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Direitos Reais

Direitos reais – o Código Civil dá-lhes o nome de “Direito das Coisas” no seu Livro III
- ramo do direito privado comum
- natureza patrimonial (diz respeito a situações jurídicas que são avaliáveis em dinheiro) 
das mais importantes categorias de direitos patrimoniais, ao lado dos direitos de crédito.

Há 3 categorias de direitos reais:


 de gozo – nos quais nos vamos debruçar (Livro III): atribuem ao seu titular poderes de uso ou
fruição de uma coisa. Há duas subcategorias:
- direito real de gozo máximo: direito de propriedade;
- direitos reais de gozo menores/ limitados: direito de usufruto; direito de uso e habitação;
direito de superfície; servidões prediais; direito real de habitação periódica;
 de garantia – direito real instrumental de um direito de crédito (destina-se a garantir o
cumprimento de uma obrigação (Livro II, dos arts. 656º a 761º CC);
 de aquisição – instrumentais da aquisição de um direito real. A sua fonte é principalmente a lei
mas também pode ser a convenção entre as partes (dispersos no CC – ex: arts. 413º, 421º, 1409º, 1535º).

O que é um direito real?


A lei não define direito real – há divergência na doutrina:
1. Conceção clássica/ realista: poder direto e imediato sobre uma coisa:
a. o que caracteriza o direito real é a existência de uma relação de domínio sobre
certa e determinada coisa;
b. o direito real permite o aproveitamento das utilidades da coisa sem dependência
da colaboração de outrem  lado interno do direito real (relação entre o titular e
o direito).
2. Conceção moderna/ personalista: poder absoluto que vincula todos, isto é, ao qual
corresponde do lado passivo o dever geral de respeito ou a obrigação passiva universal
– direito erga omnes:
a. Lado externo do direito real (relação entre o titular e os outros, que estão
obrigados a respeitar o direito).
3. Conceção eclética/ mista: o que caracteriza o direito real é o seu lado interno e externo.

Características comuns a todos os direitos reais


 Inerência: art. 1545º/1 CC - gozam de uma íntima ligação entre o direito e a coisa e, portanto,
são inseparáveis . um direito não pode ser transmitido de uma coisa para a outra:
- pode-se transmitir o sujeito;
- pode-se extinguir o direito sobre uma coisa e constituir um direito idêntico sobre outra
coisa

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 Sequela: o direito vai acompanhar a coisa nas suas vicissitudes:
- A, proprietário, constitui uma hipoteca sobre o bem X. C, credor hipotecário, tem um
direito real de garantia. Se A, ,aos tarde, vender esse bem a B, este passa a ser o seu
titular  o direito real de garantia segue o bem, “para onde quer que ele vá”, neste caso,
independentemente do seu titular  possibilidade do direito real ser exercido sobre a
coisa que constitui seu objeto, mesmo que essa coisa se encontre na posse ou detenção
de outrem, acompanhando-a nas suas vicissitudes;
- Há várias manifestações no nosso ordenamento jurídico: ação de reivindicação (art.
1311º e ss. CC); hipoteca (o credor hipotecário tem a possibilidade de fazer vender a
coisa, quer ela esteja no património do devedor ou de terceiro).

 Prevalência:
- o direito real que se transmita primeiro no tempo prevalece sobre todos os direitos reais
que se transmitam ou constituam depois (prior est tempore potior iure) – A, proprietário,
vende o bem X a B – sabem que, por mero efeito do contrato, B é proprietário. Mais tarde,
vende o mesmo bem a C  prevalece o direito de B, em razão da prioridade temporal;
- os direitos reais prevalecem sempre sobre os direitos de crédito, quer estes sejam
anteriores ou posteriores – A empresta o bem X a B (direito de crédito) e, mais tarde,
vende a C, que passa a ser o proprietário (direito real)  prevalece o direito de C, não
estando obrigado a emprestar a B.

Princípios orientadores de direitos reais


 Coisificação – art. 1302º CC – só há direitos reais sobre coisas móveis ou imóveis, mais
concretamente sobre coisas corpóreas. (Apesar do artigo se referir apenas ao direito de propriedade,
aplica-se aos outros direitos reais):
- quanto às coisas incorpóreas, temos o art. 1303º CC – direitos de autor, propriedade
intelectual, etc.;
- Há desvios a este princípio: por exemplo, há direitos reais sobre direitos: penhor, hipoteca
e usufruto.

 Atualidade/ Imediação – só há direitos reais sobre coisas presentes; não há direitos reais sobre
coisas futuras (art. 211º  art. 408º/2 CC):
- uma coisa pode ser absoluta ou relativamente futura, dependendo, respetivamente, se a
coisa ainda não existe (ex: produção de laranjas de 2018) ou se já existe mas ainda não
está na esfera jurídica do alienante (ex: A vende a B a casa de C, comprometendo-se a
adquiri-la)  este contrato não produz efeitos reais, apenas obrigacionais  os efeitos
reais só se vão produzir quando a coisa passar a existir ou for adquirida pelo alienante e,
por isso, passar a ser presente.

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 Especialidade/ Individualização – só há direitos reais sobre coisas específicas; não há direitos
reais sobre coisas genéricas  um contrato só passa a ser real quando a coisa passa de genérica a
específica: processo de concentração:
- ex: compra de 10 Códigos Civis – é genérico – só passa a ser específico quando o livreiro
separa esses 10 Códigos dos restantes. Enquanto não houver a concentração, o livreiro
terá de cumprir a sua obrigação com quaisquer 10 Códigos que tenha.

 Oponibilidade erga omnes – eficácia real, absoluta; do lado passivo há um dever geral de
respeito/ obrigação passiva universal  é oponível a todos

 Tipicidade – art. 1306º/1 CC - só existem os direitos reais tipificados no Código


- não significa que os tipos legais de direitos reais sejam fechados, muito pelo contrário –
são abertos/ moldáveis:
- ex: A celebra com B um contrato de compra e venda pelo qual constitui a seu favor um
direito que não está previsto na lei  viola o princípio da tipicidade porque o art. 1306º/1
1ª parte CC é uma norma imperativa e, por força do art. 280º e 294º CC importa a sua
nulidade – A, por força daquele contrato, não adquire nada – um contrato nulo não produz
efeitos desde o início, nem reais nem obrigacionais:
o MAS existe a conversão e a redução (arts. 292º e 293º CC) que permitem
transformar um negócio inválido num negócio diferente:
 Art. 1306º/1 2ª parte CC: a lei, aqui, faz uma conversão legal (remeter
para o 293º CC) – a lei transforma o negócio real (que pretendia produzir
efeitos reais) inválido num negócio obrigacional válido – assim, o A não
tem o direito real pretendido, porque a lei não o permite, mas tem um
direito de crédito (que só vai conseguir opor à contraparte).

 Elasticidade/ Consolidação – os direitos reais têm um conteúdo elástico, que se pode comprimir
e voltar a expandir automaticamente:
- ex: A é proprietário do bem X e, sobre esse bem, constitui a favor de B um usufruto –
sobre esse bem, coexistem dois direitos: o direito de propriedade e o direito de usufruto –
o direito de propriedade está comprimido pelo direito de usufruto mas, a partir do
momento que este se extingue, o direito de propriedade vai-se reexpandir
automaticamente, retomando a plenitude/ conteúdo máximo.

 Consensualidade: art. 408º/1 CC – o direito real transmite-se por mero efeito do contrato, sem
necessidade de qualquer ato ou formalidade:
- ex: A vende a B a sua casa. Não houve pagamento nem entrega do bem  o momento
da transmissão do direito é o momento da conclusão do contrato.

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 Boa-fé: nos arts. 1260º e 1269º CC há manifestação do princípio da boa fé (posse, usucapião –
arts. 1295º e 1298º CC -, registo); CRPredial: art. 15º/1, 17º/2 e 122º
- o que releva aqui é a conceção subjetiva (e não objetiva) de boa fé – ou seja, o
desconhecimento de que se está a lesar a posição jurídica de outrem.

