relação às servidões prediais (art. 1547º CC), a doutrina
tem considerado que é uma forma de extinção dos direitos reais menores, em geral – isto
porque haveria liberação na mesma se o direito real menor fosse adquirido por um terceiro,
por usucapião.
Segundo o art. 1574º CC, a usucapião não constitui uma forma de aquisição da liberdade da
coisa por usucapião, porque a liberdade não é um bem que se adquire; mas sim uma forma de
extinção dos direitos reais menores.
Requisitos da usucapião:
1. Oposição ao exercício do direito real menor por parte do titular do direito real maior, ou
seja, que haja um desapossamento do direito real menor, passando o direito real maior
a impedir o exercício deste
2. Decurso do prazo legal para a usucapião (art. 1294º e ss. e 1298º e ss. CC)
o O prazo legal só se começa a contar a partir do momento da oposição, nos
termos do art. 1574º/2 CC
3. Invocação pelo beneficiário, nos termos da prescrição
Se estiverem preenchidos os pressupostos, a usucapião implica a extinção do direito real
menor, que ocorre a partir do momento da oposição (art. 1288ºe 1317º/c) CC).

8.11. Constituição de um direito real incompatível


Poderá ocorrer nos casos da usucapião (art. 1287º e ss. CC) – faz extinguir todos os direitos que
incidam sobre a coisa, retroagindo os seus efeitos ao início da posse – ou da aquisição tabular.

41
Direitos Reais

9. Publicidade dos direitos reais


9.1. Registo predial
O registo predial visa dotar de publicidade de direitos reais sobre prédios, para que qualquer
interessado conheça da existência e titularidade dos mesmos. O registo tem por objeto um ato
de inscrição registal, que é um facto e não um direito (art. 2º CRPr).
Os atos de registo poderão ser 3:
1. Descrição predial: tem por fim a identificação física, económica e fiscal dos prédios (art.
79º/1 CRPr) – localização física do prédio, onde se situa, qual a sua área, a sua
conformação (rústico, urbano ou misto), o seu valor patrimonial constante da matriz
(art. 80º/1 CRPr)
2. Inscrição: visa definir a situação jurídica dos prédios, mediante extrato dos factos a ela
referentes (art. 91º CRPr). A inscrição reporta-se aos factos sujeitos a registo segundo o
disposto nos art. 2º e 3º CRPr, e pode ser:
a. Definitiva: constitui o registo final do facto
b. Provisória: tem lugar quando o facto a registar é insuficiente para produzir a
alteração da situação jurídica do prédio
3. Averbamento (art. 88º/1 e 100º/1 CRPr).

9.2. Princípios do registo predial


Princípios da instância:
Pelo princípio da instância, o registo predial só se faz a requerimento dos interessados, salvo os
casos de oficiosidade previstos na lei, que estão previstos no art. 14º CRPr.

Princípio da obrigatoriedade:
O registo é obrigatório nos casos previsto no art. 8º-A CRPr:
a) Os factos referidos no art. 2º CRPr
b) As ações, decisões e providências referidas no art. 3º CRPr
Há, no entanto, algumas exceções em relação à obrigatoriedade do registo: não é obrigatório
registar aqueles que sejam provisórios por natureza (art. 92º/1 CRPr) nem das ações de
impugnação pauliana, dos arrestos, arrolamentos ou providências que afetem a livre disposição
dos bens (art. 8º-A/1 b) in fine CRPr).
Segundo o art. art. 8º-B/1 e 3 CRPr, a obrigação de registo incide sobre as entidades que
celebrem escritura pública, autentiquem os documentos particulares ou reconheçam as
assinaturas neles apostas. Mas essa obrigação cessa no caso de o registo já se encontrar
promovido por outra entidade com legitimidade para o efeito (art. 8º-B/5 CRPr).

42
Direitos Reais

O prazo para o cumprimento da obrigação de registo é de 2 meses a contar da data em que os


factos tiverem sido titulados (art. 8º-C/1 CRPr).
Em relação às ações referidas no art. 3º/1 a) e b) CRPr, que estão sujeitas a registo
obrigatório, este deve ser pedido no prazo de 10 dias após a data da audiência de
julgamento (art. 8º-C/2 CRPr), devendo o registo das respetivas decisões finais ser
pedido no prazo de um mês a contar da data do respetivo trânsito em julgado (art. 8º-
C/3 CRPr).
O registo das providências cautelares decretadas nos termos do art. 3º/1 d) CRPr, deve
ser pedido no prazo de um mês a contar da data em que os factos tiverem sido titulados
(art. 8º-C/4 CRPr).

Princípio da legalidade:
Segundo o princípio da legalidade, o registo encontra-se subordinado ao conservador (art. 68º
CRPr). O conservador deve averiguar a viabilidade do pedido do registo, podendo recusá-lo ou
realizá-lo como provisório se estiver com dúvidas (arts. 70º e 71º CRPr). Deverá determinar a
identidade do prédio, a legitimidade dos interessados, a regularidade formal dos títulos e a
validade dos atos nele contidos.
O pedido poderá ser:
• Recusado: a recusa do registo só pode ser feita nos termos do art. 69º CRPr (taxativo)
o Ser manifesto que o facto não está titulado nos documentos apresentados
o Verificar-se que o facto já está registado ou não está sujeito a registo
o Ser manifesta a nulidade do facto
o Já ter sido o registo lavrado como provisório por dúvidas e as mesmas não se
mostrarem removidas
o Não ser possível fazer o registo como provisório por dúvidas, em virtude da falta
de elementos ou pela natureza do ato
• Lavrado provisoriamente por dúvidas: ocorre quando, não sendo possível o suprimento
oficioso de deficiências nos termos do art. 73º CRPr, existam motivos que obstem ao
registo definitivo e que não sejam fundamento de recusa (art. 70º CRPr)
É possível impugnar judicialmente a decisão de qualificação do ato de registo, caso o recurso
hierárquico seja julgado improcedente (art. 145º/1 CRPr), sendo que a impugnação judicial
deve ser proposta no prazo de 20 dias a contar da data da notificação da improcedência do
recurso hierárquico (art. 145º/2 CRPr).

Princípio do trato sucessivo:


Segundo o art. 34º CRPr, o registo deve instituir uma cadeia ininterrupta de transmissões ou
onerações do bem, pelo que as inscrições que ser contínuas entre si e não se pode fazer

43
Direitos Reais

qualquer inscrição a favor de um adquirente do bem, sem que exista uma inscrição prévia a
favor do transmitente.
O art. 34º/1 CRPr estabelece que o registo definitivo de constituição de encargos por negócio
jurídico depende da prévia inscrição dos bens em nome de quem os onera, acrescentando o
nº2 que o registo definitivo de constituição de encargos por negócio jurídico depende da prévia
inscrição dos bens em nome de quem os transmite, quando o documento comprovativo do
direito do transmitente não tiver sido apresentado perante o serviço de registo.
Mas há algumas exceções:
1. Dispensa-se a inscrição prévia no registo de aquisição com base em partilha (art. 34º/3
CRPr)
2. Dispensa-se a inscrição intermédia em nome dos titulares de bens ou direitos que façam
parte de herança indivisa (art. 35º CRPr)
Se o trato sucessivo for interrompido, o adquirente do bem terá que proceder ao registo das
inscrições intermédias, em ordem a obter o seu reatamento. Se isso não for possível, o
adquirente terá que proceder à justificação por escritura notarial ou no âmbito doo processo
de justificação previsto nos artigos 116.º e seguintes CRPr.

Princípio da legitimação:
Segundo o art. 9º/1 CRPr, os factos de que resulte transmissão de direitos ou constituição de
encargos sobre imóveis não podem ser titulados sem que os bens estejam definitivamente
inscritos a favor da pessoa de quem se adquire o direito ou contra a qual se constitui o encargo.
O negócio só pode ser titulado se estiver comprovado o registo prévio a favor do transmitente.
Exceções:
1. A partilha, a expropriação, a venda executiva, a penhora, o arresto, a declaração de
insolvência e outras providências que afetem a livre disposição dos imóveis
2. Os atos de transmissão ou oneração por quem tenha adquirido no mesmo dia os bens
transmitidos ou onerados
3. Os casos de urgência devidamente justificada por perigo de vida dos outorgantes (art.
9º/2 CRPr)

Princípio da prioridade:
Segundo o art. 6º CRPr, o direito inscrito em 1º lugar prevalece sobre os que se lhe seguirem
relativamente aos mesmos bens, por ordem da data dos registos e, dentro da mesma data, pela
ordem temporal das apresentações correspondentes.
A prioridade do registo não é afetada pelos despachos de recusa ou de provisoriedade, caso os
mesmos sejam procedentemente impugnados ou se verifique a conversão do registo em

44
Direitos Reais

definitivo. Em caso de recusa, o registo conserva a prioridade correspondente à apresentação


do ato recusado (art. 6º/4 CRPr) e que o registo convertido em definitivo conserva a prioridade
que tinha como provisório (art. 6º/3 CRPr).
Segundo o art. 36º CRPr, quem tem legitimidade para pedir o registo, são os sujeitos da relação
jurídica e, em geral, todas as pessoas que tenham interesse – interessados são pessoas cuja
posição jurídica pode ser afetada pela falta de registo (p.e., os credores).
Questiona-se qual é o valor jurídico do ato de constituição ou transmissão do direito se o
mesmo houver sido celebrado mesmo sem o disponente ter registo do seu facto aquisitivo
• Prof. Menezes Cordeiro: nulidade do negócio jurídico; depois veio a mudar a sua posição
• Prof. Oliveira Ascensão e Prof. Menezes Leitão: o negócio jurídico é válido, havendo
apenas sanções disciplinares a quem titulou o ato em violação do art. 9º/1 CRPr.

