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Aula 1

28-02-23
O direito das coisas pode ser perspetivado de duas formas.
1. Subjetiva: respeita ao poder que o ordenamento jurídico confere a um sujeito para tutelar
os seus interesses.

2. Objetiva: ramo do direito civil cujo objeto é o estudo dos direitos subjetivos. Pressupõe a
liberdade e igualdade entre os sujeitos. (exceto nas expropriações)

Os direitos reais são absolutos, oponíveis a todos (erga omnes). Ao contrário do que
acontece nos direitos de crédito, nos direitos reais inexiste uma relação específica. A sua
natureza absoluta reflete-se ao nível da inerência, prevalência e da sequela. Permite a
existência de direitos compatíveis mesmo que possa existir a prevalência do direito
previamente constituído.

Caraterística dos Direitos Reais

1. Inerência: retrata a ligação entre o direito e a coisa a qual deverá ser certa e determinada.

2. Sequela: faculdade de invocar o direito real perante um terceiro e exercer este direito sobre
a coisa que constitui o seu objeto onde quer que esta se encontre. Exemplo académico
prende-se com a hipoteca.

3. Prevalência: o direito real prevalece sobre o direito de crédito. Se em causa estiver apenas
direitos reais prevalece o que foi previamente constituído.
Obs: o professor Pinto Coelho entende que não se deve falar em prioridade entre os direitos
reais pois estes têm natureza diversa dos de crédito e se tiverem a mesma natureza e
espécies diferentes não há sequer conflito. Além disso, mesmo que tivessem idêntica
natureza não se deve falar em prevalência. Esta posição é minoritária em termos
académicos.

Princípios orientadores dos direitos reais

1. Tipicidade – só podem ser constituídas restrições ao direito de propriedade previstas na lei


positivada, art.º 1306 n.º 1.

2. Coisificação – o direito real versa sobre coisas e não sobre pessoas, apesar da lei prevê a
constituição de direitos reais sobre direitos.

3. Atualidade/imediação – está interligado com a inerência e respeita à ligação existente entre


o direito e a coisa sobre a qual incide.
4. Especialidade/individualização – estabelece que apenas existe direitos reais sobre coisas
específicas, e não sobre coisas genéricas ou indeterminadas.

5. Compatibilidade ou exclusão – a existência de um direito real depende da compatibilidade


cm outros direitos reais já existentes sobre a mesma coisa.

6. Elasticidade/consolidação – é possível coexistirem diferentes direitos reais sobre a mesma


coisa, o que demonstra que o direito real é elástico.

7. Consensualidade – a constituição ou transmissão do direito real opera-se por consenso e


com a celebração do contrato. Existem, porém, restrições, art.º 408 n.º 2. Em Portugal, ao
contrário do que acontece na Alemanha (em que vigora o princípio da abstração), o negócio
faz-se sem necessidade de qualquer operação adicional.

8. Boa-fé – apesar de não ser autonomizada como acontece no direito das obrigações, art.º
762 n.º 2.

9. Publicidade – os direitos reais devem ser dados a conhecer ao público em geral. A sua
natureza absoluta impõe que as situações jurídico-materiais sejam publicadas, ver art.º 1
Código do Registo Predial.

Princípios orientadores do direito do registo predial

1. Instância – O registo predial não segue a regra da oficiosidade, ou seja, compete às partes a
iniciativa para a promoção do mesmo. Embora existam exceções, art.º 97 n.º 1 e 98 n.º 1
CRP.

2. Obrigatoriedade – em regra, o registo é obrigatório. Devido a entrada em vigor do DL


116/2008/4 julho. Ver art.º 8 A e 8 C CRP

3. Legalidade art.º 68 CRP

4. Trato sucessivo art.º 34 CRP

5. Legitimação art.º 9 CRP

6. Prioridade art.º 6 CRP – prevalece o direito previamente inscrito.

Tipos de direitos reais

1 Direitos reais de gozo: atribuem o uso e fruição sobre a coisa. O seu titular pode utilizar a
coisa e até rentabilizá-la.
Ex: direitos de propriedade, usufruto, uso e habitação, superfície, habitação periódica…

2 Direitos reais de garantia: têm em vista assegurar o cumprimento de uma obrigação ou a


satisfação do interesse do titular do direito de crédito. São acessórios a este último. Ex:
hipoteca, penhor, consignação de rendimentos, privilégios creditórios e o direito de
retenção.

3 Direitos reais de aquisição: espectativa de adquirir o direito de propriedade sobre a coisa.


Ou seja, a todos os direitos reais de aquisição está conexo a aquisição de um direito sobre a
coisa e os exemplos típicos são os contratos promessa e o pacto de preferência aos quais
atribuímos eficácia real.

Posse
Para que tenhamos posse é necessário que se verifiquem dois requisitos:
Para que haja posse é necessário que se verifiquem dois requisitos cumulativos: 1. Corpus:
enquanto poder de facto que se exerce sobre a coisa (elemento objetivo)
2. Animus: retrata a intenção com que é exercido o poder de facto, elemento subjetivo. De
acordo com a jurisprudência o animus, apesar de ser de difícil prova, deverá ser verificado
através da convicção com que o titular exerce o seu poder de facto.
A posse não é um direito real, mas sim uma anti camara para ser obtido o direito real.
Deste modo, a natureza jurídica da posse consiste na faculdade de ser obtida através do
corpus e do animus a propriedade de um bem mediante o decurso do tempo.

Ao contrário da posse existe a simples detenção, também conhecida como posse precária.
Encontra-se prevista no art.º 1253 e, nestes casos, temos o corpus mas não o animus.

Classificações da posse 1258

1. Posse causal/formal: a posse causal é acompanhada pela titularidade do direito, art.º 1268
enquanto na formal o possuidor não tem a qualidade de titular do direito.

2. Posse civil/interdictal: a civil tem associada todos os efeitos ligados à posse. Por sua vez, a
interdictal é aquela em que a posse tem apenas algum dos efeitos, por exemplo, a defesa
possessória pelo comodatário.

3. Posse efetiva/ não efetiva: na primeira existe um controlo material sobre a coisa, ao
contrário da não efetiva.

4. Posse titulada/não titulada: art.º 1259. A posse é titulada quando se funda no modo
legítimo de adquirir e a não titulada quando se funda no modo ilegítimo de adquirir ou se o
título for formalmente inválido.
5. Posse de boa fé/má fé art.º 1260: o possuidor está de boa fé quando ignora, no momento
da sua aquisição, a posse que está a lesar o direito de outrem. Presume-se de boa fé a posse
titulada e de má fé a não titulada.

6. Pacífica/violenta: art.º 1261: a posse qualifica-se como pacífica quando, no momento da


aquisição o possuidor não empregou qualquer violência. A posse violenta considera-se de
má fé, ainda que seja titulada e não permite o início do prazo para a contagem de nova
posse nem para adquirir por usucapião, enquanto a violência não terminar. Além disso, a
posse violenta não pode ser registada.

7. Posse pública/oculta: art.º 1262. A posse pública é aquela que é exercida por forma a ser
conhecida por todos, ao contrário da oculta.

A qualificação da posse tem interferências ao nível dos frutos, encargos, benfeitorias e


prazos para adquirir por usucapião, art.º 1270 a 1300.

A posse do usufrutuário, sendo este possuidor em nome alheio, não poderá conduzir à
usucapião do direito de propriedade. A usucapião é uma forma de aquisição originária e não
uma forma de transmissão.
A constituição e a contagem do prazo para usucapião conta-se a partir do momento em que
temos a chamada “posse boa”. A usucapião pressupõe a posse que tem na sua base o
exercício de num poder de facto e a intenção de agir como proprietário e deverá ser de boa
fé, pacífica, pública e contínua.

Aula 2
07-03-23
Posse e os seus efeitos
A posse atribui ao seu titular efeitos que respeitam às faculdades que constituem o seu
objeto. Temos assim efeitos do lado ativo e do lado passivo.
Efeitos do lado ativo
1 presunção da titularidade do direito, art.° 1268.
2 direito aos frutos e às benfeitorias
Benfeitorias 216
Podem ser:
1 necessárias respeitam à toda e qualquer reforma que tem como finalidade a conservação
do imóvel ou evitar a sua Depreciação. Exemplos: obras de reparação de janelas, telhados...
Estas são, em princípio, indemnizáveis, independentemente de terem sido autorizadas ou
não.

2 úteis: respeitam às obras que aumentam ou facilitam o uso do imóvel, como por exemplo,
a construção de uma garagem instalação de uma cerca elétrica. Ao contrário das
necessárias, estas têm de ser autorizadas pelo proprietário para terem o caráter
indemnizatório.

3 voluptuárias: são as que têm um caráter embelezador ou que têm em vista aumentar a
agradibilidade do imóvel. Por exemplo, colocação de torneiras em ouro.
Efeitos do lado passivo
A obrigação de responder pela perda da coisa é suportar os seus encargos. Para além destes
efeitos, temos o direito de indemnização, art.º 1284,a usucapião, art.º 1287 a 1301 e o
direito de uso.
Defesa da posse art 1276 ss
1. A primeira forma de tutela possessória é a ação de prevenção, art.º 1276, segundo a qual,
se o possuidor tiver justo receio de ser perturbado ou esbulhado por outrem, será aquele
que ameaça intimado, a requerimento do ameaçado, para se abster da sua atuação sob
pena de ser responsável e condenado em multa.

2. A defesa da posse pode ser feita através da ação direta e defesa judicial, art.º 1277,segundo
o qual o possuidor que tenha sido perturbado pode manter-se, por sua própria força e
autoridade. Podendo também recorrer ao tribunal para que este lhe mantenha ou restitui a
posse.

