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2 Novos Direitos...

NOVOS DIREITOS
E
DIREITOS DA PERSONALIDADE
Volume III
4 Novos Direitos...
Carlos Alexandre Moraes
Valéria Silva Gaudino Cardin
(Organizadores)

AUTORES:
Anderson Aguiar Gonçales / Andryelle Vanessa Camilo Pomin /Bruno
Macedo da Silva / Carlos Alexandre Moraes / Elcio João Gonçalves
Moreira / Elis Regina de Oliveira Florenço / Fábio Enrique Gonçalves /
Fábio Ricardo Rodrigues Brasilino / Fernanda Moreira Benvenuto M.
Simões / Francielle Lopes Rocha / Gisele Mendes de Carvalho / José
Francisco de Assis Dias / Letícia Carla Baptista Rosa / Lilian Fernanda
Bizetti / Luciane Pussi / Luiz Geraldo do Carmo Gomes / Marcela Leila
Rodrigues da Silva Vales / Marli Aparecida Saragioto Pialarissi / Marta
Beatriz Tanaka Ferdinandi / Pedro Peixoto de Azevedo / Sergio Atilio
Thom Zago / Shary-Kalinka Ramalho Sanches / Tereza Rodrigues
Vieira / Valéria Silva Galdino Cardin / William Artur Pussi

NOVOS DIREITOS E
DIREITOS DA PERSONALIDADE

Prefácio
Prof. Dr. Flávio Tartuce

Volume III
Primeira Edição

Editora Vivens
O conhecimento a serviço da Vida!
Maringá – PR – 2015
6 Novos Direitos...

Copyright 2015 by
Carlos Alexandre Moraes / Valéria Silva Gaudino Cardin
EDITORA:
Daniela Valentini
CONSELHO EDITORIAL:
Dr. Celso Hiroshi Iocohama – UNIPAR - Umuarama
Dr. José Beluci Caporalini – UEM - Maringá
Dra. Lorella Congiunti – PUU - Roma
REVISÃO ORTOGRÁFICA:
Prof. Antonio Eduardo Gabriel
CAPA, DIAGRAMAÇÃO E DESIGN:
Bruno Macedo da Silva
Dados Internacionais de Catalogação-na-Publicação (CIP)

Rosimarizy Linaris Montanhano Astolphi


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SUMÁRIO

APRESENTAÇÃO.............................................................. 09
PREFÁCIO.......................................................................... 11

I - A EXPECTATIVA SOCIAL PERANTE O PODER


JUDICÁRIO E OS DIREITOS DA PERSONALIDADE
DOS JURISDICIONADO:
A DEMORA NA ENTREGA DA TUTELA
JURISDICIONAL E A RESPONSABILIDADE
CIVIL DO ESTADO
Fábio Enrique Gonçalves
Fábio Ricardo Rodrigues Brasilino
Pedro Peixoto de Azevedo.................................................. 15
II - A MORTE COMO PENA:
ATUALIDADE DE UM PROBLEMA ANTIGO
Bruno Macedo da Silva
Jose Francisco de Assis Dias............................................. 37
III - A RETOMADA DO CONSTITUCIONALISMO
NO PERÍODO PÓS-GUERRA E O DIREITO
COMO INTEGRIDADE EM RONALD DWORKIN
Luciane Pussi
William Artur Pussi.............................................................. 61
IV - DA DURAÇÃO RAZOÁVEL DO PROCESSO
À LUZ DO NOVO CPC
Andryelle Vanessa Camilo Pomin
Sergio Atilio Thom Zago...................................................... 85
V - DA VIOLAÇÃO DO DIREITO À HONRA
POST MORTEM DA PESSOA TRANSEXUAL
Francielle Lopes Rocha
Valéria Silva Galdino Cardin.................................................101
8 Novos Direitos...

VI - DO RECONHECIMENTO DA
SEXUALIDADE HUMANA: NA FAMÍLIA,
NO DIREITO E NA SOCIEDADE
Luiz Geraldo do Carmo Gomes
Marli Aparecida Saragioto Pialarissi
Marta Beatriz Tanaka Ferdinandi........................................ 121
VII - DOS ASPECTOS CONTROVERTIDOS
DA REPRODUÇÃO HUMANA ASSISTIDA
E DA ÉTICA NA TUTELA DOS
DIREITOS DA PERSONALIDADE
Fernanda Moreira Benvenuto Mesquita Simões
Lilian Fernanda Bizetti......................................................... 141
VIII - HOMOPARENTALIDADE:
UM DIREITO OU MITO?
Carlos Alexandre Moraes
Elcio João Gonçalves Moreira
Letícia Carla Baptista Rosa................................................. 163
IX - IDENTIDADE DE GÊNERO COMO
DIREITO FUNDAMENTAL (AUTO) APLICÁVEL
Marcela Leila Rodrigues da Silva Vales.............................. 187
X - INTERSEXO:
ANOTAÇÕES BIOÉTICAS E JURÍDICAS
Anderson Aguiar Gonçales
Tereza Rodrigues Vieira.......................................................207
XI - OS ASPECTOS JURÍDICO-PENAIS
DA EUTANÁSIA
Elis Regina de Oliveira Florenço
Gisele Mendes de Carvalho................................................ 235
XII - RESPONSABILIDADE CIVIL DA GENITORA
E A LEI DE ALIMENTOS GRAVÍDICOS:
REFLEXÕES SOBRE A IRREPETIBILIDADE
DOS ALIMENTOS FRENTE A PRINCÍPIOS
CIVIS E CONSTITUCIONAIS
Shary-Kalinka Ramalho Sanches....................................... 255
APRESENTAÇÃO

Esta obra surgiu com o objetivo de incentivar


acadêmicos e professores a realizarem não só
pesquisas, mas divulgarem os resultados das mesmas
para a comunidade científica e para a sociedade. Os
temas são variados e refletem os novos direitos e a
violação dos direitos da personalidade quando da
infringência daqueles.
A obra está dividida em doze capítulos, tratando
de temas polêmicos como o da falsa acusação e do
abuso sexual, como uma forma de alienação parental em
virtude da orientação sexual de um dos genitores, da
alteração do prenome de crianças transexuais, da
concretização dos direitos da personalidade no
reconhecimento da união homoafetiva, da violência
obstétrica, do diálogo das fontes nos conflitos oriundos
das relações parentais, dos direitos do consumidos e das
cirurgias estéticas, do dano social e por fim do dever do
estado em prover alimentos diferenciados aos portadores
de necessidades especiais.
Esta obra é fruto do Congresso dos Novos
Direitos e Direitos da Personalidade, que se realiza todos
os anos, para que acadêmicos, pesquisadores e
professores da graduação possam apresentar os
resultados de suas pesquisas veiculando-as não só por
meio desta, mas através de painéis dialogados,
interagindo assim com a comunidade científica.
Por fim, a intenção é provocar o debate, despertas
novas ideias, convocar os operadores do direito a ampliar
sua visão para matérias controvertidas, sendo que muitas
sequer têm legislação apropriada, apresentado sugestões
de lege ferenda para a solução dos conflitos oriundos dos
temas aqui abordados.
Maringá, agosto de 2015
Organizadores
10 Novos Direitos...
PREFÁCIO

