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AULAS PRÁTICAS DIREITO DAS COISAS- Drª Margarida Costa Andrade

I PARTE – DIREITOS REAIS EM GERAL - INTRODUÇÃO


Aula 1: 27 de Fevereiro de 2018
Os direitos reais, ao contrário das obrigações, dizem-nos de que forma se estabelece uma “relação” entre os sujeitos
e as coisas, como é que a lei autoriza a sua utilização sem intervenção de qualquer terceiro, como é que os sujeitos
se apropriam das coisas. Temos como diferenças significativas entre os direitos de crédito e os direitos reais:
DIREITOS DE CRÉDITO DIREITOS REAIS
Eficácia os direitos de crédito são eficazes interpartes Os direitos reais são eficazes erga omnes;
Tipo Os direitos reais são relações entre pessoas São relações de domínio sobre as coisas
Objeto Os direitos de crédito podem incidir sobre os direitos reais sobre coisa certa, determinada e
coisa indeterminada e futura; Os direitos de atual; os direitos reais, em regra, incidem apenas
crédito podem incidir sobre mais do que uma sobre uma coisa (exceção da hipoteca- várias
coisa; hipotecas sobre uma coisa.

Regime Em matéria de direitos de crédito vale o nos direitos reais vale o princípio da taxatividade –
princípio da autonomia privada – art.398º CC; art.1306º CC. Os direitos reais, desde que possam ser
onerados, ou seja, comprimidos por outro direito real,
gozam da característica da elasticidade.

Formas Os direitos de crédito prescrevem e a Quanto aos direitos reais a sua extinção varia:
de prescrição não é de conhecimento oficioso • Os direitos reais de gozo, extinguem-se pelo
Extinção não uso, com exceção da propriedade e o
não uso é de conhecimento oficioso;
• Quanto aos direitos reais de aquisição,
caducam, e a caducidade é de conhecimento
oficioso.
• Os direitos reais de garantia prescrevem.

Contudo temos pontos de contacto entre os direitos de crédito e os direitos reais: Tanto os direitos reais como os
direitos de crédito surgem no âmbito do direito patrimonial – ambos concedem o acesso a bens. Quer o direito real
quer o direito de crédito podem surgir de um contrato. Há direitos reais que garantem a satisfação/cumprimento de
direitos de crédito – são os direitos reais de garantia. A violação de um direito real, dá origem a uma relação
creditória, que é uma pretensão real. Os titulares dos direitos reais, pelo facto de o serem, estão obrigados a assumir
comportamentos de conteúdo positivo – são as obrigações reais, ou seja, existem obrigações que surgem pelo
simples facto de uma pessoa ser titular de um direito real.

O que nos interessa será: quais as caraterísticas dos Direitos Reais?


Caraterísticas dos Direitos Reais:
➢ Eficácia Absoluta/erga omnes: direitos oponíveis contra terceiros
➢ Sequela: possibilidade do titular do direito real seguir a coisa onde ela se encontre/direito real
(que o titular tem)segue a coisa onde quer que ela se encontre
➢ Prevalência: em caso de conflito entre direitos reais e direitos de crédito os 1ºs prevalecem
sempre; em caso de conflito entre direitos reais prevalece o 1º constituído
➢ Inerência: direito real está ligado a uma coisa
Qual a natureza jurídica dos direitos reais? Há 4 teorias distintas nesta matéria:
⦁ Teoria Clássica/Realista: surge na Idade Média pelas Escolas dos Glosadores e a dos Comentadores e tem como
base o estudo das fontes de Direito Romano. Diziam que os Direitos Reais eram poderes diretos e imediatos sobre
coisas certas e determinadas, ao passo que os Direitos de Crédito consistiam em relações intersubjetivas (traduz-se
no facto de se exigir de outrem uma prestação de conteúdo positivo ou negativo). Durante séculos este foi o
entendimento mas no séc XIX surge a teoria personalista.

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⦁ Teoria Personalista: esta teoria surge como o produto da influência kantiana no modo de entender o Direito (como
fenómeno sociológico). Os personalistas diziam que a teoria realista tinha um valor imagético, estavam a falar de
uma metáfora. O que carateriza o direito é sim a relação entre sujeitos só que o sujeito passivo estava escondido.
Víamos um dos sujeitos com poderes (o lado ativo) mas não víamos o outro que fazia parte da relação jurídica. Isto
quer dizer que do outro lado está a comunidade jurídica. Este sujeito pode exigir uma obrigação passiva universal.
Esta teoria apontava algumas críticas à teoria clássica, como:
1) existem direitos reais que não carecem de poderes diretos e imediatos sobre as coisas. Exemplo: hipoteca. O
credor hipotecário não exerce poderes materiais sobre a coisa- por causa do registo: sem registo não há hipoteca.
Mas não será verdade que não tenha poderes diretos e imediatos sobre a coisa porque pode mandar executar a
coisa quando seja verificado incumprimento. Ou seja, esta teoria confunde os poderes diretos e imediatos com os
poderes materiais sendo que os primeiros poderão ser jurídicos. Nesta crítica, os personalistas não têm razão.
2) existem direitos reais de garantia que conferem poderes diretos e imediatos sobre a coisa mas não são poderes
que satisfazem o interesse do titular do direito. Por exemplo: Penhor. Mas porquê? Porque o contrato de penhor é
um contrato real quanto aos efeitos e real quanto à constituição. (Importante em Orais). É um contrato real quanto
aos efeitos porque é o meio através do qual se criam, modificam ou extinguem direitos reais. É também real quanto
à constituição porque é necessária a prática de um ato de exteriorização da vontade para a produção do efeito
pretendido. Por exemplo: entrega da coisa.
Notas:
A) É-nos possível elaborar um catálogo de Direitos Reais presentes no nosso Ordenamento Jurídico? Sim, é.
Entre nós vigora o princípio da taxatividade sendo que isto significa que são direitos reais aqueles que se
encontram previstos na lei, apenas esses- art 1306º. Este princípio tem um "inimigo" um contrapólo: o princípio da
liberdade contratual presente no art 405º CC.
B) Temos que categorizar os Direitos Reais e, sendo assim, temos:
• Posse como direito real provisório: Paulo Mota Pinto
• o Direito de Propriedade como o direito real máximo presente no artigo 1302º e ss. Será explorado à
frente.
• e temos os direitos reais menores/limitados sendo eles 3:
1. direitos reais de gozo (usufruto-usar e fruir; uso e habitação; superfície; servidões prediais,
direito real de habitação periódica).Os direitos reais de gozo são aqueles que conferem um poder
de utilizar, total ou parcialmente, uma coisa e, por vezes, também o de apropriação dos frutos que
a coisa produza.
2. direitos reais de garantia (consignação de rendimentos, penhor, hipoteca, privilégios creditórios,
direito de retenção)- artigo 666º e ss. Os direitos reais de garantia são direitos que conferem o
poder de, pelo valor de uma coisa ou pelo valor dos seus rendimentos, um indivíduo obter, com
preferência sobre todos os outros credores, o pagamento de uma dívida de que é titular ativo.
3. direitos reais de aquisição: Os direitos reais de aquisição são direitos reais que conferem a
determinado indivíduo a possibilidade de se apropriar de uma coisa, de adquirir a coisa. Exemplo
de direito real de aquisição é o direito real de preferência, que confere a pessoas em certas
situações a possibilidade de adquirirem uma coisa, no caso de o proprietário dela a pretender
alienar e o preferente estar disposto a pagar por ela a mesma importância que o terceiro
adquirente se propõe pagar. É, portanto, o direito de fazer suas certas coisas, dando o valor pelo
qual se projeta negociar a coisa. Este direito real de preferência pode ser legal ou convencional. A
possibilidade de um direito convencional de preferência está referida no art. 421º CC, sendo
possível atribuir eficácia real aos pactos de preferência celebrado entre pessoas em qualquer
circunstância. Já o direito de preferência legal existe nos seguintes casos: art. 1380º; art. 1409º;
art. 1535º; art. 1555º; art. 2130º CC. Fora destas situações não se pode verificar o direito real de
preferência, a não ser que haja um pacto de preferência com eficácia real. Outro exemplo de
direito real de aquisição é o contrato-promessa de compra e venda com eficácia real.
1. DIREITOS REAIS DE GOZO:
Usufruto: art 1439º. É um DR de gozo (usar e fruir da coisa e dispor se for possível o trespasse). É um direito limitado,
o usufrutuário não pode alterar a forma ou substância da coisa usufruída e deve, também, respeitar o seu destino
económico. É um direito temporário (elemento constitutivo do tipo); É não exclusivo- não implica a existência de
outro direito real sobre a mesma coisa; Por fim, é um direito que pode recair sobre objeto alheio. O princípio da
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coisificação aparece como obstáculo à possibilidade do usufruto recair sobre direitos. O usufruto pode constituir-se
através de: contrato, testamento, usucapião ou disposição na lei (art 1440º). Os direitos e obrigações do usufrutuário
são regulados pelo título constitutivo do usufruto. Quando o título for insuficiente aplicam-se as disposições do
código- art 1445º. Este título poderá ser flexível desde que respeite a estrutura básica do art 1439º sob pena de
violar o princípio da tipicidade fechada/taxatividade dos direitos reais- art 1306º. Ao usufruto impõe-se um limite:
não pode incidir sobre a fruição de uma só utilidade. Isto subverteria o princípio segundo o qual não existem
servidões pessoais. Falamos de um tipo relativamente aberto e considera-se que nem todas as disposições legais
têm caráter supletivo sendo algumas imperativas. Quando o título constitutivo não o fizer, no que toca aos direitos
e obrigações do usufrutuário, aplicar-se-ão as normas que definem o conteúdo do usufruto: o artigo 1466º que
dispõe que o usufrutuário pode usar, fruir e administrar a coisa como faria um bom pai de família respeitando o seu
destino económico (não se confunde com a não alteração da substância da coisa art 1439º); o nosso direito
determina que é o momento da colheita que assinala o direito à aquisição dos frutos naturais. O usufrutuário e o
proprietário têm direito aos frutos colhidos durante a vigência do usufruto e depois da sua extinção. Contudo o
usufrutuário não é obrigado a abonar, ao proprietário, as despesas de produção que este faz antes da constituição
do usufruto mas o proprietário é obrigado a ressarci-lo dessas despesas relacionadas com os frutos que, depois da
extinção do usufruto, vier a colher- art 1447º. A lei presume que a vontade do instituidor se manifestaria no sentido
de pretender que o beneficiário do usufruto passe, logo após a instituição, a colher os frutos da coisa daí o
beneficiário não o ter de abonar. Para evitar um locupletamento/enriquecimento do proprietário da raiz à custa do
usufrutuário percebe-se que o primeiro tem que ressarcir o usufrutuário. Além disso afasta a possibilidade do
usufrutuário ser inerte com o aproximar do termo do usufruto- MOTA PINTO. No que toca às obrigações do
usufrutuário temos: relação de bens e prestação de caução- o usufrutuário deve fazer uma relação de bens onde
conste o seu estado e, se houver móveis, o seu valor- art 1468º/a). A prestação de caução não é obrigatória se o
usufruto tiver sido constituído per deductionem art 1469º; obras, melhoramentos e plantações- art 1471º/1;
reparações ordinárias; reparações extraordinárias; impostos e informações. O usufruto extingue-se da seguinte
forma: morte ou decurso do tempo; confusão; não uso (20 anos); perda; renúncia e mau uso. No que toca à natureza
jurídica do usufruto a doutrina divide-se. Existem autores que defendem que o usufruto é um desmembramento ou
parcelamento da propriedade (teoria do desmembramento da propriedade). O código de seabra parecia aceitar esta
doutrina (MOTA PINTO). Critica-se esta doutrina porque a propriedade tem traços qualitativos específicos que não
podem ser divididos. Já a outra teoria, a teoria da propriedade temporária, considera que o proprietário e o
usufrutuário são proprietários da coisa mas com faculdades diferentes. A crítica considera isto inaceitável.
Finalmente, defendemos que o usufruto se trata de um direito real autónomo que onera a propriedade.
Uso e Habitação: art 1484º- Direito real de gozo de uma coisa na medida das necessidades do titular e da sua família
(necessidades pessoais, direito pessoal e é intransmissível- gozo limitado). Este direito abrange não só o usus como
o fructus. Isto implica que se o direito de uso incidir sobre uma casa (direito de habitação neste caso) esta não poderá
ser arrendada visto que o direito não engloba os frutos civis dela. Se estivermos perante um prédio rústico, aí já se
engloba a possibilidade de o cultivar como a de colher os respetivos frutos, possibilidades, ainda assim limitadas pela
mdida das necessidades do titular do direito e da sua família. É importante delimitar o agregado familiar- art 1487º.
Os direitos de uso e habitação constituem-se pelos mesmo modos que o usufruto excluindo-se a usucapião- art
1485º (por contrato, testamento ou disposição na lei). Os direitos de uso e habitação são regulados pelo título
constitutivo e aplicam-se os artigos 1485º e ss subsidiariamente. Parece que a natureza jurídica deste direito é a
afetação destes direitos à função de satisfazer necessidades pessoais.
Direito real de habitação periódica: direito de usar, por um ou mais períodos certos, em cada ano, para fins
habitacionais, uma unidade de alojamento integrada num empreendimento turístico, mediante pagamento de uma
prestação periódica ao proprietário do empreendimento ou a quem o administre. É o chamado time sharing.
Superfície: art 1524º. É uma exceção ao princípio da totalidade. Faculdade de construir ou manter perpétua ou
temporariamente uma obra em terreno alheio ou de fazer ou manter uma plantação. O titular do direito é o
superficiário. O direito de superfície constitui-se por contrato, testamento, usucapião ou pode resultar da alienação
de obra ou árvores já existentes separadamente da propriedade do solo- art 1528º. O direito de superfície é
transmissível por ato inter vivos e mortis causa- art 1534º. Todavia, o proprietário do solo goza, em último lugar, do
direito de preferência na venda ou dação em cumprimento do direito de superfície- art 1535º/1. O direito de
preferência compreende-se porque, constituindo o direito de construir ou plantar em terreno alheio, bem como o
de aí manter obra ou árvores uma restrição à propriedade do solo, proporciona a recuperação da sua plenitude. No
que toca aos direitos e deveres do superficiário e do proprietário do solo temos: o proprietário pode usuar e fruir
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da superfície mas não pode impedir ou tornar mais onerosa a construção ou plantação- art 1532º; pode usar e fruir
so subsolo embora seja o responsável pelo prejuízo causado ao superficiário em consequência da sua exploração-
art 1533º; recebe em dinheiro uma prestação única ou certa prestação anual que poderá ser perpétua ou
temporária- art 1530º. Já no que toca ao superficiário, este pode: fazer construções ou plantações no terreno do
proprietário do solo- art 1524º; pode contruir sobre edifício alheio com as limitações da propriedade horizontal- art
1526º; pode gozar a obra ou plantação feita- art 1533º; pode dispor da coisa construída ou das árvores plantadas;
pode reconstruir ou renovar a plantação em caso de destruição; pode utilizar as servidões necessárias ao uso e
fruição da obra ou das árvores sobre a restante parte do prédio- art 1539º/1; e poderá ser indemnizado por
caducidade do seu direito segundo as regras do enriquecimento sem causa- art 1538º/2. Já do lado das obrigações,
o superficiário tem que: pagar a prestação convencionada- art 1530º/1; dar preferência ao proprietário so solo na
venda ou dação em cumprimento do direito de superfície- art 1535º/1; e tem que responder pelas deteriorações da
obra ou plantações quando haja culpa da sua parte- art 1538º/2. Para finalizar, temos como formas/causas de
extinção do direito de superfície: 1) se o superficiário não concluir a obra ou não fizer a plantação no prazo fixado
ou, na falta de fixação de prazo, dentro de dez anos- art 1536º/a)- esta limitação temporal justifica-se por o
superficiário não mostrar interesse atendível e por um interesse público em acabar com as restrições ao direito de
propriedade; 2) se, destruída a obra ou as árvores, o superficiário não reconstruir a obra ou não renovar a plantação
dentro dos mesmo prazos a contar da destruição- art 1536º/1/b; 3) pelo decurso do prazo, se foi constituído por
tempo certo- art 1536º/1/c); 4) pela reunião, na mesma pessoa, dos direitos de superfície e de propriedade- art
1536º/1/d); 5) pelo desaparecimento ou inutilização do solo- art 1536º/1/e; 6) pela expropriação por utilidade
pública- art 1536º/1/f). Existem várias posições no que toca à natureza jurídica do direito de superfície: segundo
Pires de Lima e Antunes Varela a posição do superficiário é complexa, sendo necessário distinguir duas faces- em
relação à obra ou plantação, é ou virá a ser o seu proprietário; em relação ao terreno ou solo, estamos perante um
direito real de gozo autónomo. MOTA PINTO segue este entendimento.
Servidão predial: Art.1543º CC: encargo imposto a um prédio em proveito exclusivo de outro prédio (e não de uma
pessoa), pertencendo a dono diferente. O prédio onerado com a servidão: serviente; o prédio beneficiado pela
servidão: dominante. Se uma servidão de passagem se deslocar de um prédio para o outro a antiga servidão
extingue-se e constitui-se uma nova- MOTA PINTO. Não são direitos reais as servidões pessoais, por exemplo não é
servidão real quando um prédio dá uma servidão para que uma pessoa passeie nesse prédio. Quaisquer utilidades
que um prédio possa dar a outro prédio podem ser objeto de servidão - art.1544º CC. Art.1564º CC – as servidões
são reguladas, no que respeita à sua extensão ou modo de exercício, pelo respetivo título. A vantagem tem de ser
para o proprietário do prédio dominante e a relação de benefício tem de ser entre os dois prédios em questão –
relação de predialidade.
2. DIREITOS REAIS DE GARANTIA:
Consignação de Rendimentos: Tem a particularidade de não atribuir ao seu titular o poder de promover a venda do
bem. A pessoa vai ser paga com os rendimentos que coisa certa e determinada vai gerando;
Hipoteca e Penhor: A hipoteca recai sobre bens imóveis ou bens equiparados (automóveis, navios e aeronaves); não
implica a entrega da coisa ao credor hipotecário. O proprietário continua a usar e a fruir da coisa; a propriedade fica
assim onerada com a hipoteca a favor do credor. O credor hipotecário tem somente um direito real de garantia sobre
a coisa e não um direito real de propriedade. O penhor recai sobre coisas móveis, direitos de crédito, ou direitos que
não pode ser objeto de hipoteca; supõe-se a entrega da coisa, a coisa fica nas mãos do credor penhoratício. Quer
numa hipótese, quer noutra, se o devedor não pagar, o credor pode promover a venda judicial do bem (intentar a
Ação executiva), para ver satisfeita a sua pretensão;
Privilégios Creditórios: podem ser móveis ou imóveis, ou seja, mobiliários ou imobiliários. A sua fonte é,
exclusivamente, a lei, e são direitos reais de garantia perigosos porque se mantém no anonimato, não são dados a
conhecer. O privilégio creditório não está sujeito a registo ele mesmo. Porquê especiais? Porque só são direitos
especiais aqueles que incidem sobre coisa certa e determinada. Também existem privilégios gerais, quer mobiliários
quer imobiliários; estes privilégios gerais são direitos de crédito e não direitos reais;
Direito de retenção: O devedor que disponha de um crédito sobre o seu devedor goza de direito de retenção se
estando obrigado a entregar a coisa o seu crédito resultar diretamente da coisa por despesas feitas na coisa. Temos
um devedor que está obrigado a entregar uma coisa, mas ao mesmo tempo é credor, porque gastou dinheiro na
coisa, ou porque a coisa lhe gerou danos, podendo por isso exercer o seu direito de retenção. Exemplo do mecânico
que arranja o carro de B; B quer levar o carro depois de este estar composto, sem pagar; o mecânico pode exigir que
B deixe o carro enquanto não pagar. Tem duas funções, por um lado o credor detém a coisa em seu poder, de forma
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a coagir o devedor a cumprir. Caso não o faça, promove a venda judicial do bem para assim satisfazer o seu crédito,
com preferência face aos demais credores que não tenham garantias anteriores.