3. Manutenção e restituição da posse, art.º 1278. Caso haja recurso a tribunal o possuidor que
tenha sido perturbado será mantido enquanto não ficar convencido quanto à titularidade
do direito. O n 3 do 1278 diz que é melhor posse a que for titulada. Caso não haja título,
será melhor posse a mais antiga e se tiver igual antiguidade será melhor posse a atual.
Se estiver em causa um esbulho violento, o possuidor tem direito a ser provisoriamente
destituído da sua posse sem audiência do esbulhador.
4. Embargos de terceiros art.° 1285 O possuidor cuja posse seja ofendida por diligência judicial
pode defender a sua posse mediante embargo de terceiros nos termos definidos pelos ART
342 a 350 do CPC. Representam um meio especial de restituição da posse como reação
contra atos judiciais de apreensão de coisas e são tratados como um incidente da instância
nos termos da lei de processo civil
Registo de mera posse art.° 1295
Se houver registo da mera posse, a usucapião tem lugar ao fim de cinco anos se a posse
tiver durado desde a data do registo e for de boa fé ; se tiver durado por dez anos ainda que
não seja de boa fé. Não havendo registo do título nem da mera posse, a usucapião dá-se :
no prazo de 15 anos, se for de boa fé e 20 anos se de má fé.
Usucapião
A usucapião é uma forma de aquisição originária de direitos reais de gozo e permite
consolidar uma situação de facto existente e fazê-la corresponder à situação jurídica. De
acordo com o 1268 n 1 que a posse faz presumir a titularidade do direito. A usucapião é
sempre invocável ainda que o possuidor esteja de má fé. Sendo a consequência da má fé o
facto dos prazos serem, normalmente, mais longos.
Para que ocorra a aquisição por usucapião, temos que atender a vários fatores: em primeiro
lugar tem de estar em causa uma posse verdadeira, art. ° 1287. A simples detenção não
permite usucapir. Deve estar em causa uma posse pública e pacífica, art.º 1297 e 1300. O
prazo associado à usucapião não começa a correr enquanto a violência não cessar e
também não conta no período em que a posse é oculta ou clandestina, art.º 1297 e 1299
Duração da posse
Se estiver em causa um imóvel é preciso verificar se a posse tem justo título e registo. Se
houver registo, o prazo é de 10 anos a contar da data do mesmo e não necessariamente do
início da posse, se houver boa fé, e de 15 anos, art.º 1294. Se não houver registo, mas existir
boa fé o prazo é de 15 anos, independentemente de haver título ou não e se houver má fé o
prazo é de 20 anos.
Se em causa estiverem bens móveis os prazos são mais curtos. Se estiver em causa coisas
móveis sujeitas a registo elas podem ser adquiridas ao fim de 2 anos se estiver de boa fé ou
de quatro anos, se estiver de má fé caso a aquisição seja titulada e beneficie de registo, art.º
1298
Caso não haja registo são necessários 10 anos, sendo este prazo independente da boa fé do
possuidor e da existência de título. Se estivermos a falar de coisas móveis não sujeitas a
registo, ela pode ser adquirida por usucapião ao fim de três anos desde que haja título e boa
fé ou de seis anos nas hipóteses do art. ° 1299.Os prazos para usucapião são contínuos, ou
seja, em princípio, a posse boa para usucapião deve ser exercida de modo contínuo e
ininterrupto. É importante também referir que o 1292 manda aplicar as normas relativas à
suspensão e interrupção a usucapião.
Remissão do 1292 para 318 e 325
A lei prevê no art 318 algumas situações que provocam a suspensão da contagem do prazo
da posse para a usucapião. Por sua vez, a interrupção da posse por uma das causas previstas
na lei determina a inutilidade do prazo decorrido até ali, começando a correr um novo prazo
desde o início a partir do ato interruptivo. A prescrição é interrompida pelo reconhecimento
do direito que é efetuado perante o titular por aquele contra quem o direito pode ser
exercido.
Momento da aquisição do direito de usucapião
Nos termos do art 1288 temos uma eficácia retroativa. A regra contida na lei emerge de
razões de segurança jurídica, pois, quer-se consolidar o estado de facto socialmente aceite.
Eficácia da usucapião
A usucapião apresenta dois tipos de eficácia.
1 aquisitiva: prende-se com a aquisição do direito real, ou seja, o possuidor irá adquirir o
direito correspondente à sua posse. O art 1287 determina exatamente que o direito
adquirido por usucapião deve corresponder à atuação do possuidor.

2 extintiva: impõe a extinção de um direito que existe anteriormente e que pertence àquele
contra quem se usucapião. Por outro lado, se estivermos perante uma posse exercida em
termos de direito de propriedade, consideram-se extintos os direitos reais menores que
oneravam a coisa. No entanto, está eficácia extintiva pode ser limitada, pois existem
situações em que o direito anterior não se irá extinguir. Este direito apenas poderá ficar
com um ónus caso o direito adquirido por usucapião seja um direito real limitado
nomeadamente, direito de usufruto. Neste caso, se estiver em causa a usucapião do
usufruto temos que o direito de propriedade se irá manter, apesar de constrangido pelo
direito real menor que foi constituído a favor do possuidor que é usucapiante. Quer-se com
isto dizer que a usucapião, ao ter um caráter extintiva, teremos que analisar casuística
mente o tipo de direito em causa e quais os efeitos da usucapião perante o direito real de
gozo que é menor.
Quanto à posse, nos termos do 1258, ela pode ser titulada quando se funda em qualquer
modo legítimo de adquirir e é independente, quer do direito do transmitente quer da
validade substancial do negócio jurídico. Por exemplo, se o António vender um bem que não
é dele, ou seja, alheio, por escritura de compra e venda a Bernardo, a posse de Bernardo
será titulada. Além disso, temos que a posse titulada assenta em vários pressupostos.
Funda-se no referido modo legítimo de adquirir, ou seja, tem de estar em causa um ato ou
negócio capaz de transmitir ou permitir que seja adquirido o direito real. Além disso a posse
titulada é independente do direito do transmitente, da validade substancial do negócio e,
em contrapartida, depende da inexistência de vícios formais no título. Temos ainda a posse
de boa fé prevista no art 1260 e desta decorre que existe boa fé quando o possuidor
ignorava, ao adquiri-la, que estava a lesar o direito de outrem. A posse titulada presume-se
de boa fé e a não titulada de má fé. Quando o possuidor não tem o justo título ele não está
impedido de provar a sua boa fé, sendo que esta boa fé é apurada no momento da
aquisição da posse. A posse de boa fé reduz os prazos para a aquisição por usucapião nos
termos dos art 1294, 1296,1298 e 1300. Permite a aquisição dos frutos da coisa nos termos
dos art 1270 e 1271. Confere ao possuidor o direito ao valor correspondente às benfeitorias
úteis e necessárias efetuadas sobre a coisa, art 1273 a 1275. A posse pacífica está prevista
no art 1261 e corresponde à posse que foi adquirida sem violência, ou seja, sem o exercício
de coação física ou moral. Não esquecer que a posse violenta não pode ser registada, nos
termos do 1295 n 2. A posse violenta presume-se sempre de má fé, ainda que seja titulada,
nos termos do 1260 n 3. Se a posse tiver sido adquirida com violência, o possuidor da posse
violenta pode ser compensado pelas benfeitorias úteis ou necessárias que tenha efetuado
na coisa, nos termos do 1273; pode usar em seu favor os mecanismos de defesa da posse
junto de terceiros, nos termos do 1276 CC. Temos a posse pública que é aquela que é
exercida por forma a ser conhecida pelos interessados. A publicidade da posse está
imediatamente assegurada se houver registo, sendo que é possível efetuar o registo da
mera posse, art 1295 CC e 2 n 1 CRP.
Aquisição da posse 1263
A aquisição da posse pode ser
1. originária: a posse adquire-se pela prática de atos materiais, 1263 a). A posse só se adquire
por atos materiais que incidam diretamente e materialmente sobre a coisa. Para funcionar
como aquisição de posse, os atos materiais devem ser públicos, pacíficos e levados a cabo
com a intenção de obter a titularidade do direito real, ex: o furto é passível de ser fonte de
aquisição da posse, apesar de ser não titulada.
2. derivada: a tradição da coisa é, por excelência, a forma de aquisição da posse e resulta de
uma relação contratual. Esta prevista na alínea b do mesmo artigo. Por exemplo: a tradição
material da coisa é a entrega do objeto e a tradição simbólica acontece quando não
conseguimos entregar fisicamente o objeto e entregamos, por exemplo, as chaves.
Constituto possessório
Está previsto na alínea c do 1263 e no 1264.
Inversão do título da posse
Consiste na transformação de uma mera detenção numa verdadeira posse, 1263 d) e 1265.
Na inversão do título da posse temos que esta poderá ocorrer por oposição do detentor.
Neste caso, o detentor altera o seu comportamento exterior e passa a agir como se tivesse
um verdadeiro direito real sobre o bem. A inversão pode ainda ocorrer por ato de terceiros.
Neste caso temos uma atuação externa que cria uma alteração da convicção.

Caso prático: Adalberto é proprietário de uma horta, no entanto, em 2000 emigrou para
França à procura de uma vida melhor. Um ano depois Bernardo, seu vizinho, pensando que
o Adalberto nunca mais regressava e tinha abandonado a horta, passou a cultivar no imóvel.
Acontece que em 2018, Adalberto voltou e verificou que a horta estava ocupada por
Bernardo. Bernardo, confrontado por Adalberto, recusou-se a entregar o imóvel. Quis iuris.
No caso em concreto, Bernardo assume-se como possuidor na medida em que tem o corpus
e o animus. O corpus consiste na detenção material que se exerce sobre a coisa, sendo o
animus a intenção de agir como proprietário. Nos termos do art 1258, Bernardo exerce uma
posse não titulada, pública e pacífica, sem a oposição de ninguém. Temos, no entanto, que
verificar se essa posse é de boa ou má fé, na medida em que se for de boa fé pode adquirir
por usucapião no prazo de 15 anos, e se for de má fé, pode adquirir por usucapião no prazo
de 20 anos. Se Bernardo ilidir a presunção de que a posse é de má fé e provar que não lesa a
o direito de outrem ele terá uma posse de boa fé e terá adquirido o direito de propriedade
de forma originária por usucapião. Nos termos dos art 1297, 1292, 303 e 1296 temos uma
posse não titulada, pública, pacífica e que será de boa ou má fé consoante se tenha Ilídio,
ou não, a presunção de que a posse é de má fé.
Aula 3
14-03-23
Perda da posse 1267
De acordo com a lei, o início da nova posse dá-se e conta-se a partir de quando é tornada
pública; se for violenta, desde quando for conhecida pelo esbulhado; quando adquirida com
violência só se conta a partir do fim desta. No abandono, a posse termina em virtude de um
ato intencional do possuidor, o qual pretende pôr fim à sua posse. Na perda, temos o fim
dos dois elementos da posse, na medida em que deixamos de ter o corpus do bem e
deixamos de agir como proprietários do bem. Na cedência temos uma intenção de deixar de
exercer a posse e pretendemos que essa posse passe a ser exercida por outrem. Sobre o
mesmo bem não pode, em qualquer circunstância, ser exercidas posses incompatíveis entre
si.
Direito de propriedade 1305
Nos termos do 1305 o proprietário tem o direito de usar, dispor e fruir do bem. O direito de
propriedade é o direito real máximo que assegura que uma pessoa exerça de forma
exclusiva os poderes de aproveitamento e utilidade da coisa.
Características do direito de propriedade
1. É tendencialmente perpétuo
2. Tem caráter exclusivo
3. É absoluto
4. É elástico
Aquisição da propriedade
Nos termos do art.º 1316, o direito de propriedade adquire-se por:
1. Contrato
2. Sucessão por morte
3. Usucapião
4. Ocupação: traduz-se num ato jurídico simples de apreensão material das coisas móveis sem
donos num determinado momento.
5. Acessão: consiste na união ou incorporação numa coisa de que é titular uma certa pessoa
de outra coisa que pertence a uma pessoa diferente. A acessão encontra-se prevista no art.º
1325 CC e acontece quando a coisa que é propriedade de alguém se une ou incorpora uma
outra coisa que não lhe pertencia. A acessão pode ser natural ou industrial. A acessão é
natural quando resulta, exclusivamente, das forças da natureza e é industrial quando resulta
da atuação do homem. A acessão natural pode ocorrer por aluvião ou avulsão e a acessão
industrial pode ser mobiliária ou imobiliária. Na acessão natural a distinção entre avulsão e
aluvião prende-se com a violência da força da natureza, sendo que, se não houver violência,
temos um aluvião, havendo violência, temos uma avulsão.