 Publicidade: sendo direitos absolutos com efeitos erga omnes, têm de gozar de publicidade, que
pode ser conferida de duas formas:
- posse da coisa;
- registo predial.

Distinção entre direitos reais e direitos de crédito


 os direitos de crédito não gozam de inerência;
 os direitos de crédito não gozam de sequela (ex: A emprestou a B o bem X e vendeu o mesmo
bem a C – o direito de crédito de B não segue o bem);
 a característica da prevalência também é diferente: quando temos um conflito entre direitos de
crédito vale a regra da igualdade (ex: A celebra o contrato de comodato em relação a B, C, D, E – A é que
decide com quem vai cumprir) MAS, quando há um conflito entre um direito de crédito e um direito real, o
direito de crédito é sempre preterido/ afastado;
 não vale o princípio da coisificação – não têm de incidir sobre coisas corpóreas;
 não vale o princípio da atualidade – há direitos de crédito sobre coisas futuras;
 não vale o princípio da especialidade – há direitos de crédito sobre coisas genéricas;
 não vale o princípio da eficácia erga omnes - têm eficácia inter partes (o credor só pode exigir do
devedor a realização da prestação debitória) – caráter relativo;
 não vale o princípio da tipicidade – princípio da liberdade contratual.

Qualificação de direitos
Locatário: direito de crédito, direito real, ou ambos? Art. 1057º CC
 A tinha locado um bem imóvel a B. Mais tarde, vende a C – Será que o direito do locatário segue
a coisa? Sim. O direito do locatário permanece, mesmo que o proprietário mude  Goza de sequela,
característica só dos direitos reais.
 Mas será que isto chega? A lei, no Código, qualifica o direito como direito pessoal de gozo.
 Surgem, então, 3 teses:
- Direito de crédito (prof. Menezes Leitão);
- Direito real (prof. Mota Pinto);
- Categoria intermédia entre direito de crédito e direito real – Tese Mista (prof. Clara
Sottomayor).

Obrigações reais – obrigações em sentido técnico – do lado passivo temos um direito de crédito
 São impostas ao titular de um direito real e estão relacionadas com esse direito real e, por isso,
são reais;
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 Estão sujeitas ao princípio da tipicidade (só há as obrigações reais previstas na lei, como por
exemplo os arts. 1366º/1, 1567º/4, 1537º/1, 1454º/1 e 2, 1411º/1. 1472º/1 e 1424º/1 CC);
 São imprescritíveis, contrariamente às obrigações comuns – não se extinguem pelo decurso do
tempo;
 Obrigações ambulatórias: acompanham o bem quando ele muda de titular (ex: obrigação de
pagar o condomínio e suportar as obras) distinguem-se das obrigações não ambulatórias: não
acompanham o bem (ex: pagar as prestações anteriores e pagar obras que já foram feitas e não pagas –
questão não muito pacífica!!)

Ónus reais – obrigações em sentido técnico – têm estrutura relativa


 São impostas ao titular de um direito real, relacionadas com esse direito real e sujeitas ao
princípio da tipicidade;
 Diferença: se não houver cumprimento voluntário, o credor do ónus pode fazer-se pagar pelo
valor da coisa, isto é, pelo valor líquido da venda da coisa (ex: IMI – Imposto Municipal sobre Imóveis –
goza de privilégio imobiliário).

Pretensão real – direito relativo/ obrigacional/ de crédito relacionados com um direito real
 ex: A vandaliza o bem de B. B tem um direito a indemnização por violação do seu direito real
(direito de propriedade) – o direito obrigacional, com eficácia relativa, gera-se aqui por violação de um
direito real já existente.

Direitos reais de garantia


Hipoteca – garantia de uma obrigação – que pode ser futura ou condicionada (art. 686º/2 CC):
 a generalidade das hipotecas nasce de negócios jurídicos, embora também haja hipotecas
legais e judiciais;
 A hipoteca é um direito de um credor de ser pago pelo valor de certas coisas imóveis ou
equiparadas, com preferência dos demais credores (art. 686º/1 CC);
 A lei proíbe que as hipotecas voluntárias tenham por objeto a totalidade dos bens do devedor ou
de terceiro (art. 756º C);
 Na falta de pagamento da dívida garantida, o credor hipotecário tem o direito de fazer vender a
coisa em execução judicial, para ser pago, preferentemente, pelo produto da venda;
 O credor hipotecário pode fazer executar a coisa hipotecada no património do adquirente –
manifestação da característica da sequela (ex: A constitui uma hipoteca sobre o bem X a favor de B. A,
proprietário hipotecado, pode alienar o bem. A vende a C. B pode executar de C);
 Credor hipotecário: não tem o direito de fazer a coisa sua em caso de incumprimento da
obrigação (art. 694º CC);
 A hipoteca tem de ser registada, sob pena de não produzir efeitos mesmo em relação às partes
– registo constitutivo (arts. 687º CC e 4º/2 CRPredial).

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Penhora – ato do processo executivo
 Efeito: afetação de uma coisa à satisfação de um crédito ou conjunto de créditos;
 Apreensão do bem/ sujeição a registo (art. 2º, al. o) CRPredial);
 Direito do exequente: posição de privilégio em relação aos demais credores que não tenham
garantia real anterior (art. 822º CC) – nota: paga-se primeiro ao hipotecário;
 Art. 819º CC: a penhora torna ineficazes em relação à execução os atos de disposição,
oneração e arrendamento dos bens sobre que incide (se o devedor vender o bem, a venda é ineficaz);
 Insolvência: esta preferência não é tida em conta: art. 140º/3 CIRE;

Oposição mediante embargos de terceiro – art. 341º CPCivil


 A é devedor de C. A não cumpre. C nomeia uma ação executiva mas o bem entretanto foi
vendido a B. As únicas partes na ação são A e C, o credor exequente e o devedor executado, quando o
bem agora é de B. B é um terceiro e pode-se defender  Se a penhora, ou qualquer ato judicialmente
ordenado da apreensão ou entrega de bens ofender a posse ou qualquer direito incompatível com a
realização ou o âmbito da diligência, de que seja titular quem não é parte na causa, pode o lesado fazê-lo
valor, deduzindo embargos de terceiro.

Registo predial
Características gerais do sistema de registo predial português
 Publicação organizada;
 Serviço Público a cargo das conservatórias do registo predial;
 Instituto Público dos Registos e Notariado (integrado no MJ).

O registo predial serve para dar publicidade à situação jurídica dos prédios rústicos e urbanos (art.
1º CRPredial):
- prédios rústicos e urbanos e não todos os bens imóveis (art. 204º CC);
- diz-se real: ato de registo respeita aos prédios em si mesmos e não às pessoas, titulares
dos direitos.

DL 116/2008: regime de obrigatoriedade do registo:


 Arts. 2º e 3º: factos sujeitos a registo;
 Arts. 8ºA a 8ºD: dever jurídico de registar a cargo de determinadas entidades;
 Art. 8ºD: sanção: pagamento de emolumentos em dobro.

Princípios em matéria de registo predial (não será objeto de pergunta autónoma)


 Instância: art. 41º CRPredial
- = princípio do pedido: o registo tem de ser pedido pelos interessados – não há registos
oficiosos, isto é, por iniciativa do próprio conservador.

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 Legalidade: arts. 68º e 69º CRPredial
- os funcionários públicos (conservadores) estão sujeitos a este princípio – fiscalizam a
validade substancial e formal dos atos a registar.

 Tipicidade: arts. 2º e 3º CRPredial – elenco dos factos sujeitos a registo predial


- Valerá este princípio? Ou é possível registar outros factos para além daqueles que estão
abrangidos por estes artigos? É possível. A doutrina diverge:
o Prof. Carvalho Fernandes entende que não vigora o princípio da tipicidade
registada.

 Trato sucessivo: art. 34º CRPredial


- ex: A vende a B. B não regista. B vende a C. C quer registar  este artigo impede C de
registar: o registo definitivo de aquisição de direitos depende da prévia inscrição dos bens
em nome de quem os transmite

 Legitimação registal: art. 9º CRPredial


- instrumento do trato sucessivo  é preciso que se mostre que o transmitente é titular do
direito através do registo do bem em seu nome.

