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FACULDADE
DE DIREITO
FA A P - J U R I S
F U N D A Ç Ã O A R M A N D O A LVA R E S P E N T E A D O
Vo l u m e 5 – j a n e i r o a j u n h o / 2 0 11
ISSN 2175-2230
Semestral
ISSN 2175-2230
CDD 340
CDV 34
Apoio Institucional da FUNDAÇÃO ARMANDO ALVARES PENTEADO
Conselho de Curadores da FAAP
Presidente: Sra. Celita Procopio de Carvalho
Integrantes:
Sra. Maria Christina Farah Nassif Fioravanti
Dr. Benjamin Augusto Baracchini Bueno
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Diretoria da Faculdade de Direito
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Editor: Prof. Rui Carvalho Piva
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Conselho Editorial
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Cláudio Salvador Lembo
Diego Corapi
Eneida Gonçalves de Macedo Haddad
Enrique Ricardo Lewandowski
Fernando Facury
Jorge Miranda
José Geraldo de Sousa Junior
Luiz Edson Fachin
Manoel Gonçalves Ferreira Filho
Marcos Fábio de Oliveira Nusdeo
Maria Helena Diniz
Maria José Constantino Petri
Maria Lígia Coelho Mathias
Mario Julio de Almeida Costa
Sebastião Luiz Amorim
Zeno Veloso
Sumário
ENTREVISTA
Mario Luiz Sarrubbo 07
I. ARTIGOS
União Homoafetiva 09
Alvaro Villaça Azevedo
Projetos voluntários de REED no Brasil como alternativa viável na luta para salvaguardar a 73
biodiversidade amazônica e o bem estar dos povos da floresta
Luís Paulo Agostino de Magalhães Duprat
Adoção por casais homoafetivos 82
Marcella Corrêa Marques Gonçalves dos Santos
Liberdade Provisória e o crime de tráfico ilícito de entorpecentes: uma análise crítica sob a ótica 90
do princípio da “presunção de inocência”
Renan Posella Mandarino
II. Jurisprudência
Acórdão da 1.ª Turma Ordinária da 1.ª Câmara Superior de Recursos Fiscais do Ministério da 101
Fazenda Imposto sobre a renda de pessoa física. Omissão de rendimentos
Pesquisa e Apresentação: Alexandre Naoki Nishioka
III. Resenha
DIDIER JR., Fredie e ZANETI JR., Hermes. Curso de Direito Processual Civil – Processo Coletivo. 110
6ª edição. Salvador: JusPodivm, 2011.
Fabiano Carvalho
Decisão judicial converte em casamento a união estável entre duas pessoas do sexo masculino 113
Apresentação: Rui Carvalho Piva
Estimado Professor Mario, terminaram felizes, pois consegui superar essa insegurança
Ginásio , Colégio, início da adolescência (momento e acho que me tornei um jovem saudável e equilibrado.
especial da vida das pessoas), futebol, corridas, a Consegui ultrapassar a escapar das armadilhas que vinham
Faculdade de Direito, o “filho” Mario Luiz, o “pai” pela frente, como o cigarro, a bebida e as drogas, que já
e o “marido” Mario Luiz, o Promotor de Justiça, os naquela época se apresentavam aos adolescentes de forma
acidentes aéreos, a Escola Superior do Ministério constante.
Público de São Paulo e o ofício arte do educador. Como Um grande aliado, desde a infância, foi o esporte.
vem sendo tudo isso na vida dessa pessoa especialmente A grande paixão pelo futebol, a vontade de estar em forma
transparente que é V. Exa.? e fazer parte do time, sempre me mantiveram longe das
drogas, do álcool e do cigarro. Acho que esse foi o grande
mote para uma adolescência também saudável. De um
Em primeiro lugar, gostaria de manifestar a minha “sofrível” mas apaixonado “lateral direito”, troquei o
alegria por ter a oportunidade de compartilhar com os futebol pelas corridas por um verdadeiro “acidente”. Já
amigos alguns aspectos de minha vida profissional e Promotor de Justiça, jogando futebol num domingo de
pessoal. páscoa, quebrei o tornozelo, me submeti a uma delicada
Acho que todos percebem um determinado aspecto cirurgia e o retorno aos esportes passou pela corrida que
de minha personalidade: gosto de viver e vivo intensamente nunca mais abandonei. Ao contrário, com a idade, larguei o
todos os momentos profissionais, com amigos, com a futebol (mas não o Palmeiras – outra paixão) e me dediquei
família e assim por diante. às corridas. Hoje, com muito orgulho, já participei de sete
Essa característica trago comigo desde a infância. maratonas completas, mais de vinte meias-maratonas e
Vivi intensamente a minha infância e de forma saudável cerca de cinqüenta provas menores de dez quilômetros. Sou
e feliz. Fui criado e até hoje moro no bairro de Moema, apaixonado pelas corridas, pois me mantém equilibrado
em São Paulo. Na minha infância, tive a oportunidade de não só no aspecto físico, mas principalmente no emocional.
aproveitar as melhores características do bairro, até então O Direito surgiu na minha vida quase por acaso.
predominantemente residencial e muito próximo do parque Desde criança pensava em ser engenheiro. As dificuldades
do Ibirapuera, local que considero como “a minha praia” e com a matemática e a pouca afinidade com o desenho,
onde vivi bons momentos na infância, seja jogando futebol, fizeram com que eu mudasse completamente o foco. Aliás,
seja andando de bicicleta com amigos. essa mudança aconteceu num momento interessante. Eu
Como disse, vivo intensamente e, obviamente, vivi estava na 7ª série (ainda era o ginásio) e fui “convocado”
as incertezas e agonias do início da adolescência também para um “júri” na escola. Deveríamos debater a “pena
intensamente. A insegurança, o medo de ser deixado de lado de morte”. Atuei como promotor, defendendo a pena de
pelo grupo, o início do interesse pelas colegas, o primeiro morte e me apaixonei pelo direito e especificamente pela
beijo, o primeiro namoro, foram anos intensos mas que promotoria. Prestei vestibular e fui aprovado no Mackenzie,
7
onde vivi os “cinco” dos melhores anos da minha vida. civil, as dificuldades com o Judiciário e o envolvimento
Claro que freqüentei de tudo...até mesmo as aulas....mas emocional com as associações de familiares das vítimas,
é claro que os momentos inesquecíveis foram os vividos foram marcas que nunca mais sairão da minha vida. Obtive
na “atlética”, na política acadêmica e nas então famosas sucesso no caso de 2007, pois formulei acusação contra
“festas”....Fui a todas, aproveitei mesmo e é por isso que 11 (onze) pessoas. No entanto, mesmo em 1996, quando
digo aos alunos da FAAP...não percam o “eu to dentro” ou arquivei o inquérito por falta de provas, nunca abandonei
qualquer outra festa...aproveitem pois os anos passam e a as associações de familiares das vítimas. Tratei-os com a
responsabilidade chega. devida atenção e carinho e, até hoje, tenho amizade com
A família sempre foi e sempre será o grande eixo alguns deles.
de minha vida. Ela é tão importante, mas tão importante, Mais recentemente fui premiado pelo Ministério
que meus pais moram numa rua e em cada esquina dessa Público com minha eleição para exercer o cargo de
rua estão os três filhos. Eu e minhas duas irmãs. Moramos Diretor da Escola Superior do Ministério Público. Vivo,
muito próximos e, obviamente, estamos sempre juntos, sem dúvida, um momento profissional muito feliz, pois
como uma típica família italiana, com muitas brigas mas, consegui conciliar as duas atividades que mais gosto, o
principalmente, com muito amor. Acho que o momento é magistério e o Ministério Público. O ensino, a formatação
de devolução, ou seja, tento devolver aos meus pais tudo o dos cursos e, principalmente, o convívio com os Promotores
que me proporcionaram na vida. de Justiça recém ingressados, são para mim uma grande
Se a família é o eixo, o grande dilema é conciliar alegria. Sinto que sou útil, que posso fazer algo para
vida pessoal (corridas), profissional (Ministério Público aperfeiçoar o trabalho do Promotor. Essa satisfação, que
e Magistério) e familiar. Estou casado há 17 anos com a todos os apaixonados pelo Magistério têm, é a mais bela
Simone e temos dois lindos filhos, o Luis Felipe (13 anos) remuneração de nossas vidas. Nos confere, com certeza,
e o Pedro Henrique (10 anos). Tenho feito isso, modéstia um sabor especial ao nosso dia a dia.
à parte, com sucesso. Posso dizer que estou vendo os
meus filhos crescerem. Viajo muito (em função do cargo
que exerço atualmente no MP – Escola Superior) mas não
economizo em telefonemas, abuso do Skype (pois é preciso
ver) e tenho o costume de fazer pelo menos uma refeição
em casa. Se não posso jantar, venho almoçar e vice-versa.
Por outro lado, faço questão de levar as crianças para a
escola. Minhas aulas na FAAP são marcadas para o início
da manhã justamente para conciliar essa atribuição. Sou
amigo dos meus filhos, mas não esqueço que, antes de
amigo, sou pai. Procuro impor os limites e conscientizá-los
para as responsabilidades. A mensagem é: família, estudo
e esporte são as coisas mais importantes. Aliás, quando
corro as maratonas faço sempre uma homenagem aos meus
filhos. Na linha de chegada, após 42 km, grito o nome dos
dois e afirmo a possibilidade de superação do ser humano.
O Ministério Público, por outro lado, é a grande
paixão. Nunca fui um aluno brilhante, então tive que
estudar muito para conseguir vencer o concurso de ingresso.
Fiz carreira rápida, assumi como promotor substituto
de Araçatuba e fui titular em Queluz, Itaquaquecetuba,
Mauá e, já na capital, o 1.º Promotor Criminal Regional
do Jabaquara. Esse cargo foi emblemático em minha
vida. Abrangendo a região do Aeroporto de Congonhas,
trabalhar como Promotor de Justiça em pelo menos dois
grandes acidentes aéreos. O de 1996 (com o Fokker 100
da TAM – 99 mortos) e mais recentemente o de 2007 (com
o Airbus A-320 da mesma empresa – com cerca de 199
mortos).
Experiência profissional marcante, com grande
pressão da mídia e da sociedade por resultados e,
principalmente, por conta da convivência muita próxima
com os familiares dessas vítimas. O trabalho junto a policia
Doutor em Direito, Professor Titular Aposentado de Direito Civil, Regente de Pós-Graduação e ex-Diretor da Faculdade
de Direito da Universidade de São Paulo (USP); Professor Titular de Direito Romano, de Direito Civil e ex-Diretor da
Faculdade de Direito da Universidade Presbiteriana Mackenzie, em São Paulo; Professor Titular de Direito Romano
e Diretor da Faculdade de Direito da Fundação Armando Alvares Penteado (FAAP), em São Paulo; Advogado e ex-
conselheiro Federal e Estadual, por São Paulo, da Ordem dos Advogados do Brasil; Parecerista e Consultor Jurídico.
Resumo: O trabalho tem início com a apresentação do conceito de união homoafetiva ou homossexual e uma atraente
análise de colocações feitas por Platão a respeito 1da busca que o homem sempre fez da sua outra metade correspondente,
daí eventualmente resultando práticas homossexuais. Segundo o autor, ainda não se fazia referência a casamento entre
pessoas do mesmo sexo, com a finalidade de constituir família. Mas, ao abrir o tema da união homossexual na legislação
estrangeira, a questão central do trabalho foi assim colocada: muitos países já admitem o casamento entre pessoas do
mesmo sexo. Depois de analisar detidamente a evolução do assunto na sociedade e na legislação brasileiras, o autor
reconhece a dinâmica do Direito de Família e a possibilidade de seu regramento especial vir a ser estabelecido fora do
Código Civil, no Estatuto das Famílias.
1
Wikipédia, a enciclopédia livre, disponível em: <lttp://pt.wikipedia.org./wiki/casamentoentrepessoasdomesmosexo>. Acesso em 30.05.2010.
2
Werner Jaeger, Paidéia, A formação do Homem Grego, Ed. Martins Fontes, São Paulo, trad. do grego por Artur M. Parreira, 4ª edição, março de 2001, O Banquete de Platão, p. 732..
3
In O Banquete, 191 A, 192 B e seguintes, 192 E e 193 A, Platão, O Banquete, L&PM Pocket, trad. do alemão por Donaldo Schüler, reimpressão de janeiro de 2011 da 1ª edição de agosto de 2009, pp.
63 a 65 e 67; rodapé 6, p. 123: Alcebíades menciona que Sócrates se sente atraído por jovens belos, frequentes em seu círculo de discípulos.
4
Le Contrat d’Union Civile et Sociale, Rapport de Législation Comparée, Divisão de Estudos de Legislação Comparada do Serviço dos Negócios Europeus do Senado francês, publicação do Senado
francês, outubro de 1997, com 16 páginas; Tereza Rodrigues Vieira, O casamento entre pessoas do mesmo sexo, no direito brasileiro e no direito comparado. Repertório IOB de Jurisprudência, nº 14/96,
3/12240, p. 250-55, jul. 1996, especialmente p. 252; Federico R. Aznar Gil, Las uniones homosexuales ante la legislación eclesiástica, especialmente item 2.b – Legislación europea, Revista Española de
Derecho Canonico, da Universidad Pontificia de Salamanca, nº 138, v. 52, p. 157-190, jan./jun. 1995; publicações de revistas e de jornais, em geral.
5
Op. cit., p. 161.
6
Federico R. Aznar Gil, Op. cit. p. 161-162.
9
foram concedidos alguns direitos patrimoniais às uniões sob regime da separação total de bens ou quando uma
civis homossexuais, que foram legalizadas em 1989, isenção de divisão for concedida, em casos especiais, pelo
reconhecendo-se, assim, os “casamentos entre pessoas do Ministro da Justiça.
mesmo sexo”. Preceito semelhante é o da Lei de Herança, que
A Lei dinamarquesa nº 372, de 1º de junho de 1989, determina a divisão dos bens comuns antes de novo
da parceria homossexual registrada, que teve início de casamento ou registro de parceria (item 2).
vigência em 1º de outubro do mesmo ano, prescreve, em No tocante ao Código Penal dinamarquês, emendou-
seu item 1, que “duas pessoas do mesmo sexo podem ter se sua seção 208, para constar como crime a contratação
sua parceria registrada”. Cuidando desse registro, no item de parceria registrada por quem já for casado ou parceiro
2, estabelece que “a parte 1, seções 12 e 13 (1), e cláusula (prisão até três anos), entre outras especificações com
1 da seção 13 (2) da Lei sobre Formação e Dissolução alterações de penalidades.
de Casamento devem ser aplicadas, igualmente, para o A Noruega acompanhou a Dinamarca, aderindo a
registro de parceiros”, que só será possível se ambos ou um essa situação em 1993, quase em posição idêntica, pela Lei
dos parceiros tiverem residência permanente na Dinamarca nº 40, de 30 de abril, que teve início de vigência em 1º
e nacionalidade dinamarquesa. de outubro desse mesmo ano. A lei norueguesa, entretanto,
Essa lei foi de iniciativa do Parlamento dinamarquês, permite que os parceiros possam partilhar da “autoridade
que colocou a Dinamarca como primeiro país a adotar essa parental” (poder familiar ou pátrio poder), o que a lei
espécie de legislação. dinamarquesa proíbe.
Esclareça-se que a mesma lei, em seu item 2 (3), O Parlamento sueco, ao seu turno, reconheceu o
deixou o procedimento desse registro a ser regulamentado partenariat desde 1º de janeiro de 1995, quando teve início
pelo Ministério da Justiça, o que, parece, não ocorreu, até de vigência a Lei de 23 de junho de 1994, oficializando
o presente. as uniões entre o mesmo sexo. A responsável pela Lei de
Quanto aos efeitos legais desse registro, assenta- Parceria, na Suécia, foi Barbro Westerholm e, em 1995,
se, em destaque, que a parceria registrada deve produzir já estavam oficializadas quase mil uniões. Destaque-se,
os mesmos efeitos legais que o contrato de casamento, entretanto, que o Consulado da Suécia, em Paris, não está
devendo ser aplicadas aos parceiros as mesmas disposições autorizando uniões homossexuais. Registre-se, entretanto,
que se aplicam aos esposos, com exceção da Lei de que, na França, em 1993, concedeu-se a homossexual o
Adoção, que não se aplica aos parceiros; também não se direito de se beneficiar do seguro social de seu parceiro.
aplica a estes a cláusula 3 das seções 13 e 15 da Lei de Essa lei sueca baseou-se em trabalhos da comissão
Incapacidade e Guarda; bem como as disposições de outras parlamentar, constituída em 1991, contendo quase os
leis dinamarquesas que se refiram a um dos cônjuges e de mesmos dispositivos da lei dinamarquesa; entretanto, a lei
tratados internacionais, a não ser que concordem os outros sueca possibilita a intervenção do juiz, para o registro da
países participantes. união, facultativamente, mas exige, obrigatoriamente, essa
Quanto à dissolução da parceria, aplicam-se intervenção em caso de ruptura da mesma união.
similarmente as disposições, ali indicadas, da Lei sobre De mencionar-se que, dos países escandinavos, só
Formação e Dissolução do Casamento e da Lei de a Finlândia não aderiu à legislação da união registrada
Administração da Justiça. de pessoas do mesmo sexo. Houve um projeto de lei, no
A Lei sobre Formação e Dissolução do Casamento, Parlamento finlandês, em maio de 1996, que foi rejeitado
a Lei de Herança, o Código Penal e a Lei de Tributos em setembro de 1997.
Hereditários foram emendadas, com a introdução da Na Holanda, em 1991, foram criados registros em
parceria registrada, pela Lei nº 372, de 1º de junho de 1989, alguns municípios, possibilitando que fossem registradas
com início de vigência em 1º de outubro de 1989. uniões homossexuais, como acontecera em algumas
Destaque-se, nesse passo, a emenda às seções 9 e cidades norte-americanas, como São Francisco7, sendo
10 da citada Lei do Casamento. Na seção 9, para constar certo que, em 16 de abril de 1996, elaborou-se projeto de
que “uma pessoa que tenha contratado, anteriormente, uniões entre pessoas do mesmo sexo, com 70% da opinião
casamento ou que participe de uma parceria registrada, pública a favor.
não pode contrair casamento enquanto o casamento ou a Dá-nos conta o Cfemea8 de que, na Holanda, houve o
parceria anterior existir”. Na seção 10, cuida-se de questão “casamento” oficial de dois casais de lésbicas, tornando-se,
patrimonial, que proíbe a contratação de casamento, por em fevereiro de 1998, “os primeiros casos de casamento
quem tenha sido casado ou parceiro, antes da divisão, ou civil legal entre parceiros do mesmo sexo” nesse país, cuja
do início dela, perante a Corte, da propriedade conjunta. lei que permite a união civil entre homossexuais teve início
Só não se aplica tal disposição se os interessados se uniram de vigência em 1º de janeiro de 1998.
7
Jornal do Centro Feminista de Estudos e Assessoria, Cfemea, Brasília, ano 6, nº 61, p. 2, fev. 1998.
8
Casamento gay é aprovado na Argentina, in estadao.com.br/vida, http://www.estadao.com.br/noticia_imp.php?req=not_imp582050,0.php, em 2 de agosto de 2010. Por Ariel Palacios, correspondente
em Buenos Aires – O Estado de S. Paulo.
9
Com entendimento contrário, Maria Berenice Dias (União homossexual, o preconceito e a justiça. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2000, nº 8, p. 147) conclui: “Um Estado Democrático de Direito,
que valoriza a dignidade da pessoa humana, não pode chancelar distinções baseadas em características individuais. Injustificável a discriminação constante do § 3º do art. 226 da Constituição Federal,
bem como inconstitucional a restrição das Leis nos 8.971/94 e 9.278/96, que regulamentam a união estável, ao se referirem somente ao relacionamento entre um homem e uma mulher.” Cita a autora,
lastreando seu entendimento, decisões da Justiça gaúcha (Op. cit., principalmente p. 131-36).
10
Álvaro Villaça Azevedo, Estatuto da Família de Fato, Ed. Atlas, São Paulo, 3ª edição, 2011, p. 240.
11
modos de constituição de família, sendo mais fácil admitir deve ser, porque o esforço comum, que caracteriza a
que, atualmente, a união homoafetiva foi reconhecida no sociedade de fato, pode ser representado por qualquer
âmbito do Direito de Família, sendo perfeitamente viável forma de contribuição: pecuniária ou através da doação
incluí-la no rol do art. 226, citado, como uma categoria de bens materiais, ou ainda por meio de prestação de
autônoma. Já disse que o Estado não pode mencionar serviços. Este, sem dúvida, o sentido que o Código Civil
na Constituição de modo taxativo, como o povo deve brasileiro, ao definir o contrato de sociedade, empresta à
constituir sua família. Por essa razão essa relação do art. locução ‘combinar esforços ou recursos para lograr fins
226 da Constituição Federal é meramente enunciativa11. comuns’ (art. 1.363). Como é de primeira evidência, a
Muito citada foi a decisão do Juiz José Bahadian, expressão ‘esforços ou recursos’ abrange todas as formas
da 28ª Vara Cível da Comarca do Rio de Janeiro, na ação ou modalidades de contribuições para um fim comum”.
promovida contra o espólio de um pintor e iniciada em 17 O citado art. 1.363 do Código Civil de 1916 corresponde
de maio de 1988. Nesse processo, reconheceu-se direito atualmente ao art. 981 do Código Civil.
do companheiro sobrevivo, em razão do falecimento E se conclui nesse mesmo decisório que,
do outro, após dezessete anos de convivência, à metade “por maior que tenha sido a contribuição do apelado
do patrimônio por eles amealhado. Patenteou-se, então, à obra do pintor, não se pode conceber que tenha sido
a existência de sociedade de fato entre os conviventes e equivalente à que deu o próprio criador dos quadros. E,
de um patrimônio criado por seu esforço comum. Esta a não tendo sido iguais as cotas de contribuição, não podem
decisão de primeiro grau. ser iguais, como pretende o recorrido, os quinhões na
Pondere-se, nesse caso, que esse direito à metade partilha. A participação na divisão deve ser proporcional à
do patrimônio do companheiro falecido estava assegurado contribuição para criação ou aquisição dos bens”.
por testamento deste, assinado em 1985, revogado por Daí a redução do percentual estabelecido na
outro testamento, firmado pelo testador quando já estava sentença, de 50% para 25% do patrimônio adquirido pelo
internado, em estado grave, no Memorial Hospital de New esforço comum.
York, conforme atestaram algumas testemunhas, e que não Também o Tribunal de Justiça do Estado de Minas
estaria ele na plena capacidade de entendimento dos fatos; Gerais, por sua 2ª Câmara, em 3 de dezembro de 1996,
tudo segundo ampla divulgação, à época, pela mídia. sendo relator o Juiz Carreira Machado13 decidiu que “a
Em grau de apelação, no Tribunal de Justiça união de duas pessoas do mesmo sexo, por si só, não gera
do Estado do Rio de Janeiro, em 8 de agosto de 1989, direito algum para qualquer delas, independentemente do
unanimemente, por sua 5ª Câmara Cível, sendo relator o período de coabitação”.
Desembargador Narcizo A. Teixeira Pinto12, decidiu-se Nesse caso, ainda, foi negada indenização por
esse caso, como demonstra a ementa oficial: dano moral, reivindicada pelo companheiro sobrevivo,
“Ação objetivando o reconhecimento de sociedade ao pai do falecido, vítima de Aids, malgrado tivesse esse
de fato e divisão dos bens em partes iguais. Comprovada a sobrevivente “assumido assistência ao doente, expondo-se
conjugação de esforços para formação do patrimônio que se publicamente, em face da omissão” desse genitor, “a quem
quer partilhar, reconhece-se a existência de uma sociedade não pode ser atribuída culpa pela enfermidade” contraída
de fato e determina-se a partilha. Isto, porém, não implica, por seu filho.
necessariamente, em atribuir ao postulante 50% dos bens Lembra, ao seu turno, Rainer Czajkowski14 que
que se encontram em nome do réu. A divisão há de ser existe, em torno do tema uniões homossexuais, “uma forte
proporcional à contribuição de cada um. Assim, se os fatos carga negativa, de ordem moral e mesmo religiosa na sua
e circunstâncias da causa evidenciam uma participação avaliação”; por esse motivo, para que isso seja evitado, e
societária menor de um dos ex-sócios, deve ser atribuído “na medida em que o relacionamento íntimo entre
a ele um percentual condizente com a sua contribuição.” duas pessoas do mesmo sexo pode ter efeitos jurídicos
Como visto, nesse julgado reconheceu-se, tão- relevantes, é mais razoável que se faça uma abordagem
somente, a sociedade de fato, entre sócios, e não união livre jurídica e técnica da questão, e não uma análise moral,
como entidade familiar. Deixou evidenciado esse acórdão porque esta última, além de ser excessivamente subjetiva,
que a mesma Câmara, em outra decisão, em que foi relator concluirá pela negativa de qualquer efeito útil”.
o Desembargador José Carlos Barbosa Moreira, evidenciou Pondere-se, nesse ponto, que, provada a sociedade
que de fato, entre os conviventes do mesmo sexo, com aquisição
“‘o benefício econômico não se configura apenas de bens pelo esforço comum dos sócios, está presente o
quando alguém aufere rendimentos, senão igualmente contrato de sociedade, reconhecido pelo art. 1.363 do
quando deixa de fazer despesas que, de outra maneira, Código Civil de 1916 (atual art. 981), independentemente
teria de efetuar’ (Apelação Cível 38.956/85). E assim de casamento ou de união estável, pois celebram contrato
11
Jurisprudência brasileira cível e comercial. Juruá, Curitiba: União Livre, 1994, nº 173, p. 206-9.
12
RT 742/393.
13
Reflexos jurídicos das uniões homossexuais. Jurisprudência Brasileira, Juruá, 1995, Separação e Divórcio II, 176/95-107, especialmente p. 107.
14
Apud Euclides Benedito de Oliveira, Direito de herança entre homossexuais causa equívoco. Jornal Tribuna do Direito, p. 12, abr. 1998.
15
JTJ-Lex 198/121.
16
DJU de 20/11/98, p. 585.
17
O sol e a peneira. Manchete. Rio de Janeiro: Bloch, p. 98, 6 jul. 1996.
18
Luiz Edson Fachin, Aspectos jurídicos da união de pessoas do mesmo sexo. RT 732/47-54, especialmente p. 52-53.
19
A Comissão Especial destinada a apreciar e proferir parecer sobre o Projeto de Lei nº 1.151, de 1995, que “disciplina a união civil entre pessoas do mesmo sexo e dá outras providências”, em reunião,
opinou contra os votos dos Deputados Jorge Wilson, Philemon Rodrigues, Wagner Salustiano, e, em separado, dos Deputados Salvador Zimbaldi e Severino Cavalcanti, pela constitucionalidade,
juridicidade e técnica legislativa e, no mérito, pela aprovação, deste, com substitutivo, com complementação de voto, nos termos do parecer do relator. Participaram da votação nominal os Deputados
Marilu Guimarães, Roberto Jefferson, Lindberg Farias, Maria Elvira, Jorge Wilson, Severino Cavalcanti, Salvador Zimbaldi, Tuga Angerami, Jair Meneguelli, Sérgio Carneiro, Fernando Lyra, Fernando
Gonçalves, Fernando Gabeira, Wagner Salustiano, Philemon Rodrigues e Marta Suplicy. A documentação relativa ao projeto encontra-se reproduzida no Apenso deste livro, a final.
13
que bate às portas do terceiro milênio com mais intensidade. de atributos próprios que se conformem com a lei natural
Reaprender o significado de projeto de vida em comum é uma e a lei positiva.”
tarefa que incumbe a todos, num processo sacudido pelos Depois, no tocante à referida “segurança na prática
fatos e pela velocidade das transformações. Em momento da homossexualidade”, anota:
algum pode o Direito fechar-se feito fortaleza para repudiar “O projeto quer eliminar assim uma certa vergonha,
ou discriminar. O medievo jurídico deve sucumbir à visão um salutar sentimento de culpa, que poderiam levar a uma
mais abrangente da realidade, examinando e debatendo os mudança de vida, a uma continência sexual sustentada pela
diversos aspectos jurídicos que emergem das parcerias de graça, mesmo conservando a tendência desviada. Pois Deus
convívio e de afeto. Esse é um ponto de partida para desatar nunca falta àqueles que sinceramente desejam cumprir sua
alguns ‘nós’ que ignoram os fatos e desconhecem o sentido lei e pedem o seu auxílio. O projeto, pelo contrário, leva
de refúgio qualificado prioritariamente pelo compromisso os culpados a uma certa tranqüilidade dentro do pecado,
socioafetivo”. eliminando assim, quase completamente, a possibilidade de
O relator desse projeto, Deputado Roberto Jefferson, conversão.”
votando por sua constitucionalidade e o aprovando, no Acrescenta ainda o Deputado que o “caráter
mérito, nos termos do substitutivo pelo mesmo relator profundamente rejeitável do projeto” é o de albergar
oferecido e, adiante, por nós analisado, entende que “negar “um tríplice atentado contra a lei moral” (nos campos
aos homossexuais os direitos básicos surgidos” de sua individual, social e institucional) e o de “atrair a cólera
divina sobre o Brasil”, mostrando a posição da Igreja
“parceria equivale a repudiar os princípios constitucionais”,
Católica, concluindo:
a saber, “a dignidade da pessoa humana; a justiça e a
“Uma lei que promove, favorece e estimula a prática
solidariedade entre os homens; a não-discriminação de
de atos contra a natureza está em contraste total com a lei
qualquer espécie; e o respeito aos direitos humanos”.
natural. Portanto, não deve ser considerada como lei, mas
O Parecer da Comissão Especial não foi unânime,
sim como corrupção da lei. E, enquanto tal, ser repudiada e
mas entendeu pela constitucionalidade e pela aprovação
combatida; e jamais apoiada, acatada ou tolerada.”
do projeto, com as alterações do Substitutivo e da mesma Ressalte-se, nesse estágio, que a votação desse
Comissão. projeto, sobre a união civil de pessoas do mesmo sexo,
Cumpre destacar, neste passo, primeiramente, o não ocorreu na sessão da Câmara do dia 4 de dezembro de
entendimento contrário do Deputado Salvador Zimbaldi: 1997, por falta de quorum. A autora do projeto pedira para
“A desmoralização que se quer legalizar; o que fosse esse retirado de pauta, temendo a forte oposição
desmantelamento da família, com a instituição desta existente à época. Todavia, insistiam, os contrários a esse
aberração contrária à Natureza, que criou cada espécie com projeto, em que ocorresse sua votação.
dois sexos, afronta os mais comezinhos princípios éticos Em 1998 deveria ter sido votado esse projeto, em
da sociedade brasileira. Ao regulamentar tão estapafúrdia sessão extraordinária da Câmara, mas não foi, ante ameaça
situação, sem mesmo fazer-se uma pesquisa, consultando muito forte, principalmente por Deputados católicos e
a população sobre a viabilidade desta legalização, o evangélicos, de que seria boicotado o projeto de ajuste fiscal.
legislador está indo abalroar a consciência coletiva de O projeto sob estudo continua, portanto, sem
nossos cidadãos. Com a criação deste novo estado civil de andamento, ante esses fatos de acirrada oposição a ele e o
‘emparceirados registrados’ estar-se-á lançando a balbúrdia temor de sua autora de uma derrota.
nos meios jurídicos, além da imoralidade atentatória aos
nobres princípios da comunidade, e isto tão-somente 4.2 Análise do Projeto de Lei nº 1.151/95 e de
para beneficiar uma minoria. A lei assim como o Estado seu Substitutivo
brasileiro são laicos, bem o sabemos, entretanto não
podemos violentar o nosso povo, impingindo-lhe algo que Nessa trilha, passaremos à análise dos artigos do
repudia.” Projeto de Lei nº 1.151, de 1995, da Câmara dos Deputados,
Ao seu turno, com seu voto também contrário ao e de seu Substitutivo, adotado pela Comissão Especial,
Projeto, manifestou-se o Deputado Severino Cavalcanti, datado de 10 de dezembro de 1996.
sendo, adiante, destacados alguns trechos de seus Partirei dos artigos do aludido Substitutivo, que
comentários. melhorou a redação do Projeto originário, acrescentando
Primeiramente, quanto aos “direitos dos alguns dispositivos de real importância.
homossexuais”, declara ambígua a palavra “direito”, no Assim, no art. 1º assegura-se a duas pessoas do
Projeto, comentando: mesmo sexo o reconhecimento de sua “parceria civil
“O que existe, por pior que seja, não pode ser negado registrada”, objetivando, principalmente, a salvaguarda de
que exista, mas isto não lhe confere automaticamente um seus direitos de propriedade e de sucessão hereditária.
direito a essa existência. O fato de existir o crime não lhe Essa parceria constitui-se mediante registro em
outorga direito de existência. Assim, uma situação que livro próprio nos Cartórios de Registro Civil de Pessoas
existe de fato, não pode passar, por esta simples razão, a Naturais (art. 2º) com a apresentação dos documentos dos
uma situação de direito. Este só lhe é conferido em razão interessados enumerados no § 1º: declaração de serem
20
Álvaro Villaça Azevedo. Bem de família, com Comentários à Lei 8.009/90, Ed. Atlas, São Paulo, 6ª edição, 2010, p. 191.
25
RT 849/379.
26
TJSP, AI 6.337.424.100-SP, 4ª Câm. de Dir.Priv., rel. Des. Teixeira Leite, j. em 25.06.2009.
27
Apel. cív. 70.005.488.812, rel. Des. José Carlos Teixeira Giorgis, j. em 25.06.2003, in RBD Fam 31/92.
28
Apel. cív. 478.576-4/4, rel. Des. Ênio Santarelli Zuliani, j. em 01.02.2007; em sentido contrário TJSP, Apel. cív. 994.093.422.625 – Americana, 7ª Câm. de Dir. Priv., rel. Des. Luiz Antônio Costa, j.
em 16.12.2009; TJRS, Apel. cív. 70.026.584.698, 7ª Câm. Cív., rel. Des. José Conrado de Souza Júnior, pub. no DO de 05.06.2009, in RBDFS10/167, in Milton Paulo de Carvalho Filho, Código Civil,
cit., p. 1.984.
29
STJ, REsp 395.904-RS, rel. Min. Hélio Quaglia Barbosa, j. em 13.12.2005, publ. no Dj de 06.02.2006.
30
TJRJ, Apel. cív. 2005.001.44730, rel. Des. Jessé Torres, 2ª Câm. Cív., j. em 23.11.2005, in Tartuce e Simão ob. cit., 5ª ed. p. 304.
31
TJRJ, Apel. cív. 2007.001.04634, rel. Des. Marcos Alcino A. Torres. 16ª Câm. Cív., j. em 24.04.2007, in Tartuce e Simão ob. cit. 5ª ed. pp. 304 e 305.
32
RT 812/220 (Ag In 266.853.4/8, TJSP, 4ª Câm, rel. Des. Rebello Pinho, j. em 28.11.2002, v.u.; no mesmo sentido TJRJ, Apel. 10.704/2000, 3ª Câm, rel. Des. Antonio Eduardo F. Duarte, DORJ de
03.05.2001, j. em 07.11.2000.
33
Apel. cív. 70009550070, 7ª Câm. Cív., j. em 17.11.2004, in Boletim IBDFAM nov./dez./2008, Jurisprudência e Nota, p. 11, com voto vencido do Des. Sérgio Fernando de Vasconcellos Chaves.
34
Eleições 2004, http://noticias .terra.com.br/eleições2004/interna/0, OI394809-EI 2542,00. html, de 01.10.2004. Art.14, “7º- São inelegíveis, no território de jurisdição do titular, o cônjuge e os parentes
consanguíneos ou afins, até o segundo grau ou por adoção, do Presidente da República, de Governador de Estado ou Território, do Distrito Federal, de Prefeito ou de quem os haja substituído dentro dos
seis meses anteriores ao pleito, salvo se já titular de mandato eletivo e candidato à reeleição”.
35
TJRS, Apel. cív. 70012836755, 7ª Câm. Cív., rel. Des. Maria Berenice Dias, j. em 21.12.2005; TJRS, Emb. Infr. 70006984348, 4º Grupo de Câm. Cív., rel. Des. Maria Berenice, j. em 14.11.2003; TJRS,
Apel. cív. 70005345418, 7ª Câm. Cív., rel. Des. José Carlos Teixeira Giorgis, j. em 17.12.2003; in Tartuce e Simão, o.c., p. 306, 5ª edição.
36
TJMG, ACi com ReeNec 1.0024.06.930324-6/001-Belo Horizonte, 7ª Câm. Cív., rel. Des. Heloisa Combat, j. em 22.05.2007, v.u.; TJRJ, Apel. cív. 2005.001.34933, 8ª Câm. Cív., rel. Des. Letícia
Sardas, j. em 21.03.2006; in Tartuce e Simão, o. c., pp. 306 e 307, 5ª edição.
37
TJSP, CC 170.046.0/6, Ac. 3571525-SP, Câm. Especial, rel. Des. Maria Olívia Alves, j. em 16.03.2009, DJESP de 30.06.2009.
38
REsp 820.475-RJ, 4ª Turma, rel. Min. Antônio de Pádua Ribeiro, sendo rel. para o acórdão o Min. Luis Felipe Salomão, j. em 02.09.2008; no mesmo sentido TJRS, Apel. cív. 70.023.812.423, 8ª Câm.
Cív., rel. Des. Rui Portanova, j. em 02.10.2008.
39
STJ, Ag . Reg. no Ag. 971.466-SP, 3ª Turma, rel. Min. Ari Pargendler, j. em 02.09.2008.
19
Eleitoral, por seu pleno, reconheceu o relacionamento julgadas procedentes recentemente pelo Supremo Tribunal
homossexual de candidata à Prefeitura da cidade de Viseu, Federal e que são adiante analisadas.
no estado do Pará, com a atual prefeita dessa localidade, Restava, então, evidente a tendência de nossos
para declará-la inelegível em face do art. 14 da Constituição Tribunais à consideração da união homoafetiva como
Federal de 1988, cassando o registro dessa candidata34. instituto do Direito de Família, admitindo-se por analogia
Principalmente o Tribunal de Justiça do Rio Grande o preceituado nos arts. 1.725 e 1.790 do Código Civil, com
do Sul vem admitindo a união homoafetiva com os mesmos a admissão em tese do regime patrimonial da comunhão
elementos da união estável, constituindo uma célula parcial de bens, salvo contrato escrito, e do recebimento
familiar, para ser reconhecida35. Havendo outros Tribunais de herança pelo companheiro supérstite, quanto aos bens
que, também, admitem essa união, como o de Minas Gerais adquiridos onerosamente durante a união.
e do Rio de Janeiro36, com aplicação analógica das regras da Daí a possibilidade de adoção pelo casal
união estável e sob fundamento do princípio constitucional homossexual, como admitido pelo Tribunal de Justiça do
da dignidade da pessoa humana. Rio Grande do Sul por decisão pioneira de 05 de abril de
Sob os mesmos fundamentos, julgou o Tribunal de 200643.
Justiça de São Paulo, reconhecendo a união homoafetiva, Em 02 de setembro de 2008, admitiu o Superior
para fins previdenciários37 . Tribunal de Justiça a possibilidade jurídica do pedido de
Caso muito importante e citado é o do Superior reconhecimento de união homoafetiva.
Tribunal de Justiça38 que admite que a lei ao possibilitar a A Quarta Turma desse Tribunal determinou que
união estável entre homem e mulher, não proibiu a união a Justiça Fluminense retomasse o julgamento de ação
entre dois homens ou duas mulheres, desde que tenha os requerida por homossexuais, que tinha sido julgada sem
mesmos requisitos daquela união. análise do mérito. O julgamento foi de 3 votos a 2, com
A união homoafetiva, gerando direitos analógicos o voto de desempate do Ministro Luís Felipe Salomão.
à união estável permite seja incluído o companheiro Os Ministros Pádua Ribeiro (relator) e Massami Uyeda
dependente em plano de assistência médica do outro39, votaram a favor do pedido, que fora também negado
devendo haver partilha de bens adquiridos pelos parceiros, pelo Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, e os Ministros
com direito recíproco a alimentos, sendo o feito julgado em Fernando Gonçalves e Aldir Passarinho Júnior que
varas de família40. entenderam que a Constituição Federal só permite união
Registre-se, ainda, a proposição do Governador do estável entre homem e mulher como entidade familiar44,
Estado do Rio de Janeiro, em fevereiro de 2008, junto ao conforme noticiado.
Supremo Tribunal Federal, de uma Ação de Arguição de Essa citada notícia destaca, ainda, que o direito
Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF 132- patrimonial de casais do mesmo sexo não é novidade
RJ)41, no sentido de aplicar-se às uniões homoafetivas o no STJ, mencionando-se jurisprudência sobre várias
regime das uniões estáveis. Nesse pedido, alegou-se a situações: direito do parceiro receber metade do patrimônio
violação de preceitos fundamentais constitucionais, como obtido pelo esforço comum45; direito de receber pensão
o direito à igualdade (art. 5º, caput), o direito à liberdade, previdenciária por morte do companheiro falecido46;
do qual resulta a autonomia da vontade (art. 5º, inciso colocação de dependente em plano de saúde47.
II), o princípio da dignidade da pessoa humana (art. 1º, Havia toda uma tendência de nossos Tribunais, a
inciso III) e o princípio da segurança jurídica (art. 5º, considerar a união homoafetiva no âmbito do Direito de
caput). Em seu pedido o Governador relata as dificuldades Família, com os benefícios de união estável.
do Estado na concessão administrativa a homossexuais Ressalte-se, atualmente, no âmbito da segunda
de licenças em razão de doenças de pessoa da família e corrente analisada, o projeto de lei apresentado pelo
de auxílio doença e assistência médico hospitalar, entre Deputado Sérgio Barradas Carneiro, elaborado pelo
outros posicionamentos. Tudo com parecer favorável da IBDFAM, conhecido como Estatuto das Famílias (Proj. de
Advocacia geral da União, para anulação das decisões do lei 2.285, de 2007).
TJRJ, à época de lavra de José Antonio Dias Tofolli, hoje Esse projeto mostra uma tentativa válida de criar o
Ministro do Supremo Tribunal. Em 2009, a Procuradoria Estatuto próprio do Direito de Família, destacando-o dos
Geral da República ajuizou outra ADPF (178-DF)42, com o livros, que compõem o Código Civil.
mesmo objetivo, convertida na ADI 4.277-DF, que foram Todavia, no que se refere à matéria relativa às
40
TJRS, Apel. cív. 70.021.908.587, 7ª Câm. cív., rel. Des. Ricardo Raupp Ruschel, j. em 05.12.2007.
41
In Flávio Tartuce e José Fernando Simão, ob. cit., p. 309, 5ª edição.
42
Idem
43
Apel. cív. 70013801592 – Bagé, 7ª Câm. Cív., r. o Des. Luiz Felipe Brasil Santos, com a participação dos Desembargadores Maria Berenice Dias (Presidente) e Ricardo Raupp Ruschel.
44
Disponível em: http://www.ibdfam.org.br/?noticias¬icia=2636, em 04.09.2008.
45
STJ, REsp 148897, rel. Min. Ruy Rosado de Aguiar, de 1998.
46
STJ, REsp 395904, 6ª Turma, rel. Min. Hélio Quaglia Barbosa j. em 13.12.2005; ver, ainda, decisão do STF, deferindo direitos previdenciários ao parceiro homossexual, Origem Pet 1984-RS, rel.
Min. Marco Aurélio, publ. no DJ de 20.02.2003, j. em 10.02.2003; recentemente o STJ estendeu esses direitos previdenciários à previdência privada, REsp 1.026.981-RJ, rel. Min. Nancy Andrighi, j.
em 04.02.2010.