9.3. Modalidades do registo:


O registo poderá ser distinguido através de 2 critérios:
 Quanto ao conteúdo
o Descrições, inscrições e averbamentos (art. 79º e ss. CRPr)
▪ Descrição – visa fazer uma identificação física – rústica, urbana ou mista –,
económica e fiscal de cada prédio; e pode ser genérica – descrição feita
para cada prédio ou empreendimento turístico – ou subordinada –
descrição feita nos casos de propriedade horizontal, relativamente a cada
fração autónoma ou unidades de alojamento (art. 81º CRPr).
▪ Inscrição – visa definir a situação jurídica do prédio pela referência a
descrições genéricas ou subordinadas (art. 92º/2 CRPr).
▪ Averbamento – permite alterar, completar ou retificar os elementos das
descrições (artigo 88º/1 CRPr), que devem ser oficialmente atualizados. O
averbamento deve obedecer aos requisitos do art. 102º e 103º CRPr

 Quanto à eficácia
o Atos de registo provisórios – têm um prazo de vigência limitado por existir algum
vício no facto ou deficiência no processo de registo que impede o seu registo
definitivo (registo provisório por dúvidas).
▪ Registo provisório por natureza (art. 92º CRPr): podem ser ações sujeitas a
registo, constituição de propriedade horizontal antes da construção do
prédio ou inscrições de penhora, declaração de insolvência e arresto
▪ Registo provisório por dúvidas (art. 70º CRPr) – situações em que existem
motivos que obstam ao registo do ato tal como é pedido e que não são
fundamento de recusa

45
Direitos Reais

O registo provisório deve ser convertido em definitivo através do averbamento à


inscrição (art. 101º/2 d) e 103º/2 CRPr). Se o registo for provisório por natureza, o
averbamento corresponde à indicação do novo facto, que afasta a provisoriedade
do facto inscrito. Se o registo for provisório por dúvidas, a conversão dá-se com a
remoção das dúvidas que tinham surgido.
Os registos provisórios caducam se não forem convertidos em definitivos ou
renovados dentro do prazo da respetiva vigência (art. 11º/2 CRPr), sendo o prazo
de vigência do registo provisório de 6 meses, salvo disposição em contrário (art.
11º/3 CRPr).
o Atos de registo permanentes – são aqueles que produzem plenamente a sua
eficácia, sem qualquer limitação de vigência.

9.4. Processo de registo


Pelo princípio da instância, o registo só pode ser pedido por quem tenha legitimidade para tal –
exige-se legitimidade registal. Segundo o art. 36º CRPr, têm legitimidade registal todos os
sujeitos, ativos e passivos, da relação jurídica e, em geral, os interessados.
Se houver contitularidade de direitos, a legitimidade é atribuída a cada um dos titulares,
individualmente (art. 37º CRP).
No caso dos averbamentos às descrições, restringe-se a legitimidade ao proprietário ou
ao possuidor definitivamente inscrito (art. 38º/1 CRPr). Caso contrário, o interessado
inscrito pode solicitar o registo, mas apenasse requerer a notificação judicial do
proprietário ou possuidor definitivo, e este não deduzir oposição no prazo de 15 dias.
O registo pode ainda ser pedido por mandatário, em representação de interessado,
exigindo-se, para tal, uma procuração que confira poderes especiais para esse efeito
(art. 39º/1 CRPr). No enanto, não carecem de procuração para pedir o registo queles
que tenham poderes de representação para atuar no âmbito do título, bem como os
advogados, notários e solicitadores – que não podem apresentar, sem procuração,
pedidos de averbamento à descrição de factos que não constem de documento oficial
(art.39º/2 e 3CRPr).
O processo de registo inicia-se com o pedido de registo, nos termos do art. 41º e ss. CRPr, que
poderá ser feito pessoalmente (art. 41º-C), por via eletrónica (art. 41º-E) ou pelo correio (art.
42º-A).

46
Direitos Reais

9.5. Efeitos do registo


9.5.1. Fé pública
Segundo o art. 1º CRPr, o registo predial destina-se essencialmente a dar publicidade à situação
jurídica dos prédios, tendo em vista a segurança do comércio jurídico imobiliário; havendo aqui
uma fé pública de que o registo esteja em conformidade com a situação jurídica substantiva do
imóvel.
Mas poderão haver situações em que haja desconformidade entre a situação substantiva e a
situação registal; como nestes casos:
 Não realização do registo
 Inexistência do registo
 Invalidade do registo
 Inexatidão do registo
 Invalidade do facto jurídico registado

9.5.2. Presunção da titularidade do direito


O registo atribui ao titular a presunção da titularidade do direito através de 2 presunções:
1. A de que o direito existe, tal como consta do registo
2. A de que pertence ao titular inscrito
Estas presunções são ilidíveis, nos termos do art. 350º/º2 CC e arts. 3º/1 b) e 8º e 13º CRPr.
Através da presunção da titularidade do direito, determina-se que o registo é normalmente
meramente enunciativo (não dá nem tira direitos).
Mas poderá acontecer que a presunção da titularidade do direito resultante do registo entre
em conflito com a presunção da titularidade resultante da posse. Neste caso, segundo o art.
1268º/1 CC, a presunção resultante do registo apenas prevalece se for anterior ao início da
posse.
9.5.3. Registo consolidativo
O registo é consolidativo da posição do adquirente do imóvel, uma vez que a lei determina que
os factos sujeitos a registo só produzem efeitos contra 3ºs depois da data do registo (art. 5º/1
CRPr) – depois do registo, o proprietário passa a poder opor eficazmente o seu direito perante
terceiros.
Questiona-se qual o conceito de 3ºs para efeitos do registo predial:
 Conceção ampla (GUILHERME MOREIRA, ANTUNES VARELA e CARVALHO FERNANDES) –
aqueles que tenham adquirido e conservado direitos sobre os imóveis, que seriam
lesados se o ato não registado produzisse efeitos em relação a eles

47
Direitos Reais

 Conceção restrita (MANUEL DE ANDRADE e ORLANDO DE CARVALHO) – aqueles que


tivessem adquirido de um autor comum direitos incompatíveis entre si
A Conceção defendida pela jurisprudência foi a conceção ampla, mas o CRPr adotou a conceção
restritiva, segundo a qual terceiros, para efeitos do registo, são aqueles que tenham adquirido
de autor comum direitos incompatíveis entre si.

9.5.4. Registo enunciativo


O registo poderá não ter eficácia consolidativa; neste caso, o registo apenas visa dar
publicidade à situação, o que implica que o registo seja meramente enunciativo.
Segundo o art. 5º/2 CRPr, o registo poderá ser nos seguintes casos:
a) A aquisição, fundada na usucapião, dos direitos doart. 2º/1 a) CRPr
b) As servidões aparentes
c) Os factos relativos a bens indeterminados, enquanto estes não forem derivadamente
especificados e determinados: antes da sua especificação o registo é enunciativo na
justificação do facto de não fazer sentido dar eficácia consolidativa ao registo, enquanto
o bem se encontrar indeterminado.

9.5.5. Registo constitutivo


A regra do Direito português é de que o registo não tem eficácia constitutiva de direitos, pelo
que não se pode atribuir direitos automaticamente depois do registo.
Mas há 1 caso em que o registo tem eficácia constitutiva, previsto no art. 4º/2 CRPr: a eficácia
da hipoteca perante as partes depende do seu registo
Esta formulação não tem sido aceite pela doutrina, uma vez que não faz sentido
considerar que um direito se constitui mas não é eficaz entre as partes. Logo, deveremos
considerar que, na constituição da hipoteca, o registo é apenas um dos elementos para a
sua constituição.

9.5.6. Registo aquisitivo


9.5.6.1. Aquisição tabular
A aquisição tabular corresponde aos casos em que se adquire um direito em desconformidade
com a realidade substantiva.
 Art. 5º/1 CRPr – caso em que os factos sujeitos a registo só produzirem efeitos contra
3os depois da data do registo. Neste caso, a lei exige uma dupla alienação ou oneração e
o prévio registo da 2ª disposição e, por analogia com os restantes casos de aquisição
tabular, que a 2ª disposição seja realizada a título oneroso e de boa fé.

48
Direitos Reais

 Art. 17º/2 CRPr – caso em que a declaração de nulidade do registo não afeta os direitos
adquiridos a título oneroso por 3º de boa fé, se o registo dos correspondentes atos for
anterior ao registo da ação de nulidade. Se a aquisição do terceiro tiver ocorrido a título
oneroso, o seu direito não é posto em causa pela declaração de nulidade da prévia
inscrição.
 Art. 122º CRPr – caso em que a retificação do registo não prejudica os direitos
adquiridos a título oneroso por 3º de boa fé, se o registo dos factos correspondentes for
anterior ao registo da retificação ou da pendência do respetivo processo. O direito do
sub-adquirente que tenha registado a sua aquisição antes da retificação ou da
pendência do respetivo processo não vê o seu direito afetado pela posterior retificação
da prévia inscrição.
 Art. 291º CC – caso em que a invalidade do negócio jurídico não prejudica aos direitos
adquiridos sobre os mesmos bens, a título oneroso, por 3º de boa fé que tenha
registado a sua aquisição. No entanto, os direitos do 3º não são reconhecidos se a ação
for proposta e registada dentro dos 3 anos posteriores à conclusão do negócio (art.
291º/2 CC).
o OLIVEIRA ASCENSÃO tenta resolver a questão aplicando analogicamente, por
maioria de razão, o artigo 291.º, n.º2 CC aos casos de invalidade registal
o O PROF. MENEZES CORDEIRO, CARVALHO FERNANDES e MENEZES LEITÃO
defendem que o art. 291.º CC não se aplica aos casos em que já existisse um
registo desconforme a favor do adquirente no negócio inválido, devendo aplicar-
se o art. 17º/2 CRPr.
o SARAIVA MATIAS: o art. 17º/2 CRPr só se pode aplicar quando se verifique e seja
declarada a nulidade do registo nos termos do art. 16º CRPr. Se não houver
registo ou este seja válido, aplica-se o art. 291º CC.