 Prioridade: art. 6º CRPredial


- ex: A vende a B, que regista. A vende o mesmo bem a C, que também regista 
prevalece aquele que registou primeiro.

Efeitos do registo
 Assentam na fé pública registal: confiança na correspondência entre a realidade substancial e registal
 Finalidade: garantir a segurança do comércio jurídico (art. 1º CRPredial)
 Art. 7º CRPredial: o registo definitivo constitui presunção de que:
1. o direito existe tal como o registo o revela;
2. o direito pertence a quem está inscrito como seu titular
(a doutrina diverge se são presunções iuris tantum (ilidíveis) ou iuris et de iure (absolutas)).

Efeitos substantivos do registo


 A lei atribui ao registo efeitos que estão para além da publicidade;
 O registo projeta-se sobre o valor substantivo das situações jurídicas – registo constitutivo, enunciativo,
consolidativo e aquisitivo
 ex: A vendeu a B. B não registou. O bem é de B porque a propriedade transmite-se por mero efeito do
contrato – art. 408º/1, 1317º, a) e 879º, a) CC.
 Disposições básicas: art. 4º e 5º CRPredial:
- Art. 4º/1 CRPredial: os factos sujeitos a registo não registados podem ser invocados inter
partes:
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o Exceção: hipoteca – art. 4º/2 CRPredial e art. 687º CC – a eficácia dos factos
constitutivos da hipoteca depende da realização do registo, mesmo entre as partes
– registo constitutivo. O ato é válido, mas absolutamente ineficaz. Para o prof.
Carvalho Fernandes é mesmo um elemento constitutivo do próprio negócio.
- E em relação a terceiros?
o Os factos sujeitos a registo só produzem efeitos contra terceiros (para efeitos de
registo – art. 5º/1 CRPredial) depois da data do respetivo registo;
o Em relação aos outros terceiros, o ato não registado é-lhes oponível.

Quem é terceiro para efeitos de registo?


Conceção ampla – Acórdão UJ nº 15/97 de 20 de maio: “Terceiros, para efeitos de registo predial, são
todos os que, tendo obtido registo de um direito sobre determinado prédio, veriam esse direito ser
arredado por qualquer facto jurídico anterior não registado ou registado posteriormente.”
 ou seja: todos os que adquiriram um direito e iam ficar sem ele por causa de um facto anterior
não registado;
 abrange credor hipotecário e credor penhorante.

Conceção restrita – Acórdão UJ nº 3/99, de 18 de maio: “Terceiros, para efeitos do disposto no art. 5º
CRPredial, são os adquirentes, de boa-fé, de um mesmo transmitente comum, de direitos incompatíveis
sobre a mesma coisa.”
 ou seja, aqueles que adquirem da mesma pessoa direitos incompatíveis sobre a mesma coisa;
 exclui credor hipotecário e credor penhorante, com registo prioritário.

MAS o DL nº 533/99 de 11 de Dezembro diz que: “Terceiros para efeitos de registo são aqueles que
tenham adquirido de um autor comum direitos incompatíveis entre si”  a doutrina diverge se se trata do
conceito amplo ou restrito.

Posições doutrinais:
 Escola de Coimbra: trata-se do conceito amplo com base num critério teleológico de
interpretação;
 prof. Carvalho Fernandes (Lisboa): o conceito de terceiros abrange aqueles que, de boa-fé,
registam arresto, penhora ou apreensão de bens em insolvência, se o sujeito passivo tiver a seu favor a
inscrição predial do direito  conceito amplo; abrange aquisições gratuitas.
 Universidade do Minho (Horster e L. Couto Gonçalves) e Universidade Nova:
- De iure constituto (resulta da lei): conceção restrita;
- De iure constituindo (a lei deveria ser alterada): conceção ampla.
 Jurisprudência: STJ 09/01/2007: conceito restrito.

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Alguns exemplos
 A vende a B. B não regista. Antes da venda, A arrendou o bem a C. A, na posição de senhorio/ locador,
vai ser substituído por B. C não paga as rendas. B propõe ação contra C, que diz que não tem que pagar
porque o bem está registado em nome de A e, por isso, B não é proprietário  C não é um terceiro para
efeitos de registo predial – é-lhe oponível pois este não invoca uma situação jurídica incompatível com
aquele negocio que carece de registo – terceiro não interessado ou estranho.

 A vende a B um apartamento e B não regista. O vizinho de cima, C, é um jovem muito barulhento. B


intenta uma ação contra C, que vem dizer que B não é proprietário, pois o apartamento está registado em
nome de A  também não estamos perante um terceiro para efeitos de registo – é-lhe oponível – terceiro
não interessado ou estranho.

 A vende a B, que não regista, a outubro de 2012. C é credor de A. C intenta uma ação executiva em
outubro de 2014. No património de A, só há um bem (aquele que vendeu a B). C penhora o bem e regista
em seu nome  conflito entre credor penhorante/ exequente e B, proprietário – à partida, C está a
penhorar um bem alheio:
- Conceção ampla: terceiro para efeito de registo: o credor penhorante/ exequente, C, vai
conseguir penhorar o bem;
- Conceção restrita: terceiro não interessado ou estranho.

 A vende a B. B não regista. Mais tarde, A constitui a favor de C, credor hipotecário, uma hipoteca. C
regista  conflito entre credor hipotecário e B:
- Conceção ampla: terceiro para efeito de registo;
- Conceção restrita: terceiro não interessado ou estranho.

 A vende a B, que não regista. A, mais tarde, vende o mesmo bem a C, que regista  conflito entre B e
C – B, segundo o direito substantivo, é proprietário  o terceiro adquirente é sempre terceiro para efeitos
de registo, mas a conceção restrita ainda exige que este esteja de boa-fé.

Dupla alienação – art. 5º CRPredial (esquema triangular): A vende a B, que não regista mas adquire o
direito real – art. 408º/1 CC. A vende a C. Se o C sabe que o verdadeiro proprietário é o B, merece
proteção?
 aquisições onerosas ou também gratuitas?
 exige-se boa-fé ou a proteção é independente do estado subjetivo do terceiro? – o acórdão
nº3/99, de 18 de maio exige boa-fé:
- A esmagadora parte da doutrina, à exceção do prof. Rui Pinto Duarte, entende que tem
de haver boa-fé, com base nas presunções do art. 7º CRPredial, pois só quem está de
boa fé confia nas presunções do registo

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Invalidade negocial em cadeia – art. 291º CC ou 17º/2 CRPredial
 A vendeu a B, oralmente, o seu apartamento (invalidade formal) e B, independentemente de ter
registado ou não, vendeu esse apartamento a C, terceiro adquirente de boa-fé, que registou.
 Proteção do subadquirente de boa-fé;
 Exceção ao princípio da retroatividade do art. 289º/1 CC
 Requisitos do art. 291º CC:
- boa-fé em sentido subjetivo, com a componente ética (desconhecimento, sem culpa, do
vício) – art. 291º/3 CC – não assenta na fé pública registal;
- adquirente oneroso;
- registo anterior ao registo da declaração de nulidade/ anulação do primeiro negócio
jurídico inválido;
- decurso de 3 anos desde o negocio inválido sem registo da ação.
 Distinção ente o art. 291º CC e o art. 17º/2 CRPredial (melhor que o anterior):
- o art. 17º/2 CRPredial não prevê limite temporal, o terceiro está imediatamente protegido;
- prof. Menezes Cordeiro e prof. Isabel Pereira Mendes:
o art. 17º/2 CRPredial: invalidades substanciais;
o art. 291º CC: invalidades substanciais QUANDO não há registo a favor do
transmitente.
- Prof. Horster e prof. Carvalho Fernandes entendem que é necessário fazer uma
interpretação restritiva do art. 17º/2 CRPredial, aplicando-se este apenas a invalidades
registais (art. 16º CRPredial), isto é, vícios no procedimento.