47
STJ, REsp 773136, rel. Min. Humberto Gomes de Barros.
21
7. Minha atual posição Depois, a matéria foi incorporada ao Código Civil,
tendo a união estável recebido o respeito e a aprovação de
Com todas as decisões que se originaram de nossa sociedade, que reprovara, antes, a união concubinária
nossos Tribunais a culminar com o julgamento recente pura.
de nosso Supremo Tribunal Federal, reconhecendo a Atualmente, a grande defesa da união homoafetiva é
união homoafetiva como entidade de direito de família sua equiparação à união estável, que acolhe especificamente
equiparando-a em certas regras, analogicamente, com a a convivência heterossexual.
união estável, admitiu-se uma realidade social brasileira A consideração atual de que as regras da união
e mundial, que vem acontecendo e da qual não podemos estável devem ser aplicadas analogicamente à união
fugir. homoafetiva foi o entendimento do Supremo Tribunal
Assim, também o meu enfoque sobre a matéria Federal ao interpretar o art. 1.723 do Código Civil, diante
sofreu alguma alteração, que merece ser, nessa feita, dos casos concretos que foram apresentados à decisão.
esclarecido. Todavia, além dessa interpretação da Corte
A proteção que sempre dediquei à união homoafetiva Suprema, é melhor encarar a união homoafetiva como um
como sociedade de fato sofre uma transformação a instituto jurídico autônomo dentro do contexto enunciativo
considerá-la atualmente como união de caráter familiar. do art. 226 da Constituição Federal, já que esse Tribunal
Assim aconteceu, também, porque o posicionamento social Supremo considerou essa convivência como entidade de
mudou, colocando em ostentação a convivência de pessoas Direito de Família.
do mesmo sexo que existia em verdadeiro anominato. Bem apreendeu esse espírito o Ministro Ricardo
Não pode o jurista fugir à realidade. Lewandowski quando referiu em seu cuidadoso e profundo
O mero comportamento homossexual que sempre voto, meu entendimento52: “Nesse sentido, aliás, observa o
existiu na humanidade, mostra-se, atualmente, como Professor Álvaro Villaça Azevedo que: “(...) a Constituição
núcleos familiares, que merecem o respeito da sociedade, de 1988, mencionando em seu caput que a família é a ‘base
que, em principio, mostra-se hostil a essa convivência, da sociedade’, tendo ‘especial proteção do Estado’, nada
como em outras situações mostrou-se no passado. mais necessitava o art. 226 de dizer no tocante à formação
Assim aconteceu, com o repúdio à ideia do divórcio familiar, podendo o legislador constituinte ter deixado de
e com a convivência concubinária pura (não incestuosa e discriminar as formas de constituição da família. Sim
não adulterina), em que viviam pessoas desquitadas aos porque ao legislador, ainda que constituinte, não cabe dizer
olhos críticos da sociedade, principalmente as mulheres que ao povo como deve ele constituir sua família. O importante
sofriam discriminações sociais pela sua condição de serem é proteger todas as formas de constituição familiar, sem
desquitadas e mal vistas como de mal comportamento. dizer o que é melhor”.
Restos de um machismo que agoniza atualmente, Desse modo, enquanto não for a matéria objeto da
depois do reconhecimento paulatino dos direitos da mulher, legislação própria, a união homoafetiva irá recebendo a
principalmente a partir da Lei nº 4.121, de 27 de agosto de proteção como se fosse união estável, com os beneplácitos
1962, conhecida como Estatuto da Mulher Casada. dos arts. 1.723 a 1.725.
No tocante ao concubinato puro, muito lutei pela Não poderão, entretanto, os companheiros
sua defesa, que culminou com a publicação de minha tese homoafetivos converter sua união em casamento, nos
intitulada do Concubinato ao Casamento de Fato, publicada moldes do art. 1.726 do Código Civil, a não ser que seja
um ano e meio antes da Constituição Federal de 1988. entendida a posição do Supremo Tribunal Federal, como
Com esforço meu muito grande junto ao Relator da equiparação total das duas uniões. Ai, então, o Supremo
Constituinte, então Senador Bernardo Cabral, foi incluído Tribunal Federal estará autorizando essa conversão,
o concubinato puro (como era por mim chamado) no texto criando assim, o casamento homoafetivo por conversão,
da mesma Constituição, no § 3º de seu art. 226, com o suprindo a legislação competente pelo Poder Legislativo.
nome de união estável. Muitos juízes vem, atualmente, sob interpretação
O anteprojeto de lei que elaborei na aludida tese desse julgado pelo Supremo Tribunal Federal, admitindo
foi utilizado como Projeto de Lei, nº 1.888 de 1991, pela a conversão de uniões homoafetivas em casaemtno, com
Deputada Beth Azize, com o apoio constante do grupo aplicação analógica do art. 1.726 do Código Civil, como
CFEMEA, de Brasília, e que se transformou na Lei nº uma decisão em São Paulo e outra em Brasília.
9.278, de 10 de maio de 1996.
52
Álvaro Villaça Azevedo, Estatuto da Família de Fato cit., p. 240.
23
Comportamentos de fazer e de não fazer na prestação alimentícia
Resumo: O presente artigo tem o objetivo de destacar a importância dos comportamentos de fazer e de não fazer no
cumprimento da prestação alimentícia, como complemento do cumprimento dessa obrigação por meio de prestação
pecuniária. Para justificar a proposta aqui apresentada, foram analisados os seguintes aspectos: o simbolismo contido
na palavra alimento, a expressão familiar e o afeto contidos na prestação alimentícia, a Psicologia, o Direito e o
comportamento das pessoas, o pensar, o sentir e o agir humanos, o direito subjetivo e o agir do ser humano, o afeto
envolvido no comportamento familiar da prestação alimentícia, localização e compreensão do instituto jurídico dos
alimentos no Código Civil Brasileiro e modalidades das obrigações e a prestação alimentícia.
1. O simbolismo contido na palavra alimento repercutem duas percepções humanas transportadas para as
leis: o direito à vida e o direito ao bem estar advindo da
No seu mais tradicional significado gramatical, prática da solidariedade.
alimento é toda substância que, ingerida por um ser vivo,
lhe dá sustento e nutrição, possibilitando-lhe a vida. É por este motivo que, em determinado momento
Ao ser utilizada no plural, além de indicar uma flexão das relações sociais, bastava para as pessoas que o direito
de número, a palavra alimentos ganhou um significado assegurasse a vida biológica. A penalidade prevista
simbólico, ou seja, recursos considerados indispensáveis para quem matar alguém foi uma das expressões mais
ao sustento de quem, estando impossibilitado de os prover, consagradas destas percepções. A obrigação familiar de
deles necessitar para suprir a obtenção de alimentação, disponibilizar alimento para seus integrantes foi outra.
habitação, vestuário, assistência médica e educação, dentre A evolução da expectativa das pessoas em relação à
outras necessidades. Referidos recursos são devidos por vida ampliou as exigências sociais incorporadas pelo direito
pessoas mencionadas na lei e ligadas por laços familiares a no sentido de assegurar a efetivação dessa expectativa.
quem estiver impossibilitado de provê-los. Assim, não basta somente viver. Será necessário
Qual o motivo deste significado simbólico? O que viver bem, com dignidade. Não basta mais somente o
teria levado as pessoas a utilizar a palavra alimentos, ou “prato de comida”, o alimento. Será necessário acrescentar
seja, aquilo que se come para poder viver, com o significado nas previsões da lei a exigência do atendimento a outras
ampliado de comida, estudos, lugar para morar, roupas necessidades.
para vestir e assim por diante? A sociedade exigiu e as leis elaboradas pelos órgãos
Respostas a estas perguntas, a partir de uma legislativos competentes atenderam a exigência. Além da
verificação moral e ética das relações entre as pessoas substância que dá sustento ao ser humano vivo, ou seja,
na sociedade, podem permitir interpretações das palavras além do alimento, será preciso disponibilizar habitação,
contidas nas previsões legais sobre alimentos e dos fatos vestuário, assistência médica, educação e assim por diante,
que concretizam estas previsões as mais próximas possíveis a quem necessitar.
dos desejos desta sociedade contidos, mas não expressos Para não haver dúvidas quanto ao alcance desta
na lei. exigência, é permitido entender que a doutrina jurídica
A necessidade de “um prato de comida” como utilizou-se da força da expressão inicial contida na palavra
pressuposto de vida e a solidariedade humana contida na alimento para identificar direito de morar, vestir-se, ter
atitude espontânea de tantas pessoas no sentido de não atendimento médico, estudar e assim por diante.
deixar “faltar um prato de comida” a quem dele necessitar, Desta maneira, alimentos passaram a significar
24 Revista Juris da Faculdade de Direito, São Paulo, v.5, jan/junho. 2011.
comida, moradia, roupa, escola e hospital. diminuição ou extinção da obrigação alimentar, é possível a
E o dever de disponibilizar moradia a quem dela revisão do encargo, nos moldes do art. 1.699 do Código Civil.
necessite e não tenha meios para tanto um dever tão Todavia, como bem ensina o art. 1.694, §1º do Código Civil,
exigível como a alimentação. Igualmente em relação ao os ALIMENTOS devem ser fixados na proporção das
dever de disponibilizar escola, roupas, atendimento médico necessidades do alimentando e dos recursos econômico-
e, em palavras conclusivas, tudo aquilo que for necessário financeiros do alimentante. Recurso improvido.
para uma vida digna.
Tribunal de Justiça do Estado de Mato Grosso.
Para que o sistema legal atenda com efetividade 140340. Habeas Corpus. Julgamento: 29/04/2009.
os desejos da sociedade contidos nos textos das leis, Des. Maria Helena G. Póvoas – Segunda Câmara
as expressões alimentos e vida digna deverão ser Cível.
compreendidas como conceitos jurídicos indeterminados, É legítima a decretação da prisão civil do alimentante
cujo verdadeiro alcance será verificado em cada caso inadimplente que não paga dívida correspondente às 3
concreto submetido à apreciação do Poder Judiciário. (três) últimas parcelas cobradas em ação de execução de
Conheça ou reveja as seguintes manifestações de alimentos, bem como pelas prestações alimentícias não
nossos Tribunais sobre o assunto alimentos e identifique pagas no curso do processo. A ausência ou não de condições
nas mesmas o reconhecimento das sugestões acima. financeiras do Paciente para o cumprimento da obrigação
alimentar foge à esfera de cognição do habeas corpus.
Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo
520.319-4/2-00. Agravo de Instrumento. A expressão familiar e o afeto contidos na prestação
Des. José Roberto Neves Amorim alimentícia
Alimentos provisórios. Obrigação imposta aos 2.1. A Psicologia, o Direito e o comportamento das
avós. Impossibilidade. Ausência de prova a respeito pessoas
da incapacidade financeira dos próprios genitores.
Condenação dos demais parentes autorizada apenas em * A partir de textos construídos pelo autor em sua
caráter excepcional. Precedentes jurisprudenciais. Decisão tese de doutorado mencionada na bibliografia.
mantida. A psicologia é uma disciplina que tem por objeto a
alma, a consciência ou os eventos característicos da vida
Tribunal de Justiça do Estado do Rio de animal e humana, nas várias formas de caracterização
Janeiro. de tais eventos, com o fim de determinar sua natureza
2009.002.21492. Agravo de Instrumento. específica. (ABBAGNANO, Nicola. Dicionário..., p. 809).
Julgamento: 28/08/2009. Prosseguindo na conceituação acima, Nicola
Des. Marília de Castro Neves - Décima Câmara Abbagnano esclarece que esses eventos podem ser
Cível. considerados como puramente mentais (fatos da
Agravo de Instrumento. Alimentos. Fixação dos consciência) ou como eventos objetivamente observáveis
provisórios em valor justo e razoável. Atendimento do (comportamentos), delimitando o campo da psicologia aos
binômio necessidade-possibilidade. Valor ora determinado fenômenos característicos dos organismos animais, em
se mostra adequado para atender as necessidades da especial o homem.
alimentanda, até que seja concluída a fase de cognição, onde É certo identificar nesses comportamentos humanos
será apurado o valor mais consentâneo com a realidade e a que resultam de uma escolha processada na consciência,
efetiva necessidade das partes envolvidas. Recurso a que se objeto de estudo da psicologia, os mesmos comportamentos
nega seguimento na forma do artigo 557 caput do Código humanos objeto do estudo do direito, enquanto fatos
de Processo Civil. jurídicos humanos voluntários, ou seja, acontecimentos
que dependem da vontade e do comportamento humanos,
Tribunal de Justiça do Estado de Santa Catarina. previstos em lei, em decorrência dos quais nasce, modifica-
2009.035378-8. Apelação Cível. Julgamento: se, extingue-se ou subsiste uma relação jurídica, a categoria
06/08/2009. básica do direito, que é um vínculo entre pessoas que incide
Des. Eládio Torret Rocha – Quarta Câmara Cível. sobre bens.
Havendo alteração na situação financeira das partes É certo, ainda, que esses comportamentos, quando
ou qualquer outra justificativa plausível para majoração, resultado de uma vontade conscientemente processada em
25
um ambiente familiar afetivo, tendem a resultar em ações Porém, a verdadeira denominação deste conjunto de
adequadas, prestigiadas pela ordem jurídica e úteis para as normas jurídicas vigentes é direito objetivo.
pessoas que integram o meio social em que eles ocorrem, Cada uma delas representa um imperativo
ações estas desejáveis para os fins do direito enquanto autorizante (TELLES JÚNIOR, Goffredo. Iniciação na
técnica da coexistência humana. ciência do direito, p. 43), uma autorização, uma permissão
para ter, não ter, fazer ou não fazer alguma coisa e também
O pensar, o sentir e o agir humanos autorização para pleitear junto aos órgãos competentes a
reparação do dano causado pelo comportamento de alguém
Estas são as três áreas da estrutura das pessoas. que descumpra o que nelas estiver estabelecido.
Consideremos o pensamento como a atividade Esta autorização ou permissão dada por meio de
do intelecto em geral, ou seja, a faculdade de pensar ou normas jurídicas denomina-se direito subjetivo, também
uma técnica particular de pensar. Esta atividade é distinta conhecido como o poder que advém da norma.
da sensibilidade e da atividade prática. Quando estamos Conforme Maria Helena Diniz (Curso de direito
pensando, somos sabedores do que acontece em nós. O civil brasileiro, 1 v., p. 14), os comportamentos importam
pensamento representa as coisas que estão fora de nós. em significativa expressão de subjetivismo, que percorrem
Nicola Abbagnano (Obra citada, p. 751) refere-se um itinerário psíquico onde se distinguem os momentos da
a Platão, que dizia: quando a alma, que é o princípio da solicitação (o cérebro recebe o estímulo do meio exterior),
vida, da sensibilidade e das atividades espirituais, pensa, da deliberação (pensamentos e sentimentos atuam sobre o
ela está discutindo consigo mesma por meio de perguntas acontecido) e da ação (a pessoa toma uma atitude).
e respostas, afirmações e negações. Quando, mais tarde, É a propósito da deliberação comportamental acima
decidimos a respeito disto, a alma chegou a uma opinião, referida, quando tomada em função de permissões dadas por
ou seja, pensamos. meio de normas jurídicas que envolvem deveres impostos a
Em outra área da estrutura das pessoas, encontramos integrantes da família em relação a prestações alimentícias,
o sentimento, que é a fonte das emoções, o princípio dos que vamos tecer as considerações que seguem.
afetos (sentimentos ternos de adesão por alguém) e das
afeições (sentimentos amorosos em relação a alguém). 2.2. O afeto envolvido no comportamento familiar
Aceitar o sentimento como uma fonte autônoma de da prestação alimentícia
emoções significa reconhecer que a subjetividade humana
não se reduz a um conjunto de elementos objetivos e não O direito não é só uma coisa que se conhece, é
está sujeita a modificações passivas produzidas por esses também uma coisa que se sente (BARRETO, Tobias.
elementos (ABBAGNANO, Nicola. Dicionário..., p. 874). Introdução ao estudo do direito, p. 38).
Este reconhecimento caracteriza os primórdios da filosofia É certo afirmar que o senso jurídico é um fato
moderna. psicológico de observação quotidiana, que se manifesta
Na última destas áreas da estrutura das pessoas, pelo sentimento do próprio direito e pelo sentimento
vamos encontrar considerar o agir, que é sinônimo de daquilo que é o direito alheio.
comportamento, de atitude, ou seja, é toda resposta do ser Segundo Tobias Barreto (Obra citada), o sentimento
humano a estímulos uniformes que sejam objetivamente do próprio direito é uma das bases do caráter e o sentimento
observáveis por qualquer meio, que inclui a antecipação de do direito alheio uma das fontes da virtude. Assim, quem é
pensamentos, sentimentos e escolha. É a face externa das justo sente, além do próprio, o direito dos outros e procede
pessoas, informada por processos internos de pensamentos de acordo com tal sentimento.
e sentimentos. A família, reconhecida atualmente como base da
Com estes esclarecimentos, podemos avaliar a base sociedade brasileira, sempre representou, ao longo da
racional e sentimental dos comportamentos das pessoas que história de toda a civilização, uma fonte inesgotável de
concretizam previsões contidas na lei, ou seja, podemos senso jurídico marcado pela preponderância da virtude
avaliar a base racional e sentimental dos fatos jurídicos. em relação ao caráter, ou seja, no ambiente familiar, a
percepção do direito do outro prevalece em relação ao
O direito subjetivo e o agir do ser humano direito próprio.
É este desprendimento que proporcionou a sólida
Popularmente, o direito é confundido com o construção social e jurídica dos contornos da maternidade,
conjunto das leis vigentes. da paternidade e da fraternidade.
27
O direito a alimentos pode não ser exercido, mas é que prestação alimentícia é o comportamento capaz de
irrenunciável, insuscetível de cessão, de compensação e de levar ao cumprimento do dever de prestar alimentos, ou
penhora; seja, do dever de prover de comida, estudos, lugar para
Casamento, união estável, concubinato e morar, roupas para vestir e assim por diante, a pessoa que
procedimento indigno do credor em relação ao devedor de necessitar destes bens e estiver impossibilitada de assumir
alimentos fazem cessar a obrigação; as suas obtenções.
O novo casamento do cônjuge devedor não extingue O nosso Código Civil, como dito anteriormente,
a obrigação constante de sentença de divórcio. estabeleceu que a obrigação alimentícia poderá estar
representada por uma prestação de dar (dinheiro) ou,
As modalidades das obrigações e a prestação somente se o beneficiário for menor, pelo oferecimento,
alimentícia além de outras necessidades pecuniárias designadas como
sustento, de hospedagem, que pode caracterizar obrigação
Direito das obrigações é o conjunto de disposições de fazer, sempre que entendermos hospedagem somente
legais que regulam relações jurídicas de ordem patrimonial, como oferta de serviços de instalação e acolhimento do
que têm por objeto prestações do devedor em proveito do beneficiário na casa onde mora o devedor da prestação.
credor. Como se vê, a preferência do legislador pelo
Obrigações são relações jurídicas de caráter cumprimento da obrigação alimentícia por meio de uma
transitório, mediante as quais uma pessoa fica obrigada prestação de dar, ou seja, de entregar coisa economicamente
a dar, fazer ou não fazer alguma coisa economicamente apreciável e de expressão pecuniária, foi escancarada.
apreciável em proveito de outra. Em sentido contrário, pergunta-se: seria
A relação jurídica obrigacional vincula as pessoas possível e recomendada a utilização mais freqüente de
do devedor e do credor transitoriamente, porque é da sua comportamentos de fazer e de não fazer para o cumprimento
natureza o propósito de lhe dar cumprimento, levando-a à da prestação alimentícia?
extinção. Ela é passageira. Sim, deve ser a resposta. Tanto para prestação de
As modalidades básicas das obrigações, como se fazer como de não fazer.
vê no conceito acima, são as obrigações de dar (entregar O comportamento de fazer pressupõe um
ou restituir coisa), fazer e não fazer. Elas podem assumir envolvimento maior da pessoa que vai prestar alimentos.
outras modalidades secundárias, como dar uma coisa ou Pelo menos, a parcela não pecuniária da prestação. Imagine
outra (obrigação de dar alternativa), entregar um animal o filho cumprindo a prestação alimentícia devida ao pai por
de raça para a prática de esportes (obrigação de dar meio de dois comportamentos. Um, de dar, representado
indivisível), ministrar um curso em várias aulas (obrigação pela disponibilização do dinheiro necessário para prover as
de fazer divisível), pagar toda a dívida mesmo sendo dois necessidades pecuniárias. Outro, de fazer, representado, por
os devedores (obrigação de dar solidária), não se instalar, exemplo, pelo comportamento de levar o pai às consultas
durante certo tempo, com atividade comercial concorrente médicas regulares, ali permanecendo ou retornando para
nas proximidades da atividade transmitida a terceiro apanhá-lo.
(obrigação de não fazer) e assim por diante. O comportamento de fazer para cumprimento
Prestação é o comportamento humano capaz de da prestação alimentícia pode assumir incontáveis
levar ao cumprimento da obrigação e, como se depreende contextualizações: pai médico atendendo consultas
do que ficou dito acima a respeito das modalidades básicas, periódicas de filho credor de alimentos, filho massagista
trata-se de um comportamento que assumirá o caráter de atendendo mãe com dores regulares, irmão professor
entregar ou restituir alguma coisa, fazer alguma coisa ministrando aulas de reforço para irmão estudante, ex-
ou não fazer alguma coisa, conforme seja a natureza da marido médico fazendo aplicação regular de botox na região
obrigação assumida. dos olhos de ex-mulher portadora de distonia (espasmos
A propósito, no seu significado jurídico, coisa é musculares involuntários), mãe separada indo buscar filho
tudo o que existe na natureza, com exceção do ser humano, na escola de inglês, ex-mulher devedora de alimentos para
que possa servir de objeto a uma relação jurídica. ex-marido com deficiência física indo ao supermercado
Ajustando a apresentação dos conceitos acima fazer as compras, ou seja, atendendo a parte pecuniária e
ao assunto objeto do presente item (as modalidades das a não pecuniária da prestação alimentícia devida ao ex-
obrigações e a prestação alimentícia), podemos assumir marido, neto indo mensalmente ao cinema com o avô que
Bibliografia
ABBAGNANO, Nicola. Dicionário de filosofia. 4 ed. São Paulo: Martins Fontes, 2000.
BARRETO, Tobias. Introdução ao estudo do direito. São Paulo: Landy, 2001.
DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro. 17 ed. São Paulo: Saraiva, 2002, 1 v.
PIVA, Rui Carvalho. Tese de Doutorado. PUC/SP. 2003.
TELLES JÚNIOR, Goffredo. Iniciação na ciência do direito. São Paulo: Saraiva, 2001.
29
Sustentabilidade nos Hoteis de selva da Amazônia
Resumo: O desenvolvimento sustentável deveria ser o norte de todo o empreendimento que se queira implantar e possa
trazer alguma espécie de impacto ao ambiente. Pelo sistema constitucional e legal (Lei 6938/81), as entidades federativas
podem exigir de todas as atividades potencialmente poluidoras a respectiva licença ambiental.Este artigo pretende
informar como o Hotel Ariaú, localizado no complexo das ilhas Anavilhanas, na circunscrição de Manaus, Amazonas,
no Rio Negro, logrou, após sucessivas tentativas, adequar-se às especificações dos órgãos ambientais em termos de
transformação de resíduos sólidos e líquidos. Esta pesquisa será do tipo bibliográfica. Aqui se buscará, por meio de
entendimentos doutrinários, um equacionamento do problema em questão, a fim de tornar inteligíveis os pontos debatidos
no desenvolvimento do estudo. Também será analisado o Estudo de Impacto Ambiental que deu azo à licença que
viabilizou a finalização da obra. Os autores apresentaram este estudo no XIV Congresso Ibero americano de Urbanismo,
com o apoio da FAAP.
1 Terapia complementar de tratamento de saúde para pessoas com necessidades especiais. Disponível em : http://anadelfs.blogspot.com/2011/01/bototerapia-hotel-ariau-manaus-am.html, consultada
em 20.04.2011.
2 Disponível no site, consultado em 20-4-2011. http://www.teclim.ufba.br/site/material_online/monografias/mono_maria_a_de_a_macedo.pdf
31
que envolvam Hotel, Comunidade, Poder Público, e gera intercâmbios proveitosos do ponto de vista social e
fornecedores, funcionários e hóspedes; cultural.7
Estimular e viabilizar projetos que estimulem A altitude média do Município de Iranduba,
fornecedores para o desenvolvimento de embalagens próximo a Capital do Amazonas, nos termos da sondagem
e produtos compatíveis à gestão ambiental do Hotel, do CODEAMA (1992), é de aproximadamente 30 (trinta)
diminuindo a produção de resíduos sólidos; metros acima do nível do mar. O terreno da superfície é de
Conscientização dos Novos Hóspedes da Natureza 30 metros acima do nível do mar. Compõe o terreno local
e principalmente da população nativa permanente, para de terraços, planícies e restingas de inundação ou várzeas,
usufruir, dentre outros, da fauna e flora local de forma que estão sujeitas a alagação periódica durante as cheias.8
sustentável. O Hotel, inaugurado em 1986, foi construído sobre
palafitas nas copas das árvores. As habitações seguiram
3.2 Experiências Reais o modelo local de casas de selva, com escadas para nelas
ingressar. Existem 8 torres minuciosamente escolhidas
O maior estado-membro brasileiro é o Amazonas. de forma a se ter privilegiada visão da Selva e sua flora e
Nele está a famosa Floresta Amazônica, não somente fauna. O empreendimento está compreendido na unidade
importante pela sua biodiversidade, mas por sua fauna e de conservação estadual, a 6 km de distância do Parque
flora, muito diversificadas. Também aí está situada a maior Nacional de Anavilhanas.
bacia hidrográfica do Planeta formada pelo Rio Negro e
Rio Amazonas. 4 – Normas e Atos Reguladores
Nas palavras de Ozório Fonseca, a evolução
biogeoquímica da Terra fez com que a maior diversidade A gestão ambiental é proveniente da necessidade
biológica do Planeta surgisse em nosso País. “A Natureza de se ordenar as atividades humanas, a fim de que haja o
proporcionou essa situação privilegiada e cabe a nós a menor impacto possível no ambiente. Essa gestão inicia-
tarefa de gerenciar esse recurso natural, que só tem sentido se com a escolha da melhor técnica a ser empregada, o
se for usado para o bem da espécie humana”. 3 cumprimento dos dispositivos legais vigentes e a alocação
O Arquipélago de Anavilhanas, formado por cerca adequada de recursos financeiros e humanos.
de 400 ilhas e localizado a cerca de 40 quilômetros de A forma empresarial de gestão é aquela destinada
Manaus (AM), é um dos parques nacionais brasileiros. as organizações, instituições e empresas. Pode ser
É Unidade de Proteção Ambiental e parte integrante da definida como sendo um conjunto de políticas e práticas
Reserva da Biosfera da Amazônia Central4. A lei que o alça administrativas e operacionais que levam em consideração
à categoria de parque foi sancionada pelo então presidente a saúde, a segurança das pessoas, a proteção do meio
da República no final de outubro de 2008. 5 ambiente por meio da eliminação ou minimização de
Anavilhanas é o segundo maior arquipélago impactos e danos ambientais decorrentes do planejamento,
fluvial do mundo, situado no rio Negro, no município de a implantação e operação, entre outros atos relacionados
Novo Airão, estado do Amazonas. As inúmeras ilhas que ao estabelecimento do projeto .
compõe sua formação alongada estão incólumes e com a Da mesma forma, entende IBAÑEZ, nos termos da
cobertura da floresta tropical amazônica. Esse complexo jurisprudência constitucional espanhola que “a ordenação
insular forma uma rede de canais que representam uma territorial deve fixar os destinos e usos do espaço físico
experiência única quanto à ambientes fluviais no mundo ou em sua totalidade, assim como ordenar e distribuir
e na Amazônia. Observa-se nesse trecho do Rio Negro um valoradamente as ações públicas sobre o território e
comprimento especial de 60 km, que abriga uma estação infra estruturas, reservas naturais, extensões ou áreas de
ecológica estadual de Anavilhanas6. influência dos núcleos de população, comunicações etc.” 9
O Hotel de Selva Ariaú, localizado na margem Com o objetivo de recuperar os impactos ambientais
esquerda do Rio Ariaú, é um dos maiores e mais antigos decorrentes dos resíduos sólidos, o Hotel de Selva Ariaú
empreendimento de ecoturismo da Amazônia . Ainda, nas elaborou um Plano de Recuperação de Área Degradada
palavras de Ozório Fonseca, o turismo é apontado como – PRAD, de forma a se estabelecer critérios técnicos
fundamental na perspectiva do desenvolvimento regional, capazes de mitigar danos naquela área. O PRAD levou em
pois além de propiciar entrada de recursos, aproxima povos consideração as normas do Código Florestal, Lei 4771/65,
3
FONSECA, Ozório José de Menezes. Amazonidades. Manaus: Gráfica e Ed. Silva, 2004, p. 22.
4
Atualmente, de acordo com a visitação turística da região, dera ela ter caráter educativo, conforme determina o antigo Plano de Manejo da Unidade, que se encontra em processo de atualização. As áreas
abertas aos visitantes são restritas. Vide informação completa disponível no site: http://www.icmbio.gov.br/o-que-fazemos/visitacao/ucs-abertas-a-visitacao/32-parques-nacionais/212-parque-nacional-
anavilhanas. Consultado em 20-4-2011.
5
A Comissão de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável aprovou, o Projeto de Lei 6409/05, do Senado, e se transformou a Estação Ecológica de Anavilhanas, no Amazonas, em Parque Nacional
de Anavilhanas. A estação ecológica é uma unidade de conservação da natureza cuja área é representativa de um ecossistema e é destinada à realização de pesquisas científicas básicas e aplicadas de
Ecologia, à proteção do ambiente natural e ao desenvolvimento da educação conservacionista.
6
Decreto n.º 86.061 de 02.06.1981.
7
Op. Cit. Página 149.
8
http://www.amazonia.org.br/guia/detalhes. Extraído em 16.09.2010.
9
IBAÑEZ, Santiago Ganzález-Varas. Urbanismo y ordenacion del território Navarra: Ed. Aranzadi.2004, página 27
10
MILARÉ, Edis. Direito do ambiente: a gestão ambiental em foco. São Paulo: Ed. RT, 2009, página 420.
11
Disponível em: www.ecotourism.org, acessada em 20-04-2011.
12
FIORILLO, Celso Antonio Pacheco. Curso de direito ambiental brasileiro. São Paulo: Malheiros, 2010, páginas 112-117.
33
7 – Conclusões Os hotéis de selva na Amazônia estão crescendo
em número e qualidade. A inspeção tem sido cada vez
A Região Amazônica é rica em recursos naturais. mais rígida, de forma a gerar maior segurança aos que lá
Ainda mantém praticamente incólume sua estrutura, estão e também assegurar o mínimo de impacto ambiental.
mesmo diante da devastação causada pelas reiteradas Existem ainda alternativas capazes de auxiliar a população
queimadas, extração clandestina de madeira e uso como local (índios), sem contar com a geração de trabalho,
pasto para criação de gado. hospital e transporte até a capital.
A exploração de recursos naturais deve possuir As atividades ecoturísticas devem obedecer a
licenciamento ambiental regulamentado pela Lei 6938/81, um grande número de exigências estabelecidas por
também objeto de diversas resoluções do CONAMA, órgão normas ambientais, a fim de evitar um impacto local
ambiental brasileiro pertencente ao SISNAMA – Sistema desproporcional. Isso, inclusive, com a limitação do
Nacional do Meio Ambiente. As licenças necessárias, cuja número de hospedes, restrições no emprego de animais
natureza jurídica é de autorização, foram devidamente para finalidades terapêuticas, indicação determinada do
obtidas e o empreendimento tem capacidade para se manter local indicado para passeios ecoturísticos, inclusive com
em funcionamento de maneira sustentável. Na verdade, o especificação de caminhos determinados para viabilizar
empreendimento deve enquadrar-se nos planos nacionais, visitas locais, sem deterioração de áreas incólumes, tudo
regionais e locais de planejamento, inserindo-se de em prol da proteção do ambiente e da biodiversidade.
maneira adequada no planejamento ecológico econômico,
no plano diretor local, entre outros destinados a garantir a Abstract: Sustainable development should be north of
sustentabilidade e a manutenção das espécies locais. the whole enterprise that wish to implement and can bring
O hotel Ariaú tem como objetivo propiciar a seus some sort of impact on the environment. Constitutional and
hospedes a possibilidade de um contato e integração direta legal system (Law 6938/81), the federations may require
com o ecossistema em que se insere. Seus apartamentos são of all potentially polluting activities its environmental
basicamente construídos nas copas das árvores, bem acima license. This article aims to inform as Ariaú Hotel, located
do nível do Rio Negro, de forma sustentável; também in the complex of islands Anavilhanas, in the district of
propiciam estudos com terapias alternativas, assim como Manaus, Amazonas, Rio Negro, succeeded, after several
ocorre com os botos cor-de–rosa e mantém comunidades attempts to adapt to the specifications of the environmental
tradicionais com medicamentos e suprimentos, além de agencies in terms of processing of solid and liquid waste.
propiciar empregabilidade para a população local. This research will be of type literature. Here we seek,
A fiscalização pode gerar a cassação da licença through doctrinal understandings, a solution of the problem
ambiental, na hipótese do beneficiário não empregar os at hand in order to make intelligible the points discussed
recursos indicados no respectivo EIA. Portanto, agentes in the development of the study. It also will analyze the
ambientais estão a todo tempo observando possíveis environmental impact study that gave rise to the license
degradações ambientais provenientes do empreendimento. that allowed the completion of the work. The authors
Isso já obrigou o empresário a adquirir moderno sistema presented the study at the XIV Latin American Congress of
de filtragem e transformação de resíduos líquidos e Urban Planning, with support from FAAP.
sólidos. Isso também o obrigou a manter materiais
determinados em embalagens biodegradáveis, além de Key words: Sustainability – Jungle lodges – Amazônia -
outras obrigatoriedades impostas e necessárias a plena Tourism
manutenção do ecossistema local.
Bibliografia
IBAÑEZ, Santiago Ganzález-Varas. Urbanismo y ordenacion del território Navarra: Ed. Aranzadi.2004.
MILARÉ, Edis. Direito do ambiente: a gestão ambiental em foco. São Paulo: Ed. RT, 2009.
FONSECA, Ozório José de Menezes. Amazonidades. Manaus: Gráfica e Ed. Silva, 2004
Sites consultados
http://www.aquathought.com . Extraído em 16.09.2010.
http://www.dolphinassistedtherapy.com. Extraído em 16.09.2010.
http://www.ariau.tur.br/ Extraído em 16.09.2010.
http://www.amazonia.org.br/guia/detalhes. Extraído em 16.09.2010.
FABIANO CARVALHO
Doutor e mestre em Direito pela PUC/SP. Professor da Faculdade de Direito da Fundação Armando Alvares Penteado -
FAAP. Advogado.
Resumo: O texto examina a função do relatório no julgamento colegiado e sua relação com o princípio do contraditório,
concluindo que o desprezo por esse importante elemento da decisão colegiada constitui grave equívoco, por violar o
princípio fundamental do contraditório, podendo repercutir no sucesso da interposição dos recursos de estrito direito
(especial e extraordinário).
1. Em regra,1 razões de política legislativa impõem Há outras expressões que simbolizam os órgãos
que os recursos, incidentes e causas de competência colegiados, como, v.g., plenário, órgão especial, seções,
originária dos tribunais sejam julgados por órgãos grupo de câmaras, câmaras reunidas etc.
colegiados. O órgão colegiado opõe-se ao órgão singular,
também chamado de monocrático, por seu conjunto, isto
Não por outro motivo, afirma-se que, em matéria é, pela reunião de manifestações singulares, que se unem
de recursos, o princípio da colegialidade domina e rege o ou se agregam para formar uma decisão unitária (acórdão).
Direito Processual pátrio.2 O pronunciamento do órgão colegiado, diferentemente do
O termo colegiado diz respeito a uma forma de singular, forma-se progressivamente, de acordo com as
atuação jurisdicional, representado pelo conjunto de manifestações de cada juiz que participa do julgamento.
pessoas com igual poder, que, reunidas em sessão de A formação do pronunciamento do órgão colegiado,
julgamento, compartilham os fatos do processo na tomada marcado pela mesma natureza e objeto, é ato complexo,
de uma decisão. Essa decisão aparece no processo como porque se forma pela co-participação de mais de um
“expressão de uma vontade unitária”.3 integrante do órgão, em momentos sucessivos. Isso não
Com efeito, as expressões “câmara” e “turma” significa que o pronunciamento de cada membro do órgão
designam os órgãos colegiados mas não são sinônimas não possa variar (v.g. não unanimidade no julgamento,
desses. De acordo com a melhor doutrina, “o órgão fundamento do voto divergente).
colegiado é composto pelo número de juízes que a lei ou o Barbosa Moreira ensina que “é evidente que, num
regimento interno indicar. Nem sempre todos os juízes que determinado instante do procedimento de votação, os
compõem órgão colegiado julgam a causa. Turma julgadora pronunciamentos de todos os votantes hão de ter idêntico
é a fração do órgão colegiado composta pelos juízes que objeto, sob pena de somarem-se quantidades heterogêneas,
efetivamente julgarão a causa. Numa câmara composta por o que não permite chegar a nenhuma conclusão válida.
cinco juízes, por exemplo, a turma julgadora de apelação Ou todos se estão manifestando acerca de preliminar, ou
será composta por apenas três deles; em sua composição todos acerca do mérito. Não é concebível que, na mesma
plena (cinco juízes), essa mesma câmara julgará, por etapa, um (ou alguns) votem quanto à preliminar e outro
exemplo ação rescisória, embargos infringentes etc.”4 (ou outros) quanto ao mérito.”5
Nesse sentido, a palavra turma tem o mesmo Assim compreendido, o pronunciamento do órgão
significado de câmara. Na generalidade dos casos, colegiado se completa com o término da manifestação de
normalmente, Turma é a denominação empregada nos cada um dos seus integrantes no momento da sessão de
Tribunais Superiores e nos Tribunais Regionais Federais; julgamento.
câmara é utilizada nos Tribunais dos Estados.
1
A exceção é o julgamento unipessoal, nas situações delineadas nos arts. 120, parágrafo único, 527, I, 531, 544, § 4º, 557, caput, e § 1º-A, todos do CPC.
2
José Frederico Marques, Instituições de direito processual civil, vol. IV, p. 7. Neste sentido parece ser a posição de Athos Gusmão Carneiro, Recurso especial, agravos e agravo interno, p. 227/228.
3
Cf. Calamandrei, Instituiciones de derecho procesal civil, vol. 2, p. 29. Sobre a função do colegiado v., com proveito, G. Zagrebelsky, “Colegialidad”, in Principios e votos. El tribunal constitucional
e la política, p. 62-70
4
Nelson Nery e Rosa Maria de Andrade Nery, Código de processo civil comentado, p. 927.
5
Direito aplicado II, p. 126. No mesmo sentido: “Afigura-se nulo o aresto em que um dos integrantes do colegiado vota em preliminar, sem que os outros o façam, e não vote sobre o mérito, ao contrário
dos restantes desembargadores, em julgamento de apelação.” (TJRJ, 1º Gr. de Câms. Civs., Emb. Infr. 4.139/90, rel. Des. Humberto Manes, apud Alexandre de Paula, Código de processo civil anotado,
vol. 2 p. 2323).
35
A decisão proferida pelo órgão colegiado recebe conhecimento antecipado dos relevantes “fatos” que serão
a denominação de acórdão6, cuja estrutura, na essência, necessários para a tomada da decisão.
não se difere da sentença. Todo acórdão, além da ementa7 O conteúdo do relatório e sua exposição oral são
– nota distintiva da decisão singular -, conterá de forma de suma importância, visto que delimita objetivamente
ordenada e lógica: relatório, fundamentação e dispositivo. as questões jurídicas sobre as quais o órgão colegiado
Com o foco no presente trabalho, apesar de não discutirá e decidirá.
receber objeto de maiores reflexões, o relatório é peça Formalmente, o relatório deverá equacionar
fundamental para o adequado julgamento do órgão cuidadosamente todos os “fatos” necessários à cognição do
colegiado. colegiado.
Daí por que a melhor doutrina acentua que é
2. De início, é preciso considerar que o relatório é necessário que a exposição do relator “contenha todos os
parte integrante do acórdão, como é da sentença.8 dados relevantes, dispostos em ordem que lhes facilite a
apreensão e a memorização, sem contudo perder-se em
Sob o prisma do valor, o relatório transmite a minúcias fatigantes que desviem a atenção do essencial. A
certeza e a segurança de que todas as alegações das partes exposição é puramente objetiva. Descreve o relator os fatos
e as provas produzidas no processo foram apreciadas pelo que deram origem ao pleito, como os tenham narrado as
órgão julgador, caracterizando-se “condição primordial do partes, e mais os que, verificados no curso do processo, se
prestigio e autoridade do órgão julgador, sinal patente do revistam de interesse para o julgamento”.16
cumprimento de um dever precípuo.”9. O objeto da exposição resume-se nos fatos
No campo da ética “serve o relatório, ainda, relevantes, tais como “afirmações relevantes das partes, no
para mostrar que o juiz leu o processo e fixou-lhe as que tange às questões de fato ou de direito, mas incertas ou
circunstâncias capitais. Bem haver estudado a causa é uma controversas”17, e provas produzidas no curso do processo.
das condições para bem julgar”.10 Além disso, o relatório “deve ser uma narrativa
Do ponto de vista da publicidade, o relatório imparcial do que consta dos autos, sem que da mesma
divulga, para qualquer um que o leia, o que foi debatido se deve ou se possa vislumbrar o voto do seu subscritor
do processo. a respeito da controvérsia em qualquer de seus pontos.
Na generalidade dos casos, o relatório é ato de Serve, apenas, para orientar os demais juízes, evitando a
gabinete e consequência do estudo do processo promovido leitura do processo por todos seus pares, que causaria ainda
pelo relator.11 Enquanto ato processual, o relatório é maior perda de tempo”.18
essencialmente escrito. Na sessão de julgamento, o Desse modo, ao expor o relatório em sessão de
relator dará oralidade ao relatório para expor os “fatos” julgamento, relator “não deve antecipar sua opinião,
que interessam à cognição do colegiado.12 É importante nem adotar tom de crítica ou aprovação a qualquer ato
destacar que “o relator não fica adstrito, na exposição oral, ou pronunciamento das partes ou, sendo o caso, de outro
à pura repetição do que consta do relatório escrito: pode órgão judicial que antes haja funcionado no processo”19
acrescentar pormenores esclarecedores e deve, se for o caso, Em particular, no julgamento colegiado dos
proceder a retificações ou suprir omissões relevantes”.13 recursos, a praxe forense revela que, em sua exposição
Em virtude da dinâmica da sessão de julgamento do oral, o relator habitualmente reporta-se ao relatório
colegiado, em algumas hipóteses, o Código de Processo constante da decisão recorrida. Embora essa prática não
Civil14 e os regimentos internos dos tribunais15 determinam seja aconselhável, principalmente nos casos de maior
que o relator faça prévia distribuição do relatório. Nada complexidade, se tal técnica for empregada, impõe-se
impede que essa providência, independentemente de ao relator o dever de reproduzir o relatório20 da decisão
imposição legal ou regimental, possa ser tomada pelo recorrida, com o acréscimo das razões do recurso. Não será
relator, mormente nos casos de maior complexidade, possível adotar semelhante procedimento quando se tratar
porquanto impõe aos demais integrantes do colegiado o
6
Equivocada a conceituação do art. 163 do CPC (“Recebe a denominação de acórdão o julgamento proferido pelos tribunais”), já que os tribunais também proferem decisões unipessoais (ex vi legis
art. 521, I, 531, 541 c/c 544, 557, todos do CPC). Nesse sentido, v. nosso Poderes do relator nos recursos, p. 57. O equívoco foi corrigido pelo Anteprojeto do NCPC (art. 159. Recebe a denominação
de acórdão o julgamento colegiado proferido pelos tribunais).