1325 a 1327, 1333, 1339, 1343 n. º 2- sublinhar


Casos práticos: identifique a forma de aquisição da propriedade
1. No dia 17 de janeiro de 2022 ocorreram fortes chuvas e tempestades violentas com
ventos fortes. Em virtude do descrito voaram coberturas de empresas, arrancaram-se
árvores às quais formas depositadas no terreno de Manoel.
R: acessão natural com violência = avulsão. A empresa poderá exigir ao Manoel a devolução
das coberturas no prazo de 6 meses, se antes não foi notificado para fazer a remoção no
prazo judicialmente assinado. Sob pena destas passarem a pertencer a Manoel.

2. A 5 de março de 2022, António semeou alfaces no seu quintal. Acontece que, sendo o seu
terreno inclinado e tendo ocorrido precipitação, a chuva levou a semente para o terreno
vizinho que pertence a Custódio e onde acabou por crescer a alface. Custódio acabou por
vender a alface no mercado a 50 cêntimos, o pé.
R: estamos perante uma acessão natural que se deu sucessiva e gradualmente, ou seja, uma
aluvião. Sendo que, neste caso, o fruto da plantação pertence ao dono do terreno em que a
mesma se desenvolveu, nomeadamente, a Custódio, art.º 1328.

3. Joaquim entregou a Salvador uma mesa para que este reparasse e colocasse um tampo
novo. Salvador deslocou-se ao exterior da sua casa, onde pegou na madeira e efetuou a
reparação da mesa. Acontece que, dias depois, apercebeu-se que pegou na madeira de
outro cliente que queria fazer um móvel.
R: incorporação da madeira à mesa, pelo que se configura uma acessão. A mesma teve
origem num ato humano, pelo que é industrial mobiliária. Retira-se do enunciado que o ato
foi acidental, ou seja, em princípio, salvador agiu de boa é. Sendo que a separação dos bens
poderia se difícil ou impossível … 1333 dá lugar à indemnização ou entrega de objeto
equivalente…

4. João plantou milho no seu terreno com sementes de Cristina.


R: Acessão industrial imobiliária 1339
5. Manoela celebrou um contrato promessa de compra e venda com Asdrúbal tendo, na
sequência do referido contrato, feito obras no imóvel. Acontece que a escritura definitiva
nunca foi celebrada.
R: 1340. Manoela ainda não era proprietária.
6. Manoela adquiriu um prédio sito em Campanhã, em virtude da morte da sua mãe.
R: sucessão por morte. 1316.

7. António deixou por conta da sua quota disponível um prédio à Benilde.


R: sucessão por morte, 1316.

Limitações ao direito de propriedade


Decorre do art.º 1308 que o proprietário pode usar, gozar e fruir de forma plena e exclusiva
do bem. No entanto podem existir limites a esse exercício pleno, os quais podem advir, quer
do interesse público quer do interesse privado. Ver art.º 62 n.º 2 CRP.

Limitações de interesse público


Quando está em causa a defesa do interesse público e caso exista a necessidade de uma
solução definitiva o bem pode ser objeto de expropriação. Se estiver em causa uma situação
temporária basta a requisição temporária da coisa, art.º 1309 CC (remissão para o art.º 80
Código das expropriações). Em qualquer um dos casos é devido o pagamento de uma
indemnização ao titular do direito de propriedade, bem como aos titulares de outros
direitos sobre a coisa, art.º 1310. Além destas duas situações existem as servidões
administrativas previstas no art.º 8 do código das expropriações que determinam a
realização do interesse público, como por exemplo a servidão de não edificação na
proximidade da autoestrada. Ao não ser permitida a construção há uma depreciação do
valor do bem, o que irá implicar o pagamento de uma indemnização.

Limitações de interesse particular


1. Proibição de emissões: o art.º 1346 quando fala em prédio vizinho não quer significar prédio
contiguo, ou seja, pode existir alguma distância entre os dois prédios. As emissões do art.º
1346 podem se dividir em dois tipos: incorpóreas e corpóreas através de partículas ínfimas.
Vamos ter de apreciar se decorre da utilização normal do prédio que as emana,
independentemente de existir uma autorização administrativa. Se as emissões forem
diferentes das descritas na lei haverá o direito a oposição por parte dos donos dos prédios
prejudicados, nos termos do art.º 62 n.º 2 da Constituição. Havendo emissões, por exemplo,
sólidas, com partículas que não sejam ínfimas haverá sempre o direito de oposição por
parte dos donos dos prédios prejudicados, por exemplo, uma pedreira que utilize
explosivos.
2. Passagem forçada momentânea, art.º 1349: esta situação implica que o doo do prédio
invadido tenha direito a receber uma indemnização pelos danos sofridos em decorrência do
exercício da passagem forçada momentânea. Como exemplo de passagem momentânea
temos a avulsão, o direito de perseguir o enxame de abelhas em prédio alheio e o direito a
apanhar frutos no prédio vizinho.
3. Ruína de construção, 1350: neste caso, o titular do prédio vizinho pode exigir que a pessoa
responsável pela construção providencie pela eliminação do perigo. A lei prevê a presunção
da culpa do proprietário do prédio, sendo este responsável pela preservação do prédio. Esta
presunção pode ser afastada pela prova de inexistência de culpa ou pela prova de que os
danos seriam verificados mesmo que tivesse atuado com diligência.
4. Direito de tapagem 1356 remissão para 1371: a parede ou muro divisório entre dois
edifícios ou entre dois prédios presume-se comum, no entanto, se os prédios tiverem uma
diferente natureza, não funciona esta presunção.
5. Abertura de janelas, portas, varandas e obras semelhantes, art.º 1360: a proibição
constante do art.º 1360 tem em vista evitar o devassamento. Assim, não é possível possuir
uma construção que permita o devassamento para o vizinho a menos de um metro e meio
de prédio alheio. Este distanciamento é o mínimo, sendo frequente que os planos
municipais exijam intervalos superiores. Não se encontram abrangidos por esta proibição os
casos dos artigos 1362 n.º 1 e 1363 n.º 1 desde que se cumpra o estabelecido nos art.º 1362
n.º 2 e 1363 n.º 2.
6. Estilicídio, 1365: a construção de um edifício deve ser feita de modo que a beira do telhado,
ou qualquer cobertura em geral, não goteje sobre o prédio vizinho e deve deixar ainda um
intervalo mínimo de 50 centímetros entre a beira do telhado e o prédio. Caso a proibição
não seja respeitada temos aqui que o dono do prédio pode opor-se à construção e exigir a
demolição da obra construída. Caso não o faça, poderá constituir-se por usucapião uma
servidão de estilicídio, nos termos do 1365 n.º 2.
7. Plantação de arvores e arbustos, art.º 1366: o dono do prédio tem o direito de plantar
arvores e arbustos até a respetiva linha divisória. Alem disso, tem de cortar raízes, troncos
ou ramos que alcançarem o terreno alheio e se não o fizer no prazo de três dias depois de
interpelado judicial ou extrajudicialmente pode essa tarefa ser realizada pelo dono do
prédio vizinho. Se se tratar da extração de uma árvore ou planta que sirva de marco
divisório exige-se o consentimento de ambos os proprietários.
Compropriedade 1403
Nos termos do art.º 1403 a compropriedade consiste no conjunto de direitos de
propriedade qualitativamente iguais sobre a mesma coisa e autolimitados.
Distinção entre sociedade e compropriedade
Na sociedade temos uma atividade económica que não é de mera fruição, pois pressupõe
uma atividade dirigida a potenciar o máximo de lucros e rendimentos sobre a coisa. Por sua
vez a compropriedade é uma atividade de mera fruição em que cada um dos
comproprietários tem direito a uma quota ideal. De igual forma, nenhum dos
comproprietários é obrigado a permanecer na indivisão. Ao nível do regime jurídico o que
está em causa na compropriedade é o exercício dos poderes dos consortes. O disposto no
art.º 1405 n.º 2 não se aplica às ações de despejo, mas sim, às ações reais, ou seja, às ações
em que se discute a titularidade de um direito real sem que haja qualquer relação ou
vínculo pessoal entre as partes. Por exemplo a ação de reivindicação pode ser exercida por
apenas um dos comproprietários.
Sublinhar 1408 n.º 1 e 2 e 1410
A preferência só existe contra estranhos à compropriedade. O direito de preferência do
arrendatário sede perante o direito a preferência do comproprietário. O direito de
preferência é um direito real de aquisição.
De acordo com a lei, o comproprietário poderá instaurar uma ação de preferência em caso
de venda ou dação em pagamento.

Aula 4
21-03-23
Na aula anterior analisamos a compropriedade. De acordo com o art.º 1403 existe
compropriedade quando duas ou mais pessoas são, em simultâneo, titulares do direito de
propriedade sobre a mesma coisa. Os direitos dos consortes sobre a coisa comum são
qualitativamente iguais, mas podem ser quantitativamente diferentes.
Os direitos dos comproprietários são claros e inequívocos. O herdeiro não é
comproprietário pois no património coletivo há um só direito com vários titulares. Enquanto
na compropriedade não existe esta impossibilidade de agir isoladamente pois cada um dos
contitulares tem liberdade de agir isoladamente quanto à sua fração do objeto, ou seja,
cada um dos contitulares tem direito a uma quota ideal e nenhum comproprietário é
obrigado a permanecer na indivisão. De acordo com o art.º 1405 n.º 2 cada consorte pode
reivindicar de terceiros a coisa comum sem que esse terceiro lhe possa dizer que a coisa não
lhe pertence por inteiro.
A ação de preferência tem de ser instaurada contra o adquirente e contra o alienante e tem
de ser registada.