Convidou-me para a honrosa tarefa de prefaciar


esta obra - mais um volume da série Novos Direitos e
Direitos da Personalidade, oriunda das palestras
realizadas anualmente em eventos promovidos na
UniCesumar -, o Professor Carlos Alexandre Moraes,
coordenador do curso de Direito naquela Universidade e
também meu orientando de doutorado na Faculdade
Autônoma de Direito (FADISP), em São Paulo. Este belo
livro é coordenado por ele e pela Professora Doutora
Valéria Silva Galdino Cardin, também docente naquela
respeitada Casa do bom ensino jurídico.
A obra vem em boa hora, em momento em que o
Direito Brasileiro passa por importante revisão estrutural
e funcional, guiada por uma análise constitucional e pela
revisitação de antigas categorias jurídicas. E é
justamente isso que a obra procura fazer, nos seus dozes
capítulos, com o estudo aprofundado de temas
instigantes e de grande repercussão teórica e prática,
especialmente para o Direito Privado.
De início, este livro coletivo aborda a expectativa
social perante o Poder Judiciário, e os direitos da
personalidade dos jurisdicionados em uma rápida solução
das controvérsias. Seria esse mesmo um direito da
personalidade? A pergunta é respondida pelo Professor
Fábio Ricardo Rodrigues Brasilino, também meu
orientando de doutorado na FADISP, escrevendo ao lado
de Fábio Enrique Gonçalves e Pedro Peixoto de
Azevedo, advogados no Estado do Paraná.
Na sequência, o Professor José Francisco de
Assis Dias e seu aluno na UniCesumar Bruno Macedo da
Silva, procuram abordar um problema antigo, qual seja a
morte como uma pena. De fato, essa é uma dúvida que
me instiga há tempos: seria a pena de morte mesmo uma
12 Novos Direitos...

sanção, ou uma verdadeira libertação para aqueles que


enfrentam vivos problemas de convivência social?
O terceiro texto desta obra trata da retomada do
constitucionalismo no período pós-guerra e o direito como
integridade em Dworkin, sendo escrito a quatro mãos,
pelos Professores Luciane Pussi e William Artur Pussi.
Conforme as precisas conclusões do trabalho, aduzem os
autores que "mais ainda, para a efetivação dos direitos
fundamentais, remanescia a necessidade de se superar
os velhos paradigmas decisórios. Nesse sentido,
exsurgiram propostas como a dogmática tridimensional
de Ralf Dreider e Robert Alexy, a qual se propõe como
fundamento majoritário do saber jurídico e pode ser vista
como disciplina prática orientada pela perspectiva do juiz,
ou seja, pela preocupação com o problema de solucionar
casos concretos. Com o mesmo escopo de validar os
direitos humanos constitucionalmente atribuídos, pode-se
arrolar, enfim, como uma das propostas teóricas de maior
envergadura, a visão do Direito como integridade, de
Ronald Dworkin. Sob esse prisma de integridade, as
virtudes da justiça, da equidade e do devido processo
legal devem ser observadas pelo juiz, o qual, assim,
acabará por tutelar os direitos sagrados como
fundamentais ao ser humano".
A duração razoável do processo no Novo Código
de Processo Civil, especificando direito fundamental
introduzido pela Emenda Constitucional n. 45, é estudado
pela Professora Andryelle Vanessa Camilo Pomin e pelo
pesquisador e advogado Sergio Atilio Thom Zago. O
tema é atualíssimo, pela emergência do Estatuto
Processual de 2015, a partir de março do próximo ano.
A violação do direito à honra pos-mortem da
pessoa transexual é estudada pela Professora Doutora
Valéria Silva Galdino Cardin e pela aluna do mestrado da
UniCesumar Francielle Lopes Rocha. Eis aqui uma
análise inédita no Direito Brasileiro, conciliando a tutela
dos direitos da personalidade do morto -, retirada do art.
Prefácio 13

12, parágrafo único, do Código Civil -, e a correta


inclusão de direitos dos transexuais.
Ainda tratando do tema da sexualidade, os
Professores Luiz Geraldo do Carmo Gomes, Marli
Aparecida Saragioto Pialarissi e Marta Beatriz Tanaka
Ferdinandi analisam o reconhecimento da sexualidade
humana na família, no Direito e na sociedade. A
pertinência do tema é enorme, diante da correta posição
no sentido de ser o direito à opção sexual um verdadeiro
direito da personalidade.
Também na seara do biodireito, Fernanda Moreira
Benvenuto Mesquita Simões e Lilian Fernanda Bizetti
abordam os aspectos controvertidos da reprodução
humana assistida na tutela dos direitos da personalidade,
tema que tem como foco central as polêmicas surgidas
do art. 1.597, incisos III, IV e V, do Código Civil de 2002. .
Voltando ao tema da sexualidade, a
homoparentalidade é analisada como um direito pelos
Professores Carlos Alexandre Moraes e Letícia Carla
Baptista Rosa, acompanhados pelo aluno Elcio João
Gonçalves Moreira. Nas palavras dos autores, "ao fazer
vistas grossas no que tange os direitos das famílias
homoafetivas, o Estado acaba por ferindo vários de seus
princípios constitucionalmente estabelecidos. Após a
discussão da temática, vê-se que as famílias
homoparentais ainda carecem de muitos direitos e
reconhecimentos ao âmbito jurídico, principalmente
social, a sociedade brasileira mesmo se dizendo não
preconceituosa ainda traz consigo uma taxação, que
afeta e muito a família homoafetiva".
O nono texto deste livro igualmente aborda a
sexualidade, concluindo que a identidade de gênero é um
direito fundamental autoaplicável. Sobre esse polêmico
assunto desenvolveu muito bem Marcela Leila Rodrigues
da Silva Vales, professora na Universidade Paranaense
(UNIPAR).
14 Novos Direitos...