7
Art. 563 do CPC, art. 862 do NCPC.
8
Cf. Sergio Bermudes, Comentários ao código de processo civil, vol. VII, 2ª edição, Revista dos Tribunais, 1977, p. 364-365.
9
João Monteiro, Theoria do processo civil e commercial, 5ª edição, Typographia Academica, 1936, p. 571.
10
Mario Guimarães, O juiz e a função jurisdicional, Forense, 1958, p. 342.
11
Art. 549. Distribuídos, os autos subirão, no prazo de 48 (quarenta e oito) horas, à conclusão do relator, que, depois de estudá-los, os restituirá à secretaria com o seu “visto”.
12
Art. 554. Na sessão de julgamento, depois de feita a exposição da causa pelo relator (...). Negrão-Gouvea-Bondioli anotam importante precedente do STJ, segundo o qual “tratando-se de procedimento
sumaríssimo [sumário], em que inexiste revisão, o relator da apelação não haverá de, necessariamente, lançar o relatório nos autos, ao pedir dia para julgamento. poderá fazê-lo
oralmente, em sessão, sendo trazido depois para os outros, integrando o acórdão” (Resp 3725/RJ, rel. Min. Eduardo Ribeiro, DJ 17.9.1990).
13
Barbosa Moreira, Comentários ao Código de Processo Civil, vol. V, 15ª ed., Forense, Rio de Janeiro, 2010, p. 666-667. No mesmo sentido: Pontes de Miranda, Comentários ao Código de Processo
Civil, t. VIII, 2ª ed., rev. e atualização legislativa de Sergio Bermudes, Forense, Rio de Janeiro, 2000, p. 213.
14
Assim, por exemplo, nos casos de julgamento de multiplicidade de recursos especiais com fundamento em idêntica questão de direito (art. 543-C, §6º, do CPC).
15
Por exemplo, o RISTF, cujo art. 87 dispõe: Aos Ministros julgadores será distribuída cópia do relatório antecipadamente: RISTF: art. 250 c/c art. 273 (também na ACO). I – nas representações por
inconstitucionalidade2 ou para interpretação5 de lei ou ato normativo federal ou estadual; atual dispositivo da CF/1988: art. 102, I, a, §§ 1º e 2º, c/c art. 103, incisos e § 1º a § 4º. Norma não prevista na
CF/1988. Lei n. 9.868/1999: art. 9º, caput (distribuição de cópia do relatório). II – nos feitos em que haja Revisor; RISTF: parágrafo único do art. 243 c/c art. 23, III (AP) – art. 262 c/c art. 23, I (AR) –
art. 268 c/c art. 23, II (RvC). III – nas causas avocadas; Norma não prevista na CF/1988. IV – nos demais feitos, a critério do Relator. RISTF: art. 21, X (quando pede dia), XIV (quando apresenta em
mesa) e § 3º (no Pleno ou na Turma).
16
Barbosa Moreira, Comentários ao Código de Processo Civil, vol. V, 15ª ed., Forense, Rio de Janeiro, 2010, p. 666-667.
17
Araken de Assis, Manual dos recursos, 2ª edição, Revista dos Tribunais, 2008, p. 287.
18
Alcides Mendonça Lima, Introdução aos recursos cíveis, 2ª edição, Revista dos Tribunais, 1976, p. 374-375
19
Barbosa Moreira, Comentários ao Código de Processo Civil, vol. V, 15ª ed., Forense, Rio de Janeiro, 2010, p. 666-667.
20
Sergio S. Fadel assinala que, nesses casos, o relator deverá ler as considerações do relatório da decisão recorrida “por ocasião da sessão de julgamento, para conhecimento dos demais membros do
tribunal” (O processo nos tribunais, Forense, 1981, p. 296).
37
acontecimentos relevantes que ocorreram durante o curso por esse importante elemento da decisão colegiada constitui
do processo, pois, somente assim, o órgão colegiado grave equívoco, por violar o princípio fundamental do
julgador poderá discuti-los e qualificá-los juridicamente. contraditório.
No entanto, caso o relator não transmita
adequadamente os “fatos” essenciais para o julgamento Abstract: The paper examines the function of the report
colegiado e não seja estimulado a complementar seu at trial and his collegial relationship with the principle of
relatório, dificilmente a parte recorrente alcançará êxito contradiction, concluding that the neglect of this important
com a interposição de recursos extraordinário e/ou especial element of collegial decision is a grave mistake, for
contra acórdão constituído por relatório defeituoso, violating the fundamental principle of the contradictory
porquanto, esses recursos, certamente motivarão premissas and may reflect the success of bringing of strict right
fáticas que não estão na decisão do tribunal e muito resources (special and extraordinary).
provavelmente não serão conhecidos.
Keywords: Report - College Board - Contradictory
4. Conclusão principle.
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MAURÍCIO B. BUNAZAR
Mestrando em Direito Civil pela Faculdade de Direito do Largo de São Francisco-USP. Professor de Direito Civil.
Advogado.
Resumo: Para esclarecer qual é o objetivo da responsabilidade civil, o autor do presente trabalho jurídico analisa aspectos
da responsabilidade jurídica, localiza a responsabilidade civil no sistema, elabora a taxonomia da sanção civil identificando
as suas espécies “sentido amplo” e “sentido estrito” e conclui que só haverá responsabilidade civil em sentido estrito nas
hipóteses em que ocorrer ato ilícito e conseqüência insuportável ou ato lícito e conseqüência insuportável, pois só estas
possuem o constante necessário (ainda que nem sempre suficiente) para deflagração da estrutura de responsabilização
civil senso estrito: o dano-injusto.
39
Dentro deste universo, procederemos à taxonomia exclusivamente pelo fim impedir a incidência do sol sobre
da sanção no Código Civil, para, ao final, ligarmos a o prédio vizinho. É possível que seja condenado a desfazer
responsabilidade civil em sentido estrito à sua sanção a obra antes mesmo que haja um dia de sol, ou seja, antes
própria, qual seja a consistente na imposição do dever de que sua conduta produza o resultado).
indenizar o dano injusto. Destarte, vejamos quais as sanções impostas pelo
Código Civil.
3. Taxonomia da sanção no Código Civil3 Podemos arrolar, repita-se, sem pretensão exaustiva,
as seguintes sanções no Código Civil:
Buscaremos classificar, sob o critério exclusivo da
forma de anatematização da situação jurídica insuportável, (i) Sanção consistente na invalidação de ato
a sanção dentro do universo do Código Civil e, para tanto, jurídico em sentido estrito ou negócio jurídico6.
valer-nos-emos da ideia geral de sanção e de exemplos de Exemplos: artigos 166 e 171.
sanção retirados daquele universo. (ii) Sanção consistente na perda de uma posição
A sanção é classicamente entendida como a resposta jurídica ativa (sanção caducificante7).
que o ordenamento jurídico dá à sua violação4 Exemplos: Parágrafo único do artigo 33 ( “se
Essa resposta impõe-se objetivamente, é dizer, o ausente aparecer e ficar provado que a ausência foi
independentemente de qualquer juízo de valor sobre a voluntária e injustificada, perderá ele, em favor do
forma ou razão da violação do ordenamento jurídico5. sucessor, sua parte nos frutos e rendimentos”); artigo
Com efeito, o próprio sistema jurídico elenca quais 150 (dolo bilateral. Perde-se tanto a posição jurídica ativa
as formas de sua violação e qual a resposta que dará em de pleitear a anulação quanto a posição jurídica ativa de
cada caso. O fato da violação em si é objetivo, porém a exigir indenização); artigo 446 (“mas o adquirente deve
forma pela qual ocorreu pode ou não sê-lo denunciar o defeito ao alienante nos trinta dias seguintes
Explicamos: o sistema jurídico pré-determina quais ao seu descobrimento, sob pena de decadência”); artigo
situações jurídicas não tolera e as sanciona a seu modo. 583 (“Se, correndo risco o objeto do comodato juntamente
Essas situações jurídicas intoleráveis podem consistir numa com outros do comodatário, antepuser este a salvação dos
conduta (ação – ato ou atividade-, ou omissão) e/ou num seus abandonando o do comodante, responderá pelo dano
resultado. O sistema jurídico, em cada caso, descreverá ocorrido, ainda que se possa atribuir a caso fortuito, ou
abstratamente a situação jurídica intolerável- é dizer, dar- força maior”. No caso, haverá perda da posição jurídica
lhe-á os contornos (ou, em linguagem ponteana, descreverá ativa de alegar ocorrência de caso fortuito ou força maior);
seu suporte fático) – e a forma de, uma vez verificada no artigo 1.255 a contrario (se agiu de má-fé, perde a posição
mundo fenomênico, anatematizá-la. jurídica ativa de exigir a indenização); artigo 1.638 (perda
do poder familiar); artigo 1.814 (indignidade); artigo
Disso resulta que o suporte fático cuja concreção no 1.992 (sonegados) etc.
mundo fenomênico ensejará a sanção poderá ser composto (iii) Sanção consistente na imposição do dever
segundo um dos seguintes modelos: de imputação patrimonial a título de pena (multa em
(i) após a valoração negativa de uma conduta sentido estrito).
causadora de um resultado intolerável (dano injusto Exemplos: artigos 939 e 940; parágrafo único do
causado por conduta culposa ou dolosa); artigo. 1.258 (“pagando em décuplo as perdas e danos,
(ii) após a valoração negativa de um resultado com o construtor de má-fé)”; parágrafo 2º do artigo 1.336;
abstração da valoração da conduta que o ensejou (dano artigo 1.337.
injusto por atividade lícita, por exemplo, dever de indenizar (iv) Sanção consistente na imposição do dever de
o terceiro que sofra dano injusto quando do exercício de fazer ou não-fazer algo sem que necessariamente tenha
conduta encoberta pela excludente da ilicitude do estado ocorrido ou antes que ocorra dano injusto.
de necessidade); Exemplos: artigo 12 (“exigir que cesse a ameaça”);
(iii) após apenas a valoração negativa da conduta artigo 20 (“....poderão ser proibidas, sem prejuízo da
com abstração de qualquer resultado (certos casos de abuso indenização, ....ou se se destinarem a fins comerciais”. A
do direito, por exemplo, alguém constrói obra animado proibição não exige dano algum no caso de ser propaganda
3
A base para essa classificação é a obra de Pontes de Miranda , mais especificamente o Tomo 2 , p. 193 e seguintes do seu Tratado de Direito Privado. No entanto, diferentemente do jurista, que parte do
fato ilícito, partiremos da resposta do ordenamento jurídico à sua violação, pois não há correspondência necessária entre a ilicitude do fato e a sanção.
4
Não ignoramos a existência da chamada sanção premial, mas dela não cuidaremos, pois nosso objetivo, neste estudo, é investigar respostas a situações indesejáveis, e não técnicas de estímulo a certos
comportamentos. Para conhecimento da ideia de sanção premial, remetemos à obra de Norberto Bobbio Da Estrutura à Função. São Paulo: Manole, 2006.
5
Aqui há que se ter cuidado para não confundir o conseqüente (imposição da sanção) com o antecedente (o que levou à imposição da sanção).
6
José de Oliveira Ascensão constrói interessante raciocínio para negar que a invalidação é sanção. Confira O Direito. Ed. Almedina: 2005
7
Pontes de Miranda fala em atos ilícitos caducificantes, ensinando que “os atos ilícitos caducificantes são aqueles atos culposos que, contrários a direito, têm como eficácia jurídica (= irradiação de
conseqüências jurídicas) a caducidade. Os elementos contrariedade a direito e culpa é que os diferenciam das outras espécies de caducidade. Porque caducidade é eficácia (Tratado de Direito Privado,
Tomo 2, p. 205. Sem negrito no original.). Veja que Pontes inclui no suporte fático do ato ilícito com eficácia caducificante a culpa, quando há casos em que há ilícito caducificante (= ato ilícito com
sanção caducificante) em que o elemento culpa é irrelevante e, se há, sobeja. Pense-se, por exemplo, na figura prevista no artigo 446 do Código Civil.
8
Sobre uma visão de sistema jurídico material, remetemos ao nosso O duplo tratamento legal do bem de família e suas repercussões práticas, Direito de Família e Sucessões. Temas atuais, coordenação
de Giselda Maria Fernandes Novaes Hironaka, Flávio Tartuce e José Fernando Simão, São Paulo, Ed. Método, 2009.
41
Assim é possível que haja: IV- Ato ilícito sem conseqüência:
Conduta culposa sem causação de qualquer dano-
I- Ato ilícito e conseqüência insuportável: prejuízo.
Conduta culposa (ato ilícito) causadora de dano
injusto (conseqüência insuportável); abuso do direito Partindo dessas hipóteses, podemos afirmar
(ato insuportável) e dano injusto alheio (conseqüência que só haverá responsabilidade civil em sentido estrito
insuportável). nas hipóteses I e III, pois só estas possuem o constante
II- Ato lícito e conseqüência suportável: necessário (ainda que nem sempre suficiente) para
(i) sem prejuízo para ninguém: Transporte de pessoas deflagração da estrutura de responsabilização civil senso
(ato lícito) com extinção do contrato pelo cumprimento estrito: o dano-injusto.
(conseqüência suportável);
(ii) com dano prejuízo – justo – para alguém: reação Abstract: To clarify what is the purpose of civil liability, the
em legítima defesa (ato lícito) causadora de dano estético author of this paper examines legal aspects of legal liability,
ao agressor (conseqüência suportável). civil liability is located in the system, draw up a taxonomy
III- Ato lícito e conseqüência insuportável (dano- of the civil penalty identifying their species “broad sense”
prejuízo injusto): and “strict sense” and concludes that there will be liability
Ato em exercício de estado de necessidade (ato only in the strict sense occur in cases in which tort and
lícito) com dano-prejuízo a patrimônio do não-agressor consequence unbearable or intolerable act lawfully and
(conseqüência insuportável). consequence, because only they have the constant need
Atividade criadora de risco, porém estimulada pelo (though not always sufficient) condition for the outbreak of
Estado inclusive com incentivos fiscais (ato lícito) com civil liability structure of strict sense : the damage-unfair.
dano-prejuízo ambiental (conseqüência insuportável).
Key words: Responsibility. Liability. Taxonomy. Civil
penalty.
Bibliografia
Arquiteta graduada em São Paulo. Fez curso em Design, pelo Instituto Europeu de Design (IED) em Milão.
Pós-graduação em Meio Ambiente Desenvolvimento Sustentável e Questões Globais pela Fundação Armando Álvares
Penteado (FAAP) em São Paulo. Atua nas áreas de arquitetura promocional criando projetos para implantação no
varejo, coordenação no setor de eventos institucionais e faz parte do grupo de trabalho multidisciplinar “Nossa Terra”,
ministrando palestras em educação ambiental com foco em sustentabilidade nas empresas.
Resumo: O trabalho compreende o desafio de discutir o desenvolvimento de produtos sustentáveis por meio do panorama
da evolução do design e seu processo criativo. O design segue como uma possibilidade para a inovação, pois interfere
na concepção do produto, em seu ciclo de vida e no modelo de produção industrial. Importante hoje é tentar promover
mudança na cultura do consumo, estilo de vida e comportamento social com a inserção da variável ambiental. Neste
contexto destaca-se a relevância da adoção de abordagens interdiciplinares do design, bem como nos serviços oferecidos
a sociedade, criando produtos que se adéqüem ao conceito de sustentabilidade em sua visão mais ampla, considerando as
dimensões culturais, econômicas, políticas, tecnológicas, ambientais e sociais.
45
resíduos, itens estratégicos para a proposta do sistema e projetá-lo pensando na recuperação e reaproveitamento
de ciclo fechado do berço ao berço (McDOUNOUGH e contínuos integrando os produtos consumidos ao meio
BRAUNGART, 2009). ambiente e com responsabilidade social (MBDC, 2010).
A estrutura C2C vem evoluindo na última década. Da C2C defende alguns princípios referentes à energia,
teoria para a prática, novos projetos têm sido implantados água, e responsabilidade social, são eles:
por meio da adoção do conceito do berço ao berço. - Eliminar o conceito de resíduo. “Lixo é alimento”4:
No setor industrial, já esta se adotando uma nova Produtos com o ciclo de vida circular e seguros para a
forma de conceber os produtos, considerando a matéria- saúde humana e ao ambiente, podendo ser reutilizados
prima como nutriente, da mesma forma como ocorre perpetuamente através de técnicas e metabolismo biológico.
na natureza. O resíduo de um organismo circula pelo Criar e participar de um sistema de coleta par recuperar o
ecossistema, tornando-se alimento para outros seres vivos. valor desses materiais após o seu uso.
Nesse movimento cíclico da natureza não há desperdícios - Alimentação com energia renovável. “Usar receita
ou resíduos (MBDC, 2010). solar”: maximizar a utilização de energia solar.
Alguns nutrientes biológicos e técnicos já estão - Sistema naturais de respeito. “Celebrar a
sendo comercializados. Por exemplo, o tecido da empresa diversidade”: gerenciar o uso da água para maximizar a sua
Climatex Lifecycle, que é uma mistura de lã livre de qualidade promovendo ecossistemas saudáveis respeitando
resíduos e pesticidas e rami cultivado organicamente, os impactos locais.
tingido e processado inteiramente sem toxinas. Todo o A aplicação do modelo C2C elimina o conceito
seu processo de fabricação e insumos foi desenvolvido de resíduo e sugere que os resíduos sejam alimentos/
em função da segurança humana e ecológica, respeitando nutrientes, desde que em sua composição não contenham
o metabolismo biológico. Como resultado, temos todos os substancias tóxicas à saúde ou à natureza. Considera a
retalhos do tecido sendo transformado em feltro e utilizado saúde ambiental e humana; as características dos materiais
por agricultores como matéria vegetal para o cultivo de ao longo de seu ciclo de vida; a reciclagem dos produtos/
flores e frutas retornando, dessa forma, os nutrientes ao biodegrabilidade; a eficácia da recuperação e reciclagem
solo (McDOUNOUGH e BRAUNGART, 2009, p. 101- dos produtos; o uso de energias renováveis, a gestão da
114). água e a responsabilidade social (McDOUNOUGH e
O novo conceito de produto e de serviços que BRAUNGART, 2009, p. 101-114).
podem ser oferecido pelas empresas à sociedade pode Finalizadas as etapas de avaliação do material, de
mudar totalmente o estilo de consumo, na medida em que desenvolvimento do produto, a próxima etapa é efetuar a
os materiais utilizados retornem ao meio ambiente como certificação dos produtos para ser comercializado de forma
nutrientes. Tornam-se reutilizáveis por meio de um sistema controlada.
com a qualidade ainda maior e sem toxinas. A reciclagem Os conceitos de desenvolvimento e crescimento
será ascendente, ou seja, teremos produtos melhores e um econômico estavam sendo questionados e as empresas
sistema de produção mais inteligente e saudável gerando começaram a entender a necessidade de rever os seus
segurança (McDOUNOUGH e BRAUNGART, 2009, p. valores e a sua missão na sociedade.
101-114). Foi neste contexto que nasceram alguns conceitos
Os resíduos gerados podem se tornar alimento para que englobavam as empresas, as pessoas, a natureza e os
o solo e animais, eles retornam para a natureza de uma lucros. O aumento da população mundial traz o aumento
forma diferente, mais respeitando o modelo circular da da necessidade de consumo.
natureza, onde não ha desperdícios (McDOUNOUGH e Os conceitos propostos firmam-se na atitude
BRAUNGART, 2009, p. 101-114). Pensando dessa forma o emergencial de diminuir o consumo, usar novamente e
consumo de produtos não tóxicos e que sirva de nutrientes, reciclar. A partir daí o papel do designer deixava de ser
o ato de consumir conscientemente fará parte do ciclo de estético e técnico para ser social. A transformação deve
vida do produto e também da economia. dar-se na concepção do produto. Ele tem que “nascer”
O conceito C2C vai além dos conceitos de forma que não agrida o meio ambiente e a saúde das
anteriormente estudados, pois seu objetivo não é reduzir os pessoas. Deve ser reaproveitado em todo o seu ciclo de
impactos negativos (ecoeficiencia)2, e sim aumentar seus vida, e não deve haver desperdício ou resíduos.
impactos positivos (ecoeficacia)3. Por isso, é necessário Nasce, então, uma nova vertente: o conceito do
conhecer os processos produtivos que são seguros ao berço ao berço, que propõe um modelo cíclico de produção
metabolismo biológico e refletir sobre esse processo no e consumo.
metabolismo técnico industrial. Para isso, é necessário
criar o produto considerando seus componentes químicos
2
Ecoeficácia -
A estratégia de “sustentabilidade” de minimizar danos aos sistemas naturais, reduzindo a quantidade de resíduos e poluição atividades humanas geram [Fonte:
Disponível em http://www.mbdc.com/detail.aspx?linkid=1&sublink=26. Acesso em 14 nov 2010].
3
Ecoeficiência - A estratégia de MBDC para criar uma indústria humana que seja seguro, rentável e de regeneração, produção, ambiental e social de valor econômico [Fonte:
Disponível em http://www.mbdc.com/detail.aspx?linkid=1&sublink=26. Acesso em 14 nov 2010].
4
Lixo é alimento - Um princípio dos sistemas naturais e MBDC que elimina o conceito de resíduo. Nesta estratégia de design, todos os materiais são vistos como valiosos,
continuamente circulando em circuito fechado de íon produto, utilização e reciclagem [Fonte: Disponível em http://www.mbdc.com/detail.aspx?linkid=1&sublink=26. Acesso em 14
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47
A solidariedade na responsabilização por danos ambientais
Resumo. Este artigo aborda o instituto da solidariedade na reparação por danos causados ao meio ambiente, partindo do
conceito de poluidor trazido pela Lei da Política Nacional do Meio Ambiente, passando pela responsabilidade ambiental
civil, onde se investigam as teorias acerca do risco e do nexo de causalidade, até chegar ao instituto da solidariedade.
Palavras-Chaves: Responsabilidade ambiental, poluidor indireto, responsabilidade objetiva, teoria do risco criado, teoria
da causalidade adequada, solidariedade.
1
O termo em latim bis in idem significa que ninguém poderá ser julgado ou punido mais de uma vez pelo mesmo fato. Ele tem aplicação nas diversas esferas da responsabilização, a saber, civil,
administrativa (ambiental, tributária, etc.) e criminal. Na esfera ambiental, ele é tratado no art. 76 da Lei 6.938/81, que assim dispõe: “Art. 76 – O pagamento de multa imposta pelos Estados, Municípios,
Distrito Federal ou Territórios substitui a multa federal na mesma hipótese de incidência.”
2
FIORILLO, Celso Antonio Pacheco. Curso de Direito Ambiental Brasileiro. 9 ed. São Paulo: Saraiva, 2008, p. 57.
3
O Código Tributário Nacional define em seu art. 78: “Considera-se poder de polícia a atividades da Administração Pública que, limitando ou disciplinando direito, interesse ou liberdade, regula a prática
de ato ou abstenção de fato, em razão de interesse público concernente à segurança, à higiene, à ordem, aos costumes, à disciplina da produção e do mercado, ao exercício de atividades econômicas
dependentes de concessão e autorização do Poder Público, à tranqüilidade publica ou ao respeito à propriedade e aos direitos individuais ou coletivos.”
4
MACHADO, Paulo Affonso Leme. Direito Ambiental Brasileiro. 18 ed. São Paulo: Malheiros, 2010, p. 332.
5
“Na responsabilidade objetiva é desnecessária a demonstração da conduta do agente (dolo ou culpa). Todavia os seguintes requisitos são indispensáveis na verificação de aludida responsabilidade: 1) o
ato; 2) o dano; 3) o nexo de causalidade entre o ato e o dano.” (FIORILLO, op. cit., p. 62)
6
“Tradicionalmente, como já foi visto acima, o fundamento da responsabilidade é a culpa. O Código Napoleão, que é considerado como o grande monumento da ordem jurídica liberal, consagra
amplamente a culpa como o elemento central de toda responsabilidade. É o Code Civil o reconhecimento e o coroamento de uma nova racionalidade que se afirmou, tendo como seu epicentro o indivíduo
e a sua vontade que, desde então, ocupam o papel central na cena jurídica.
(...)
No Direito brasileiro, a responsabilidade é um antigo instituo jurídico. O Código Civil brasileiro sofreu grande influencia da doutrina contida no Código Napoleão, fundando a responsabilidade na idéia
de culpa e em todos os conceitos ideológicos subjacentes à referida subjetivação. A matéria, no Código está tratada ao longo de dois artigos; no artigo 43, está regulada a responsabilidade das pessoas
jurídicas de Direito público:
“Art. 43. As pessoas jurídicas de direito público interno são civilmente responsáveis por atos dos seus agentes que nessa qualidade causem danos a terceiros, ressalvado direito regressivo contra os
causadores do dano, se houver, por parte destes, culpa ou dolo.” ANTUNES, Paulo de Bessa. Direito Ambiental. 9 ed. Rio de Janeiro: Lumen Júris, 2006. p. 203-204.
7
Poluição Ambiental. Ação Civil Pública formulada pelo Município do Rio de Janeiro. Poluição consistente em supressão da vegetação do imóvel sem a devida autorização municipal. Cortes de árvores
e inicio de construção não licenciada, ensejando multas e interdição do local. Dano à coletividade com a destruição do ecossistema, trazendo conseqüências nocivas ao meio ambiente, com infringência,
às leis ambientais, Lei Federal 4.771/65, Decreto Federal 750/93, artigo 2º, Decreto Federal 99.274/90, artigo 34 e inciso XI, e a Lei Orgânica do Município do Rio de Janeiro, artigo 477. Condenação
a reparação de danos materiais consistentes no plantio de 2.800 árvores, e ao desfazimento das obras. Reforma da sentença para inclusão do dano moral perpetrado a coletividade. Quantificação do
dano moral ambiental razoável e proporcional ao prejuízo coletivo. A impossibilidade de reposição do ambiente ao estado anterior justificam a condenação em dano moral pela degradação ambiental
prejudicial a coletividade. Provimento do recurso. (Apelação Cível n. 2001.001.14586 –TJRJ – 2ª. T – Relatora Desembargadora Maria Raimunda T. de Azevedo – DJ 07/08/2002)
8
BENJAMIN, Antonio Herman V. Responsabilidade Civil pelo Dano Ambiental. Revista de Direito Ambiental. São Paulo: ano 1998, n. 9. p. 12.
9
A cláusula geral, portanto, exige do juiz uma atuação especial, e através dela é que se atribui uma mobilidade ao sistema, mobilidade que será externa, na medida em que se utiliza de conceitos além do
sistema, e interna, quando desloca regramentos criados especificamente para um caso e os traslada para outras situações. AGUIAR JÚNIOR, Ruy Rosado de. O Poder Judiciário e a concretização das
cláusulas gerais. Revista de Direito Renovar, n. 18, p. 11-19, set./dez. 2000. p. 11
10
ANTUNES, op. cit., p. 208
49
destas pessoas, as quais não causaram a poluição e tampouco do dano e do nexo causal, não se admitindo excludentes
tinham mecanismos para preveni-la. Complementa de qualquer natureza. Já na teoria do risco criado são
relatando como sendo inviável a responsabilização admitidas algumas excludentes:15
ambiental nestas situações.11 Conclusões: à semelhança do que ocorre no âmbito
Um clássico exemplo nesta mesma seara, ocorrido da responsabilidade objetiva do Estado, é que, no Direito
nos Estados Unidos, é o caso do Love Canal onde o agente positivo pátrio, a responsabilidade objetiva por danos
de crédito imobiliário foi responsabilizado civilmente pela ambientais é o da modalidade do risco criado (admitindo
construção de habitações sobre solo contaminado.12 A as excludentes da culpa da vítima ou terceiros, da força
responsabilização das instituições financeiras é o exemplo maior de do caso fortuito) e não a do risco integral (que
mais estudado atualmente no que tange à responsabilidade inadmite excludentes), nos exatos e expressos termos
ambiental do poluidor indireto, ou seja, aquele que do § 1º do art. 14 da Lei n.º 6.938/81, que, como vimos,
indiretamente contribuiu para a ocorrência do dano13. somente empenha a responsabilidade de alguém por danos
ambientais, se ficar comprovada a ação efetiva (atividade)
3. A Responsabilidade Objetiva e as Teorias do Risco desse alguém, direta ou indiretamente na causação do
dano. (grifo nosso)
Quando foi publicada, a Lei 6.938/81 trouxe grande Segundo Paulo Bessa, a responsabilidade por risco
inovação ao sistema jurídico da responsabilidade civil integral não pode ser confundida com a responsabilidade
ambiental: por fato de terceiro, não sendo admissível que um
A promulgação da Lei n. 6938/81 (Lei da Política empreendimento que tenha sido vitimado por fato de
Nacional do Meio Ambiente) foi um divisor de águas no terceiro passe a responder pelos danos causados por
Direito Brasileiro. Não só porque, pela primeira vez, o País este.16 Tal distinção é de extrema relevância no que tange
ganhava um sistemático arcabouço legal de sustentação à internalização dos fatores negativos ao meio ambiente,
a uma política nacional do meio ambiente, mas também preconizado pelo princípio do poluidor pagador, uma vez
porque, numa penada só, o legislador resolveu dois que seguindo a teoria do risco integral, todo e qualquer
desafiadores problemas jurídicos: a) a irresponsabilidade, risco conexo ao empreendimento deverá ser integralmente
de fato, do poluidor – já que a base da responsabilização, internalizado pelo processo produtivo. Já para a teoria
nos termos do Código Civil, era ora baseada em culpa (art. do risco criado, dentre todos os fatores de risco,
159), ora vinha objetivada, mas limitada no seu universo procura vislumbrar apenas aquele que, por apresentar
de aplicação (os direitos de vizinhança dos arts. 554 e periculosidade, é efetivamente apto a gerar as situações
555) – e b) o acanhado modelo de implementação judicial lesivas, para fins de imposição de responsabilidade.17
(=legitimação para agir) nos casos de dano ambiental.14 Segundo Antonio Herman Benjamin, o direito
No que tange ao risco, parte dos autores entende brasileiro abriga a responsabilidade civil objetiva baseada
que a responsabilidade objetiva adotada pelo direito na teoria do risco integral, a qual encontra seu fundamento
brasileiro em questões ambientais está calcada na teoria na “idéia de que a pessoa que cria o risco deve reparar os
do risco integral, enquanto outra parte entende que está danos advindos de seu empreendimento. Basta, portanto,
no risco criado. A principal diferença entre elas é que a a prova da ação ou omissão do réu, do dano e da relação
responsabilidade objetiva alicerçada na teoria do risco de causalidade”, não aceitando, por tais motivos, as
integral prevê a obrigação de indenizar a partir da existência excludentes de fato de terceiro, de culpa concorrente da
11
BERGKAMP, Lucas. Liability and environment. The Hague: Kluwer Law International, 2001. p. 331
12
No Direito Brasileiro ainda não se consolidaram julgados neste sentido. No entanto, já se reconhece a solidariedade do agente financeiro pela solidez e segurança da obra. “A obra iniciada mediante
financiamento do Sistema Financeiro da Habitação acarreta a solidariedade do agente financeiro pela solidez e segurança.” (Resp nº 51.169 RS – STJ – CC Turma – Relator Ministro Ari Pargendler – DJ)
13
Vide Lei 6.938/81, Art. 12; Decreto 99.274/90, Art. 23; Lei 8.974/95 e Lei 11.105/05. Por força da latente preocupação com o crescimento do desmatamento da Amazônia, que é inclusive atribuído ao
desenvolvimento de atividades pecuárias e agrícolas na região, foi publicada a Resolução 3.545 do Conselho Monetário Nacional, de 03/05/2008, que instituiu a avaliação de aspectos ambientais para
o financiamento de atividades agropecuárias nos municípios integrantes do Bioma Amazônia em instituições oficiais de crédito ou bancos privados que sejam agentes financeiros de créditos públicos.
Além disto os contratos de financiamento também deverão conter cláusula prevendo que, em caso de embargo do imóvel no qual as atividades serão desenvolvidas, a liberação das parcelas seja suspensa
até regularização ambiental do imóvel, e se esta não ocorrer em até 12 (doze) meses, o contrato será considerado vencido antecipadamente.
14
BENJAMIN, op. cit. p. 12
15
“No mesmo sentido, lê-se em Alvino Lima – Culpa e Risco, Ed. Rev. Tribs., 2ª ed. atualizada por Ovídio Rocha Barros Sandoval, 1998, p. 320: “A responsabilidade pelo dano ecológico, à vista do
disposto no art. 14 da Lei n.º 6.938/81, na conformidade da jurisprudência atual, é objetiva, pois “obriga o poluidor a indenizar ou reparar os danos causados ao meio ambiente e a terceiros, afetados
por sua atividade, independentemente de existência de culpa.
Portanto, em cada caso concreto, haverá de existir a prova de dois pressupostos indispensáveis: a existência do dano ambiental e seu nexo causal com a ação ou omissão do pretenso responsável que seja
a causa eficiente do evento capaz de gerar o prejuízo a ser indenizado”.
Fica, assim, definitivamente, demonstrada, que, em virtude do texto expresso da Lei n.º 6.938/81, a responsabilidade pelo dano ambiental, é fundada na teoria do risco criado e não na do risco integral.”
(MUKAI, Toshio. Responsabilidade objetiva por dano ambiental com base na teoria do risco criado. 2003, p. 8)
16
ANTUNES, op. cit., p. 206
17
STEIGLEDER, Annelise Monteiro. Considerações sobre o Nexo de Causalidade na Responsabilidade Civil por Dano ao Meio Ambiente. Revista de Direito Ambiental. São Paulo, ano 8, n. 32,
p. 86
18
BENJAMIN, op. cit., p. 41
19
Código Civil. Art. 393. Parágrafo Único – O caso fortuito ou de força maior verifica-se no fato necessário, cujos efeitos não era possível evitar ou impedir.
20
MACHADO, op. cit., p. 378-379
21
GRIZZI GRIZZI, Ana Luci Limonta Esteves; BERGAMO, Cyntia Izilda; HUNGRIA, Cynthia Ferragi; CHEN, Josephine Eugenia. Responsabilidade civil ambiental dos financiadores. Rio de
Janeiro: Lumen Juris, 2003. p. 24
22
CAVALIERI FILHO, Sergio. Programa de Responsabilidade Civil. 4 ed. São Paulo: Malheiros, 2003. p. 67
23
Ibid., p. 70
24
STEIGLEDER, op. cit., p. 91
25
CAVALIERI FILHO, op. cit., p. 68
26
Ibid., p. 70
51
O modelo jurídico-ambiental, portanto, não só todos os bens produzidos sobre ele.
aproveita a solidariedade do Direito Civil clássico, Poder-se-ia pensar que se trata de aplicação da
como a amplia, dando-lhe feições peculiares. Nada mais responsabilidade solidária entre todos estes stakeholders
justo, sendo o Direito Ambiental uma disciplina jurídica (atores envolvidos) pela conduta daquele que diretamente
de crise a exigir, por isso mesmo, notáveis e urgentes praticou o desmatamento ilegal. No entanto, não se pode
aperfeiçoamentos no organograma da responsabilidade perder de vista que a Lei 6.839/81 dispõe que a sanção
civil. Nessa linha, “é de particular relevância o princípio administrativa é aplicável sem prejuízo da reparação dos
da solidariedade, que historicamente correspondia ao da danos causados. Portanto, a responsabilidade estabelecida
fraternidade, consagrado pela Revolução Francesa de aqui é de caráter administrativo e não civil. Além disto, o
1789. O que não se pode admitir é o réu alegar, como legislador individualizou as condutas (desmatar, adquirir,
eximente, “o fato de não ser só ele o degradador, de serem intermediar, transportar e comercializar). Logo, não se trata
vários, e não se poder identificar aquele que, com seu obrar, de solidariedade entre os sujeitos.
desencadeou – como gota d’água – o prejuízo”.27 (grifo do Outra situação largamente difundida onde se verifica
autor) a co-responsabilização ambiental ocorre na aquisição
Ocorre que consoante o art. 265 do Código Civil, de imóveis rurais sem reserva legal. Os tribunais29 já
a solidariedade não se presume, resultando de lei ou da consolidaram o entendimento de que na compra e venda
vontade das partes. Assim sendo, exceto se convencionado de imóveis rurais sem reserva legal, fica o adquirente
entre os interessados, em momento algum a legislação responsável pela reparação do dano ambiental, que, neste
ambiental tratou de atribuir solidariedade por reparação caso é tratado como propter rem30. Faz sentido sim atribuir
aos danos causados ao meio ambiente. Não se pode ao comprador a responsabilidade administrativa pela
simplesmente tomar o conceito aberto de poluidor trazido infração de não averbar reserva legal, afinal, tal obrigação
pelo art. 3º, IV da Lei 6.938/81, que determina que é recai sobre o proprietário, tenha ele adquirido o imóvel
responsável aquele que direta ou indiretamente contribui com ou sem reserva legal (artigos 48 e 55 do Decreto
para o evento danoso, e combiná-lo com o art. 952 do 6.514/08). No entanto, não cabe impor ao adquirente de
Código Civil, o qual prevê que havendo mais de um autor da um imóvel sem reserva legal a obrigação por reparação por
ofensa, todos responderão solidariamente pela reparação. dano ambiental, sem que haja comprovação da existência
O Decreto 6.514/08 estabelece expressamente a de dano ao meio ambiente e sem que seja avaliada em que
responsabilidade (administrativa) ambiental de todos os medida a conduta do proprietário contribui para tanto.
entes da cadeia produtiva por cultivos ou produção em áreas Corroborando o entendimento acima, cabe trazer
embargadas28, punindo com multa de R$ 500 por quilograma à tona a Política Nacional de Resíduos Sólidos (Lei
ou unidade, aquele que adquire, intermedeia, transporta ou 12.305/10), que atribui aos diversos sujeitos envolvidos
comercializa produto ou subproduto produzido sobre área na cadeia dos resíduos sólidos uma responsabilidade
objeto de embargo (art. 54). Tratou o legislador de estender compartilhada, porém individualiza as suas condutas, não
os efeitos lesivos do desmatamento ilegal não apenas ao tratando um como solidariamente responsável por uma
produto obtido diretamente do desmatamento, no caso a conduta imputada a outrem:
madeira originada das florestas, mas também aos produtos Art. 3º. XVII - responsabilidade compartilhada
obtidos indiretamente na área desmatada, como, por pelo ciclo de vida dos produtos: conjunto de atribuições
exemplo, aos animais (no caso leia-se gado) ali criados e os individualizadas e encadeadas dos fabricantes,
frutos ali cultivados (como lavouras de soja, milho, arroz, importadores, distribuidores e comerciantes, dos
cana, etc.). Seria uma aplicação da máxima que acessório consumidores e dos titulares dos serviços públicos de
que acompanha o principal, no caso, os efeitos negativos limpeza urbana e de manejo dos resíduos sólidos, para
do dano ambiental perpetrado no terreno acompanhando minimizar o volume de resíduos sólidos e rejeitos gerados,
27
GOLDENBERG; ITURRASPE apud BENJAMIN, op. cit. p. 38
28
O embargo a que se refere este artigo consiste na penalidade administrativa imposta pela autoridade ambiental, conforme previsto no artigo 16 do mesmo Decreto.
29
Recurso especial. Faixa ciliar. Área de preservação permanente. Reserva legal. Terreno adquirido pelo recorrente já desmatado. Impossibilidade de exploração econômica. Responsabilidade
objetiva. Obrigação propter rem. Ausência de prequestionamento. Divergência jurisprudencial não configurada. As questões relativas à aplicação dos artigos 1º e 6º da LICC, e, bem assim, à possibilidade
de aplicação da responsabilidade objetiva em ação civil pública, não foram enxergadas, sequer vislumbradas, pelo acórdão recorrido. Tanto a faixa ciliar quanto a reserva legal, em qualquer propriedade,
incluída a da recorrente, não podem ser objeto de exploração econômica, de maneira que, ainda que se não dê o reflorestamento imediato, referidas zonas não podem servir como pastagens. Não
há cogitar, pois, de ausência de nexo causal, visto que aquele que perpetua a lesão ao meio ambiente cometida por outrem está, ele mesmo, praticando o ilícito. A obrigação de conservação é
automaticamente transferida do alienante ao adquirente, independentemente deste último ter responsabilidade pelo dano ambiental. Recurso especial não conhecido. (REsp 343.741-PR – 2ª T. – STJ
– rel. Min. Franciulli Netto – DJU – 07.10.2002) (grifo nosso)
30
“A obrigação propter rem é aquela em que o devedor, por ser titular de um direito sobre uma coisa, fica sujeito a uma determinada prestação que, por conseguinte, não derivou da manifestação expressa
ou tácita de sua vontade. O que faz o devedor é a circunstância de ser titular do direito real, e tanto isso é verdade, que ele se libera da obrigação se renunciar a esse direito.” (RODRIGUES, Sílvio.
Direito Civil – Parte Geral das Obrigações. Vol. 2. 21 ed. São Paulo: Saraiva, 1993. p. 105). No caso dos danos ambientais, a afirmação final desta premissa é relativa, posto que ainda que transfira a
propriedade, o causador do dano, ainda que não mais na posse ou propriedade do bem, continua responsável por ele.
53
Bibliografia
AGUIAR JÚNIOR, Ruy Rosado de. O Poder Judiciário e a concretização das cláusulas gerais. Revista de Direito
Renovar, n. 18, p. 11-19, set./dez. 2000.
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RODRIGUES, Sílvio. Direito Civil – Parte Geral das Obrigações. Vol. 2. 21 ed. São Paulo: Saraiva, 1993.
STEIGLEDER, Annelise Monteiro. Considerações sobre o Nexo de Causalidade na Responsabilidade Civil por
Dano ao Meio Ambiente. Revista de Direito Ambiental. São Paulo, ano 8, n. 32, p. 83-103.
Resumo. Este trabalho tem como objetivo o estudo de aspectos controvertidos do instituto da reserva legal florestal,
notadamente no que se refere ao que chamaremos de desmatamento lícito ou ilícito, questões que se revelam de suma
importância para o desdobramento das suas conseqüências na esfera jurídica do direito do particular.
Palavras-chaves: Reserva legal. Reserva legal florestal. Limitações e restrições ambientais. Limitações e restrições
administrativas. Desmatamento lícito. Desmatamento ilícito. Código Florestal.
1
DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro – p 105
2
ROLIM, Luiz Antônio. Curso de Direito Romano – p 187.
3
ARIMATÉIA, José Rodrigues. O Direito de Propriedade. P 18
55
Guilherme Calmon Nogueira Da Gama4, abordando daquele diploma7. No Código atual, a matéria é tratada
não apenas a função social no direito de propriedade, mas no artigo 1.221, que repetindo a preferência do legislador
também em todo o direito civil, nos dá uma boa idéia do de 1916, optou por relacionar os direitos decorrentes e
significado da função social, a saber: atribuídos ao proprietário.