Onde se encontram estes direitos? No que toca aos direitos reais de gozo estes estão presentes no Livro III do CC
e em legislação avulsa- o caso direito real de habitação periódica. Já os direitos reais de garantia estão presentes
no Livro II e porquê? Porque estão interligados com os direitos de crédito e os direitos reais. Os direitos reais de
garantia servem para fortalecer os direitos de crédito.
Mas será que os direitos de crédito têm todos garantia? Sim! Têm sempre a designada garantia geral das
obrigações que será o património do devedor. Contudo, se esta não for suficiente, o credor pode exigir uma
garantia mais forte- pessoal ou real. Se for pessoal temos como protótipo a fiança. O património do fiador fica todo
afeto ao cumprimento da obrigação. "Busca-se" o património do fiador e coloca-se em cima do património do
devedor. O credor pode, assim, atacar dois patrimónios. Por exemplo: casos em que A é credor e B é devedor e A
pretende que seja C, o fiador, a responder com o seu património.

C) Os Direitos Reais incidem sempre sobre coisas certas e determinadas e não sobre patrimónios- teoria da
coisificação.

⦁ Teoria Mista/Eclética: teoria adotada pelo Drº Paulo Mota Pinto e também Pires de Lima, Santos Justo, Antunes
Varela e Carlos Alberto Mota Pinto. Esta teoria diz que a personalista se esqueceu que os direitos reais concedem
poderes diretos e imediatos sobre as coisas e que queriam tanto sublinhar a subjetividade que apagaram os direitos
sobre as coisas. Dizem os autores que também não podemos cair na teoria realista porque esta se esqueceu na
eficácia absoluta dos direitos reais. Como no meio é que está a virtude, dizem os autores que o direito real se
compõe numa estrutura bi-partida, ou seja, encontramos dois elementos diferentes dentro dos Direitos Reais:
Por um lado o elemento interno ou objetivo: poder direto e imediato sobre coisas certas e determinadas
(aproveitamos a noção dos realistas) e é ao olhar para este poder que identificamos os direitos reais.
Por outro lado o elemento externo ou subjetivo: encontramos a eficácia absoluta, erga omnes ou da perspetiva
passiva a obrigação passiva universal.
Também no direito de crédito encontramos a mesma estrutura, um elemento interno (poder de exigir uma
prestação tenha ela conteúdo positivo ou negativo) e um elemento externo (a eficácia relativa ou inter partes
porque o titular do direito de crédito só pode exigir o cumprimento da obrigação).
⦁ Teoria Realista Renovada- criada por Henrique Mesquita e defendida pela Drª Margarida Costa Andrade e Drª
Mónica Jardim- posição 2º turma. Considera-se que esta teoria não passa de uma síntese verbal. O que ela faz é
juntar as duas teorias acima não sendo grande o avanço para a dogmática dos direitos reais. Nenhuma destas teorias
chama atenção para o facto de a lei não conceder só direitos mas também obrigações de conteúdo positivo, obriga
os titulares de direitos a fazer ou a dar alguma coisa só pelo facto de serem titulares de direitos reais- a estes
deveres o Drº Mesquita chama de obrigações reais. A Drª Margarida Costa Andrade pensa que o que é
revolucionário no pensamento do Drº Mesquita é deixarmos de falar em Direitos Reais como atribuir um poder e
passamos sim a falar em atribuir um estatuto. Art 1439º CC- poder de utilização e fruição da coisa+ art 1472º.
Também há coisas comuns aos direitos reais e aos direitos de crédito: tanto uns como os outros fazem parte do
direito patrimonial; ambos são direitos transmissíveis todavia há exceções: o direito de uso e o direito de habitação
não são transmissíveis, por outro lado, as servidões são transmitidas com o prédio; da violação de um direito real
nasce uma relação creditícia ou de natureza obrigacional o que se designa por prevenção real (relações jurídicas de
natureza obrigacional que surgem da violação de um direito real). Ex: senhor A é proprietário de um prédio e B,
vizinho, despeja lixo no prédio de A. B viola a propriedade privada. Desta violação surge para A o direito de exigir a
abstenção de comportamento lesivos e atentatórios de B- isto é uma relação de crédito a que chamamos pretensão
real.

PRINCÍPIOS ORDENADORES DOS DIREITOS REAIS (apenas umas noções)


Ligados ao lado INTERNO dos Direitos reais (o lado interno relaciona-se com o facto de um direito real ser um poder
direto e imediato sobre uma coisa)
• Princípio da especialidade/individualização: Um direito de crédito pode incidir sobre mais do que uma
coisa, enquanto que um direito real tem, em princípio, por objeto apenas uma coisa. Este princípio diz-nos
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que o direito real incide sobre uma coisa certa, determinada, presente, não futura, que não incide sobre
partes (integrantes ou componentes). O direito real incide sobre coisa certa e determinada e incide sobre a
totalidade da coisa- princípio da totalidade.
• Princípio da compatibilidade ou da exclusão: podemos ter uma coisa individualizada que seja objeto de
mais do que um direito real. Temos de garantir que estes não choquem, que sejam compatíveis. No fundo,
que possam excluir-se uns aos outros. O direito real, sendo um poder direto e imediato tende a excluir
qualquer outro poder direto e imediato que atinja as faculdades que ele se reserva sobre a coisa. Mas isto
não obsta à possibilidade de compatibilização entre vários graus de utilização do objeto, de vários direitos
reais diferentes, desde que sejam distintos poderes diretos e imediatos. Por exemplo, a partir da
propriedade pode ser criado um direito de usufruto e a partir de um usufruto, uma servidão, etc.
• Princípio da elasticidade: Todo o direito sobre as coisas tende a abranger o máximo de utilidades que
propicia um direito dessa espécie. Isto significa que todo o direito real tende a expandir-se (ou a reexpandir-
se) até ao máximo de faculdades que abstratamente contém. Em regra, aparece referido não como princípio
mas como característica do direito de propriedade (ver mais à frente na matéria de Direito da Propriedade).
Este é um direito elástico porque pode ser comprimido com a constituição de um direito real e quando este
se extingue o direito do proprietário re expande-se. Não é, contudo, só este direito que é elástico. O direito
de usufruto também é elástico, pois o usufrutuário pode constituir uma servidão, e quando este se extingue
o direito de servidão re expande-se.
• Princípio da coisificação: os direitos reais incidem sempre sobre coisas.

Ligados ao lado EXTERNO dos Direitos Reais (o lado externo liga-se à obrigação geral passiva de todos os demais
sujeitos em relação ao titular do direito real, com a tutela absoluta destes direitos)
• Princípio da taxatividade/tipicidade fechada/numerus clausus: artigo 1306º. Em matéria de direitos reais
valem apenas aqueles que estão previstos na lei, ou seja, são direitos reais aqueles que estão na lei previstos
como tal.
• Princípio da transmissibilidade: Os direitos reais, tal como os outros direitos, podem mudar de titular, são
transmissíveis inter vivos ou mortis causa. Significa isto que a ligação entre os direitos reais e o seu titular é
cindível, pode ser quebrada por vontade do titular ou por outra causa. Esta característica traduz no fundo à
alienabilidade e a heritabilidade dos direitos reais, mas não tem carácter absoluto, é uma nota tendencial
que comporta exceções. O CC não consagra este princípio expressamente, mas pode subentender-se da
faculdade de disposição conferida a todos os direitos reais. Existem exceções, obviamente, como por
exemplo: o direito de uso e habitação que é um direito pessoal (intuitu personae), servidões,...
• Princípio da causalidade: Entre nós, para a constituição e transmissão dos direitos reais basta um acordo de
vontades mas é suposto que esse título (esse acordo de vontades) não padeça de causas de inexistência e
nulidade, e seja apto a produzir efeitos reais. O princípio da causalidade diz-nos que a causa de constituição
ou transmissão dos direitos reais tem de ser uma justa causa, que não padeça de inexistência e invalidade e
seja apta a produzir efeitos reais (procedente). Se basta o título, que é a justa causa, o fundamento jurídico,
então essa causa não pode padecer de vícios. Assim, quando se celebra um contrato, e desde que esse
contrato não seja inválido ou inexistente e seja apto a produzir efeitos reais, o efeito real produz-se.
• Princípio da consensualidade: está previsto no artigo 408º/1 e diz-nos que os direitos reais transmitem-se e
constituem-se por mero efeito de contrato. Exceções a este princípio são a doação de bens móveis quando
não exista escrito – exigência de traditio –; na transmissão de títulos ao portador – exigência também de
traditio –; na constituição do penhor de coisas – exigência de traditio; art. 669º CC –; na constituição de
penhor de créditos – exigência de notificação do devedor; e na constituição de hipoteca – exigência de
registo
• Princípio da publicidade: Tendo os direitos reais eficácia absoluta, convém que todos os interessados
possam conhecer a sua existência e, para esse efeito, subordina-se a respetiva constituição – ou, pelo
menos, a sua eficácia em relação a terceiros – a um sistema de publicidade que os torne facilmente
conhecíveis a qualquer pessoa.

Aula 2: 6 de Março de 2018


Caso prático 1:
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Em Março de 2017 A celebrou um contrato com B nos termos do qual este poderia colher todas as uvas que
o terreno daquele produzisse. Em Outubro do mesmo ano, A vendeu esse mesmo prédio a C tendo sido
lavrado o necessário documento particular autenticado. C não permite agora que B recolha as uvas. Pode
fazê-lo?
Passos de resolução:
1º: qualificar os direitos- em função da sua natureza jurídica temos que reconhecer qual deles vencerá; o direito
de propriedade pertencente a C é um direito real. O B não é titular de um direito de gozo de usufruto, logo não pode
celebrar um contrato de arrendamento sobre ele, não pode recolher laranjas, não pode passar sobre o imóvel, não
pode fazer mais nada a não ser recolher as uvas e sair- art 1439º CC . Aplica-se o art 1484º (Direito de uso
habitação)? Não. É um direito de superfície- art 1524º CC? Também não. Estamos perante uma servidão predial- art
1543º? Não visto que para existirem servidões tem que haver um prédio a servir outro prédio. Se fosse um direito
real seria um direito real de gozo no entanto não é nenhum dos que referimos acima. Então qual será? Aplicamos
aqui a regra de que se não é um direito real será um direito de crédito visto que no ordenamento jurídico português
vigora o princípio da taxatividade- art 1306º CC.
Se um negócio jurídico viola normas imperativas está ferido de uma nulidade e não gera efeitos. Então porquê é que
neste caso o negócio jurídico é válido? Porque tem eficácia inter-partes. Se as partes nunca tiveram a intenção de
constituir um direito real tal será tão só um direito de crédito e estaremos no campo da liberdade contratual- art
405º- por aqui chegaríamos a um direito de crédito. O legislador diz que esse tipo de liberdade não se aceita no
ordenamento jurídico português mas o legislador aceita-o presumindo que as partes o teriam querido como um
negócio com efeitos obrigacionais. No art 1306º/1 o legislador presume que as partes teriam aceite o negócio
jurídico como obrigacional o que não quer dizer que as partes possam não querer essa conversão que o legislador
facilitou no artigo.
Princípios da coisificação (os direitos reais incidem sempre sobre coisas) e da especificação (os direitos reais incidem
sempre sobre coisas determinadas, certas e autónomas).
Portanto: o direito de C é um direito real; já o direito de B é um direito de crédito.
2º: Perceber como se deve dirimir o conflito entre os sujeitos- temos dois direitos em conflito. Como
resolvemos isto? A que pertencem as uvas? A nossa turma (1º) defende que havendo conflito entre direitos reais e
direitos de crédito, os direitos reais dada a sua eficácia absoluta/erga omnes gozam da caraterística da prevalência
(ou seja, num conflito entre direitos reais e direitos de crédito prevalecerá sempre o direito real; num conflito entre
direitos reais incompatíveis prevalece sempre o primeiramente constituído). Só chamamos a prevalência quando os
direitos reais são incompatíveis (ex: propriedade plena vs propriedade onerada com usufruto).
Concluindo, entre os senhores B e C prevalece o direito real de C, logo este pode impedir B de colher as uvas. Não
falamos do registo visto que na nossa turma é uma situação excecional que abordaremos mais adiante.
3º: Quando é que se constituiu o direito de crédito de B? Em Março. Juridicamente falando no momento em
que A e B chegaram a acordo por força do princípio da consensualidade.
4º: Quando é que C se tornou proprietário? No momento em que foi celebrado o contrato por força do
princípio da consensualidade mais uma vez. No caso da compra e venda basta a vontade de vender encontrar-se
com a vontade de comprar para que os efeitos reais se produzam- art 408º/1- daí que se diga que o sistema
português é um sistema de título, título vale aqui como negócio jurídico, basta o título para a produção- princípio da
consensualidade. As exceções só sucedem quando ao título se exige ainda um modo: por ex entrega para o penhor-
art 669º- ou o registo para a hipoteca- art 687º.

Princípio da Consensualidade (TODAS AS ORAIS COMEÇAM AQUI ❗❗❗)


Se o contrato de alienação da vinha tivesse sido celebrado por escritura pública haveria algum vício? Não, mas seria
nulo se fosse por documento particular autenticado. Só foi permitida a celebração de contratos por documento
particular autenticado a partir de 2008; antes de 2008 era exigida a escritura pública. Um documento particular
autenticado é um documento particular, é um contrato feito por escrito, redigido num documento, esse documento
é objeto de um procedimento chamado autenticação (verifica-se se a vontade das partes é a que está nos
documentos). A autenticação destes documentos é feito por titulados como advogados, solicitadores,

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conservadores, etc- Princípio da Consensualidade (basicamente, em palavras simples, o princípio da
consensualidade traduz-se no acordo das partes).
Qual a relevância da forma? É uma exceção ao princípio da consensualidade? Não! A forma é apenas a exigência
quanto ao modo de expressão da vontade. O legislador apenas diz que a vontade tem que se manifestar de certo
modo e o legislador exige isto porque se considerava que exigir a forma implicava que as partes deliberassem sobre
aquilo que estavam a fazer a partir da ritualização dos procedimentos.
Existem, de facto, exceções ao princípio da consensualidade taxativamente previstos na lei: art 408º/1 "salvas as
exceções previstas na lei".

Aula 3: 13 de Março de 2018


Exceções Princípio da Consensualidade:
1. Artigo 669º "o penhor só produz os seus efeitos pela entrega da coisa empenhada"+ art 681º/2 + 687º-
excecionalmente o registo é constitutivo-
2. Artigo 947º/2 (são duas hipóteses dadas às partes numa há exceção ao princípio da consensualidade, na outra
há exigência da forma escrita- estamos perante um ato gratuito e o legislador é muito exigente para garantir que o
doador efetivamente quer dispor do património sem receber uma contra prestação.
As exceções só sucedem quando ao título se exige ainda um modo como por exemplo: entrega para o penhor (art
669º) e registo para a hipoteca (art 687º).
Portanto, em resposta ao caso prático da aula anterior: C adquiriu o direito de propriedade com a celebração do
contrato sendo que a vontade tem que constar em documento particular autenticado (desde 2009).