Usufruto
O usufruto consiste no direito de gozar temporária e plenamente de uma coisa ou direito
alheio sem alterar a sua forma ou substância. O usufruto permite que tenhamos um direito
sobre direitos uma vez que pode incidir sobre universalidades e direitos intelectuais.
Caraterísticas dos direitos reais
Dentro dos direitos reais de gozo menores, o direito de usufruto é o mais amplo, na medida
em que permite que o seu titular exerça direitos relativamente ao bem da forma mais
próxima do exercício do direito de propriedade, pois permite usar, fruir e administrar. É
temporário, garante a plenitude do gozo, obriga a preservação da forma e substância da
coisa e, por fim, obriga ao respeito pelo destino económico da coisa. O art.º 1443 traduz o
caráter transitório do direito de usufruto, sendo que tem como limite a vida do
usufrutuário, quando está em causa uma pessoa singular e, tratando-se de pessoa coletiva,
tem uma duração máxima de 30 anos. Quanto à plenitude do gozo, a mesma respeita às
utilidades que se pode retirar da coisa. Os artigos 1445 e 1446 definem os poderes que
integram o direito do usufrutuário. Outra caraterística respeita à obrigação de preservar a
coisa e a sua substância, plasmada nos art.º 1439, 1446, 1468, 1475, 1482 e 1483 (sublinhá-
los).
Distinção entre direito de usufruto e direito de propriedade
1. O direito de usufruto é um direito sobre coisa alheia, enquanto o direito de propriedade é
um direito sobre coisa própria.
2. O direito de usufruto é um direito temporário, enquanto o de propriedade é,
tendencialmente perpétuo.
3. O usufruto implica que o usufrutuário respeite o destino económico da coisa, enquanto que
no direito de propriedade o proprietário pode usar e fruir, estando limitado pela regra de
bom pai de família, isto é, tem que agir de forma diligente.
4. No usufruto temos como limite a preservação da coisa, desde que não se altere a sua forma
ou substância. Quanto ao proprietário, este não está obrigado a preservar a coisa, tanto é
que até pode destruí-la.
5. O direito de usufruto permite que se faça e que se retire do objeto todas as utilidades que a
coisa pode proporcionar, desde que não altere a forma nem a substância da coisa. Por sua
vez, o direito de propriedade enquanto direito de gozo permite que se utilize, haja fruição e,
inclusivamente, se abuse da coisa podendo alterar a sua forma e substância.

Casos práticos

A 2 de janeiro de 2021, António vendeu a Bento o prédio descrito na conservatória do


registo predial sob o n.º 2002, de que António é proprietário e possuidor desde janeiro de
2000. O contrato foi celebrado por escritura pública, mas não foi registado. A 6 de janeiro
de 2021, António vendeu o referido prédio a Carlos que ignorava totalmente o primeiro
contrato. Esta segunda venda foi registada no próprio dia pelo notário que fez a escritura.
Bento exigiu a António que lhe entregasse o prédio, mas António recusou-se a fazê-lo
porque já tinha entregue as chaves do prédio a Carlos. Quid iures.

Falar do 408 + efeitos do contrato+ 875. Pela conjugação dos art.º 1 e 2 n.º 1 do CRP,
retiramos que o registo predial é obrigatório, mas a sua não verificação não invalida o
negócio, ou seja, o imóvel já pertencia ao Bento. Pelo que estamos perante a venda de bens
alheios. Face a esta situação, o mesmo poderá propor uma ação de responsabilidade civil
contratual…+ 892 CC. Art 5 n.º 4 e 7 CRP.

Juvenal e Gualter, irmãos, adquiriram em compropriedade a fração do prédio urbano


inscrito na matriz sob o art.º 202 da freguesia de campanhã, conselho do Porto. Juvenal
iniciou uma relação de namoro com Helena, o que mereceu a reprovação do seu irmão
Gualter, porque Gualter e Helena foram namorados no passado. Sabendo que Gualter
pretende deixar de ter o imóvel em compropriedade, o que é que lhe recomendaria caso ele
o contactasse?

1408 + 1412+ 1413: Gualter poderá alienar de forma gratuita ou onerosa, mas terá que dar
preferência ao irmão, caso a alienação seja por venda ou dação. Ou poderá comprar.

Alexandre é proprietário do hotel X em Vila nova de gaia. Bernardino é proprietário do


prédio vizinho e decidiu construir uma moradia com rés do chão, 1.º andar, 2.º e cave,
mesmo junto à extrema do terreno que separa os dois prédios. Com esta construção o
Bernardino tapou as frestas abertas a cerca de um metro e meio do solo que servem de
óculos de luz para alguns dos gabinetes de estética e spa do referido hotel. Supondo que
Alexandre o contacta para saber se pode impedir esta construção feita por Bernardino,
tendo em conta que o seu hotel, com aquelas frestas foi construído há mais de 20 anos,
quid iures.
Identificar os direitos reais em causa
Se o Alexandre pode invocar algum direito perante Bernardino
Saber se o Bernardino poderia ou não fazer a construção.

No presente caso prático, Bernardino e Alexandre, são titulares de um direito real de gozo
na medida em que são proprietários dos respetivos bens. Quanto à abertura de frestas,
Alexandre acabou por adquirir o direito por usucapião. Está aqui em causa a aplicação do
art.º 1363 relativo às frestas, seteiras ou óculos para luz e ar. Nos termos da lei, art.º 1363
n.º 1, não se consideram abrangidos pelas restrições as frestas, seteiras ou óculos para luz e
ar, podendo o vizinho levantar, a todo tempo a sua casa ou contramurro ainda que vede tais
aberturas. No entanto, as frestas, seteiras ou óculos para luz e ar devem situar-se a 1,80 de
altura a contar do solo e não devem ter, numa das suas dimensões, mais do que 15 cm.
Como princípio geral, o Bernardino, enquanto proprietário do prédio, poderia construir,
aproveitando a totalidade do seu terreno, art.º 1344. No entanto, o proprietário não pode
proibir os atos de terceiros. Assim, da mesma forma que o Alexandre pôde construir até à
extrema, ainda que tenha aberto frestas a dar diretamente para o terreno de Bernardino,
ele não respeitou nem a localização nem as dimensões do art.º 1363 n.º 2, pois, as frestas
estão a um metro e meio a contar do solo e não a um metro e oitenta. Bernardino poderia
exigir que Alexandre tapasse as frestas, mas tendo passado 20 anos temos de chamar os
art.º 1387 e 1360, pois Bernardino já não poderia requerer à tapagem das frestas no prédio
de Alexandre. No entanto, isso não impede que Bernardino construa, pois, a lei determina
no art.º 1363 n.º 1 que o pode fazer. Ou seja, Alexandre nada pode fazer.

Aula 5
28-03-23
Modalidades do usufruto
1. Quanto aos sujeitos: pode ser singular ou plural, art.º 1441
O usufruto plural pode ser simultâneo ou sucessivo. O usufruto é simultâneo quando há
uma comunhão de direitos à semelhança do direito de propriedade, ou seja, é uma
comunhão onde a universalidade dos benefícios abrange, em concreto, cada direito. O
usufruto é sucessivo quando num determinado título constitutivo se atribui o direito de
usufruto a mais do que uma pessoa só que de forma diferida no seu exercício, ou seja, o
exercício de um começa quando o de outro acaba. Por exemplo, só após o usufruto de A de
10 anos terminar é que se inicia o usufruto de 5 anos de B. esta modalidade de usufruto só
pode surgir por via testamentária ou contratual.
2. Quanto ao objeto: o usufruto pode ser de coisas ou de direitos. Quanto ao usufruto de
coisas pode ser sobre coisas móveis ou imóveis. Quanto ao usufruto de direitos temos que
os mesmos estão pensados para as universalidades do direito. Tratam de situações reais
para as quais não há uma regulamentação geral.
3. Quanto à constituição, art.º 1440: o usufruto pode constitui-se por:
a. Contrato: a via contratual pode ser de forma onerosa ou gratuita. Se estivermos a falar de
um testamento temos que o proprietário pode deixar o usufruto a uma pessoa e a
propriedade à outra.
b. Testamento
c. Usucapião: quanto às regras de disposição por usucapião, temos que a esma deve resultar
de uma posse formal em termos de usucapião a nível de usufruto.
d. Disposição legal: antes da reforma de 1977 era possível constituir-se um usufruto legal. No
entanto, desde então deixou de ser tão evidente.
António tem o usufruto de um automóvel e tem um acidente que destruiu o automóvel. O
automóvel possuía seguro contra todos os riscos, no entanto, o proprietário preferiu
receber o dinheiro. Quid iuris.
Neste caso, nos termos do 1481 o usufruto permanece, só que passa a incidir sobre a
indemnização. Se o seguro foi feito pelo usufrutuário ou se foi ele quem pagou os prémios e
o automóvel foi destruído, a indemnização é devida ao proprietário e o usufrutuário vai
poder continuar e a fruir, não sobre o bem que deixa de existir, mas sobre a quantia
entregue pela companhia de seguros. O direito de usufruto deixa de ser um direito real e
passa a ser um direito de crédito. O usufrutuário não pode afetar a quantia recebida tendo
apenas direito aos frutos que daí advêm. Extingue-se o direito de usufruto sobre o
automóvel e, mediante a disposição da lei, nasce o direito de usufruto sobre a
indemnização.
Poderes e deveres do usufrutuário 1439 e 1444
O usufrutuário tem o poder de exigir ao proprietário que a coisa lhe seja entregue. Tem o
poder de ceder a outrem o gozo da coisa usufruída mediante trespasse e tem o poder de
onerar o direito de que é titular através da utilização de outros direitos reais.
Segundo os art.º 688 n.º 1 e) e 699, o usufruto pode ser objeto de hipoteca. Assim, para
saber se o usufruto pode ser objeto de hipoteca temos que verificar se o título constitutivo
de usufruto inclui poderes para onerar e temos que decorrer às regras gerais sobre o
usufruto. Existe ainda o poder de constituir servidões com o limite das mesmas só
funcionarem enquanto se mantiver o usufruto. O art.º 1460 n.º 1 fala do usufrutuário e
aborda a questão do título constitutivo.
Existem, no entanto, deveres do usufrutuário, nomeadamente, deveres de inventário e
caução, previstos no art.º 1468. Tem também o dever de, ao usar e administrar a coisa, agir
como um bom pai de família, art.º 1446, e tem o dever de restituir a coisa no fim do
usufruto, art.º 1443.
Trespasse do usufruto
É possível trespassar o direito de usufruto. A lei diz que o usufruto não é transmissível por
morte, mas apenas por atos inter vivos, art.º 1444. O trespasse não é uma verdadeira
transmissão, na medida em que o art.º 1444 n.º 2 diz que o verdadeiro usufrutuário é
sempre o usufrutuário original. O usufruto não pode exceder a vida do usufrutuário.
Havendo a morte do usufrutuário, nos termos do 1443 temos que se extingue o direito de
usufruto.
Casos especiais de usufruto
1. Usufruto de coisas consumíveis: o regime geral do usufruto impede o seu titular de alterar a
substância da coisa. Sendo objeto do direito uma coisa consumível, haverá uma alteração
da substância que se traduz na destruição da coisa, art.º 1451.
2. Usufruto de universalidades de animais, art.º 1462: o conceito de universalidade é uma
pluralidade de coisas móveis com destino unitário. A estrutura do direito de usufruto quer
que o usufrutuário retire o máximo proveito possível da coisa. No que diz respeito ao
usufruto de universalidades de animais vigora a regra de preservar a propriedade da raiz e
limitar a fruição do objeto do direito.
3. Usufruto de créditos: art.º 1464 a 1467: a questão que se coloca é se o direito de usufruto é
tratado como direito real ou figura obrigacional. Nos casos do 1464, o objeto do direito de
usufruto é o capital e os frutos do mesmo. Nos casos do 1464 e 1465, a raiz é o montante de
capital que é do proprietário e o usufruto incide sobre esse capital, como exemplo temos os
juros que são frutos. Há uma querela quanto ao facto de aceitar o usufruto como direito
real na medida em que há quem entenda que existe uma relação jurídica obrigacional e que
não se pode fazer sair de uma relação jurídica creditória um direito real pois tem estruturas
completamente diferentes.