9.5.6.2. Posição do titular do direito real preterido pela aquisição tabular do terceiro
Segundo OLIVEIRA ASCENSÃO, a aquisição tabular funciona como facto resolutivo em relação à
primeira aquisição, cujo direito se extingue extinguindo consequentemente o respetivo direito.
Para o PROF. MENEZES CORDEIRO, não se extingue o direito, mas opera uma inoponibilidade,
através da qual o proprietário poderia recuperar outra vez a coisa em caso de devolução,
renúncia do terceiro ou transmissão para adquirente de má fé.
Para MENEZES LEITÃO, a aquisição tabular atribui o direito real em termos definitivos ao
adquirente com base no registo, extinguindo-se o direito real anterior.

49
Direitos Reais

IV. Dos Direitos Reais de Gozo


1. Direito de Propriedade
Segundo o art. 1305º CC, o direito de propriedade abrange as faculdades de uso, fruição e
disposição do direito, de forma plena e exclusiva:
• Uso – determina o aproveitamento da coisa para o fim pretendido, sem prejudicar essa
mesma coisa; exceto no caso das coisas consumíveis, em que o uso implica a destruição
ou alienação da coisa
• Fruição – perceção de todos os frutos e produtos da coisa, sem prejuízo da sua
substância, permitindo ao proprietário obter alguma forma de rendimento da coisa
• Disposição – abrange a transformação, alienação, oneração e até destruição da coisa

1.1. Características do direito de propriedade


• Cariz indeterminado – a propriedade abrange uma série ilimitada de faculdades, tendo
até o proprietário poderes indeterminados sobre a coisa
• Exclusividade – o direito de propriedade é um direito de gozo exclusivo sobre a coisa,
sendo independente de qualquer outro direito real
• Elasticidade – o direito de propriedade poderá ser limitado, mas mantém-se intacto
quanto à sua substância; extintas as limitações, o direito volta à sua extensão integral

1.2. Formas de aquisição da propriedade


1.2.1. Ocupação
Encontra-se prevista no art. 1318º CC, segundo o qual podem ser adquiridos animais e coisas
móveis que nunca tiveram dono; ou foram abandonados, escondidos ou perdidos pelos seus
proprietários.
A ocupação é um ato jurídico voluntário; mas tem-se questionado se poderá ser considerada
enquanto negócio jurídico, por haver uma intenção aquisitiva específica: o PROF. MENEZES
CORDEIRO defende que não é necessária essa intenção aquisitiva, até porque a lei não exige
uma capacidade de exercício do ocupante (art. 1266º CC).
Quanto aos animais, existe um regime específico:
• No caso dos animais domesticados, se não puderem ser reconhecidos, poderão passar
para a guarida do novo dono; caso contrário, o antigo dono poderá recuperá-los (art.
1320º/1 CC)
• Se se provar que os animais foram atraídos por fraude ou artifícios, o novo dono está
obrigado a entregá-los ao antigo dono ou a pagar-lhe o triplo do valor, se não for
possível restituí-los (art. 1320º/2 CC)

50
Direitos Reais

1.2.2. Achamento (art. 1323º e 1324º CC)


O regime do achamento depende se a coisa se trata de um animais ou coisas móveis perdidas,
ou tesouros.
Se se tratar de animais ou coisas perdidas, determina o art. 1323º/1 CC que se alguém os
encontrar e souber a quem pertencem, deve restituí-los ao dono ou avisá-lo do achamento. Se
não souber a quem pertencem, deve anunciar o achado; o achador faz sua a coisa perdida se
não for reclamada pelo dono no prazo de 1 ano a contar do anúncio. Se a coisa for reclamada
pelo dono, o achador terá direito a uma indemnização, tendo em conta o prejuízo e as
despesas realizadas (art. 1323º/4 CC).
Se se tratar de um tesouro, se não for possível determinar o dono, determina o art. 1324º/1 CC
que é atribuído metade do valor do tesouro a quem o encontrou e outra metade ao
proprietário da coisa móvel ou imóvel onde o tesouro estava escondido. O achador deve
anunciar o achado e avisar as autoridades, salvo se for evidente que o tesouro está escondido
há mais de 20 anos (nº2). Se o achador souber quem é o dono e não tomar as diligências
necessárias para o devolver, perde o valor do achado para o Estado.

1.2.3. Aquisição dos imóveis pelo Estado (art. 1345º CC)


Corresponde aos casos em que um imóvel, por não ser conhecido o seu proprietário, é
adquirido pelo Estado.
O PROF. MENEZES CORDEIRO e MENEZES LEITÃO defendem que o art. 1345º CC procede à
reversão automática do imóvel para o Estado, a partir do momento em que se desconhece o
seu dono – uma vez que dispensa o preenchimento dos requisitos da usucapião. Por outro lado,
OLIVEIRA ASCENSÃO e CARVALHO FERNANDES defendem que o art. 1345º contém apenas
uma presunção de propriedade do Estado, que poderia ser ilidida por qualquer pessoa.

1.3. Regime especial da propriedade sobre as águas


O regime da propriedade das águas consta do art. 1385º e ss. CC, segundo o qual depois de se
determinar a quem pertencem as águas, se estabelecem os direitos do seu titular.
Relativamente ao aproveitamento das águas, determina a regra geral do art. 1389º CC que é o
dono do prédio onde surja a fonte ou nascente da água que adquire o direito ao seu
aproveitamento, salva as restrições previstas na lei ou direitos que 3º tenha adquirido por título
justo (art. 1290º/1 CC).
Segundo Guilherme Moreira, o direito à água que nasce num prédio alheio é sempre um
direito de propriedade e não um direito de servidão, já que as utilidades só podem ser
consideradas como direitos de servidão quando se possam separar do prédio, e sempre

51
Direitos Reais

que o seu gozo não pertença ao respetivo proprietário como tal, não haverá servidão.
Para PIRES DE LIMA e ANTUNES VARELA, a configuração do direito à água que nasce do
prédio alheio do título da sua constituição.
A constituição do direito de propriedade sobre as águas de fontes e nascentes depende da
verificação dos factos aquisitivos do art. 1316º CC em relação aos bens imóveis:
• Contrato
• Sucessão por morte
• Usucapião – só opera se for acompanhada por construção de obras visíveis e
permanentes, no prédio onde exista a fonte de nascente, que revele a captação de
posse de água nesse prédio.
• Acessão
O proprietário da fonte ou nascente pode sofrer restrições em relação ao direito de
aproveitamento de águas, uma vez que não lhe é possível mudar o curso da água, se os
habitantes não tiverem adquirido por titulo justo o uso das águas, nos termos do art. 1392º/1
CC. Nos termos do nº2, o proprietário das águas tem direito a uma indemnização.
Segundo o art. 1393º CC, o regime da propriedade das águas aplica-se analogicamente às águas
pluviais e aos lagos e lagoas compreendidas no art. 1386º CC.
Quanto às águas subterrâneas, há um regime especial das águas subterrâneas, mencionado no
art. 1394º CC, sendo que o proprietário tem direito à exploração das águas subterrâneas,
havendo limitação se existir um direito de 3º adquirido através de um título justo, nos termos
do art. 1390º CC.

1.4. Regime especial da propriedade de animais


O regime encontra-se previsto no art. 201º-C CC, que limita o direito de propriedade e onera o
proprietário com deveres especiais.
Segundo o art. 1305º-A CC, o proprietário encontra-se proibido de, sem motivo legítimo, infligir
dor, abandonar ou matar os animais.
Por outro lado, o proprietário está onerado com deveres de especiais de garantia do bem-estar
dos animais, incluindo a acesso a água e comida e a cuidados médico-veterinários (vacinas,
identificação).

1.5. Natureza do direito de propriedade


Relativamente à natureza do direito de propriedade, existem 2 teorias:

52
Direitos Reais

o Teoria do domínio ou do senhorio – tem-se em consideração as faculdades sobre a coisa


que são atribuídas ao titular do direito
o Teoria da pertença ou da sujeição – apenas se tem em consideração a relação que se
estabelece entre a pessoa e a coisa
A teoria dominante na doutrina portuguesa (OLIVEIRA ASCENSÃO e HENRIQUE MESQUITA) é a
teoria do domínio, sendo que a teoria da pertença já não tem praticamente defensores. PIRES
DE LIMA defende uma conceção mista, enquanto que JOSÉ ALBERTO VIEIRA optou por não
adotar nenhuma.