O sentido da expressão da função social deve De maneira geral, à mingua de uma definição mais
corresponder à consideração da pessoa humana não perfeita, os autores preferem a definição da propriedade
somente uti singulus ou uti civis, mas também uti socius. como sendo o direito de usar, gozar e dispor da coisa, e
Neste contexto, a doutrina da função social emerge como reivindicá-la de quem injustamente a detenha, o que não
uma matriz filosófica apta a restringir o individualismo, torna difícil concluir que o legislador brasileiro optou por
presente nos principais institutos jurídicos, face aos adotar a mesma postura dos doutrinadores e de outras
ditames do interesse coletivo, a fim de conceder igualdade legislações.
material aos sujeitos do direito. Trata-se de uma transição A questão principal advinda dos atributos do direito
do individualismo para a sociabilidade. de proprietário, antes e principalmente hoje, fixa-se na
O homem vive no ambiente natural, necessitando forma de usar e gozar deste direito, vale dizer, quais são
dos recursos nele existentes para sobrevivência da sua os seus limites, pois que os direitos de usar e gozar já não
espécie, inclusive das futuras gerações. É necessário são absolutos. As limitações são de toda ordem, pública
conservar o meio ambiente como um bem comum, visando ou privada, em prol da coletividade ou de outro indivíduo,
a qualidade da vida, seguindo aqui os termos empregados decorrentes de lei ou de contrato.
pelo legislador constituinte, emergindo daí, como menciona
Rui Carvalho Piva5 “uma nova ordem de interesses que o Do direito adquirido do particular em face do
direito protege”. interesse comum
A Constituição Brasileira de 1937 foi a primeira a
abordar de maneira expressa a função social da propriedade A ordem jurídica de qualquer Estado democrático
privada. A Constituição atual não faz referência expressa tem como uma das bases mais sólidas o princípio da
às limitações administrativas. Entretanto, o princípio segurança jurídica. Aliás, o Estado de Direito tem este
implícito da supremacia do interesse público, de um lado, princípio como base maior, concedendo aos cidadãos
e a enunciação da função social da propriedade (art. 5.º, das mais diversas e diferentes classes sociais proteção e
XXIII e art. 170, III, ambos da CRFB/88), de outro, estão estabilidade das relações entre as pessoas e entre estas e o
a indicar os fundamentos para qualquer tipo de intervenção próprio Estado. A proteção do direito adquirido, da coisa
do Estado na propriedade, inclusive das limitações julgada e do ato jurídico perfeito, constitui importante
genéricas. instrumento para a manutenção da segurança jurídica e a
Para melhor compreensão da natureza das restrições estabilidade nas relações entre os jurisdicionados.
impostas ao particular pelo instituto da reserva legal Em face desta segurança jurídica, na hipótese de
florestal, é preciso definir o direito de propriedade na mudança na legislação, os atos praticados sob a égide da
legislação pátria. Nas palavras de Caio Mário da Silva lei anterior produzirão os efeitos segundo os termos da
Pereira6, “Não existe um conceito inflexível do direito de lei revogada. Neste contexto, é possível visualizar, desde
propriedade” tamanha é a divergência entre os conceitos já, que aquele que promoveu o desmatamento lícito, vale
apresentados pelos diferentes estudiosos e das mais dizer, de acordo com a lei vigente à época da abertura
diversas ciências que se debruçam sobre tema. A verdade é da terra, não pode ter o mesmo tratamento dado àquele
que a propriedade mais se sente do que se define, como diz que promoveu a abertura da terra em contrariedade à lei
o mesmo autor,. vigente, embora seja certo que ambos devam se submeter à
Historicamente, embora sob censura, é comum os nova ordem legal. Isto não significa que o direito não possa
autores se referirem ao Código de Napoleão como a primeira ser objeto de restrições e limitações futuras em prol da
tentativa legal de definição do direito de propriedade coletividade e que estas limitações tragam conseqüências
(MONTEIRO, 1990, p. 88; PEREIRA, 1990, p. 71), que o como, por exemplo, direito de indenização do particular
definiu como sendo “O direito de gozar e dispor das coisas que agiu licitamente.
de maneira mais absoluta, desde que delas não se faça o Desta forma, ao lado da conclusão de que não
uso proibido pelas leis e regulamentos”. existe o direito adquirido do particular em face do interesse
O nosso Código Civil atual não dá o significado comum, concluímos também que as normas que impõem
de direito de propriedade, o que também se verificava na restrições ambientais de toda ordem aos particulares, entre
legislação pátria revogada através da leitura do artigo 524 elas o instituto da reserva legal, qualificam-se como normas
4
GAMA, Guilherme Calmon Nogueira. Função Social no Direito Civil. P. 3
5
PIVA, Rui Carvalho. Bem Ambiental. P 109.
6
PEREIRA, Caio Mário da Silva, Instituições de Direito Civil. P. 64
7
Art. 524 do Código Civil de 1916. “a lei assegura ao proprietário o direito de usar, gozar e dispor de seus bens e de reavê-los de quem injustamente os possua.”
57
analisados oportunamente, até mesmo porque, a versão Observa-se, desde já, que a norma se refere a terras
original e que teve vigência por algum tempo, não trouxe cobertas (“terras cobertas de matas”), ou seja, a proibição
as restrições hoje existentes. alcançou apenas o desmate e a exploração de terras cobertas
A edição da Lei 6.938/1981 (Política Nacional do com matas ou cobertura florestal existentes no momento da
Meio Ambiente) e de outras posteriores acabaram por mudar vigência da norma, vale dizer, não eram objeto do citado
de forma drástica o Código Florestal de 1965, bem como artigo as terras já exploradas, mas somente aquelas com
para produzir, de fato, uma legislação ambiental eficaz e cobertura, e desde que as matas não fossem resultantes da
com fortes traços de intervenção do domínio do particular iniciativa do proprietário.
em face do bem comum. Sobreveio a promulgação da Sob outro aspecto, a par da inexistência de qualquer
Constituição Brasileira de 1988, com abordagem direta disciplina quanto às terras já abertas, leia-se desmatadas,
da questão ambiental, fixando e estabelecendo a nível além do novo limite de 75% (3/4), e da não imposição de
constitucional as diretrizes do direito ambiental e a função qualquer penalidade ao proprietário que desmatou além
social da propriedade. daquele limite, existia até mesmo a previsão de indenização
A Lei 7.803/1989 alterou o Código Florestal para quando se tratava de florestas particulares (art. 24).
introduzir nele a exigência de averbação da reserva legal
junto à matrícula do imóvel, obrigação até então inexistente, Da reserva legal florestal no Código Florestal de
e fez outras alterações no Código Florestal de 1965. A 1965 e alterações posteriores
Medida Provisória 2.166-67/2001, introduziu inúmeras
alterações no Código Florestal e impôs ao particular ônus Se o Código Florestal de 1934 não trouxe grandes
de toda a ordem, sendo ela, ao lado dos Códigos Florestais mudanças, a não ser a instituição da chamada quarta-parte,
de 1934 e de 1965, as fontes legais mais importantes a o Código de 1965, que lhe sucedeu, já não teve esta mesma
serem analisadas neste trabalho. O Novo Código Civil timidez, trazendo inúmeros artigos disciplinando com
(2002) estabelece de maneira minuciosa as características maior abrangência a questão ambiental no Brasil, inclusive
da função social da propriedade, acentuando as restrições, com a introdução da área de preservação permanente (APP),
limitações e a função social da propriedade. conforme menciona Luis Carlos da Silva de Moraes12.
Embora mais amplo, é possível dizer que no seu
Da reserva legal florestal no Código de 1934 e artigo 1º, o novo Código também tem a mesma sinalização
anteriormente a ele daquele que substituiu, ou seja, disciplinar a proteção
das florestas existentes. De forma quase que invariável,
Esta foi a redação dada pelo legislador de 1934 ao as disposições deste novo Código sempre trabalham no
então polêmico artigo 23 do Decreto Federal nº 23.793/1934 sentido de proibição de exploração ou de supressão de
(Código Florestal), sendo, também interessante a florestas existentes.
transcrição do disposto no seu artigo 24: O artigo 18, por sua vez, é ainda mais claro ao
indicar que o objeto das normas do novo Código eram as
Art. 23. Nenhum proprietário de terras cobertas florestas e matas existentes. Tanto assim é verdade que
de matas poderá abater mais de três quartas partes da prevê, na hipótese de florestamento ou reflorestamento de
vegetação existente, salvo o disposto nos arts. 24, 31 e 52.” preservação permanente, o próprio poder público poderia
(Grifei) tomar esta providência, mediante, entretanto, o pagamento
§ 1º O dispositivo do artigo não se aplica, a juízo de indenização se estas áreas já estiveram sendo exploradas
das autoridades florestas competentes, às pequenas pelo proprietário. Eis o teor na íntegra desta norma:
propriedades isoladas que estejam próximas de florestas
ou situadas em zona urbana. (Grifei) Art. 18. Nas terras de propriedade privada, onde
§ 2º Antes de iniciar a derrubada, com a seja necessário o florestamento ou reflorestamento de
antecedência mínima de 30 dias, o proprietário dará ciência preservação permanente, o Poder Público Federal poderá
de sua intenção à autoridade competente, afim de que esta fazê-lo, se não o fizer o proprietário.
determine a parte das matas que será conservada. § 1º Se tais áreas estiverem sendo utilizadas com
Art. 24. As proibições dos arts. 22 e 23 só se referem culturas, de seu valor deverá ser indenizado o proprietário.
à vegetação espontânea, ou resultante do trabalho feito por
conta da administração pública, ou de associações protetoras É possível, portanto, concluir, que embora o
da natureza. Das resultantes de sua própria iniciativa, sem novo código tenha imposto uma restrição ainda maior ao
a compensação conferida pelos poderes públicos, poderá proprietário na exploração do solo, a questão das terras já
dispor o proprietário das terras, ressalvados os demais exploradas e que não constavam com coberturas florestais
dispositivos deste código, e desapropriação na forma da nos parâmetros estabelecidos no novo Código, tal como
lei. (Grifei) ocorreu com a legislação anterior, não foi objeto de
11
DUTRA, Ozório Vieira. Reserva Legal. P. 16
12
MORAES, Luis Carlos Silva de. Código Florestal Comentado. P. 32.
Uma das diferenças da reserva legal florestal do Da situação jurídica das áreas já exploradas antes dos
instituto das APP’s é que enquanto esta tem localização Códigos Florestais de 1934 e 1965. Dever de recompor e
definida na própria lei que a criou, aquela pode ser definida averbar a reserva legal florestal
pelo proprietário em qualquer área dentro do imóvel
(sujeita a aprovação pelo órgão ambiental), por exclusão, Tratando-se de normas que impõem restrições
por óbvio, nas áreas de APP’s. aos direitos dos particulares em prol do interesse comum,
Embora tanto o Código de 1934 quanto a versão considerando a evolução legislativa das normas que
original do Código de 1965 não tenha trazido a hipótese de regulam a reserva legal florestal, e, considerando, ainda,
reserva legal florestal extra propriedade, ou seja, em outro os aspectos históricos que envolvem a exploração das
imóvel, o artigo 44 deste último, com a redação que lhe deu terras no Brasil, é preciso que se faça a todo o momento
a MP 2.166/01, trouxe esta possibilidade. Portanto, para os uma consideração da situação da terra do particular nos
imóveis com área de reserva inferior ao fixado legalmente, momentos das sucessivas alterações que sofreram o
a partir daquela MP tornou-se possível a formação da instituto.
reserva florestal em outro imóvel. Este permissivo é para a Esta ilicitude ou licitude do ato de explorar o
regularização do imóvel rural e não para abertura de novas solo com cobertura florestal, somente é possível verificar a
áreas. partir da consideração de duas premissas básicas. Normas
ambientais vigentes nos diferentes períodos da história do
Da exploração econômica da reserva legal florestal Brasil e o momento no qual houve a abertura das áreas,
para que se possa, a partir da consideração da legislação
É proibido o corte raso das árvores que vigente naquele momento, estabelecer se a conduta do
compõem a reserva legal florestal. Corte raso é o termo proprietário particular foi lícita ou ilícita.
técnico que significa cortar na base todas as árvores de A primeira dificuldade com que nos deparamos é a
uma determinada área, mas existe a possibilidade da sua revelação de quando foi aberta a terra, que é imprescindível
exploração econômica (art. 2º do artigo 16 do Código para a formulação do raciocínio ao qual nos propomos. O
13
Ainda não votada até hoje.
14
Técnicas de condução, exploração e reposição praticadas de forma sustentável visando manter a proteção e o uso sustentável da vegetação nativa e obter benefícios econômicos
15
http://www.unicamp.br/unicamp/unicamp_hoje/ju/agosto2010/ju473pdf/Pag03.pdf
59
proprietário particular, certamente, não contará com prova florestal da área autuada.
documental, já que o instituto da prescrição acaba por Quanto à aplicação da nova lei a situações já
desobrigar o arquivo de documentos de tantos anos atrás. consolidadas, Fábio de O. Luchési defende que os
A princípio poderíamos imaginar que voltamos ao proprietários de imóveis “tinham o direito de praticar
início, pois se não houver prova de que a terra foi aberta o desmatamento na forma então regrada pela lei, e, se
antes do Código Florestal de 1934, ou até mesmo do o fizeram, esse fato passou a constituir uma situação
Código Florestal de 1965, se o imóvel não era coberto por correspondente a direito adquirido. Como já referido,
matas, a ilicitude seria presumida. Contudo, a história nos nenhuma regra de direito há que permita que a lei nova
fornece subsídios que ajudam a resolver esta questão sem retroaja para impor aos particulares obrigação em
maiores dificuldades, além da existência de norma jurídica contrário a direito que exerceram, ou que pudesse apagar
que resolve a questão. os efeitos da lei que incidiu sobre fato verificado sob o seu
Primeiro porque, historicamente, à exceção de império”. (RT-800 - junho de 2002 - 91º Ano - pág. 132).
alguns estados cujo desenvolvimento se deu de maneira Neste sentido também é o posicionamento do Ministro
mais tardia, na maioria dos estados brasileiros a exploração Marco Aurélio de Mello do STF (Revista Dinheiro Rural,
da terra já havia se consumado antes mesmo do início do edição de nº 61, de novembro de 200916).
século XX, portanto, milita em favor do proprietário destas Em sentido diverso é a doutrina de Paulo de Bessa
regiões a PRESUNÇÃO de que a terra foi aberta antes da Antunes, citado por Édis Milaré17, que comunga do mesmo
vigência do primeiro Código Florestal. Ademais, o estado entendimento, para quem a nova obrigação imposta aos
de direito consagra o princípio da inocência e da licitude proprietários particulares alcança também aqueles que
dos atos, salvo se houver reconhecimento em sentido promoveram a abertura da terra anteriormente, ainda que
diverso em processo legal. em conformidade com a legislação vigente à época.
Contudo, é na própria lei ambiental que encontramos Embora com sensível inclinação para a
elementos que demonstram a licitude ou ilicitude da confirmação da aplicação imediata da lei a todas as
abertura das terras no Brasil. Reportamos-nos à norma situações, e ao que nos parece em caráter irreversível, ainda
esculpida no artigo 37 do Código Florestal de 1965 (versão é possível encontrar na jurisprudência recentes decisões
original), que normalmente passa despercebida por aqueles em sentido contrário (TJMG Ap. Cível 1.0694.08.046421-
que analisam o instituto da reserva legal. Eis o teor daquela 7/001 – in Boletim AASP 2698, p. 1897). O STJ, por sua
norma: vez, confirma o seu entendimento pela aplicabilidade
imediata, ainda que se trate de terras abertas antes das
Art. 37. Não serão transcritos ou averbados no restrições (RMS 18.301/MG - REsp 821.083/MG).
Registro Geral de Imóveis os atos de transmissão “inter De nossa parte, não poderíamos nos furtar à
vivos” ou “causa mortis”, bem como a constituição de ônus obrigação de dar o nosso entendimento e a contribuição
reais, sobre imóveis da zona rural, sem a apresentação da sobre a matéria. Contudo, preferimos levar ao leitor uma
certidão negativa de dívidas referentes a multas previstas visão inicial sobre a posição da doutrina e da jurisprudência.
nesta Lei ou nas leis estaduais supletivas, por decisão Outro não poderia ser o nosso entendimento senão a
transitada em julgado. de que a aplicabilidade é imediata e alcança qualquer
situação, inclusive as terras já abertas em conformidade
Embora o Código Florestal de 1965 tenha sofrido com a legislação vigente quando da abertura. Isto decorre
inúmeras alterações, esta norma mantém-se com a mesma da própria natureza da norma ambiental, que dada a
redação até os dias atuais. Portanto, a partir desta norma, supremacia do interesse coletivo, não se coaduna com a
e considerando que todas as terras registram inúmeras manutenção do direito do particular em detrimento de toda
alienações e onerações de toda ordem desde o período a coletividade.
de vigência do primeiro Código Florestal, bastando para
esta constatação uma análise da cadeia dominial a partir Do direito de indenização das áreas já exploradas e
dos arquivos do registro público, é possível concluir que, do ônus da recomposição da reserva legal florestal
se houve o registro de títulos translativos ou até mesmo
qualquer outro ônus real, é porque o imóvel não foi objeto Embora sujeito à nova legislação, isto não significa
de nenhum auto de infração ambiental, notadamente no que o particular deva arcar com o ônus da recomposição
que se refere à regularidade da reserva florestal, pois que da reserva legal quando promoveu a abertura da terra de
do contrário, teriam sido tomadas as medidas competentes forma lícita e em conformidade com a legislação vigente
pelo Estado visando a recomposição da reserva legal à época da exploração da terra. Outra questão diferente,
16
http://www.terra.com.br/revistadinheirorural/edicoes/61/artigo156948-1.htm
17
Milaré, Édis. P. 753.
18
PIVA, Rui Carvalho. Bem Ambiental. P 123.
19
STJ – 2º T. - AgRg no AGRAVO DE INSTRUMENTO Nº 1.103.185 - SC (2008/0217310-5) 09/06/2009.
20
ARIMATÉA, José Rodrigues. O Direito de Propriedade. Limitações e Restrições Públicas. P. 160.
21
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/1930-1949/D23793.htm
61
O Código de 1934 classificou no seu artigo 3º as No Código Florestal de 1965 (vigente), a norma
florestas existentes em protetoras, remanescentes, modelo correspondente encontra-se esculpida no artigo 18, que
e de rendimento. No artigo 4º definiu as áreas florestais também garante não apenas o direito de indenização do
consideradas protetoras, o que hoje mais se assemelha a particular, mas também que o Poder Público deverá fazer
áreas de APP’s. As remanescentes foram definidas no artigo o reflorestamento, se acaso assim não optar o particular. O
5º, como sendo os parques públicos ou as de espécies de texto legal, que não sofreu nenhuma alteração, é claro neste
interesse biológico. sentido:
Expostas estas premissas, é possível analisar o
disposto nos artigo 11, 12 e 13 (texto original), os quais, Art. 18. Nas terras de propriedade privada, onde
já naquela época asseguravam ao proprietário particular seja necessário o florestamento ou o reflorestamento de
atingido pela limitação, o direito de indenização. Estas preservação permanente, o Poder Público Federal poderá
foram as redações originais21 destes artigos (sic): fazê-lo sem desapropriá-las, se não o fizer o proprietário.
Art. 11. As florestas de propriedade privada, § 1° Se tais áreas estiverem sendo utilizadas com
nos casos do art. 4º, poderão ser, no todo ou em parte, culturas, de seu valor deverá ser indenizado o proprietário.
declaradas protectoras, por decreto do governo federal, § 2º As áreas assim utilizadas pelo Poder Público
em virtude de representação da repartição competente, Federal ficam isentas de tributação. (Grifei)
ou do conselho florestal, ficando, desde logo, sujeitas ao
regime deste código e à observância das determinações Com a exposição contida neste tópico, concluímos
das autoridades competentes, especialmente quanto ao e esperamos ter demonstrado que o proprietário que
replantio, à extensão, à oportunidade e à intensidade da promoveu a abertura lícita das terras tem direito de
exploração. indenização referente à diminuição do proveito econômico
Paragrafo único. Caberá ao proprietário, em tais do bem decorrente da limitação ou restrição ambiental que
casos, a indenização das perdas e damnos comprovados, passou a sofrer o imóvel com o advento de novas leis, e que
decorrentes do regimen especial a que ficar subordinado. o poder público deve arcar com todos os custos relativos à
Art. 12. Desde que reconheça a necessidade ou recomposição da reserva legal.
conveniencia, de considerar floresta remanescente, nos
termos deste codigo, qualquer floresta de propriedade Do projeto de alteração do Código Florestal
privada, procederá o governo federal ou local, à sua
desapropriação, saIvo se o proprietario respectivo se Embora este breve estudo tenha como objeto as
obrigar, por si, seus herdeiros e successores, a mantel-a sob normas vigentes, com estudo subsidiário das normas já
o regimen legal correspondente. revogadas, não poderíamos deixar de abordar neste trabalho
Art. 13. As terras de propriedade privada, cujo a existência do projeto de lei em trâmite no Congresso
florestamento, total ou parcial, attendendo à sua situação Nacional e que tem como objeto proposta de alteração do
topographica, for julgado necessario pela autoridade Código Florestal, porquanto que estas alterações provocam
florestal, ouvido o conselho respectivo, poderão ser sensíveis e importantes alterações neste diploma legal.
desapropriadas para esse fim, se o proprietario não As alterações mais importantes e relacionadas ao
consentir que tal serviço se execute por conta da fazenda tema em estudo dizem respeito à manutenção da exploração
publica, ou se o não realizar elle proprio, de accôrdo com das terras já abertas, tratamento diferenciado para a
as instrucções da mesma autoridade. pequena propriedade, o cômputo das Áreas de Preservação
§ 1º Caso o proprietario faça o florestamento, terá Permanente no cálculo do percentual da Reserva Legal, a
direito às compensações autorizadas pelas leis vigentes. instituição dos Programas de Regularização Ambiental –
PRA que deverão dispor sobre a adequação dos imóveis
A leitura do artigo 4º, como já falamos, nos remete rurais ao Código Florestal. Os Estados também passarão a
ao que hoje conceituamos como área de preservação legislar quanto às APP’s já exploradas.
permanente (APP), pois que se refere à conservação do Importante observar que, diferentemente do que tem
regime de águas, a evitar erosão, a fixar dunas, etc. Com sido divulgado pela imprensa, o fato da área estar sendo
a entrada do primeiro Código Florestal elas passaram a explorada e aberta antes de 22/07/2008 não dispensará
ser consideradas florestas protetoras e, se localizadas em o proprietário da regularização e da recomposição nos
propriedade particular, através dos artigos 11, 12 e 13, percentuais estabelecidos no Código Florestal, mas
foram assegurados aos proprietários particulares o direito apenas lhe garante a manutenção da exploração até que
de indenização. seja promulgado o PRA e haja adesão do produtor a ele
Bibliografia
ARIMATÉA, José Rodrigues. O direito de propriedade: limitações e restrições públicas. Franca: Lemos e Cruz Livraria
e Editora, 2003.
DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro: direito das coisas. 22. Ed. São Paulo, Saraiva, 2007.
DUTRA, Ozório Vieira. Reserva Legal. São Borja: Editora Conceito, 2009.
GAMA, Guilherme Calmon Nogueira da (org.). Função social no direito civil. São Paulo: Editora Atlas. 2007.
MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. 36. ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2010.
MILARÉ, Édis. Direito do Ambiente: a gestão ambiental em foco. 6. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009.
MORAES, Luíz Carlos Silva da. Código florestal comentado. 4. ed. São Paulo: editora Atlas, 2009.
PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de Direito Civil. 9. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1990. Vol IV.
PIVA, Rui Carvalho. Bem Ambiental. São Paulo: Editora Max Limonad, 2000.
ROLIM, Luiz Antônio. Instituições de direito romano. São Paulo: RT, 2000.
SILVA, Américo Luís Martins. Direito do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais. São Paulo; Ed. Revista dos
Tribunais, 2005. v. 2.
63
Mudanças climáticas e florestas: histórico das negociações, impasses e
perspectivas em relação à implementação de mecanismos de REDD
Resumo: Este artigo pretende debater os desafios que se colocam na discussão contemporânea sobre a adoção dos
mecanismos de Redução de Emissões por Desmatamento e Degradação Florestal (REDD), por meio de uma análise
do contexto de seu surgimento e das perspectivas reais de sua adoção. Os mecanismos de REDD surgiram como um
dos instrumentos de mitigação das conseqüências danosas causadas pelas mudanças climáticas em todo o planeta. A
bibliografia utilizada foi reunida essencialmente a partir de documentos online, extraídos de sites oficiais e fontes primárias.
Concluiu-se que as iniciativas de REDD podem resultar em um duplo benefício, que contribui de forma significativa
para o desenvolvimento sustentável: a mitigação dos efeitos das emissões de Gases de Efeito Estufa na atmosfera e a
conservação e uso sustentável dos recursos florestais, por meio da contenção do desmatamento e da degradação florestal.
Palavras-Chave: Meio Ambiente, Desenvolvimento Sustentável e Questões Globais. Mudança do Clima. Emissões por
desmatamento. Florestas. Desmatamento. Degradação ambiental. Conservação Florestal.
65
é reconhecido que o desmatamento é uma das principais Para que as Partes da Convenção atinjam
causas para o aquecimento global. O Banco Mundial suas metas de redução de emissões de GEE até 2012, o
aponta que 1,6 bilhões de pessoas no mundo dependem, em Protocolo de Quioto estabeleceu os chamados mecanismos
algum nível, das florestas para a sua sobrevivência (UNEP; de flexibilização, permitindo aos países alcançarem parcela
FAO; UNFF apud WORLD BANK, 2009, p. 14). de suas metas por meio de transações de créditos de carbono
relacionadas a ações realizadas fora de seu território12.
Mudanças climáticas e o setor florestal Um deles, o Mecanismo de Desenvolvimento
Limpo (MDL), foi pensado para estimular a redução
Entre as suas várias funções, as florestas de emissões de uma forma economicamente viável
desempenham papel fundamental no contexto climático para os países do Anexo I que não conseguem alcançar
mundial. Se mantidas em pé e conservadas, elas preservam domesticamente sua meta de redução de emissões de GEE.
sua capacidade de capturar e armazenar carbono; se sofrem Eles passam a poder recorrer à compra de créditos de
desmatamento e degradação florestal, há emissão de gás carbono derivadas de projetos locais realizados em países
carbônico provocada pela queima ou por sua debilidade em desenvolvimento, desde que seus projetos contribuam
em capturar este gás, contribuindo para o aumento de GEE para redução ou captura de emissões de GEE nestes
na atmosfera. Sabe-se que atualmente 18% das emissões locais e assim também impulsionem um desenvolvimento
globais de GEE são provenientes do desmatamento e da sustentável.
mudança do uso do solo (IPCC, 2007, p. 36). Um dos tipos de projetos aceitos são as ações de
A principal iniciativa da ONU, que disciplina a florestamento e reflorestamento em áreas degradadas
questão climática, é a Convenção-Quadro das Nações (incluído nas iniciativas de MDL durante a COP-7,
Unidas sobre Mudança do Clima (CQNUMC10). Assinada realizada em 2001, por meio do Acordo de Marraquesh)
em 1992, durante a Rio 92, entrou em vigor em 1994. (UNFCCC), de forma restrita ao mercado obrigatório de
Desde 1995 são realizadas anualmente as Conferências carbono13 (LAMY; MERTENS; MOUTINHO, S/d, p. 6).
das Partes (COP) para discutir os progressos e entraves dos As emissões evitadas de desmatamento foram excluídas da
objetivos da Convenção. regulamentação do MDL (mecanismo baseado em projetos)
A CQNUMC dividiu as suas Partes signatárias em principalmente por que haveria “risco de vazamento ou
dois grupos: países do Anexo I e países não pertencentes leakage (emissões evitadas em um determinado lugar
ao Anexo I. Segundo o texto (UNITED NATIONS, 1992c, acabam ocorrendo em outro)” Além disso, poderia haver a
Artigo 4.2), os países listados no Anexo I, isto é, nações “super oferta de créditos, o que jogaria o preço do crédito
desenvolvidas e em transição para uma economia mercado, de carbono para baixo” (MONZONI, 2009).
comprometem-se a, entre outras atividades, a adotar Paralelamente ao mercado obrigatório de
políticas nacionais e medidas de mitigação da mudança carbono, existe um mercado voluntário. Este é aplicado
do clima por meio do estabelecimento de limites para a nas negociações de créditos de carbono realizadas por (i)
emissão de GEE, individualmente ou em cooperação com empresas que não possuem metas atreladas ao Protocolo
outras Partes. de Quioto e, por isso, são consideradas ações voluntárias e;
Para os países não Anexo I – em desenvolvimento (ii) governos locais que, por iniciativa própria, resolveram
– ficou definido que devem implantar programas nacionais reduzir suas emissões. O mercado voluntário possui
de mitigação e elaborar seus respectivos inventários participação de 3% no cenário global de carbono.
nacionais de emissões de carbono. A redução de emissões de carbono causadas pelo
O Protocolo de Quioto11 é o mais importante desmatamento e pela degradação florestal em países em
instrumento da CQNUMC. Formulado em 1997 durante a desenvolvimento (REDD) foi criada como iniciativa não-
COP-3, entrou em vigor em julho de 2001 e estabelece para oficial e paralela às negociações no âmbito do Protocolo
os países desenvolvidos (Anexo I) metas e compromissos de Quioto, colocando-se em alguns mercados voluntários
relativos à redução das emissões de GEE (UNFCCC, 1997, de crédito de carbono, como o Chicago Exchange e o
Artigo 25.1) em pelo menos 5% no primeiro período de Voluntary Carbon.
compromisso – 2008 e 2012–, em comparação com níveis
verificados no ano de 1990 (UNFCCC, 1997, Artigo
3.1).
10
United Nations Framework Convention on Climate Change (UNFCCC, sigla em inglês). Informações disponíveis no site <http://unfccc.int>. Versão em português disponível em <http://www.mct.gov.
br/index.php/content/view/4069.html>. Acesso em 23jul. 2010.
11 O Protocolo de Quioto pode ser lido na íntegra nos seguintes sites: <http://www.onu-brasil.org.br/doc_quioto.php>, para o texto em português, e <http://unfccc.int/resource/docs/convkp/kpeng.pdf>,
para o texto em inglês. Acesso em 04jun. 2010.
12 São três os principais mecanismos de flexibilização: Emission trading, Joint implementation e Clean Development Mechanism (CDM, sigla em inglês, ou Mecanismo de Desenvolvimento Limpo –
MDL), definido no Artigo 12 do Protocolo. Para as negociações entre países do Anexo I, podem ser aplicados o ET ou o JI.
13 Decisão 11/CP.7, elaborada na COP-7 em 2001 na cidade de Marraquesh. Disponível em <http://unfccc.int/methods_and_science/lulucf/items/3063.php>. Acesso em 13set. 2010.
14
Estes dois países fazem parte e tiveram o apoio da Coalizão das Nações com Florestas Tropicais, organização intergovernamental que reúne diversos países em desenvolvimento com florestas tropicais.
Informações disponíveis em < http://www.rainforestcoalition.org/eng/>. Acesso em 11out. 2010.
15
Além do Subsidiary Body for Scientific and Technological Advice, órgão dedicado aos assuntos científicos e tecnológicos da CQNUMC, existe o Subsidiary Body for Implementation (SBI, criado para
auxiliar na avaliação e cumprimento das decisões da Convenção.
16
Informação disponível em <http://planetasustentavel.abril.com.br/noticia/ambiente/redd-desmatamento-degradacao-preservacao-floresta-531760.shtml>. Acesso em 02out. 2010.
Existe uma diferença entre a perda de estoque de carbono ocorrida por desmatamento em uma floresta intacta e uma floresta já ambientalmente degradada. Esta última floresta, por sua degradação, possui
menos carbono armazenado.
17
O Plano de Ação ou Mapa do Caminho de Bali foi a principal decisão da COP-13 (2007). O documento objetivou intensificar o ritmo de implementação da CQNUMC, principalmente por causa
dos resultados apresentados pelo IPCC em seu Quarto Relatório de Avaliação (disponível em <http://www.ipcc.ch/publications_and_data/ar4/syr/en/contents.html>). O documento definiu temas que
deveriam ser discutidos e acordadas até a COP-15. O Mapa do Caminho de Bali na íntegra está disponível em <http://unfccc.int/resource/docs/2007/cop13/eng/06a01.pdf>. Acesso em 12jul. 2010.
18
Disponível em disponível em <unfccc.int/resource/docs/2007/cop13/eng/06a01.pdf>. Acesso em 12jul.2010.
19
Disponível em <http://unfccc.int/resource/docs/2007/cop13/eng/06a01.pdf>. Acesso em 10out. 2010.
20
Hoje, algumas instituições já discutem a “versão REDD++”, que pressupõe a inclusão de atividades de florestamento e reflorestamento. Entretanto, como a discussão é bastante preliminar, esse ponto
não será abordado neste trabalho.
21
Informações completas sobre as reuniões e decisões da COP-15 estão disponíveis no endereço eletrônico <http://unfccc.int/meetings/cop_15/items/5257.php>. Acesso em 09out. 2010.
67
As resoluções pactuadas entre as Partes e ser integradas às Ações de Mitigação Nacionalmente
durante a COP-15 no que diz respeito especificamente Apropriadas (NAMAS)24.
a REDD+ (Sessão 6) foram apresentadas no Acordo de Além disso, é pressuposto na implementação de
Copenhague22. Nele, há o reconhecimento do papel crucial ações de REDD+ a sua complementaridade em relação
das reduções de emissões derivadas do desmatamento e aos programas florestais nacionais, a governança florestal
da degradação florestal, e ainda a necessidade de reforçar transparente e efetiva, o respeito pelos conhecimentos e
as remoções de GEE pelas florestas. Além disso, o texto direitos dos povos indígenas e tradicionais, a participação
afirma a necessidade de incentivos positivos para as ações ampla das partes interessadas e a consistência das ações em
de redução de desmatamento e degradação florestal e a relação à conservação da biodiversidade.
inclusão imediata de ações de conservação e manejo de Outro importante documento relacionado aos
florestas (REDD+), de forma a mobilizar capital financeiro resultados da COP-15 diz respeito à questões metodológicas
nos países desenvolvidos (UNFCCC, 2009a). para atividades relacionadas à iniciativas de REDD+25. A
O financiamento para que países em decisão requisita junto aos países em desenvolvimento e
desenvolvimento realizem ações de REDD+ também que são Partes da CQNUMC a (i) identificar vetores do
está previsto no Acordo de Copenhague (Sessão 8, junto desmatamento e da degradação florestal e que resultam
com ações de mitigação, adaptação, desenvolvimento e em emissões de GEE e os meios para encaminhá-los; (ii)
transferência de tecnologia e construção de capacidades). identificar atividades nacionais que promoveram a redução
Para tanto, os países desenvolvidos devem reforçar seus de emissões e o aumento de remoções e estabilização
compromissos de prover novos e adicionais recursos – o de estoques de carbono florestal; (iii) utilizar os guias e
Copenhagen Green Climate Fund, alcançando a somatória diretrizes mais recentes do IPCC para estimar as emissões
de US$ 30 bilhões para o período entre 2010 e 2012, e a florestais antrópicas de GEE e; (iv) estabelecer, de acordo
mobilização de US$ 100 bilhões até 2020 para encaminhar com a capacidade e circunstâncias nacionais, sistemas
projetos, programas, políticas e outras atividades em países robustos e transparentes de monitoramento das áreas
em desenvolvimento. florestais nacionais.
Assim, apesar de não ter sido estabelecido um
acordo legalmente vinculante ao final da COP-15, as Impasses, perspectivas e desafios para a
discussões sobre REDD+ avançaram de forma expressiva implementação de mecanismos de REDD
no que diz respeito à inclusão no mecanismo de ações
de conservação e manejo florestal. Em documento As vantagens e oportunidades derivadas de ações
não consensuado, produzido ao final da conferência23, de REDD vêm sendo apontadas de forma recorrente, e elas
iniciativas de REDD+ foram contempladas (as resoluções se resumem principalmente a: (i) combater o aquecimento
foram negociadas por todos os países, mas não houve global a um menor custo; (ii) promover incentivos à
acordo por consenso, sendo finalizado, assim, uma “draft conservação da biodiversidade; (iii) garantir a proteção aos
decision”). O texto diz que os países em desenvolvimento direitos dos povos indígenas e comunidades tradicionais
devem contribuir por meio de ações de mitigação no setor que vivem e dependem das florestas, melhorando suas
florestal que envolve as seguintes atividades: (i) redução condições socioeconômicas e valorizando seu papel de
de emissões oriundas de desmatamento; (ii) redução de agentes históricos que tem contribuído para a conservação
emissões oriundas de degradação florestal; (iii) conservação da floresta em pé (IPAM).
de estoques de carbono florestal; (iv) manejo sustentável Entretanto, tão importante quanto os pontos
de florestas e; (v) intensificação dos estoques de carbono positivos é a consideração dos principais desafios para
florestal (UNFCCC, 2009c). a implementação de iniciativas de REDD. Eles são
É importante ressaltar que as iniciativas de vinculados a dois aspectos principais: metodológicos e
REDD+, de acordo com a decisão, são voluntárias, devem políticos (FARIA, 2010, p. 105, apud ALVARADO &
ser implementadas conforme as capacidades de cada WERTZ-KANOUNNIKOFF, 2007, p. 10).
país e ser consistentes com as metas de desenvolvimento As questões metodológicas envolvem os seguintes
sustentável nacionais e com as respectivas necessidades pontos: adicionalidade, abrangência territorial, vazamento,
de adaptação, promover o manejo sustentável das florestas linha de base, monitoramento e financiamento. O aspecto
político está relacionado ao caráter complementar que
22
O principal resultado da COP-15 foi o Acordo de Copenhague, documento não legalmente vinculante, cujas determinações incluíram, entre outros pontos, um acordo entre as partes a respeito da
necessidade de realização de ações a fim de limitar o aumento da temperatura até em 2oC. Disponível em <http://unfccc.int/resource/docs/2009/cop15/eng/11a01.pdf#page=4>. Acesso em 05out. 2010.
23 Draft decision -/CP.15: Policy approaches and positive incentives on issues relating to reducing emissions from deforestation and forest degradation in developing countries; and the role of
conservation, sustainable management of forests and enhancement of forest carbon stocks in developing countries. Disponível em <http://unfccc.int/resource/docs/2009/awglca8/eng/l07a06.pdf>.
Acesso em 10out. 2010.
24 As NAMAS (da sigla em inglês Nationally Appropriate Mitigation Actions) são iniciativas direcionadas aos países em desenvolvimento, com o objetivo de intensificar as ações nacionais de mitigação
e adaptação no contexto das mudanças climáticas. As NAMAS incluem iniciativas de REDD, e esta ação pode ser aplicada no Brasil, por exemplo, já que este país é florestal e a maior parte de suas
emissões é derivada do desmatamento e mudança no uso do solo. Assim, se o Brasil adotar iniciativas de REDD, estará assumindo compromissos com a alteração do perfil de suas emissões de GEE
“atacando” justamente a sua maior fonte doméstica emissora de GEE.
25 Recomendações do SBSTA – Draft decision [-/CP.15]: Methodological guidance for activities relating to reducing emissions from deforestation and forest degradation and the role of conservation,
sustainable management of forests and enhancement of forest carbon stocks in developing countries. Disponível em <unfccc.int/resource/docs/2009/cop15/eng/l07.pdf>. Acesso em 03jan. 2011.
26
Créditos comprados para atingir a reduções de emissões que não puderam ser alcançadas internamente.
69
questões sociais e de desenvolvimento a serem incluídas? a proteção da biodiversidade e a melhoria da governança
Quais grupos incluir? Como incluir os direitos mais florestal.
substantivos dos atores envolvidos, tais como direito a terra A dimensão social é igualmente importante na
e direitos de acesso a recursos florestais? Como o processo medida em que viabiliza a permanência das comunidades
de verificação pode ser estruturado? Quais instituições dependentes das florestas em seus territórios, garantindo
estão aptas a implementar sistemas de MRV para questões direitos a terra e aos recursos locais. Ao mesmo tempo, esta
sociais e de desenvolvimento (REDD-net, 2010)? dimensão proporciona a preservação das características
Complementarmente às questões supracitadas, culturais e de organização social das populações locais,
existe a “falta de garantia da participação dos povos contribuindo para a preservação do patrimônio histórico e
indígenas e comunidades tradicionais na construção cultural da humanidade.
de política e projetos de REDD+”. Este ponto está Por fim, a dimensão econômica pode implicar
intrinsecamente atrelado à questão da governança de na geração de renda para as comunidades envolvidas na
implementação e gestão de projetos de REDD. As florestas conservação florestal, viabilizada por meio de projetos de
são vulneráveis às ações ilegais (comércio ilegal, crimes, REDD, uma vez que, com os direitos à terra e aos recursos
corrupção e conflitos) e ao desmatamento, uma vez naturais locais garantidos, as populações conseguem
que possuem fraca governança e políticas ineficazes de desempenhar suas atividades econômicas, tais como o
planejamento, de uso e de conservação. O destino das extrativismo e o manejo sustentável. Adicionalmente, a
florestas mundiais e dos direitos de quem nelas vive depende eventual repartição dos valores oriundos dos créditos de
de efetiva governança e de processos participativos, o que carbono gerados via projetos de REDD pode significar uma
inclui negociar com atores públicos e privados e reforçar renda adicional aos habitantes das áreas em questão. Assim,
instituições, leis e políticas florestais (UNEP; FAO; UNFF a geração de renda contribui para a redução da pobreza, um
apud Rametsteiner, 2009, p. 58). dos outros “co-benefícios” decorrentes da implementação
Conforme visto, a implementação de mecanismos de mecanismos de REDD (CIFOR, S/d., p. 7).
de REDD é política e tecnicamente complexa. São várias Tendo em vista essas dimensões, mostra-se
as questões ainda pendentes de resolução e que seguem evidente a intrínseca relação entre os múltiplos benefícios
sob debate no âmbito dos encontros da CQNUMC e decorrentes das iniciativas de REDD e o desenvolvimento
das iniciativas paralelas para alcançar um acordo que sustentável. A conservação e a redução do desmatamento
determinará a incorporação ou não das iniciativas no e da degradação florestal contribuem diretamente para o
segundo período de compromisso do Protocolo de Quioto27. cumprimento de dois compromissos, e suas respectivas
metas, assumidos por grande parte dos países do mundo:
Contribuição das iniciativas de REDD para o a Convenção sobre Diversidade Biológica e a Convenção-
desenvolvimento sustentável Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima.
Da mesma forma, as medidas de REDD
As alterações climáticas serão um dos fatores constituem-se como uma das estratégias de implementação
que irão definir as perspectivas de desenvolvimento e viabilização de um dos pontos abordados pela Agenda
humano28 durante o século XXI. Através do seu impacto na 21, voltado ao combate ao desmatamento. À época
ecologia, precipitação, temperatura e sistemas climáticos, da elaboração da Agenda, “o papel das florestas como
o aquecimento global afetará diretamente todos os países sorvedouros e reservatórios nacionais de gás carbônico”
(PNUD, 2007, p. 24 e 31). (UNITED NATIONS, 1992a, cap. 11) já era reconhecido,
A implementação de projetos de REDD pode ao lado de seus múltiplos papéis, funções e recursos. Estes
significar, potencialmente, múltiplos impactos e benefícios. são apontados como essenciais ao desenvolvimento –
Os pontos de impasse e desafios que estiveram em discussão pois implicam na geração de empregos e na diminuição
até o presente, principalmente durante a COP-15, indicam da pobreza - e à preservação do meio ambiente global
que as partes envolvidas nas negociações dos mecanismos (UNITED NATIONS, 1992a, cap. 11).
de REDD estão buscando uma configuração que contemple
três principais dimensões: a sustentabilidade ambiental, Conclusão
social e econômica.