Caso prático 2:
Em Abril de 2017, A vendeu o seu prédio X a B. Porém em Maio, aproveitando o facto de B ainda não ter procedido
ao registo do seu direito, A vendeu o prédio a C que imediatamente registou esse facto na Conservatória. Um mês
depois, C constituiu uma hipoteca a favor de D de modo a garantir uma dívida no valor de 100mil €. Hoje, C pretende
constituir uma segunda hipoteca sobre o mesmo prédio em favor de E para garantir uma dívida no valor de 250mil€.
Tendo em conta que:
A) o prédio tem um valor comercial de 350mil€
B) foi celebrado com F um contrato promessa de compra e venda sobre X tendo o imóvel sido entregue (traditio rei) a
F que pagou a C um sinal de 10mil €.
Aconselha E a aceitar aquela garantia (hipoteca)?

Resolução:
1º: estamos perante uma dupla alienação. Será B o proprietário? Sim é, por força do princípio da consensualidade
mesmo que não tenha havido registo (o registo não é constitutivo). O registo apena faz com que o direito seja
oponível contra terceiros em determinadas situações, situações concretas, determinadas e rigorosas. O direito de B
é oponível erga omnes (caraterística direitos reais). Por exemplo: imaginemos que no prédio X é colocada sucata por
Z e B pretende que essa sucata seja retirada mas Z alega que B não o pode obrigar a tirar a sucata visto que não
procedeu ao registo do seu direito. Isto não poderia acontecer e poderia lançar-se mão da ação negatória: ação
utilizada para reagir contra a lesão de direitos reais (são feitos 3 pedidos: 1- declaração de inexistência de um direito
na esfera jurídica do autor da lesão; 2- pretende-se que seja resposta a situação material anterior à lesão (neste
caso, retirar a sucata do prédio); 3- que o réu seja condenado a abster-se de qualquer comportamento lesivo no
futuro.
Portanto, por força do princípio nemo plus iuris, a venda de A a C é nula visto que A vendeu coisa alheia. Porém com
a intervenção do registo poderemos reconhecer a titularidade do direito a C.
Artigo 5.º- Código de Registo Predial
Oponibilidade a terceiros
1 - Os factos sujeitos a registo só produzem efeitos contra terceiros depois da data do respetivo registo.
2 - Excetuam-se do disposto no número anterior:
a) A aquisição, fundada na usucapião, dos direitos referidos na alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º;
b) As servidões aparentes;
c) Os factos relativos a bens indeterminados, enquanto estes não forem devidamente especificados e determinados.

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3 - A falta de registo não pode ser oposta aos interessados por quem esteja obrigado a promovê-lo, nem pelos herdeiros destes.
4 - Terceiros, para efeitos de registo, são aqueles que tenham adquirido de um autor comum direitos incompatíveis entre si.
5 - Não é oponível a terceiros a duração superior a seis anos do arrendamento não registado .

Este artigo é visto por Paulo Mota Pinto como uma das exceções à prevalência (ver acima: direitos reais têm sempre
prevalência em casos de conflito com direitos de crédito ou em casos de conflito entre direitos reais tem prevalência
aquele que foi primeiramente constituído). Assim, de acordo com a prevalência o direito é de B- direito real
constituído primeiramente. Mas de acordo com o registo, o direito será de C.
Partindo desta lógica, a hipoteca feita por C em favor de D terá luz verde visto que o/a conservador/a vê que C era
quem tinha o imóvel registado. O Ordenamento Jurídico concede o direito de propriedade a C que poderá constituir
uma hipoteca em favor de D e E. Mas será possível constituir duas hipotecas sobre o mesmo imóvel? Sim. Podem
constituir-se várias hipotecas sobre o mesmo imóvel- art 713º. Será obrigatório que a hipoteca respeite o valor
comercial dos bens (neste caso os 350mil€)? Não.
Assim, se C não cumprir a dívida, ou seja, se não pagar a D ou a E, irá iniciar-se um processo de execução em que o
Tribunal faz vender o bem e com o produto dessa venda pagará aos credores. Por exemplo: se C não cumprir e não
pagar a D inicia-se o processo de execução sendo uma parte do produto da venda será entregue a D para que a
dívida seja satisfeita- os 100mil€; o restante, se existir, será entregue a E (outro dos credores de C); se mesmo assim
ainda sobrar dinheiro será entregue a C. Nunca esquecer que por força da prevalência é D quem será pago em
primeiro lugar. Uma nota importante a este respeito será que no que toca às vendas judiciais, raramente se
consegue obter um produto correspondente ao valor comercial do bem, ié, se o valor comercial do imóvel é de
350mil€ será quase impossível obter este valor numa venda judicial. Nestes casos em que o produto obtido com a
venda judicial não é suficiente para pagar aos credores, o que se faz é utilizar o mecanismo da garantia geral das
obrigações- credor comum.
A este propósito importa enumerar alguns riscos:
1º: o valor do imóvel pode não ser suficiente para pagar aos credores
2º: existência de um contrato promessa e do consequente direito de retenção quanto existiu traditio. Nestes casos,
quando existe incumprimento poderá optar-se pela garantia do crédito pelo dobro do sinal (no caso 20mil€).
Também poderá optar-se pela execução específica caso C não cumpra e mesmo assim ainda se pretenda o
cumprimento do contrato.
Portanto, a questão que E nos coloca é: aceito esta hipoteca? Teremos que avisar E do risco que corre em aceitar a
mesma dado o valor do imóvel. Mas o que poderá fazer F em caso de incumprimento do contrato promessa? Como
acima foi referido, poderá optar por uma quantia indemnizatória, in casu, 2x valor do sinal- 20mil€ e ainda terá o
direito de retenção até que lhe seja pago esse valor. Este direito de retenção teoricamente apenas opera depois do
registo da hipoteca. Sublinhe-se o teoricamente porque no artigo 759º temos uma exceção. De acordo com este
artigo temos o seguinte, caso C incumpra: F é pago em 1º lugar- direito de retenção tem preferência sobre a
hipoteca; em 2º lugar será pago D e em 3º será o E.
Tendo em conta que o que devemos responder é se E deve ou não aceitar a hipoteca e dada a situação
anteriormente exposta, podemos concluir que E não deverá aceitar a hipoteca visto que se revela bastante
desvantajoso para este.

E se A ou C nunca tiverem pago o IMI? A situação será igual?


Neste caso e de acordo com o art 751º, a Câmara Municipal é quem será paga em primeiro lugar, só depois é que se
segue a ordem anteriormente feita em que F será o primeiro a ser pago dado o seu direito de retenção.
Portanto, temos como exceções à Prevalência os seguintes casos:
1. Artigo 5º CRPredial- É Paulo Mota Pinto que entende este artigo como exceção (nestes casos- deste artigo-
estamos perante relações triangulares, ex: A aliena a B e a C e C regista sendo que o que nos importa é o
registo feito por C)
2. Artigo 759º/2 CC
3. Artigo 751º CC
4. Artigo 291º CC (nestes casos temos relações lineares: A aliena a B e B aliena a C. Aqui temos em atenção ao
registo e à boa fé- a boa fé é totalmente irrelevante nas relações triangulares previstas no 1º ponto)

Caso prático 3:

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A, proprietário de um imóvel, celebrou com B um contrato de arrendamento em Novembro de 2017. Dois meses
depois, B alienou o imóvel a C que de seguida arrendou a D.
Sendo que A teve hoje conhecimento do referido, como poderá reagir?

Resolução: em primeiro lugar temos que dizer que de facto A pode reagir. Por força do princípio nemo plus iuris a
venda entre B e C é nula (B era arrendatário e vendeu o imóvel a C, nunca poderia acontecer).
Neste caso poderá lançar-se mão de uma ação de reivindicação: art 1311º. A ação de reivindicação traduz-se numa
manifestação da caraterística da sequela dos direitos reais de gozo mas pode ser em outras situações também
como os direitos reais de aquisição e os de garantia- posição 1º turma). A propósito da caraterística da sequela
importa dizer que esta se traduz no facto de o direito real seguir a coisa onde quer que ela se encontre. Esta é uma
caraterística que resulta da eficácia absoluta dos direitos reais, sendo que temos além da sequela a taxatividade e a
prevalência.

Aula 4: 20 de Março de 2018

Continuação resolução do caso prático 3:


A questão que se pretende responder será: o que pode fazer o senhor A? Ele poderá fazer uso da ação de
reivindicação. Com a utilização dessa ação poderão fazer-se dois pedidos: artigo 1311º- o proprietário pode exigir
judicialmente de qualquer possuidor ilegítimo da coisa o "reconhecimento do seu direito de propriedade" e
"restituição do que lhe pertence". A este propósito coloca-se um problema que passa pela prova da propriedade
(este ponto será explorado na matéria que envolve a posse). A ação de reivindicação não prescreve visto que o
direito de propriedade também não prescreve. A este propósito temos que ter em atenção um caso particular que
será a aquisição por usucapião de direito incompatível com o direito de aquisição.
No artigo 1315º CC temos a possibilidade de "defesa de outros direitos reais". À tutela de outros direitos reais, os
titulares de outros direitos reais que pressuponham poderes materiais sobre as coisas podem fazer uso de ação de
reivindicação. Por exemplo: no caso da hipoteca o credor hipotecário não pode porque não tem poderes materiais
sobre a coisa. Esta ação é uma manifestação paradigmática da caraterística da sequela.
No caso: a coisa encontra-se sob o poder material de B. Assim, A fará uso da ação de reivindicação contra D sendo
que o que pretende será a restituição do imóvel. Contudo, no que toca à caraterística da sequela em hipoteca não
existem poderes materiais sobre a coisa (por exemplo: A constitui uma hipoteca a favor de B e depois vende a C).
Nos direitos reais de aquisição também temos a manifestação da sequela (por exemplo: A faz com B um contrato
promessa de compra e venda com eficácia real e em seguida vende a C)- B teve direito real de aquisição como
promitente comprador e segue a coisa que está em C ou seja, opõe a sua posição a C.
Assim, temos como exceções à caraterística da sequela:
• Artigo 5º Código de Registo Predial
• Artigo 291º

Caso prático 4:
Em Dezembro de 2017 B comprou a A uma quinta para casamentos e batizados. Começou logo as obras para
adaptar o imóvel àquelas funções pelo que vendeu a C alguns pinheiros implantados numa parte do prédio ficando,
porém, acordado que C apenas os recolheria em Abril de 2018. Em Janeiro de 2018 B vendeu a D um automóvel
antigo e raro que encontrou no estábulo debaixo de uma pilha de palha; Doou a E uma máquina de aparar a relva e
uma antena parabólica que estava instalada no telhado da casa principal. Antes porém destas coisas serem
entregues, B desistiu do seu projeto e em Março de 2018 vendeu a quinta a F. O novo proprietário recusa-se agora a
permitir a C o abate dos pinheiros, doou o automóvel a G, seu filho, e diz-se proprietário da antena e do aparador de
relva. C, D, e E perguntam-lhe o que podem fazer. O que lhes responderia atendendo a que, entretanto, apareceu A
exigindo a devolução do automóvel que não sabia estar escondido pelo seu avô no estábulo.

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Resolução: A questão que se impõe responder é saber de quem é,
afinal, a quinta. A quinta é de F em Março de 2018 isto por força do princípio da consensualidade- acordo de
compra e venda com o senhor B partindo do pressuposto de que a forma legalmente prescrita foi respeitada.
Mesmo que F não tenha registado, ele continua a ser o proprietário. A quinta é um imóvel mas como sabemos isto?
Indo ao artigo 204º CC temos um catálogo que nos mostra quais são as coisas imóveis. Este catálogo é taxativo
sendo o critério judicial, ou seja, apenas são imóveis as coisas aí referidas todas as outras serão móveis (artigo
205º/1). Sendo que no nº2 do artigo 204º temos a definição de prédio rústico: "parte delimitada do solo e as
construções nele existentes que não tenham autonomia económica" e também de prédio urbano: " qualquer edifício
incorporado no solo, com terrenos que lhe sirvam de logradouro".
Outra questão será perceber o que é uma coisa em sentido jurídico real. Quais serão as caraterísticas que temos de
encontrar num objeto para que ele seja um objeto jurídico real? Em primeiro temos que analisar o artigo 202º CC
nos termos do qual coisa é " tudo aquilo que pode ser objeto de relações jurídicas".
A doutrina tem identificado como requisitos para que um objeto seja considerado objeto de relações jurídicas-
coisa:
♦ Autonomia: por exemplo os tijolos de uma casa não têm autonomia, o que tem autonomia é a casa
♦ Suscetibilidade de apropriação exclusiva pelo homem
♦ Utilidade: suscetibilidade de satisfação de necessidades humanas
♦ As coisas objeto de direitos reais são SEMPRE certas e determinadas

A quinta será coisa em sentido jurídico real? Sim! É uma coisa imóvel, um prédio urbano, propriedade de F a partir
do momento em que houve acordo de vontades entre B e F tal como manda o princípio da consensualidade e o
requisito formal.
Assim, quantas coisas existem no nosso caso? Temos um prédio urbano- a quinta- porque temos um terreno sobre
o qual estão implantados o estábulo, a casa, as árvores,… artigo 1344º "espaço aéreo.. Subsolo, com tudo o que
neles se contém e não esteja desintegrado do domínio por lei ou negócio jurídico".
Quantos direitos de propriedade podem existir? Apenas UM! O direito real incide sobre a totalidade da coisa-
princípio da totalidade.
Mas e se se dividir o prédio em apartamentos, quantas coisas tenho? Apenas uma! E se desta divisão do prédio em,
por exemplo, 8 apartamentos, eu vender um deles? Não posso ter vários direitos de propriedade sobre a mesma
coisa. Não posso dividir o prédio em apartamentos e vender casa um (não posso ter 8 direitos de propriedade- cada
apartamento com seu proprietário). Contudo, a este propósito temos que falar da propriedade horizontal que
transforma uma única coisa em tantas coisas quantas forem as frações que tenham sido constituídas (caso
paradigmático do prédio dividido em apartamentos, passamos a ter 8 coisas e não uma como antes. Assim já será
permitida a constituição de vários direitos de propriedade porque temos várias coisas e não apenas uma). Por
exemplo: no nosso caso não se poderia vender apenas o estábulo porque a quinta (no seu todo) é uma única coisa.
Contudo poderia vender o estábulo se tivesse direito de superfície artigo 1528ºCC-
No caso apenas temos uma coisa: a quinta! Será C o proprietário dos pinheiros? Não! Será se existir um direito de
superfície- artigo 1528º "separadamente". Este caso do C é igual ao caso do B acima referido no caso prático 1. C
quer abater os pinheiros. Para isso é necessário que ele se torne proprietários dos pinheiros para assim os cortar.
Quando C cortar os pinheiros eles ficam separados da coisa principal- a quinta- e passam a ser coisa certa,
determinada e autónoma artigo 408º/2 "momento da colheita ou separação". Temos neste artigo estabelecido o
princípio da consensualidade como consequência dos princípios da coisificação, da especificação e da totalidade.
NOTA ORAIS: este artigo (408º/2) é exceção ao princípio da consensualidade? Não! É apenas a consagração dos
princípios da coisificação, da especificação e da totalidade. ❗❗❗❗
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Assim, C não tem direito de propriedade porque não tem a coisa. O objeto do contrato de compra e venda é uma
coisa móvel futura. Desta venda resulta um direito de crédito! Se em Março de 2018 C é titular de um direito de
crédito como é que se resolve o conflito entre C e F? Através da prevalência! Qual o resultado? Direito Real ganha,
sempre! Ou seja, F.
Já no que toca ao carro dentro do estábulo temos 2 coisas- o estábulo e o carro. Temos, no caso, uma cadeia de
transmissão e deveríamos ter duas porque temos duas coisas. Mas de quem é o carro? É de A! Este pode obter o
carro através da ação de reivindicação- manifestação da caraterística da sequela. Caso o avô ainda seja vivo, de
quem é o carro? Do avô de A!
E no que toca ao aparador da relva? Temos 3 coisas (o aparador, a antena e a quinta?). O aparador pertence ao A
existindo uma ligação funcional à coisa principal (o aparador serve para aparar a relva da coisa principal- a quinta- é
o seu único propósito). É uma coisa acessória- artigo 210º CC. O aparador deixará de ser uma coisa acessória quando
se inserir uma cláusula no contrato de compra e venda da quinta que fará com que aquando da venda da quinta o
aparador irá também. Quando a coisa deixa de ser acessória para a existir uma ligação material e com caráter de
permanência (caso paradigmático de A e B).

II PARTE – DIREITOS REAIS EM ESPECIAL


Aula 5: 5 de Abril de 2018
Caso prático 5: POSSE
Em 1972 A, para fugir ao recrutamento militar, emigrou para o Brasil país de onde regressou em 1975 tendo-se
instalado no Porto para se dedicar à política. Depois de ter perdido as eleições em 2016, A decidiu regressar à sua
aldeia natal para se dedicar à vinicultura biológica nas vinhas que herdou do pai. Num dos imóveis encontrou B com
que C, que vinha explorando as vinhas desde 1999, celebrou um contrato de arrendamento. A intentou contra B uma
ação de reivindicação. Se fosse advogado de B que conselho lhe daria?