(Nestes dois casos, a doutrina defende que se trata de um registo aquisitivo: atribui ao negocio jurídico
inválido uma relevância jurídica substantiva que ele não tem)

Modalidades de registo (quanto aos efeitos)


No sistema português, o registo não interfere com a eficácia inter partes dos factos jurídicos a ele
sujeitos – registo declarativo, com a exceção da hipoteca que, como já foi dito, tem um registo constitutivo.

Registo enunciativo – só se aplica na posse:


 o registo não dá nem tira direitos: a inscrição registal de certo facto não lhe acrescenta nada de
novo, no plano substantivo;
 Função primitiva do registo: dar publicidade a certos factos – o registo limita-se a dar
conhecimento da existência de factos jurídicos, facilitando a terceiros o acesso aos factos
correspondentes.
 ex: arts. 5º/2, al. a) e b) CRPredial e 1295º CC

Registo aquisitivo: o registo é elemento de um facto jurídico complexo aquisitivo de direitos (art. 291º CC,
arts. 5º/1 e 17º/2 CRPredial).

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Registo consolidativo:
 registo de oponibilidade, a terceiros, dos atos que a ele estão sujeitos (art. 5º/1 CRPredial) – a
partir do momento em que é registado, o facto consolida-se.
 A falta de registo não impede cada uma das partes de se valer do ato em relação à outra, seus
representantes ou herdeiros, mas já impede que qualquer delas o oponha a terceiros – inter partes o
registo é meramente declarativo.

Posse
 ações de tutela da posse/ ações possessórias/ mecanismos de defesa da posse;
 via possível para adquirir direitos reais/ direito real por usucapião

 A vende a B um apartamento. Negócio nulo, mas com entrega do apartamento. Negócio celebrado há
20 anos. A intenta uma ação de declaração de nulidade – terá B de restituir o bem?  Posse por
usucapião. Trata-se de uma aquisição originária do direito porque este não foi transmitido pelo titular.
 E se A tivesse reagido antes?  Interferia nos prazos do usucapião.
- Isto acontece mesmo que B esteja de má-fé (mas esta dilata os prazos que terão de
decorrer até adquirir por usucapião).

Quanto à sua natureza jurídica, a doutrina divide-se:


 prof. Carvalho Fernandes: direito real de gozo;
 prof. Menezes Leitão: mera situação jurídica (não é nenhum direito).

Art. 1251º CC: noção  posse é o poder que se manifesta quando alguém atua por forma
correspondente ao exercício do direito de propriedade ou de outro direito real.
A posse distingue-se da mera detenção – art. 1253º CC (remeter para o 1290º CC)
1) vizinha que tome conta do terreno – al. a) – os que exercem o poder de facto sem
intenção de agir como beneficiários do direito.
2) passa pelo meu terreno com a minha tolerância – al. b) – os que simplesmente se
aproveitam da tolerância do titular do direito.
3) Representante do possuidor + locatário – al. c) – os representantes ou mandatários do
possuidor em de um modo geral, todos os que possuem em nome de outrem (arts.
1037º, 1125º, 1133º e 1188º CC)
Art. 1290º CC: os meros detentores não podem adquirir por usucapião, a não ser que deixem de
ser meros detentores, só começando o tempo necessário a decorrer desde a inversão do título da posse.

Caracteres da posse
Arts. 1258º e ss. CC: há 4 classificações legais:
 titulada (art. 1259º CC):

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- A posse diz-se titulada quando fundada em qualquer modo legítimo de adquirir,
independentemente, quer do direito do transmitente, quer da validade substancial do
negócio jurídico;
- o título não se presume, devendo a sua existência ser provada por aquele que o invoca.
o A vende a B – negócio formalmente inválido  se houver uma invalidade formal, a
posse é não titulada;
o A, não proprietário, vende a B – negócio formalmente válido 
independentemente do direito do transmitente, a posse é titulada;
o B furta a A  posse não titulada por modo ilegítimo de adquirir
- Se a posse for titulada presume-se que é de boa-fé e se for não titulada presume-se que
é de má-fé (art. 1260º/2 CC) – presunções iuris tantum (podem ser ilidíveis se, apesar de
ter uma posse titulada, o possuidor está de má-fé – posse titulada com presunção de boa
fé distingue-se de posse titulada com prova de má-fé)

 de boa-fé (art. 1260º CC):


- A posse diz-se de boa-fé quando o possuidor ignorava, ao adquirir, que lesava o direito
de outrem;
- A doutrina entende que está aqui em causa uma boa-fé em sentido subjetivo com uma
componente ética – não basta ignorar, é preciso ignorar sem culpa
- Nº3: a posse adquirida por violência é sempre considerada de má-fé, mesmo que seja
titulada – presunção iuris et de iure (absoluta/ inilidível).

 pacífica (art. 1261º CC):


- A posse diz-se pacífica quando foi adquirida sem violência;
- Nº2: posse violenta: o possuidor usou de coação física ou coação moral nos termos do
art. 255º CC;
- A posse violenta não pode ser registada (art. 1295º CC);
- A posse violenta presume-se sempre de má-fé;
- Art. 1297º CC: os prazos para usucapião não começam a correr enquanto a violência não
cessar.

 pública (art. 1262º CC):


- A posse diz-se pública quando se exerce de modo a poder ser conhecida pelos
interessados:
o A furta anel a B e esconde no cofre – posse oculta;
o A furta anel a B e usa-o na rua num contexto normal – posse publica;
- Arts. 1297º e 1300º CC: os prazos para usucapião não começam a correr enquanto a
posse não for pública.

12
Modos de aquisição da posse – art. 1263º
Aquisição originária:
Art. 1263º, al. a) – apossamento:
- prática reiterada – não basta a prática de um ato isolado – atuação continuada;
- com publicidade – conhecimento ou cognoscibilidade dos interessados (remeter para art.
1262º CC);
- atos materiais (ex: relativamente a um prédio rústico, os atos materiais poderão ser
sementeiras, colheitas, plantações; relativamente a um prédio urbano, poderão ser obras)
– não têm de ser todos iguais.

Esbulho – privação da posse:


- furto ou roubo (consoante a existência, ou não, de violência).

Art. 1263º, al. d) – inversão do título da posse (remeter para o art. 1265º CC):
- A arrenda a B, que deixa de pagar rendas  pressupõe sempre um mero detentor que
passa a ser possuidor – neste caso, ao abrigo do contrato de arrendamento (art. 1253º, c)
CC). A questão está em saber se o mero detentor está a exercer uma oposição contra
aquele em cujo nome possuía (o possuidor é A, que possui por intermédio de B; B possui
em nome de A)  o deixar de pagar as rendas é um simples incumprimento do contrato
 não permite afirmar, só por si, que B se está a opor perante A  não há inversão do
título da posse;
- B deixa de pagar as rendas porque diz que é proprietário  aqui está a adquirir a posse
de modo originário, por inversão do título da posse (art. 1265, 1ª parte CC) – está a
exercer uma oposição contra aquele em cujo nome possuía, passando a possuidor.
- A, possuidor, arrenda a B. C, terceiro, vende o mesmo bem a B  quando temos um
terceiro (capaz de transferir a posse), estamos sempre perante a 2ª parte do art. 1265º
CC. Ora, a compra e venda é um ato capaz de, abstratamente, transferir a posse – B, por
intermédio deste negocio, passa a ser possuidor e deixa de ser mero detentor.

Porque é que estes três são aquisições originárias?


 o mero detentor, que tinha um animus detinendi, passa a ter um animus possidendi;
 não há uma transmissão da posse pelo anterior possuidor.

Aquisição derivada – a posse é transmitida pelo anterior possuidor, não surge ex novo na esfera do
possuidor:
Art. 1263º, al. b) – tradição (traditio) – tanto pode ser simbólica como material
- A vende a B um relógio  a posse transmite-se com a entrega do relógio (tradição
material);
- A arrenda a B um apartamento  a posse transmite-se com a entrega das chaves
(tradição simbólica)
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- Traditio brevi manu – não está prevista na lei, mas é aceite pela doutrina: A arrenda um
apartamento a B e, mais tarde, vende-lhe esse mesmo apartamento: uma vez que B já
tinha o bem em seu poder, a posse vai-se transmitir pelo mero acordo sem efetiva
entrega porque esta já tinha acontecido  é o próprio possuidor que transforma, e não
um terceiro.