Em complemento ao texto anterior, a jurista


Tereza Rodrigues Vieira, uma das grandes autoridades
no assunto em nosso País, analisa o intersexo, fazendo
profundas e técnicas anotações, bioéticas e jurídicas.
O penúltimo texto da obra analisa os aspectos
jurídico-penais da eutanásia, outro tema de grande
debate, estando a cargo da Professora Doutora Gisele
Mendes de Carvalho e sua aluna na UniCesumar Elis
Regina de Oliveira Florenço.
O livro é encerrado com o texto da Professora da
Universidade Federal do Mato Grosso do Sul Shary
Kalinka Ramalho Sanches, tendo por objeto o explosivo
tema da responsabilidade civil da genitora pelo engano
quanto à prole, assunto que vem ganhando especial
interesse dos juristas, pela interface entre o Direito de
Família e a Responsabilidade Civil.
Assim foi construída essa bela obra, por seus
coordenadores e autores, com temas polêmicos em
artigos que devem ser lidos e refletidos pela comunidade
jurídica nacional. Espero, assim, que o livro seja um
sucesso. E que a cidade de Maringá e o Estado do
Paraná continuem sendo berços de grandes juristas,
engrandecendo ainda mais o nosso País.
Vila Mariana, São Paulo, frio inverno de 2015.

Prof. Dr. Flávio Tartuce*

*Professor Titular permanente do programa de mestrado de doutorado


da Faculdade Autônoma de Direito (FADISP). Professor dos cursos de
graduação e pós-graduação lato sensu da Escola Paulista de Direito
(EPD), sendo coordenador dos últimos. Doutor em Direito Civil pela
USP. Advogado e consultor jurídico em São Paulo.
-I-

A EXPECTATIVA SOCIAL PERANTE O PODER


JUDICÁRIO E OS DIREITOS DA PERSONALIDADE
DOS JURISDICIONADO: A DEMORA NA ENTREGA
DA TUTELA JURISDICIONAL E A
RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO

Fábio Enrique Gonçalves*


Fábio Ricardo Rodrigues Brasilino**
Pedro Peixoto de Azevedo***

1.1 INTRODUÇÃO

Diante da complexidade das relações em


sociedade, muitos são os conflitos que nascem em
virtude deste relacionamento. As mudanças e as
profundas alterações decorrentes da convivência social,
em todos os seus segmentos, faz com que controvérsias
e divergências surjam, alterando assim o direito individual
de cada cidadão.
A necessidade de se obter o reestabelecimento de
seu Direito faz com que o cidadão busque junto ao
Estado uma solução pacífica e que este faça com que
aquele que feriu tenha a obrigação de restaurá-lo, pois, o
Estado ao retirar do cidadão a oportunidade de fazer

*
Advogado e consultor jurídico. Especialista em Direito pela
Universidade Estadual Norte do Paraná (2013). Especializando em
Processo Civil pela Faculdade Pitágoras.
**
Professor da UNOPAR – Campus Arapongas-PR. Doutorando em
Função Social do Direito na FADISP. Mestre em Direito Negocial pela
UEL (2012). Especialista em Metodologia de Ensino pela UNOPAR
(2010) e em Direito Internacional e Econômico pela UEL (2012).
Advogado e consultor jurídico.
***
Acadêmico do 10º Semestre do Curdo de Direito da UNOPAR –
Campus Arapongas-PR.
16 Novos Direitos...

justiça com as próprias mãos, trouxe para si o monopólio


de tutelar os direitos e a responsabilidade de devolver ao
cidadão lesado ou pelo menos garantir à ele, a obtenção
de seu Direito restaurado, exercendo assim a Justiça.
Entende-se então que deve o cidadão lesado
levar para a análise do Estado o caso concreto que gerou
o dano ao seu Direito, esperando que este seja eficiente
e garanta o reestabelecimento naquilo que foi lesado,
reestabelecendo assim a ordem jurídica e a harmonia das
relações sociais. A pretensão do cidadão em conflito
deve ser levada à análise do Estado-juiz, pois é este que
tem o poder para solucionar as demandas e impor as
decisões tomadas, exercendo assim a sua função
pacificadora.
A questão a ser analisada é em que grau está a
garantia de se postular em juízo, e se a concretização do
Direito entregue ao lesado pelo Estado é satisfatória,
sendo que é sabido que ao procurar a tutela do Estado
para a resolução do conflito, entende-se que todas as
possiblidades de acordo já foram tentadas entre as
partes, indicando que certo tempo já se passou desde o
início do conflito.
A morosidade na solução do conflito, que deverá
ser apreciado pelo Estado, através do Poder Judiciário,
por muitas vezes acaba por tornar o Direito adquirido sem
significado, não tendo este mais valor algum, estando já
perecido em virtude do lapso temporal, causando prejuízo
ao cidadão e consequentemente ferindo os direitos da
personalidade dos jurisdicionados.
Este trabalho pretende analisar primeiramente o
acesso à Justiça por meio do Processo, instrumento pelo
qual se busca restaurar o Direito que fora lesado, e as
garantias disponibilizadas pelo Estado através de sua
legislação para que o cidadão obtenha novamente seu
Direito. Posteriormente, será abordado em que situações
poderão ser caracterizadas, através da morosidade, a
Responsabilidade Civil do Estado.
A expectativa social perante o poder... 17

Finalmente será analisada a responsabilidade


Civil do Estado e de seus agentes, como também o
direito de regresso pela demora na prestação
jurisdicional. O que se pretende demonstrar é que o
Estado, sendo o elaborador e o aplicador da lei, deve ser
exemplo de sua aplicação e funcionalidade, não
permitindo que a legislação não seja cumprida, impondo
desta forma a ordem jurídica a todos os seus
administrados, pois se a função do Estado é aplicar o
direito, a justiça, o mesmo não pode ignorá-lo, o que o
torna o único idealizador na aplicação do Direito.