Extinção do usufruto
 O usufruto extingue-se por qualquer uma das formas do art.º 1476.

Maria, é proprietária de uma moradia e constituiu o dto de usufruto a favor do seu irmão
Caetano. Em janeiro de 2021, Caetano, apercebeu-se que a moradia precisava de obras de
manutenção e doou o usufruto ao seu amigo Francisco. Maria, exige a Francisco que faca as
reparações, mas este, recusa a dizer que essas reparações já eram necessárias ao tempo de
caetano e que nessa medida, era a Caetano que Maria devia pedir o conserto.
R: Nos termos do art.º 1472 estão a cargo do usufrutuário indispensável para a reparação
como também as despesas relativas a manutenção da coisa, obrigação do art.º 1472 é uma
obrigação real de “favorecer” que implica a prática de atos materiais sobre a coisa de cujo
cumprimento deve o proprietário de raiz as intenções reais de fazer são ambulatórias ou
seja tendo transmitido o direito real a até de ou obrigado a deixar de ter legitimidade de
fazer o que quer que seja. Se Francisco renunciar-se o usufruto a favor da proprietária
Maria. A proprietária que antes estava onerada deixa de estar regressando na sua plenitude
a esfera jurídica de Maria, art.º 1472 n.º3 de acordo como princípio da elasticidade dos
direitos reais, art.º 1472º n.º 3 CC. Está renúncia de António seria assim libratória, na
medida em que implicaria a extinção da obrigação real.
Caso prático
Maria é proprietária de uma moradia sob a qual constituiu o usufruto a favor de Caetano.
Em Janeiro de 2021 Caetano apercebeu-se que a vivenda precisava de obras de manutenção
e doou o usufruto ao seu amigo Francisco. Maria exige agora a Francisco que faça as
reparações necessárias, mas este recusou-se argumentando que já na altura em que
Caetano usufruía do imóvel o prédio precisava das referidas obras e que, nesta medida, é a
Caetano a quem Maria deve pedir o conserto. Quid iuris.

Nos termos do art.º 1472 estão a cargo do usufrutuário tanto as reparações ordinárias
indispensáveis para a conservação da coisa como também as despesas relativas à sua
manutenção. A obrigação do 1472 é uma obrigação real de facere que implica a prática de
atos materiais sobre a coisa de cujo cumprimento é credor o proprietário da raiz. As
intenções reais de facere são ambulatórias, ou seja, tendo transmitido o direito real, o até aí
obrigado deixa de ter legitimidade para fazer o que quer que seja sobre a coisa. Se Francisco
renunciasse ao usufruto em favor da proprietária Maria, a propriedade que antes estava
onerada deixa de o estar, regressando na sua plenitude à Maria, 1472 n.º 3. Esta renúncia
seria liberatória pois implicaria a extinção da obrigação real.

Aula 6
11-04-23
Direito de uso e habitação
 O dto de uso e habitação é um dto real menor e esta previsto no 1484º
 Nos termos do 1484º, o dto de uso permite que se sirva de coisa alheia. Por sua vez, quando
se trata de um bem imóvel, em concreto, casa de morada, falamos em dto de habitação. O
dto de uso e habitação, confere uma utilidade pessoal ao seu titular.
 Ao contrário do usufruto, o dto de uso e habitação, confere um dto de caracter pessoal ao
seu beneficiário e a sua família. Enquanto o dto de usufruto é penhorável, o dto de uso e
habitação não o é, sendo por isso um mecanismo de excelência na proteção patrimonial.
 O dto de usufruto e o dto de uso e habitação têm semelhanças, nomeadamente porque
ambos conferem poderes de uso e fruição ao seu titular. Naquilo que for omisso quanto ao
dto de uso e habitação, o cc remete para o regime do usufruto nomeadamente quanto à
constituição, modificação e extinção. Ver art. 1485º e 1490º
 O dto de uso e habitação, data de um regime que visa atender as necessidades pessoais do
usuário tendo em consideração a sua condição social, ou seja, tem-se em vista as
necessidades pessoais numa ótica de subsistência do titular do dto e da sua família. No
entanto, não é permitido que haja uma ótica mais alargada. Pois que, da leitura dos 1484º e
ss parece ficar de fora eventuais necessidades profissionais, ou seja, casos em que há uma
presença ocasional em virtude do vínculo laboral.
Se e possível constituir dto de uso e habitação em que é beneficiária a sociedade xpto Lda.
–falsa- exame
 o titular do uso e habitação devera ser uma pessoa singular. A lei, noa permite que seja
constituído este tipo de dtos a favor de pessoas coletivas. Apesar de se entender que as
pessoas coletivas têm dtos, o certo é que, não tem necessidades pessoais e alem disso, as
pessoas coletivas não têm família.
 O dto de uso e habitação, é titulado pelo usuário e não pela sua família. Quer isto dizer, que
falecendo o usuário o dto não se transmite à sua família.

Regime do dto de uso e habitação


 Esta previsto no seu título constitutivo, nos, termos do 1485º.
 Se não houver previsão, iremos atender às regras supletivas, nomeadamente as que
disciplinam o usufruto, nos termos do 1490º, sempre tendo em linha de conta as restrições.
Assim temos que o titular do dto não pode alterar a forma ou substancia da coisa.
 De igual forma não pode alterar o destino económico da coisa, devendo agir como bom pai
de família.
 O titular de dto de uso e habitação, tem o dto de fruir e usar a coisa, podendo, com
caracter muito diminuto, transformar a coisa, aplicando-se neste caso o 1450º. O titular do
dto não pode nem traspassar, nem locar a coisa, nem pode onerar o seu dto o que e o
oposto do que acontece no usufruto.
 O dto de uso e habitação é um dto pessoal e intransmissível. Alem disso, o titular, deve
suportar as reparações ordinárias, as despesas com a administração bem como os impostos
e encargos anuais da coisa, nos mesmos termos do que acontece com o usufruto- 1472º e
1474º.
 Alem disso, o titular do dto de uso e habitação, pode defender o seu dto real nos termos do
1315º e pode ainda usar os meios de defesa da posse, do 1266º.

Constituição e extinção
 Quer a constituição quer a extinção, revestem exceções quanto ao regime ao usufruto.
 Quanto a constituição, o dto de uso e habitação, pode ser constituído por contrato,
testamento ou disposição legal.
 Ao contrário do usufruto, a lei estabelece condições e hipóteses para a constituição legal do
dto de uso e habitação.
o Dto do cônjuge sobrevivo a ser encabeçado no momento da partilha, sendo que havendo
recheio, consigna-se o dto de uso do dito recheio e se a casa de morada de família não fizer
parte da herança, mantem-se os dto relativamente ao recheio.
o Nos casos em que exista morte de um dos membros da união de facto, que seja proprietário
da casa de morada de família e do seu recheio, o membro sobrevivo pode permanecer na
casa pelo prazo de 5 anos como titular no dto real de habitação e com dto de uso do recheio
o Em caso de morte da pessoa proprietária da casa de morada de família, quanto as pessoas
que com ela tenham vivido em economia comum à mais de 2 anos, as mesmas tem dto real
de habitação pelo prazo de 5 anos.
 O dto de uso e habitação não pode ser constituído por usucapião nos termos dos 1485º e
1293º/b).
 A lei não permite a constituição do dto de uso e habitação por usucapião devido a
dificuldade de distinção da posse relativamente a posse de outros dtos, p.e, difícil distinção
entre posse do dto de habitação da posse do dto de usufruto.
 Quanto à extinção do dto de uso e habitação, o mesmo cessa nos termos do 1476º.

Dto de superfície
 1524º, o dto de superfície consiste na faculdade de fazer ou manter de forma perpetua ou
temporária em terreno alheio uma obra ou plantação. O superficiário faz um implante no
imóvel (solo) que pertence ao fundeiro, sendo que o implante pode ser uma obra ou
plantação.
 O 1524º, noa esgota o conteúdo do dto de superfície, pois existem outras normas,
nomeadamente o 1525º/2 que fala na construção ou manutenção da obra sob solo alheio,
no art. 1526º, temos os casos se sub elevação.
 1528º por sua vez refere-se a alienação de obra ou arvores já existentes separadamente da
propriedade do solo, sendo que nesse caso, não é o superficiário que constrói a planta
apenas adquirindo ao fundeiro.
 O dto de superfície, é um dto real de gozo menor que concorre com a propriedade. Um dos
seus efeitos fundamentais, consiste em evitar a aplicação do regime da acessão, mantendo-
se os diferentes dtos sem necessidade de determinar a quem pertence a coisa global (solo +
implante), depois de feita a obra ou a plantação em terreno alheio.