2. A propriedade horizontal
Segundo o art. 1414º CC, a propriedade horizontal faz coexistir 2 tipos de faculdades sobre o
mesmo edifício:
1. Faculdades correspondentes à propriedade exclusiva de cada fração autónoma
2. Faculdades ligadas à compropriedade das zonas em comum do edifício
Requisitos de constituição de propriedade horizontal, segundo o art. 1414º CC:
o Que o edifício tenha condições para ser dividido em frações
o Que as frações possam constituir unidades independentes
o A existência de partes comuns do prédio (art. 1421º CC)
o Zonas obrigatoriamente comuns – essenciais para o uso comum do prédio, não
sendo possível celebrar contratos de propriedade exclusiva relativamente a
qualquer condómino (p.e., solo, alicerces, paredes mestras, telhados, entradas,
escadas e corredores)
o Zonas presuntivamente comuns – o título constitutivo pode dispor de forma
diferente, podendo até atribuir a propriedade exclusiva a um dos condóminos
(p.e., pátios e jardins anexos)

2.1. Constituição da propriedade horizontal


Segundo o art. 1417º CC, a propriedade horizontal pode ser constituída por negócio jurídico,
usucapião, decisão administrativa ou judicial; ou ainda por construção sobre edifício alheio, nos
termos do art. 1526º CC.

2.1.1. Negócio jurídico


O negócio jurídico pode ser celebrado inter vivos ou mortis causa (testamento – art. 2204º e ss.
CC). Quanto ao negócio inter vivos, poderá corresponder a um contrato ou a um ato jurídico

53
Direitos Reais

unilateral; em qualquer um destes casos, o negócio constitutivo deve ser feito por escritura
pública ou documento particular autenticado.
O negócio jurídico unilateral poderá ser celebrado pelo proprietário mesmo antes da
constituição do edifício, sendo que o registo é considerado provisório. Por outro lado, este
negócio encontra-se sujeito a uma condição suspensiva de alienação de uma das frações a um
terceiro – só a partir desse momento é que existe propriedade horizontal.

2.1.2. Usucapião
Relativamente à usucapião, esta geralmente só se aplica quanto a 1fração autónoma, mas isso
implica a sujeição de todo o edifício à propriedade horizontal. Assim, será possível considerar
que a usucapião da fração autónoma conduz indiretamente à constituição de propriedade
horizontal sobre todo o edifício.

2.1.3. Decisão judicial


Segundo o art. 1417º/2 CC, a propriedade horizontal pode-se constituir através de uma ação de
divisão da coisa comum ou de processo de inventário. Também se poderá constituir por
execução específica de um contrato-promessa de compra e venda de fração autónoma (art.
830º CC).
Em qualquer caso, a constituição de propriedade horizontal só se constitui se estiverem
preenchidos os requisitos do art. 1415º CC.

2.1.4. Construção em edifício alheio


A propriedade horizontal é constituída por um processo sucessivo que incide num negócio
constitutivo de um direito de superfície relativo à construção sobre edifício alheio e a realização
da construção sobre o edifício ao abrigo desse direito.

2.2. Título constitutivo


O titulo constitutivo, sendo um negócio jurídico, encontra-se sujeito às regras gerais dos arts.
236º e 237º CC.
Segundo o art. 1418º/1 CC, no titulo constitutivo devem constar as partes do edifício que
corresponde às frações, de forma a ficarem individualizadas. Também pode mencionar o fim a
que se destina cada fração autónoma e as partes comuns.
Se não estiverem preenchidos os requisitos da propriedade horizontal, o titulo constitutivo será
considerado nulo, e o prédio fica sujeito ao regime de compropriedade.
HENRIQUE MESQUITA defende que se não estiverem preenchidos os requisitos só
relativamente a algumas frações, essa sanção só se aplica às frações irregularmente

54
Direitos Reais

constituídas, continuando a vigorar o regime da propriedade horizontal em relação às


outras.
O Prof. Menezes Leitão não concorda com esta solução, uma vez que a propriedade
horizontal deve abranger todo o edifício.
Por outro lado, será nulo o título constitutivo que não tiver estabelecido com as informações do
art. 1418º/1 CC ou se o fim do art. 1418º/2a) CC não coincidir com o fim aprovado no projeto
aprovado pela entidade pública competente.

2.3. Poderes dos condóminos


Segundo o art. 1420º CC, cada condómino é proprietário exclusivo da sua fração e
comproprietário das partes comuns do prédio.

2.3.1. Poderes relativos à fração


Sendo o condómino proprietário exclusivo, devem ser-lhe atribuídas as faculdades ligadas ao
direito de propriedade de forma plena e exclusiva: uso, fruição e disposição da fração (art.
1305º CC). Mas estas faculdades encontram-se limitadas:
• Direito de uso da fração está limitado pelo respeito pelo fim a que a fração se destina
(art. 1422º/2 b) CC)
• Poder de fruição: o condómino só pode obter frutos civis através do arrendamento da
fração para o fim determinado para a fração
• Poder de transformação limitado porque não se podem prejudicar, quer com obras
novas, quer por falta de reparação, a segurança, a linha arquitetónica ou o arranjo
estético do edifício (art. 1422º/2 a) CC)

2.3.2. Poderes relativos às partes comuns


O art. 1420º/1 CC remete para o regime da compropriedade dos arts. 1403º CC, mas de forma
restrita, uma vez que, enquanto o comproprietário tem direito de preferência e pode solicitar a
divisão da coisa comum, o mesmo não acontece com o condómino (art. 1423º CC).
A administração das partes comuns encontra-se sujeita a um regime especial do art. 1430º e ss.
CC.

2.4. Limitações ao poder dos condóminos


Nos termos do art. 1422º/1 CC, os condóminos estão sujeitos às restrições que incidem sobre a
propriedade (arts. 1346º e ss CC). Quanto às partes comuns, aplicam-se as restrições do regime
da compropriedade.

55
Direitos Reais

2.4.1. Prejudicar, quer com obras novas, quer por falta de reparação, a segurança, a
linha arquitetónica ou o arranjo estético do prédio
Segundo o art. 1422º/2 a) CC, é proibido aos condóminos prejudicar, por obras novas ou por
falta de reparação, a segurança, a linha arquitetónica, ou o arranjo estético do prédio, salvo se
forem autorizadas pela assembleia de condóminos por maioria representativa de dois terços do
valor total do prédio (art. 1422º/3 CC).

2.4.2. Destinar a sua fração a usos ofensivos dos bons costume (art. 1422º/2 b) CC)

2.4.3. Dar-lhe uso diverso do fim a que é destinada


Os condóminos encontram-se proibidos de dar à fração um uso diverso do fim a que é
destinada (art. 1422º/2 c) CC) e que se encontra estabelecido no título constitutivo. Havendo
título constitutivo, o fim previsto nele prevalece, uma vez que tem natureza real. Assim, esse
fim será oponível a terceiros, se estiver registado (art. 83º/1 c) CRPr).
No entanto, o título constitutivo não pode atribuir à fração um fim diferente do que foi fixado
pela entidade pública competente (art. 1418º/3 CC) – se isso acontecer, o título constitutivo é
nulo.
A alteração do seu fim carece, independentemente de existir título constitutivo, da autorização
da assembleia de condóminos, aprovada por maioria representativa de dois terços do valor
total do prédio (art. 1422º/4 CC); Mas essa autorização não pode contrariar o fim fixado no
projeto da entidade pública competente.

2.3.4. Praticar quaisquer atos ou atividades que tenham sido proibidos no título
constitutivo ou, posteriormente, por deliberação da assembleia de condóminos,
aprovada sem oposição
Deste modo, será possível considerar que os condóminos dispõem de certa autonomia nas
limitações dos seus próprios poderes.

2.5. Obrigações dos condóminos


2.5.1. Encargos de conservação, uso e fruição das partes comuns
Segundo o art. 1424º/1 CC, os encargos de conservação, uso e fruição das partes comuns são
pagos pelos condóminos na proporção do valor das suas frações; salvo em relação às despesas
às escadas ou às partes comuns do prédio que sirvam exclusivamente algum dos condóminos –
estas ficam a cargo dos que dela se servem (art. 1424º/3 CC).

56
Direitos Reais

É ao administrador que compete cobrar as receitas e efetuar as despesas comuns (art. 1436º/1
d) CC); mas se as despesas forem relativas a reparações indispensáveis e urgentes nas partes
comuns, estas podem ser feitas, na falta de impedimento do administrador, por iniciativa de
qualquer

2.5.2. Pagamento de serviços de interesse comum


Segundo o art. 1424º/1 CC, as despesas relativas ao pagamento de serviços de interesse
comum são pagas pelos condóminos na proporção do valor das suas frações.

2.5.3. Seguro de condomínio


Segundo o art. 1429º/1 CC, o seguro é obrigatório contra o risco de incêndio do edifício, quer
quanto às frações autónomas, quer relativamente às partes comuns.

2.5.4. Encargos com inovações


As inovações correspondem a obras que impliquem a alteração do imóvel na sua forma ou
substância – p.e., construção de arrecadações apoiadas nas paredes exteriores do prédio.
Estas dependem da aprovação da maioria de 2/3 dos condóminos (art. 1425º/1 CC), mas já não
serão permitidas se forem suscetíveis de prejudicar a utilização, por parte de algum dos
condóminos, das coisas próprias e das comuns (art. 1425º/2 CC).
Se algum dos condóminos realizar uma destas alterações sem autorização a assembleia de
condóminos, os outros condóminos podem exigir a sua demolição, sendo que é aquele que
deve suportar os custos inerentes.
Se as benfeitorias tiverem natureza voluptuária ou forem desproporcionais à importância do
edifício, a recusa da sua elaboração considera-se fundada (art. 1426º/3 CC). no entanto, o
condómino que recusar não pode participar nas vantagens da inovação.