1.2 ACESSO A JUSTIÇA

Um dos papéis principais do Estado é prestar a


jurisdição aos cidadãos. Destarte verifica-se que aos
jurisdicionados é assegurado a solução de conflitos por
meio do Poder Judiciário, este que é o detentor do poder-
dever-função. Deste modo, a entrega da tutela
jurisdicional ao indivíduo que buscou a Justiça, é a
confirmação da ordem social, da harmonia que é imposta
e ditada pelo Estado detentor da Justiça.
Neste sentido afirma Hans Kelsen:

A justiça é, antes de tudo uma característica possível,


porém não necessária de uma ordem social. Como
virtude do homem, encontra-se em segundo plano, pois
um homem é justo quando seu comportamento
correspondente a uma ordem dada como justa. Mas o
que significa uma ordem justa? Significa essa ordem
regular o comportamento dos homens de modo a
contentar a todos, e todos encontrarem sob ela a
felicidade. O anseio por justiça é o eterno anseio do
homem por felicidade. Não podendo encontra-la como
indivíduo isolado, procura por essa felicidade dentro da
sociedade. Justiça é felicidade social, é a felicidade
garantida por uma ordem social. Nesse sentido Platão
18 Novos Direitos...

identifica justiça a felicidade, quando afirma que só o


justo é feliz e o injusto, infeliz. 1

Seguindo neste pensamento, não há dúvida de


que o Estado detentor da Justiça é o responsável pela
paz social, obrigando-se na pessoa do Poder Judiciário a
promover a satisfação da sociedade, promovendo a
Justiça e entregando aqueles que o acionam o
reestabelecimento do direito lesado, pois somente desta
forma, apreciando legalmente o conflito, este estará
garantindo entre seus governados a harmonia.
Ao cumprir a imposição estatal de levar o conflito
para sua apreciação, o cidadão esta obedecendo às
determinações legais e exercendo uma garantia
fundamental que lhe foi concebido através da
Constituição Federal em seu artigo 5º, XXXV.
O direito de acesso à justiça, também denominado
de direito à ordem jurídica justa, na busca do direito
fundamental, deverá trazer a efetividade do processo,
funda-se não somente na provocação do Judiciário, mas
objetivamente está na intensão de receber em tempo
hábil a decisão justa. Desta forma, satisfazendo assim o
que busca o indivíduo quando aciona o Judiciário, na
intensão de que possa usufruir ainda do seu bem
lesionado.
Somente a prestação jurisdicional do Estado não
é suficiente, necessário se faz exercer o princípio da
efetividade da jurisdição, não havendo dilações indevidas
e o resultado entregue em tempo adequado. Por melhor
que seja a decisão em favor do autor, muitas vezes,
devido a falta de um tempo razoável, tal decisão se torne
sem expressão, não mais produzindo os resultados
necessários para a sua satisfação.
No rol dos direitos fundamentais, garantidos pela
Constituição Federal foi incluído o “princípio da duração

1KELSEN, Hans. O que é justiça? A justiça, o direito e a política no


espelho da ciência. 3. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2001. p. 2.
A expectativa social perante o poder... 19

razoável do processo”, sendo este uma garantia de se


obter a tutela jurisdicional em tempo razoável, a não
observância a tal princípio transgrede a ordem jurídica,
tornando o dano que ora busca-se a reparação, ainda
maior.
Antes mesmo da Emenda Constitucional 45/04, o
Direito Brasileiro já contava com a garantia da razoável
duração do processo, através do Pacto de San José da
Costa Rica, tratado que versa sobre os direitos humanos,
a qual destaca em seu artigo 8°, § 1°.
Muitos empecilhos promovem a morosidade da
Justiça, mas necessário se faz que seja cumprido o
disposto na Constituição Federal em seu Artigo 5º, Inciso
LXXVIII, pois se trata de norma definidora dos direitos e
garantias fundamentais, como dispõe o § 1º do mesmo
artigo.

1.3 RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO

Inicia-se neste capítulo a análise da


responsabilidade civil que tem o Estado na relação aos
danos causados pela insuficiência de seus serviços e
obrigações prestados aos seus governados, tendo em
vista que a formação estatal é composta por pessoas
jurídicas de direito público e privado, incluindo-se neste
rol também os seus agentes. Assim basta que se analise
a tese adotada pela Constituição Federal de 1988 no §
6.º do artigo 37. Pelo texto Constitucional fica evidenciada
a preocupação do legislador em esclarecer que é dever e
obrigação do órgão estatal não causar dano a ninguém.
A expressão responsabilidade é utilizada para
reparar as consequências, sempre que qualquer pessoa
física ou jurídica incorrer em um evento danoso.2 Assim,
todo aquele que adquire obrigações e não as cumprem,

2VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito civil: responsabilidade Civil. 8. ed.


São Paulo: Atlas, 2008. p. 2.
20 Novos Direitos...

causando danos a outrem tem o dever de indenizar, seja


o dano patrimonial ou moral.
Como observa Rui Stoco,

a responsabilidade civil traduz a obrigação da pessoa


física ou jurídica ofensora de reparar o dano causado
por conduta que viola um dever jurídico preexistente de
não lesionar implícito na lei. A responsabilidade civil
restaura o equilíbrio individual.3

A responsabilidade civil, também conhecida como


responsabilidade extracontratual é originária do Direito
Civil, está baseada na obrigação de indenizar um prejuízo
patrimonial ou moral provocado por um fato humano.4
O pilar da responsabilidade civil está inserido no
artigo 186 do Código Civil, que assim dispõe: “Aquele que
por ação ou omissão voluntária, negligência ou
imprudência, violar direitos e causar dano a outrem, ainda
que exclusivamente moral, comete ato ilícito”.
No alicerce da Ordem Jurídica vigente verifica-se
que a organização estatal é responsável pelos atos
praticados pelos seus agentes, quando estes causarem
danos a terceiros, podendo exercer sobre eles o direito
de regresso, nos termos do artigo 43 do Código Civil5.
O servidor público é passível de responsabilidade
civil, penal e administrativa, oriundas da sua função,
emprego ou cargo. Resumindo pode ele praticar ilícitos
na esfera civil, penal e administrativa.6

3 STOCO, Rui. Tratado de responsabilidade civil. 6. ed. São Paulo:


Revista dos Tribunais, 2004. p. 120 –121.
4 ALEXANDRINO, Marcelo; VICENTE, Paulo. Direito administrativo

descomplicado. 21. ed. Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: Método


2013. p. 803.
5 TARTUCE, Flávio. Direito Civil: direito das obrigações e

responsabilidade civil. 8. ed. São Paulo: Método, 2013. p. 480.


6 DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito administrativo. 27. ed.

São Paulo: Atlas, 2014. p. 684.