Em primeiro lugar temos que analisar a ação de reivindicação intentada por A contra B. Será que A tem legitimidade
processual ativa? Sim tem porque é proprietário do imóvel. artigo 1311º. E será que B tem legitimidade processual
passiva? Sim como detentor. Ora, nesta ação temos dois pedidos: o pedido de reconhecimento do direito de
propriedade ao proprietário e a restituição da coisa- o imóvel.
Visto que estamos perante um caso de posse temos que definir em primeiro o que é a posse: Nos termos do art.
1251.º do Código Civil, posse é o poder que se manifesta quando alguém atua por forma correspondente ao
exercício de direito de propriedade ou de outro direito real. Em matéria de posse podemos distinguir entre duas
conceções: posição subjetivista e posição objetivista. Para a conceção subjetivista, defendida entre nós, a posse é
integrada pelo corpus, exercício de poderes de facto sobre a coisa; e pelo animus, intenção de atuar como titular do
direito. O animus é o que distingue o possuidor do detentor- artigo 1251º.
A posse é composta por dois elementos:
→ Corpus: elemento objetivo
→ Animus: elemento subjetivo
À partida a titularidade do direito anda acompanhada da posse (exercício de poderes de facto sobre a coisa com a
intenção de se comportar como um direito real). Se não existir o elemento subjetivo- o animus- temos apenas a
mera detenção. Acontece regularmente casos em que a titularidade ande com um sujeito e a posse com outro.
No que toca à natureza jurídica da posse para Mota Pinto este considera-a um direito real provisório. É assim
porque o destino da posse é a sua extinção: ou aparece o titular do direito e extingue a relação possessória (visto
que ganha sempre o titular); a posse extingue-se transformando-se através da usucapião num direito real definitivo.
Temos, portanto, dois lastros: a linha do titular do direito real e a posse e ambos andam lado a lado.

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Temos situações de posse nos casos de relações entre sujeitos e coisas que têm um corpus e um animus. Se não
tiverem estes dois elementos não temos posse! A propósito das conceções sobre a posse acima referidas, a Escola
de Coimbra adotou a posição subjetivista. Ao contrário de Coimbra, Lisboa adota a chamada posição objetivista: há
posse com o corpus apenas (o exercício de poderes de facto sobre a coisa). No caso de existir apenas corpus,
Coimbra defende que existe apenas uma relação de detenção: a relação entre o sujeito e a coisa pode apresentar o
lastro da detenção- que é apenas o corpus- visto que para Coimbra posse=corpus+animus. O legislador português
consagra, claramente, a posição subjetivista na lei no artigo 1251º e 1253º (relacionados). Pode-se dizer que para
nós, primeira turma, o nosso sistema é um subjetivismo mitigado: embora o legislador tenha consagrado a
conceção subjetivista ele estende a tutela possessória aos mais importantes detentores. A tutela possessória traduz-
se nas ações de defesa da posse.
No nosso caso prático: quem exerce os poderes de facto na altura da ação? O B visto que é quem está a cultivar.
Tem corpus? Sim tem. E animus- a intenção de se comportar como titular de um direito real? Não, ele é
arrendatário! Ou seja, ele é um mero detentor. Nos artigos 1037º/2 (remissão) e art 1276º estende-se ao detentor a
tutela possessória. Sendo o arrendatário um mero detentor significa que ele apenas tem corpus e o arrendamento
não é um direito real. Tendo em conta que o arrendamento não é um direito real ele não pode ser possuidor porque
só podemos ser possuidores de direitos reais! Pex: o comodato não é um direito real por isso não existe um
possuidor contudo existe o tal alargamento da tutela possessória. Assim, o senhor B é detentor porque tem corpus e
embora seja apenas um detentor ele tem proteção pela lei visto que pode intentar ações de defesa da posse- artigo
1037º/2.
Em que termos de Direitos Reais é que se pode estabelecer uma relação possessória?
▪ Direitos Reais de Gozo: todos permitem. Pode ser-se possuidor em termos de direito de
propriedade, usufruto, habitação, etc...
▪ Direitos Reais de Aquisição: nenhum permite visto que estes extinguem-se com o seu
exercício.
▪ Direitos Reais de Garantia: só faz sentido em dois casos- o penhor e a retenção. O credor
real tem o domínio de facto sobre a coisa (exceção pp consensualidade- penhor ?)
Para Paulo Mota Pinto não há relação possessória nos Direitos Reais de Garantia devido ao artigo 670º (aplicável à
retenção por remissão do art 1758º) que se estende ao credor pignoratício e aos retentores que não os considera
possuidores, são apenas meros detentores.
Em conclusão: o senhor A é titular do direito de propriedade (este direito não se extingue pelo não uso); o senhor B
é detentor e o senhor C é possuidor em que termos de que Direito Real? Em termos do Direito de Propriedade.
Casos práticos sobre a posse:

1º identificar a relação entre os sujeitos e a coisa (corpus+animus ou se só animus)

2º em termos de que Direito Real é que a posse é exercida

3º identificar o modo de aquisição da forma: se originariamente; se derivadamente

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Aquisição originária: quando o adquirente possuidor estabelece uma relação direta com a coisa sem intervenção do
anterior possuidor
Aquisição derivada: pressupõe-se um ato de transmissão do anterior possuidor para o adquirente possuidor.
CONCEÇÃO DE ORLANDO DE CARVALHO- 1º TURMA!! (sumários: Sobre a matéria deste capítulo recomenda-se a leitura de
Orlando de Carvalho, “Introdução à posse”, in Revista de Legislação e de Jurisprudência, ano 122 (1989-1990), pp. 65-69, 104-108, 262-266 e 292-294, e ano
123 (1990-1991), pp. 72-74).
1)Aquisição Originária: segundo ORLANDO DE CARVALHO, a ocupação e a acessão são formas de aquisição
originária da posse, tal como o são relativamente à propriedade
• OCUPAÇÃO: A ocupação é uma forma de aquisição da propriedade de coisas móveis sem dono, já que
nunca o tiveram, já porque foram abandonadas, já que se perderam ou esconderam, não podendo
determinar-se a quem pertencem. As coisas imóveis são insuscetíveis de ocupação, pois se não tiverem
dono revertem para o património do Estado. Tal como se pode adquirir a propriedade por ocupação,
também se pode adquirir a posse. A sua apropriação dá-se pela simples operação jurídica de apreensão
material, entrando a coisa na disponibilidade fáctica do sujeito. Se não forem preenchidos os requisitos dos
arts. 1318º e ss. CC, para a aquisição da propriedade, havendo corpus e animus, estamos perante posse
formal ou autónoma. Esta posse adquirida por ocupação é titulada. Se se entender que aquela coisa não
podia não ter dono, já estaremos perante usurpação.
• ACESSÃO: É também uma forma de aquisição da propriedade, tanto sobre móveis como imóveis. Decorre
da adjunção, por obra da natureza ou do homem, de uma coisa (objeto enriquecedor) a outra coisa (objeto
enriquecido). Na acessão natural, a entrada do bem adjunto na área de disponibilidade do sujeito depende
de o objeto enriquecedor, que é sua propriedade, estar na sua posse. No caso da acessão industrial, como
esta implica indústria humana, o adjuntor exerce sempre poder de facto sobre a coisa, ou pelo menos,
sobre o objeto enriquecido, por isso, mesmo que não se preencham os requisitos legais para a
propriedade, se houver intenção de apropriação, haverá corpus e animus, logo posse. Só há acessão se o
adjuntor não souber que o objeto é alheio ou que o seu dono não autoriza a adjunção. Caso contrário, não
será acessão mas sim usurpação.
• USURPAÇÃO: Dentro da usurpação, que são formas originárias de aquisição da posse contra a vontade do
possuidor anterior, este autor (ORLANDO DE CARVALHO) indica a prática reiterada, a inversão do título da
posse e o esbulho, em situações residuais. A aquisição originária da posse é referida pelo código através da
prática reiterada, com publicidade, dos atos materiais correspondentes ao exercício do direito (art 1263º).
Quanto a isto:
A) Prática reiterada: não basta a prática de um único ato, embora os atos possam ser diferentes. No
entanto, é possível que um só ato baste para evidenciar a posse (p.ex. quando se constrói uma casa num
terreno);
B) Publicidade: os atos materiais devem ser suscetíveis de conhecimento pelos interessados. Assim, não
merecem proteção os atos possessórios clandestinos ou ocultos;
C) Atos materiais: só têm interesse os atos que incidam direta e materialmente sobre coisa, i.e., atos que
traduzam o corpus;
D) Correspondência com o exercício do direito: adverte-se que a qualificação do direito correspondente à
posse nem sempre se faz com facilidade, porque há muitos atos materiais que se integram no exercício de
direitos reais diferentes (como a propriedade e o usufruto), podendo ser necessário recorrer ao título
(quando o houver) ou ao animus possidendi.
A inversão do título pode dar-se por oposição do detentor do direito contra aquele em cujo nome possuía
ou por ato de terceiro capaz de transferir a posse (art. 1265º CC). Trata-se de conversão de uma situação
de posse precária numa verdadeira posse, de forma que aquilo que se detinha a título de animus detinendi
passa a deter-se a título de animus possidendi. Para ORLANDO DE CARVALHO, a inversão do título da
posse é uma inversão do animus: o animus não relevante transforma-se em animus relevante. O primeiro
caso, de oposição do detentor do direito contra aquele em cujo nome possuía, tem como exemplo mais
corrente o de o arrendatário se recusar a pagar a renda, afirmando que o prédio lhe pertence. A intenção
do detentor de atuar como titular do direito tem de ser comunicada (judicial ou extrajudicialmente) à
pessoa em nome de quem possuía e esta oposição não pode ser contrariada. Na segunda hipótese, por ato
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de terceiro capaz de transferir a posse, estamos perante casos em que o arrendatário, p.ex., compra o
prédio a um terceiro. A compra e venda inverte o título precário de arrendatário, sendo igualmente
necessário que este passe a comportar-se como possuidor, p.ex., deixando de pagar a renda ao senhorio.
Esta aquisição é originária porque o ato de terceiro foi justamente desencadeante da aquisição da posse,
mas não causante dessa aquisição (ORLANDO DE CARVALHO).
Finalmente, ORLANDO DE CARVALHO fala na aquisição originária por esbulho. Fala-se num esbulho
residual, que abrange todas as formas de privações ilícitas da posse de outrem, contra a vontade do
possuidor, não especificamente previstas na lei. A lei, ao falar de esbulho nos arts. 1267º/2 e 1276º e ss.,
está a referir-se não só a esse esbulho residual, mas a todas as formas de usurpação, incluindo as previstas
na lei e referidas acima (esbulho lato sensu). Não serão ilícitas as privações da posse com consentimento do
possuidor, nem as que traduzam o exercício de um direito. É necessário o corpus e o animus, neste caso o
animus spoliandi por parte do esbulhador, a intenção de ficar com a posse de outrem. A posse criada pelo
esbulhador originariamente aparece como antagónica da posse do esbulhado, cabendo no art. 1267º/1/d)
CC. O esbulhado tem um ano para reagir contra a nova posse e se lhe for restituída a sua posse tem-se
como não interrompida e a usurpação como não acontecida (art. 1283º CC)
2) Aquisição derivada
• TRADITIO: O CC refere a tradição material ou simbólica, efetuada pelo anterior possuidor (art. 1263º/b)
CC). Na tradição material há uma atividade exterior que se traduz nos atos de entregar e receber; na
tradição simbólica, tudo se passa a nível da comunicação humana, sem direta interferência no controlo
material da coisa. A tradição simbólica pode ocorrer por:
A) Traditio brevi manu: realiza a conversão da detenção em posse por acordo entre o detentor e o
possuidor. P.ex., quando o quando o proprietário-possuidor vende a coisa depositada ao
depositário ou o prédio arrendado ao arrendatário. Esta traditio tem a vantagem de não ser
necessário que o detentor entregue a coisa ao possuidor para que este lha volte a entregar em
seguida;
B) Traditio ficta: consiste na entrega de um símbolo ou realização de um ato que simboliza a coisa
cuja posse se transfere. P.ex., quando se entregam as chaves de um armazém, que funciona como
traditio das coisas aí depositadas.
• CONSTITUTO POSSESSÓRIO: Outra forma de aquisição derivada da posse é o constituto possessório, que
opera solo consensu, i.e., sem necessidade de ato (material ou simbólico) de entrega da coisa. A posse é
atribuída sem a detenção. Segundo ORLANDO DE CARVALHO, com SAVIGNY, o constituto possessório é, de
certo modo, o inverso da traditio brevi manu: nesta, o detentor passa a possuidor; naquele, o possuidor
passa a detentor, sendo a posse adquirida pelo beneficiário da operação.
O CC considera duas espécies:
1. O titular do direito real e possuidor transmite o seu direito a outrem e reserva, para si, a detenção (art.
1264º/1 CC): a causa possessionis do alienante torna-se causa detentionis;
2. O possuidor transfere o seu direito a outra pessoa, mantendo-se o seu detentor: o proprietário-
possuidor vende a coisa depositada e pretende-se que o depósito continue; ou um prédio arrendado é
vendido, mantendo-se o arrendamento.
• SUCESSÃO MORTIS CAUSA: Por morte do possuidor, a posse continua nos seus sucessores desde o
momento da morte, independentemente da apreensão material da coisa (art. 1255º CC). Considera-se que
a lei ficciona não só o corpus, mas também o animus, havendo uma sucessão na posse sem interrupção.
Isto implica que a posse continua nos herdeiros, o sucessor não precisa de praticar qualquer ato material
de apreensão ou utilização da coisa, podendo até ignorar que a posse existe, a posse continua com os seus
caracteres (boa ou má fé, titulada ou não, pacífica ou violenta) e a continuação da posse não é prejudicada
pelo facto de o sucessor não ter tido a posse da coisa durante o período entre a abertura da sucessão e a
aceitação da herança. Será que o legatário sucede na posse? Apoiados na letra da lei, PIRES DE LIMA e
ANTUNES VARELA, consideram que não há nenhuma limitação a fazer no domínio da sucessão mortis
causa e que a posse continua sempre no chamado à sucessão dos bens, seja herdeiro ou legatário. Mas há
quem entenda (MENEZES CORDEIRO) que o legatário, ao contrário do herdeiro, pode aceitar ou recusar a
posse que lhe for legada, e que ao aceitar, mudam-se os seus caracteres. Por isto, defende que não se
poderá falar em sucessão na posse por parte do legatário e enquanto a coisa lhe não for entregue, não
existe posse.
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Formas de Aquisição da Posse: (não é igual à conceção de Orlando de Carvalho e da 1º turma)
→ Originária: quando a posse não se funda, não se filia, na aquisição anterior.
- Por aquisição paulatina: Art.1263º CC. Dá-se esta aquisição quando alguém exerce poderes de facto sobre
a coisa de forma reiterada, pública/com publicidade, dos atos materiais correspondentes ao exercício do
direito/como se fosse titular do direito real. Nesta aquisição os atos praticados são atos materiais. Exemplo:
alguém imigra e o vizinho começa a apropriar-se do terreno, como titular do direito real.
- Por inversão do título de posse: Art.1263º /d) e art.1265º CC. Só inversão do título de posse quando alguém
que era detentor sem o acordo do que era possuidor, passa a ser possuidor.
*Por oposição do detentor ao (até ali) possuidor: o detentor opõe-se ao possuidor praticando atos
positivos, materiais ou jurídicos, e inequívocos que revelam que mudou de animus.
• Explícita: há uma declaração expressa ao (até ali) possuidor.
• Implícita: os atos chegam ao conhecimento do (até ali) possuidor e esse não se opõe.
*Por acto de terceiro: temos um possuidor e um detentor e aparece um terceiro, estranho à relação,
que se arroga à titularidade do direito e convence o detentor que ele é que é o titular do direito,
celebrando com ele um negócio que, em abstrato, produz efeitos reais e o detentor, porque
participa no negócio, muda de animus e porque muda de animus adquire a posse. Ex: A é
proprietário e possuidor de um imóvel e B é arrendatário do mesmo-mero detentor- e aparece C
que se arroga titular do direito de propriedade sobre o imóvel e celebra com B um contrato de
compra e venda sobre o mesmo. C não tinha direito de propriedade e, por isso, não podia celebrar
tal contrato. Contudo B tornar-se-á possuidor porque ao corpus acrescentou o animus.

→ Derivada: quando a posse se funda e se filia na aquisição anterior.


- Por tradição ficta: Só acontece na hipótese de morte – art.1255º CC. Os herdeiros sub-ingressam na posse
do de cujus, ficcionando-se que a posse é exatamente a mesma.
- Por tradição real: É a tradição intervivos.
- Tradição Explicita: tem que haver um ato de empossamento ou de investidura, porque até ali a
pessoa não tinha tido nenhuma relação com a coisa. O até ali possuidor transmite a sua posse, por
acordo, a outra pessoa- existe um ato de empossamento.
- Tradição Implícita: não existe ato de empossamento.
- Por traditio brevi manu: conversão de uma detenção em posse, por acordo celebrado
entre o detentor e aquele em cujo nome possui.
- Por constituto possessório: não é necessário empossamento
- Bilateral: conversão da posse em detenção através de dois negócios: um destinado
a transferir para terceiro determinado direito real sobre a coisa e outro que atribua
ao transmitente a qualidade de detentor. Em síntese, supõe que o possuidor
transmita a posse através de um negócio jurídico e por força de outro negócio
jurídico o possuidor passe a detentor. (Exemplo: A vende imóvel a B, mas diz a B que
quer continuar a vender na casa; celebram dois negócios, um de compra e venda e
outro de arrendamento).
- Trilateral: transferência da posse com manutenção de uma relação de detenção.
Exemplo:
A passou numa ourivesaria e estava na montra um anel bonito e caro. A entra e diz que quer comprar o anel. Manda
chamar o gerente e diz que não tem segurança em casa para o guardar e perguntou-lhe se ele não se importaria de
o guardar e quando ele tivesse a segurança viria buscá-lo. O gerente diz-lhe que sim. A tornou-se proprietário? Sim.
E possuidor? Sim, tem corpus e animus. Como é que adquiriu a posse? Derivadamente, funda a sua posse na posse
do antecessor; intervivos; não houve acto de empossamento (constituto possessório); -> constituto possessório
bilateral.