Arts. 1263º, al. c) e 1264º CC: constituto possessório:


- Art. 1264º/1 CC: A vende a B um apartamento e B arrenda esse mesmo apartamento a A
 A, que era possuidor, vai passar a ser mero detentor. B, que era mero possuidor,
passou a ser possuidor por intermédio de A.
- Art. 1264º/2 CC: A arrendou um apartamento a C. Mais tarde, vendeu esse apartamento
a B, continuando o apartamento na detenção de C, arrendatário  A transmite a posse
para B, apesar da coisa continuar na detenção de C, mero detentor.

Art. 1255º CC: Sucessão mortis causa (há quem estude à parte da aquisição derivada ou quem entenda
que é outra modalidade)
- A, possuidor desde 1980, morre em 2010 e sucede-lhe B, que só apreende a coisa em
2011  A posse continua, pelo que vamos considerar que foi desde 1980 a 2011 (31
anos), independentemente da apreensão efetiva da coisa (por isso, não se subtrai um ano
– vamos ficcionar que a posse continua em 2010)
o Em suma, é para considerar em data em que o de cuius adquiriu a posse (desde
1980) e esta vai continuar ininterruptamente até o que se sucede recebe o bem;
o A posse de B é exatamente igual à posse de A (caracteres).

Acessão: art. 1256º CC


A transmite a posse a B. C adquire a posse por aquisição originária, durante 10 anos. C transmite a D, que
possui durante 2 anos. D transmite a E, possuidor durante mais 5 anos.
- O último possuidor, pressupondo que houve várias aquisições derivadas, pode “ir buscar”
as posses dos anteriores: E= 5 + 2(D) + 10(C) = 17 anos de posse

Usucapião – arts. 1287º e ss. (feminino)


 modo de aquisição originária de direitos reais;
 Pressupostos:
- posse;
- durante um certo lapso de tempo;
- (negativo) desde que a lei não a afaste – “salvo disposição em contrário” (remeter para o
art. 1293º CC) – quais os direitos que não podem ser adquiridos por usucapião?
o Uso e habitação;

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o Servidões não aparentes.

Prazos (arts. 1293º - secção 2 – e 1298º - secção 3)


Art. 1293º CC: bens imóveis:
- Art. 1294º CC:
o Havendo boa-fé: 10 anos a contar da data do registo;
o Havendo má-fé: 15 anos a contar da data do registo;
o Ou se há título e registo.
- Art. 1295º CC: é possível o registo para encurtar prazo para usucapião;
- Art. 1296º CC: falta de registo:
o Havendo boa-fé: 15 anos;
o Havendo má-fé: 20 anos.
- Art. 1297º CC: prazo começa a contar quando cessa a violência ou quando a posse
passa a ser pública.

Art. 1298º CC: bens móveis:


- Al. a): sujeitas a registo:
o Havendo boa-fé: 2 anos;
o Havendo má-fé: 4 anos.
- Art. 1299º: não sujeitas a registo

Como se conta o prazo? – art. 1292º

Mecanismos que obrigam a parar a contagem do prazo


A, proprietário menor, celebra um contrato de compra e venda nulo (com entrega da coisa) com B, que
adquire a posse por tradição. B transmite a posse a C, que transmite a D, que transmite a E. E propõe
uma ação de reivindicação por ter adquirido por usucapião (posse + prazo – invoca acessão).

Suspensão
Ex: A é empregado de E  enquanto durar a relação laboral, não pode reagir;
A é casado com E.
 Estes mecanismos de suspensão vão dilatar os prazos para adquirir por usucapião

Quando cessa o facto suspensivo (relação laboral, casamento, etc.), começamos novamente da data em
que este surgiu  Quando se retoma a contagem, retoma-se do ponto onde se parou, aproveitando-se o
prazo decorrido até ao facto suspensivo.

Causas de suspensão:
 Art. 318º CC;

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 Art. 319º CC;
 Art. 320º/1 CC;
- nº2: incapaz;
- nº3: sem ser menor – contamos o prazo normalmente + 3 anos (nº3) + 1 ano (nº1, 2ª
parte);
 Art. 321º CC: ou está numa situação de coma ou, por exemplo, E enganou A.

Interrupção
Se A fizer uma propositura de ação para reaver a sua propriedade, interrompe o prazo e vai ter de
começar de novo  Quando se retoma a contagem do prazo, retoma-se do ponto zero, e a interrupção
inutiliza para usucapião todo o tempo decorrido anteriormente.

Causas de interrupção:
 Art. 323º CC:
- duração da prescrição – art. 327º CC – prazo só começa a correr depois de transitado em
julgado.

Para além da usucapião, a posse tem relevância a outros níveis: arts. 1268º e ss. CC – o
possuidor goza da presunção da titularidade do direito real correspondente, a não ser que haja registo
anterior à posse a favor de outra pessoa (prevalece a presunção do registo predial, mais forte do que a
presunção da posse):
- Art. 1269º CC: o possuidor de boa-fé só vai responder pela perda ou deterioração da
cosa se tiver agido com culpa;
- Se a coisa possuída produzir frutos naturais ou civis, estes pertencem:
o Art. 1270º CC: posse de boa-fé (art. 1260º): os frutos recebidos pelo possuidor
são seus + os frutos pendentes, a partir do momento em que o possuidor esteja de
má-fé, pertencem ao titular do direito real MAS este tem de indemnizar o possuidor
pelas despesas com a produção;
o Art. 1271º CC: posse de má-fé: os frutos pertencem sempre ao titular do direito,
pelo que o possuidor tem de lhos restituir (em espécie ou em equivalente) + tem
de indemnizar o titular do direito pelo valor que os frutos poderiam ter tido se este
tivesse sido diligente (a coisa não produziu frutos mas podia ter produzido).
- Art. 1272º CC: os encargos da coisa são pagos pelo titular do direito e/ ou pelo possuidor,
dependendo de quem recebe os frutos produzidos pela coisa;
- Art. 1273º CC: benfeitorias (art. 216º CC):
o Necessárias;
o Úteis;
o Voluptuárias – art. 1275º CC

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Defesa da posse
Mecanismos legais de proteção, quando há uma ameaça de lesão ou lesão efetiva:
1. art. 1276º CC: o possuidor, quando houver um fundado receio de ameaça da sua posse ser
perturbada ou esbulhada, pode intentar uma ação judicial de prevenção, com objetivo de obter
do tribunal uma ordem dirigida contra a pessoa que ameaça a sua posse, impedindo-a de
perturbar/ esbulhar – tem pouca aplicabilidade prática (ex: alguém usa o terreno do possuidor
para depositar entulho – perturbação);
2. art. 1277º CC: o possuidor tem a possibilidade de lançar mão da ação direta (art. 336º CC) ou
da ação de defesa judicial, quando já tiver sido efetivamente perturbado ou esbulhado:
a. ação de manutenção da posse (perturbação)
b. ação de restituição da posse (esbulho)
3. art. 1279º CC: se houver esbulho e este for violento, o possuidor, em complemento da ação de
restituição, pode lançar mão de uma providência cautelar (restituição provisória da posse):
a. surgem as providências cautelares quando há um risco associado à ação/ decisão do
tribunal  a lei permite, então, pedir uma decisão provisória ao tribunal –
provisoriamente, enquanto espera pela decisão, ser-lhe-á restituída a posse;
b. Pressupostos:
i. Probabilidade séria de titularidade do direito.

Quem tem legitimidade para propor uma ação de restituição/ manutenção da posse?
 Desde logo, o possuidor + os sujeitos previstos no art. 1281º CC
 + alguns meros detentores:
- locatário (art. 1037º/2 CC);
- comodatário (art. 1133º/2 CC);
- depositário (art. 1188º/2 CC).

Com que prazos?