Natureza do dto de superfície


 Quanto ao fundeiro, verifica-se que ele continua a ser o proprietário, beneficiando de todos
os poderes de fruição e de gozo que são permitidos por lei. Enquanto a obra ou a plantação
não e efetuada, o uso ou fruição do solo pertencem ao proprietário- 1532º
 Se a obra ou a plantação já existe, os dtos do proprietário mantem-se sob a propriedade do
solo não ocupado. Beneficia também do uso e fruição do subsolo desde que tal faculdade
não esteja incluída no âmbito da superfície nos termos dos 1525º/2 e 1533º. Por sua vez, o
dto de propriedade do fundeiro não é pleno, pois, esta sujeito à compressão derivada dos
poderes que são reconhecidos ao superficiário. Alem disso, é responsável pelos danos
causados ao superficiário decorrentes do uso e fruição do subsolo 1533º
 O dto de superfície, consiste num dto de realizar um implante que pode ser uma obra ou
plantação num terreno alheio e o que esta em causa é um dto potestativo que se destina a
adquirir um dto real que pode consistir em construir ou plantar sobre um solo que é alheio.
O 1526º, estabelece a possibilidade de termos o dto de superfície que incide sobre a
construção sob um edifício alheio- sobre elevação.
 Nos termos da 1524º 1º parte, o dto de superfície pode ser temporário ou definitivo. Os
dtos do superficiário bem como os seus deveres deveram ser objeto de uma menção
especial no registo do dto de superfície.
 Constitui dto do superficiário construir ou plantar em terreno alheio, indemnizar no fim da
superfície nos termos do 1528º/2 e defender o dto de superfície nos termos dos 1311º e
1315º. Por sua vez o fundeiro, tem dto de usar e fruir do solo antes do implante nos termos
do 1532º, dispor e onerar a propriedade do solo nos termos do 1535º à contrário e
constituir a superfície de forma onerosa ou gratuita – 1530º
 O proprietário do solo tem dto de preferência nos termos do 1535º e goza do dto de
aquisição do implante caso a superfície tenha sido constituída temporariamente nos termos
do 1538º
 Nos termos do 1528º, o dto de superfície pode ser adquirido por contrato, testamento,
usucapião ou resultar da alienação de obra ou arvore já existente de forma separada da
propriedade do solo. No que respeita à extinção da superfície, a mesma ocorre nos casos do
1536º.

Servidão predial
É um direito real de gozo menor que incide sobre um prédio ou, de forma mais abrangente,
sobre coisas imóveis. Trata-se assim, de um encargo que é imposto a um prédio, serviente,
em benefício de outro prédio, dominante, e que pertence a um dono diferente, art.º 1543.
Para que haja servidão é necessário que exista, necessariamente dois prédios, tem de haver
inseparabilidade, ou seja, ligação entre os prédios em causa e os mesmos têm de,
necessariamente pertencer a pessoas diferentes. Estes requisitos são muito importantes e
cumulativos.
A servidão de passagem implica que se imponha um encargo num prédio em proveito de
outro prédio, ou seja, as servidões estão, obrigatoriamente relacionadas com o prédio ou
com a sua finalidade económica. O encargo que decorre da servidão permite apenas ao seu
titular um único uso. A servidão é um direito real de gozo, tendencialmente, definitivo, ou
seja, em princípio, a não ser que seja instaurado um processo judicial ou que haja a
cessação por acordo a servidão será tendencialmente definitiva. No entanto, nada impede
que a oneração da servidão ocorra de forma temporária nos termos do art.º 1569 e).
A servidão pode ser onerosa ou gratuita, o que irá depender da forma que for
convencionada no título constitutivo. Nos casos de servidão legal constituía contra a
vontade do proprietário do prédio serviente, terá, no entanto, que haver uma indemnização
pelos prejuízos causados, art.º 1554, 1557 e 1558.
Sublinhar 1545 n.º 2; 1548 n.º 2; 1556; 1549

Casos práticos
Manoel é proprietário do malaquias, o seu cão. Em janeiro de 2020 a quinta de que Manoel
é proprietário foi atingida por um incêndio e teve Manoel receio que Malaquias morresse
queimado, soltou-o para que este se salvasse. Dias depois, Libério, veterinário de profissão,
encontrou o Malaquias, o qual estava perdido, desorientado, ferido e desnutrido. Libério
cuidou do Malaquias e acabou por se afeiçoar a ele. Manoel, depois de muito procurar
acabou por encontrar na passada semana Malaquias em casa de Libério enquanto fazia a
visita pascal. Manoel, de imediato, reclamou a Libério a devolução de Malaquias. Libério
opôs-se a devolução de Malaquias declarando ser seu novo proprietário. Quid iuris.

Os animais, apesar de estarem excluídos da noção de coisas estão, em geral, sujeitos aos
mesmos modos de aquisição das coisas móveis certas, determinadas e autónomas, 201 d.
um dos modos de aquisição das coisas móveis e dos animais é a ocupação, 1318. Para que
esta forma de aquisição originária possa funcionar é necessário que se verifiquem
requisitos. Em primeiro lugar, tem de se tratar de uma coisa ou animal elencado no art.º
1318, ou seja, um animal que nunca teve dono, foi abandonado, estava perdido ou
escondido do seu proprietário. No presente caso isto aconteceu, pois Malaquias perdeu-se
depois de Manoel o ter soltado. O Malaquias foi encontrado por Libério, o qual tinha
capacidade jurídica plena e estava no pleno gozo dos seus direitos. Verificamos que Libério
atuou com animus ocupandi, ou seja, com vontade de tomar o animal como seu. Decorre do
art.º 1323 n.º 1 que aquele que encontrar animal perdido e souber a quem pertence deve
restituí-lo ao seu dono ou avisá-lo do achado. Acontece que Libério desconhecia que
Manoel era o dono do Malaquias. Decorre do 1323 n.º 2 que, não sabendo a quem pertence
o animal, aquele que o encontrar deve anunciar o achado pela forma mais conveniente,
atendendo ao seu valor e às possibilidades locais e deve avisar às autoridades observando-
se os usos da terra sempre que estes existirem. Libério não cumpriu as obrigações do n.º 2
deste art, pois, não só não publicou o achado como não avisou às autoridades. Decorre do
1323 n.º 4 que anunciado o achado, o achador faz seu o animal, se não for reclamado pelo
dono no prazo de um ano, a contar do anúncio ou aviso. Libério não adquiriu a propriedade
pois nos termos do 1323 n. 4, ao não ter feito o anúncio ou publicitado o achado, não
começou a correr o prazo de um ano. Decorre inequivocamente da lei que, só após um ano
do anúncio é que ocorre o efeito real. Sendo assim, Malaquias pertence a Manoel a qual
confrontada com a recusa pelo Libério pode instaurar uma ação de reivindicação nos
termos do 1311, pois apenas assim poderá proteger o seu direito de propriedade. Libério
pode, no entanto, exercer o direito de retenção do Malaquias para fazer cumprir o direito à
indemnização pelos prejuízos sofridos, bem como a compensação pelas despesas por si
realizadas. Aliás, decorre do 1323 n.º 5 que restituído o animal ou a coisa, o achador tem
direito à indemnização do prejuízo por si havidos e das despesas realizadas, assistindo-lhe
nos termos do n.º 6 do mesmo art.º oi direito de retenção.
Aula 7
18-04-23

Servidões aparentes e não aparentes 1548 n.º 2


As servidões aparentes são aquelas que se manifestam externamente por sinais visíveis e
aparentes, art.º 1548 n.º 2 a contrário. As servidões aparentes fazem-se a partir de marcas
que podem ser num prédio ou no outro e que identificam a possibilidade de a servidão
existir, sendo que não importa o modo de exercício da servidão, sendo apenas relevante
que seja visível e permanente. Existem diferenças no regime legal das servidões aparentes e
não aparentes.
1. As não aparentes não podem ser adquiridas ou constituídas por usucapião, art.º 1548 n.º 1
e 1293 a).
2. As servidões não aparentes não podem ser constituídas por destinação do pai de família.
Art.º 1549.
3. As servidões não aparentes não podem, em regra, ser defendidas através de ações
possessórias, 1580.
4. A constituição de uma servidão está sujeita a registo predial, art.º 2 n.º 1 a) CRP, sendo que,
quanto às servidões não aparentes, tem efeito consolidativo.

Servidões positivas, negativas e desvinculativas

As servidões positivas são aquelas em que o titular do prédio dominante tem o poder de
realizar certos atos sobre o prédio serviente, por exemplo, nas servidões de passagem. Nas
servidões negativas o titular do prédio serviente fica obrigado a abster-se da prática de
certos atos, de modo a aumentar as utilidades do prédio dominante. Nas servidões
desvinculativas o prédio dominante fica liberto de uma restrição legal em benefício do
prédio serviente, podendo assim realizar determinadas emissões. Por exemplo na servidão
de estilicídio.

Servidões contínuas e descontínuas

As servidões contínuas são aquelas que não precisam de intervenção humana para o
respetivo exercício, como é o caso da servidão de vistas. Por sua vez, as servidões
descontínuas respeitam às situações em que a intervenção do homem é indispensável ao
exercício da servidão, por exemplo, nas servidões de passagem.

Exercício das servidões


Quanto ao modo de exercício, as servidões são exercidas de acordo com o respetivo título.
Só quando temos insuficiência de título é que aplicamos o art.º 1564 e ss. O regime legal é
assim supletivo, o que significa que, se nada for dito n título constitutivo, a servidão vai
compreender tudo o que é necessário para o seu uso e fruição, art.º 1565. Por exemplo, se
o titular de uma servidão de passagem tiver que realizar obras de conservação no prédio
serviente, tal poderá ser a única forma de garantir a efetividade do seu direito, art.º 1566.
Em caso de dúvida sobre a extensão ou exercício da servidão devemos sempre escolher a
solução que respeita o princípio da proporcionalidade entre a satisfação das necessidades
normais e previsíveis do prédio dominante e o menor prejuízo para o prédio serviente, art.º
1565 n.º 2. Quanto às obras, o art.º 1565 assegura ao titular do prédio dominante o poder
de realizar obras no prédio serviente, art.º 1566 e 1567. Quanto à mudança da servidão, o
art.º 1568 diz que pode haver uma alteração da servidão quanto ao local, modo de exercício
ou tempo de exercício. Estas alterações podem ser legais ou voluntárias, no entanto, os
custos de relocalização estão a cargo do proprietário do prédio serviente.

Constituição das servidões


As servidões podem ser constituídas, conforme o art.º 1547 n.º, por:
1. Contrato
2. Testamento
3. Usucapião
4. Destinação do pai de família

As servidões legais de passagens ou de águas podem ainda ser constituídas por sentença
judicial ou decisão administrativa, art.º 1547 n.º 2. Quanto à constituição de servidão por
contrato verifica-se que a servidão pode ser constituída com recurso a qualquer figura
contratual, sendo que o que importa é que a servidão seja constituída com a conclusão do
contrato. A constituição de uma servidão por contrato está sujeita à escritura pública ou a
documento particular autenticado. A servidão pode ser constituída por testamento, sendo
que, neste caso, só se irá constituir mortis causa.
A servidão pode ser constituída por usucapião, no entanto, temos de verificar se se
cumprem os pressupostos relativos à posse. Tal implica que se apure os requisitos quanto à
utilidade boa para usucapião e duração pelo período exigido por lei. A lei não admite, no
entanto, a constituição de usucapião nas servidões não aparentes, pois estas não se
revelam através de sinais visíveis e permanentes. A lei refere-se, no entanto, à aquisição de
dois tipos de servidão por usucapião: a servidão de vistas, art.º 1362 e a de estilicídio, art.º
1365.
Por fim, temos a servidão por destinação do pai de família, art.º 1549: a destinação de pai
de família pressupões a existência de uma serventia, ou seja, um prédio proporciona uma
utilidade a outro prédio. Não existe, no entanto, servidão pois ambos os prédios pertencem
à mesma pessoa, logo, não se cumpre o pressuposto subjetivo do art.º 1543. Se porventura
algum dos prédios passar a pertencer a proprietário diferente, verificamos que passa a
verificar-se o pressuposto em falta. Nessa altura, constitui-se a servidão de acordo com a
serventia que existia.