No que diz respeito à dimensão ambiental, as A definição da estrutura de funcionamento de
resoluções caminham para mecanismos que façam parte, mecanismos de REDD e as conseqüentes iniciativas de
em primeiro lugar, dos esforços globais de redução das implementação são consideradas ações de alta relevância
emissões de GEE, mitigando os efeitos do aquecimento no contexto global, principalmente sob a perspectiva de
global, mas que também sejam instrumentos voltados para determinados aspectos.
27
Uma referência para aprofundamento nos desafios da implementação do mecanismo de REDD+ é a seguinte: Realising REDD+: national strategy and policy options. CIFOR. Edited by Arild
Angelsen. 2009. Disponível em < http://www.cifor.cgiar.org/>. Acesso em 13out. 2010.
28
De acordo com RDH 2007-2008, “O desenvolvimento humano diz respeito às pessoas. Diz respeito ao alargamento do seu leque de escolhas e das suas liberdades essenciais – o seu potencial
humano – de modo que lhes seja permitido viver uma vida que valorizem. Para o desenvolvimento humano, o poder de escolha e a liberdade significam mais do que uma mera ausência de restrições“
(PNUD, 2007, p. 24).
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Resumo: Estimativas recentes revelam que a biodiversidade da Amazônia pode corresponder a metade da existente no
planeta, riqueza que salvaguarda uma série de serviços ambientais e processos biológicos vitais. A síntese das determinações
enunciadas na Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (UNFCCC) apresenta a ampliação do
debate sobre florestas e a perspectiva de geração de um instrumento de Redução de Emissões por Desflorestamento
e Degradação Florestal (REDD), dentro da UNFCCC, que recompense economicamente os países com grandes áreas
de florestas preservadas. Enquanto as negociações sobre REDD são discutidas entre as partes, várias iniciativas de
implantação de projetos voluntários sub-nacionais estão se difundindo pelo mundo, gerando benefícios climáticos,
ambientais e sociais, bem como servindo de aprendizado para outros potenciais projetos decorrente de um futuro acordo
internacional. Este artigo teve como objetivo trazer a temática das florestas dentro e fora do espaço das negociações
internacionais sobre mudanças climáticas e seus potenciais benefícios para a biodiversidade e para as comunidades da
Floresta Amazônica à luz do Projeto da RDS do Juma, localizado no município de Aripuanã, Amazonas. O trabalho
conclui que a implementação de projetos voluntários de REDD pode ser uma ferramenta eficaz para a preservação da
biodiversidade e da dignidade dos povos da Amazônia. Não obstante, deve-se buscar um acordo internacional que suceda
o Protocolo de Quioto, o qual viabilize a operacionalização de um esquema de REDD em escala nacional de forma
equitativa e que favoreça a integralidade dos benefícios proporcionados pela proteção das florestas.
Palavras-Chaves: Meio Ambiente. REDD. Desflorestamento. Degradação florestal. Projeto Juma. Biodiversidade.
Comunidades locais.
73
o da Reserva de Desenvolvimento Sustentável (RDS) O Food and Agriculture Organization (FAO)
do Juma – difundem-se pelo mundo e geram benefícios define o desflorestamento como: “A conversão de floresta
sócio-climático-ambiental diretos, bem como servem de para outro uso da terra ou a redução a longo prazo da copa/
aprendizado para potenciais projetos sobrevindos de um cobertura abaixo do limiar mínimo de 10%”(FAO, 2007,
futuro acordo internacional. p. 8). Se o teto arbóreo é reduzido abaixo deste limiar, o
desmatamento é caracterizado. Visando uma harmonização
O valor intrínseco das florestas conceitual e sintetizando definições controversas pode-
se caracterizar a degradação florestal como a redução da
As florestas desempenham uma insubstituível cobertura do dossel e/ou estocagem de floresta - através
função na regulação do clima da Terra, fato esse que se da exploração madeireira, fogo, extração de lenha para
deve por elas serem responsáveis por cerca de metade uso combustível, além de outros eventos – até o limite de
do reservatório de carbono terrestre. Somente a Floresta 90% (limite de caracterização de uma floresta). Entende-
Amazônica - representando 21% da área de florestas se, assim, que até 90% de uma floresta pode ser desmatada
tropicais - corresponde a 11% do estoque terrestre de antes dela ser considerada desmatada (FAO, 2009)
carbono do mundo. Este quadro aponta para a importância
da abordagem de combate ao desflorestamento e à
degradação florestal para a mitigação das alterações
climáticas (UNFCCC, 2009).
A degradação das florestas e dos solos são problemas contudo, reside a importância das florestas. Além de
graves, particularmente nos países em desenvolvimento. prestarem diversos serviços ecológicos as florestas
Em 2000, a área total de florestas degradadas e terras tropicais também abrigam a maior riqueza em espécies do
florestais em 77 países tropicais foi estimada em cerca de planeta e sua manutenção propicia o benefício adicional de
800 milhões de hectares. A deterioração da floresta é uma preservar o habitat de diversas comunidades biológicas do
das principais fontes de GEEs, apesar de sua importância planeta. Cobrindo apenas 7% da área de solo da Terra elas
não ter sido estimada em escala global. Em algumas regiões abrigam incríveis 70% das espécies terrestres e, igualmente,
as emissões provenientes deste processo são tão, ou mais, grandes proporções de espécies endêmicas. A maior parte
importantes do que as de desmatamento (FAO, 2009 p.7). dos desmatamentos ocorre em florestas tropicais de alta
Não somente em sua inestimável função climática, biodiversidade, como as que existem no Brasil, e a redução
74 Revista Juris da Faculdade de Direito, São Paulo, v.5, jan/junho. 2011.
daqueles vai além do combate às mudanças climáticas, Somente em 2005, na COP-11 em Montreal, a partir
mas redundam em menor perda de habitat para centenas de de uma proposta elaborada pela Papua Nova Guiné, as
milhares de espécies (UNFCCC, 2006). florestas passaram a receber maior atenção nas deliberações
Por fim, os recursos florestais, alem de prover sobre alterações climáticas devido ao seu papel estratégico
serviços ambientais e produtos valiosos para o homem, fundamental de mitigação. A idéia básica apresentada
sustentam diretamente os meios de vida de 90% da 1,2 por trás do conceito de Redução de Emissões por
bilhões de pessoas que vivem em extrema pobreza. As Desmatamento e Degradação (REDD) é a de que os países
comunidades locais dependem das florestas como fonte de que estão dispostos e possuem condições de reduzir as
combustível, alimento, medicamento e abrigo. A pobreza emissões por desmatamento deveriam ser recompensados
e a pressão populacional podem levar à perda inexorável financeiramente (KAROUSAKIS, K., 2009, p. 10).
da cobertura florestal, mantendo as pessoas presas em um A maior decisão para estimular ações de redução
ciclo perpétuo de miséria, comprometendo seu combate de emissões por desflorestamento e degradação florestal
(GCP, 2009, p. 12). em países em desenvolvimento, no entanto, foi adotada
pelas Partes durante a COP-13 em Bali, Indonésia (2008),
A evolução do REDD no âmbito da UNFCCC ocasião em que avanços significativos foram obtidos para a
inclusão de florestas no Regime Internacional do Clima. A
Apesar da incontestável importância dentro da Conferência em questão culminou com a adoção do Roteiro
vigente crise ambiental, as atividades relacionadas ao uso de Bali (Bali Road Map), um conjunto de futuras decisões
da terra ou a mudança em seu uso (Land Use, Land Use que representariam as várias direções essenciais a serem
Change and Forestry – LULUCF) - nas quais as ações seguidas na busca de alcançar a estabilização climática.
florestais estão inseridas - passam por um difícil processo O Roteiro de Bali inclui o Plano de Ação de Bali (Bali
de discussão e consenso no âmbito internacional das Action Plan) que objetiva direcionar as Partes a negociar
negociações climáticas. A crescente preocupação acerca um instrumento legal pós-2012 que considere possíveis
dos problemas provenientes do aquecimento global gerou incentivos financeiros para ações de mitigação focadas em
um processo de negociação internacional, objetivando florestas nos países em desenvolvimento (TNC-IDESAM,
estabilizar as concentrações de GEEs na atmosfera em 2009, p. 13; UNFCCC, 2010).
nível que reduziria o risco da influência antrópica no O tema REDD foi um dos assuntos mais discutidos
sistema climático. no período de dois anos entre Bali e Copenhagen (COP
As negociações, a princípio, direcionaram-se ao 15, 2009). O âmbito do REDD foi, a partir de então,
estabelecimento de metas diferenciadas entre as nações ampliado e seu conceito expandido para incluir também a
que historicamente mais contribuíram para a questão - conservação, o manejo florestal sustentável e o aumento
metas que foram consolidadas no Protocolo de Quioto em dos estoques de carbono, coletivamente designado por
1997. Este, apesar de firmar que determinadas atividades “REDD-plus”. (KAROUSAKIS, K., 2009, p. 10). Com
florestais devessem atender ao compromisso de redução de relação a “Aumento das Reservas Florestais de Carbono”
emissões de GEEs, não fez nenhuma referência explícita às entende-se atividades de aflorestamento e reflorestamento.
atividades de LULUCF, no que diz respeito ao Mecanismo de Sobre o tema “Gestão Sustentável das Florestas” o foco da
Desenvolvimento Limpo (MDL) - um dos três mecanismos discussão centrou-se na distinção das ações consideradas
oferecidos pelo Protocolo como opção de mitigação. Em como mantenedoras dos estoques de carbono, como forma
2001 o Acordo de Marrakesch estabeleceu que, no âmbito de garantir a inexistência de degradação florestal a longo
do MDL, os créditos de carbono poderiam ser adquiridos via prazo e de assegurar a manutenção dos estoques de carbono.
projetos de remoção de GEEs por sumidouros, limitados, A abrangência das atividades que devem ser consideradas
entretanto, a projetos de aflorestamento e reflorestamento. em um futuro esquema de REDD dentro da UNFCCC
Conforme definido no próprio acordo, aflorestamento (desflorestamento, degradação, conservação e valorização
refere-se à conversão direta - induzida pelo homem - de do estoque) é referido como “escopo do mecanismo” e
terra que não foi florestada por um período de pelo menos até hoje é um aspecto metodológico controverso (TNC-
50 anos em terra florestada. Reflorestamento, por sua vez, IDESAM, 2009 p. 16, 17).
relaciona-se à conversão diretamente induzida pelo homem Em 2009, pelo Acordo de Copenhague - documento
de terra não-florestada, mas que em momento anterior já de caráter não vinculativo - finalmente os países
fora florestada, em terra florestada. Posteriormente, em reconheceram a importância da redução das emissões
2003, foram definidas as regras para a inclusão destas geradas pelo desmatamento e pela degradação das florestas,
atividades no MDL (UNFCCC, 2010). bem como a necessidade de promover “incentivos” para
financiar ações pertinentes com a utilização de recursos de
países desenvolvidos (UNFCCC, 2009, p. 1).
75
O histórico das negociações mostra, pelo exposto, voluntários sub-nacionais estão se difundindo pelo mundo,
uma tendência de estabelecimento de um mecanismo de antecipando-se a qualquer decisão de âmbito internacional.
Redução de Emissões por Desflorestamento e Degradação
Florestal (REDD) que recompense economicamente os Projetos voluntários de REDD, embora marginais
países com grandes áreas de florestas preservadas. Até ao âmbito dos mercados oficiais de carbono, promovem
o momento, contudo, dúvidas quanto à permanência do benefícios sócio-ambiental originados da preservação
carbono estocado nas florestas, quanto à quantificação dos florestal e redução de emissões e têm fornecido valiosos
estoques de carbono nas diferentes formações florestais e subsídios ao enfrentar aspectos metodológicos centrais
quanto a outros diversos aspectos metodológicos são os relacionados à quantificação de carbono, monitoramento,
principais entraves científicos para se incluir integralmente adicionalidade (ou seja, se as reduções de emissões
a questão florestal em um mecanismo dentro da Convenção. obtidas como resultado de um projeto são adicionais
ao que teria ocorrido no business-as-usual contra-
Projetos voluntários de REDD factual), permanência e deslocamento de emissões. Esses
problemas são basicamente semelhantes aos defrontados
Com o amadurecimento da discussão sobre o pelos projetos florestais do MDL, o que ressalta o valor
REDD outras considerações, fora a questão do carbono, desses programas para a dinâmica de inclusão de outras
vêm sendo incorporadas. A tendência do debate sinaliza modalidades relacionadas ao setor de LULUCF em um
para uma abordagem mais integrada, que foque o problema acordo pós-2012.
das emissões de GEE em um cenário mais amplo, já que Adicionalmente, além de aprendizado técnico-
a conversão e a degradação dos ecossistemas florestais metodológico, estimulam a criação de uma capacitação
além de acarretarem alterações climáticas originam, institucional em países com frágil estrutura político-
também, perdas sociais, de biodiversidade e de funções governamental e que aspiram estabelecer um esquema
ecossistêmicas fundamentais. Esse contexto gera REDD em escala nacional. Por terem abrangência local e
oportunidade ímpar aos países detentores dessas reservas sub-nacional, esses projetos pilotos podem ser instituídos de
florestais, como o Brasil, que podem obter grande ganho forma muito mais rápida, evitando inúmeros e complexos
para a sua biodiversidade através da redução da perda de trâmites institucionais, jurídicos, administrativos e
carbono, uma vez que muitos ecossistemas que são grandes financeiros necessários à construção de um projeto de
em estoque de carbono são também em biodiversidade, magnitude nacional dentro de um mecanismo da UNFCCC.
particularmente nas regiões tropicais. Na América do Sul 17 projetos REDD já estão
A complexidade dos procedimentos e metodologias em estágio avançado de implantação e estão distribuídos
do registro de projetos florestais no contexto de Quioto em seis países: Bolívia (01), Brasil (07), Equador (01),
somada a falta de concretização de um esquema REDD Guatemala (03), Paraguai (01) e Peru (04). Juntos somam,
dentro da Convenção-Quadro das Nações Unidas para aproximadamente, 14,8 milhões de hectares de floresta
Mudanças Climáticas, no entanto, tem forçado a ida do tropical - área equivalente a 3,5 vezes o território da
Setor Florestal para o Mercado Voluntário de Carbono. Dinamarca – e visam evitar a emissão de cerca de 522.7
Enquanto as negociações sobre REDD são discutidas milhões de toneladas de CO2: equivalente a mais da metade
entre as partes, várias iniciativas bilaterais e multilaterais, das emissões totais anuais do setor de transporte na União
tanto pública quanto privada, de implantação de projetos Européia (TNC-IDESAM, 2009, p. 75, 76).
77
.
Fonte: IDESAM, 2009.
Figura 17 (mapa) Localização da área de creditação do Projeto de RED da RDS do Juma, mostrando também a BR-319, AM-174 e BR-230 e o município de Novo Aripuanã, Manicoré e Apuí.
O governo do Estado do Amazonas estabeleceu que prenunciam um futuro sombrio para a região – no
a RDS do Juma em 2006 e sua concretização é parte de qual tanto a biodiversidade quanto os povos muito podem
uma ampla estratégia iniciada em 2003 pelo Estado, perder. Esta previsão somada à de perda de grandes áreas
objetivando a contenção do desmatamento e promoção de floresta até 2050 - em um cenário business as usual –
do desenvolvimento sustentável através da valorização devido, dentre outras pressões, a anunciada pavimentação
dos serviços ambientais prestados pelas florestas. Estudos das estradas BR-319 e AM-174 pelo Governo Federal,
baseados em modelos que projetam um ambiente mais influenciou fortemente o governo do Amazonas na criação
quente e seco para a Amazônia prevêm alterações climáticas da Reserva. Estradas na Amazônia representam fortes
A perda da cobertura florestal implica não só a neutralizar as emissões de carbono decorrentes da sua
na perda de biodiversidade e de habitat da fauna como hospedagem através da contribuição de US$1 por noite.
também dos serviços ambientais fornecidos pela floresta. A Assim, os recursos financeiros oriundos dos créditos
comparação das perspectivas “sem projeto” e “com projeto” deverão ser dirigidos a promoção tanto da manutenção dos
mostra um grande ganho deste segundo cenário, o qual ao benefícios climáticos de redução de emissões de GEEs pelo
propiciar recursos necessários para garantir a manutenção desmatamento quanto de melhorias sócio-ambientais e
e o desenvolvimento sustentável, poderá evitar a perda iniciativas voltadas para a pesquisa científica e inventários
de 62% da área florestada da RDS do Juma até o ano de da riquíssima biodiversidade da Reserva.
2050, assim como favorecer concretamente a conservação A obtenção de créditos de carbono, oriundos da
da quase totalidade dessa área, além de outros benefícios redução de emissões do desmatamento, criará condições para
diretos à biodiversidade e às comunidades locais. atrair investidores e trazer ao estado os recursos financeiros
A RDS do Juma foi a primeira reserva a ser necessários à geração de políticas fortes e permanentes de
implantada após a criação e aprovação da Lei da Política controle e monitoramento de desmatamento, estabelecendo
Estadual de Mudanças Climáticas (PEMC-AM) e do um caráter financeiro auto-sustentável para a conservação,
Sistema Estadual de Unidades de Conservação (SEUC- melhoria nas condições de vida das comunidades locais,
AM), que forneceram o arcabouço legal necessário para além de reforçar o cumprimento das leis (IDESAM, 2009
a realização de projetos desse gênero no Amazonas. p.7-8, 40-41).
Sua criação e implementação efetiva, no entanto, só foi
possível graças à efetivação de um mecanismo financeiro Conclusão
de geração de créditos de carbono oriundos da Redução
de Emissões do Desmatamento – RED planejado Apesar da recente implantação do Projeto de RED
pelo governo deste Estado. A rede de hotéis Marriott da RDS do Juma, há a expectativa de que a preservação
International está financiando o projeto com investimentos da área e os cuidados e atenção dados à biodiversidade e
anuais de US$500 mil durante os quatro primeiros anos; às comunidades locais quando da concepção do mesmo,
receitas provindas de seus hóspedes, que são convidados contribuirão significativamente para a preservação da sua
79
fauna e flora respeitando os povos quem vive na região. Fora as chances do efeito de vazamento, assim como previna
os ganhos diretos para a biodiversidade e para a população o aumento global da temperatura a níveis que venham
local, o Projeto ainda poderá cooperar na geração de comprometer a permanência da floresta Amazônica.
conhecimento e experiência em diversos aspectos técnicos, Tal situação favoreceria a integridade dos benefícios
servindo, assim, de embasamento tanto a outros programas proporcionados por este e outros futuros projetos de REDD.
voluntários de REDD quanto para auxiliar na consolidação
de um futuro esquema de REDD dentro das negociações Abstract: Recent estimates show that the biodiversity
climáticas internacionais. Seu efeito emblemático, of the Amazon can match the existing half of the planet,
igualmente, poderá repercutir positivamente na sociedade safeguarding a rich variety of environmental services and
e nas decisões políticas nacionais e internacionais. biological processes vital to the Earth. The summary of
As características físicas da área do projeto somada the determinations set out in the Framework Convention
às condições político-econômico-social em comum com of the United Nations on Climate Change (UNFCCC)
outras regiões do estado do Amazonas poderão desenhar um presents a strengthening of debates on forests and the
valioso panorama das dificuldades e potencialidades de um prospect of creating an instrument of Reducing Emissions
programa de REDD na Amazônia. Entender, igualmente, from Deforestation and Forest Degradation (REDD)
como está sendo tratada a biodiversidade dentro do projeto within the UNFCCC that economically reward countries
trará sinalizações sobre a validade do mecanismo como with large forest areas preserved. While negotiations
ferramenta para a proteção da biodiversidade da Floresta on REDD are discussed between the parties, several
Amazônica. initiatives to implement sub-national volunteer projects are
Adicionalmente, apesar de seu caráter spreading throughout the world, generating direct climate,
exclusivamente voluntário - já que as reduções de environmental and social benefits as well as serving as a
emissões dele decorrentes não podem ser usadas para lesson for other potential projects arising from a future
compensar emissões, nem contabilizadas como parte de international agreement. This article aims to bring the
metas obrigatórias governamentais ou daquelas firmadas issue of forests within and outside the area of international
em tratados internacionais - o Projeto Juma ainda negotiations on climate change and its potential benefits
poderá contribuir para a concretização de outras metas e for biodiversity and the communities of the Amazon
programas tanto nacionais quanto internacionais. Suas rainforest in the light of the Juma Project, located in the
emissões evitadas vêm ao encontro das metas de redução municipality of Aripuanã Amazonas. The paper concludes
previstas no Programa Nacional de Mudanças Climáticas, that the implementation of REDD volunteer projects can
assim como a preservação de sua área poderá concorrer indeed be an effective tool for preserving biodiversity and
para os objetivos de Tratados, como o da Convenção da the dignity of the peoples of the Amazon. Nevertheless,
Diversidade Biológica, o da Convenção para Combate an international agreement to succeed the Quioto protocol
à Desertificação e outros programas de conservação de should be sought, making the operation of a reed scheme
espécies. possible on a national scale in a fair way that promotes the
Contrapondo-se aos potenciais benefícios do full benefits provided by forest protection.
Projeto, citados acima, os mesmos podem ter seus efeitos
minimizados ou até anulados se não buscar sua integração Key-words: Environment. REDD. Deforestation.
a um contexto mais amplo de compromissos nacionais Forest Degradation. Juma Project. Biodiversity. Local
e internacionais de preservação ambiental. Os projetos communities.
de REDD voluntários, por não se alinharem a nenhuma
política nacional de contabilização de emissões, permitem
o efeito de vazamento nacional e internacional, ou seja, o
desmatamento evitado por um projeto específico pode ser
deslocados para outros locais (dentro ou até mesmo fora
do país) e suas conseqüentes reduções de emissões seriam,
assim, anuladas. Esse efeito o comprometeria quer na
redução nacional de emissões de CO2, quer na garantia de
beneficio da biodiversidade.
O Projeto de REDD da RDS do Juma, a exemplo de
outros projetos dessa natureza, possui um grande potencial
de geração de benefícios, porém, é imprescindível a busca
de um acordo internacional que suceda o Protocolo de
Quioto que viabilize a operacionalização de um esquema
de REDD em escala nacional e minimize, ou até elimine,
80 Revista Juris da Faculdade de Direito, São Paulo, v.5, jan/junho. 2011.
Bibliografia
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81
Adoção por casais homoafetivos
Resumo: Atualmente, em razão das inúmeras crianças e adolescentes que se encontram em instituições para menores
e o número de pleitos de adoção por casais homoafetivos, tem-se realizado uma interpretação integrada das legislações
concernentes à adoção, do art. 226 da Constituição Federal, bem como dos arts. 4º e 5º da LICC. Isso para justificar que,
diante da intenção implícita das normas, que visam à tutela de qualquer família, independentemente de sua constituição,
bem como do interesse social, há a possibilidade de um casal formado por pessoas do mesmo sexo atender os princípios
da proteção integral à criança e ao adolescente e do melhor interesse da criança ao receber em seu seio familiar um filho.
Palavras-chaves: Adoção. Casais homoafetivos. Constituição Federal. LICC. Tutela. Interesse social. Princípios.
1
PIOVESAN, Flávia apud MOSCHETTA, Sílvia Ozelame Rigo. Homoparentalidade: direito à adoção e reprodução humana assistida por casais homoafetivos. Curitiba: Juruá, 2009, p. 118.
2
MOSCHETTA, Sílvia Ozelame Rigo. Homoparentalidade: direito à adoção e reprodução humana assistida por casais homoafetivos. Curitiba: Juruá, 2009, p. 118.
3
CANOTILHO, J. J. Gomes. Direito constitucional e teoria da constituição. 5. ed. Coimbra: Almedina, 2002, p. 424.
83
A Constituição Federal vigente passa a reconhecer Figueiredo10 que cada pleito seja de guarda, tutela ou
o status de família às outras formas de entidade familiar e adoção, partindo do princípio de que o legislador se
não só àquelas constituídas pelo instituto do matrimônio. utilizou de uma fórmula ampla e impositiva de análise,
Assim, deu também especial proteção à união estável, em deverá o caso ser acompanhado e estudado por uma equipe
seu art. 226, parágrafo 3º, que compreende a existência da técnica conjuntamente com o promotor de Justiça e o juiz,
união entre homem e mulher, devendo a lei facilitar sua levando-se em conta suas peculiaridades para análise de
conversão em casamento e a comunidade formada por cada caso concreto, a fim de verificar seu enquadramento
qualquer um dos pais e seus descendentes, também chamada ou não na vedação legal.
de família monoparental, em seu art. 226, parágrafo 4º. Com a aplicação dessa metodologia em que vários
Apesar de essas entidades familiares estarem olhares fazem a análise do mesmo caso, torna-se impossível
previstas de forma expressa no texto constitucional, a generalização ou mesmo a instituição de um rol taxativo,
por serem as mais comuns, devem ser encaradas como definindo o que é ou não um ambiente familiar adequado.
exemplificativas, uma vez que existe a presença de família Mesmo assim, podem-se exemplificar algumas situações
em situações diversas. que se encaixam nessa vedação, dando uma direção àquele
A família, como previsto no art. 226 da CF, é a que for interpretar a norma, servindo de base para a análise
base da sociedade, merecedora de proteção estatal. No do caso concreto.
entanto, apesar de trazer de forma expressa três tipos de Como exemplo, temos o art. 19 do próprio ECA,
entidade familiar, não trouxe nenhuma norma de exclusão ao dispor sobre o direito da criança e do adolescente à
a outros possíveis modelos de constituição, uma vez que o convivência familiar e comunitária, in verbis:
destinatário da proteção do Estado é a instituição família e
não suas espécies. Art. 19. Toda criança ou adolescente tem direito
a ser criado e educado no seio da sua família e,
Como exposto, várias são as possibilidades de excepcionalmente, em família substituta, assegurada
formação familiar, o que evidencia a crise da a convivência familiar e comunitária, em ambiente
tradicional família patriarcal e o surgimento de livre da presença de pessoas dependentes de
novos núcleos familiares ainda ignorados pelo substâncias entorpecentes.
Estado, mas cada vez mais frequentes e aceitos pela
sociedade neste início de século XXI. 9 Torna-se, portanto, inaceitável diante de
manifestação expressa do legislador que criança ou
adolescente seja colocada em família substituta em que
5. Adoção por Casais Homoafetivos: Possibilidade haja presença de pessoas dependentes de substâncias
Jurídica entorpecentes, como, por exemplo, viciada em drogas ou
alcoolista.
Atualmente, o instituto da adoção é regido tanto O referido autor ainda traz outros exemplos, como:
pelo Código Civil de 2002 como pelo Estatuto da Criança
e do Adolescente. O atual Código Civil determina pela Pessoas com antecedentes criminais, especialmente
aplicação subsidiária do ECA às adoções dos maiores de se tiveram como vítimas crianças/adolescentes ou
18 anos. Assim, os principais requisitos para adoção tanto se foram abusadores sexuais, não são indicadas
de menores como para de maiores de 18 anos são comuns. para serem adotantes [...]. Agressores de parentes
A seguir serão analisados os requisitos da adoção à próximos (esposa, filhos, pais etc.) [...] também
luz de sua possibilidade por casais homoafetivos. devem ter seus pleitos indeferidos.11
5.1 Da colocação em família substituta homoafetiva Nessa linha de raciocínio, o artigo 6º estabelece
a hermenêutica básica do Estatuto da Criança e do
O Estatuto da Criança e do Adolescente, ao dispor Adolescente, ao determinar que “levar-se-ão em conta
em seu art. 29 sobre a colocação em família substituta, os fins sociais a que ela se dirige, as exigências do bem
determina que “não se deferirá colocação em família comum, os direitos e deveres individuais e coletivos, e
substituta a pessoa que revele, por qualquer modo, a condição peculiar da criança e do adolescente como
incompatibilidade com a natureza da medida ou não pessoas em desenvolvimento”. Dessa forma, a sistemática
ofereça ambiente familiar adequado”. adotada pelo ECA foi o da proteção integral à criança e
Sobre esse requisito para o exercício da colocação ao adolescente, vistos como pessoas em desenvolvimento
em família substituta, ressalta Luiz Carlos de Barros com direito à proteção integral.
9
DINIZ, Maria Aparecida Silva Matias. Adoção por pares homoafetivos: uma tendência da nova família brasileira. Disponível em <http://www.ibdfam.org.br/?artigos&artigo=472>. Acesso em 20
fev. 2011.
10
FIGUEIRÊDO, Luiz Carlos de Barros. Adoção para homossexuais. 1ª ed., 9ª reimpr. Curitiba: Juruá, 2010, p. 78.
11
FIGUEIRÊDO, Luiz Carlos de Barros. Adoção para homossexuais. 1ª ed., 9ª reimpr. Curitiba: Juruá, 2010, p. 80.
5.2 Documentação necessária: o art. 197-A e o casal A Constituição Federal em seu art. 226, parágrafo 3º
homoafetivo reconhece como Entidade Familiar a união estável
entre homem e mulher, o que já representa enorme
Para que o candidato à adoção se habilite, deverá avanço social se comparado com a legislação
apresentar uma série de documentos que estão elencados anterior que apenas valorizava o casamento civil
no art. 197-A do ECA, com redação dada pela Lei nº e só dele emanavam direitos a respeito de filiação,
12.010/09. patrimoniais etc., o que levava a que basicamente
Será analisado igualmente o pedido formulado, seja todas as inovações neste campo fossem fruto
por um casal homoafetivo, seja por um casal heterossexual. de construções jurisprudenciais, que paulatina e
Em primeiro lugar será verificada a competência do juízo lentamente eram incorporadas à normativa interna.
e o atendimento às exigências referentes à documentação De toda sorte, por mais estável que seja, a união
e peças instrutórias. Em seguida, será feita a observação e entre dois homens ou duas mulheres não encontra
a análise do ambiente familiar quanto a sua adequação ao amparo no atual ordenamento jurídico brasileiro.13
caso, conforme previsto no art. 29 do ECA.
De uma forma geral, todos os incisos do referido Defendendo essa mesma posição, está Márcia
artigo podem ser atendidos por qualquer casal homoafetivo, Lopes de Carvalho, que, ao responder sobre a possibilidade
inclusive o inciso III que dispõe: “cópias autenticadas de adoção por um casal homossexual, alegou que “nossa
de certidão de nascimento ou casamento, ou declaração legislação ainda não permite casamentos homossexuais,
relativa ao período de união estável”. Isso porque, como então a adoção teria de ser feita por um membro do par,
entende Enézio de Deus Silva Júnior12, o período da união como solteiro.” 14
homoafetiva estável poderá ser atestado, por exemplo, por Contrariamente, os que defendem a possibilidade
escritura pública declaratória de união estável, expedida de adoção biparental homoafetiva, valem-se de uma
em favor de casais homoafetivos em todo o País pelos interpretação sistemática da matéria, uma vez que, o
cartórios. art. 226 da Constituição Federal deve ser compreendido
de forma exemplificativa, aplicando uma interpretação
5.3 Arts. 42 e 43 do ECA e a possibilidade da adoção ampliada das entidades familiares existentes e protegidas
biparental homoafetiva pela norma fundamental, “o que permite reconhecer a
união homoafetiva como espécie de entidade familiar”.15
Nenhuma vedação é apresentada em relação Sobre essa sistemática o MM. Juiz Sérgio Luiz
à adoção biparental homossexual, seja no ECA ou Kreuz, da Vara da Infância e Juventude de Cascavel no
no atual Código Civil, com redação dada pela Lei de Estado do Paraná, em decisão16 que julgou procedente
Adoção, seguindo, dessa forma, o norte trilhado pela a adoção por casais homoafetivos, salientou que o novo
nossa Constituição Federal, que veda a discriminação de modelo de família se estrutura nas relações de afeto, amor
qualquer natureza, inclusive em razão de sexo que inclui o e igualdade, e que o texto constitucional não exclui outras
preconceito com base na orientação sexual. formações familiares existentes, além daquelas expressas,
No entanto, é sustentada por muitos a ideia da destinando ao gênero família a titularidade da proteção
inviabilidade da adoção por pares do mesmo sexo em estatal e não às suas espécies de constituição. O que
decorrência do parágrafo 2º do art. 42 do ECA, com acarreta a identificação da união homoafetiva do caso em
redação dada pela Lei nº 12.010/2009. Neste é previsto ser tela como uma verdadeira família, merecedora de proteção
indispensável para adoção conjunta que os adotantes sejam estatal.
casados ou mantenham união estável, definida pelo art. Assim, ao se reconhecer a união homoafetiva como
1.723 do Código Civil como a entidade familiar formada entidade familiar, Enézio de Deus Silva Júnior17, entende
12
SILVA JÚNIOR, Enézio de Deus. A possibilidade jurídica de adoção por casais homossexuais. 4. ed. Curitiba: Juruá, 2010, p. 115.
13
FIGUEIRÊDO, Luiz Carlos de Barros. Adoção para homossexuais. 1ª ed., 9ª reimpr. Curitiba: Juruá, 2010, p. 94.
14
CARVALHO, Márcia Lopes de apud FIGUEIRÊDO, Luiz Carlos de Barros. Adoção para homossexuais. 1ª ed., 9ª reimpr. Curitiba: Juruá, 2010, p. 95.
15
TORRES, Aimbere Francisco. Adoção nas relações homoparentais. São Paulo: Atlas, 2009, p. 114.
16
BRASIL. Vara da Infância e da Juventude. Proc. 0016380-68.2010.8.16.0021, j. 26.07.2010. Disponível em <http://www.direitohomoafetivo.com.br/uploads_jurisprudencia/705.pdf>. Acesso em 15
mar. 2011.
17
SILVA JÚNIOR, Enézio de Deus. A possibilidade jurídica de adoção por casais homossexuais. 4. ed. Curitiba: Juruá, 2010, p. 114.
85
ser perfeitamente cabível o uso expresso da analogia proteção integral ao adotando, possibilitando reais garantias
disposto no art. 4º da LICC como instrumento de integração de convivência familiar atrelado ao afeto necessário para
legislativa. Sustenta que, perante a omissão de norma o desenvolvimento equilibrado e saudável, reserva-se
expressa sobre as uniões homoafetivas e pela similitude especial preocupação no atendimento ao princípio do
com a união estável, é possível a aplicação da legislação melhor interesse da criança e do adolescente, princípio este
concernente a esta entidade familiar “aos pleitos de pares norteador da adoção.
do mesmo sexo, atribuindo-lhes todo o plexo de direitos Dessa forma, na falta de qualquer impedimento
familiares – inclusive, para efeito de adoção em conjunto ou vedação para a adoção biparental homoafetiva, deverá
de crianças, adolescentes e até de maiores (de 18 anos)”.18 prevalecer sempre o princípio da proteção integral à criança
Assim, a carência de lei não acarreta na inexistência e ao adolescente, o princípio do melhor interesse da criança
do direito à adoção por casais homoafetivos, uma vez que e ainda o seu direito com prioridade à convivência familiar
o próprio ordenamento jurídico traz na LICC em seus arts. garantido no art. 227 da Constituição Federal.
4º e 5º formas de integração legislativa para solucionar os Assim, evidencia-se que o magistrado “na aplicação
casos de omissão. Deve-se ressaltar que omissão não é o da lei (...), deve, antes mesmo de se apegar demasiadamente
mesmo que vedação. Em nenhum momento há qualquer a normas formais, perscrutar os superiores interesses
tipo de vedação á adoção biparental homoafetiva. O que do menor.” 22 Para corroborar, traz Enézio de Deus Silva
existe é uma omissão. Júnior23 que o magistrado não é auto-suficiente para
Para Paulo Lôbo19 o art. 1.622 do CC não pode constatar a realidade fático-ambiental na qual o adotando
limitar a adoção conjunta aos cônjuges e companheiros, será inserido, mas “só a leitura atenta e personalizada de
uma vez que a Constituição Federal em seu art. 227, §§ 5º cada pretensão, pela equipe técnica, Promotor de Justiça
e 6º, ao tratar da adoção, não traz qualquer impedimento e o Juiz da Infância, é capaz de assegurar a boa aplicação
para que pares do mesmo sexo, que vivam sob uma relação da lei ao caso concreto.” 24
afetiva, possam adotar a mesma criança.
Na prática temos sentença20 proferida pela MM. 5.4 Estágio de convivência na adoção homoafetiva
Juíza Monica Labuto Fragoso Machado, da 1ª Vara Regional
da Infância, da Juventude e do Idoso do Rio de Janeiro, que É determinado pelo ECA em seu art. 46 que “a
entende que não há em qualquer momento referência no adoção será precedida de estágio de convivência com
art. 42 do ECA, que seria a união estável entre homem e a criança ou adolescente, pelo prazo que a autoridade
mulher que asseguraria a adoção conjunta. Dessa forma, judiciária fixar, observadas as peculiaridades do caso”.
para o reconhecimento da união estável como entidade Isso porque, a criança ou adolescente, por se encontrar em
familiar, há a necessidade da presença de estabilidade, processo de desenvolvimento, “necessita de um estágio
publicidade e a afetividade com o intuito de constituir de convivência com o(s) adotante(s), que possibilite a
família. Sustentou ainda, que a união homoafetiva somente aproximação afetiva, a investigação do Juizado sobre
não foi destacada pelo art. 226 da Constituição Federal aquela ambiência familiar, além da certeza da decisão
como entidade familiar, mas que em nenhum momento foi pela adoção.” 25
excluída expressamente. Como ressalta Enézio de Deus Silva Júnior26, a equipe
Maria Berenice Dias21 se manifesta, alegando multiprofissional constituída por psicólogos e assistentes
que ocorrendo a falta de qualquer impedimento, deverá sociais elaboram laudos e pareceres em decorrência do
prevalecer o princípio consagrado no art. 43 do ECA, que acompanhamento do estágio de convivência, não tomando
admite a adoção quando se fundar em motivos legítimos, a orientação sexual dos postulantes como fator isolado
bem como apresentar reais vantagens ao adotando. Neste que sirva para demonstrar o preparo ou despreparo para
sentido, é legítimo o interesse na adoção de uma família maternidade/paternidade.
ainda que constituída por pessoas do mesmo sexo, tendo Esses laudos e pareceres técnicos possuem
em vista a preocupação do legislador em garantir o bem- suma importância na formação do convencimento do
estar do adotando, não havendo motivo algum para deixá- magistrado e, contrariamente ao que se possa imaginar,
lo fora de um lar, constatando-se a existência de reais tem demonstrado que a orientação sexual dos requerentes
vantagens a quem não tem ninguém. não é um elemento suficiente para inabilitar uma pessoa
Atendendo ao art. 43 supracitado e ao art. 227 da ou casal para as funções familiares ou para a educação de
Constituição Federal que visam atender ao princípio da crianças e adolescentes.
18
Idem.
19
LÔBO, Paulo. Direito civil: famílias. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2011, p. 91.
20
BRASIL. 1ª Vara da Infância, da Juventude e do Idoso do Estado do Rio de Janeiro. Processo nº 2009. 202.020.729-8. j. 25/05/2010. Disponível em www.direitohomoafetivo.com.br/uploads_
jurisprudencia/671.pdf. Acesso em 15 mar. 2011.
21
DIAS, Maria Berenice. União homoafetiva: o preconceito & a justiça. 4. Ed., ver., atual. e ampl. São Paulo: R. dos Tribunais, 2009, p. 213.
22
BANDEIRA, Marcos apud SILVA JÚNIOR, Enézio de Deus. A possibilidade jurídica de adoção por casais homossexuais. 4. ed. Curitiba: Juruá Editora, 2010, p. 117.
23
SILVA JÚNIOR, Enézio de Deus. A possibilidade jurídica de adoção por casais homossexuais. 4. ed. Curitiba: Juruá, 2010, p. 117.
24
FIGUEIRÊDO, Luiz Carlos de Barros apud SILVA JÚNIOR, Enézio de Deus. A possibilidade jurídica de adoção por casais homossexuais. 4. ed. Curitiba: Juruá, 2010, p. 117.
25
SILVA JÚNIOR, Enézio de Deus. A possibilidade jurídica de adoção por casais homossexuais. 4. ed. Curitiba: Juruá, 2010, p. 115.
26
Ibidem, 116.
27
DIAS, Maria Berenice. União homoafetiva: o preconceito & a justiça. 4. ed., ver., atual. e ampl. São Paulo: R. dos Tribunais, 2009, p. 217.
28
BRASIL. Vara da Infância e da Juventude. Proc. 0016380-68.2010.8.16.0021, j. 26.07.2010. Disponível em <http://www.direitohomoafetivo.com.br/uploads_jurisprudencia/705.pdf>. Acesso em 15
mar. 2011.
29
SILVA JÚNIOR, Enézio de Deus, op. cit., p. 120.
30
Ibidem, p. 122.
31
Ibidem, p. 127.
32
Ibidem, p. 126.
87
Um estudo realizado pela Academia Americana de que apesar de elencar de forma expressa algumas formas
Pediatria (American Academy of Pediatrics), coordenado de entidade familiar, coloca a família como a base da
por Ellen C. Perrin, concluiu: sociedade, titular da proteção do Estado. Nesse sentido, a
tutela estatal é destinada à qualquer tipo de constituição
Um crescente conjunto da literatura científica familiar construída a partir de laços afetivos, incluindo-se,
demonstra que a criança que cresce com 1 ou 2 pais portanto, a união homoafetiva. Contudo, tem-se que diante
gays ou lésbicas se desenvolve tão bem sob os aspectos da ausência normativa expressa que a ampare, deverá
emocional, cognitivo, social e do funcionamento sexual o juiz se socorrer da analogia como forma de integração
quanto a criança cujos pais são heterossexuais. O bom legislativa, aplicando ao caso concreto os mesmos direitos
desenvolvimento das crianças parece ser influenciado mais destinados ao regime jurídico da união estável, eis que há
pela natureza dos relacionamentos e interações dentro da evidente similitude entre essas duas entidades, incluindo-
unidade familiar do que pela forma estrutural específica se o direito à adoção.
que esta possui.33
Abstract: Currently, as a result of both the numerous
Quanto à impossibilidade desse tipo de adoção children and adolescents that find themselves in
com base na falta de referência paterna e materna, Sílvia institutions for minors and the number of requests for
Ozelame Rigo Moschetta34 defende a não sustentação adoption by homosexual couples, there has been an
de tal indagação. Defendendo essa mesma posição está integrated interpretation of the laws pertaining to adoption,
Enézio de Deus Silva Júnior 35 ao citar a psicanalista Acyr specifically article 226 of the Federal Constitution, as well
Maya, que defende que as funções materna e paterna são as articles 4 and 5 of the LICC (Introduction Law to Civil
exercidas através da linguagem, não sendo impeditivo para Code). This has been done to justify, given the implicit
uma bem-sucedida educação e criação de uma criança ou intention of the rules which aim at protecting any family,
adolescente por dois homens ou duas mulheres. independent of its composition or of its social interest, the
Por fim, não se justifica que a adoção seja indeferida possibility for a same-sex couple to meet the requirements
com base somente pelo temor de que o adotando sofra to provide full protection and to act in the best interest of
reflexos em seu comportamento e transtornos psicológicos the child or adolescent and upon receiving, into the heart of
em razão da discriminação da sociedade, uma vez que “os their home, a child.
estudos comprovam que ocorre exatamente o contrário,
essas crianças terão as mesmas ou até mais chances de Key-words: Adoption. Homosexual couples. Federal
enfrentar as adversidades da vida, se tornando mais Constitution. LICC. Protecting. Social interest. Principles.
flexíveis, tolerantes [...].” 36
Conclusão
33
PERRIN, Ellen C. apud MOSCHETTA, Sílvia Ozelame Rigo. Homoparentalidade: direito à adoção e reprodução humana assistida por casais homoafetivos. Curitiba: Juruá, 2009, p. 155.
34
MOSCHETTA, Sílvia Ozelame Rigo. Homoparentalidade: direito à adoção e reprodução humana assistida por casais homoafetivos. Curitiba: Juruá, 2009, p. 157.