 Caducidade: art. 1282º CC – o direito de propor esta ação extingue-se no prazo de um ano a
contar do facto ou, quando este for oculto, do conhecimento do facto.
 ex: A começa a posse em 2000. É privado da posse de 2006 a 2010 e restitui a posse em 2010
 a lei diz que o prazo se conta seguido, incluindo o tempo em que este esteve privado da posse – art.
1283º CC

4. MAS, quando a posse é perturbada/ privada por ato judicial (ex: A, proprietário, é penhorado do
bem de que B é possuidor), o possuidor pode-se defender através dos embargos de terceiro
(art. 1285º CC).

Direito de propriedade – arts. 1302º e ss. CC


 não há uma noção

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 prof. Rui Pinto Duarte também não define – prefere caracterizá-lo: do art. 1305º CC podemos
retirar as suas características:
1. Plenitude: o proprietário goza de modo pleno dos direitos de uso, fruição e disposição,
dentro dos limites (arts. 1344º e ss. CC) da lei;
2. Elasticidade: tende a expandir-se até ao máximo das suas faculdades;
3. Perpetuidade: art. 298º/3 CC – não prescreve, ou seja, não se extingue pelo decurso do
tempo. Pode, no entanto, extinguir-se pelo não uso – art. 1307º CC;
4. Transmissibilidade: é um direito transmissível (ex: o direito real de uso e habitação é
intransmissível – art. 1488º CC).

Modos de aquisição – art. 1316º CC


- contrato (art. 1317º, al. a) CC);
- sucessão por morte
- usucapião
- ocupação
- acessão

Ocupação
 não se pode adquirir assim relativamente a coisas móveis
 coisas móveis que não têm dono (porque nunca tiveram ou porque foram abandonadas) ou que
estão perdidas ou escondidas – arts. 1318º a 1324º CC

Acessão
 Noção: art. 1325º CC – quando com a coisa que é propriedade de alguém se une ou incorpora
outra coisa que lhe não pertencia (ex: A, ourives, juntamente com o seu ouro, usa a pedra preciosa de B,
para fazer um anel de noivado)
- A quem pertence a coisa? Ao autor da união ou incorporação?
- Outro exemplo: A, utilizando materiais seus, faz obras em terreno alheio, porque está
convencido que este lhe pertencia – acessão industrial/ imobiliária

Classificação legal: art. 1326º CC


 acessão natural: resulta exclusivamente das leis da natureza
 acessão industrial: resulta exclusivamente da intervenção do homem ou da combinação das
duas

Acessão natural: arts. 1327º e ss. CC


Tem duas modalidades:
- Art. 1328º CC: A é proprietário de um terreno nas margens de um rio. Ao longo dos anos,
gradualmente, as areias da outra margem, que pertencem a B, vão-se depositando no

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terreno de A, por força da corrente – Aluvião: A vai adquirir o direito de propriedade por
acessão natural na modalidade de aluvião, “sucessiva e impercetivelmente”
- Art. 1329º CC: Por força de um temporal, os níveis das águas sobem e o Ferrari que
estava estacionado no terreno de B foi projetado para o terreno de A – Avulsão – nesta
hipótese, como é uma “ação natural e violenta”, o dono do carro tem o direito de exigir
que este lhe seja entregue no prazo de 6 meses
o Se B não retirar as coisas, A vai adquirir o direito de propriedade sobre esse bem
por acessão natural na modalidade de avulsão
o Embora a letra da lei, neste artigo, só se refira a corrente de água, a doutrina (prof.
Antunes Varela e prof. Pires de Lima) entende que se aplica a outros fenómenos
naturais (ex: ciclones e sismos)

Acessão industrial
 Mobiliária
 União ou confusão
o Exemplo do anel – é possível, depois da união, identificar o anel, de um, e a
pedra, de outro – depois da acessão, as coisas distinguem-se
o A, funde o anel de B que, juntamente com o seu, faz uma só pulseira – confusão –
as coisas já não se podem distinguir
- Art. 1333º/1 CC: não define boa-fé – a doutrina aplica por analogia o art. 1260º/1 CC
o Critério do valor (desde que não seja possível separar a coisa, por impossibilidade
física ou económica – é possível separar a pedra do anel mas desvaloriza muito):
fica para quem era dono da coisa mais valiosa (que vai adquirir o direito de
propriedade por acessão industrial mobiliária na modalidade de união de boa-fé),
sendo que o autor da união ou confusão é forçado a ficar com a coisa se o outro
não quiser
 Quem fica tem de indemnizar o outro pelo que era seu ou entregar coisa
equivalente, em espécie ou em dinheiro
 Se os valores forem iguais e ambos quiserem, vai haver licitação. Se não
quiserem licitar, será a coisa vendida e o produto da venda dividido na
proporção (50/50)
- Art. 1334º CC: não define má-fé – aplica-se o art. 1260º/1 CC por analogia
o Se puder ser separada: é separada e restitui-se ao dono
o Se não puder ser separada:
 Se o dono da coisa não a quiser: o autor da união tem de restituir o valor da
coisa e indemnizar o dono
 Se o dono a quiser: pode ficar, pagando ao autor o valor calculado segundo
as regras do enriquecimento sem causa (art. 473º CC)

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 Até pode acontecer que não tenha de pagar nada (ex: ao juntar a
aliança, que valia menos, desvalorizou a pedra – não houve
enriquecimento sem causa)
- Art. 1335º CC: confusão casual = critério do valor.

Especificação – art. 1338º CC (exemplos)


 aplicação de trabalho próprio em coisa alheia (ex: escultor utiliza uma pedra mármore
pertencente a outrem para transformar numa escultura)
- Art. 1336º CC: boa-fé
o é preciso ver o valor da especificação e o valor da coisa e comparar
 valor da coisa superior ou igual: o dono da coisa faz sua a coisa
 valor da coisa inferior à especificação: o autor da especificação faz sua a
coisa transformada
 em ambos os casos, quem ficar com a coisa é obrigado a indemnizar o
outro do valor que lhe pertencer
- Art. 1337º CC: má-fé
o Quem fica com a coisa transformada é o dono da coisa e ainda tem direito a uma
indemnização
 Só vai ter de pagar ao autor da especificação se o autor da especificação
aumentar mais de 1/3 do valor da coisa (ex: a coisa valia 3000€ e agora
vale 4500€  terá de pagar 500€) – tem de pagar o valor que excede o 1/3

 Imobiliária
Ex: A faz obras (sementeiras ou plantações) em terreno seu com materiais alheios
Ex: A faz obras com materiais próprios em terreno alheio
Ex: A faz obras em terreno alheio com materiais alheios
(A lei fala em terreno mas a doutrina alarga a qualquer prédio urbano ou rústico)
- Art. 1339º CC: A está a fazer obras e o vizinho também está. A, durante a noite, vai ao
terreno do lado e aplica os puxadores, os azulejos, cimento, telhas, etc.  pertencem ao
autor da obra (sementeira ou plantações) os materiais utilizados, quer ele esteja de boa
ou má-fé (neste caso terá de indemnizar – art. 483º CC), pagando os materiais utilizados
ao dono dos mesmos
- Art. 1340º CC: pressupõe a boa-fé, definida no nº4 (que também se aplica ao art. 1339º
CC)  Boa-fé: o autor da obra desconhecia que o terreno era alheio ou foi autorizado
pelo dono do terreno
o É necessário que o valor que as obras trouxeram à totalidade do prédio seja maior
do que o que ele tinha antes  tem de ser mais do que o dobro
 Ex: bem valia 100 000€ e passa a valer 200 000€ - acrescentaram ao bem
100 000€ (não é maior o valor) – não pode adquirir