A exclusão da constituição da servidão tem que obedecer à forma escrita pois tem de
constar de documento. Se não houver exclusão, a servidão constitui-se automaticamente
por força da lei. A serventia tem de ser revelada através de sinais visíveis e permanentes, o
que implica que apenas as servidões aparentes poderão ser constituídas por destinação de
pai de família.

Extinção das servidões


As causas de extinção do direito de servidão são as constantes do art.º 1569. Apesar do art.º
1569 fazer alusão à sessação da servidão, este não esgota as causas de extinção. A este
propósito assume particular importância o titulo constitutivo. Assim, não há qualquer
impedimento à constituição da servidão sob condição resolutiva, pois se outros direitos
reais podem cessar por esta via o mesmo pode acontecer relativamente à servidão. Além
disso temos de considerar os poderes de quem constituiu a servidão. A servidão pode ser
constituída pelo proprietário, usufrutuário e superficiário. Quando se trata do prédio
serviente, as servidões criadas pelo superficiário ou usufrutuário devem cessar quando o
direito real terminar, de modo a não onerar o fundeiro ou o proprietário da raiz,
respetivamente art.º 1539 e 1460 parte final.
Além destas situações, pode ocorrer a expropriação do prédio onde recai a servidão. Neste
caso, os titulares de outros direitos reais que incidam sobre este prédio terão, igualmente,
direito a ser indemnizados, nos termos do art.º 1510. Assim, se for expropriado o prédio
serviente, o proprietário do prédio dominante verá a sua servidão extinguir-se devendo,
nessa medida, ser indemnizado. O direito de servidão pode extinguir-se por confusão, o que
acontece quando reunimos na mesma pessoa a propriedade de ambos os prédios, serviente
e dominante, sendo que esta situação ocorre, normalmente, através de negócio jurídico e,
aliás, o próprio art.º 1595 consagra expressamente o direito de preferência na alienação do
prédio dominane caso exista uma servidão de passagem por encravamento do prédio. A
reunião subjetiva da titularidade dos prédios pode também acontecer por aquisição,
usucapião da propriedade do outro prédio que está envolto na servidão. Outra forma de
cessação respeita ao não uso durante 20 anos: a servidão confere poderes de gozo e de
fruição ao nível do proprietário, proprietário esse do prédio dominante. Sendo que este
exerce poderes sobre um bem alheio, o qual se vê privado da propriedade. Esta limitação
apenas se verifica se estivermos perante um efetivo gozo e fruição, pois, se não houver uso,
ou seja, se não for exercido o direito a servidão deverá ser extinta pelo não uso. 1569 a
1575.

As servidões consistem no encargo que se impõe a um prédio em benefício de outro, sendo


importante reter que os prédios têm de pertencer a donos diferentes. Nos termos da lei
podem ser objeto da servidão quaisquer utilidades, podendo as mesmas ser eventuais ou
até futuras, sendo importante que as mesmas sejam gozadas por intermédio do prédio
dominante. Em regra, sas servidões não podem ser separadas dos prédios a que pertencem.
Sendo ainda importante que as servidões são indivisíveis, ou seja, se verificarmos que existe
uma divisão do prédio serviente entre vários donos, cada porção ficará sujeita à parte da
servidão que lhe cabia. Se, porventura, o prédio dominante for dividido, cada consorte tem
o direito de usar da servidão sem alteração e sem mudança. No âmbito das servidões temos
a chamada constituição por destinação do bom pai de família. Decorre do art.º 1549 que, se
em dois prédios que são do mesmo dono, houver um sinal visível e permanente revelador
de serventia de um para outro, estes sinais serão tidos como prova da servidão quando, em
relação ao domínio, os dois prédios se vierem a separar. Tal apenas não acontecerá se, ao
tempo da separação da coisa, algo diferente for declarado. Os proprietários que tenham
prédios que não comunicam com a via pública podem exigir que sejam constituídas
servidões de passagem sobre os prédios rústicos vizinhos. Igual procedimento poderá ser
lançado pelo proprietário da coisa que tenha uma comunicação insuficiente com a via
pública. O proprietário que, sem motivo, provoque o encrave absoluto ou relativo do prédio
só pode constituir uma servidão mediante o pagamento de uma indemnização que se
entende que deverá ser agravada em harmonia com a culpa do proprietário. A servidão de
passagem deverá ser feita através do prédio que sofra o menor prejuízo e através do modo
e lugar que seja menos inconveniente para o prédio onerado. Nos termos do acórdão do
supremo tribunal de justiça do 17-12-2019 relativamente às servidões de passagem e à
aquisição por usucapião, temos que pratica atos de posse suscetíveis de conduzir à
aquisição do direito de passagem aquele que utiliza uma faixa de terreno delimitada no solo
através de sinais visíveis e permanentes, desde há mais de 20 anos, de forma continuada,
pública e pacífica, na convicção de exercer um direito próprio e de não lesar direitos de
outrem. Se for constituída a servidão de passagem com fundamento na usucapião, por
estarem verificados os requisitos é irrelevante que o prédio dominante esteja ou não
encravado, porque este requisito é exigido apenas para a constituição legal de passagem ao
abrigo do art.º 1550. A desnecessidade suscetível de permitir a extinção de uma servidão de
passagem é aferida em função do prédio dominante e não do proprietário. Só deve ser
declarada extinta uma servidão por desnecessidade se a mesma deixar de ter utilidade para
o prédio dominante. O ónus da prova da desnecessidade incumbe ao proprietário do prédio
servienten que pretenda declaração judicial da extinção da servidão. Sendo que não é
suficiente para a desnecessidade da servidão o facto de o prédio serviente confinar com o
prédio dominante e com o caminho público.

Nos termos do art.º 1555 o proprietário do prédio onerado com a servidão tem o direito de
preferência no caso de venda ou dação em pagamento do prédio dominante, aplica-se os
art.º 416 a 418 e 1410. Apesar da servidão de passagem srr a mais habitual, a lei prevê não
só a servidão de passagem para aproveitamento das águas como também as servidões
legais de águas.

O primeiro caso prevê que quando para gasto doméstico os proprietários que não têm
acesso aos reservatórios públicos, poderão ser constituídas servidões de passagem para o
aproveitamento de águas, no entanto, estas servidões só poderão ser constituídas depois
de se verificar que os proprietários que as reclamam não têm água suficiente com outra
proveniência, sem excessivo incómodo. Por outro lado. Quanto às servidões legais de água
temos que: quando não seja possível ao proprietário obter água para os seus gastos
domésticos, podemos ter que obrigar os proprietários dos prédios vizinhos a permitir,
mediante o pagamento de uma indemnização or aproveitamento de água sobrante na
estrita medida do indispensável para os referidos gastos. Se estiver em causa o
aproveitamento das águas para fins agrícolas temos que o proprietário que não tenha água
nem a pode obter pode aproveitar as águas dos prédios vizinhos que estejam sem
utilização, desde que pague o seu justo valor. Está ainda prevista a chamada servidão legal
de presa que estabelece que os proprietários que tenham o direito ao uso das águas
particulares que existem em prédio alheio podem fazer nesse prédio as obras necessárias
ao apresamento e derivação da respetiva água tendo, no entanto, que indemnizar pelo
prejuízo causado. Apesar da lei falar na servidão legal de presa para aproveitamento das
águas públicas bem como da servidão legal de aqueduto, as mesmas não têm aplicação
prática. Importa reter que as servidões consistem numa imposição forçada que poderá ter
na sua génese uma passagem que poderá ser de pessoas, em sentido lato, ou de águas.

Casos práticos

1. Supondo que António adquiriu um prédio, mas não consegue aceder ao mesmo pelo facto
de estar encravado, diga o que poderá ele fazer.

R: art.º 1543, 1547 n.º 2 1550.

2. Sabendo que a passagem para o prédio de António passou a ser feita pelo prédio do
Bernardo, mas que, passados 10 anos foi aberta uma via pública que permite que o acesso
possa ser feito para o terreno de António através da via pública, diga o que poderá
Bernardo fazer.
R: Bernardo deveria, em primeiro lugar, instaurar uma ação por forma a peticionar a
extinção da servidão de passagem. Esta ação está sujeita a registo, art.~º 2 CRP, por forma a
ser dada a publicidade. Quando se pretende constituir uma servidão legal de passagem
temos de alegar e demonstrar que apesar do terreno poder confrontar com a via pública, tal
não lhe confere condições de estabelecer uma comunicação direta com ela sem excessivo
incómodo ou dispêndio. A simples demonstração de que o terreno encravado confronta
com a via pública não implica, sem mais, que seja extinta a servidão de passagem. Com
efeito, as servidões já constituídas só poderão ser extintas por desnecessidade quando se
aleguem e demonstrem factos objetivos, concretos, supervenientes e atuais dos quais
resulte que a servidão deixou de ter justificação pelo facto do prédio dominante se ter
tornado autónomo em termos de acessibilidade. Ocorrerá a desnecessidade da servidão
quando se verifique que a alternativa, ou seja, que a nova situação constituída, permita a
fruição e gozo de todas as utilidades que eram satisfeitas através do exercício da servidão,
ou seja, que as utilidades proporcionadas ao prédio dominante pelo seu exercício poderão
ser constituídas por outro meio. Neste caso, António poderia ver uma eventual existência
de um abuso de direito, na medida em que a manutenção da servidão e a não extinção por
desnecessidade acarretaria um ónus cuja razão de ser deveria deixar de existir.

3. Ana é proprietária de um prédio que sofre de comunicação insuficiente com a via pública.
Desde 2008, data em que a mesma adquiriu o referido prédio, que esta passa, quer a pé,
quer de carro, através de um prédio confinante pertencente à Bernardete, a qual nunca se
opôs à passagem. Acontece que, em outubro de 2017 morre Bernardete e a sua filha
Carlota colocou um portão de modo a impedir, em absoluto, a passagem de Ana.

a. O que poderia a Ana fazer?


R: no caso em concreto temos que a Ana tem a posse, na medida em que tem o corpus e o
animus. De igual forma, esta, tendo sido perturbada na sua posse, poderá lançar mão de
uma ação de restituição da posse. Na medida em que esta foi impedida de a exercer 1281, a
ação de restituição da posse pode ser instaurada pelo esbulhado e visa proteger a posse
que foi perturbada.

b. De que forma Carlota adquiriu o prédio?