A expectativa social perante o poder... 21

Mesmo sendo os atos praticados por pessoais


naturais, são eles de responsabilidade do Estado, pois as
atribuições a eles delegadas é vontade exercida pelo
órgão público, são exercidos em nome da instituição
jurídica estatal, do órgão público.
O entendimento percebido através da lição
doutrinária nada mais é do que a delegação da
distribuição de poderes e competências oriundas de um
ente soberano a outro de hierarquia menor, para que este
exerça em seu nome, representando-o, os direitos e as
obrigações a ele pertinentes.
Compõem-se então tal raciocínio de que os atos
praticados pelos órgãos públicos e seus agentes são os
atos práticos pelo Estado, o qual deve responder pelos
ilícitos praticados por eles.
A busca pela responsabilização do Estado pelos
atos praticados por seus agentes atravessou
historicamente várias situações vivenciadas, incluindo-se
a irresponsabilidade absoluta até a teoria do risco
integral.7 A transformação ocorrida trouxe a
responsabilidade e o dever de indenizar para o governo,
exigindo deste o cumprimento ao direito e sua submissão
às leis.
O dever de reparar do Estado flui da falta de
serviço, não mais da falta do servidor. Acontecendo a
falha ou o mau funcionamento do ofício público é o
suficiente para caracterizar a responsabilidade do órgão
estatal pelos prejuízos daí consequentes ao governado;
esta ideia não tem ligação com a falta de algum agente
público, pois nesta ocasião seria necessária a culpa,
basta somente que fique comprovado um mau

7
ALEXANDRINO, Marcelo; VICENTE, Paulo. Direito administrativo
descomplicado. 21. ed. Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: Método,
2013. p. 240.
22 Novos Direitos...

agenciador geral, anônimo, impessoal, na defeituosa


condução do serviço, à qual o dano possa ser imputado.8
Observado o dispositivo do artigo 37 § 6º da
Constituição Federal que regula a responsabilidade
objetiva da Administração, Celso Antônio Bandeira de
Mello traz o conceito do referido instituto:

Responsabilidade objetiva é a obrigação de indenizar


que incube a alguém em razão de um procedimento
lícito ou ilícito que produziu lesão na esfera
juridicamente protegida de outrem; para configurá-lo
basta, pois, a mera relação causal entre o
comportamento e o dano.9

Observação valiosa é a de que para se configurar


a responsabilidade civil da Administração Pública, o ato
danoso seja exercido pelo agente público, agindo este na
condição de agente público, ou nas qualificações que lhe
são atribuídas, mesmo que este esteja agindo
ilicitamente, prevalecendo que predomine a sua condição
de funcionário público para a prática do ato delituoso, não
importando também que o mesmo esteja atuando dentro,
fora ou além de suas competências.
A responsabilidade objetiva tem em seu escopo o
reconhecimento da desigualdade jurídica que predomina
entre o particular e a entidade estatal decorrente de
privilégio do direito público a estes inerentes. Tais
privilégios tendem a amparar o interesse coletivo, os
quais asseguram a superioridade jurídica de seus
interesses ante os dos particulares.10

8 CAVALIERI FILHO, Sérgio. Programa de responsabilidade civil.


11. ed. São Paulo: Atlas, 2014. p. 285.
9 MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito
Administrativo. 31. ed. São Paulo: Malheiros, 2014. p. 1025.
10
ALEXANDRINO, Marcelo; VICENTE, Paulo. Direito administrativo
descomplicado. 21. ed. Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: Método
2013. p. 808.
A expectativa social perante o poder... 23

Desta forma desfeita a desigualdade que


prevalecia desde então, diante da superioridade estatal
perante seus subordinados em relação às obrigações,
fica equilibrada, ao fato que o Estado, deixando de
exercer por conduta ilícita ou omissão as atividades a ele
pertinentes, provocando danos aos seus governados,
consubstancia-se na obrigação de repará-los.

1.4 A MOROSIDADE DA PRESTAÇÃO COMO


CARACTERIZADOR DA RESPONSABILIDADE CIVIL
DO ESTADO

O Estado, aplicador da Justiça e do Direito, invoca


para si tal determinação, devendo fazê-la para que a
harmonia impere no corpo social.11 Para que se obtenha
a justiça, equilíbrio das relações sociais, necessário se
faz que os tribunais exerçam adequadamente a sua
função jurisdicional, e neste sentido que o faça de forma
hábil e tempestiva de maneira a suprir as necessidades
que as partes buscam ao levar à apreciação do Poder
Judiciário as suas divergências.12
O Estado, cuja propriedade da jurisdição detém,
tem o dever de entregar a sentença, de tal forma que
esta possa ser fonte de reparação à parte lesada, neste
seguimento deverá ser de maneira eficiente e célere,
conforme dispõe a Constituição Federal em seu artigo 5º,
inciso LXXVIII, inserido pela Emenda Constitucional
45/2004.
A falta destes atributos reflete em prejuízos à
sociedade, tornando o processo demorado e desgastante
às partes, colocando a credibilidade da justiça em dúvida,
implicando vários setores da sociedade, como por

11 NADER, Paulo. Introdução ao Estudo do Direito. 35. ed. Rio de


Janeiro: Forense, 2013. p. 27.
12 ROCHA, José de Albuquerque. Teoria Geral do Processo. 9. ed.

São Paulo: Atlas, 2007. p. 83 -84.


24 Novos Direitos...

exemplo, no meio empresarial.13


Como se vê, muitos são os prejuízos deixados
pelo Poder Judiciário na falta do cumprimento do dever
de processar a lide em tempo razoável, causando danos
ao mercado, às empresas e ao país.
O dano causado por omissão chega a refletir na
formação familiar, como a demora em liberar uma criança
para adoção, colidindo com o aspecto legal de melhor
interesse da criança. No caso de adoção, faz com que
muitas vezes pessoas que adotaram ilegalmente não
busquem regularizar tal situação com a afirmação de que
a justiça é muito lenta, refletindo numa condição de
desrespeito a norma jurídica, notando que a falta de
cumprimento da ordem de celeridade do Judiciário
implica no cometimento de atos ilegais pela sociedade.14
A razoável duração do processo integra o rol de
direito e garantias fundamentais constantes na
Constituição Federal, as quais merecem a tutela do
Estado, não podendo este infringir uma norma pétrea,
sujeitando-se então na obrigação de ressarcir todo dano
causado em função de descumprimento de tal
ordenamento.
Evidentemente notada a crise que atravessa o
Poder Judiciário, quando o titular do direito encontra
obstáculos para conseguir a entrega da tutela
jurisdicional de forma justa, célere e eficiente, tornando-
se o Estado descumpridor da legislação, sendo
indiferente aos conflitos sociais levados à sua
apreciação.15
Assim destacado não se tem outro entendimento

13 VENOSA, Sílvio de Salvo. Introdução ao estudo do direito:


primeiras linhas. 3. ed. São Paulo: Atlas, 2010. p. 176.
14 CARVALHO, Maria Cristina Neiva de. Psicologia jurídica: temas

de aplicação. 1. ed. (ano 2007), Curitiba: Juruá, 2008. p. 90.