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 Nº2: se o valor acrescentado for igual, vai haver licitação (art.
1333º/2 CC)
 Outro ex: bem valia 100 000€ e passa a valer 250 000€ - acrescentaram ao
bem 150 000€ (é maior o valor) – pode adquirir o direito de propriedade por
acessão industrial imobiliária  MAS vai ter de pagar à outra parte o valor
que o prédio tinha antes das obras
 nº3: se o valor acrescentado for menor (ex: o bem valia 100 000€ e passa
a valer 150 000€ - acrescentou 50 000€) – o bem pertence ao dono do
terreno e vai ter de pagar ao autor das obras o valor que estas tinham ao
tempo da incorporação (se esta não existir faz-se a separação)
o A celebra com B um contrato de compra e venda de um apartamento nulo (direito
de propriedade não se transmite). B faz obras que triplicam o valor do bem. Ao fim
de 10 anos, A intenta uma ação de declaração de nulidade. B terá de restituir, a
não ser que invoque a usucapião (neste caso, ainda não pode) ou a acessão, que
pode
o Outro exemplo: A arrenda o apartamento a B. B, com a autorização de A, faz
obras, que triplicam o valor do bem e, em consequência das obras, B alega que
adquiriu o direito de propriedade por acessão  NÃO PODE!
 Nesta questão do arrendatário, a doutrina tem entendido que não pode ser
aplicado este artigo  se entre o dono do prédio e o autor das obras,
sementeiras ou plantações havia uma relação jurídica prévia (ex:
arrendamento, comodato, usufruto) e a autorização é concedida nesse
âmbito
 Poderá, no entanto, aplicar o regime das benfeitorias (art. 216º CC)
o Este modo de aquisição aplica-se, essencialmente a:
 Contrato de compra e venda nulo (comprador pode adquirir por acessão)
 Contrato promessa de compra e venda com tradição do bem e autorização
para começar já as obras mas depois não se celebra o contrato definitivo
 o promitente comprador pode adquirir por acessão e, nos termos do art.
1317º, al. d) CC faz retroagir a aquisição ao momento das obras
 Se, entretanto, o promitente vendedor vender a outrem, o
comprador está protegido.
- Art. 1341º CC: obras, sementeiras ou plantações feitas de má-fé em terreno alheio
o a lei obriga o autor do terreno a desfazer as obras, se o dono da coisa quiser
o se não quiser, pode ficar com a coisa, mas terá de pagar ao autor da obra o que
resultar do enriquecimento sem causa
- Art. 1342º CC: obras, sementeiras ou plantações feitas com materiais alheios em terreno
alheio

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o O dono dos materiais tem os direitos conferidos ao autor da incorporação no art.
1340º CC, quer esteja de boa ou má-fé
o Se o dono dos materiais tiver culpa: é-lhe aplicado o previsto no art. 1341º CC
para o autor da incorporação
 Se o autor da incorporação estiver também de má-fé: responsabilidade
solidária e divisão do enriquecimento em proporção do valor dos materiais,
sementes ou plantas e da mão-de-obra.
- Art. 1343º CC: prolongamento de edifício por terreno alheio
o Boa-fé (art. 1340º/4 CC);
o Só uma parte é que se prolonga para o terreno vizinho (ex: garagem ou anexo)
o O autor da obra, se não houver oposição no prazo de 3 meses a contar do início
da obra/ ocupação (não é do fim do conhecimento!!), adquire o direito
o Ex: se houver separação entre terrenos (muros, sebes, grades, etc.) e o autor tiver
de deitar abaixo, está de má-fé
 O autor da obra tem de pagar:
 Valor do terreno que ocupou
 Indemnização pela desvalorização do terreno

Limites do direito de propriedade


 limites de natureza pública
 limites de natureza particular

Limites públicos: de natureza administrativa (ex: expropriações, requisições – art. 1308º e 1309º,
respetivamente)

Limites de Direito Privado


 vamos ver essencialmente aqueles que resultam das relações de vizinhança
- normalmente têm conteúdo negativo: deveres de abstenção e tolerância

 Art. 1346º CC: limite à emissão de fumo, proteção de ruídos e factos semelhantes (OU importa
um prejuízo substancial do uso do imóvel OU não resulta da utilização normal do prédio de que emanam)
o prof. Menezes Cordeiro: substitui o “ou” por “e”, considerando que estes
pressupostos são cumulativos
o prof. Carvalho Fernandes: defende que se houver utilização anormal basta o mero
prejuízo; se for uma utilização normal tem que ser um prejuízo substancial
- O que é um prédio vizinho?
o Não tem que ser um prédio contíguo – tem apenas de ser um prédio que, pela sua
proximidade, seja prejudicado pelas emissões produzidas

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- Não é pelo facto de haver licença camarária que deixa de se aplicar este artigo – não
retira ilicitude
- Costuma-se conjugar este artigo com os direitos de personalidade (art. 70º CC) e
também, pela contemporização dos interesses, do art. 335º CC (colisão de direitos) – ex:
direito ao repouso vs. Direito à livre exploração económica

 Art. 1348º CC: o proprietário tem a faculdade de abrir no seu prédio minas ou poços MAS tem o
dever de privar o prédio vizinho de perigos
- este dever de prevenção, mesmo que seja cumprido, se houver danos para o prédio
vizinho, o proprietário que fez as escavações indemniza o dano do prédio vizinho
- responsabilidade extracontratual por factos ilícitos

 Art. 1351º CC: há um dever de sujeição dos prédios inferiores a receber as águas que
naturalmente (sem obra do homem!) decorrem dos prédios superiores, assim como a terra e o entulho que
estas arrastem
- não se pode fazer obras que estorvem nem agravem o escoamento

 Art. 1360º CC: proibição de abrir janelas, portas e varandas que deitem diretamente sobre o
prédio do vizinho sem respeitar uma distância mínima de metro e meio entre a extrema do vizinho (linha
divisória)
- Função:
o Evitar a devassa do prédio vizinho
o Evitar que haja intromissão em propriedade alheia (um braço mede mais ou menos
1 metro)
- Se os prédios forem oblíquos e o grau de obliquidade ultrapassar os 45º, não é preciso
respeitar este 1,5m
- O art. 1363º CC exclui do âmbito da aplicação deste artigo:
o Frestas
o Seteiras (pequenas aberturas)
o Óculos para luz de ar
 Têm de estar a 1,8m de altura e não devem ter mais do que 15 cm.
- Art. 1364º CC: janelas com grades (também não se aplica o art. 1360º CC)
o Têm de estar a 1,8m do solo ou do soalho

 Art. 1366º CC: plantação de árvores e arbustos – só podem ser plantados até à linha divisória
dos prédios
- MAS, se as raízes naturalmente se estenderem ou os ramos penderem para o prédio
vizinho  o vizinho não tem de suportar esta situação, mas também não pode cortar por
sua própria iniciativa:

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o 1º tem que avisar o dono da árvore
o Se, 3 dias depois, nada fizer, poderá atuar por própria iniciativa
- Obrigação real

 Art. 1367º CC: o dono do prédio onde caem frutos do vizinho está obrigado a permitir este
último o acesso para a apanha de frutos
- restrição que se consubstancia, num dever de tolerância
- MAS é responsável pelo prejuízo que vier a causar na apanha – responsabilidade
extracontratual por factos lícitos.

Direitos reais de gozo menor (só os previstos no Código Civil)


 Direitos reais que incidem sobre coisa alheia (nunca são exclusivos – coexistem sempre com o
direito do proprietário, que tem a propriedade de raiz/ nua propriedade) – iure in re alina ius
- usufruto
- uso e habitação
- direito de superfície
- servidões prediais

Usufruto – arts. 1439º e ss. CC


 Noção: direito de gozar temporária e plenamente uma coisa ou direito alheio, sem alterar a sua
forma ou substância
- é temporário porque extingue-se sempre com a morte do usufrutuário
o morrendo o usufrutuário, o direito extingue-se (art. 1476º/1, al. a) CC) e o direito
de propriedade reexpande-se automaticamente
- quanto às pessoas coletivas, a lei estabelece uma duração máxima de 30 anos (art.
1443º CC – norma imperativa)
- é pessoal (intuitos personae) – explica a extinção do direito por morte de usufrutuário
 Art. 1440º CC: modos de aquisição do usufruto
- contrato (doação, normalmente)
- testamento
- usucapião
 Como se constitui?
- ou o proprietário reserva para si o usufruto e transmite a nua propriedade  constituição
derivada per deductionem (reservado/ deduzido)
- ou o proprietário constitui o usufruto e reserva para si a nua propriedade  constituição
derivada per translationem (transmitido)
o em qualquer uma destas hipóteses, o direito de usufruto é adquirido
derivadamente (aquisição derivada constitutiva – porque se constitui o usufruto)