No caso do C: ele adquiriu a posse originariamente ou derivadamente? Originariamente! Estabeleceu uma relação
direta com a coisa sem intervenção do anterior possuidor (A).

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No artigo 1263º:
• na alínea a) temos aquisição originária;
• na alínea b) aquisição derivada;
• na alínea c) aquisição derivada (remissão artigo 1264º)
• e na alínea d) aquisição originária (remissão artigo 1265º)

Pex: A furta a mala de B. A é possuidor? Sim. Através da aquisição originária (esbulho)


E um anel no chão que A encontra? É possuidor também neste caso através da aquisição originária por ocupação.
No caso prático: C é possuidor por aquisição originária através da aquisição paulatina artigo 1263º/a.

Aula 6: 10 de Abril de 2018


Continuação caso prático da aula passada
Ora já chegámos à conclusão que A é quem é o titular do Direito de Propriedade, B é mero detentor e C é possuidor.
Já vimos, também, que C adquiriu a posse originariamente através de aquisição paulatina. Contudo ainda não
terminámos a nossa análise no que concerne ao C. O passo seguinte será identificar as caraterísticas da posse e, no
final, os seus efeitos jurídicos. Portanto, sempre que nos aparecer um caso prático sobre a posse temos que seguir
os seguintes passos: (completando o esquema anterior)

Casos práticos sobre a posse:

1º identificar a relação entre os sujeitos e a coisa (corpus+animus ou se só animus)

2º em termos de que Direito Real é que a posse é exercida

3º identificar o modo de aquisição da forma: se originariamente; se derivadamente

4º identificar as caraterísticas da posse


5º efeitos jurídicos da posse
ESTA ORDEM TEM QUE SER SEMPRE SEGUIDA DESTA FORMA! ESTÁ TUDO INTERLIGADO E SÓ PODEMOS FALAR DE UMA COISA QUANDO JÁ
EXPLICAMOS A ANTERIOR!

Começando pelas caraterísticas da posse: no artigo 1258º temos aquilo que precisamos. Portanto, temos como
caraterísticas da posse as seguintes:
▪ Posse titulada ou não titulada- artigo 1259º
▪ Posse de boa fé ou má fé- artigo 1260º
▪ Posse pacífica ou violenta- artigo 1261º
▪ Posse pública ou oculta- artigo 1262º
No que toca à primeira caraterística- titulada ou não titulada- esta encontra-se prevista no artigo 1259º/1 tendo lá a
sua definição. Contudo é de notar que este artigo é passível de críticas. Para nós, a posse titulada é a que se funda no
título, em abstrato, idóneo à aquisição do Direito Real nos termos do qual se possui. Assim para classificar a posse
titulada temos que olhar para o modo de aquisição da posse e ver se tem correspondência nos modos como se
constitui o direito real. É em abstrato porque não se olha para os eventuais vícios de validade substancial dos quais o
título possa padecer. Portanto, de forma simplista: o modo como foi adquirida a posse tem correspondência com o
direito real? Se sim, aí a posse é tutelada; Não, a posse não é tutelada. Quando tivermos vícios formais do título
temos posse não tutelada, sempre. No caso em concreto, impõe-se saber: é possível adquirir Direito de Propriedade
pela prática reiterada, com publicidade, dos atos materiais correspondentes ao exercício do direito de propriedade?
Não, nunca. Por exemplo se fosse possível bastava eu começar a cultivar x terreno frequentemente e aí, por essa
lógica, já teria direito de propriedade. Ao responder afirmativamente à questão estamos a confundir com a
usucapião (mais à frente). Portanto neste caso podemos concluir que a posse não é titulada porque não há um
título, em abstrato, idóneo à aquisição do direito real (in casu: direito de propriedade) nas formas do qual se possui.
Já temos a primeira caraterística preenchida. Passando para a segunda caraterística: presume-se que a posse de C é
de boa fé ou má fé? Tendo em conta que a posse não é titulada e de acordo com o artigo 1260º/2 a posse presume-
se de má fé. Temos SEMPRE que dizer que a posse se presume de boa/má fé, nunca podemos dizer "C está de má
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fé" isto porque esta caraterística é uma presunção ilidível/iuris tantum ou seja são suscetíveis de prova em contrário-
C pode alegar que está de boa fé desde que prove que ignorava, ao adquirir a posse, que usava o direito de
outrem/a lesão do direito de outrem (artigo 1260º/1). Portanto agora temos que passar para a terceira caraterística:
a posse de C é uma posse pacífica ou violenta? É pacífica visto que não obteve a posse por coação física ou moral.
Por fim, será a posse de C pública ou oculta? É pública porque, em primeiro, se é paulatina terá que ser pública
(existir publicidade dos atos) mas, para além disto, o que importa nesta caraterística é o critério da cognoscibilidade
sendo que a argumentação não serve de nada. Basta "poder ser conhecida"- artigo 1262º. Assim, a posse de C tem
como caraterísticas: é uma posse não titulada, presume-se de boa fé, é pacífica e pública.

Agora temos que ver os efeitos da posse.


→ Efeito probatório/Presunção da titularidade do direito- artigo 1268º
→ Perda ou deterioração da coisa/Responsabilidade do possuidor pela perda ou deterioração da coisa- art
1269º
→ Frutos/Direitos do possuidor em relação aos frutos produzidos pela coisa- art 1270º e 1271º
→ Encargos/Direito do possuidor em relação aos encargos- art 1272º
→ Benfeitorias/Direito do possuidor em relação às benfeitorias feitas na coisa- art 1273º. Benfeitorias
podem ser: necessárias, úteis e voluptuárias.
→ Usucapião/Possibilidade de aquisição originária do direito em cujos termos se possuiu mediante a
invocação da usucapião- art 1287º
Em primeiro importa analisar um artigo muito importante: o artigo 1268º. É um dos mais importantes efeitos da
posse- a presunção da titularidade do direito. Dado o seu caráter de presunção quem terá que provar a titularidade
do direito, no caso, será o A. Porquê? Porque as presunções invertem o ónus da prova. A acompanhar este artigo
temos o artigo 1252º/2 (outra prova clara de que o nosso legislador adotou a posição subjetivista: para termos posse
temos que ter corpus e animus). Portanto, o sujeito possuidor, C, tem a seu favor estes dois artigos! Ele goza da
presunção da titularidade do direito. Mas temos um problema, se C fizer uso da presunção do artigo 1268º o senhor
A vai provar que é o titular do direito o que faz com que, se de facto conseguir fizer prova disso, a posição do C caia.
Assim o que vai fazer A? Prova em abstrato que passa por estas hipóteses: ou faz prova da posse (artigo 1268º);
registo; faz prova da aquisição originária ou então probatio diabolica. Mas afinal como é que o A vai provar que é o
verdadeiro proprietário? O nosso primeiro palpite será através da escritura pública mas não, tal está errado. O que a
escritura pública faz é provar que em x dia dois sujeitos se apresentaram perante o notário e celebraram um
contrato de compra e venda sem vícios, nada mais. Agora, pressupondo, que, usando estes elementos de prova
anteriormente referidos, A não tem posse nem registou. Temos os outros dois caminhos referidos. O que se faz na
probatio diabolica percorrer para o passado toda a cadeia de transmissões derivadas até encontrar uma aquisição
originária. Por exemplo:

Contudo, esta prova é extremamente complexa. É muito mais fácil para A se ele disser que é logo o primeiro na
cadeia de transmissão (pela prova diabólica teria que se percorrer toda a cadeia de transmissões até chegar ao primeiro da

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cadeia e, embora no esquema seja X e não se tenha percorrido um caminho muito grande, em certos casos podia ser
extremamente trabalhoso analisar todas as cadeias de transmissões até chegar ao primeiro). Mas se A disser que é o
primeiro estará a mentir? Não. Se ele tiver uma aquisição originária e se preencham os pressupostos tudo está na
normalidade e ele pode, efetivamente, afirmar-se como o primeiro na cadeia de transmissões.
Contudo não nos podemos esquecer de que somos advogados do B, contra quem foi intentada uma ação de
reivindicação por A que pretende que lhe seja reconhecido o direito de propriedade e que lhe seja restituída a coisa.
Perante isto o que pode fazer B para se salvaguardar? B poderá fazer prova da usucapião artigo 1287º (último
efeito). Porquê? Porque se B fizer prova da usucapião por C este último passará a ser o proprietário e não A e assim
o contrato de arrendamento celebrado entre C e B seria totalmente válido porque a usucapião funciona com
retroatividade (tudo para trás seria válido). Mas porque não pode B utilizar a usucapião em seu benefício? Porque
ele não é possuidor. Nota: a aquisição originária do direito de propriedade sobre imóveis não se resume à usucapião.
Temos, nomeadamente, a acessão. Mas analisando melhor a usucapião: o que é? É a forma de aquisição originária
do direito de propriedade ou de outro direito real de gozo mantida durante um lapso de tempo. Não é aquisição
da posse, é um efeito da posse!!! No artigo 1287º é referido o direito de propriedade e apenas os direitos reais de
gozo sendo que esta é a posição que a primeira turma também segue ou seja- só podemos ter usucapião nestes
direitos. Contudo nem todos os direitos reais de gozo podem ser adquiridos por usucapião tendo como exceções: o
direito de uso e o direito de habitação. Partindo ainda do mesmo artigo, nele é feita referência a um "lapso de
tempo". Ao atentar neste segmento temos que remeter para o artigo 1297º e percebemos que o que o legislador
quer dizer é que para a usucapião e para efeitos de "lapso de tempo"- contagem do tempo- apenas importa a posse
pacífica e pública. Até a posse não ser pacífica e pública os prazos da usucapião não começam a contar. Outros
artigos importantes a propósito desta problemática da usucapião são os artigos 1293º e 303º. Da análise de ambos
podemos concluir duas coisas: a usucapião não pode ser conhecida oficiosamente e tem sempre que ser invocada-
não funcionada automaticamente (numa ação ou invocamos a usucapião ao juiz ou ela não entrará na ação). Assim:
Requisitos para a usucapião funcionar:
1º existir posse
2º posse essa pública e pacífica
3º atender ao lapso do tempo
4º invocar a usucapião
Assim, pode B invocar a usucapião a favor de C? Tem legitimidade para tal? Sim pode, qualquer um pode! Artigo
305º com as adequadas modificações, leia-se usucapião. Então portanto agora vamos ver se de facto o C preenche
os requisitos da usucapião:
→ Tem posse? Sim, C é possuidor
→ A posse é pública e pacífica? Sim é.
→ No que toca ao lapso do tempo temos que analisar o artigo 1296º e perceber quanto tempo passou. Então
acima tínhamos concluído que se presumia que a posse de C era de má fé. Atendendo ao exposto no artigo e
a esta caraterística podíamos concluir que teriam que passar 20 anos para se dar a usucapião (C começou a
explorar as vinhas em 1999 e portanto, neste caso, só em 2019). Mas tal como já foi dito acima esta
presunção é ilidível o que nos faria ter uma situação muito mais favorável para o C. Assim, se se conseguisse
provar que C estava de boa fé a usucapião já era possível visto que tinha feito 15 anos em 2014. Seria melhor
esta solução. Nunca esquecer que a usucapião opera retroativamente e assim C seria proprietário, caso se
afastasse de facto a presunção, desde 1999 o que faria com que o contrato de arrendamento fosse
totalmente válido desde que após 1999 (até podia ser em 2000, só tem que ser após ele ter começado a
explorar). Artigo 1288º.
Em conclusão do caso prático, passando por todos os passos desde o início do caso prático e acabando na prova da
usucapião o cenário seria: A deixaria de ser o proprietário, C seria o proprietário e B continuaria com a sua posição
salvaguardada e continuaria a ser arrendatário.

Aula 7: 17 de Abril de 2018


Meios de tutela da posse
Os meios de tutela da posse estão previstos no artigo 1276º e seguintes. Tal como se pode defender os direitos reais
também se pode defender a posse: no entanto, o possuidor cai sempre perante o titular do direito real. Se o
possuidor tiver posse causal também tem direito real e, portanto, não vai cair perante a invocação do domínio.
Exemplo: A é usufrutuário e exerce posse em termos de direito de usufruto. B é proprietário e impede A de entrar
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no terreno. A poderá reagir através das ações de defesa do direito real mas pode optar por defender a posse. Se
intentar uma ação de defesa da posse vai intentá-la contra o proprietário que não obstante vai ganhar: o
proprietário é proprietário onerado com o direito de usufruto. A posse causal mantém-se.
Existem três ações possessórias previstas na lei:
 ação de prevenção: artigo 1276º. É intentada sempre que haja o receio fundado ou justificado de se vir a
ser turbado ou esbulhado ou seja de ver a sua posse perturbada ou perder a posse por esbulho. Isto em
virtude de uma ameaça que tanto poderá consistir em palavras ou atos (materiais, jurídicos, judiciais,
administrativos, etc...). Esta ação é intentada por quem tenha receio contra o autor da ameaça.
 ação de manutenção: artigo 1278º. Esta ação é o meio adequado a reagir contra atos de turbação (ato
material que altera, diminui, o exercício ou o modo de exercício da posse) da posse. É intentada por quem
foi mais do que ameaçado mas que ainda não foi esbulhado. Este ato de perturbação tem que ter as
seguintes caraterísticas: terá que consistir num ato material; ato material objetivamente interpretado que
terá de traduzir uma pretensão possessória contrária ao direito exercido pelo possuidor; não obstante o ato
turbativo o possuidor terá que conservar a posse. Em outras palavras, estamos perante casos em que existe
mais do que uma ameaça mas ainda não se materializou o esbulho. Nestes casos a ação pode ser intentada
pelo perturbado ou seus herdeiros mas apenas contra o perturbador e nunca contra os seus herdeiros.
Artigo 1281º/1 (exceção)
 ação de restituição da posse: está prevista igualmente no art. 1278º CC. O possuidor esbulhado será
restituído enquanto não for resolvida a questão da titularidade do direito. Se a posse não tiver mais de um
ano, o possuidor só pode ser restituído contra quem não tiver melhor posse, nos mesmos termos da ação de
manutenção. Agora estamos perante uma situação de esbulho que supõe a privação total ou parcial da
posse.
 ação de restituição no caso de esbulho violento: se o esbulho for violento, o possuidor é restituído
provisoriamente à sua posse, sem audiência do esbulhador. Estamos perante um procedimento cautelar que
difere a audiência do esbulhador. A violência pode ser exercida sobre pessoas e coisas.
 embargos de terceiro: o possuidor pode defender a sua posse, quando esta for ofendida por penhora ou
diligência ordenada judicialmente, mediante embargos de terceiro (art. 1285º CC). Quando não for parte na
causa, o possuidor tem esta faculdade de fazer valer o seu direito ou posse incompatível com um ato judicial
de apreensão ou entrega da coisa possuída.

A segunda e terceira estão no artigo 1278º. Para além das ações possessórias o possuidor poderá recorrer à ação
direta- artigo 1277º- e à legítima defesa da posse- art 337º. A procedência das ações acima referidas depende da
prova da posse mas a lei facilita. Feita a demonstração do corpus, o animus possidendi, caso existam dúvidas,
presume-se sempre artigo 1252º/2. Estas ações estão sujeitas a um prazo de caducidade de 1 ano (no caso das
primeiras se as ameaças forem sucessivas cada ameaça abrirá um novo prazo). Na ação de prevenção e na de
manutenção se o possuidor não reage é porque não está a ver a sua posse ameaçada ou turbada. Na de restituição é
porque perde a posse- artigo 1267º/d- perde a posse em virtude de posse contrária por mais de um ano. Só não há
perda por posse contrária quando a posse contrária é oculta ou violenta.

Natureza jurídica da posse. As posições defendidas na doutrina, argumentos...


A natureza jurídica da posse tem sido discutida desde a Escola dos Comentadores. Estamos perante um facto ou um
direito? Uma das doutrinas considera que a posse é um facto jurídico relevante, é a opinião mais vulgar,
sustentando-se mesmo que a própria natureza da posse é contrária à ideia do direito, pois não há direito que não
seja justo e a posse é, muitas vezes, resultado do dolo, violência e injustiça. A outra doutrina considera que a posse é
um direito real, um direito subjetivo porque há um poder, um interesse e uma garantia jurídica. MOTA PINTO
acolhe a última doutrina, defendendo que a posse não é um mero facto porque o seu regime revela ser um
verdadeiro direito real (embora) provisório. É um direito real porque a posse confere um poder sobre uma coisa
em face de todos os outros. Mas é um direito real provisório porque a sua proteção só se mantém até à ação de
reivindicação, se não houver usucapião.

Caso prático 6:
A é possuidor de um imóvel em termos de Direito de Propriedade. Em 1998 A vendeu o imóvel a B simuladamente e
através de escrito particular quando o contrato verdadeiramente pretendido era um arrendamento. Em 2005, B doou
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o mesmo prédio a C também por escrito particular. Em 2006 C celebrou com D um contrato de comodato e em
janeiro de 2008 C acabou por vender o mesmo prédio a D mais uma vez por escrito particular.
Quem adquiriu a posse sobre o imóvel e qual o modo de aquisição?