35
MAYA, Acyr apud MAZZARO, Marcos apud SILVA JÚNIOR, Enézio de Deus. A possibilidade jurídica de adoção por casais homossexuais. 4. ed. Curitiba: Juruá, 2010, p. 130.
36
CORREIA, Maria do Perpetuo Socorro Lima; VIEIRA, Lara Fernandes. Adoção na relação homoafetiva. p.18. Disponível em <www.direitohomoafetivo.com.br/uploads_artigo/ adoção_na_relação_
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89
Liberdade Provisória e o crime de tráfico ilícito de entorpecentes: uma
análise crítica sob a ótica do princípio da “presunção de inocência”
Resumo: O status libertatis é um direito fundamental garantido constitucionalmente e, portanto, não pode ser privado de
maneira arbitrária pelo poder estatal. Com a absoluta prevalência das liberdades públicas fundamentais, a prisão cautelar
apenas pode ser decretada quando preenchidos os requisitos legais e demonstrada sua necessidade durante a persecução
penal. Como se não bastasse, a nova Lei de Drogas vedou expressamente a possibilidade de liberdade provisória aos
crimes de tráfico ilícito de drogas, norma essa que afronta os ditames constitucionais de um Estado Democrático de Direito.
Ressalte-se que o princípio da presunção de inocência garante a qualquer cidadão o direito de permanecer em liberdade
enquanto não provada sua culpabilidade (artigo 5º, LVII, Constituição Federal). Caso seja preso preventivamente, esta
ordem deverá ser escrita e fundamentada, sob pena de ser decretada sua liberdade provisória (artigo 5º, LXI e LXVI).
O fato de o crime de tráfico ilícito de entorpecentes ser equiparado a crime hediondo (Lei 8.072/90 e alterações da Lei
11.464/07) não pode ser óbice à concessão da medida cautelar liberatória. O presente trabalho apresenta os fundamentos
da flagrante inconstitucionalidade do artigo 44 da nova Lei de Drogas. Na elaboração do artigo, utilizou-se o método
bibliográfico, como método de procedimento, e o dialético crítico, como método de abordagem.
1
MACHADO, Antônio Alberto. Teoria geral do processo penal. São Paulo: Atlas, 2009, p.167.
2
Pesquisa realizada pela OAB, disponível em: www.oab.br/noticiaprint.asp?id=2580. Acesso em: 09 julho de 2006.
3
HENTZ, Luiz Antonio Soares. Indenização da prisão indevida. São Paulo: Leud, 1995, p.20-21.
4
SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. 11. ed. São Paulo: Malheiros, 2005, p. 236-237.
91
o Estado. E são fundamentais, uma vez que integram sob pena de sua revogação. As obrigações, conforme
a Carta de Direitos das constituições e compõem a base artigos 327 e 328 do CPP.
axiológica do Estado liberal, conferindo-lhe sustentáculo e A liberdade provisória se ampara no artigo 310 e seu
fundamento ético-político. parágrafo único do Código de Processo Penal e se apresenta
Com efeito, no campo processual penal é sempre sob duas modalidades, a saber: liberdade provisória com
muito tensa a relação estabelecida entre a necessidade fiança e sem fiança.
da persecutio criminis, por exigências de defesa social, e A custódia provisória sem fiança pode ser concedida
os direitos e garantias fundamentais do indivíduo. Nesse em atenção à qualidade da pena, nas hipóteses que não for
confronto, a teoria do garantismo penal de Luigi Ferrajoli, cominada pena privativa de liberdade, quando o máximo da
alçou o processo penal à categoria de verdadeiro instrumento pena privativa de liberdade não exceder a três meses (artigo
de proteção das liberdades públicas fundamentais, como 321 e seguintes, do CPP); liberdade provisória em função
verdadeiro mecanismo de efetivação dos direitos e garantias das circunstâncias do fato, quando o agente pratica o crime
individuais. Sobre o assunto pondera Ada Grinover5: acobertado por uma das excludentes de antijuridicidade
É dentro do processo penal, entendido como (artigo 310, parágrafo único do CPP); liberdade provisória
instrumento da persecução, que a liberdade do relacionada com a condição econômica do acusado (artigo
indivíduo avulta e se torna mais nítida a necessidade 350 do CPP); infração a que é imposta somente a pena de
de se colocarem limites à atividade jurisdicional. multa (artigo 321, inciso I, do CPP).
A dicotomia defesa social/direitos de liberdade A concessão da liberdade provisória mediante fiança
assume frequentemente conotações dramáticas no é possível quando o ilícito for apenado com detenção ou
juízo penal; e a obrigação do Estado de sacrificar na prisão simples e a pena máxima cominada exceder a três
medida menor possível os direitos da personalidade meses, cuja fiança poderá ser concedida inclusive pela
do acusado se transforma na pedra de toque de um autoridade policial (artigo 322 do CPP); nos casos de delitos
sistema de liberdades públicas. apenados com reclusão quando a pena mínima cominada
não for superior a dois anos, cuja fiança somente será
Garantido o direito constitucional de liberdade, concedida pela autoridade judiciária competente (artigo
apresenta-se então o problema de estabelecer o equilíbrio 322, parágrafo único, c/c artigo 323, inciso I, do CPP); nos
entre a liberdade individual e a autoridade estatal. Ressalte- crimes contra a economia popular e de sonegação fiscal
se que a existência de um sistema de liberdades e dos definidos em lei, quando houver prisão em flagrante (artigo
respectivos instrumentos de garantia é condição sine qua 325, parágrafo 2°, incisos I, II e III, do CPP).
non para a manutenção do Estado Democrático de Direito; A liberdade provisória não poderá ser concedida
e o processo penal próprio desse tipo de Estado se inscreve nos casos que seguem: quando a infração penal for punida
entre aqueles instrumentos de garantia da liberdade, cuja com reclusão e a pena mínima cominada for superior a
função primordial outra não é senão a de assegurar o dois anos; quando se tratar de contravenções de vadiagem
respeito ao regime de liberdades públicas, sem as quais e mendicância; no caso de crime doloso punido com pena
nem o Estado liberal nem a democracia liberal burguesa privativa de liberdade, se o réu for reincidente específico,
conseguirão sobreviver. É importante não perder de ou seja, caso já tenha sido condenado por outro crime
vista que a defesa de um regime de liberdades públicas, doloso em sentença definitiva (transitada em julgado);
por meio da instrumentalidade do processo penal, não se quando houver nos autos provas que demonstre ser o réu
confunde jamais com a defesa da impunidade de acusados vadio; quando a infração penal for punida com reclusão
ou criminosos. A sustentação de tal regime corresponde à e provoque clamor público ou tenha sido cometida com
defesa da própria democracia e do Estado Democrático de violência contra a pessoa ou com grave ameaça; nos casos
Direito. de quebra de fiança anteriormente concedida no mesmo
processo, ou ainda quando houver descumprimento, sem
1.2. Liberdade provisória razão justificada, das obrigações relacionadas pelo artigo
350 do CPP; nos casos de prisão disciplinar, administrativa
A liberdade provisória é o instituto processual que ou militar; quando o réu estiver em gozo de suspensão
permite ao acusado como direito subjetivo seu aguardar condicional da pena ou de livramento condicional, salvo se
em liberdade o decorrer do processo até final julgamento. processado por crime culposo ou contravenção que admita
Esse benefício pode ser conferido, de forma a vincular ou fiança; quando presentes os motivos que determinam a
não o acusado a determinadas obrigações no processo. decretação da prisão preventiva; quando se tratar de crimes
Sua concessão se justifica em nome da precariedade do hediondos e conexos elencados pela Lei n° 8.072/90 (artigo
inquérito, como também da não definitividade do processo. 1° e 2°).
Exige-se que em alguns casos o beneficiado
submeta-se ao cumprimento de certas obrigações legais,
5
GRINOVER, Ada Pellegrini. Liberdades públicas e processo penal. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1982, p.20.
93
Primeiramente, atua como regra de tratamento, Pesquisas apontam que as apreensões de drogas
ou seja, embora recaiam sobre o imputado suspeitas de ilícitas pela Polícia Federal, de 2001 a 2005, atingiram
prática criminosa, o mesmo deve ser tratado no curso do 1.112,45 toneladas. O indiciamento de traficantes pelo
processo como inocente, sem diminuí-lo social, moral ou citado órgão vem numa crescente (2.756 em 2001, 3.543 em
fisicamente diante de outros cidadãos não sujeitos a um 2002, 3.150 em 2003, 3.265 em 2004 e 4.181 em 2005). Os
processo acusatório. Esta dimensão atua sobre a exposição dados do censo penitenciário realizado pelo Departamento
pública do imputado, acerca de sua liberdade individual, Penitenciário Nacional do ministério da Justiça, relativo ao
mais precisamente, como limite às restrições de liberdade ano de 2007, aponta que existem 54.585 pessoas presas em
do acusado antes do trânsito em julgado a fim de se evitar razão da prática de crime de tráfico de drogas12.
a antecipação de pena. Sobre esse aspecto, o princípio Nesse sentido, a aprovação da Lei 11.343/06
funciona como limitação teleológica à aplicação da prisão revogou expressamente as Leis 6.368/76 e 10.409/02, bem
preventiva10 como modificou o panorama do tratamento do acusado
Outra dimensão verifica-se no campo probatório; ou condenado por determinados tipos penais relacionados
nesse sentido, o princípio atua como regra de distribuição do às drogas. Dentre eles está o artigo 44, o qual dispôs que
ônus da prova e regra de julgamento, em seu desdobramento os crimes previstos nos artigos 33, caput e parágrafo 1º, e
in dubio pro reo. O ônus da prova incide sob dois aspectos: 34 a 37 são inafiançáveis e insuscetíveis de sursis, graça,
formal e material. O primeiro liga-se à distribuição entre indulto, anistia e liberdade provisória, vedada a conversão
as partes da incumbência de provar certos tipos de fatos. de suas penas em restritivas de direitos.
O segundo refere-se a quem sofre o prejuízo em função da Acrescentou o parágrafo único que, nos crimes
dúvida sobre um fato no momento da sentença. previstos no caput do referido artigo, dar-se-á o livramento
No processo penal, para parte da doutrina, a condicional após o cumprimento de dois terços da pena,
questão da distribuição (iniciativa) entre as partes resta vedada sua concessão ao reincidente específico.
prejudicada, em razão da aplicação do princípio da verdade Portanto, esse era o quadro no qual se inseria a
real, o qual permite que o próprio magistrado determine legislação no combate às drogas, com a evidente finalidade
diligências e complemente a atividade probatória das de recrudescer o ordenamento jurídico penal e promover
partes. Entretanto, a visão massificada abordada nos uma falsa sensação de segurança ao cidadão brasileiro.
manuais de processo penal é a de que cabe ao acusador
a prova do fato e da autoria, bem como as circunstâncias 3.1. A alteração na Lei 8.072/90 e os seus reflexos na
que causam o aumento de pena; ao acusado cabe a prova Lei de Drogas
dos fatos impeditivos ou extintivos, tais como as causas
excludentes de antijuridicidade, da culpabilidade e da A Constituição Federal de 1988, em seu artigo
punibilidade, bem como das circunstâncias que impliquem 5º, inciso XLIII, inovou ao estabelecer um mandado ao
diminuição de pena.11 legislador para que, através de lei, passasse a considerar
A terceira dimensão incide na análise da presunção como inafiançáveis e insuscetíveis de graça ou anistia a
de inocência como regra de garantia. Assim, toda pessoa prática da tortura, o tráfico ilícito de entorpecentes e drogas
acusada de delito tem como garantia que se presuma sua afins, o terrorismo e os crimes definidos como hediondos,
inocência enquanto não se comprove legalmente sua culpa; responsabilizando penalmente os mandantes, executores e
logo, o referido princípio impõe ao Ministério Público os que, podendo evitá-los, se omitirem. A justificante do
o dever de apresentar, em juízo, todas as provas de que constituinte é de que se tratava de crimes repugnantes,
disponha, sejam as desfavoráveis, sejam as favoráveis ao sórdidos, e, portanto, deveriam ter um tratamento mais
imputado. Além disso, viola-se a presunção de inocência rígido.
como regra de garantia quando, na atividade acusatória Baseado no ordenamento constitucional, já em
ou probatória, não se observa estritamente o ordenamento 1990, época de crescente alarde nacional em razão de
jurídico. suposto incremento da criminalidade, o Congresso
Nacional aprovou a Lei de Crimes Hediondos, Lei 8.072
3. Liberdade provisória e o crime de tráfico de 26 de julho de 1990. Apesar de não definir o que
ilícito de entorpecentes: ponderações sobre a poderia ser considerado como “crime hediondo”, o texto
constitucionalidade do artigo 44, da Lei 11.343/06 legal estabeleceu, em seu artigo 1º, um rol de delitos que
deveriam ser considerados como tal.
A proibição da liberdade provisória para o crime
de tráfico não é novidade, pois este era o espírito que
direcionava a jurisprudência majoritária na vigência da Lei
6.368/76.
10
NICOLITTI, André Luiz. As subversões da presunção de inocência: violência, cidade e processo penal. Rio de Janeiro: Editora Lumen Juris, 2006, p.63.
11
NICOLITTI André Luiz, op. cit, p.80-83.
12
NAÇÕES UNIDAS. Escritório contra Drogas e Crime. Perfil do País: Brasil, 2005. Disponível em <www.unodc.org/pdf/brazil/portugues_final2.pdf. Acesso em 05.03.2008.
95
Ainda que haja vedação expressa para concessão Sobre o assunto, César Faria Júnior19 apoia-se na
de liberdade provisória, imprescindível a análise hermenêutica jurídica e faz suas ponderações acerca do
dos requisitos que autorizam a decretação da prisão citado inciso constitucional:
preventiva. Ausentes estes, a liberdade deve ser decretada, Trata-se de exceção que a constituição faz a si
independentemente da gravidade do delito. Portanto, a mesma e, por conseguinte, não é dado ao legislador
gravidade do fato e a presumível periculosidade do agente ordinário ampliar e estender uma exceção constitucional,
não são elidentes do princípio da presunção de inocência. sabido que, pela mais elementar regra de hermenêutica,
Caso inexistam os requisitos autorizadores da custódia as exceções devem ser interpretadas restritivamente.
preventiva, deve ser concedida a liberdade provisória18. Portanto, não pode o legislador proibir a concessão da
Ressalte-se que, para a regularidade processual da liberdade provisória, naqueles crimes, por falta de previsão
decretação da prisão preventiva, não basta a identificação e, consequente, autorização constitucional.
da presença dos requisitos autorizadores. É imprescindível
que o despacho de decretação da custódia cautelar seja A segregação provisória deve ser utilizada somente
suficientemente fundamentado, com indicação precisa da para a proteção rápida e emergencial de interesses
presença de cada um dos requisitos. envolvidos na persecução penal. Dois requisitos são
fundamentais para a restrição da liberdade provisória,
3.2 A discutível constitucionalidade do artigo 44 quais seja, a probabilidade do fumus comissi delicti e do
da Lei de Drogas e o princípio da presunção de periculum libertatis.
inocência Não basta dizer que o direito é concretude se, na
cotidianidade das práticas jurídicas, tais afirmações não
É comum observar no cotidiano forense decisões encontram comprovação, nem de longe, na medida em que
mecanicistas com teor distanciado dos princípios e os juristas sacrificam a singularidade do caso concreto em
normas constitucionais, iniciando-se ai um confronto favor de “pautas gerais”, fenômeno que não é percebido
direto com as liberdades públicas fundamentais. É a no imaginário jurídico. No contexto da dogmática jurídica,
tradução de manifestações nulas por absoluta ausência de os fenômenos sociais que chegam ao Judiciário são
fundamentação, bem como por instituir a prisão preventiva analisados como meras abstrações jurídicas, nas quais os
compulsória, automática. protagonistas do processo (autor e réu) estabelecem uma
Essa excessiva visão legalista fere a garantia espécie de coisificação, objetificação da relação jurídica.
constitucional da presunção do estado de inocência, a qual Frise-se que o Supremo Tribunal Federal, ao julgar
tem como corolário lógico a proibição de que se adote a Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 3.112-1/DF,
contra o réu qualquer medida de caráter punitivo antes relativamente ao estatuto do desarmamento, decidiu que
do trânsito em julgado da sentença penal condenatória. A o artigo 21 da Lei nº 10.826/03 afronta a constituição.
lei ordinária pode admitir ou não a liberdade provisória, Referido artigo guarda idêntica redação à do artigo 44
conforme circunstâncias concretas; porém, não pode da Lei antitóxicos, uma vez que proíbe genericamente a
sempre vedá-la em caráter genérico e absoluto para certa concessão de liberdade provisória sem apreciar os dados
tipologia de crimes. objetivos e concretos de cada caso específico, bem como as
O principal fundamento para a inconstitucionalidade circunstâncias pessoais do acusado.
do artigo 44 da Lei 11.343/06 é a inversão dos valores Pelos motivos expostos, a recente decisão serve
jurídicos constitucionais desta norma: a lei ordinária tornou de parâmetro e fundamento para o reconhecimento da
regra o que era exceção no ordenamento constitucional inconstitucionalidade, difusa ou em concreto, da vedação à
brasileiro, ou seja, a prisão cautelar tornou-se norma cogente liberdade provisória pelo artigo 44 da Lei 11.343/06.
para os crimes hediondos e equiparados e a liberdade
pessoal, a exceção. Assim, o cenário construído pela nova 3.3 Casuística
Lei 11.343/06 é o da prisão preventiva obrigatória. 3.3.1 Superior Tribunal de Justiça
Além disso, o legislador ordinário disse mais do que
o legislador constituinte, uma vez que o artigo 5º, inciso Cumpre salientar que a Corte Superior apresenta
XLII, da Carta Política proíbe aos crimes considerados duas posições distintas sobre o assunto. A quinta Turma
hediondos e aos por ele assemelhados a anistia ou graça, defende a legalidade do texto da Lei 11.343/06 e a sexta
tornando-os inafiançáveis, sem mencionar, no entanto, a Turma justifica a necessidade de idônea motivação para
vedação expressa à liberdade provisória. decretação da prisão cautelar.
A orientação da quinta Turma do Superior Tribunal
de Justiça é o da prevalência do disposto no artigo 44 da
18
MARCÃO, Renato. Tóxicos: Lei n.11.343 de 23 de agosto de 2006 – nova lei de drogas. 5. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2008, p. 370.
19
FARIA JÚNIOR, Cesar de. A motivação das decisões como garantia constitucional e seus reflexos práticos. Fascículo de Ciências Penais, v. 4, nº1, p.15.
20
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. HC 143.038/RJ. Relatora: Ministra Laurita Vaz. 27 de maio de 2010. Disponível em <www.stj.gov.br> Acesso em: 06 de julho de 2010.
No mesmo sentido: HC 144.303. Relator Ministro Napoleão Nunes Maia Filho. 06 de maior de 2010; HC 123629/SP. Relatora: Ministra Laurita Vaz, 20 de abril de 2009.
21
BRASIL. Superior Tribunal. HC 78.237/RS. Relator: Ministro Felix Fischer. 07 de agosto de 2007. Disponível em <www.stj.gov.br> Acesso em: 18 de março de 2010.
22
BRASIL.Superior Tribunal de Justiça. HC 68.397/MG. Relatora: Ministra Maria Thereza de Assis Moura. 19 de maio de 2009. Disponível em <www.stj.gov.br> Acesso em: 02 de abril de 2010.
97
drogas, como o homicídio qualificado, e nem por isso a (e relendo) o art.5º, XLIII, da CF/88, não se encontra (nem
nova regra da liberdade provisória deixará de ser aplicada implicitamente) a vedação da liberdade provisória nos
a eles. crimes hediondos.
No caso do tráfico de drogas, equiparado a
3.3.2 Supremo Tribunal Federal hediondo desde 1990, a proibição da liberdade provisória
foi reiterada na Nova Lei de Drogas, mais precisamente
O Supremo Tribunal Federal vinha pacificando em seu artigo 44. Desde 08.10.2006, data em que entrou
seu entendimento que a Lei 11.464/07 apenas corrigiu em vigor a nova lei, essa proibição, portanto, achava-se
redundância legislativa, pois ao vedar a fiança, presente tanto na lei geral (Lei dos Crimes Hediondos)
implicitamente vedava a liberdade provisória. Justificava como na lei especial (Lei de Drogas). Esse cenário foi
que ainda que se entendesse abolida a proibição da liberdade completamente alterado com o advento da Lei 11.464/07
provisória, essa permissão não se estenderia para o delito que, vigente desde 29.03.2007, aboliu a vedação da
de tráfico, pois tanto a Constituição Federal como a Lei liberdade provisória.
11.343/06 impedem a aplicação do citado benefício. Assim Adverte Gomes25 que houve uma sucessão, no
foi o voto do Ministro Gilmar Mendes23. Compartilham tempo, de leis processuais materiais, fenômeno regido pelo
o mesmo entendimento: Ricardo Lewandowski, Carlos princípio da posterioridade, isto é, a lei posterior revoga a
Ayres Britto, Cármen Lúcia, Dias Toffoli, Marco Aurélio e anterior (essa revogação, como sabemos, pode ser expressa
Ellen Gracie. ou tácita; no caso da Lei 11.464/2007, que é geral, derrogou
A Ministra Cármen Lúcia24 assevera ser expressamente parte do art.44 da Lei 11.343/2006, que
desnecessário questionar sobre a constitucionalidade da é especial). Em outras palavras: desapareceu do citado
supressão da liberdade provisória aos crimes de tráfico de art. 44 a proibição da liberdade provisória, porque a
entorpecentes: nova lei revogou (derrogou) explicitamente a antiga.
A proibição de liberdade provisória, nos casos Portanto, o princípio vigente é o da posterioridade, não o
de crimes hediondos e equiparados, decorre da própria da especialidade, que pressupõe a vigência concomitante
inafiançabilidade imposta pela Constituição da República de duas ou mais leis, aparentemente aplicáveis ao caso
à legislação ordinária (constituição da República, art.5º, concreto. Não se pode confundir o instituto da sucessão
inc. XLIII). O art.2º, inc.II, da Lei 8.072/90 atendeu ao de leis penais (conflito de leis no tempo) com o conflito
comando constitucional, ao considerar inafiançáveis os aparente de normas penais o primeiro há uma verdadeira
crimes de tortura, tráfico ilícito de entorpecentes e drogas sucessão de leis, ou seja, a posterior revoga ou derroga a
afins, o terrorismo e os definidos como crimes hediondos. anterior; já no segundo, pressupõe e exige duas ou mais
Inconstitucional seria a legislação ordinária que dispusesse leis em vigor e, por força do princípio “ne bis in idem”
diversamente, tendo como afiançáveis delitos que a uma só norma será aplicável. Outra distinção é que o
Constituição da República determina seja inafiançáveis. conflito aparente de leis penais é regido pelos princípios da
Desnecessidade de se reconhecer a inconstitucionalidade especialidade, subsidiariedade e consunção. O que reina na
da Lei 11.464/07, que, ao retirar a expressão “e liberdade sucessão de leis penais é o da posterioridade.
provisória” do art. 2º, inc. II, da Lei 8.072/90, limitou- O Congresso Nacional, consoante se depreende,
se a uma alteração textual: a proibição da liberdade ressalvou as hipóteses em que o benefício era vedado pela
provisória decorre da vedação de fiança, não da expressão lei especial, a fim de impedir os efeitos da lei posterior.
suprimida, a qual, segundo a jurisprudência de Supremo Portanto, observa-se que a interpretação dada pelo
Tribunal, constituía redundância. Mera alteração textual, Supremo Tribunal Federal gera indisfarçável injustiça.
sem modificação da norma proibitiva de concessão da Todavia, recentemente, a Suprema Corte vem apresentando
liberdade provisória aos crimes hediondos e equiparados, entendimento mais ponderado para concessão da liberdade
que continua vedada aos presos em flagrante por quaisquer provisória aos crimes de tráfico de entorpecente. Quedam-
daqueles delitos. A Lei 11.343/06 não poderia alcançar se nesse sentido os Ministros Celso de Mello, Joaquim
o delito de tráfico de drogas, cuja disciplina já constava Barbosa, Eros Grau e Cezar Peluso.
de lei especial aplicável ao caso vertente. Irrelevância da Na decisão em caráter liminar do Habeas Corpus
existência, ou não, de fundamentação cautelar para a prisão 100742/SC26, o Ministro Celso de Mello repeliu o artigo 44,
em flagrante por crimes hediondos ou equiparados. da Lei de Drogas. O argumentou foi de que a vedação seria
Parte da doutrina crítica tal argumentação. Lendo inconstitucional, pois incompatível, independentemente
23
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. HC 92495/MG. Relator: Ministro Gilmar Mendes. 9 out. 2007. Disponível em <www.stf.gov.br> Acesso em: 18 de janeiro de 2010.
24
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. HC 93229/SP. Relatora: Ministra Cármen Lúcia. 01 abr. 2008. Disponível em <www.stf.gov.br/portal/jurisprudencia/listarjurisprudencia.asp> Acesso em: 05 set.
2009.
25
GOMES, Luiz Flávio (coord.); BIANCHINI, Alice; CUNHA, Rogério Sanches; OLIVEIRA, William Terra de. Lei de Drogas Comentada: artigo por artigo: Lei 11.343 de 23.08.2006. 3. ed. São
Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2008, p.235.
26
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. HC 100742/SC. Relator: Ministro Celso de Mello. 03 nov. 2009. Disponível em <www.stf.gov.br/portal/jurisprudencia/listarjurisprudencia.asp> Acesso em: 05
fev. 2010.
No mesmo sentido: HC 93.0565/PE. Relator: Ministro Celso de Mello. 16 dez. 2008; HC 92.880-3/GO. Relator: Ministro Joaquim Barbosa. 20 de maio de 2008; HC 101.505/SC. Relator: Ministro Eros
Grau. 15 dez. 2009.
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100 Revista Juris da Faculdade de Direito, São Paulo, v.5, jan/junho. 2011.
Acórdão da 1.ª Turma Ordinária da 1.ª Câmara Superior de Recursos
Fiscais do Ministério da Fazenda
Imposto sobre a renda de pessoa física. Omissão de rendimentos.
Ausência de declaração de recursos depositados no exterior e
transferidos para o Brasil. Despesas com serviços prestados de
agenciamento e manutenção de estagiários junto aos clubes de futebol
brasileiros
Doutor em Direito Econômico e Financeiro pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo – USP. Professor dos
Cursos de Graduação e Pós-Graduação de Direito Tributário da Fundação Armando Alvares Penteado – FAAP. Conselheiro
Titular do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais do Ministério da Fazenda - CARF/MF. Redator-chefe da Revista
de Direito Bancário e do Mercado de Capitais, publicada pela Editora da Revista dos Tribunais. Integrante da equipe de
profissionais da Wald Associados Advogados.
Ministério da Fazenda
Conselho Administrativo de Recursos Fiscais
Segunda Seção de Julgamento
Processo nº 13808.005919/2001-35
Recurso nº 179.647 Voluntário
Acórdão nº 2101-00.858 – 1º Câmara / 1ª Turma Ordinária
Sessão de 21 de outubro de 2010
Matéria IRPF
Recorrente NOBUO NAYA
Recorrida FAZENDA NACIONAL
Assunto: Imposto sobre a renda de pessoa física - INTERNA DO BRASIL E DO JAPÃO (DUAL
IRPF RESIDENCE). AUSÊNCIA DE PREVISÃO NO ACORDO
Exercício: 1997, 1998, 2000 DE BITRIBUTAÇÃO CELEBRADO DE CLÁUSULAS
OMISSÃO DE RENDIMENTOS. AUSÊNCIA DE DE DESEMPATE (TIE-BREAKER RULES).
DECLARAÇÃO DE RECURSOS DEPOSITADOS CONFLITO DE RESIDÊNCIAS QUE, NOS TERMOS
EM CONTAS SITUADAS NO EXTERIOR. FALTA DO ART. 4(2), DEVERIA SER SOLUCIONADO POR
DE DEMONSTRAÇÃO DE QUE PARTE DESTES PROCEDIMENTO AMIGÁVEL. IMPOSSIBILIDADE
RECURSOS SE DESTINAVA À PESSOA JURÍDICA. DE APLICAÇÃO DO ACORDO.
PROCEDÊNCIA DO AUTO DE INFRAÇÃO. Sendo certo que as legislações dos Estados
Havendo, in casu, a comprovação de que o contratantes, a saber, Brasil e Japão, aplicadas em
contribuinte detinha recursos depositados em contas consonância com o artigo 4º do acordo de bitributação
situadas no exterior, posteriormente transferidos para o celebrado, qualificam o contribuinte como residente,
Brasil, e, mais ainda, não tendo o contribuinte logrado caberia a instauração de procedimento amigável para,
comprovar que a integralidade dos recursos se destinava nos termos do acordo, solucionar o impasse, permitindo
à pessoa jurídica situada no Brasil, é cabível a tributação a alocação dos recursos de acordo com as espécies de
efetuada pela fiscalização no que atine à diferença entre os rendimentos previstas no tratado (conceitos-quadros).
recursos transferidos para o Brasil, e aqueles efetivamente Inexistindo mútuo entendimento entre as Partes, pois, não
repassados para a referida pessoa jurídica. há fundamento para a compensação do imposto recolhido
OMISSÃO DE RENDIMENTOS. DUPLICIDADE DE no Japão.
RESIDÊNCIAS NOS TERMOS DA LEGISLAÇÃO
101
AD ARGUMENTANDUM. AUSÊNCIA DE fls. 533/539, do qual o Recorrente teve ciência em 03 de
COMPROVAÇÃO, PELO CONTRIBUINTE, DE QUE outubro de 2008 (fl. 548), proferido pela 4ª. Turma da
OS VALORES TRANSFERIDOS PARA O BRASIL Delegacia da Receita Federal do Brasil de Julgamento em
SÃO OS MESMOS OFERECIDOS À TRIBUTAÇÃO São Paulo II (SP), que, por unanimidade de votos, julgou
NO JAPÃO, E, IGUALMENTE, QUE REFERIDOS procedente em parte o auto de infração de fls. 498/500,
VALORES FORAM RECOLHIDOS NESTE PAÍS. lavrado em 13 de novembro de 2001 (ciência em 22 de
IMPOSSIBILIDADE DE COMPENSAÇÃO COM O novembro de 2001), em virtude de omissão de rendimentos
IRPF, IN CASU. recebidos de fontes no exterior, acréscimo patrimonial a
Inexistindo, igualmente, nos autos, prova (i) de que descoberto e falta de recolhimento de IRPF devido a título
os valores declarados ao Fisco japonês são os mesmos de carnê leão, verificados nos anos-calendário de 1996,
considerados na apuração da omissão de rendimentos no 1997 e 1999.
Brasil, e (ii) que referido montante foi tributado naquele O acórdão teve a seguinte ementa:
país, incabível a compensação com o tributo devido no “ASSUNTO: IMPOSTO SOBRE A RENDA DE
Brasil. PESSOA FÍSICA - IRPF
IRPF. ACRÉSCIMO PATRIMONIAL A DESCOBERTO. Ano-calendário: 1996, 1997, 1999
CRITÉRIO DE APURAÇÃO. RENDIMENTOS OMITIDOS. Restando
De acordo com a Lei 7.713/88, o acréscimo comprovada nos autos a percepção de rendimentos não
patrimonial a descoberto deve ser apurado através de devidamente declarados pelo interessado, a autoridade
demonstrativo de evolução patrimonial que indique, administrativa tem o poder-dever de efetuar o lançamento de
mensalmente, tanto as origens e recursos, como os ofício do imposto de renda sobre a parcela de rendimentos
dispêndios e aplicações. omitidos e excluir a parcela dos rendimentos tributáveis já
IRPF. ACRÉSCIMO PATRIMONIAL A DESCOBERTO. declarados.
DEMONSTRATIVO DA EVOLUÇÃO PATRIMONIAL. ACRÉSCIMO PATRIMONIAL A DESCOBERTO.
A impugnação ao demonstrativo da evolução O acréscimo patrimonial, não justificado pelos
patrimonial deve ser amparada em provas, não bastando rendimentos tributáveis, não tributáveis ou isentos e
meras alegações do contribuinte no sentido de que a tributados exclusivamente na fonte só é elidido mediante
a apresentação de documentação hábil que não deixe
fiscalização não considerou determinados valores, tanto na
margem a dúvida.
origem dos recursos, como nos dispêndios.
MULTA ISOLADA E MULTA DE OFÍCIO -
MULTA ISOLADA E MULTA DE OFÍCIO.
SIMULTANEIDADE. É cabível o lançamento da multa
CONCOMITÂNCIA. IMPOSSIBILIDADE.
isolada sobre carnê leão não recolhido concomitante à
A multa isolada não pode ser exigida
multa de ofício sobre o imposto apurado de ofício na
concomitantemente com a multa de ofício. Precedentes do
declaração inexata, porquanto são multas aplicáveis sobre
Conselho Administrativo de Recursos Fiscais e da Câmara
bases de cálculo distintas e penalizam infrações diferentes.
Superior de Recursos Fiscais.
MULTA ISOLADA. PENALIDADE. APLICAÇÃO
RETROATIVA DE LEGISLAÇÃO MAIS BENÉFICA.
Recurso voluntário parcialmente provido. Aplica-se a penalidade menos severa estabelecida em
Vistos, relatados e discutidos os presentes autos. legislação posterior à prevista na lei vigente ao tempo da
autuação.
Acordam os membros do Colegiado, por maioria de Lançamento Procedente em Parte” (fl. 533).
votos, em dar provimento parcial ao recurso para excluir Não se conformando, o Recorrente interpôs o
os valores cobrados a título da multa isolada, nos termos recurso voluntário de fls. 549/554, em que praticamente
do voto do Relator. Vencido o Conselheiro Caio Marcos repete os argumentos contidos em sua impugnação de fls.
Cândido que negava provimento ao recurso em relação à 503/509.
multa isolada aplicada concomitantemente. É o relatório.
Caio Marcos Cândido - Presidente
Alexandre Naoki Nishioka – Relator Voto
Conselheiro Alexandre Naoki Nishioka, Relator
Participaram do presente julgamento os Conselheiros
Caio Marcos Cândido, Odmir Fernandes, Gonçalo Bonet O recurso preenche os requisitos de admissibilidade,
Allage, José Raimundo Tosta Santos, Alexandre Naoki motivo pelo qual dele conheço.
Nishioka e Ana Neyle Olímpio Holanda. Trata-se de auto de infração lavrado contra
o ora Recorrente visando à cobrança de imposto de
Relatório renda incidente sobre (i) rendimentos decorrentes de
transferências recebidas de fontes no exterior, nos anos-
Trata-se de recurso voluntário interposto em 20 calendário de 1996 e 1997; (ii) acréscimo patrimonial a
de outubro de 2008 (fls.549/554) contra o acórdão de descoberto, relativo aos anos-calendário de 1996, 1997 e
102 Revista Juris da Faculdade de Direito, São Paulo, v.5, jan/junho. 2011.
1999; e, por fim, (iii) ausência de recolhimento do IRPF e manutenção de estagiários junto aos clubes de futebol
devido a título de carnê-leão, nos anos-calendário de 1996 brasileiros, entendo não assistir razão ao Recorrente.
e 1997. Com efeito, como se sabe, o imposto sobre a renda,
Aduz o Recorrente, no que toca à apuração de no ordenamento jurídico brasileiro, obedece ao princípio
infração decorrente de rendimentos recebidos do exterior, da tributação em bases mundiais, também designado
em breve síntese, que (i) não há qualquer base legal para pela doutrina como worldwide income taxation, de tal
tributação como omissão de rendimentos das diferenças sorte que todo e qualquer rendimento percebido por
constatadas nas transferências patrimoniais do Recorrente residentes nacionais, em qualquer parte do globo, deve ser
do Japão para o Brasil; (ii) os valores considerados como considerado para a apuração da base de cálculo do referido
rendimentos omitidos no país foram oferecidos, igualmente, imposto. A este respeito, pois, oportuno trazer à baila o
à tributação no Japão à alíquota de 23,70%, em 1996, quanto disposto pelos artigos 3º, §4º, da Lei n.º 7.713/88 e
razão pela qual o Fisco brasileiro apenas poderia cobrar 25 da Lei n.º 9.249/95, in verbis:
o restante, isto é, 1,30% do valor apurado, e à alíquota de Lei n.º 7.713/88:
32,84%, em 1997, de maneira que não haveria tributo a ser “Art. 3º. (...)
cobrado no Brasil, neste período. § 4º A tributação independe da denominação dos
No que atine, por sua vez, ao acréscimo patrimonial rendimentos, títulos ou direitos, da localização, condição
a descoberto apurado no ano-calendário de 1996, alega que jurídica ou nacionalidade da fonte, da origem dos bens
(i) deveriam ser considerados, nos dispêndios decorrentes produtores da renda, e da forma de percepção das rendas
de cheques emitidos cuja destinação não foi comprovada, ou proventos, bastando, para a incidência do imposto, o
os gastos com (a) manutenção de bens móveis e imóveis, benefício do contribuinte por qualquer forma e a qualquer
(b) cinco quotas no valor de R$ 5.674,48, e (c) o dinheiro título.”
em espécie declarado pelo contribuinte no ano de 1996, sob Lei n.º 9.249/95:
pena de cobrança dúplice de tributo; (ii) não teriam sido “Art. 25. Os lucros, rendimentos e ganhos de capital
considerados, como origem de recursos, os valores de R$ auferidos no exterior serão computados na determinação do
116.355,98, recebidos em decorrência das transferências lucro real das pessoas jurídicas correspondente ao balanço
oriundas do exterior. Quanto ao ano-calendário de 1997, levantado em 31 de dezembro de cada ano.”
por sua vez, sustenta o Recorrente que deveriam ter sido Nesse sentido, portanto, os residentes brasileiros,
inseridos nos valores dos cheques emitidos (dispêndios) assim entendidos, igualmente, os estrangeiros portadores
os gastos com bens móveis e imóveis, supostamente pagos de visto permanente, tal como estatuído pelo art. 18 do
com os mesmos títulos de crédito, e, igualmente, teria Regulamento do Imposto de Renda (Decreto 3.000/1999),
havido o mesmo equívoco de deixar de considerar como são considerados contribuintes e, destarte, têm a sua renda
origem de recursos os montantes recebidos do exterior e mundial tributada no País a partir da data de ingresso.
apurados como omissão de rendimentos. Confira-se:
No que concerne ao acréscimo patrimonial a “Art. 18. As pessoas físicas portadoras de visto
descoberto apurado no ano calendário de 1999, limita-se o permanente que, no curso do ano-calendário, transferirem
Recorrente a afirmar que já teria transferido a sua residência residência para o território nacional e, nesse mesmo ano,
para o Japão, razão pela qual descabida a cobrança de iniciarem a percepção de rendimentos tributáveis de acordo
tributo no País. com a legislação em vigor, estão sujeitas ao imposto,
Por derradeiro, requer o contribuinte a como residentes ou domiciliadas no País em relação aos
desconsideração da multa isolada, tendo em vista que fatos geradores ocorridos a partir da data de sua chegada,
teria sido cobrada cumulativamente com a multa de ofício, observado o disposto no § 2º do art. 2º (Decreto-Lei nº
aplicada no mesmo período. 5.844, de 1943, art. 61, e Lei nº 9.718, de 27 de novembro
Em virtude da extensão do arrazoado do Recorrente, de 1998, art. 12).”
oportuno analisar cada argumento de forma separada, a fim No presente caso, percebe-se, dos documentos
de que possam ser tratados, integralmente, todos os pontos acostados aos autos, que o ora Recorrente detinha visto
suscitados. permanente no Brasil até o ano de 2001 (fl. 61), isto é,
(I) Omissão de rendimentos decorrentes de encontrava-se na posição de residente no país e, portanto,
transferências de recursos do Japão para o Brasil sujeito à tributação (“subject to tax”) no período de
(I.1) Da alegação de ausência de fundamento para ocorrência dos fatos geradores, havendo apresentado,
a tributação das diferenças apuradas nas transferências inclusive, as declarações de rendimentos relativas aos
patrimoniais períodos em referência (fls. 153/174). Assim, tratando-se
Inicialmente, no que tange à alegação de ausência de contribuinte do imposto de renda, deveria o Recorrente,
de fundamento legal para a tributação, como omissão de ao elaborar a sua declaração anual, ter informado a
rendimentos, dos valores transferidos de contas-correntes existência de saldos bancários em contas de sua titularidade
detidas no Japão, pelo contribuinte, para o Brasil, no exterior, valores estes que, conquanto já integrados
relativamente aos serviços prestados de agenciamento ao seu patrimônio, não estariam sujeitos à tributação do
103
imposto de renda, conforme se extrai da própria dicção do declarado intuito de cobrir as despesas de manutenção dos
dispositivo colacionado. estagiários, houve por bem considerar que apenas haveria
A este respeito, aliás, a Instrução Normativa n.º omissão de rendimentos no tocante à diferença apurada
73/1998, consolidando o regramento existente à época, entre as transferências de recursos do exterior e o montante
dispôs expressamente a respeito da indicação dos valores repassado à referida associação, razão pela qual escorreito
em contas-correntes detidas no exterior, cumprindo trazer o procedimento realizado pelo Fisco.
à baila o quanto estabelecido por seus artigos 7º e 8º, in
verbis: (I.2) Da aplicação do acordo para evitar a dupla
“Art. 7º Na Declaração de Ajuste Anual será tributação celebrado pelo Brasil com o Japão
aplicada a tabela progressiva anual, sendo permitidas todas
as deduções previstas na legislação tributária, desde que No que se refere à alegação do Recorrente de que
incorridas a partir da aquisição da condição de residente no apenas seria cabível a tributação de parcela dos valores
Brasil, obedecidos os limites legais. transferidos pelo contribuinte, em virtude da aplicação dos
Art. 8º Na Declaração de Bens e Direitos da dispositivos inseridos no acordo para evitar a bitributação
Declaração de Ajuste Anual a que se refere o artigo anterior celebrado entre Brasil e Japão, entendo, igualmente, que
devem ser relacionados na coluna “Situação em 31/12 do não merece guarida a assertiva do Recorrente.
Ano Anterior”, pormenorizadamente, os bens móveis, Nesse sentido, consoante se extrai da lição de Gerd
imóveis, direitos e obrigações que, no País e no exterior, Willi Rothmann, os acordos internacionais para evitar a
constituíam o patrimônio da pessoa física e o de seus dupla tributação “representam um sistema de concessões
dependentes na data em que se caracterizou a condição de fiscais, baseado na reciprocidade”, cuja finalidade
residente no Brasil. precípua “consiste em eliminar ou atenuar a bitributação
(...) internacional” (ROTHMANN, Gerd Willi. Interpretação e
§ 2º A pessoa física que passar à condição de residente aplicação dos acordos internacionais contra a bitributação.
no País e que não tenha tido essa condição anteriormente Tese de doutoramento apresentada à Faculdade de Direito
deverá declarar os bens e direitos situados no exterior pelos da Universidade de São Paulo. São Paulo, 1978, pp. 148-
seus valores de aquisição, convertidos em moeda nacional 149).
pela cotação cambial de venda da moeda em que o bem foi Os acordos internacionais para evitar a dupla
adquirido fixada pelo Banco Central do Brasil para a data tributação, como se extrai do trecho trazido à baila,
da aquisição e atualizados até 31 de dezembro de 1995 com representam limitações às competências tributárias
base na Tabela constante do Anexo I. dos Estados que deles fazem parte, consistindo, pois,
(...) verdadeira delimitação, sob o prisma externo, da soberania
§ 5º Os saldos dos depósitos mantidos em bancos dos países. Exatamente por isso, assim, Klaus Vogel, no
no exterior, assim como as dívidas e ônus reais assumidos âmbito do direito comparado, assevera que “os acordos de
no exterior, deverão ser relacionados em reais, utilizando- bitributação servem como uma máscara, colocada sobre
se, para a conversão do valor em moeda estrangeira, as o direito interno, tapando determinadas partes deste. Os
cotações cambiais de compra fixada pelo Banco Central dispositivos do direito interno que continuarem visíveis
do Brasil para o dia em que se caracterizar a condição de (por corresponderem aos buracos recortados no cartão)
residente no Brasil. são aplicáveis; os demais, não” (apud SCHOUERI, Luís
§ 6º O tratamento previsto no § 3º aplica-se, se for Eduardo. Relação entre tratados internacionais e a lei
o caso, aos depósitos mantidos em bancos no exterior, tributária interna. In: SOARES, Guido Fernando Silva (et.
bem assim às dívidas e ônus reais assumidos no exterior.” al.) (org.). Direito internacional, humanismo e globalidade.