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- ou alguém que já é usufrutuário transmite o usufruto  aquisição derivada translativa
(porque o direito já existia)
 Regime – art. 1444º CC
- numa aquisição derivada translativa, à transmissão do direito dá-se o nome de
TRESPASSE (diferente de Direito Comercial)
o o trespasse pode consistir numa venda (definitivo e oneroso), doação (definitivo e
gratuito) ou pode ter caráter temporário (arrendamento, empréstimo, etc.)
 Quando há uma transmissão definitiva do direito, o caráter pessoal e
temporário suscitam uma questão no caso do segundo usufrutuário morrer
antes do primeiro – há várias hipóteses:
 Reversão do direito: volta para o primeiro
o Rejeitada consensualmente pela doutrina porque se a
transmissão foi definitiva, não podem agora anular-se os
efeitos desse negocio
 Extinção do direito de usufruto
o Prof. Carvalho Fernandes: se a transmissão do usufruto é
definitiva, o usufrutuário atual é o segundo e, por isso, à
sua morte, o direito extingue-se
 Transmite-se aos herdeiros do segundo (mortis causa) – neste
caso, assim que o primeiro morra, o direito extingue-se
o Defendida por Oliveira Ascensão, Pires de Lima e Antunes
Varela no Código Civil anotado, e por Rui Pinto Duarte.
- o usufrutuário tem o gozo pleno (plenitude) da coisa
o vai ao ponto da lei lhe permitir transmitir o direito sem pedir autorização nem
comunicar ao proprietário MAS vai responder pelos danos causados culposamente
pelo adquirente do usufruto
 Direitos e deveres do usufrutuário
- o usufrutuário pode fazer benfeitorias úteis e voluptuárias desde que respeite o limite
previsto no art. 1450º CC (forma, substância e destino económico)
- o usufrutuário tem o dever de fazer as reparações ordinárias (art. 1472º CC) – obrigação
real
o nº2: tem um critério de valor para ajudar a determinar se é ordinária ou
extraordinária
o nº3: se não tiver dinheiro tem de renunciar ao direito – renúncia liberatória
(remeter para o art. 1476º/1, al. e) e nº2)
- as reparações extraordinárias são suportadas/feitas:
o o usufrutuário tem o dever de avisar o proprietário e, uma vez avisado, tem de as
fazer
o se não as fizer: faz o usufrutuário e depois o proprietário é que terá de as pagar

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 se não as pagar, o usufrutuário tem o direito de retenção sobre o bem
(recusa a restituição enquanto não receber aquele valor) – art. 754º CC
- o usufrutuário suporta os impostos e outros encargos anuais (art. 1474º CC) –
usufrutuário na data do vencimento do imposto
 Extinção do usufruto
- se tiver prazo: decurso do prazo – art. 1476º/1, al. a) CC
- morte do usufrutuário (sempre)
- quando o proprietário vende o seu direito de propriedade ao usufrutuário – al. b) – ou
quando o usufrutuário vende o seu direito de usufruto ao proprietário
- al. c): não exercício do direito durante 20 anos
- ex: usufrutuário de uma quinta pega fogo à quinta mas mantém-se a estrutura do edifício
 o direito de usufruto não se extingue pelo mau uso (art. 1482º CC)
o para acautelar o seu bem, o proprietário pode exigir que a coisa lhe seja entregue,
e vai exercer o direito/ por conta e no interesse do usufrutuário
 Extinguindo-se o direito de usufruto, o direito de propriedade reexpande-se automaticamente e o
usufrutuário tem de restituir o bem ao proprietário (art. 1788º CC), a não ser que possa invocar o direito de
retenção.

Uso e habitação – arts. 1484º e ss. CC


 são dois direitos: direito de uso + direito de habitação
- direito de uso: coisa móvel ou coisa imóvel que não seja a morada
- direito de habitação: casa de morada
 Noção: art. 1484º CC
- servir de coisa alheia e haver os respetivos frutos na medida das necessidades (art.
1486º CC: habitação, locomoção, alimentação, etc.), quer do titular quer da família (art.
1487º CC – titular (usuário ou morador usuário) + cônjuge não separado judicialmente de
pessoas e bens + filhos solteiros + outros parentes a quem sejam devidos alimentos (art.
2009º CC) + pessoas que, convivendo com o titular, se encontrem ao seu serviço – ex:
empregada interna, enfermeiro, babysitter, etc.)
 Regime jurídico (diferente de usufruto)
- constituição: art. 1485º CC remete para o usufruto mas exclui a aquisição por usucapião
(art. 1293º, al. b) CC)
- é intransmissível – intransmissibilidade absoluta – art. 1488º CC (diferente de usufruto)
o direito pessoalíssimo
- é impenhorável

Direito de superfície
- Momento inicial: poder de fazer uma construção ou uma plantação em terreno alheio
- Seguidamente: conservar a obra/ plantação no terreno alheio
 Pode ser perpétuo ou temporário
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 Quanto ao primeiro momento, o titular do direito de superfície (superficiário) tem um prazo legal
supletivo, se as partes não estabelecerem outro, de 10 anos (art. 1536º/1, al. a) CC) – pode ser prazo de
prescrição ou de caducidade (se a lei nada disser, considera-se de caducidade: art. 298º/2 CC) – a lei tem
de dizer expressamente “prescrição”
- nº3: diz-nos que o prazo é de prescrição
- o primeiro momento, mesmo que o direito seja perpétuo, tem sempre prazo!!
 Enquanto a obra/ plantação não começar a ser feita, o proprietário mantém os seus direitos de
fruição do solo (art. 1532º CC)
 Regime jurídico – art. 1534º e ss. CC
- Art. 1534º CC: é transmissível intervivos e mortis causa
- Art. 1535º CC: há um direito legal de preferência
o É o proprietário que tem o direito legal de preferência se o superficiário vender o
seu direito (o contrário não existe)
 Extinção do direito de superfície
- quando é temporário: decurso do prazo (o superficiário vai restituir a superfície ao
proprietário + o proprietário adquire o direito de propriedade do implante – obra ou
plantação)
o MAS terá de pagar ao superficiário nos termos do enriquecimento sem causa
o O superficiário responde pela deterioração, se for culposa
 (Tradicionalmente, o direito de superfície incidia sobre o solo – atualmente já pode ter por objeto
o subsolo – art. 1525º CC).

Servidão predial (não se diz direito de servidão) – arts. 1543º e ss. CC


 distingue-se de servidão pessoal – direito pessoal de gozo/ direito de crédito
 Noção: encargo imposto num prédio em proveito exclusivo de outro prédio (e não a uma
pessoa):
- A tem uma quinta e concede a B, seu vizinho, o direito de utilizar a quinta para jogar ténis,
pescar, passear e ir à piscina  direito atribuído a uma pessoa, em benefício dessa
pessoa – servidão pessoal
- A autoriza todos os hóspedes do hotel que fica no seu quarteirão a utilizar a sua quinta 
atribuído a um prédio, em benefício desse prédio – servidão predial.
 Constituição – art. 1547º CC
 Características:
- caráter aberto (o art. 1544º CC diz “quaisquer utilidades”)
- inseparabilidade entre o direito e a coisa (art. 1545º CC)
- indivisibilidade (art. 1546º CC).
 As servidões legais de passagem estão previstas na lei em favor de um prédio encravado e só
podem ser onerados os prédios rústicos

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- Art. 1550º CC: não tem comunicação com a vida pública nem condições de a estabelecer
sem incómodo e dispêndio excessivo
 Art. 1554º CC: em consequência desta constituição há lugar a uma obrigação de indemnização
por danos causados (responsabilidade por factos lícitos)
 Art. 1555º CC: direito legal de preferência
- o proprietário do prédio onerado é o titular do direito – no caso da venda/ dação em
cumprimento/ aforamento do prédio dominante.

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