Começando pelo início: o que é A? Possuidor; B é um mero detentor. Porquê? Porque tem corpus e não tem animus.
Não esquecer que a compra e venda celebrada foi um negócio simulado e de acordo com o artigo 241º valerá o
negócio dissimulado- o contrato de arrendamento! Já C é possuidor porque tem corpus e animus. Como é que ele
adquiriu a posse? Originariamente ou derivadamente? Adquiriu de forma derivada, pelo B! O B ao doar está a juntar
ao corpus o animus (o que lhe faltava para ser possuidor, por isso dissemos em primeiro que ele era mero detentor).
Ao comportar-se como um titular de Direito Real B junta o animus ao corpus. Assim, B adquiriu a posse
originariamente exatamente no momento da doação a C- é o que chamamos inversão do título da posse.
Mas dado que estamos perante um caso prático sobre a posse temos que, em caso de exame, seguir todos os passos
acima indicados. Portanto comecemos pela posse do B: B é possuidor? Temos de ver se os dois elementos
constitutivos da posse (o corpus e o animus) lhe pertencem. B exerce poderes de facto sobre a coisa- tem corpus?
Sim, tem. E animus? Comporta-se com a intenção de exercer sobre a coisa, como titular, um direito real? Não, o que
nos leva a concluir que ele é mero detentor. Contudo, no caso é dito que B, mero detentor, celebra um contrato com
C. Deste contrato resultará que C seja possuidor? Sim, visto que tem o corpus e animus pois a doação transmite a
propriedade. Portanto, é possuidor em termos de direito propriedade. Mas como é que C adquiriu a posse?
Originariamente ou derivadamente? Derivadamente de B. Se dissemos em cima que B era mero detentor parece
contraditório dizer que C adquiriu a posse derivadamente através de B mas através da inversão do título da posse B
adquiriu a posse originariamente na modalidade de oposição do detentor ao possuidor. O detentor, B, que exercia
poderes de facto sobre a coisa com animus detinendi passou a ter animus possidendi. Para que isto aconteça tem
que existir a prática de atos que demonstrem a inversão do animus- aqui temos a doação que demonstra logo que o
sujeito passa a comportar-se como possuidor. Em abstrato só pode doar quem for proprietário, logo, B, comporta-se
como possuidor. Para além disto terá que existir comunicação da alteração do animus (comunicação judicial ou
extrajudicial). O passo seguinte será caraterizar a posse de B, já que chegámos à conclusão de que ele é possuidor: é
uma posse não titulada pois o modo de aquisição da posse não permite em abstrato a aquisição do direito de
propriedade. A inversão do animus não é um meio adequado à aquisição do direito de propriedade; se é não titulada
presume-se e má fé; é pública pois é exercida de modo a ser conhecida pelo anterior proprietário ou pelo possuidor;
é pacífica pois foi adquirida sem recurso a coação.
Cabe agora analisar a posse de C: já tínhamos dito que C adquiriu a posse derivadamente de B na modalidade de
aquisição derivada explícita pois houve um ato de empossamento (colocação da coisa nas mãos do adquirente). Em
seguida, quais as caraterísticas da posse de C? É uma posse não titulada visto que o art 1259º ressalva a validade
formal, logo embora exista um título, em abstrato, idóneo, a adquirir o direito nos termos do qual C possui, existe
uma invalidade formal que impede que possamos classificar a posse como titulada (doação foi por um escrito
particular); se é uma posse não titulada presume-se de má fé; é uma posse pública visto que é cognoscível para B
(anterior possuidor); por último é pacífica pois foi adquirida sem recurso a coação (seja moral ou física).
Já no que toca à posse de D: Este tem corpus mas não tem animus pois o comodato não é um direito real. D é um
mero detentor. Em 2008 é celebrado um contrato de compra e venda e D passa a atuar como titular de um direito
real, logo, é possuidor em termos de direito de propriedade. Como é que D adquiriu a posse? De forma originária ou
derivada? Derivadamente, foi buscar a posse de C. Esta é uma aquisição real implícita na modalidade traditio brevi
manu. O que distingue a traditio brevi manu da inversão do título da posse? A posse transmite-se, no primeiro caso,
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por acordo e não por inversão do animus- o detentor transforma-se em possuidor pela celebração de um acordo de
transmissão da posse com o anterior possuidor. A posse de D tem como caraterísticas: é não titulada pois existe um
título, em abstrato, idóneo mas o contrato padece de um vício formal; presume-se, portanto, de má fé; é pública e
pacífica.

Aula 8: dia 24 de Abril de 2018


Caso prático 7: DIREITO DE PROPRIEDADE
A é proprietário de um prédio urbano que mandou construir em 2005. Em dezembro de 2017 B instalou no prédio
vizinho uma discoteca e A queixa-se do ruído. Pode A reagir?

Em primeiro lugar temos que referir que estamos perante um caso que aborda a temática do direito de propriedade,
em concreto, as restrições ao mesmo. O artigo 1346º é a primeira norma que inaugura as restrições ao direito de
propriedade. O direito de propriedade é o direito real máximo e não encontra qualquer definição na lei. No artigo
1305º é definido o conteúdo do direito de propriedade. Podemos comparar este artigo, por exemplo, com o artigo
1439º onde o legislador dá uma noção do direito de usufruto (direito real de gozo) e nos seguintes dá uma noção
exata do que entende dos outros direitos reais de gozo enquanto que no toca ao direito de propriedade não temos
uma norma que nos diga o que é este direito. No artigo 1305º temos o seguinte: "O proprietário goza de modo pleno e
exclusivo dos direitos de uso, fruição e disposição das coisas que lhe pertencem, dentro dos limites da lei e com observância das
restrições por ela impostas". Estas restrições poderão ser de Direito Público ou Direito Privado. No que toca a estas
últimas, o legislador preocupou-se em dirimir conflitos de vizinhança. No que toca a este direito temos que tecer
algumas indicações/notas:
1. O direito de propriedade tem 4 caraterísticas: (muito importante em orais)
a. Indeterminação: é difícil elencar todos os atos que podem ser praticados por proprietários
b. Exclusividade: o direito de propriedade é o único direito real que não pressupõe outro direito real
sobre a coisa que o sustente; sobre cada coisa apenas pode existir um direito de propriedade
ainda que com vários titulares (ter atenção à compropriedade- mais à frente)
c. Elasticidade: o direito de propriedade tem a virtude de se contrair com a constituição de direitos
reais menores e de se expandir com a extinção do direito real menor.
d. Tendencial perpetuidade: esta caraterística não significa que o direito de propriedade dura para
sempre. O que isto quer dizer é que o direito de propriedade não se extingue pelo não uso, ou
seja, a não utilização da coisa é entendida como exercício do direito de propriedade.
2. No que toca ao objeto do direito de propriedade temos que ver o artigo 1302º. No artigo diz-se que as
coisas corpóreas, móveis ou imóveis, podem ser objeto e direito de propriedade regulado neste código. O
que nos cabe saber e se poderá existir direito de propriedade sobre coisas incorpóreas (visto que no artigo
é explicitamente referido "coisas corpóreas"). Para a Escola de Coimbra tal é possível, poderemos ter
direito de propriedade sobre coisas incorpóreas ainda que em determinadas circunstâncias esta
propriedade esteja sujeita a um regime diferente daquele que se encontra no Código Civil. No artigo
1344º temos os limites materiais da propriedade imobiliária. Sendo que no º2 elencam-se as situações
em que o proprietário não poderá proibir a atos de terceiros quando não tenha interesse em agir por
exemplo: casos de cabos da alta tensão, aviões, esgotos,… o proprietário nestes casos não pode reagir
visto que não tem qualquer interesse nisso. Estão abrangidas pelo direito de propriedade: as partes
componentes, integrantes e árvores, arbustos, frutos naturais enquanto ligados ao prédio. Estão
desintegrados do prédio: desintegração legal artigo 1387º/1/b, desintegração convencional.
3. No que toca às formas de aquisição do direito de propriedade podemos ter:
a. Aquisição originária
i. Ocupação: é uma aquisição originária da propriedade que tem por objeto coisas móveis e
que consiste na apropriação de uma coisa que não tem ou deixou de ter dono. Para haver
ocupação terão que ser respeitados os seguintes requisitos: elemento pessoal (só se pode
adquirir por ocupação quem tiver capacidade de gozo); elemento real (só podem ser
adquiridas por ocupação rigorosamente res nullis- coisas que tiveram dono ou foram
abandonadas); elemento formal (tomada de posse da coisa, tomada de posse essa
voluntária). Coisas que são móveis e nunca tiveram dono ou foram abandonadas: artigo
1319º, 1320º, 1321º, 1322º. Mais relevante: art 1322º. Se, anunciado o achado, a coisa
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perdida não for reclamada pelo dano pelo prazo de 1 ano a contar do anúncio então o
achador faz sua a coisa perdida. Na ocupação importam: artigo 1323º e art 1318º.
ii. Acessão: ocorre quando a coisa que é propriedade de alguém se une e incorpora outra
coisa que não lhe pertencia. Para existir terá que haver uma junção de coisa alheia e uma
coisa de determinada pessoa sendo essa junção permanente, tendo que haver uma
ligação estável e permanente dando origem a um novo corpo (artigo 1325º ss ). Espécies
de acessão (artigo 1326º): acessão natural (resulta das forças da natureza)- aluvião ou
avulsão; acessão industrial (ocorre quando, por facto do homem, se confundem objetos
pertencentes a diversos donos, ou quando alguém aplica o trabalho próprio a matéria
pertencente a outrem confundindo o resultado desse trabalho com propriedade alheia)-
mobiliária ou imobiliária.
iii. Usucapião: vimos acima a propósito da posse. Artigo 1287º e ss.
b. Aquisição derivada
i. Contrato
ii. Sucessão mortis causa
4. Temos por último que elencar as restrições ao direito de propriedade:
a. Restrições LEGAIS de DIREITO PRIVADO:
i. Artigo 1346º: emissão de fumo, produção de ruídos e factos semelhantes
ii. Artigo 1347º: instalações prejudiciais
iii. Artigo 1348º: escavações
iv. Artigo 1349º: passagem forçada momentânea
v. Artigo 1350º: ruína de construção
vi. Artigo 1351º: escoamento natural de águas
vii. Artigo 1360º: abertura das janelas
viii. Artigo 1363º: abertura de frestas
ix. Artigo 1365º: estilicídio
x. Artigo 1366ª: plantação de árvores e arbustos junto à extrema
xi. Artigo 1370º: paredes e muros de meação
b. Restrições CONVENCIONAIS: rege aqui o artigo 1306º que nos diz que a constituição de restrições
ao direito de propriedade apenas é admitida nos termos da lei. Toda a restrição que não esteja
nestas condições tem natureza obrigacional. As restrições, neste âmbito, são entendidas num
sentido restrito de obrigações de conteúdo negativo no âmbito de relações de vizinhança.
c. Restrições legais de DIREITO PÚBLICO: Este tipo de restrições encontra-se em numerosa
legislação avulsa. Como exemplo, não se pode impedir que sejam colocados postes para passagem
de linhas elétricas de alta tensão, de linhas telegráficas, telefónicas, etc.

No caso, podemos dizer que estamos perante a restrição ao direito da propriedade presente no artigo 1346º. Nestes
casos o proprietário tem que suportar as emissões do prédio vizinho a não ser que eles comportem prejuízos ou não
resultem da utilização normal do prédio que emanam (2 critérios- basta que um seja verificado para que o proprietário não
tenha que suportar as emissões e possa reagir). No que toca às emissões, Henrique Mesquita diz que estas podem ser de
natureza incorpórea ou então de natureza corpórea mas de tamanho ínfimo.
Portanto, o senhor A tem que suportar as emissões do prédio de B? Para percebermos o que responder temos que
ver se alguma das condições/critérios acima referidas se aplicam. Pois se não verificarmos nenhum dos critérios o
senhor A será obrigado a suportar as emissões. Não temos dados no caso para conseguirmos tomar uma decisão,
por exemplo, não sabemos se B tem uma autorização para ter a discoteca. Mas quem decide o destino económico
da casa é sempre o proprietário mas, por vezes, cabe a autorização a uma entidade pública- como é o caso. Será que
B tem autorização? Se tiver as emissões não resultam de uma utilização anormal; se não tiver e se a casa for
destinada apenas à habitação então aí teremos uma utilização anormal da casa e, portanto, verificar-se-á o 2 critério
e, por isso, A não seria obrigado a suportar. Contudo, mesmo que B tenha autorização, o legislador deixa-nos outra
solução/ critério à disposição que é o prejuízo para o imóvel. Neste caso apenas importam os prejuízos do imóvel!
Para nada importa se, por exemplo, o ruído causa incómodo à pessoa ou se lhe está a causa problemas de saúde.
Apenas se atende aos prejuízos que o imóvel sofreu e se a habitação pode continuar a ser objetivamente habitável.
Contudo isto não quer dizer que outras áreas do direito não possam intervir em proteção da pessoa como por
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exemplo o direito administrativo. Apesar de se abrir esta janela temos que ter cautela mas não criarmos restrições
ao direito de propriedade que o legislador não previu. Portanto, a ilicitude das emissões terá sempre que consistir
numa avaliação objetiva do destino económico do imóvel.
O artigo 1346º não é exclusivo dos proprietários dos prédios contíguos podendo também ser invocado por vizinhos.
(prédios contíguos são prédios colados, extrema com extrema; prédios vizinhos assentam no critério da
proximidade, são casas na mesma área). Todas as emissões que estão fora deste artigo também são consideradas
ilícitas. No artigo apenas estão aquelas que o proprietário tem que suportar mas existem outras ilícitas, as do artigo
não são as únicas.
Agora, supondo que as emissões de B são ilícitas: como pode A reagir? Teremos que atender às ações de tutela do
direito de propriedade (dependerão da agressão).
• Em situação de ameaça: Ação de prevenção
• Quando o direito de propriedade se torna questionado ou incerto: Ação confessória
• quando se pretende que o tribunal declare a inexistência de um direito que o demandado invoca ser titular
sobre uma coisa e se pretende que a situação material anterior à lesão seja resposta: Ação negatória
• Quando se pretende que seja declarado um direito e que a coisa lhe seja reposta: Ação de reivindicação

Portanto, destas ações qual é que poderá A invocar? A Ação Negatória! Pedirá ao tribunal que declare a
inexistência do direito de B e pede que ele seja condenado a nunca mais emitir ruídos.

Caso prático 8: restrições direito de propriedade


A é proprietário de uma moradia germinada com a de B. B construiu no quintal um grelhador cuja chaminé tem
abertura para a moradia de A. Apesar de A ter pedido a B que alterasse a chaminé, B recusa-se a fazê-lo alegando
que tem o direito de emitir fumos para o prédio de A cujos fumos também recebe. Quid iuris?

A particularidade deste caso é que os fumos de B atingem o prédio de A porque B imprime uma específica direção. O
artigo 1346º apenas protegeria B caso o prédio fosse atingido naturalmente. Portanto, aqui, não se vai aplicar o
artigo 1346º e as emissões de B serão ilícitas. Ou seja, a ilicitude das emissões estará dependente, em primeiro lugar,
da forma como lá vão parar. Assim, A poderá reagir através da ação negatória pedindo ao tribunal que declare a
inexistência do direito de B e exigindo que seja reposta a situação material anterior à lesão (retirar a chaminé) e,
também, que ele se abstenha de voltar a ter qualquer comportamento semelhante.

Imagine agora que B concordou em receber uma quantia mensal para suportar o fumo produzido por A quando este
queima no seu grelhador documentos do escritório. Entretanto, B vendeu o prédio a C que se recusa a aceitar as
emissões. Quid iuris?

É A que tem um grelhador cujos fumos vão naturalmente para o prédio de B mas os fumos resultam da queima de
documentos e existe também um acordo entre A e B. Primeiro, as emissões de A serão lícitas ou ilícitas? Serão
ilícitas. Não resultam de uma normal utilização do grelhador visto que não é habitual queimar documentos num
grelhador. Assim, C não será obrigado a suportar as emissões. Mas temos o problema do acordo que justificava a
aceitação das emissões por B. Assim aparece C que não aceita o acordo entre A e B. Este só terá razão se não existir
uma servidão (ou seja, C só não estará sujeito ao acordo e poderá não o aceitar caso não exista uma servidão!). O C
só pode ter razão se o direito que A adquiriu sob o prédio de B não for um direito real, ou seja, se esse direito não
tiver eficácia erga omnes porque se tiver será oponível a terceiros e, portanto, oponível a C e ele não poderá fazer
nada. Será, então, possível, uma servidão de fumos? Sim é, devido à atipicidade do conteúdo das servidões- artigo
1544º e devido também ao princípio da taxatividade (isto porque o princípio da taxatividade não vale para as
servidões e para o usufruto visto que estas são de tipo aberto ou seja, as partes podem moldar o tipo de servidão
que querem desde que não a descaraterizem). Temos, portanto, uma lista fechada e um tipo/conteúdo aberto (pex:
propriedade horizontal, usufruto e servidões).
No artigo 1543º temos 4 requisitos para termos uma servidão:
1º: encargo imposto num prédio
2º: em proveito exclusivo
3º: de outro prédio
4º: pertencente a dono diferente;
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Portanto, agora necessitamos de verificar todos estes elementos para concluir se houve ou não uma servidão. O 2º
requisito "proveito exclusivo" não se verifica um elemento do tipo. Assim, de uma forma ou outra, o acordo de A e B
teria apenas efeitos obrigacionais e, por isso mesmo, não seria oponível a C.

Aula 9: dia 15 de Maio de 2018


Caso prático 9: Restrições Direito de Propriedade
Temos 3 prédios contíguos- Y, X, Z- sendo que o senhor A construiu uma vivenda no imóvel X. Nessa vivenda abriu
janelas do lado sul tendo deixado 1m de distância entre a janela e a extrema. Já do lado norte abriu frestas com
distância de 75cm a 1,60m de altura. Agora, os proprietários dos imóveis Y e Z pretendem elevar a construção e o
senhor A opõe-se dizendo que tal vai tapar as suas frestas e janelas. Poderá o senhor A impedir que os proprietários
dos prédios Y e Z construam algo que venha a tapar as aberturas da sua construção?