(grifou-se). São Paulo: Atlas, 2008, p. 585).
Por esta razão curial, portanto, não havendo, De acordo com este breve intróito, portanto,
nas declarações do Recorrente, qualquer indicação da verifica-se que os tratados de bitributação não criam
existência de valores depositados em contas-correntes quaisquer direitos ou obrigações para os contribuintes,
detidas no exterior, a simples comprovação, por parte do cingindo-se, destarte, a delinear os limites de atuação da
Fisco, da transferência de recursos detidos pelo contribuinte legislação interna em situações abrangidas pelos referidos
no exterior já configuraria, de per se, hipótese de omissão acordos internacionais.
de rendimentos (cópias dos fechamentos de câmbio às fls. Vale frisar, por derradeiro, que a celebração das
386/394). convenções internacionais em matéria de imposto de
No caso vertente, no entanto, havendo entendido a renda, tanto no que atine ao modelo elaborado pela
autoridade fiscalizadora, por ocasião da lavratura do auto Organização para Cooperação e Desenvolvimento
de infração, que parte dos valores transferidos para o Brasil Econômico (“OCDE”), como, igualmente, no que toca
pelo contribuinte seriam destinados à Associação Nipo àquele elaborado pela Organização das Nações Unidas
Brasileira de Intercâmbio Futebolístico de Jovens, com o (“ONU”), funda-se, conforme preleciona Paulo Roberto
104 Revista Juris da Faculdade de Direito, São Paulo, v.5, jan/junho. 2011.
Andrade, na “prévia identificação de quem seja a fonte e qual a situação da vida se subsume, em face do conceito
quem seja a residência”, requerendo, pois, “a identificação jurídico utilizado no tratado”, tanto no que tange ao item
de, necessariamente, um único país como residência de rendimento dos acordos a ser considerado, que irá
do contribuinte” (ANDRADE, Paulo Roberto. Dupla determinar o Estado competente para tributar, como a
residência de empresas: repercussões e soluções no âmbito condição de residente ou não-residente de determinado
da CM-OCDE. In: COSTA, Alcides Jorge (et. al.). Direito ente (SILVEIRA, Rodrigo Maito da. Op. cit. p. 160).
tributário atual. São Paulo: Dialética, 2005, pp. 256-272). Na hipótese dos autos, o contribuinte não se
Nesse sentido, os tratados contra a bitributação preocupou em demonstrar, de forma cabal, a origem dos
funcionam como autênticas normas de estrutura, isto é, rendimentos transferidos do Japão para o Brasil, de maneira a
buscam delinear a forma de aplicação de outras normas classificá-lo de acordo com os itens de rendimentos trazidos
de direito interno dos Estados de acordo com a espécie de no tratado Brasil/Japão, consoante se infere dos elementos
rendimento qualificada nos referidos acordos. Em breve acostados aos autos, limitando-se, desta sorte, a aduzir
síntese do exposto, convém trazer à baila a lição de Rodrigo que os valores tributados no Japão, independentemente da
Maito da Silveira: natureza e qualificação dos rendimentos de acordo com o
“Considerando que os tratados contra a bitributação tratado deveriam ser deduzidos do imposto de renda pago
são normas sobre a aplicação de outras normas (as internas), no País.
eles acabam por limitar a aplicação do direito interno dos Parece-me, no entanto, que, muito embora não
Estados contratantes, distribuindo tributação de situações haja documentos que comprovem especificamente a
internacionais, conforme espécies de rendimentos, para natureza dos rendimentos auferidos no Japão, submetidos
as quais se determina, em cada caso, qual o Estado pode à tributação neste País, trata-se de rendimentos decorrentes
tributar o rendimento em questão, até que medida pode da prestação dos serviços de consultoria de futebol e
fazê-lo e em que termos um Estado contratante deve intermediação entre atletas e clubes de futebol no Brasil
creditar o imposto do outro Estado no cálculo de seu próprio para a celebração de contratos de estágio nestes últimos,
imposto.” (SILVEIRA, Rodrigo Maito da. Aplicação de como, inclusive, consta da declaração de rendimentos
tratados internacionais contra a bitributação: qualificação apresentada às autoridades japonesas, traduzida para o
de partnership joint ventures. São Paulo: Quartier Latin, vernáculo nacional (vide fl. 377, p. ex.). Nesse sentido,
2006, p. 158). pois, tratando-se de rendimento decorrente do exercício
Com fulcro em tais premissas, verifica-se que, para de atividade empresária, e não decorrente do exercício de
fins de análise do presente caso, o Brasil efetivamente profissão liberal, poderia tal rendimento ser qualificado
celebrou acordo de bitributação com o Japão, incorporado como “lucros das empresas”, tal como previsto no art. 5º
pela legislação interna por meio do Decreto n.º 61.899/67, do acordo celebrado entre Brasil e Japão, equivalente ao
posteriormente modificado pelo Decreto n.º 81.194/78, que disposto pelo art. 7º da Convenção-Modelo da OCDE, cujo
corporificou protocolo celebrado entre os mesmos países teor é o seguinte:
no que atine à referida convenção internacional. “Artigo 5. 1) Os lucros de uma empresa de um
Visto, pois, que efetivamente existe acordo Estado Contratante são tributáveis somente nesse Estado
internacional abrangendo a situação em referência, Contratante a menos que a empresa realize negócios no outro
cumpriria ao contribuinte qualificar, à luz do referido Estado Contratante por intermédio de um estabelecimento
acordo e em consonância com as regras distributivas de permanente aí situado. Se a empresa realizar negócios na
competência nele previstas, os rendimentos recebidos por forma indicada, os seus lucros são tributáveis no outro
meio de transferências patrimoniais oriundas do Japão, Estado Contratante, mas unicamente na medida em que
com o fito de comprovar, destarte, que competiria ao Japão forem atribuíveis a esse estabelecimento permanente.”
a tributação de tais rendimentos em consonância com o Vale lembrar, neste esteio, que o conceito de lucros
acordo internacional firmado entre ambos os Estados. de empresas, previsto no artigo em comento, não se refere
Sem ingressar, propriamente, na problemática ao lucro líquido das pessoas jurídicas, como um exame
atinente aos conflitos de qualificação possíveis, isto é, nas leigo poderia denotar. Em verdade, como lembra Gerd
celeumas, segundo salienta Gerd Willi Rothmann, que Willi Rothmann em artigo destinado ao tema, “o conceito
“nascem na interpretação e aplicação de uma convenção de lucros do artigo 7º do acordo de bitributação do acordo
internacional, tendo por conseqüência novas hipóteses Brasil-Alemanha [equivalente ao art. 5º do acordo Brasil-
de bitributação” (ROTHMANN, Gerd Willi. Problema Japão] é, pois, um conceito próprio do acordo, não se
de qualificação na aplicação das convenções contra a confundindo com o conceito da legislação interna brasileira
bitributação internacional. In: Revista Dialética de Direito relativo ao lucro da pessoa jurídica” (ROTHMANN, Gerd
Tributário, n. 76. São Paulo: Dialética), não há dúvidas Willi. Problema da qualificação ... Op. cit.). Compreende
de que, para aplicar corretamente o acordo, segundo referido dispositivo, portanto, à luz do acordo e com
aduz novamente Rodrigo Maito da Silveira, faz-se mister base nos Comentários da OCDE, considerados soft law
a “caracterização de um conceito de direito interno no na interpretação e aplicação dos acordos para evitar a
bitributação que se fundamentam na referida Convenção-
105
Modelo, todos os rendimentos auferidos na exploração de No presente caso, como se viu, o Recorrente amolda-
uma empresa, isto é, de uma atividade econômica prestada, se ao conceito de residente brasileiro, eis que possuía, até o
ressalvados os rendimentos expressamente previstos ano de 2001 (fl. 61), visto permanente para estadia no País,
na Convenção-Modelo de forma expressa, tais como tendo, igualmente, ao longo deste período, imóveis para
dividendos, juros, royalties, dentre outros, o que abarcaria, sua habitação e veículos, exercendo, também, atividade de
pois, os rendimentos referidos in casu. cunho empresário no Brasil. Indubitavelmente, portanto,
No entanto, ainda que se pudesse aplicar, in casu, cumpria o Recorrente tanto os requisitos subjetivos,
o quanto disposto pelo artigo 5º do acordo Brasil-Japão, inferidos dos elementos trazidos aos autos, que consistem
inspirado no art. 7º da Convenção-Modelo da OCDE, fato na intenção de permanecer no País, como, igualmente,
é que referido dispositivo estabelece como competente aqueles objetivamente elencados pela legislação do
para tributar tais rendimentos, de forma exclusiva, o imposto de renda.
Estado da residência do beneficiário do acordo, apenas No que toca à legislação japonesa, por sua vez,
atribuindo ao Estado da fonte os rendimentos imputáveis a compulsando-se o documento intitulado “2009 Income
estabelecimentos permanentes situados neste último. Tax Guide for Foreigners” (Vide: http://www.nta.go.jp/
Percebe-se, portanto, que, para a aplicação do tetsuzuki/shinkoku/shotoku/tebiki2009/pdf/01_44.pdf,
referido dispositivo, como, aliás, de todos os demais acesso em 15/10/2010), editado pela agência nacional
relativos à atribuição de competência tributária, cumpre de tributação do Japão, órgão oficial de arrecadação do
estabelecer qual é a residência do Recorrente para os fins governo japonês (National Tax Agency), verifica-se que
do acordo Brasil-Japão. este país estabelece três distintas classificações, a saber: (i)
Nesta esteira, vale frisar que a qualificação como residentes japoneses, (ii) residentes não permanentes e, por
residente, conforme aduz Alberto Xavier, “pertence ao fim, (iii) não residentes, que seriam todos aqueles que não
direito interno dos Estados interessados, a qual tem apenas se enquadrassem nas duas definições.
por limite a natureza da conexão adotada, que deve ser o No que se refere aos residentes, dispõe a legislação
domicílio, a residência, a sede da direção ou qualquer outro que são aqueles indivíduos que possuam um domicílio
critério de natureza análoga” (XAVIER, Alberto. Direito ou residência no País por um ano ou mais, de maneira
tributário internacional do Brasil. 6ª ed. Rio de Janeiro: contínua, classificando-se, por sua vez, como residentes
Forense, 2007, p. 297). Este é o teor do artigo 3º, parágrafo não-permanentes todos aqueles que, não possuindo
primeiro do acordo Brasil-Japão (art. 4º da Convenção- nacionalidade japonesa, detenham residência no País por
Modelo da OCDE), cujo teor um período contínuo de cinco anos, ou intercalado no
cumpre trazer à baila: período de dez anos.
“Artigo 3. 1) Na presente Convenção a expressão Ora, in casu, analisando-se os documentos trazidos
“residente num Estado Contratante” designa as pessoas aos autos, em especial no que se refere às declarações
que, por virtude da legislação desse Estado estão aí sujeitas de imposto apresentadas ao fisco japonês, percebe-se
a imposto, devido ao seu domicílio, à sua residência, à sede que o Recorrente, além de nacional do Japão, de fato
da sua direção ou a qualquer outro critério de natureza possuía residência na cidade de Shizuoka nos anos-
análoga”(grifou-se). calendário de 1995 a 1999 (fls. 371/384), de maneira que,
Analisando-se, nesse sentido, o conceito de à luz da legislação japonesa, igualmente se enquadra como
residência da legislação brasileira para os fins da tributação residente no Japão para os fins do art. 3º, parágrafo 1º do
pelo imposto de renda, verifica-se que é considerado acordo Brasil-Japão.
domicílio fiscal, à luz do art. 28 do RIR/99, no caso da Corrobora o exposto, também, o fato de que, além
pessoa física, a “sua residência habitual, assim entendido de apresentar declaração do fisco japonês, o Recorrente
o lugar em que ela tiver uma habitação em condições recolheu ao governo japonês tributo designado “taxa de
que permitam presumir a intenção de mantê-la”. Além residência” (fl. 363), de modo que não restam dúvidas
deste conceito basilar, indica Ana Cláudia Akie Utumi acerca da sua qualificação como residente no Japão.
que “também são consideradas residentes no Brasil as Ora, se o Recorrente, à luz do direito interno de
pessoas físicas estrangeiras que: (i) ingressem no Brasil cada país, em consonância com o disposto no art. 3º,
com visto permanente, a partir da data do ingresso no parágrafo 1º do acordo de bitributação, é qualificado como
País; (ii) ingressem no Brasil com visto temporário de residente de ambos os Estados, não há, em princípio, forma
trabalho (para trabalhar com vínculo empregatício); (iii) de se aplicar, ainda que cabível à espécie, o disposto pelo
ingressem no Brasil com outros vistos temporários, se aqui artigo 5º do acordo (7º da Convenção-Modelo da OCDE),
permanecerem por prazo superior a 183 (cento e oitenta e tendo em vista que os dois Estados, como residentes, se
três) dias, em um período de 12 (doze) meses” (UTUMI, outorgariam o direito de tributar de acordo com o tratado.
Ana Cláudia Akie. O não-residente na legislação do De fato, consoante verberado linhas atrás, as
imposto de renda. In: TÔRRES, Heleno Taveira. Direito convenções-modelo utilizadas para celebração dos acordos
tributário internacional aplicado, v. V. São Paulo: Quartier de bitributação, ao distribuir as competências entre os
Latin, 2009, p. 135). Estados contratantes, partem do princípio de que, para
106 Revista Juris da Faculdade de Direito, São Paulo, v.5, jan/junho. 2011.
os fins da convenção, apenas um dos governos poderia parágrafo 2º, equivalente ao famigerado artigo 4(2) da
ser considerado como de residência das pessoas físicas Convenção-Modelo da OCDE, apenas há a previsão de
e jurídicas. Neste exato sentido, pois há, nos referidos definição da residência, em casos de duplicidade, por meio
acordos, via de regra, as chamadas tie breaker rules, isto de mútuo entendimento entre as partes contratantes, é
é, as regras de desempate que objetivam delimitar qual dos dizer, por procedimento amigável entre as autoridades de
Estados deve ser considerado de residência para os fins do ambos os Estados. Nesse sentido, convém trazer a lume o
acordo. texto do citado dispositivo legal, in verbis:
Neste sentido, cumpre trazer à baila a lição de “Artigo 3. 2) Quando, por força das disposições no
Alberto Xavier, in verbis: parágrafo (1), uma pessoa for residente em ambos os Estados
“A função das convenções neste domínio é, Contratantes, as autoridades competentes determinarão por
precisamente a de – partindo do pressuposto de uma dupla mútuo entendimento o Estado Contratante no qual aquela
residência face aos critérios do direito interno – definir qual pessoa será considerada como residente, para os fins desta
das duas residências prevalecerá para efeitos tributários, Convenção” (grifou-se).
escolhendo uma (residência escolhida) em detrimento da Nesse mesmo sentido, compulsando-se os termos
outra (residência preterida). da “Troca de notas (23/03/1976) e memorando de
O primeiro corolário desta regra consiste em que, entendimentos” entre os Estados, verifica-se, de fato, que
no sistema convencional, a residência fiscal só pode ser optaram por inverter a regra constante da Convenção-
uma (princípio da unicidade da residência), de tal modo Modelo da OCDE, e mesmo da ONU, estabelecendo a
que se em face dos critérios da Convenção, uma pessoa necessidade a priori de submissão da questão ao mútuo
for considerada fiscalmente residente num Estado, passa a entendimento, vertendo apenas em balizas para referida
ser automaticamente “não residente” no outro, ainda que o solução as regras de desempate, que deveriam nortear o
estatuto de residente lhe seja atribuído pela lei interna deste entendimento das autoridades competentes. Confira-se:
último.”(XAVIER, Alberto. Op. cit. p. 298). “1. Com referência ao parágrafo 2 do Artigo 3 da
Na esteira da lição de Xavier, portanto, verifica-se Convenção:
que os acordos de bitributação, via de regra, contêm regras Quando um indivíduo for residente em ambos os
específicas, no caso de contribuintes pessoas físicas, para Estados Contratantes, a questão será resolvida por mútuo
delimitação do Estado de sua residência, em consonância entendimento, observando-se as seguintes regras: a - será
com o estatuído no parágrafo 2º do artigo 4º da Convenção- considerado residente no Estado Contratante em que tenha
Modelo da OCDE, que culminam com a celebração de uma habitação permanente à sua disposição. Se tiver
procedimentos amigáveis entre os Estados, nas hipóteses uma habitação permanente à sua disposição em ambos
em que não se chegue a um denominador comum. os Estados Contratantes, será considerado residente no
A respeito de tais regras, oportuna a lição de André Estado Contratante com o qual mantenha mais estreitos
Carvalho, in verbis: laços pessoais e econômicos (centro de interesses vitais);
“No caso das pessoas físicas, a dual residence é b- se o Estado Contratante no qual tenha seu centro de
decidida a favor de um Estado Contratante segundo as interesses vitais não puder ser determinado, ou se não tiver
normas do parágrafo primeiro do Artigo 4º, que contém uma habitação permanente a sua disposição em qualquer
diversos critérios de conexão subsidiária ou testes de um dos Estados Contratantes, será considerado residente
desempate (preference rules) que devem ser aplicados no Estado Contratante no qual habitualmente permaneça;
em ordem serial. Ou seja, persistindo o empate em um c - se habitualmente permanecer em ambos os Estados
teste, recorre-se ao seguinte, até o eventual “desempate” Contratantes ou em nenhum deles, será considerado
por intermédio de procedimento amigável: 1- Habitação residente no Estado Contratante do qual for um nacional;
permanente; 2- Centro de interesses vitais (relações d - se for nacional de ambos Estados Contratantes ou de
pessoais e econômicas mais estreitas); 3- Moradia habitual nenhum deles, as autoridades competentes dos Estados
(habitual abode); 4- Nacionalidade; e 5- Procedimento contratantes resolverão a questão por entendimento
amigável.” (CARVALHO, André. O escopo subjetivo de mútuo.”
aplicação dos acordos para evitar a dupla tributação: a Sendo certo, portanto, que eventuais conflitos acerca
residência. In: TÔRRES, Heleno Taveira. Direito tributário da existência de dupla residência devem ser submetidos,
internacional aplicado, v. V. São Paulo: Quartier Latin, no caso específico do acordo Brasil-Japão, ao mútuo
2009, pp. 173-174). entendimento das autoridades competentes, verifica-se,
Em que pese a existência, via de regra, de desde já, que não compete a este Conselho Administrativo
procedimentos prévios previstos pelos próprios tratados de Recursos Fiscais tal mister. Aliás, ainda que assim não
para definir a residência antes do recurso ao procedimento fosse, o que se admite apenas para fins argumentativos,
amigável, ou ao mútuo entendimento, verifica-se que convém salientar que inexistem, nos autos, elementos aptos
o acordo celebrado entre Brasil e Japão apresenta uma a comprovar qual seria a residência do contribuinte para os
inversão de critérios. fins do referido acordo, sendo esta, pois, mais uma razão
Com efeito, examinando-se o texto do artigo 3º, para rechaçar o argumento ventilado pelo Recorrente.
107
Por todas as razões explicitadas, portanto, manutenção de bens móveis e imóveis, razão pela qual
afigurando-se o Recorrente residente no Brasil e no Japão, não merece guarida a assertiva de cobrança dúplice. Ainda
à luz das legislações brasileira e japonesa, e, igualmente, a este respeito, igualmente, não foi acostada aos autos,
de acordo com os termos do tratado, não há mecanismos pelo contribuinte, qualquer prova de que (i) os dispêndios
para distribuir de maneira correta as competências efetuados com as quotas, no valor de R$ 5.674,48, nos
conforme as espécies de rendimentos previstas no acordo meses de agosto a dezembro (fl. 473), e (ii) relativos à
de bitributação, nem para viabilizar a compensação do declaração de manutenção de dinheiro em espécie ao final
imposto pago, na forma do art. 22 do acordo Brasil-Japão, do ano calendário, também seriam referentes aos cheques
razão pela qual rejeito a alegação do Recorrente. emitidos pelo contribuinte sem origem comprovada (fls.
Por derradeiro, além de todo o exposto, cumpre 464/466).
verberar que não logrou o contribuinte comprovar, como Vale frisar, igualmente, que nas planilhas de fls.
acertadamente aduziu a Recorrida, (i) que os rendimentos 464/466 não há cheques coincidentes, ao menos em valores,
tributados no Japão, discriminados às fls. 511/516, são com os demais dispêndios apurados pelo contribuinte
exatamente os mesmos transferidos para o País e objeto de (fl. 473), razão pela qual não prospera a assertiva de que
tributação no Brasil, e (ii) que os valores apresentados nas estariam sendo cobrados valores em duplicidade.
declarações ao fisco japonês efetivamente foram recolhidos Movendo-se para a análise do ocorrido no ano-
àquele Estado, de modo que não merecem prosperar suas calendário de 1997, por seu turno, podem ser extraídos
alegações. equívocos idênticos de interpretação pelo contribuinte,
na medida em que, havendo a inversão do ônus da prova
(II) Acréscimos patrimoniais a descoberto verificados em seu desfavor, operada pelo comando do art. 3º, §1º,
nos anos calendário de 1996, 1997 e 1999 da Lei n.º 7.713/88, cumpriria ao Recorrente demonstrar,
especificamente, a coincidência dos valores dos cheques,
No que atine, especificamente, aos acréscimos sem comprovação de origem, com os montantes gastos
patrimoniais a descoberto, cumpre frisar, primeiramente, pelo mesmo contribuinte com a manutenção de bens
que não é a autoridade fazendária quem presume a móveis e imóveis.
omissão de receita, mas a própria lei. Trata-se, portanto, de Quanto à alegação de que não constariam, nos
presunção legal instituída pelo legislador ordinário na Lei demonstrativos de variação patrimonial relativos aos anos-
Federal n.º 7.713/88. Confira-se: calendário de 1996 e 1997, os lançamentos referentes
“Art. 3º O imposto incidirá sobre o rendimento aos rendimentos considerados omitidos pelo contribuinte
bruto, sem qualquer dedução, ressalvado o disposto nos nas transferências de recursos do Japão, nos montantes,
arts. 9º a 14 desta Lei. respectivamente, de R$ 116.355,98 e R$ 11.551,13,
§ 1º Constituem rendimento bruto todo o produto igualmente não merece guarida a alegação.
do capital, do trabalho ou da combinação de ambos, os De fato, compulsando-se o demonstrativo de
alimentos e pensões percebidos em dinheiro, e ainda os variação patrimonial do anocalendário de 1996, verifica-
proventos de qualquer natureza, assim também entendidos se que todas as transferências, consideradas como
os acréscimos patrimoniais não correspondentes aos omissão de rendimentos, foram registradas no quadro de
rendimentos declarados.” origem de recursos, especificamente na rubrica designada
Em consonância com o preceito legal citado, o “rendimentos omitidos”, nos meses de março, julho, agosto,
Regulamento do Imposto sobre a Renda, editado pelo setembro e dezembro. Do mesmo modo, no que tange
Decreto n.º 3.000/99, assim dispõe: ao ano-calendário de 1997, também foram registrados,
“Art. 55. São também tributáveis (...): no cômputo da origem dos recursos do contribuinte, os
XIII - as quantias correspondentes ao acréscimo valores considerados omitidos nos meses de janeiro,
patrimonial da pessoa física, apurado mensalmente, quando fevereiro, março e maio, de maneira que não assiste razão
esse acréscimo não for justificado pelos rendimentos ao Recorrente.
tributáveis, não tributáveis, tributados exclusivamente na Por estas razões, pois, não logrou o Recorrente
fonte ou objeto de tributação definitiva; (...).” demonstrar a origem de referidos valores, não cumprindo
Com fundamento na presunção em referência, com ônus que lhe competia. É esse, a propósito, o
portanto, cabe ao Recorrente, uma vez demonstrado pela entendimento deste Conselho Administrativo de Recursos
fiscalização um excesso de dispêndios em comparação com Fiscais em caso análogo:
a origem dos recursos, a cabal demonstração da origem dos “ACRÉSCIMO PATRIMONIALA DESCOBERTO.
valores gastos, de tal sorte a afastar a prova erigida, pela Constitui-se rendimento tributável o valor correspondente
própria legislação, em favor do Fisco. ao acréscimo patrimonial não justificado pelos rendimentos
Nesse sentido, no que toca ao ano-calendário tributáveis declarados, não tributáveis, isentos, tributados
de 1996, não logrou o contribuinte provar que parte dos exclusivamente na fonte ou de tributação definitiva.
cheques emitidos, sem comprovação de sua destinação, ÔNUS DA PROVA. Se o ônus da prova, por
efetivamente se referiam aos gastos efetuados com a presunção legal, é do contribuinte, cabe a ele a prova
108 Revista Juris da Faculdade de Direito, São Paulo, v.5, jan/junho. 2011.
da origem dos recursos utilizados para acobertar seus (Câmara Superior de Recursos Fiscais, 1ª Turma,
acréscimos patrimoniais. Recurso do Procurador nº. 106-131314, relatora Conselheira
Recurso negado” Leila Maria Scherrer Leitão, sessão de 15/06/2004)
(Recurso Voluntário n.º 157640, Primeiro Conselho “MULTA ISOLADA E MULTA DE OFÍCIO -
de Contribuintes, 2ª. Câmara, Relatora Conselheira Vanessa CONCOMITÂNCIA - IMPOSSIBILIDADE - A multa
Pereira Rodrigues Domene, j. em 29/05/2008). isolada não pode ser exigida concomitantemente com a
Por derradeiro, no que concerne ao acréscimo multa de ofício. Precedentes da 2ª Câmara e da Câmara
patrimonial a descoberto apurado ano-calendário de 1999, Superior de Recursos Fiscais.”
não assiste razão ao Recorrente quando afirma que os (1º Conselho de Contribuintes, 2ª Câmara, Recurso
dispêndios apurados pela fiscalização “não têm base legal Voluntário nº. 153.562, relator Conselheiro Alexandre
porque o recorrente já tinha transferido a sua residência, Naoki Nishioka, sessão de 23/04/2008)
em definitivo, para o Japão” (fl. 553). “MULTA ISOLADA - CONCOMITÂNCIA- A
De fato, consoante asseverado linhas atrás, o multa isolada não pode ser cobrada concomitantemente
contribuinte ainda era residente no país, com visto com a multa de oficio, evitando-se a dupla penalidade para
permanente válido, até o ano de 2001 (fl. 61), razão pela uma mesma infração.”
qual, não havendo apresentado o contribuinte a declaração (1º Conselho de Contribuintes, 4ª Câmara, Recurso
de saída definitiva do País, em consonância com o Voluntário nº. 134.959, relator Conselheiro José Pereira do
estatuído pelo art. 16 do RIR/99, afigura-se descabida a sua Nascimento, sessão de 13/05/2004)
argumentação. “MULTA ISOLADA- MULTA DE OFÍCIO –
CONCOMITÂNCIA – É inaplicável a multa isolada
(III) Da concomitância de multa isolada com a multa concomitantemente com a multa de ofício, tendo ambas a
de ofício mesma base de cálculo.”
(1º Conselho de Contribuintes, 6ª Câmara, Recurso
Quanto à alegação de que seria incabível a cobrança Voluntário nº. 141.639, relatora Conselheira Ana Neyle
concomitante das multas de ofício e isolada, por constituir Olímpio Holanda , sessão de 20/10/2004)
tal prática um bis in idem punitivo, entendo que assiste “MULTA ISOLADA CUMULADA COM MULTA
razão ao Recorrente. DE OFÍCIO - Pacífica a jurisprudência deste Conselho de
Isto porque o artigo 44 da Lei n. 9.430/96, à época Contribuintes no sentido de que não é cabível a aplicação
da lavratura do auto de infração, instituía duas únicas concomitante da multa isolada prevista no art. 44, parágrafo
multas de ofício, a de 75% (inciso I) e a qualificada de 1º, inciso III da Lei nº 9.430/96, com multa de oficio,
150% (inciso II), estabelecendo o seu §1º, assim, formas tendo em vista dupla penalização sobre a mesma base de
excludentes de cobrança das referidas multas, “juntamente incidência.”
com o tributo ou a contribuição, quando não houverem (1º Conselho de Contribuintes, 6ª Câmara, Recurso
sido anteriormente pagos” ou “isoladamente”, nas demais Voluntário nº. 137.200, relator Conselheiro José Ribamar
hipóteses, inclusive a do inciso III. Barros Penha, sessão de 13/05/2004)
Não permitia mencionado artigo 44, portanto, em Nesse sentido, sendo certo que os valores de R$
especial compulsando-se a legislação então vigente, a 5.680,00 e de R$ 5.674,00, transferidos do Japão para conta-
cobrança de duas multas concomitantes, a de ofício e a corrente do Recorrente foram considerados rendimentos
isolada, mesmo porque, como é cediço, a ausência de omitidos, por ocasião da lavratura do auto de infração ora
declaração de determinado rendimento na declaração de combatido, e, destarte, tiveram sobre si imputada multa de
ajuste pressupõe, igualmente, a falta de sua tributação de ofício à proporção de 75% (fl. 499), afigura-se descabida a
maneira antecipada, o que significa dizer, por outro giro, cobrança, em duplicidade, de multa isolada (fl. 500), razão
que a falta de antecipação do recolhimento constitui iter pela qual entendo proceder, nesta parte, a irresignação do
procedimental necessário à ausência de oferecimento do Recorrente.
respectivo valor na declaração de ajuste.
O entendimento ora esposado encontra supedâneo, (IV) Parte Dispositiva
inclusive, na jurisprudência da Câmara Superior de
Recursos Fiscais e do Primeiro Conselho de Contribuintes: Eis os motivos pelos quais voto no sentido de
“MULTA ISOLADA E MULTA DE OFÍCIO – DAR PARCIAL provimento ao recurso, determinando,
CONCOMITÂNCIA – MESMA BASE DE CÁLCULO – especificamente, a exclusão dos valores cobrados do
A aplicação concomitante da multa isolada (Inciso III do contribuinte a título de multa isolada, eis que incabível a
parágrafo 1º do art. 44 da Lei nº 9.430 de 1996) e da multa sua exigência em concomitância com a multa de ofício.
de oficio (Incisos I e II do art. 44 da Lei nº 9.430 de 1996) Alexandre Naoki Nishioka
não é legítima quando incide sobre uma mesma base de
cálculo.”
109
DIDIER JR., Fredie e ZANETI JR., Hermes. Curso de Direito Processual Civil
– Processo Coletivo. 6ª edição. Salvador: JusPodivm, 2011.
FABIANO CARVALHO
Doutor e mestre em Direito pela PUC/SP. Professor da Faculdade de Direito da Fundação Armando Alvares Penteado -
FAAP. Advogado.
Não é novidade dizer que Fredie Didier Jr. e Hermes No Capítulo seguinte, os autores examinam as
Zaneti Jr. compõem a seleta classe do grupo de juristas “espécies” de direitos coletivos (lato sensu). Este Capítulo
brasileiros da atualidade que estão sempre envolvidos nas contém uma interessantíssima exposição sobre as ações
discussões dos temas jurídicos mais representativos da pseudo individuais, tese defendida pelo professor Kazuo
nossa sociedade. Watanabe, cujo resultado da demanda individual gerasse
A obra ora resenhada corrobora de modo absoluto efeitos jurídicos para o coletivo. Essa tese é corretamente
essa afirmação. refutada pelos autores, ao argumento de que ela não se
O Curso de Direito Processual Civil – Processo enquadra no Estado Democrático de Direito, em virtude
Coletivo corresponde a um estudo completo sobre o direito de limitar o acesso à justiça. A solução mais adequada,
processual coletivo. A obra não é compêndio onde se segundo a visão dos autores, é suspender os processos
encerram lições de um programa de estudos específicos individuais até o julgamento definitivo do processo
e organizados sobre processo coletivo, mas, antes, coletivo (p. 94). De outro lado, com base nos estudos de
corresponde a uma verdadeira teoria geral do processo Luiz Paulo da Silva Araújo Filho, os autores estudam as
coletivo. ações pseudo coletivas (uma ação coletiva para a defesa
Apesar da pluralidade de diplomas que atualmente de direitos individuais homogêneos não significa a soma
regulam o processo coletivo, todos os capítulos da obra das ações individuais). Aqui, é apresentada a proposta
de Didier-Zaneti ajustam-se de forma harmônica e coesa. para aplicação do art. 10.5 do Código de Processo Civil
O texto está francamente comprometido com a idéia de Coletivo: um modelo para países de direito escrito, cuja
sistema e com os valores de emancipação do tradicional redação é a seguinte: “O juiz poderá limitar o objeto da ação
direito processual civil individual. coletiva à parte da controvérsia que possa ser julgada na
O Curso é composto por doze capítulos. forma coletiva, deixando as questões que não são comuns
O primeiro capítulo, que trata da introdução ao ao grupo para serem decididas em ações individuais ou
estudo do processo coletivo, tem como ponto nuclear a em uma fase posterior do próprio processo coletivo. Em
exploração da seguinte questão: Microssistemas e Códigos decisão fundamentada, o juiz informará as questões que
são incompatíveis entre si? Os autores respondem farão parte do processo coletivo e as que serão deixadas
negativamente. Se de um lado “o valor dos Códigos nos para ações individuais ou para a fase posterior do processo
ordenamentos jurídicos é enunciar princípios, cláusulas coletivo” (p. 96).
gerais e regras para harmonizar com os objetivos da Carta O Capítulo III versa sobre os princípios da tutela
Magna e dos direitos fundamentais nela estatuídos”, de coletiva. Aqui, os autores verdadeiramente inovam,
outro, “os micossistemas são caracterizados por tratarem uma vez que esse tema quase nunca é tratado em sede
de matéria especifica, dotada de particularidades técnicas de cursos de direito processual coletivo. Didier-Zaneti
e importância que justificam uma organização autônoma”. destacam que os princípios da tutela coletiva distinguem-
Mas, segundo a esclarecedora visão dos autores, “não se se dos seus correlatos na tutela individual. Os princípios
incompatibilizam com as cláusulas gerais ou princípios, examinados nos Curso sãos os seguintes: a) princípio da
antes trazem mesmo os seus próprios, internamente, como adequada representação (legitimação); b) princípio da
necessidade intrínseca de organização e ordenação dos adequada certificação da ação coletiva; c) princípio da
conteúdos” (p. 68). coisa julgada diferenciada e a “extensão subjetiva” da
110 Revista Juris da Faculdade de Direito, São Paulo, v.5, jan/junho. 2011.
coisa julgada secundum eventum litis à esfera individual; o controle jurisdicional da legitimação coletiva. Na linha
d) princípio da informação e publicidade adequadas; doutrinária de Didier-Zaneti, a análise da legitimidade para
e) princípio da competência adequada (forum non as demandas coletivas dar-se-ia em duas fases: (i) verifica-
conveniens e forum shopping); f) princípio da primazia do se se há autorização legal para que determinado ente
conhecimento do mérito do processo coletivo; g) princípio possa substituir os titulares coletivos no direito afirmado
da indisponibilidade da demanda coletiva; h) Princípio do e conduzir o processo coletivo; e, em seguida (ii) o juiz
microssistema: aplicação integrada das leis para a tutela exerce o controle in concreto da adequação da legitimidade
coletiva; i) reparação integral do dano; j) princípio da para aferir, sempre de forma motivada, se estão presentes
não-taxatividade ou da atipicidade da ação e do processo os elementos que asseguram a representatividade adequada
coletivo; k) processual para a tutela de direitos difusos; l) dos direitos em tela (p. 211/212). Mantendo-se fiéis à linha
princípio do ativismo judicial. da “representação adequada” nos processos coletivos, não
Em seguida, os autores ocupam-se, no Capítulo escapou à crítica dos autores o disposto no art. 21 da Lei
IV, do estudo da competência. A premissa traçada pelos n. 12.016/2009, norma essa que seria inconstitucional,
autores é no sentido de que diante da natureza da tutela por não incluir o Ministério Público e outros entes
jurisdicional coletiva é preciso realizar uma interpretação representativos da sociedade (p. ex. Defensoria Pública) no
mais flexível das regras de competência. Nesse tópico do rol dos legitimados para impetrar mandado de segurança
Curso, são abordadas questões difíceis e controvertidas, coletivo.
como, por exemplo, a regra de delegação de competência Examina-se no Capítulo VI o inquérito civil. Nesse
federal ao juízo estadual e a restrição territorial da eficácia espaço, os autores dão relevante destaque para os princípios
das decisões proferidas em ações coletivas. Didier-Zaneti basilares desse importante instrumento extraprocessual.
dedicam ainda algumas páginas de intenso conteúdo sobre Além disso, algumas questões polêmicas são tratadas com
a competência para a ação de improbidade administrativa. sagacidade. Finalmente, ainda aqui, os autores encontraram
Na abordagem do fenômeno processual da conexão, fôlego para tratar de outros dois instrumentos extrajudiciais
realizada no Capítulo V, Didier-Zaneti apresentam ligados à tutela coletiva, que ainda não receberam a devida
excelentes respostas para as seguintes questões: (i) conexão atenção pelos processualistas: recomendação e audiência
em causas coletivas pode importar modificação de uma pública.1
regra de competência absoluta?; (ii) é possível falar em No Capítulo VII, o Curso retoma o estudo dos
juízo prevento universal? No mesmo Capítulo é analisado elementos subjetivos do processo coletivo para explicar
o difícil assunto da litispendência entre ações coletivas e a intervenção de terceiros, que no microssistema coletivo
a relação entre ações coletivas e ações individuais. Nesse recebe um tratamento legislativo diferenciado. Nesse
ponto, merece especial destaque a crítica que é feita à tópico, são tratados temas já muito discutidos na doutrina
proposta legislativa que assevera haver litispendência e na jurisprudência (a denunciação da lide e o chamamento
entre demandas coletivas com causa de pedir distintas. ao processo nas causas coletivas de consumo), como
Na correta visão dos autores, “sem identidade de causa também temas modernos (intervenção da pessoa jurídica
de pedir, não há identidade de ‘problema’ submetido ao interessada na ação de improbidade administrativa). Na
Judiciário e, portanto, não se pode falar em litispendência, trilha da doutrina que estuda o processo como instrumento
apenas em conexão, se for o caso” (p. 179). Outro ponto do Estado Democrático de Direito, Didier-Zaneti defendem
muito interessante, muito bem discutido ainda neste a participação da sociedade civil no processo coletivo por
Capítulo é a defesa da tese da suspensão dos processos intermédio do amicus curiae, pois seria “legitimar ainda
individuais, em razão da existência de uma demanda mais a decisão do órgão jurisdicional, em um processo de
coletiva correspondente ser determinada de ofício ou evidente interesse público” (p. 254).
a requerimento da parte, sempre com a observância do Em continuação, o Capítulo IX cuida dos aspectos
regular contraditório (p. 191/192). gerais da tutela coletiva (material e processual). Destaquem-
O Capítulo VI cuida do árduo tema da legitimação se, aqui, algumas discussões que parecem estar longe de
ad causam nas ações coletivas. Talvez seja o tema mais uma definição por parte da doutrina e da jurisprudência. O
debatido pela jurisprudência, principalmente com relação primeiro assunto relevante é a limitação que é imposta pelo
à legitimidade ativa do Ministério Público. Assunto art. 1º, parágrafo único, da Lei n. 7.347/85, com redação
bastante palpitante e muito bem examinado pelo Curso é dada pela Medida provisória nº 2.180-35, ao aduzir não
1
Louvem-se os trabalhos de Alexandre Amaral Gavronski, Técnicas extraprocessuais de tutela coletiva, RT, 2010; Antonio do Passo Cabral, Os efeitos processuais da audiência pública, publicado na
Revista de Direito do Estado, n.2. Rio de Janeiro : Renovar , 2006.
111
ser cabível ação civil pública para veicular pretensões greve nacional dos policiais federais, o Governo Federal
que envolvam tributos, contribuições previdenciárias, ingressou com demanda judicial contra a Federação
o Fundo de Garantia do Tempo de Serviço - FGTS ou Nacional dos Policiais Federais e o Sindicato dos Policiais
outros fundos de natureza institucional cujos beneficiários Federais no Distrito Federal, pleiteando o retorno das
podem ser individualmente determinados. Depois de atividades. Trata-se, induvidosamente, de uma ação coletiva
apresentarem serena crítica ao referido dispositivo legal, passiva, pois a categoria ‘policial federal’ encontrava-
Didier-Zaneti sustentam que essa delimitação não se aplica se como sujeito passivo da relação jurídica deduzida em
ao mandado de segurança coletivo, porque historicamente juízo: afirmava-se que a categoria tinha o dever coletivo de
essa ação constitucional atua como meio “para a tutela dos voltar ao trabalho.” (p. 415-416).
contribuintes contra o abuso de poder e as ilegalidades Por tudo isso, a 6ª edição do Curso de Direito
perpetradas pelo Poder Público”. Parece absolutamente Processual Civil – Processo Coletivo com que Fredie
correto o argumento dos autores, acrescentando que a Didier Jr. e Hermes Zaneti Jr. acabam de nos brindar, pode-
interpretação da mencionada norma deve ser interpretada se dizer que o volume já é um clássico do direito processual.
restritivamente, uma vez que limita o direito fundamental Não é por outro motivo que a obra já foi diversas vezes
de ação, constitucionalmente garantido pela Constituição citada pelos Tribunais Superiores.
da República. Muito interessante é o posicionamento A meditação sobre os assuntos dessa obra será de
dos autores em não desprezar a conciliação nas causas grande proveito para todos quantos desejam conhecer os
coletivas, desde que haja efetivo controle do órgão judicial problemas da tutela coletiva. Problemas, na realidade,
e do Ministério Público. muito mais simples do que parecem, graças à agudeza de
O Curso avança para cuidar, no Capítulo X, de espírito dos autores.
forma minuciosa, da coisa julgada, cujo assunto é, sem
medo de errar, um dos mais polêmicos da tutela coletiva.
Desperta especial interesse a posição dos autores sobre a
coisa julgada secundum eventum probationis. Nesse ponto,
sustenta-se que não basta ser a prova “nova”, mas sim a
prova capaz de mudar a decisão transitada em julgado
deve ser suficiente para um novo juízo de direito acerca da
questão de fundo. No correto raciocínio de Didier-Zaneti,
“a opção pela coisa julgada secundum eventum probationis
revela o objetivo de prestigiar o valor justiça em detrimento
do valor segurança, bem como preservar os processos
coletivos do conluio e da fraude processual” (p. 367).
O penúltimo Capítulo (XI) esmiúça a liquidação e a
execução da decisão coletiva. Pelo aguçado do raciocínio
dos autores, merece destaque o item 2.3, que trata do
problema da legitimidade ativa na execução da decisão
genérica da ação coletiva que versa sobre direitos individuais
homogêneos. Mais adiante Didier-Zaneti cuidam da
competência para a liquidação e execução coletiva,
concluindo com a aplicação do art. 475-P do Código de
Processo Civil que há três foros em tese competentes: a)
foro que processou a causa originariamente, b) foro de
domicílio do executado e c) foro do bem que pode ser
expropriado.