2.6. Administração das partes comuns do edifício


Segundo o art. 1430º/1 CC, a administração das partes comuns cabe à assembleia de
condóminos e ao administrador; esta administração não se estende às frações autónomas, que
constituem propriedade exclusiva de cada condómino.

2.6.1. Assembleia de condóminos


É composta por todos os condóminos, sendo que cada um tem um nº de votos proporcional ao
valor de cada fração (art. 1430º/2 CC).
Reúne em sessões ordinárias e extraordinárias, sendo que o administrador deve fazer uma
convocação de todos os condóminos, onde se inclui a data, local e ordem de trabalhos.

57
Direitos Reais

Em 1ª convocação, a assembleia pode deliberar se estiver presente o quórum necessário, de


modo a que as deliberações possam ter a maioria necessária (art. 1432º/3 CC).
As deliberações aprovadas devem ser comunicadas a todos os condóminos ausentes, no prazo
de 30 dias (art. 1432º/6 CC); depois, estes têm 90 dias para mostrar o seu consentimento ou
não, por escrito (nº7), sendo que o silêncio equivale ao consentimento da deliberação (nº8).

2.6.2. Administrador
O administrador desempenha as funções previstas no art. 1436º CC, sendo que a sua atividade
pode ser desempenhada por um condómino ou por um terceiro (art. 1435º/4 CC).
É eleito pela assembleia de condóminos (art. 1435º/1 CC), sendo que o período de funções é de
1 ano renovável (art. 1435º/4 CC).
Se a assembleia não eleger nenhum administrador, este será nomeado pelo tribunal a
requerimento de qualquer condómino (art. 1435º/2 CC); mas se isso aso tal não venha a
ocorrer, as funções de administrador são desempenhadas, a título provisório, pelo condómino
cuja fração ou frações representem a maior percentagem do capital investido. Depois de um
administrador ser eleito ou judicialmente nomeado, esse condómino cessa funções, devendo
entregar todos os documentos respeitantes ao condomínio que estejam confiados à sua guarda
(art. 1435º-A/3 CC).
O administrador tem 4 tipos de funções:
o Administração das partes comuns do prédio – verificar a existência de seguro contra
incêndio, regular o uso das partes comuns
o Gestão financeira do condomínio – elaborar o orçamento das receitas e despesas
relativas a cada ano, cobrar aos condóminos a sua parte as despesas necessárias e
prestar contas à assembleia
o Execução do regulamento do condomínio e executar as deliberações da assembleia de
condóminos
o Representação dos condóminos perante as autoridades administrativas

2.7. Modificação da propriedade horizontal


A propriedade horizontal pode ser alterada por alterações ao título constitutivo por escritura
pública ou documento particular autenticado (art. 1419º/1 CC), sendo que o administrador, em
representação dos condóminos, pode outorgar a escritura pública ou elaborar e subscrever o
documento partícula autenticado.
Relativamente à junção de frações autónomas, determina o art. 1422º-A CC que esta não
carece do consentimento dos restantes condóminos, desde que as frações sejam contíguas.
Quanto à divisão de frações autónomas, em princípio é proibida, salvo se o título constitutivo o

58
Direitos Reais

permitir se se houver aprovação em assembleia de condóminos sem qualquer oposição (art.


1422º-A/3 CC).
Em qualquer caso, é necessário proceder à alteração do título constitutivo por escritura
pública ou documento particular autenticado, devendo isso ser comunicado ao
administrador no prazo de 30 dias (nº5).
Nos termos do art. 1423º CC, a divisão das partes comuns é expressamente proibida.

2.8. Extinção da propriedade horizontal


A propriedade horizontal pode-se extinguir por:
• Acordo entre os condóminos – neste caso, passa-se a aplicar o regime da
compropriedade
• Concentração de todas as frações autónomas presentes no edifício numa única pessoa
• Destruição do edifício, nos termos do art. 1428º CC

2.9. Natureza da propriedade horizontal


Existem várias teorias:
 Teoria da compropriedade (CUNHA GONÇALVES) – embora as frações pertençam a cada
condómino, isso não prejudica a existência de compropriedade sobre o condomínio no
seu conjunto. Por outro lado, o direito dos condóminos sobre as frações não é um
direito de propriedade exclusivo, tendo em conta as limitações que resultam do regime
da propriedade horizontal
 Teoria da propriedade especial (PIRES DE LIMA, ANTUNES VARELA e OLIVEIRA
ASCENSÃO) – a propriedade horizontal é um direito real composto no qual se se conjuga
a propriedade e a compropriedade, instrumental da propriedade
 Teoria dualista (MOTA PINTO) – a propriedade horizontal corresponde a um concurso
entre direitos: a plena propriedade das frações autónomas e a compropriedade das
partes comuns
 Teoria do direito real complexo (PROF. MENEZES CORDEIRO) – a propriedade horizontal
é um direito real que combina a propriedade e a compropriedade
 Teoria do direito real de gozo típico (HENRIQUE MESQUITA, CARVALHO FERNANDES e
MENEZES LEITÃO) – a propriedade horizontal constitui um regime específico que, apesar
das semelhanças com a propriedade e a compropriedade, não encontra fundamento em
nenhuma destas figuras

59
Direitos Reais

3. Usufruto
Segundo o art. 1439º CC, o usufruto corresponde ao direito de gozo temporário e pleno de uma
coisa ou de um direito alheio, sem alteração da sua forma ou substância. É, por isso, um direito
real menor.
Tem as seguintes características:
• Atribui o gozo pleno de uma coisa, podendo o usufrutuário servir-se da coisa e dos seus
frutos, sejam eles naturais ou civis
o Gozo pleno – compreende qualquer utilidade a retirar dela, não estando
circunscrito a apenas algumas faculdades
• É um direito não exclusivo, uma vez que incide sobre coisa alheia à qual corresponde um
direito de propriedade, concorrendo com este
• É um direito temporário – tem limites máximos de duração, que não podem ultrapassar
a vida do seu titular; deste modo, a morte do titular conduz à extinção do usufruto Em
consequência, a morte do titular ou o decurso do prazo extinguem o usufruto
o Prof. Oliveira Ascensão e Prof. Menezes Leitão: a exigência mais genérica é a do
art. 1439º CC, que faz parte do próprio tipo de usufruto; o art. 1446º CC, sendo
supletivo, pode ser afastado
o Prof. Menezes Cordeiro: o art. 1439º CC, sendo uma definição legal, não tem
natureza imperativa, sendo que apenas se exige o respeito pelo destino
económico
Quanto ao objeto do usufruto, este encontra-se mencionado no art. 1439º CC, segundo o qual
o usufruto pode ter por objeto uma coisa ou um direito; mas desde que incida sobre uma coisa
corpórea, só assim é que tem natureza real e, assim, pode ser oponível a terceiro.

3.1. Constituição do usufruto


Segundo o art. 1440º CC, o usufruto pode ser constituído por:
1. Contrato – o usufruto pode resultar de um contrato de alienação, de uma entrada em
sociedade ou de um contrato de renda vitalícia. Assim, pode-se constituir por 2 vias:
a. Atribuição do usufruto ou constituição per translationem – quando alguém
constitui a favor de outrem um usufruto, reservando para si a propriedade
b. Reserva do usufruto ou constituição per dedutionem – quando alguém atribui a
propriedade a favor de outrem, mas reserva para si o usufruto da coisa
2. Testamento – segundo o art. 2258º CC, na falta de indicação em contrário, considera-se
que a deixa testamentária é vitalícia, ou pelo prazo de trinta anos no caso de o
beneficiário ser uma pessoa coletiva
3. Usucapião – nos termos gerais da usucapião, basta que a posse não seja exercida em
termos de propriedade, mas em termos de usufruto (art. 1251º CC)
60
Direitos Reais

4. Disposição da lei
No caso da aquisição do usufruto por contrato ou testamento, a constituição do usufruto
corresponde a uma aquisição derivada constitutiva. Já no caso da constituição por usucapião,
trata-se de um caso de constituição originária.

3.2. Poderes do usufrutuário


Segundo o art. 1446º CC, o usufrutuário pode usar, fruir e administrar a coisa ou o direito.

3.2.1. Uso da coisa


O poder de uso da coisa é amplo e indeterminado, estando ainda limitado pela forma e
substância da coisa e pelo fim económico da coisa, tal como indica o art. 1439º CC.
O limite da forma e da substância fundamenta-se no facto de o usufruto ter um cariz
temporário, porque uma alteração à forma ou substância da coisa pode pôr em causa a
futura restituição da coisa. Já quanto ao fim económico da coisa, apesar de este ser
supletivo, deve-se entender o fim que anteriormente tinha sido atribuído pelo
proprietário da coisa, por haver uma expectativa do proprietário.
Por outro lado, indica o art. 1446º CC que o usufrutuário deve respeitar outros limites que
tenham sido estipulados no título constitutivo; para além dos limites inerentes ao uso da coisa.

3.2.2 Poder de fruição da coisa


O poder de fruição da coisa corresponde à faculdade de perceber os frutos da coisa, podendo
adquirir a propriedade dos mesmos a partir do momento em que são separados da coisa-mãe
(art. 212º CC), mas enquanto estiverem ligado à coisa-mãe, pertencem ao proprietário, e o
usufrutuário tem apenas o seu usufruto.
Dentro do poder de fruição natural, podemos encontrar as seguintes faculdades:
• A faculdade de perceber os frutos
• A aquisição automática da sua propriedade a partir do momento em que ocorre a sua
separação da coisa
O poder de fruição civil corresponde a um rendimento de substituição no gozo da coisa, que é
dada em troca de determinada contrapartida. Neste caso, não é necessária uma separação da
coisa, mas uma atribuição de um direito de crédito à contrapartida pela concessão do seu uso.