Em primeiro: conflito entre X e Z- janelas. O senhor A pode construir ocupando toda a superfície X -artigo 1344º- o
que ele não pode é abrir janelas a não ser que deixe 1,5m de distância entre a janela e a extrema de Z. Temos que
conjugar este artigo 1344º com o artigo 1360º que é uma das restrições ao Direito de Propriedade. Este artigo não
se aplica apenas a janelas mas, também, a varandas, terraços, portas,... Portanto, assim, o proprietário do prédio Z
pode intentar uma ação negatória para obrigar o senhor A a tapar as janelas (esta ação serve 3 pedidos: que o
tribunal declare a inexistência do direito do senhor A de fazer a janela; condená-lo a tapar a janela; e obrigá-lo a
nunca mais fazer o mesmo). A ratio legis deste artigo 1360º é impedir a devassa dos prédios vizinhos, impedindo
ofensas à propriedade e o lançamento de objetos de prédios vizinhos. É por isto mesmo que temos a norma do
artigo 1361º. Aos prédios separados por um caminho público não se aplicam as restrições do artigo 1360º. Se fosse
assim, se houvesse um caminho a solução seria a mesma? Não porque aplicar-se-ia o artigo 1361º e o senhor A
poderia construir janelas. A posição de A já é ferida pela existência de um caminho (risco de devassa), não há razão
para limitar ainda mais as faculdades do direito de propriedade do senhor A. Outra solução seria o senhor A
construir um muro tão alto quanto as janelas (tem que ser sempre da mesma altura!!) sendo, assim, a possibilidade
de devassamento anulada. Se não fizer isto pode constituir-se uma servidão de vistas por usucapião (em 1º terão
que ser respeitados os requisitos para que a usucapião possa funcionar). E se Z afinal não quiser construir? Se não
reagir pode constituir-se uma servidão de vistas que irá restringir o direito de propriedade de Z e será obrigado a
deixar 1,5m da sua construção com a do vizinho. Deixará de aproveitar o seu terreno até à extrema. Isto significa que
o terreno valerá menos o que se traduz numa diminuição do património o que é muito desvantajoso para Z (ele não
reagir). Outra nota sobre a servidão de vistas: constitui-se por usucapião com base numa posse, servidão essa que se
altera conforme se alterar a abertura da janela. A servidão de vistas extingue-se se a janela for alterada (pex: tenho
uma servidão de vistas para uma determinada janela e depois decido alargar a janela- a servidão extingue-se). Esta
servidão é inerente à abertura que tiver sido dada.
No que toca ao segundo problema- entre Y e X- das frestas: em primeiro lugar, de acordo com o artigo 1363º o
senhor A podia construir as frestas mas estas frestas construídas são lícitas ou ilícitas? São ilícitas porque só têm
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1,60m de altura e deveriam ter 1,80m. As frestas não estão sujeitas às restrições do artigo 1360º. O regime das
frestas está presente no artigo 1363º e quando não é cumprido a jurisprudência entende que se aplica o artigo
1360º o que fará com que as frestas tenham que ser tapadas. Nada impede que o proprietário do prédio vizinho
construa para tapar as frestas ilícitas.

Caso prático 10: modos de aquisição do Direito de propriedade


A é proprietário de um terreno e permitiu em abril de 2008 que o seu empregado B nele construísse uma casa de
habitação. Em março de 2018 A e B desentenderam-se tendo B sido despedido. A pretende demolir a construção que
considera ser sua por ter sido feita em terreno que lhe pertence mas B opõe-se afirmando ser o proprietário não só
da casa de habitação como também de todo o terreno. Quid iuris?

Estamos perante um caso de acessão prevista nos artigos 1325º e ss. Neste caso em concreto estamos perante uma
acessão industrial imobiliária artigo 1339º e ss. O nosso primeiro passo será analisar o artigo 1316º em que estão os
modos de aquisição do direito de propriedade. Contudo não estão todos, este artigo é meramente exemplificativo. A
acessão traduz-se no facto de o legislador ser confrontado com uma coisa nova e ter que decidir quem é o
proprietário dessa coisa nova. Essa coisa nova pode surgir:
• União de coisas diferentes e de proprietários diferentes: acessão industrial imobiliária
• O velho é transformado em novo através do trabalho do homem: acessão industrial mobiliária
No artigo 1325º faz-se um ensaio sobre o que é a acessão e no artigo seguinte elencam-se as espécies de acessão.
Ao nosso caso iremos aplicar o artigo 1340º e ss e temos uma obra em terreno alheio. Agora temos que perceber se
o senhor B está de boa fé ou não. Para isso temos que analisar o nº4 do artigo 1340º. Para funcionar a acessão tem
que haver uma ligação material com caráter de permanência ao prédio (o mesmo para sementeiras ou plantações-
culturas anuais). A acessão não é permitida a sujeitos que já tenham estabelecido uma relação com a coisa pex:
locatários tal como os possuidores que só podem adquirir o direito de propriedade por usucapião.
Outro requisito para além da boa fé é a especial relação de valores. O artigo 1340º/1 manda fazer uma comparação
entre duas unidades prediais: antes da incorporação e depois da incorporação. No nº2 e nº3 temos situações
diversas, no nº2 prevê-se a licitação entre os interessados e no nº3 o proprietário adquire o terreno com a
construção tendo que indemnizar o autor das obras.
No que toca ao momento de aquisição da acessão surge uma divergência doutrinal entre Lisboa e Coimbra. Para
Coimbra a aquisição por acessão faz-se automaticamente, ipso iure, basta a verificação dos factos do artigo 1340º/1.
Já para Lisboa a lei atribui um direito potestativo de aquisição que está dependente de uma manifestação de
vontade que impõe os seus efeitos na esfera jurídica da parte que se encontra em posição de sujeição. Estes autores
dizem, ainda, que a acessão funcionar de forma automática é injusto por causa da indemnização e além disso o risco
corre sempre por conta do proprietário. No artigo 1317º/d por exemplo temos o claro exemplo de que a escola de
Coimbra é que esta correta (verificação dos factos). O argumento mais relevante de Coimbra é a comparação entre
a letra do artigo 1340º e do artigo 1343º. Apesar disto, os autores de Coimbra conseguem reconhecer que a escola
de Lisbao tem razão nas críticas que faz.
Extinção do direito de propriedade
1. Expropriação: a expropriação implica a extinção do direito de propriedade sobre o imóvel em que recaia
e constitui um direito a favor da pessoa que tem a seu cargo a prossecução do fim de utilidade pública que
se teve em vista. É uma das limitações ao direito de propriedade por interesse público.
2. Perda da coisa: a propriedade extingue-se também com a perda absoluta ou total da coisa porque põe
em causa a sua afetação jurídica. Não devemos confundir isto com a deterioração, a menos que seja tão
profunda que torne impossível o exercício do direito de propriedade. A perda restringe-se naturalmente a
coisas móveis que, tornando-se res nullius, são suscetíveis de ocupação (arts. 1318º e 1323º CC).
3. Impossibilidade definitiva de exercício: o direito de propriedade extingue-se por impossibilidade
definitiva do seu exercício. É uma exigência da função social a que a propriedade está sujeita. Invoca-se o
exemplo do tesouro que, vinte anos de impossibilidade de exercício por não se saber onde se encontra
escondido, cessa a propriedade da coisa (art. 1324º/2 CC).
4. Abandono: o abandono é também uma causa de extinção do direito de propriedade. Enquanto que as
coisas móveis podem ser abandonadas, tornando-se res nullius e, assim, suscetíveis de ocupação, nas coisas

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imóveis o único preceito em que a propriedade se extingue por abandono é o domínio sobre as águas
originariamente públicas.
5. Renúncia: a renúncia é outra causa de extinção do direito de propriedade. Constitui uma manifestação da
faculdade de disposição reconhecida ao proprietário (art. 1305º CC). É admitida em relação a coisas móveis,
dividindo-se a doutrina quanto à possibilidade de incidir sobre coisas imóveis. OLIVEIRA ASCENSÃO e
MENEZES CORDEIRO defendem que as coisas imóveis são suscetíveis de renúncia, passando
automaticamente a ser bem do Estado. Já HENRIQUE MESQUITA, considerando esta posição inteiramente
razoável, entende que a interpretação sistemática da lei não fornece apoio para a livre renunciabilidade do
domínio sobre imóveis. Invoca os arts. 1476º/1/c) e 1569º/1/d), que permitem a extinção por renúncia do
usufruto e das servidões, referindo que se isto fosse aplicável à generalidade dos direitos de gozo, incluindo
a propriedade, o legislador não teria sentido a necessidade de reiterar o princípio em relação ao usufruto e
às servidões.
6. Caducidade: a caducidade é uma forma de extinção de direitos reais temporários. Por isso, não se suscita
dúvidas em relação ao direito de usufruto e de uso e habitação, mas o direito de propriedade levanta
algumas dificuldades. No entanto, sendo a propriedade temporária admitida pela lei “nos casos
especialmente previstos, a caducidade extingue-a. Apontam-se, como exemplos, a substituição
fideicomissária no testamento (art. 2286º CC) e na doação (art. 962º CC).
7. Não uso: o direito de propriedade extingue-se por não uso “nos casos especialmente previstos na lei” (art.
298º/3 CC). Defende-se que o não uso constitui uma forma de uso, mas há autores que defendem que não
se deve manter um direito que não é exercido na esfera jurídica do sujeito. Por exemplo, a propriedade
sobre águas particulares que eram originariamente públicas caduca pelo não uso, revertendo ao domínio
público (art. 1397º CC).
8. Outras modalidades
A) Contrato com a transferência do direito de propriedade: o alienante perde a sua propriedade que
é adquirida pela outra parte (arts. 1316º e 1317º/a)).
B) Usucapião: com a usucapião, extingue-se o direito do proprietário, que o possuidor adquire.
C) Acessão: também através da acessão se extingue o direito sobre a coisa unida e incorporada
noutra.
Aula 10: 22 de Maio de 2018
Caso prático 11: COMPROPRIEDADE
Tendo decidido casar em Julho de 2018, A e B compraram uma casa em conjunto. A escritura foi elaborada em
Fevereiro de 2018. Porém A decidiu cancelar o casamento e, em Abril, vendeu a casa a C. Poderá B reagir contra este
negócio tendo em conta que não consentiu essa venda?

A primeira questão a responder será: B tem direito de preferência? Não. Artigo 1409º. A está a vender a coisa (a
casa) e não a sua quota.
No artigo 1403º o legislador avança com uma noção de compropriedade. Existem várias teorias sobre a natureza
jurídica da compropriedade sendo elas:
• Teoria da comunhão: cada comproprietário tem um direito e a cada um pertence uma quota ideal do direito
de propriedade
• Teoria da pluralidade de direitos de propriedade: na compropriedade temos vários sujeitos e cada um deles
é titular de um direito de propriedade mas todos eles recaem sobre a totalidade da coisa. Cada direito está
limitado pelo concurso de idênticos direitos de propriedade pertencentes aos demais contitulares.
• Teoria da divisão ideal da coisa: a cada comproprietário cabe a quota ideal da coisa. ---> MOTA PINTO: para
este autor a compropriedade não é um tipo de comunhão. Cada contitular/comproprietário é proprietário
de uma parte ideal da coisa objeto da compropriedade.

No que toca aos modos de constituição da compropriedade e no nosso caso em concreto estamos perante um
negócio jurídico inter vivos, cada um comparticipou na aquisição da propriedade. Para além deste modo de
constituição temos outros como: o negócio jurídico mortis causa; disposição na lei (ex: artg 1358º/1, 1359º/1, 1368º,
1371º,…), decisão judicial e usucapião.
No artigo 1408º temos o regime jurídico que resolve este problema e este mesmo artigo tem sob epígrafe
"disposição e oneração da quota". Será que é só disto que este artigo trata? Trata de dois negócios jurídicos
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diferentes/objetos diferentes sendo eles: aquilo que se pode fazer isoladamente- dispor da sua quota; e aquilo para
o qual é necessário consentimento- dispor de parte especificada (em casos pouco prováveis a totalidade da coisa).
Muitas vezes confunde-se o poder que se tem sobre a quota ideal da coisa com o ser titular de uma parte
especificada da coisa, nunca se pode confundir! Contudo vender uma parte especificada da coisa (pex ½) ou vender
a totalidade tem o mesmo regime: depende do consentimento dos restantes comproprietários. A consequência do
incumprimento desta exigência será a invalidade do negócio sendo que o legislador manda aplicar o regime da
venda de coisa alheia. Por regra a venda de coisa alheia é nula mas existem casos em que o negócio poderá ser
válido produzindo apenas efeitos obrigacionais. A venda de coisa alheia é nula pex quando eu vendo algo que não é
meu mas vendo essa coisa como se fosse minha/própria. Por outro lado, a venda de coisa alheia será válida quando
vendo uma coisa como se fosse de outrem (digo à pessoa a quem estou a vender que a coisa não é minha e ela sabe
disso).
No que toca ao caso prático, à partida diríamos que o negócio seria inválido. Contudo temos uma maneira de salvar
o negócio celebrado entre A e C: A poderá vender livremente a sua quota parte ideal da coisa a C (não uma parte
especificada que foi o que ele fez!!!!). A única restrição a esta solução será: se vender a estranhos à compropriedade
(no caso, se não vender a B) tem que dar preferência aos restantes comproprietários- artigo 1409º. Ou seja, se A
decidir vendar a sua quota parte ideal da coisa terá que dar preferência a B e apenas só se este não quiser é que
poderá vender a C. Por exemplo imaginemos que temos um prédio rústico que tem 3 comproprietários- L, F, M. L
pretende vender a sua parte a Z. Se L vender uma parte especificada da coisa o negócio será nulo como vimos acima.
Contudo, o negócio nulo pode ser convertido num negócio de alienação da quota (em vez de uma parte especificada
pex 1/3 da coisa) dando assim preferência aos outros comproprietários. Portanto, no caso, temos que reduzir o
contrato (visto que ele vendeu a totalidade, temos que reduzir apenas para a sua quota) e o passo seguinte será
converte-lo num negócio válido ou seja, em vez de ser um negócio em que A vende uma parte especificada da coisa
irá vender a sua quota ideal da coisa.

Caso prático 12
Em novembro de 2017, A B e C adquiriram em compropriedade uma casa de comércio de 2 andares.
a) A pretende habitar o 1º andar, poderá fazê-lo?
B) considerando que A pagou 50mil€, B pagou 10mil€ e C pagou 25mil€ imagine que o telhado necessitou de
reparações urgentes. Uma empresa de construção apresentou o orçamento de 7500€. A autorização para as
reparações foi imediatamente concedida, mas B recusa-se a pagar alegando que não foi ouvido sobre tal decisão.
Quid iuris?

A) Poderá o senhor A fazer o que pretende? Não. Artigo 1406º. Todos poderão utilizar a coisa como quiserem ou
então poderão mesmo ser os comproprietários a acordar como utilizar a coisa (por força do princípio da liberdade
contratual). Contudo temos que ter em atenção que a divisão de uso é diferente ≠ da divisão da coisa comum.
Assim, o senhor A, tal como os outros, não podem utilizar a coisa para um fim diverso àquele a que a coisa se
destina. Contudo, terá que se ter alguma elasticidade nos limites dos poderes da utilização da coisa. A coisa poderá
ter um fim diferente desde que tal não prejudique os restantes comproprietários. Assim, concluímos que o senhor A
não pode habitar num dos andares como pretende porque tal constituiria um prejuízo para os restantes
comproprietários já que o que eles pretendiam era fazer um espaço comercial nos 2 andares.

B) O que nos chama mais à atenção serão as diferentes contribuições de cada um dos comproprietários. Contudo
estas contribuições não correspondem à proporção da quota (ou seja, só por ter sido o senhor A a pagar mais não
quer dizer que a sua proporção da quota seja maior do que a de todos os outros).
Assim, todos eles deverão, enquanto proprietários da coisa, contribuir para as despesas- artigo 1405º. Mas será que
o senhor B tinha que ser ouvido para que as reparações pudessem avançar? Não- artigo 1407º conjugado com o
artigo 985º. Assim, qualquer um deles poderia tomar aquela decisão de consertar o telhado visto que esta reparação
está dentro da administração da coisa. Portanto, B não tem razão.
Contudo temos que atender ao artigo 985º/2 que prevê o direito de oposição aos atos que o outro pretenda fazer.
Cabe à maioria decidir se a oposição é meritória. Porém, segundo o artigo 1407º/1 é necessária uma dupla maioria
para o mérito da oposição. Se não houver maioria e os comproprietários não se conseguirem entender haverá a
intervenção de um terceiro- o tribunal! Todavia, no caso, temos uma situação particular visto que é um caso de
reparações urgentes ao telhado. Assim, temos que ir ao art 985º/5 e concluímos que qualquer um dos
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comproprietários poderia promover as reparações sem a autorização dos restantes. Ou seja, B tem ainda menos
razão que anteriormente.
E no que toca ao pagamento ao construtor? Temos que ver o artigo 1411º e este será feito em "proporção das
quotas". Mas B tem que pagar? Sim, tem. Não pagará caso renuncie à sua participação na compropriedade. Poderá
renunciar sem consentimento visto que não participou na decisão, caso tivesse participado teria que ter
consentimento para renunciar à compropriedade.