Finalmente, o Capítulo XII trata de um dos temas
menos versados pelos doutrinadores: processo coletivo
passivo. Nesse ponto, há um cuidadoso estudo para a
seguinte pergunta: a coletividade pode ser ré no processo
coletivo? Didier-Zaneti, depois de explicar que a resposta
é positiva, oferecem interessantes exemplos. Tomamos a
liberdade de transcrever um deles: “Em 2004, em razão da
112 Revista Juris da Faculdade de Direito, São Paulo, v.5, jan/junho. 2011.
Decisão judicial converte em casamento a união estável entre duas
pessoas do sexo masculino
Doutor em Direito. Coordenador de Pesquisa da Faculdade de Direito da Fundação Armando Alvares Penteado – FAAP.
Editor da Revista FAAP JURIS. Professor de Direito Civil dos Cursos de Graduação e Pós-Graduação da Faculdade de
Direito da FAAP. Professor de Direito Ambiental do Curso de Pós-Graduação em Direito do Agronegócio da FAAP em
Ribeirão Preto. Professor de Gestão Ambiental do Curso de Pós-Graduação Gerente de Cidade, da FAAP em Sorocaba.
Desde que a questão do reconhecimento da união homologando o pedido de conversão da união estável
estável entre pessoas do mesmo sexo como entidade dos requerentes em casamento, determinando ao Oficial
familiar foi submetida à apreciação do Supremo Tribunal do Registro Civil a lavratura do registro do casamento
Federal, o assunto não mais deixou de ser repercutido e as averbações do fato nos registros de nascimento dos
na mídia e nos ambientes de estudo de questões sociais requerentes.
relevantes. A Assessoria de Imprensa do Tribunal de Justiça de
E assim permaneceu até agora, mesmo depois do São Paulo repercutiu a notícia no site do Tribunal na internet
dia 5 de maio de 2011, data em que o Supremo Tribunal e, a pedido da Coordenadoria de Pesquisa da Faculdade
Federal reconheceu como sendo entidade familiar a união de Direito da FAAP, enviou o inteiro teor da sentença em
estável entre pessoas do mesmo sexo. arquivo PDF, o qual foi digitado e segue abaixo transcrito
Agora, no dia 27 de junho de 2011, na cidade de para que os leitores da Revista JURIS possam conhecer
Jacareí, interior do Estado de São Paulo, o Juiz de Direito o assunto com todos os aspectos legais, doutrinários e
Fernando Henrique Pinto, titular da 2.ª Vara da Família e jurisprudenciais contidos na inédita e polêmica decisão.
das Sucessões e da Corregedoria Permanente do Registro
Civil das Pessoas Naturais e de Interdições e Tutelas PODER JUDICIÁRIO
daquela Comarca, proferiu, com parecer favorável do TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO
Promotor de Justiça que representa o Ministério Público na PAULO
mencionada Vara de Família e Sucessões e de Corregedoria, Comarca de Jacareí/SP
uma inédita e polêmica sentença, na qual homologou o 2ª Vara da Família e das Sucessões
pedido de conversão da união estável dos requerentes, Luiz Corregedoria Permanente do Registro Civil das
André de Resende Moresi e José Sérgio Santos de Sousa Pessoas Naturais e de Interdições e Tutelas
em casamento, pelo regime da comunhão parcial de bens, Protocolo nº. 1209/2011 (Conversão de União
assim requerido pelos interessados, bem como autorizou Estável em Casamento)
a pretendida alteração dos nomes dos interessados, que
passaram a se chamar Luiz André Rezende Sousa Moresi e Vistos.
José Sérgio Sousa Moresi. LUIZ ANDRÉ DE RESENDE MORESI e
Os requerentes formularam junto ao Cartório JOSÉ SÉRGIO SANTOS DE SOUSA, ambos do sexo
de Registro Civil dos seus domicílios um pedido de masculino, demais qualificações nos autos, protocolaram
habilitação para casamento e cumpriram todas as pedido de conversão de união estável em casamento.
formalidades, inclusive a publicação de editais, não tendo Instruíram o pedido com escritura pública lavrada
havido impugnação. em 17/05/2011, perante o 1º Tabelião de Notas e de
Cumprida essa etapa do procedimento, o Cartório Protestos de Letras e Títulos de Jacareí/SP (livro nº.705,
submeteu o processo à apreciação do Juiz Corregedor fls.017), onde declararam viver em união estável há 8
Permanente de Jacareí, de acordo com o previsto nas (oito) anos.
normas da Corregedoria Geral de Justiça de São Paulo. Foi publicado edital e cumpridas todas as
Foi nesse processo que o Juiz proferiu a decisão formalidades legais para habilitação a casamento, não
113
havendo impugnações. na forma e segundo os preceitos da lei civil. (Nota 1:
O pedido foi instruído com declaração de duas Prov. CGJ 25/2005).
testemunhas, no sentido de que os requerentes “mantém 87.6. Não constará do assento de casamento
convivência pública, contínua e duradoura e convertido a partir da união estável, em nenhuma hipótese,
estabelecida com o objetivo de constituição de família”. a data do início, período ou duração desta. (Nota2: Prov.
O Ministério Público ofertou parecer favorável ao CGJ 25/2005)”.
pedido. Resumindo-se, verifica-se que o casamento
É o relatório do necessário. Fundamento e civil tradicional difere do casamento por conversão
decido. de união estável apenas pela substituição do ato solene
Preliminarmente, observa-se que, conforme pedido da celebração, presidido pelo “juiz de paz”, pela
expresso dos autores, os mesmos pretendem a conversão homologação, realizada pelo Juiz de Direito responsável
de alegada união estável em casamento, como permite pela Corregedoria Permanente do Registro Civil das
e prevê o art. 226, § 3º, parte final, da Constituição Pessoas Naturais da comarca.
Federal, e o art. 1.726 do Código Civil. No mérito, cumpridas todas as formalidades legais,
Regulamentando tais dispositivos constitucionais e a questão que se coloca para análise é a possibilidade ou
legais, a Corregedoria Geral da Justiça de São Paulo, não de casamento civil entre pessoas do mesmo sexo, o
em suas Normas de Serviço (Tomo II, Capítulo XVII, que se passa a apreciar.
Seção V, Subseção IV, art. 135), assim disciplinou o O maior e mais repetido princípio da Constituição
procedimento de conversão da união estável em casamento: da República Federativa do Brasil é o da igualdade.
“87. A conversão da união estável em casamento A mesma constituição elegeu a “dignidade da
deverá ser requerida pelos conviventes perante o Oficial pessoa humana” como um de seus “fundamentos” (art.
do Registro Civil das Pessoas Naturais de seu domicílio. 1º, inciso III), e declarou que o Brasil tem como “objetivos
(Nota 2: Prov. CGJ 25/2005). fundamentais” a construção de “uma sociedade livre,
87.1. Recebido o requerimento, será iniciado o justa e solidária”, bem como “promover o bem de todos,
processo de habilitação previsto nos itens 52 a 74 deste SEM PRECONCEITOS de origem, raça, SEXO, cor,
capítulo, devendo constar dos editais que se trata de idade e quaisquer outras formas de discriminação” (art.
conversão de união estável em casamento. (Nota 3: Prov. 3º, incisos I e IV).
CGJ 25/2005). Também determina a Constituição Federal que
87.2. Decorrido o prazo legal do edital, os autos “todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer
serão encaminhados ao Juiz Corregedor Permanente, natureza” e que “homens e mulheres são iguais em
salvo se este houver editado portaria nos moldes direitos e obrigações, nos termos desta Constituição”
previstos no item 66 supra. (Nota 4: provs. CGJ 25/2005 (art. 5º, inciso I).
e 14/2006). Mais à frente, no Título “Da Ordem Social”, a Lei
87.3. Estando em termos o pedido, será lavrado Maior afirma que “a família, base da sociedade, tem
o assento da conversão da união estável em casamento, especial proteção do Estado” (art. 226, caput).
independentemente de qualquer solenidade, Sobre o casamento, a Constituição Federal dispõe
prescindindo o ato da celebração do matrimônio. (Nota que o mesmo “é civil e gratuita a celebração” (art. 226,
5: Provs. CGJ 25/2005 e 14/2006). § 1º), acrescentando que “o casamento religioso tem
87.4. O assento da conversão da união estável efeito civil nos termos da lei” (art. 226, § 1º), e que o
em casamento será lavrado no Livro “B”, exarando-se o casamento “pode ser dissolvido pelo divórcio” (art. 226,
determinado no item 81 deste Capítulo, sem a indicação § 6º, com redação dada pela Emenda Constitucional nº 66,
da data da celebração, do nome e assinatura do presidente de 13/07/2010).
do ato, dos conviventes e das testemunhas, cujos espaços A Constituição Federal também declara que “para
próprios deverão ser inutilizados, anotando-se no efeito da proteção do Estado, é reconhecida a união
respectivo termo que se trata de conversão de união estável estável (...) como entidade familiar, DEVENDO A LEI
em casamento. (Nota 5: Prov. CGJ 25/2005). FACILITAR SUA CONVERSÃO EM CASAMENTO,
BLOCO DE ATUALIZAÇÃO Nº 28 – CAP. XVII e que “entende-se, também, como entidade familiar
-31 a comunidade formada por qualquer dos pais e seus
87.5. A conversão da união estável dependerá da descendentes” (art. 226, §§ 3º e 4º).
superação dos impedimentos legais para o casamento, Em harmonia com o princípio da igualdade, nossa
sujeitando-se à adoção do regime matrimonial de bens, Lei Maior enfatiza que “os direitos e deveres referentes
114 Revista Juris da Faculdade de Direito, São Paulo, v.5, jan/junho. 2011.
à sociedade conjugal são exercidos igualmente pelo para excluir qualquer significado do artigo 1.723 do Código
homem e pela mulher” (art. 226, § 5º). Civil que impeça o reconhecimento da união entre pessoas
Aqui cabe abrir parêntesis para alertar que tal do mesmo sexo como entidade familiar.
dispositivo não necessariamente declara que casamento Na ocasião, o Exmo. Ministro Ayres Britto foi
existe apenas entre homem e mulher, até porque “sociedade seguido pelos Exmos. Ministros Luiz Fux, Ricardo
conjugal” não é “casamento”, sendo certo que a primeira Lewandowski, Joaquim Barbosa, Gilmar Mendes, Marco
sempre pôde ser dissolvida pela “separação” (de fato, Aurélio, Celso de Mello e Cezar Peluso, bem como Exmas.
judicial e mais recentemente também extrajudicial), e o Ministras Cármen Lúcia Antunes Rocha e Ellen Gracie –
segundo somente é dissolvido pelo “divórcio”. decorrendo votação unânime dos presentes.
Contudo, aparentemente rompendo todo esse Tal julgamento, nos termos do art. 102, § 2º, da
contexto de ênfase no princípio da igualdade, a Constituição Constituição Federal, possui “eficácia contra todos e
da República Federativa do Brasil, ao mencionar a união efeito vinculante, relativamente aos demais órgãos do
estável em seu art. 226, § 3º, assim se pronunciou: “é Poder Judiciário e à administração pública direta e
reconhecida a união estável entre o homem e a mulher indireta, nas esferas federais, estaduais e municipais”.
como entidade familiar” (art. 226, §§ 3º). No caso concreto, aplica-se a conhecida fórmula
Mais de duas décadas passadas desde 05/10/1988, jurídica romana, segundo a qual “onde há a mesma razão,
quando foi promulgada a Constituição da República aplica-se o mesmo direito” (“ubis eadem ratio, ibi eadem
Federativa do Brasil, e já se ingressando na segunda década jus”). Desta forma, os fundamentos de tal julgamento,
do Século XXI, é público e notório que milhares de pessoas ainda que sem o dito efeito vinculante, certamente são
do mesmo sexo (homens e homens; mulheres e mulheres), aplicáveis ao instituto de direito civil denominado
compartilham a vida juntos como se casados fossem. casamento, inclusive ao mencionado art. 226, § 5º, da
A ausência de respaldo jurídico a tal realidade Constituição Federal – o que apenas não foi declarado no
social causou inúmeros prejuízos e injustiças, desde mencionado precedente histórico do STF, provavelmente
o não reconhecimento do direito à sucessão, passando porque não era objeto dos pedidos das ações em análise.
pela ausência da presunção legal de esforços comum no Os prováveis entraves a tal entendimento podem
patrimônio constituído, até a ausência de direitos sociais, advir de discriminação e/ou de convicções religiosas.
como a pensão previdenciária por morte. Mas o Estado Brasileiro, do qual o Judiciário é um
Nesse contexto, tramitava perante o Supremo dos Poderes, repudia constitucionalmente a discriminação
Tribunal Federal a Arguição de Descumprimento de e é laico, ou seja, não vinculado a qualquer religião ou
Preceito Fundamental – ADPF nº 178 (conhecida organização religiosa.
como a Ação Direta de Inconstitucionalidade – ADI nº É bom e necessário que assim seja, pois alguns
4277), ajuizada pela Procuradoria-Geral da República, dogmas ou orientações religiosas muitas vezes se chocam
objetivando a declaração de reconhecimento da união com princípios e garantias da Constituição da República
entre pessoas do mesmo sexo como entidade familiar. Federativa do Brasil.
Pedia-se, também, que os mesmos direitos e deveres dos A discriminação (ou preconceito) contra
companheiros nas uniões estáveis fossem estendidos aos homossexuais decorre normalmente de equivoco sobre a
companheiros nas uniões entre pessoas do mesmo sexo. origem “psíquica” do homossexualismo, e de dogmas ou
Também estava em trâmite a ADPF nº 132, orientações religiosas.
onde o Estado do Rio de Janeiro alegava que o não O equivoco de origem “psíquica” é a crença que o
reconhecimento da união homoafetiva contraria preceitos homossexualismo e suas variantes (transexualismo etc.) ou
fundamentais como igualdade, liberdade (da qual decorre a a união homoafetiva constituem simples opção sexual.
autonomia da vontade) e o princípio da dignidade da pessoa Tal premissa parece equivocada, porque o
humana, todos da Constituição Federal, e pediu que o STF fenômeno pelo qual um homem ou uma mulher se sente
aplicasse o regime jurídico das uniões estáveis, previstos atraído (a) por pessoa do mesmo sexo, a ponto às vezes
no artigo 1.723 do Código Civil, às uniões homoafetivas de repudiar contato íntimo com pessoa do sexo oposto,
de funcionários públicos civis do Rio de Janeiro. não se mostra como uma opção. Tudo indica tratar-se
Foi nesse contexto que no dia 05 de maio de 2011, de uma característica individual de determinados seres
o Supremo Tribunal Federal, no julgamento de tais humanos, tão independente da vontade quanto a cor do
ações, tendo como relator o Exmo. Ministro Ayres Britto, cabelo, da pele, o caráter, as aptidões etc.
reconheceu a união estável para casais do mesmo sexo, De fato, se no mundo ainda vige forte preconceito
dando interpretação conforme a Constituição Federal, contra tais pessoas, e se as mesmas têm de passar
115
por sofrimentos internos, familiares e sociais para se pelo regime escolhido da comunhão parcial de bens, a
reconhecerem para elas próprias e publicamente como união estável dos mesmos – os quais, por força deste
homossexuais – às vezes pagando com a própria vida, casamento, passam a se chamar respectivamente ‘LUIZ
parece que, se pudessem escolher, optariam pela conduta ANDRÉ REZENDE SOUSA MORESI” e “JOSÉ
socialmente mais aceita e tida como “normal”. SÉRGIO SOUSA MORESI”.
O dogma ou orientação religiosa que de forma mais Tratando-se esta sentença de ato judicial que
marcante se opõe ao casamento entre pessoas do mesmo substitui a celebração, a mesma tem efeitos imediatos.
sexo é a colocação da relação sexual procriadora como Assim, lavre-se o registro de casamento e providencie-se
principal elemento ou requisito essencial do casamento. o necessário às averbações nos registros dos nascimentos
Ocorre que o motivo maior de uma união humana das partes.
é – ou deveria ser – o Amor, até porque este é pregado No mais, nada sendo requerido em 30 (trinta) dias,
pela maioria das religiões, principalmente as cristãs, como arquivem-se os autos.
o valor e a virtude máxima e fundamental. P.R.I. Ciência ao Ministério Público.
Fosse de outra forma, muitas religiões não poderiam Jacareí/SP, 27 de junho de 2011.
aprovar casamentos entre pessoas de sexos opostos que Fernando Henrique Pinto
não podem ter filhos. E se assim agem, parecem afrontar a Juiz de Direito
Lei Cristã do Amor, e prejudicam a formação da entidade
familiar ou família, que é a base da sociedade.
Por outro enfoque, muitos se preocupam com o
potencial envolvimento de crianças ou adolescentes na
entidade familiar formada por pessoas do mesmo sexo.
Mas, se esquecem que a falta de planejamento familiar, da
qual decorre a geração de crianças sem condições mínimas
de sustento e educação, bem como atos abomináveis,
como, por exemplo, a remessa de recém nascidos em
latas de lixo ou o assassinato dos próprios filhos, são
diariamente protagonizados por “casais” de sexos opostos
ditos “normais” e/ou por pessoas heterossexuais.
O Brasil, entre outras conhecidas mazelas, é palco
da falência da segurança pública, das fronteiras sem
controle, da disseminação descontrolada das drogas, da
endêmica corrupção, e possui a maior carga tributária, a
pior distribuição dos tributos arrecadados e o trânsito que
mais mata do planeta Terra.
Assim, pode-se afirmar que no Brasil há situações
de fato e de direito, muito mais grave para se preocupar,
que com a vida de dois seres humanos desejosos de paz e
felicidade ao seu modo, sem infringir direitos de ninguém.
Finalmente, cabe anotar que no último dia 17 de
junho de 2011, o Conselho de Direitos Humanos da
Organização das Nações Unidas (ONU) aprovou uma
resolução histórica destinada a promover a igualdade dos
seres humanos, sem distinção de orientação sexual. A
resolução, que teve aprovação do Brasil, embora sem
ações afirmativas, dispõe que “todos os seres humanos
nascem livres e iguais no que diz respeito a sua dignidade
e cada um pode se beneficiar do conjunto de direitos e
liberdades sem nenhuma distinção”.
Por todo o exposto, HOMOLOGO a disposição
de vontades declarada pelos requerentes do presente
procedimento, para CONVERTER em CASAMENTO,
116 Revista Juris da Faculdade de Direito, São Paulo, v.5, jan/junho. 2011.
Emenda Constitucional inconstitucional: um convite à reflexão
Doutor e Mestre em Direito do Estado (PUC/SP). Professor de Direito Administrativo da Faculdade de Direito da
FAAP. Coordenador e Professor do Curso de Direito Público do Curso de Pós-Graduação da FAAP. Advogado. Sócio do
escritório Pestana e Villasbôas Arruda – Advogados, com sede em São Paulo e filial no Rio de Janeiro. Autor de diversas
obras jurídicas, dentre elas “Direito Administrativo Brasileiro”, Ed. Elsevier.
No mês de maio de 2011 foi publicado acórdão anos que precederam a promulgação da CF de 1988.
do STF - Processo ADI-2356/MC/DF -, suspendendo os Terceiro: diz-se que a Emenda Constitucional não
efeitos, por vício de inconstitucionalidade, de determinado poderia contrariar a coisa julgada, vez que pretendera
dispositivo contido na Emenda Constitucional n. 30/2000. desconhecer as decisões e ordens provenientes do Poder
A decisão tomada pelo Pleno do STF possui caráter Judiciário. Este aspecto é interessantíssimo, especialmente
liminar, extraída de um processo de natureza cautelar, isto, se examinado sob a dialética do direito adquirido “versus”
decorridos, aproximadamente, 8 anos de processamento na alteração de regime jurídico, merecendo destaque bem
Corte Constitucional. aclarar-se até onde poderá se instalar novo regime jurídico.
Conforme se poderá observar da ementa ao final Quarto: a prevalecer o entendimento liminar, pode-
transcrita, a decisão liminar apresenta particularidades se concluir que a Emenda Constitucional 62/2009 terá o
que exigem reflexão e estudo aprofundado por parte de mesmo fim? O ponto de identidade entre ambas as emendas
todos os estudantes, pesquisadores e profissionais do é o de procrastinar, prolongadamente, a satisfação de um
direito, notadamente aqueles que tenham maior interesse débito detido pelo Estado em relação ao administrado,
no exame de questões jurídicas de índole constitucional, em flagrante assimetria com o tratamento dispensado aos
administrativa e processual. administrados devedores, fazendo tabula rasa em relação
Examinemos, a breve traço, mas não pela ordem de aos princípios, mais uma vez, da segurança jurídica, da
relevância, alguns dos aspectos que mais chamam a nossa confiança legítima, da razoabilidade e, ademais, no ponto,
atenção: da moralidade e da eficiência que se alojam, expressamente,
Primeiro: os prejuízos sofridos pelo administrado, no art. 37, da CF.
em razão da demora em declarar-se, de inicio, liminarmente, Quinto: o periculum in mora, um dos requisitos
e, se caso for, posteriormente, em caráter definitivo, necessários para a concessão de decisão em caráter
inconstitucional, determinado dispositivo da Emenda liminar, costumeiramente associa-se ao fator tempo. No
Constitucional, poderiam ensejar a responsabilização caso de um processo cautelar iniciado em 2002, decidido,
extracontratual do Estado? A prestação da atividade liminarmente, em 2010, com publicação do respectivo
jurisdicional, sobretudo por parte da Alta Corte, a Acórdão em 2011, observam-se nuances jurídicos que
nosso ver possui um tempo razoável para ser proferida, exigem, no mínimo, a nossa reflexão acerca do conteúdo
especialmente ao envolver situações cuja repercussão geral de tal requisito de concessão cautelar.
revela-se marcantemente indiscutível, caso do pagamento Sexto: diz-se que o corte temporal autorizador do
dos chamados “precatórios”; uma vez ultrapassado, em parcelamento, em 10 anos, tal como preconizado pela EC
muito, vislumbramos, sim, a possibilidade do Estado vir 30/2000, não se conformaria com o conteúdo normativo
a ser responsabilizado, especialmente por infringir os assentado no “caput” do art. 5º, da CF. Mas, pergunta-se: o
princípios da segurança jurídica, da confiança legítima e parcelamento em 8 anos, assegurado pela CF na sua versão
da razoabilidade. originária, de certa maneira também não contrariaria
Segundo: parte dos Ministros do STF faz referência o próprio art. 5º, da CF? Não nos parece suficiente,
ao entendimento de que a Constituição Federal de 1988 fora para concordar-se com a distinção, a argumentação de
editada a partir de uma Assembléia Constituinte dotada de que lá, diferentemente daqui, a disposição proviria de
poderes originários. Entendemos, diferentemente, que uma Assembléia Constituinte com poderes originários,
a Assembléia em questão deteve poderes constituintes enquanto aqui, derivados, especialmente se reiterarmos o
derivados, pois teve, indiscutivelmente, seus trabalhos nosso entendimento de que o Constituinte de 1988 possuíra
antes perimetrados pelo regime político e jurídico que a competência derivada.
precedera, aliás num clima de distensão e abertura, lenta e Sétimo: o instituto constitucional da intervenção
gradual, expressão reiteradamente apregoada ao longo dos federal e estadual encontra-se, indiscutivelmente, em crise.
117
O inadimplemento das obrigações de diversos Estados Constituição consiste em prerrogativa processual do
e Municípios admitiria a sua decretação; contudo, na Poder Público. Possibilidade de pagar os seus débitos
prática, o que se observa, é a não utilização dessa solução não à vista, mas num prazo que se estende até dezoito
constitucional, sob os mais variados argumentos, todos meses. Prerrogativa compensada, no entanto, pelo rigor
eles se colocando num patamar axiológico e jurídico dispensado aos responsáveis pelo cumprimento das ordens
de proeminência em relação a aquele que diz respeito à judiciais, cujo desrespeito constitui, primeiro, pressuposto
intervenção efetiva, para que o Estado, em sentido amplo, de intervenção federal (inciso VI do art. 34 e inciso V
salde as suas dívidas e, exemplarmente, estimule que o do art. 35, da CF) e, segundo, crime de responsabilidade
administrado também o faça em relação aos débitos que (inciso VII do art. 85 da CF). 2. O sistema de precatórios é
possua em face do Estado. garantia constitucional do cumprimento de decisão judicial
Oitavo: qual é o real conteúdo do princípio do acesso contra a Fazenda Pública, que se define em regras de
à justiça? Não é meramente a possibilidade que se abre – e natureza processual conducentes à efetividade da sentença
que a CF assegura - para o administrado adentrar ao portal condenatória trânsita em julgado por quantia certa contra
judicial para obter uma decisão; o acesso à justiça somente entidades de direito público. Além de homenagear o direito
estará materializado, em sentido substancial, se houver de propriedade (inciso XXII do art. 5º da CF), prestigia
uma decisão tomada em tempo razoável e compatível o acesso à jurisdição e a coisa julgada (incisos XXXV e
para o caso concretamente considerado. Não o sendo, o XXXVI do art. 5º da CF). 3. A eficácia das regras jurídicas
acesso à justiça será meramente formal, não satisfazendo, produzidas pelo poder constituinte (redundantemente
integralmente, ao aludido principio constitucional. chamado de “originário”) não está sujeita a nenhuma
Nono: o exame, pelo STF, de medidas judiciais limitação normativa, seja de ordem material, seja formal,
envolvendo Emendas Constitucionais não mereceria ter porque provém do exercício de um poder de fato ou supra
um tratamento mais privilegiado e célere por parte da Alta positivo. Já as normas produzidas pelo poder reformador,
Corte? Tendo em vista que a mudança constitucional altera essas têm sua validez e eficácia condicionadas à legitimação
a cúspide do ordenamento jurídico, irradiando efeitos que recebam da ordem constitucional. Daí a necessária
para a base da pirâmide, com destaque, no ponto, para a obediência das emendas constitucionais às chamadas
Administração Pública e para o Poder Judiciário, trazendo cláusulas pétreas. 4. O art. 78 do Ato das Disposições
reflexos em praticamente toda a coletividade, cremos Constitucionais Transitórias, acrescentado pelo art. 2º da
ser de todo apropriado atribuir-se absoluta prioridade na Emenda Constitucional nº 30/2000, ao admitir a liquidação
apreciação de processos que versem sobre modificações na “em prestações anuais, iguais e sucessivas, no prazo
CF. máximo de dez anos” dos “precatórios pendentes na data
Décimo: as decisões tomadas em instancias judiciais de promulgação” da emenda, violou o direito adquirido
inferiores, especialmente envolvendo a fixação do termo do beneficiário do precatório, o ato jurídico perfeito e a
inicial e termo final de contagem de juros para o pagamento coisa julgada. Atentou ainda contra a independência do
dos “precatórios”, parcelados em 10 anos, admitiriam ser Poder Judiciário, cuja autoridade é insuscetível de ser
reexaminadas, mesmo à vista da coisa julgada e do prazo negada, máxime no concernente ao exercício do poder de
prescricional qüinqüenal dos pleitos apresentados perante a julgar os litígios que lhe são submetidos e fazer cumpridas
Administração Pública? as suas decisões, inclusive contra a Fazenda Pública,
Como podemos observar, esse julgamento na forma prevista na Constituição e na lei. Pelo que a
proferido pelo STF é riquíssimo no tocante às matérias alteração constitucional pretendida encontra óbice nos
apreciadas, convidando a que todos nós examinemos, incisos III e IV do § 4º do art. 60 da Constituição, pois
com a devida detença, os aspectos aqui sublinhados, sem afronta “a separação dos Poderes” e “os direitos e garantias
prejuízo daqueles outros que, naturalmente, persistam individuais”.5. Quanto aos precatórios “que decorram de
fluindo e gerando perplexidades a partir de cada releitura ações iniciais ajuizadas até 31 de dezembro de 1999”, sua
do seu conteúdo. Com isso poderemos, mais e mais, liquidação parcelada não se compatibiliza com o caput do
contribuir para o fortalecimento das instituições e para o art. 5º da Constituição Federal. Não respeita o princípio
aprimoramento do próprio sistema jurídico brasileiro. da igualdade a admissão de que um certo número de
______________________________________________ precatórios, oriundos de ações ajuizadas até 31.12.1999,
fique sujeito ao regime especial do art. 78 do ADCT, com
“EMENTA: MEDIDA CAUTELAR EM AÇÃO o pagamento a ser efetuado em prestações anuais, iguais
DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. ART. 2º e sucessivas, no prazo máximo de dez anos, enquanto os
DA EMENDA CONSTITUCIONAL Nº 30, DE 13 DE demais créditos sejam beneficiados com o tratamento mais
SETEMBRO DE 2000, QUE ACRESCENTOU O ART. favorável do § 1º do art. 100 da Constituição. 6. Medida
78 AO ATO DAS DISPOSIÇÕES CONSTITUCIONAIS cautelar deferida para suspender a eficácia do art. 2º da
TRANSITÓRIAS. PARCELAMENTO DA Emenda Constitucional nº 30/2000, que introduziu o art.
LIQUIDAÇÃO DE PRECATÓRIOS PELA FAZENDA 78 no ADCT da Constituição de 1988”.
PÚBLICA. 1. O precatório de que trata o artigo 100 da
118 Revista Juris da Faculdade de Direito, São Paulo, v.5, jan/junho. 2011.
Deus não abandona
VANDA AMORIM
“Vanda Amorim, que estreou muito bem na literatura pode, com sucesso artístico, ser levado ao cinema ou ao
com Crocodilo sonhador (Editora Globo), consegue algo teatro. É certo que cinema e teatro exigem linguagem
raro neste novo romance: contar uma comovente história diversa da linguagem literária, como também é diversa a
de amor, ação e suspense e manter o leitor, até o fim, atento linguagem cinematográfica da teatral. Contudo, o romance
para o desfecho da intricada trama. Aqui vamos conhecer da autora já parece de braços abertos à espera de outras
os destinos de Norah e Ollavo, duramente separados após linguagens. As linguagens cinematográfica e teatral
o rapto de seu filho, Lorenzo, aos dois anos de idade. E acomodar-se-iam no romance como as luvas nas mãos. Mel
também poderemos refletir sobre o valor da amizade na sopa.”
através da relação de Norah com Beatrice. Mas este
romance é atual principalmente por enfrentar com destemor A cena final envolvendo mãe, pai e filho, se passa
um dos temas mais complexos da contemporaneidade: a diante do altar da igreja. Bem próximo de Deus. Que bom!
perversão afetiva e sexual. Seus personagens são claros,
traçados com a precisão de quem conhece a alma humana Vanda Lúcia Cintra Amorim é advogada atuante
em todas as suas formas, das mais rudes às mais delicadas. na área de família e sucessões na capital paulista,
Pois é exatamente disso que a autora trata: a possibilidade Administradora do Instituto “A Casa” e Diretora do
de a delicadeza vencer a brutalidade, de a verdade e a fé Instituto de Pesquisas e Estudos em Humanização e
sobrepujarem a inveja, a mentira e a falsidade.” Políticas de Saúde. Publicou dois outros livros: Direito ao
nome da pessoa física e o romance Crocodilo Sonhador.
Apresentando o livro, Nora Longgren Tarabini
disse: “Os personagens da escritora são cativantes. Temas Deus não abandona foi lançado pela Editora Globo.
como valores, amor, inveja, intriga, justiça são abordados São 254 páginas.
de forma que só ela sabe fazer. Nesta obra, Norah (com
“h”) me prendeu sobremaneira; uma mulher nobre, que
luta muito para chegar longe, mas no decorrer de sua
trajetória leva diversas “bofetadas” da vida. Ollavo, seu
marido, homem quase perfeito, busca provar o seu amor de
vários modos, tendo por vezes de se sacrificar para chegar
à implacável e cruel verdade. João, o bom menino, a duras
penas, sobrevive às torturas de um pedófilo e, ainda que
com o coração dilacerado, com o corpo maculado e a alma
ferida, aprende a driblar o sofrimento para quem sabe ser
um homem vencedor! Estes são só três personagens de
uma história que irá fazer com que o leitor fique preso
do começo ao fim, sem sequer ter tempo para um simples
cafezinho!”
119
Muito além da responsabilidade social
“Em Muito além da responsabilidade social, Jeffrey também solucioná-los. Ao tirar partido do dever de ser
Hollender, cofundador da Seventh Generation, e Bill Breen, transparente, aproveitamos as idéias do público, bem como
coautor de O futuro da administração, revelam como as suas críticas – e criamos a oportunidade de transformar
organizações mais inteligentes competem em um mundo relacionamentos antagônicos em parcerias proveitosas.
onde o mercado exige que todas as empresas construam Para quem duvidar dessa necessidade, basta recordar as
um futuro melhor. Com um relato vigoroso e uma análise recentes histórias da Nike e da Gap – como cada uma delas,
perspicaz, Hollender e Breen produzem um roteiro para a ao publicar relatórios com a verdade nua e crua sobre as
criação de empresas financeira, social e ambientalmente condições de trabalho de suas fábricas terceirizadas,
sustentáveis. Muito além da responsabilidade social reúne acabaram construindo acordos baseados em soluções com
uma combinação poderosa de gigantes empresariais, alguns de seus mais duros críticos.”
grandes marcas e empresas emergentes – de pioneiros
em sustentabilidade aos que estão construindo o próprio Jeffrey Hollender é cofundador e chairman da
caminho – como Nike, Timberland, eBay, IBM, Marks & Seventh Generation, marca de produtos naturais de limpeza
Spencer, Patagônia, Novo Nordisk, Organic Valley, Etsy, e higiene pessoal. É diretor do Greenpeace nos Estados
Linden Lab e Seventh Generation. Revelando como essas Unidos e, com freqüência, discursa sobre questões de
organizações redefinem o que significa, para elas, agir de responsabilidade ambiental e social em eventos nacionais
forma responsável, cada capitulo apresenta novos modelos e internacionais. Bill Green é diretor editorial da Seventh
para criar o tipo de empresa que irá prosperar nesta nova Generation e coautor, com o estrategista de negócios Gary
era de sustentabilidade.” Hamel, de O futuro da administração, considerado pela
Amazon.com o melhor livro de negócios de 2007.
No prefácio, Peter Senge destaca aspectos que
podem representar o grande diferencial do livro cuja Muito além da responsabilidade social foi lançado
leitura está sendo sugerida: “Durante muito tempo, nossa pela Elsevier. São 212 páginas.
definição de comportamento empresarial ‘responsável’ foi
perigosamente limitada e tímida. Muitas vezes, louvamos
nossos esforços como sendo um pouco menos ruins,
saudando-os como exemplos de mudanças importantes.
Ocultamos nosso comportamento irresponsável com
campanhas de marketing ‘relacionado a causas sociais’
e comemoramos o ‘progresso’, que geralmente é pouco
mais que o cumprimento das regulamentações existentes.
Publicamos milhões de relatórios de responsabilidade
empresarial repletos de belas fotos, mas pobres de reveses
e fracassos. A revolução da responsabilidade consiste em
mais do que reduzir emissões de dióxido de carbono, reduzir
o uso de energia, monitorar fábricas ou fazer doações para
instituições beneficentes. Consiste em reinventar empresas
de dentro para fora: inventar novas formas de trabalho,
incutir uma nova lógica de concorrência, identificar novas
possibilidades de liderança e redefinir o próprio propósito
do negócio.”
PAULO FENDLER
“Uma coletânea de mais de 150 histórias breves, pago parra vir a esse tribunal?
mas de intensas emoções. Situações inusitadas, diálogos
inteligentes, sacadas inesperadas que nos fazem rir e Testemunha – Sim, exatamente como o senhor!
refletir, enriquecendo nossa experiência de vida. Como o
cinema que habituou-nos ao encantamento. Até mesmo por Em uma das versões de O poderoso chefão (The godgather),
alguns episódios heróicos e altruístas que podem umedecer Michael Corleone (Al Pacino) trava o seguinte diálogo
nossos olhos, esses, já brilhantes por essa bem-humorada com sua esposa Kay (Diane Keaton):
leitura, universalmente inédita.”
Michael – Meu pai é como um homem qualquer do poder.
Nos cinco anos anteriores a 2010, o autor assistiu Qualquer homem responsável por outros. Como um
centenas de filmes, muitos dos quais já vistos anteriormente, senador ou presidente...
durante sua vida, com o propósito de selecionar os 150
diálogos que compõem o livro. E diz, na apresentação: Kay – Você é ingênuo. Senadores e presidentes não matam
“Separo esses cinco anos, pois os assisti com outros olhos e outras pessoas.
ouvidos, quer fossem romances, dramas, ficções, comédias,
épicos e até mesmo desenhos animados. Assistimos a todos Michael – Quem é ingênuo, Kay?
em busca de diálogos e citações notáveis, e os achamos,
independente de qualquer julgamento, de serem bons Paulo Fendler, o autor, é publicitário que integrou
ou maus filmes, Assim, recomendamos ao leitor não dar os quadros funcionais de importantes agências de
importância, não privilegiar escolhas por títulos, ou filmes propaganda. Na apresentação feita por seu filho, consta a
de preferência. E, também, porque tivemos a sorte desse criação de várias peças publicitárias e roteiros e direção
livro ser capaz de ocupar, de maneira agradável, os nossos de filmes de propaganda., trajetória que o manteve
momentos de lazer, qualquer que seja a sua duração, pois próximo de usa grande paixão, o cinema. Foi editor-chefe
uma das vantagens dessa leitura é poder ser iniciada e de revistas técnicas e empresário, o que lhe possibilitou
retomada em qualquer parte e a qualquer instante, seja por uma visão privilegiada, capaz de permitir a associação do
alguns minutos, ou horas.” comportamento das pessoas com o comportamento dos
personagens dos filmes. É paulistano e mora em São Paulo.
Conheça previamente esse diálogo entre Harry
e Érica, personagens do filme “Alguém tem que ceder Os melhores diálogos do cinema foi lançado pela
(Something’s gotta give), ocorrido após um primeiro e Linear B, Gráfica e Editora. São 263 páginas.
apaixonado beijo:
PAULO REZZUTTI
“Se existem mulheres ocasionalmente elevadas “Não só a transcrição das cartas, feitas por Rezzutti
à categoria de “namorada do Brasil”, só uma pode ser é impecável, como também o são os comentários com
chamada de “amante do Brasil”: Domitila de Castro Canto que ele as explica e lhes dá contexto, proporcionando ao
e Melo, a jovem divorciada cujo tórrido affair com dom leitor uma aula enriquecedora e muitíssimo agradável
Pedro I constitui o maior romance da nossa história,” sobre um dos períodos – e sobre alguns dos personagens
– mais fascinantes da nossa História. Além da transcrição
“No segundo semestre de 2010, nada menos que das 94 cartas inéditas, esta edição traz mais 17 que as
94 cartas inéditas do Imperador Pedro I à sua famosa complementaram, algumas inéditas, outras não, todas
amante, Domitila de Castro, escritas entre 1823 e 1827, transcritas diretamente dos originais, corrigindo inexatidões
posteriormente desaparecidas e esquecidas, foram anteriores. Entre esses anexos estão algumas das poucas
encontradas quase por acidente em um museu nos EUA, cartas de Domitila para D. Pedro de que temos notícia.
por um pesquisador brasileiro com alma de detetive, Doravante nenhum estudo abrangente sobre o Libertador
faro de sabujo e paciência de Jô. Tais cartas, transcritas e do Brasil poderá prescindir do exame destas cartas, escritas
comentadas neste livro, nos mostram o primeiro imperador sob o calor das mais humanas emoções – o amor e a paixão
do Brasil totalmente despojado de seus títulos, manto e – por um dos mais humanos vultos da nossa História.”
coroa e, até mesmo, numa das cartas, de qualquer roupa,
quando diz à amante que lhe perguntou algo: ‘Nu em pelo Paulo Rezzutti é paulistano, arquiteto e urbanista
respondo (carta 52). Ontem mesmo fiz amor de matrimônio formado pela Faculdade de Belas Artes de São Paulo.
para que hoje, se você estiver melhor e com disposição, Pesquisador independente e estudioso da história de São
fazer o nosso amor por devoção.Talvez o mais divertido Paulo, organizou o blog “São Paulo Passado”.
desta correspondência sejam os insistentes protestos de
fidelidade do mulherengo coroado, tentando acalmar as Titília e o Demonão foi lançado pela Geração
crises de ciúme da amante, ao mesmo tempo em que também Editorial. São 350 páginas.
esbraveja de ciúme dela. Outras cartas, por sua vez, revelam
um homem atencioso com a mulher amada, os conflitos
dele, sua preocupação com os negócios brasileiros, seu
interesse e carinho pelos filhos, mas todas, sem exceção,
nos permitem ver o lado profundamente humano do
imperador, ao mesmo tempo em que descortinam, por meio
dos detalhes prosaicos, um rico painel da vida cotidiana e
dos costumes do Brasil durante o Primeiro Reinado.”
122 Revista Juris da Faculdade de Direito, São Paulo, v.5, jan/junho. 2011.
ESCLARECIMENTOS AOS SENHORES PROFESSORES SOBRE ELABORAÇÃO DOS ARTIGOS
PARA PUBLICAÇÃO NA REVISTA JURIS DA FACULDADE DE DIREITO DA FAAP
• O Conselho Editorial utilizará, para publicação na Revista Juris da Faculdade de Direito, entrevistas, artigos
científicos, material jurisprudencial, questões polêmicas, resenhas e sugestões de leituras.
1. Letra Times New Roman, tamanho 14 para títulos, 12 para textos e 10 para notas de rodapé;
3. Alinhamento: justificado;
7. Título na língua original, acompanhado de breve currículo qualificativo na área do conhecimento abordada
pelo artigo;
8. Em seguida, deverá constar um resumo, contendo entre 100 e 250 palavras, cuja função é sintetizar os
objetivos pretendidos, a metodologia usada, os resultados e as conclusões alcançadas no artigo. Referido resumo
deverá ser composto por uma sequência correta de frases concisas e não por uma enumeração em tópicos;
9. Após o resumo, deverá constar uma relação de palavras chaves, que são termos indicativos do conteúdo do
artigo, escolhidos em vocabulário adequado;
11. Após o texto do artigo, uma tradução do resumo para a língua inglesa, denominada Abstract, e uma tradução
das palavras chaves para a língua inglesa, denominada Key-words;
12. Os artigos deverão ser divididos em títulos e subtítulos, apresentando conclusão e bibliografia (incluindo
todos os autores citados em notas de rodapé);
13. No texto, não deverá ser utilizado negrito, nem sublinhado, destacando-se termos somente com itálico;
14. As citações de notas de rodapé deverão ser grafadas seguindo o modelo: sobrenome do autor, título da obra
(em negrito), data de publicação, página da citação;
15. As resenhas deverão conter, na abertura, a título de introdução, um breve relato da obra resenhada;
16. Os artigos serão submetidos a revisão antes da sua publicação e, a título de sugestão, deverão conter o
mínimo de 10 folhas e o máximo de 15;
17. As referências bibliográficas deverão constar no final de cada artigo, organizadas segundo a ordem alfabética
dos nomes dos autores mencionados e respeitar padrões da ABNT 2009, como segue no exemplo: SANTOS,
Boaventura de Souza. Reconhecer para libertar: os caminhos do cosmopolitismo multicultural. Rio de
Janeiro: Civilização Brasileira, 2003. ;
18. Os autores cedem os direitos autorais para a Faculdade de Direito da FAAP, que fica autorizada a publicá-los
na Revista Juris.
123
124 Revista Juris da Faculdade de Direito, São Paulo, v.5, jan/junho. 2011.