15
AHRENS, Maria Cecilia Weigert Lomelino de Freitas. Conflitos
coletivos de trabalho: a arbitragem como método alternativo de
resolução de lides. 1. ed. Curitiba: Juruá, 2013. p. 85.
A expectativa social perante o poder... 25

senão a obrigação do Estado em responder em tempo


hábil para a solução do conflito, o descumprimento de tal
enunciado é marco para que o Estado responda de forma
objetiva pelo dano provocado em razão do excessivo
lapso temporal, invocando para tanto o artigo 37 e seu §
6º da Constituição Federal.

1.5 A RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO PELA


DEMORA NA PRESTAÇÃO JURISDICIONAL

Um dos argumentos utilizados seria que não gera


responsabilidade civil os atos praticados pelos
Magistrados. Argumenta-se que o juiz não seria
funcionário, todavia este argumento não tem
sustentabilidade, pois a análise feita ao artigo 37, § 6º da
Constituição Federal deixa clara a expressão “agente”
para todos aqueles que prestam serviço ao Estado.16
A atuação do Estado na harmonização social, na
qual presta o serviço público através do Poder Judiciário,
resolvendo os conflitos que emergem no seio da
coletividade, obriga-o a exercitar essa obrigação de
maneira a satisfazer os seus governados de forma
eficiente e rápida, a falta desses atributos provocaria
prejuízos, causando danos ainda maiores do que aquele
já adquirido em função do conflito.
Como já visto antes, a responsabilidade do Estado
fundava-se na responsabilidade extracontratual,
referindo-se ao não cumprimento de um dever instituído
em lei, no ordenamento jurídico, o dever de não causar
prejuízo a ninguém.17
O reconhecimento trazido pela doutrina é que o
Estado se torna obrigado a exercitar a realização do
interesse social, o que abrange a necessidade de um

16 DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito administrativo. 27. ed.


São Paulo: Atlas, 2014. p. 736.
17 CAVALIERI FILHO, Sergio. Programa de responsabilidade civil.

11. ed. São Paulo: Atlas, 2014. p. 335.


26 Novos Direitos...

processo com razoável duração, devendo este ser


tratado com zelo para que decorra dentro de um prazo
hábil, não descumprindo o que estabelece o artigo 5º
inciso LXXVIII da Constituição Federal.
A falta de cumprimento ao disposto no artigo 133,
inciso II do Código Penal responsabiliza o Juiz, o qual
responderá por perdas e danos, que retardar as
providencias que deva tomar de ofício, causando assim
danos as partes; da mesma forma o que estabelece o
artigo 125, inciso II do mesmo diploma: “velar pela rápida
solução do litígio”.
A conduta do agente público responsável pela
atividade jurídica, que age com negligência na execução
de seu trabalho, prejudicando um terceiro, dá ensejo que
este busque a responsabilização do Estado ao constatar
que teve seu direito violado.
Verificada está a responsabilidade civil do Estado
no descumprimento do preceito legal em não entregar de
maneira célere a tutela jurisdicional, quando provocado o
Poder Judiciário.
Tal responsabilidade poderia ser afastada desde
que presentes causas excludentes de responsabilidade
civil. São entendidas como sendo todas as situações que
afrontam qualquer dos elementos, ou algum dos
pressupostos gerais da responsabilidade civil, rompendo
o nexo causal, desta forma exclui-se qualquer aspiração
à indenização.18
A verificação do nexo de causalidade é
fundamental para se caracterizar a responsabilidade civil
do Estado, pode esta deixar de existir ou ser considerada
atenuada quando a prestação do serviço público não for
a razão do dano ou quando estiver ao lado de outras
situações que não for a única causa.
Referindo-se as causas excludentes leciona Maria

18
GAGLIANO, Pablo Stolze; PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo
curso de Direito Civil: responsabilidade civil. 11. ed. São Paulo:
Saraiva, 2013. p. 153.
A expectativa social perante o poder... 27

Sylvia Zanella Di Pietro: “são apontadas como causas


excludentes da responsabilidade a força maior, a culpa
da vítima e a culpa de terceiros. Como causa atenuante,
é apontada a culpa concorrente da vítima”. O caso
fortuito na responsabilidade civil do Estado não é motivo
de excludente, pois decorre o dano de ato humano ou de
omissão da Administração.
Tratando da força maior, tem-se a ocorrência
inesperada, fatal e alheia à vontade das partes, não
podendo ser atribuída a responsabilidade à
Administração, pois não há constatado o nexo causal
entre o prejuízo e o procedimento da Administração.19
O entendimento relativo à força maior baseia-se
na força da natureza irresistível, se foi causado por força
maior não foi causa do Estado, desobriga o Poder
Público de responder, pois não se configurou os
pressupostos necessários para ocasionar a obrigação de
indenizar.20
No entanto, poderá o Estado ser responsabilizado
quando da ocorrência de fato de força maior provar-se a
omissão na prestação de algum serviço, visto que se
aplica a teoria da culpa do serviço público, destacando
que o prejuízo não é proveniente do ato do agente
público, mas sim da omissão do poder público, não se
fala então neste caso em responsabilidade objetiva.21
Enfocando a culpa da vítima, o que se pode obter é que a
o autor do dano foi supostamente a vítima e não o órgão
estatal, inexistindo desta forma o nexo causal, não se
deveu ao Estado o motivo da lesão, o comportamento
estatal não foi o produtor do dano, também poderá
ocorrer que o prejuízo seja gerado em virtude de dupla

19 DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito administrativo. 27. ed.


São Paulo: Atlas, 2014. p. 725.
20 MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito
Administrativo. 31. ed. São Paulo: Malheiros, 2014. p. 1043
21 DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito administrativo. 27. ed.

São Paulo: Atlas, 2014. p. 725.