Exemplo: imaginando que 3 amigos tinham comprado um carro e o pintaram de verde porque eram sportinguistas.
Se for necessário mudar o óleo, pode A fazê-lo? Sim pode. E mudar o pneu do carro? Pode.
Mas e se A decidiu agora que é do FCP e quer pintar o carro de azul e os outros comproprietários encontram-se em
prisão preventiva, poderá fazê-lo sem consentimento? Isto é um ato de administração extraordinária e temos o seu
fundamento legal no artigo 1024º/2. Neste mesmo artigo exige-se que todos se manifestem se for um ato de
administração ordinário, será necessária unanimidade. Assim, por maioria de razão, para um ato de administração
extraordinária também será necessária unanimidade. São atos que pertencem aos poderes de exercício unânime.
Assim, o portista terá que se dirigir ao estabelecimento prisional para obter o consentimento dos outros dois
comproprietários.

Extinção da Compropriedade
A compropriedade por extinguir-se por via negocial, qualquer um dos comproprietários pode adquirir as quotas de
quaisquer dos outros ou de todos. Como forma de extinção especial, pode citar-se os arts. 1412º e 1413º, a extinção
por divisão da coisa comum. Qualquer dos consortes pode, a qualquer momento, requerer a divisão da coisa
comum, não sendo obrigados a permanecer na indivisão. Mas a lei admite as cláusulas de indivisão, havendo
interesse em limitar a possibilidade dos consortes em pedir a divisão da coisa, por determinado período de tempo. A
sua validade está limitada ao máximo de cinco anos. Se ultrapassar este limite, a cláusula será nula. Para valer em
relação a terceiros, esta cláusula tem de ser registada, nos termos do nº3 do art. 1412º CC. Se não estiver registada e
um dos comproprietários vender a sua quota, o terceiro adquire-a validamente. A divisão amigável da coisa comum,
ou seja, extrajudicial, requer a forma que a lei exige para a alienação onerosa da coisa, p.ex., escritura pública se
estivermos perante uma coisa imóvel.

Aula 11: dia 29 de Maio de 2018


Caso prático 13
A, B, C e D são comproprietários em partes iguais de uma discoteca desde 2013.C e D pretendem
transformar a discoteca num restaurante de rodízio de pizzas e A e B opõem-se. Assim, C pretende pôr fim à
compropriedade. Poderá fazê-lo tendo em conta que os consortes tinham acordado em não exercer a
divisão da coisa comum durante 7 anos?
Em primeiro temos que perceber se, de facto C e D podiam transformar a discoteca num restaurante. Para
tal temos que analisar a distribuição dos poderes ou seja, perceber quais são os atos que podem ser
praticados isoladamente por um dos consortes, quais os atos que necessitam da maioria dos consortes
para serem praticados ou aqueles que necessitam de unanimidade dos consortes. (A respeito dos que
necessitam da maioria é importante ter em atenção à administração visto que esta não necessita da maioria dos consortes,
atenção artigo 985º/1. A maioria é necessária quando um dos consortes de opõe!).

Distribuição dos poderes


• Atos que podem ser praticados ISOLADAMENTE por um dos consortes: nos termos do artigo 1406º cada
consorte pode usar a coisa comum desde que não a utilize para fim diferente daquele a que a coisa se
destina e não prive os outros consortes do uso da coisa. Além disso, cada um pode dispor da sua quota, ou
parte dela, podendo também onerá-la ou dá-la em hipoteca- art 689º/1. Contudo não poderá alienar ou
onerar de forma isolada uma parte especificada da coisa comum visto que não tem direito a uma parte
concreta (pex dizer que tem 1/2 de x coisa não quer dizer que essa parte seja a parte da direita ou da
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esquerda, é apenas 1/2 da coisa não existe uma especificação do que é). Cada um tem uma quota ideal da
coisa. Se, contudo, um dos consortes alienar parte especificada aplicam-se as normas da venda de coisa
alheia- art 1408º/2 remissão art 892º. Nos termos do art 1405º/2 cada consorte pode exercer a ação de
reivindicação da coisa comum em relação a terceiro que a possua indevidamente. Os comproprietários têm
direito de preferência sobre as quotas ideias dos outros comproprietários em caso de uma venda a estranho
artigo 1409º e 1410º.
• Atos que têm que ser praticados pela MAIORIA dos consortes: o artigo 1407º remete para o artigo 985º
estando, assim, os atos de conservação e de normal frutificação da coisa submetidos ao regime de
administração. A administração tanto pode pertencer a todos como alguns dos consorte e, não havendo
convenção, têm poderes iguais. Poderá, contudo, existir estipulação em como apenas alguns deles possam
administrar. Quando a administração pertence a todos ou a alguns qualquer um dos administradores tem
direito a opor-se ao ato que o outro pretenda realizar cabendo, depois, à maioria decidir o mérito da
oposição. Isto significa que acaba por ser a maioria quando existe contestação de um ato de administração.
Aqui, maioria compreende-se no valor das quotas sendo necessário que essa maioria represente pelo menos
metade do valor total das quotas. Parece que temos a exigência de uma dupla maioria: a maioria do artigo
985º-pessoal- mais a maioria do valor das quotas. No que toca aos encargos estes têm que ser suportados e
impendem sobre todos os comproprietários da coisa na proporção das respetivas quotas. Para se
eximirem/fugirem aos encargos cada um dos comproprietários terá que renunciar ao seu direito nos termos
do artigo 1411º. Em caso de alienação a terceiro continuará a ser responsável pelos encargos, ao renunciar
os outros comproprietários adquirem a sua quota sendo esta aquisição uma compensação pelos encargos
acrescidos que os comproprietários terão.
• Atos que exigem a UNANIMIDADE dos consortes: nos termos do artigo 1408º a disposição de toda a coisa
ou parte especificada exige o consentimento de TODOS os consortes. Não se pode vender, doar, trocar, toda
a coisa ou parte especificada dela sem o consentimento de todos os outros, não basta a maioria!

No caso temos um problema de administração da coisa. Como é que uma pessoa poderá sair da indivisão?
Através da alienação da quota (onerosa ou gratuitamente). Contudo C não parece pretender sair mas sim
extinguir a compropriedade, será que pode fazê-lo? Será que poderá apresentar qualquer motivo como
justificação? Sim pode art 1412º. Contudo é de ressalvar que na parte final deste artigo diz-se que ele poderá ser
obrigado a permanecer caso "houver convencionado que a coisa se conserve indivisa". Tal parece acontecer no
nosso através do pacto de indivisão celebrado por 7 anos. Mas ao atentar neste número percebemos que ele
viola o disposto no artigo 1412º/2 que nos diz que o máximo que esse pacto pode ter de duração serão 5 anos.
Assim, para solucionar este problema teremos que proceder a uma redução da cláusula inválida e, portanto, o
pacto celebrado passará a vigorar por 5 anos (período máximo) e não 7. Tendo em conta que a compropriedade
foi celebrada em o 2013 e o pacto de indivisão teria, agora, o período máximo de 5 anos, C já poderia extinguir a
compropriedade. Assim, a extinção da compropriedade dá-se através da divisão da coisa comum que poderá ser:
amigável- as partes acordam; judicial- através da ação de divisão da coisa comum com a intervenção de um
terceiro imparcial (juiz/tribunal). Contudo a título de nota, no que toca à divisão de um prédio rústico existem
certas limitações: essa divisão não pode dar origem a prédios com a unidade mínima de cultura inferior ao
exigido.
Portanto, podemos concluir que se reduzirmos a cláusula nula o pacto de indivisão já será válido e como já
passaram 5 anos C poderá extinguir a compropriedade.

Caso prático 14: PROPRIEDADE HORIZONTAL


Em janeiro de 2017, A decidiu construir num dos seus terrenos um edifício em regime de propriedade horizontal.
Escriturou e registou o respetivo título constitutivo segundo um projeto de 7 andares com 2 apartamentos por
andar destinados exclusivamente a habitação. Em junho do mesmo ano, ainda sem o prédio concluído, A vendeu
a fração X a B afirmando que o podia utilizar como consultório médico. Em fevereiro de 2018 o prédio está
acabado e todas as frações vendidas. B utiliza a sua como consultório médico e os restantes insurgem-se contra a
situação. Quid iuris?

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A propriedade horizontal é um direito real autónomo distinto do direito de propriedade e da compropriedade.
(ter em atenção o art 1420º). A impossibilidade de separação e a divisão são as principais diferenças entre,
primeiro, o direito de propriedade e, em segundo, a compropriedade e a propriedade horizontal.
Com base nos artigos 1414º, 1415º e 1420º podemos definir a propriedade horizontal como um conjunto de
poderes, incindivelmente ligados, sobre cada uma das frações autónomas e sobre as partes comum do mesmo
edifício. A doutrina realça que cada fração é objeto de um direito de propriedade singular e as partes comuns de
um direito de compropriedade. Estes direitos estão de tal forma unidos que não é possível aliená-los
separadamente nem se pode renunciar ao direito às partes comuns para libertação dos encargos
correspondentes- art 1420º/2. Além de independentes as frações devem estar separadas e isoladas, ter saída
própria e pertencer a proprietários diferentes.
No que toca à constituição da propriedade horizontal ela pode ser constituída por negócio jurídico, usucapião,
decisão administrativa ou decisão judicial proferida em ação de divisão da coisa comum ou em processo de
inventário- art 1417º fazer remissão para o artigo 1526º que é outra forma de constituição da propriedade
horizontal. Atentar que este negócio jurídico referido no artigo 1417º é um negócio jurídico UNILATERAL! Por
vezes em exames calha uma pergunta: a propriedade horizontal pode constituir-se por contrato. Falsa ou
verdadeira? É falsa! Neste artigo o legislador disse menos do que devia. Este facto explica-se pelos princípios
gerais dos direitos reais. O título constitutivo tem de especificar as partes do edifício correspondentes a cada
fração, individualizando-as e terá, igualmente, de ficar o valor relativo a cada fração em relação ao valor total do
prédio- art 1418º/1. Isto é obrigatório, são exigências que resultam da lei. Para além disto, o título constitutivo
poderá, ou não, conter a menção do fim a que cada fração ou parte comum se destinam (art 1418º/2/a) e ver as
restantes alíneas b) e c). No caso de faltar alguma das exigências do nº1 o título constitutivo será nulo ou mesmo
no caso de divergência entre o fim referido no título e o que foi fixado no projeto aprovado pela entidade
pública competente- nº3.
O principal efeito da propriedade horizontal será a transformação de uma única coisa em quantas frações
existirem (7 frações=7 coisas). Por exemplo: temos um prédio rústico em que se contruiu um prédio sob regime
de propriedade horizontal e temos as frações a,b,c,d,e,f. O senhor A, antes de submeter o prédio ao regime da
propriedade horizontal, pretende vender a fração d ao senhor B, pode? Não! Não pode vender ao senhor B antes
de submeter à propriedade horizontal porque nessa altura existe APENAS UMA COISA e não pode vender uma
parte dessa coisa, por força do princípio da totalidade e da coisificação. Depois de submeter o prédio à
propriedade horizontal, aí sim poderá vender a B. Através do título constitutivo- negócio unilateral pelo qual A
vai declarar que aquela coisa que era sua vai ser dividida em tantas coisas quanto frações tiver. Aí passaremos a
ter 6 coisa e A já poderá vender a fração d a B. A plena eficácia da propriedade horizontal só se produzirá a
partir da primeira alienação- neste caso a alienação a B. Só com 2 condóminos, no mínimo, é que a propriedade
horizontal faz sentido e tem eficácia plena. Já que falámos do título constitutivo já acima dissemos que está no
artigo 1418º/1 que estabelece o conteúdo que este título deverá ter. No que toca ao valor da fração é
importante perceber que ele não é expresso num valor, é expresso sim em percentagem ou permilagem em
relação ao valor total do prédio (por exemplo dizer que a fração d tem valor de 15,49% em relação ao valor
total). Ainda em relação com esta percentagem ela está relacionada com o nº de votos de cada um pode ter na
assembleia art 1430º/2 (15 votos) e também determina a responsabilidade pelas despesas, os frutos,… Apesar
de não ser obrigatória a menção do fim a que se destina cada fração, no artigo 1422º/4 diz-se que caso no título
constitutivo não disponha sobre o fim da fração a alteração do seu uso carece de autorização da assembleia de
condóminos. Apesar desta menção não ter caráter obrigatório, se se decidir colocar no título constitutivo o
previsto no artigo 1418º/2/a) tal terá que ser cumprido. Ou seja, se no título constitutivo se disser que uma
fração do prédio se determina a x fim não podemos na realidade usá-lo para outro fim. Agora resta-nos saber o
que prevalecerá: o contrato de compra e venda celebrado ou a cláusula do título constitutivo celebrado em
janeiro de 2017 que diz que o prédio tem 7 andares, cada um com 2 apartamentos sendo que esse prédio se iria
dedicar exclusivamente a habitação? O conteúdo do título constitutivo define o estatuto o direito real pelo que
gozará de eficácia erga omnes, não podendo ser alterado pela vontade do alienante mesmo que tenha sido ele a
celebrá-lo. Já no que toca à cláusula do contrato de compra e venda que diz que B poderá usar o apartamento
para consultório médico terá apenas eficácia obrigacional/inter partes. Assim, em conclusão, o prédio e suas
frações apenas podem ser utilizados para fins habitacionais- por força do que foi estabelecido no título
constitutivo- devendo B cessar a sua atividade médica. De notar que isto resulta do art 1422º/1/c em que se
refere que os condóminos não podem dar à fração um uso diferente daquele a que ela se destina. Isto
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condiciona o exercício da propriedade em regime de propriedade horizontal que cabe a cada um deles sobre a
fração que adquiriram- art 1420º/1. Assim, este regime implica acrescentar às restrições do direito de
propriedade aquelas que decorrem do próprio regime da propriedade horizontal (resultem essas restrições do
título constitutivo, do regulamento do condomínio, das deliberações da assembleia de condóminos- art 1422º).
Porém, nada impede que o título constitutivo seja alterado. Para isso, como resulta do art 1419º, todos os
condóminos terão que estar de acordo e proceder à formalização de novo estatuto do direito real.

Caso prático 15
B é administrador de um condomínio e contacta-o com a seguinte situação: A é proprietário da fração X
localizada no 1º andar de um prédio em propriedade horizontal. Decidiu não pagar as despesas de conservação
do elevador alegando que os danos foram causados por um dos condóminos do 5º andar. Além disso, revelou
que quer renunciar as uso das partes comuns do prédio para que assim deixe de ser incomodado para contribuir
nas despesas. B quer saber se A tem razão.

No artigo 1420º/1 estabelece-se que todo e qualquer condómino "é proprietário exclusivo da fração autónoma
que lhe pertence e comproprietário das partes comuns do edifício". Para reforçar esta ideia, o legislador
acrescenta no artigo 1420º/2 que o conjunto de dois direitos é incindível daqui decorrendo que não é lícita a
renúncia às partes comuns como meio de desoneração das despesas. É compreensível visto que as frações
autónomas não têm autonomia estrutural e só obtêm autonomia funcional através das partes comuns. Assim, a
pretensão de A (renunciar ao uso das partes comuns para desoneração das despesas) é totalmente inviável.
Já no que toca ao facto que não querer pagar as despesas de conservação do elevador por alegar que foram os
condóminos do 5º andar temos que perceber se aqui também não tem razão ou se, por outro lado, a sua
pretensão é viável. A regra supletiva quanto à partilha das responsabilidades pelas despesas de conservação das
partes comuns encontra-se no art 1424º/1 "são pagas pelos condóminos em proporção do valor das suas
frações". Este valor terá que constar no título constitutivo como nos diz o artigo 1418º/1 que é que entendemos
por conteúdo obrigatório do título constitutivo. Existe, porém, uma norma específica para este caso em concreto
e casos que envolvem elevadores e encontra-se no artigo 1424º/4 "nas despesas dos ascensores só participam
os condóminos cujas frações por eles posam ser servidas". Ora, portanto, habitando A no 1º andar ela não
poderá eximir-se desta responsabilidade sendo que terá que contribuir para as despesas da conservação dos
elevadores em proporcionalidade com o valor da sua fração. Por exemplo se A em vez de viver no 1º andar
habitasse no rés-do-chão aí já podia eximir-se das despesas porque, à partida, não utilizaria o elevador.
NOTAS: ter também em atenção os casos das escadas previsto no artigo 1424º/3; no título constitutivo também
podem ser previstos como proibidos certos atos; se, no caso acima, o senhor A quisesse fazer uma marquise e a
assembleia de condóminos rejeitasse a sua pretensão e se já existissem várias marquises no prédio, a doutrina
qualifica esta deliberação da assembleia como abusiva e, portanto, inválida; em caso de alienação os
condóminos NÃO gozam de direito de preferência nem podem pedir a divisão das partes comuns- art 1423º; no
que concerne a obras que acarretam inovações essas dependem da aprovação da maioria dos condóminos
devendo essa maioria representar 2/3 do valor total do prédio- art 1425º/1; quando se tratam de reparações
urgentes qualquer um dos condóminos pode tomar a iniciativa- art 1427º- sendo as despesas repartidas nos
termos do art 1424º; quando estamos perante destruição do edifício podemos ter: destruição total ou pelo
menos ¾ do seu valor- os condóminos podem exigir a venda do terreno e dos materiais pela forma designada
em assembleia- art 1428º/1; se a destruição for parcial, uma parte menor, a assembleia pode deliberar a
reconstrução- art 1428º/2; é obrigatório o seguro contra risco de incêndio do edifício- art 1429º/1; é obrigatória
a existência de um fundo comum de reserva para custear as despesas de conservação do edifício DL nº 268/94
artigo 4º; na propriedade horizontal temos dois órgãos administrativos: a assembleia de condóminos e o
administrador (tem a tarefa executiva) art 1430º/1

Exame: parte geral é muito importante! Nos casos práticos sejam eles de posse, direito de propriedade,
compropriedade ou propriedade horizontal, à partida, serão sempre chamados os princípios orientadores dos
direitos reais!

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