3.2.3. Poder de disposição


Compreende:
 O trespasse do seu direito (art. 1444º/1 CC), a título gratuito ou oneroso.

61
Direitos Reais

 Responsabilidade objetiva do usufrutuário se a coisa perecer por culpa da pessoa que o


substituir
 Onerar o direito de usufruto, estando esta oneração limitada pela duração do próprio
usufruto: se o usufruto se extinguir, também se extingue esta oneração
 Possibilidade renunciar ao direito de usufruto (art. 1476º/1 e) CC)

3.3. Obrigações do usufrutuário


As obrigações do usufrutuário, integrando-se no conteúdo do direito real, têm natureza propter
rem.
 Obrigação de inventariar os bens objeto do usufruto – Segundo o art. 1468º/a) CC, o
usufrutuário tem a obrigação de enumerar e descrever as coisas móveis e imóveis objeto do
usufruto, pelo que o cumprimento deste dever deve ser feito com a assistência do
proprietário de raiz. Apesar de a lei não referir a consequência do incumprimento deste
dever, o Prof. Menezes Leitão defende que a consequência deverá ser que o usufrutuário
não possa legalmente exercer as faculdades correspondentes ao usufruto: se o fizer, incorre
em responsabilidade perante o proprietário de raiz.

 Obrigação de prestar caução – Se a caução for exigida, esta deve ser prestada uma cautio
usufrutuaria, que pode ser prestada nos termos gerais do art. 623º CC; no entanto, esta não
é exigida ao alienante com reserva de usufruto. Se a caução não for prestada quando
exigível, as consequências encontram-se previstas no art. 1470º/1 CC:
❖ Se se tratar de um bem imóvel, o usufrutuário perde a faculdade de o usar,
limitando-se a fruição a receber as rendas e outras quantias pagas pela
administração
❖ Se se tratar de um bem móvel, o proprietário pode exigir que a coisa lhe seja
entregue ou que esta seja vendida; mas o proprietário deve entregar ao usufrutuário
o valor da fruição da coisa ou os rendimentos do produto da coisa, bem como os
juros
❖ Em qualquer um dos casos, o proprietário pode requerer as medidas necessárias
para assegurar a tutela da coisa, desde que haja acordo com o usufrutuário

 Obrigação de consentir a realização pelo proprietário de obras e melhoramentos da –


Segundo o art. 1467º/1 CC, o usufrutuário é obrigado a consentir ao proprietário quaisquer
obras ou melhoramentos d a coisa usufruída, bem como plantações se a coisa for um prédio
rústico.
 Obrigação de suportar as despesas de administração e as reparações ordinárias – Segundo o
art. 1472º/1CC, o usufrutuário está obrigado a suportar as despesas de administração e as
reparações ordinárias que sejam indispensáveis à conservação da coisa; no entanto, estas

62
Direitos Reais

reparações estão sujeitas a um limite máximo legal, segundo o qual não se consideram as
despesas necessárias se o seu valor exceder 2/3 do rendimento líquido desse ano.
 Dever de avisar o proprietário em relação a reparações extraordinárias – O usufrutuário não
tem um dever de as realizar se se tornarem necessárias devido à sua má administração, ou
seja, por não ter realizado as reparações ordinárias a tempo. Mas deverá avisar o
proprietário a tempo de as mandar realizar (art. 1473º/1 CC). As despesas com as obras são
da responsabilidade do proprietário, depois de ser devidamente avisado, e não as suportar,
o usufrutuário pode fazer suas as despesas e depois exigir o seu valor ao proprietário. O
usufrutuário tem direito ao usufruto das reparações, sem ser obrigado a pagar juros das
somas desembolsadas pelo proprietário ou qualquer outra indemnização, mas se as
reparações aumentarem o rendimento da coisa, esse aumento pertence ao proprietário
(art. 1473º/3 CC).
 Obrigação de pagar os impostos e outros encargos anuais que incidam sobre o rendimento
dos bens usufruídos (art. 1474º CC) – Esta obrigação poderá ser fundamentada pelo facto de
o usufrutuário auferir os rendimentos do bem; por isso, é justo que assuma os encargos
correspondentes a esse rendimento, nomeadamente os impostos, pagando-os ou
reembolsando-os ao proprietário da coisa.
 Dever de avisar o proprietário de qualquer facto de terceiro de que tenha notícia, sempre
que ele possa lesar os direitos do proprietário – O artigo 1475.º CC atribui este dever, uma
vez que o usufrutuário tem um dever de custódia sobre a coisa, tendo por isso o dever de
avisar o proprietário de facto que possam lesar a propriedade. Se omitir o seu dever de
aviso, o usufrutuário é sujeito à responsabilidade civil.
 Dever de restituir a coisa, findo o usufruto – Segundo o art. 1475º CC, este dever de
restituição da coisa encontra-se excluído no caso de estarmos perante coisas consumíveis.
Por outro lado, este dever de restituição pode ser suspenso se houver direito de retenção a
favor do usufrutuário.

3.4. Direitos do proprietário de raiz


Apesar de o usufrutuário estar na posse da coisa, o proprietário de raiz continua proprietário da
mesma, mesmo que essa propriedade seja comprimida em consequência do usufruto. Por isso,
poderá praticar as faculdades associadas à propriedade, desde que não limitem o uso por parte
do usufrutuário.
O proprietário pode reagir contra o mau uso da coisa por parte do usufrutuário, mas isso não
determina a extinção do usufruto; no entanto, se o abuso se tornar consideravelmente
prejudicial ao proprietário, este poderá exigir ao usufrutuário que a coisa lhe seja entregue.

63
Direitos Reais

Tendo em conta que a propriedade é um direito pleno e exclusivo, o proprietário de raiz poderá
transmiti-lo a terceiro ou onerá-lo nos termos gerais. No entanto, não poderá constituir direitos
que possam prejudicar o direito de usufruto.
Relativamente às servidões prediais, determina o art. 1460º/2 CC que o proprietário pode
constituir servidões prediais sem o consentimento do usufrutuário, desde que delas não resulte
uma diminuição do valor do usufruto.

3.5. Extinção do usufrutuário


 Morte do usufrutuário, já que o usufruto não é um direito transmissível mortis causa; no
entanto, pode-se estipular um usufruto sucessivo, em que a morte do usufrutuário
desencadeia a constituição de outro usufruto na esfera de terceiro (art. 1441º CC)
o A extinção do usufruto ocorre no caso de morte presumida (art. 115º/1 CC),
o A doutrina discute o caso de usufrutuário vitalício ter trespassado o seu direito a
outrem e o novo usufrutuário falecer antes do usufrutuário primitivo.
▪ OLIVEIRA ASCENSÃO e PROF. MENEZES CORDEIRO: tendo em conta que o
termo de referência é a morte do usufrutuário em relação ao qual se
constitui o usufruto, o direito transmite-se aos sucessores do adquirente até
à morte daquele.
▪ CARVALHO FERNANDES: como a morte é um facto extintivo do usufruto,
este extingue-se com a morte do novo usufrutuário
 Termo do prazo do direito – em relação às pessoas singulares pode-se estipular um
prazo certo superior (v.g. 50 anos), mas o usufruto não deixará de se extinguir com a
morte do usufrutuário, se esta ocorrer antes desse prazo (art. 1443º CC).
 Reunião do usufruto e da propriedade na mesma pessoa (art. 1476º/1 b) CC) – como há
confusão, há uma causa extintiva do direito
 Não uso por 20 anos, qualquer que seja o motivo; para tal, exige-se que haja uma
abstenção efetiva do exercício de todas as faculdades que competem ao usufrutuário, e
esta abstenção tem de se prolongar ininterruptamente por 20 anos.
o Não se confunde com o mau uso, que não é uma causa extintiva do usufruto
 Perda total da coisa usufruída, segundo o critério de que o perecimento fortuito do
objeto de um direito produz a extinção desse direito; se o perecimento for provocado,
então o usufruto passa a incidir sobre uma indemnização (art. 1480º/1 CC)
 Renúncia do usufrutuário – a renúncia não exige a aceitação do proprietário, tal como
indica o art. 1476º/2 CC

64
Direitos Reais

3.6. Tipos especiais de usufruto


3.6.1. Usufruto de coisas consumíveis
Segundo o art. 1451º/1 CC, quando o usufruto tiver por objeto coisas consumíveis, o
usufrutuário pode servir-se delas ou aliená-las, sendo obrigado a restituir o seu valor, findo o
usufruto, e no caso de as coisas terem sido estipuladas; se o não foram, a restituição será feita
pela entrega de outras coisas do mesmo género, qualidade ou quantidade, ou do valor destas.
O usufruto de coisas consumíveis não determina a transferência da propriedade para o
usufrutuário; mas MENEZES LEITÃO defende que esta ocorre com a entrega das coisas
consumíveis ao usufrutuário. A partir daí, o direito do proprietário passa a incidir apenas sobre
a restituição do valor, passando o usufrutuário a ser considerado proprietário das coisas
consumíveis; por isso, passa a recair sobre ele o perigo inerente à perda da coisa.
É por isto que o usufruto de coisas consumíveis não está sujeito às causas gerais de
extinção do usufruto, que apenas se pode extinguir por morte do usufrutuário, pelo
decurso do prazo ou pela renúncia (art. 1476º/1 e) CC) – estas causas provocam o
vencimento da obrigação de restituição do valor da coisa.
Com a extinção do usufruto, há lugar à restituição do valor das coisas entregues, no caso de
terem sido estimadas, ou de coisas do mesmo género, qualidade ou quantidade (art. 1451º/1 in
fine CC).