28 Novos Direitos...

ação, tanto do Estado como da vítima, nesta suposição


não se cogita uma excludente e sim uma forma de
atenuante, respondendo proporcionalmente cada parte
pela qual participou no evento danoso.22
A aplicação da culpa de terceiro no tratamento
desta tese somente seria conveniente se fosse motivo
para a demora da decisão tutelar a destruição ou a
deterioração das peças processuais, causadas por um
terceiro nas dependências do judiciário.
A observação ao § 6º do Art. 37 da Constituição
Federal consente que o Estado ingresse com ação
regressiva contra o agente que proporcionou algum
prejuízo a terceiro, desde que sejam provados o dolo e a
culpa na ação exercida pelo servidor. Deve tal direito ser
necessariamente exercido em ação própria, após a ação
que foi promovida contra a mesma. Em resumo, a
Administração Pública indeniza o particular
objetivamente, ou seja, sem a necessidade de se
comprovar o dolo ou a culpa e posteriormente ingressa
com ação regressiva contra o agente, sendo necessário
nesta a comprovação de dolo ou culpa por parte do
agente público.23
Em observância ao § 6º do Art. 37 da Constituição
Federal encontra-se o termo “agentes”, indicando que a
responsabilização alcança a todos que são chamados à
participar do funcionamento dos serviços públicos.
Tratando-se da justiça e o seu desempenho
célere, muitos são seus auxiliares, órgãos de encargo
judicial, chamados de auxiliares eventuais, não ocupando
cargo algum na justiça, mas são nomeados para que esta
possa ser hábil e produza seus efeitos em tempo
razoável, disponibilizando seus conhecimentos técnicos,

22 MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito


Administrativo. 31. ed. São Paulo: Malheiros, 2014. p. 1042-1043.
23
ALEXANDRINO, Marcelo; VICENTE, Paulo. Direito administrativo
descomplicado. 21. ed. Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: Método,
2013. p. 833.
A expectativa social perante o poder... 29

seus serviços, estes também poderão ser


responsabilizados por não exercerem corretamente sua
função em prol da prestação jurisdicional.24
Nesta seara, cita-se a decisão do Juiz Edson
Carvalho de Barros Junior da 4ª Vara do Trabalho de Rio
Branco/AC, que em decisão fundamentada condenou e
Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos a multa de
15% do valor da causa por descumprimento de ordem
judicial por falta de entrega do AR, o que retardou o
andamento processual, causando obstáculo à prestação
judicial célere.25
A cooperação de auxiliares eventuais da Justiça é
necessária ao bom andamento do processo, como
descreve em sua obra Cintra, Grinover e Dinamarco:

Para o desempenho das funções jurisdicionais, muitas


vezes o juiz necessita da cooperação de diversas
entidades (públicas ou privadas), como por exemplo: a)
a Empresa de Correios e Telégrafos, para a expedição
de precatórias, de cartas citatórias; b) a Imprensa
Oficial do Estado e as empresas jornalísticas
particulares, para a publicação de editais; c) a Polícia

24 CINTRA, Antônio Carlos de Araújo; GRINOVER, Ada Pellegrini;


DINAMARCO, Cândido Rangel. Teoria Geral do Processo. 27. ed.
São Paulo: Malheiros Editores, 2011. p. 227.
25 Processo 0010843-73.2014.5.140404 – 4ª Vara do Trabalho de

Rio Branco/AC. Fundamentação: A reclamada é estabelecimento


comercial conhecido na cidade, de porte médio e se encontra em
plena atividade. De acordo com declaração dos Correios, por 3 vezes
a reclamada foi procurada e se encontra “ausente”. É certo que o
estabelecimento comercial em pleno funcionamento não pode estar
“ausente”. Em razão deste fato a audiência está sendo adiada, bem
como as duas audiências anteriores a esta, também po falta de
entrega do AR. Sendo assim, constato que a atitude dos Correios
retardou o andamento processual e causou obstáculo à prestação
jurisdicional célere, em razão do descumprimento da ordem judicial.
Em razão deste fato e com fundamento no parágrafo único do artigo
14 do CPC aplico aos Correios multa correspondente a 15% do valor
da causa, no importe de R$ 110.032,90 (cento e dez mil, trinta e dois
reais e noventa centavos), em favor da União.
30 Novos Direitos...

Militar nos casos de resistência aos oficiais de Justiça;


(...).26

No tocante a responsabilidade dos juízes como


agentes do Poder Judiciário, estes respondem de
maneira estipulada em lei, a previsão é encontrada no
Art. 49 da Lei Orgânica da Magistratura Nacional (Lei
Complementar nº 35 de 14.03.1979) conforme
transcrição:

Art. 49 da LOMAN: Responderá por perdas e danos o


magistrado, quando: I – no exercício de suas funções,
proceder com dolo ou fraude; II – recusar, omitir ou
retardar, sem justo motivo, providência que deva
ordenar de ofício ou a requerimento das partes.27

Constatado que o Juiz retardou providência que


deveria ser tomada de ofício, necessário se faz analisar
se este está com excessiva quantidade de ações ou
quando excessivamente numeroso e complexo o
processo, no qual é exigível considerável lapso de tempo
para a análise, não se pode responsabilizá-lo por dano.
Mesmo assim alerta a doutrina de Arnaldo
Rizzardo:

Todavia, se a demora e o acúmulo de feitos decorrem


da inércia do juiz, de sua inaptidão para o trabalho,
tanto que outros juízes, de modo geral, mantêm em dia
o andamento dos processos, altera-se a situação. Não
se olvide, entrementes, que as capacidades no
desempenho das funções e o grau de inteligência são
diferentes, fatores que importam em conceder alguma
margem de tolerância ou temperamento na apreciação
da responsabilidade.

26 CINTRA, Antônio Carlos de Araújo; GRINOVER, Ada Pellegrini;


DINAMARCO, Cândido Rangel. Teoria Geral do Processo. 27. ed.
São Paulo: Malheiros Editores, 2011. p. 228.
27 RIZZARDO, Arnaldo. Responsabilidade Civil. 5. ed. Rio de

Janeiro: Forense, 2011. p. 378.


A expectativa social perante o poder... 31

Continuando sobre a responsabilidade do Juiz


conclui:

Seriam exemplos de responsabilidade direta do juiz a


falta de impulso nos processos, a omissão de decisões,
a paralisação na movimentação dos feitos, tudo em
razão do simples não comparecimento ao foro, ou da
extrema displicência, do crasso desinteresse, de sua
desorganização profissional, da displicência no estudo
e preparo.28

A responsabilidade se funda pela necessidade de


responder perante a ordem jurídica, as consequências
ocasionadas pela sua ação ou omissão. Desta forma, o
Juiz responde administrativa perante o Estado quando
ocasionar lesão ao bem jurídico do governado.
Sedimentando tal posição escreve José de
Albuquerque Rocha:

O juiz responde administrativamente diante do Estado


por atos praticados com dolo ou culpa. O fundamento
da responsabilidade administrativa do juiz perante o
Estado decorre dos deveres que assume ao ser
nomeado para o cargo. É responsabilidade
administrativa porque deriva da violação do dever
jurídico administrativo. Assim, se o Estado for
condenado por atos praticados pelo juiz com dolo,
culpa, exercita uma ação regressiva contra o juiz (art.
37, § 6º, CF).29

Os juízes no desempenho de suas funções podem


provocar danos a terceiros, desta forma o Estado é
responsável pela obrigação de indenizar, podendo ajuizar
ação de regresso contra os mesmos.