R: por sucessão mortis causa. 1316 e 1317 b.

c. Poderia Ana invocar algum direito? Se sim, qual e em que termos?


R: no caso em concreto, Ana poderia, eventualmente, invocar que tem uma servidão de
passagem. No entanto, neste caso não existe, nos termos dos art.º 1543 e 1547 n.º 1.
Apesar de Ana exercer a posse do direito de servidão predial com a intenção de se
comportar como tal, o certo é que só poderia adquirir por usucapião caso decorresse o
prazo de 15 anos, se estivesse de boa-fé ou de 20 anos, caso estivesse de má-fé. Como não
decorreu nem o prazo de 15 anos nem o de 20 anos, esta não tem direito à servidão de
passagem.

d. O que poderia Carlota fazer para evitar que Ana passasse no seu prédio?
R: Carlota apenas poderia instaurar uma ação de reivindicação…

Aula 8
02-05-23

Casos práticos

Fernanda vive num apartamento que arrendou a Gustavo que este adquiriu por morte dos
seus pais. Desde 2003 até a presente data que Fernanda deixou de pagar as rendas em
virtude de ter ficado viúva, com 3 filhos pequenos e ter perdido o emprego. Gustavo, por
caridade e por pena foi tolerando a falta de pagamento da renda, abstendo-se de exigir o
pagamento das rendas que se venceram. Gustavo descobriu que Fernanda arranjou
emprego e refez a sua vida com Juliano, viúvo, que herdou uma grande fortuna, sendo que
Gustavo, no dia de hoje contactou Fernanda, a quem pediu o pagamento das rendas em
dívida. Acontece que Fernanda recusou-se a pagar qualquer renda, alegando ser
proprietária, desde 2003, pois adquiriu o imóvel por usucapião.

a. Qual o contrato celebrado entre Gustavo e Fernanda, em 2003? Justifique.


R: Gustavo obrigou-se a proporcionar à Fernanda o gozo temporário do apartamento
mediante uma retribuição. Como a locação incide sobre coisa imóvel, art.º 204, diz-se
arrendamento, nos termos do art.º 1023. Fernanda, enquanto inquilina tem a obrigação de
pagar a renda acordada com Gustavo, nos termos do art.º 1038 a). O incumprimento desta
obrigação não determina a cessação imediata do contrato, mas é fundamento da cessação
do contrato por resolução operada pelo senhorio, nos termos dos art.º 1083 n.º 3 e 4 e
1084.

b. Gustavo podia celebrar o contrato de arrendamento com Fernanda? Justifique.

R: Gustavo é proprietário do apartamento pois adquiriu por sucessão mortis causa nos
termos dos art.º 1316 e 1317 b). tem assim legitimidade para celebrar o contrato de
arrendamento com Fernanda nos termos do art.º 1305.

c. Em 2003 classifique e justifique qual a posição de Fernanda, relativamente ao imóvel.

R: Gustavo é proprietário do bem e é também possuidor quer antes, quer depois da


celebração d contrato de arrendamento, nos termos do art.º 1251. No entanto, tendo sido
celebrado o contrato de arrendamento verifica-se que o imóvel é entregue à Fernanda, pelo
que a posse de Gustavo, nos termos do direito de propriedade deixa de ser uma posse
imediata exercida pessoalmente e passa a ser uma posse mediata, que é exercida por
intermédio de Fernanda, na perspetiva de que esta tem o corpus. Nos termos do art.º 1252
n.º 1 parte final. Quanto ao direito de propriedade, Fernanda tem o exercício efetivo de
direitos sobre o bem, mas enquanto detentora, pois, atua sobre o bem nos termos do
direito de propriedade em nome de Gustavo, art.º 1253 c). Fernanda é detentora do
apartamento e, nos termos do direito de locação tem um direito pessoal de gozo. Apesar do
art.º 1251 apenas circunscrever a posse aos direitos reais e a locação aos direitos pessoais
de gozo, existem preceitos legais que permitem o exercício de ações possessórias aos
titulares de direitos que não são direitos reais de gozo, nomeadamente, art.º 1037 n.º 2. Se
não existisse esse artigo o locatário não poderia atuar sobre o apartamento por modo
próprio.

d. Tem razão Fernanda (já em 2023)? Quid iuris.

R. Em 2023, interpelada para pagar as rendas que estavam em atraso, Fernanda recusou-se
a fazê-lo tendo alegado que era proprietária do imóvel por ter adquirido o mesmo por
usucapião com efeito desde 2003. Se se concluir que Fernanda adquiriu por usucapião a
propriedade do imóvel, a sua oposição seria procedente em virtude da eficácia retroativa da
usucapião à data do início da pose, nos termos do art.º 1288 e da consequente extinção da
obrigação de pagamento das rendas por confusão, nos termos do art.º 868 CC. Nos termos
do 1287 a posse do direito de propriedade ou de outros direitos reais de gozo que seja
mantida por certo lapso de tempo, faculta ao possuidor a aquisição do direito a cujo
exercício lhe corresponde ao nível do direito de propriedade em termos de atuação. Assim,
para que haja usucapião de Fernanda, é necessário que a sua posse se reporte a um direito
usucapido: direito de propriedade ou outro direito de gozo. Entre 2003 e 2023, a posse de
Fernanda, relativamente ao apartamento, não se reportou a nenhum direito usucapível ao
nível do direito de propriedade, mas sim a um direito pessoal de gozo. O facto de Gustavo
ter deixado, a partir de 2003, que Fernanda não pagasse as rendas, não alterou a sua
situação possessória, relativamente ao bem, pois Fernanda exercia um direito pessoal de
gozo de locação, apesar de incumprir a sua obrigação de pagamento de rendas. Só em 2023
é que Fernanda passou a exercer os poderes sobre o apartamento nos termos
correspondentes ao direito de propriedade. Uma das formas de aquisição da posse é a
inversão do título da posse, prevista nos art.º 1263 d) e 1265. A inversão do título da posse
pode ocorrer por um de dois modos: ou por oposição do detentor do direito contra aquele
em cujo nome pertencia ou por ato de terceiro capaz de transferir a posse. Até 2023
Fernanda tinha o corpus do apartamento, fazendo-o em nome de Gustavo. No entanto, a
partir de 2023, verificou-se que esta se opôs a Gustavo uma vez que lhe disse que não
pagava a renda, não por ter dificuldades financeiras mas porque entende que é proprietária
do bem, ou seja, Fernanda afirmou uma posse em nome próprio ao nível do direito de
propriedade e revelou uma oposição ao proprietário, Gustavo, ao nível de incumprir o
pagamento com a justificação de que o faz por ser a legítima proprietária do bem por
suposta usucapião. Uma vez que, apenas em 2023 é que Fernanda passou a ser possuidora
nos termos do direito de propriedade, apenas aí se inicia a contagem do prazo para a
aquisição do direito por usucapião, art.º 1290. Como estamos a falar de um bem imóvel,
204 CC, não há registo nem do título nem da mera posse e por haver má fé, pois Fernanda
não ignorava que ao inverter o título da posse estava a lesar o direito de propriedade de
Gustavo, a usucapião apenas poderia ocorrer no termo de 20 anos corridos desde a
inversão do título, ou seja, em 2043, nos termos do art.º 1296. Assim, Fernanda não poderia
adquirir por usucapião o direito de propriedade do apartamento por não ter decorrido o
prazo devido para esse efeito.

Caso prático
Alberto, que é licenciado em história e docente universitário, com especialidade e pós
doutoramento na área/época da segunda guerra mundial, encontrou, na loja de Bernardino,
uma versão muito antiga de um livro que sempre procurou, intitulado “fui criada de Hitler”.
Como ia viajar nesse dia para fora de Portugal Alberto, após adquirir o livro, pediu a
Bernardino para o guardar, tendo ficado combinado que o iria levantar na semana seguinte.
Acontece que Alberto nunca mais passou na loja para levantar o livro, o que fez com que
Bernardino, acreditando que Alberto já não tivesse interesse no livro o tenha colocado,
novamente, à venda, e tenha acabado por vender a Carlos dois meses depois.

a. Após a celebração do contrato entre Alberto e Bernardino, quem é o possuidor do livro?


R: A posse que está identificada no art.º 1251 pode ser adquirida de forma originária ou
derivada. As formas de aquisição da posse estão previstas nos art.º 1263 a 1265. Dentro
dos factos constitutivos da posse temos o apossamento e a inversão do título da posse,
previstos nos art.º 1263 a) e d). dentro dos factos constitutivos da posse temos apenas
estes dois. No âmbito dos factos translativos temos a tradição e o constituto
possessório, 1263 b) e c) e 1264. Apesar de não ter existido a entrega da coisa ao novo
possuidor a posse transferiu-se de forma derivada através do constituto possessório,
verificando-se que o possuidor passou a detentor. Nos termos do art.º 1264 n.º 1, para
que haja constituto possessório tem de se verificar 3 requisitos: 1 tem de haver um
negócio jurídico de transmissão de um direito real de gozo; 2 tem que o transmitente
ser o atual possuidor e 3 tem que haver uma causa jurídica para a detenção da coisa por
parte do antigo possuidor. Neste caso verificam-se estes 3 pressupostos pois, em
primeiro lugar, Alberto tornou-se possuidor através da forma de aquisição derivada da
posse. Note-se que Alberto e Bernardino que celebraram o contrato de compra e venda
para a transmissão de coisa móvel não sujeita a registo, tendo esse negócio sido válido.
Além disso,Bernardino era o antigo possuidor do livro, pelo que poderia transmitir a
posse a outrem. Por fim, verifica-se a existência de causa jurídica para a detenção da
coisa por parte de Bernardino, pois, Alberto celebrou, simultaneamente com a venda,
um outro contrato com o vendedor, em concreto um contrato de depósito, art.º 1185. O
contrato de depósito pelo seu objeto requer a atuação material por parte de
Bernardino, sendo este o contrato que legitima a detenção da coisa nos termos do art.º
1253 c). assim, após a celebração do contrato com Bernardino, Alberto torna-se
possuidor por constituto possessório, passando Bernardino pela celebração do contrato
de depósito a mero detentor e tendo apenas um direito pessoal de gozo. A posse de
alberto é causal, civil e não efetiva pois não está acompanhada pelo corpus, no entanto,
em termos de classificação a posse é titulada, pois é fundada num modo legítimo de
adquirir; de boa fé, pois não lesa direitos de outrem; pacífica, pois foi adquirida sem
violência; e pública, pois é exercida de forma a ser conhecida pelos interessadas.

b. Quem é o titular do direito real de propriedade do livro?

c.Poderia Alberto reagir contra Carlos para reaver o livro?

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