3.6.2. Usufruto de coisas deterioráveis


O usufruto de coisas deterioráveis previsto no art. 1452º CC abrange as coisas suscetíveis de se
deteriorarem pelo uso; ao contrário do que acontece com o usufruto de coisas consumíveis, o
seu uso regular não implica a destruição ou alienação da coisa.
O usufrutuário está obrigado a restituir as coisas no fim do usufruto, independentemente do
estado em que se encontrarem, salvo se se deterioraram por um uso diverso do que lhe estava
previsto ou por culpa do usufrutuário.
Se o usufrutuário não apresentar as coisas que lhe foram entregues, responde pelo valor que
elas tinham na conjuntura em que começou o usufruto, salvo se provar que perderam o seu
valor através de um uso legítimo (art. 1452º/2 CC).

3.7. Natureza do usufruto


Existem 3 teorias:
 Teoria do desmembramento – o usufruto corresponde a uma fragmentação do direito
de propriedade em 2: o direito de usufruto e o direito de propriedade de raiz (PIRES DE
LIMA e ANTUNES VARELA)

65
Direitos Reais

 Teoria da propriedade temporária – apesar de o direito de propriedade ser um direito


perpétuo, pode ser objeto de limitação: é isso que acontece com o usufruto
 Teoria do direito real de gozo típico – o usufruto é um direito real distinto do direitos de
propriedade; enquanto que o direito de propriedade é um direito exclusivo, o direito de
usufruto é um direito que tem sempre por base outro direito (OLIVEIRA ASCENSÃO,
PROF. MENEZES CORDEIRO e JOSÉ ALBERTO VIEIRA)

4. Direito de superfície
Segundo o art. 1524º CC, o direito de superfície consiste na faculdade de construir ou manter,
perpetua ou temporariamente uma obra em terreno alheio, ou de nele fazer ou manter
plantações – mas este conceito não abrange toda a realidade abrangida pelo direito de
superfície.
O direito de superfície apenas abrange poderes individualizados e dirigidos funcionalmente a
construir ou manter obra ou a fazer ou manter plantações; e por isso, o direito do superficiário
não tem o conteúdo normal do gozo, nomeadamente, o uso e a fruição do imóvel, já que estes
pertencem ao proprietário do solo (por isso, enquanto não se iniciar a construção da obra ou a
realização da plantação, o proprietário pode continuar a gozar da coisa e ainda constituir outros
direitos a favor de terceiros, concedendo esse gozo). Esses poderes individualizados são:
✓ Poder de construir ou de fazer plantação no prédio (poder de transformação)
✓ Poder de manter a obra ou plantação sobre ou sob solo alheio durante o tempo de
duração do direito
✓ Poder de disposição
O direito de superfície não se confunde com o direito de propriedade do solo, apesar de ambos
incidirem sobre a mesma coisa: o direito de superfície só abrange a porção do solo necessária
para a construção ou manutenção da obra ou da plantação; apesar de as partes poderem
alargar o objeto da superfície à área adjacente ao imóvel, desde que haja proveito do uso da
mesma – ex. parques de estacionamento.
Quanto à duração do direito de superfície, esta poderá ser temporária ou permanente – mas
essa duração tem de resultar do título constitutivo: se o direito de superfície for temporário,
extingue-se por decurso do prazo (art. 1536º/ c) CC), sendo que se reverte para o proprietário
do solo.

4.1. Constituição do direito de superfície


Segundo o art. 1528º CC, o direito de superfície pode-se constituir por:

66
Direitos Reais

 Contrato – o contrato tem que revestir a forma de escritura pública ou documento


particular autenticado, nos termos do art. 22º/a) do Decreto-Lei nº116/2008, e está
sujeito a registo nos termos do art. 2º/1 a) CRPr
 Testamento – deve ser observada a forma dos testamentos do art. 2204º e ss. CC
 Usucapião
o CARVALHO FERNANDES – o direito de superfície só poderia ser constituído por
usucapião nos casos de posse sobre obra ou plantações já existentes, bastando
que o possuidor estenda a sua posse ao solo
o MENEZES LEITÃO – é sempre possível a constituição por usucapião, porque a
partir do momento em que as faculdades de construção e plantação estão a ser
exercidas, começa a correr o prazo de usucapião
 Alienação da obra ou da plantação separadamente da propriedade do solo – tendo em
conta que o proprietário pode alienar autonomamente o solo e os as obras ou
plantações, também pode as alienar a um terceiro, ficando só com a propriedade do
solo, ou o contrário. Esta alienação separada exige escritura pública ou documento
particular autenticado (art. 22º/c) Decreto-Lei nº116/2008)

4.2. Poderes e deveres do superficiário


✓ Poder de construir ou plantar em terreno alheio, o qual corresponde ao poder de
transformação do solo ou do subsolo alheios; mas este poder tem uma limitação
temporal, sendo que se a construção ou plantação não forem feitas nos prazos
estipulados ou, na falta de estipulação, no prazo de 10 anos, extingue-se o direito de
superfície
✓ Poder de manter a construção ou plantação em terreno alheio, sendo considerado seu
titular, sem sujeição às regras da acessão, pelo que o proprietário do solo não pode
adquirir ou reivindicar os implantes, apesar de estarem incorporados no seu terreno
✓ Constituição das servições necessárias ao exercício do direito de superfície – muitas
vezes o direito de superfície exige quando esteja em causa a transformação do solo,
exige a constituição de servidões necessárias ao uso e fruição da obra ou das árvores
✓ Uso e fruição dos bens implantados, sendo que o superficiário, nos termos doa rt. 1529º
CC, pode exercer sobre os implantes os mesmos direitos de gozo que competem ao
proprietário em relação ao solo, desde que noa prejudique as relações de vizinhança
(art. 1346º e ss. CC) ou o uso e fruição do subsolo pelo proprietário (art. 1533º CC)
✓ Disposição do direito de superfície – segundo o art. 1534º CC, o direito de superfície é
livremente transmissível por vida ou por morte, podendo ainda onerá-lo através da
constituição de direitos reais de gozo

67
Direitos Reais

✓ Indemnização em caso de aquisição do implante por outrem

4.2. Obrigações do proprietário do solo


✓ Uso e fruição da superfície, antes de o superficiário proceder ao implante
✓ Uso e fruição do subsolo, ou do solo no caso de a superfície incidir sobre aquele
✓ Disposição do direito
✓ Direito ao cânon superficiário
✓ Direito de aquisição do implante, caso a superfície tenha sido construída
temporariamente
✓ Direito de preferência na venda ou dação em cumprimento do direito de superfície
✓ Num 1ª análise, o proprietário do solo encontra-se obrigado a facultar a posse da coisa
ao superficiário, sem prejuízo do que se tenha convencionado no titulo constitutivo
quanto à entrega da coisa.

4.3. Obrigações do superficiário


As obrigações do superficiário resultam sempre do título constitutivo:
o A obrigação de dar preferência ao proprietário do solo, em caso de venda ou de dação
em cumprimento do direito de superfície (artigo 1535.º, n.º1 CC)
o A obrigação de conservar a obra ou plantação após a extinção da superfície, sob pena de
responsabilidade civil perante o proprietário (artigo 1538.º, n.º3 CC)
o A obrigação de comunicar ao proprietário do solo os atos de terceiro capazes de lesar o
seu direito (artigo 1475.º CC, por analogia)
o A obrigação de restituir o terreno objeto da superfície, bem como a obra ou plantação,
quando o seu direito se extinguir
o A obrigação do cânon superficiário (art. 1530º CC), que designa a prestação anual em
dinheiro que o superficiário fica obrigado a pagar
OLIVEIRA ASCENSÃO acrescenta ainda o dever que recai sobre o superficiário de implantar a
obra, mas de forma contradiz a superfície como um direito subjetivo e, por isso, como um
espaço de liberdade; mesmo que se não atuar, venha a violar o contrato celebrado com o
proprietário do solo.

4.4. Extinção da superfície


 Não realização da obra ou plantação no prazo fixado ou, na falta de fixação, no prazo de
dez anos
 Não reconstrução da obra ou não renovação da plantação dentro dos mesmos prazos,
após a sua destruição

68
Direitos Reais

 Decurso do prazo, sendo constituída por certo prazo: o direito de superfície pode
igualmente extinguir-se no termo do prazo, caso ela seja constituída por certo tempo,
sendo o decurso do prazo regulado pelas regras da caducidade
 Reunião na mesma pessoa do direito de superfície e do direito de propriedade,
aplicando-se o regime da confusão como causa de extinção dos direitos reais
 Desaparecimento ou inutilização
 Expropriação por utilidade pública, sendo cada titular indemnizado
 Destruição da obra ou das árvores ou verificação de qualquer outra condição resolutiva,
caso a mesma tenha sido estipulada no título constitutivo

4.5. Natureza do direito de superfície


Existem 3 teorias:
➢ Teoria do desmembramento (PIRES DE LIMA, ANTUNES VARELA e OLIVEIRA ASCENSÃO):
na superfície passam a existir dois direitos de propriedade, um sobre o solo e outro sob
o implante, não sendo por isso um direito sobre coisa alheia, mas sobre coisa própria
que é o implante. Defendem, assim, a existência de uma propriedade superficiária, o
que explicaria a possibilidade de a superfície poder ser perpétua
➢ Teoria do direito real de gozo autónomo (PROF. MENEZES CORDEIRO e MENEZES
LEITÃO): a superfície é um direito real menor que comprime a propriedade do solo;
também não pode ser um direito de propriedade porque não é um direito exclusivo,
nem um direito pleno, uma vez que não atribui uma permissão normativa geral relativa
à coisa, mas apenas as faculdades de construir, plantar, e de manter as construções e
plantações realizadas
➢ Teoria dualista (MOTA PINTO): defende que as faculdades de construção e plantação e o
direito incidente sobre as construções e plantações uma vez realizadas são direitos de
natureza diferente. CARVALH FERNANDES considera que as faculdades de construção e
plantação são um direito real de aquisição, enquanto que o direito sobre a obra ou
plantações realizadas corresponderia a um direito real de gozo autónomo.

5. Servidões prediais
Segundo o art. 1543º CC corresponde à atribuição ao titular de um prédio, dito dominante, de
utilidades provenientes de outro prédio, dito serviente – os 2 prédios devem pertencer a
proprietários distintos, não sendo admitidas as servidões pessoais.

5.1. Características das servidões prediais

69
Direitos Reais

✓ Ligação necessária a um prédio – a atribuição da servidão faz-se em função da


titularidade de um prédio dominante ao titular do direito de servidão, que pode ser um
proprietário, um usufrutuário ou superficiário
✓ Atipicidade do conteúdo – segundo o art. 1544º CC, a servidão pode incidir sobre
quaisquer utilidades, desde que sejam suscetíveis de ser gozadas pelo titular do direito
✓ Inseparabilidade em relação ao prédio sobre que incide – questiona-se se esta
característica impede a constituição de servidões sobre coisas separáveis do prédio
o Guilherme Moreira – sim, impede, porque isso pressupõe que o seu exercício
conduza à separação dos frutos
o Pires de Lima, Antunes Varela e Oliveira Ascensão – a inseparabilidade apenas
exige que o direito a essas utilidades esteja ligado a um prédio dominante; por
isso, a inseparabilidade é apenas uma característica meramente legal da servidão
✓ Indivisibilidade – implica que as servidões não sejam suscetíveis de ser repartidas por
partes, apesar de o uso da servidão poder ser limitado

5.2. Modalidades de servidões


▪ Servidões legais – pode ser constituída sem o consentimento do prédio sujeito à
servidão (ex. servidão de passagem do art. 1550º e ss. CC) – e servidões voluntárias –
exigem o consentimento do proprietário do prédio serviente para se poder constituir
▪ Servidões positivas – atribui ao titular do prédio dominante o poder de realizar certos
atos sobre o prédio serviente – servidões negativas – o titular do prédio serviente fica
obrigado a se abster da prática de certos atos (ex. servidão de não afetação da vista) – e
servidões desvinculativas – ocorre a libertação do prédio de uma restrição legal imposta
pelo benefício do prédio serviente
▪ Servidões aparentes – revela-se por sinais visíveis e permanentes – e servidões não
aparentes – não se revela por esses sinais
▪ Servidões contínuas – exercem-se permanentemente, independentemente de qualquer
ação do homem (ex. servidão de aqueduto) – e servidões descontínuas – o seu exercício
é intermitente, dependendo da ação humana (ex. servidão de aproveitamento de águas)

5.3. Constituição de servidões


✓ Contrato – o contrato de constituição do direito de servidão deve ser celebrado por
escritura pública ou documento particular autenticado
✓ Testamento – é necessário observar a forma dos testamentos do art. 2204º e ss. CC
✓ Usucapião – apenas no caso das servidões aparentes

70
Direitos Reais

✓ Destinação do homem de família – ocorre quando 2 prédios do mesmo dono, ou 2


frações do mesmo prédio, revelam uma serventia recíproca. Requisitos:
o Que os 2 prédios ou frações de um prédio tenham pertencido ao mesmo dono
o Que existam sinais visíveis e permanentes reveladores de uma situação estável
de serventia de um dos prédios em relação ao outro
o Que os 2 prédios ou as frações de um prédio tenham vindo a ser reparados do
mesmo domínio
o Que não haja no documento relativo a essa separação nenhuma declaração
contrária à existência desse encargo
✓ Sentença judicial ou decisão administrativa

5.4. Servidões legais


5.4.1. Servidões de passagem
 Servidão de passagem em benefício de prédio encravado (art. 1550º e ss. CC) – é concedida
aos proprietários de prédios que não tenham acesso à via pública ou que não condições
para tal uma servidão de passagem através de terrenos vizinhos que sofram menos
prejuízo.
O art. 1551º CC permite que os proprietários de quitas muradas, quintais ou terrenos
adjacentes a prédios urbanos se possam subtrair ao encargo de ceder passagem, desde que
adquiram o prédio encravado pelo seu justo valor.
Segundo o art. 1554º CC, pela constituição da servidão de passagem é devida uma
indemnização correspondente ao prejuízo causado:
o MANUEL RODRIGUES – no conceito de prejuízo abrange-se a desvalorização suportada
pelo prédio vizinho e o valor de uso da passagem, em termos de beneficio adquirido
pelo prédio dominante
o PIRES DE LIMA e ANTUNES VARELA – apenas se insere no conceito a desvalorização do
prédio vizinho e os lucros cessantes perdidos pelo titular
 Servidão de passagem para o aproveitamento de água (art. 1556º/1 CC) – poderá
estabelecer-se uma servidão sempre que, para os gastos domésticos, o proprietário não
tenha acesso às fontes, poços ou reservatórios públicos destinados a esse uso, nem às
correntes de domínio público

5.4.2. Servidões legais de águas


❖ Servidão de aproveitamento de águas – é atribuída ao titular de um prédio que não tenha
água suficiente para as suas necessidades, e não a possa obter sem excessivo incómodo,
podendo aproveitar-se das águas existentes no prédio vizinho
o Para gastos domésticos (art. 1557º CC)
o Para fins agrícolas (art. 1558º CC)

71
Direitos Reais

❖ Servidão de presa – não se limita apenas à recolha de águas em prédio alheio, abrangendo
ainda a faculdade de represar a água e a fazer derivar desse prédio
o Águas particulares (art. 1559º CC) – o titular pode constituir coercivamente uma
servidão de presa mediante o pagamento de uma indemnização correspondente ao
prejuízo causado
o Águas públicas (art. 1560º CC) – a servidão de presa só pode ser constituída nos casos
do nº1
❖ Servidão de aqueduto – reconduz-se à faculdade de conduzir sobre prédio alheio as águas a
que o titular da servidão tenha direito
o Águas particulares (art. 1561º CC) – a constituição de servidão obriga a indemnizar o
proprietário do prédio serviente pelo prejuízo que das obras resulte para o seu
prédio
o Águas públicas (art. 1562º CC) – a constituição forçada de servidão só é admitida no
caso de haver concessão de água
❖ Servidão de escoamento – consiste na faculdade de fazer escoar sobre prédio vizinho as
águas que existem em excesso em determinado prédio, podendo ser constituída nos casos
do art. 1363º/1 CC. Só pode ser constituída sobre os prédios que possam ser onerados com
a servidão legal de aqueduto (nº4).

5.5. Extinção de servidões


o Confusão de propriedades – reunião dos 2 prédios, dominante e serviente, no domínio
da mesma pessoa
o Não uso durante 20 anos, qualquer que seja o motivo
o Usucapio liberatis
o Renúncia do proprietário do prédio dominante, a qual não requer aceitação do
proprietário do prédio serviente (art. 1569º/5 CC)
o Desnecessidade, no caso das servidões constituídas por usucapião e das servidões legais,
para o prédio dominante – no caso de a sua manutenção desvalorizar os prédios
servientes, sem beneficiar os prédios dominantes. A desnecessidade tem que ser
superveniente e que a servidão perca toda e qualquer utilidade. Não implica a extinção
automática, sendo que é o proprietário que tem o direito de a requerer judicialmente
o Remição, no caso das servidões legais de aproveitamento de águas (art. 1569º/4 CC) –
pode ser solicitada passados 10 anos sobre a sua constituição, desde que o proprietário
do prédio serviente demonstre que pretende fazer da água um aproveitamente
justificado

72
Direitos Reais

5.6. Natureza do direito de servidão


✓ Teoria do desmembramento da propriedade (TEIXEIRA DE ABREU e JOSÉ TAVARES) – a
servidão é um direito real que incide sobre coisa própria que se divide num direito de
propriedade sobre o prédio e um direito de servidão
✓ Teoria da limitação ao exercício do direito (GUILHERME MOREIRA, PIRES DE LIMA e
ANTUNES VARELA) do proprietário que permite ao titular do prédio dominante
aproveitar de certas utilidades proporcionadas por coisa alheia
✓ Teoria dualista (JOSÉ ALBERTO VIEIRA) – nas servidões negativas, verifica-se um
fracionamento do direito de propriedade, enquanto que nas servidões negativas apenas
existe uma limitação ao exercício do direito
✓ Teoria do direito real menor (OLIVEIRA ASCENSÃO, CARVALHO FERNANDES, BONIFÁCIO
RAMOS e MENEZES LEITÃO) – o direito de servidão é um direito real de gozo incidente
sobre coisa alheia, mesmo que o gozo que a servidão proporciona incida sobre coisa
diferente daquela que constitui o seu objeto

73

Você também pode gostar