28 RIZZARDO, Arnaldo. Responsabilidade Civil. 5. ed. Rio de


Janeiro: Forense, 2011. p. 380.
29 Apud RIZZARDO, Arnaldo. Responsabilidade Civil. 5. ed. Rio de

Janeiro: Forense, 2011. p. 128.


32 Novos Direitos...

Por muitas vezes o Estado deixa de exercer o


direito regressivo, visto que na ação de indenizar tentou
provar que não houve culpa do agente público, neste
pensamento, ressalta Celso Antônio Bandeira de Mello:

A consequência é a impunidade do funcionário, seja


porque depois de o Estado haver assentado uma dada
posição na ação de responsabilidade fica impedido de
mover a ação de regresso, seja porque, se o fizer,
topará com o que havia previamente estabelecido e
que agora milita contra si próprio e em prol do
funcionário, convertendo-se em robusta defesa deste
último, de tal sorte que o Poder Público no pleito
anterior prepara de antemão sua derrota na lide
sucessiva.30

Relatados os fatos que configuram a


responsabilidade dos agentes públicos e o direito de
regresso que o Estado pode provocar contra tais, é clara
a posição de que mesmo sem exercer tal direito, o
Estado obriga-se a ressarcir os danos pelos atos
praticados por seus funcionários, a morosidade do Poder
Judiciário na demora da prestação jurisdicional é fato
gerador de obrigação de indenizar, pois fere o direito da
personalidade dos jurisdicionados.

1.6 CONSIDERAÇÕES FINAIS

O acesso à justiça, motivo pelo qual se busca a


tutela estatal, faz-se necessário ao cidadão de bem que
cumpre as determinações legais, não fazendo justiça com
as próprias mãos, a autotutela. Mas atualmente o poder
estatal não tem observado os preceitos legais, diferente
do cidadão de bem, que busca o Judiciário para ver o seu
direito reestabelecido, buscando-a através da tutela
jurisdicional competente ao Estado.

30 MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito


Administrativo. 31. ed. São Paulo: Malheiros, 2014. p. 1059.
A expectativa social perante o poder... 33

Nesta direção, buscou-se com o presente remeter


à atual situação que se encontra o Judiciário Brasileiro, o
qual não age de forma coerente com os demandados,
oferecendo aos mesmos serviços sem comprometimento
e morosos, não cumprindo outrossim a legislação dos
quais são guardiões.
Existe a necessidade de oferecer ao tutelado
condições para que este obtenha o seu direito de forma
legal em tempo hábil capaz de prover as suas
necessidades, consequentemente resolvendo os
conflitos.
Seguindo esta ideia, demonstramos que o Estado
ao chamar para si o poder-dever jurisdicional, deve
prezar pela efetividade e tempestividade da tutela
jurisdicional como direito fundamental.
A morosidade da justiça, possibilita a busca pela
responsabilidade civil do Estado, sendo por atos
omissivos ou comissivos de seus órgãos ou agentes. Tal
responsabilidade se dá de forma objetiva e está
enquadrada na responsabilidade extracontratual.
A inclusão feita pela Emenda Constitucional
n.45/2004 do inciso LXXVIII, no art. 5º, positivou o
princípio da razoável duração do processo, mas ainda
permanece a dúvida de que venha a ser a razoável
duração do processo.
Obstante que o Estado é responsável diretamente
pelos atos de seus agentes, tanto é que no ordenamento
jurídico vigente o Estado pode exercer o seu direito de
regresso perante seus servidores, desta forma compete
ao órgão estatal o reparo do dano causado pelo mesmo a
terceiros.
Notamos que vários são os institutos que
promovem a razoável duração do processo, mas nenhum
deles estipula o que seria o processo correto para a
entrega da prestação jurisdicional pelo Estado, não
cumprindo desta forma os anseios da sociedade.
A falta de regulamentação deixa vaga à dimensão
34 Novos Direitos...

de tempo a ser seguida pelo Poder Judiciário para que


cumpra a sua obrigação de processar a lide. A EC
n.45/2004 inseriu um direito fundamental de razoável
duração do processo, mas não limitou o tempo,
percebemos que o tempo do Judiciário é extremamente
conflitante com o tempo da sociedade, que até mesmo
este, varia de cidadão para cidadão.
O Estado tem o dever de prestar aos seus
governados a tutela jurisdicional que lhe foi outorgada,
agindo através de seus agentes de maneira célere, capaz
de proporcionar a todos a satisfação de ter seus direitos
respeitados e reestabelecidos, principalmente pelo Órgão
Estatal.

1.7 REFERÊNCIAS

AHRENS, Maria Cecilia Weigert Lomelino de Freitas.


Conflitos coletivos de trabalho: a arbitragem como
método alternativo de resolução de lides. 1. ed. Curitiba:
Juruá, 2013.

ALEXANDRINO, Marcelo; VICENTE, Paulo. Direito


administrativo descomplicado. 21. ed. Rio de Janeiro:
Forense; São Paulo: Método 2013.

CARVALHO, Maria Cristina Neiva de. Psicologia


jurídica: temas de aplicação. 1. ed. (ano 2007), Curitiba:
Juruá, 2008.

CAVALIERI FILHO, Sérgio. Programa de


responsabilidade civil. 11. ed. São Paulo: Atlas, 2014.

CINTRA, Antônio Carlos de Araújo; GRINOVER, Ada


Pellegrini; DINAMARCO, Cândido Rangel. Teoria Geral
do Processo. 27. ed. São Paulo: Malheiros Editores,
2011.
A expectativa social perante o poder... 35

DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito administrativo.


27. ed. São Paulo: Atlas, 2014.

GAGLIANO, Pablo Stolze; PAMPLONA FILHO, Rodolfo.


Novo curso de Direito Civil: responsabilidade civil. 11.
ed. São Paulo: Saraiva, 2013.

KELSEN, Hans. O que é justiça? A justiça, o direito e a


política no espelho da ciência. 3. ed. São Paulo: Martins
Fontes, 2001.

MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito


Administrativo. 31. ed. São Paulo: Malheiros, 2014.

NADER, Paulo. Introdução ao Estudo do Direito. 35.


ed. Rio de Janeiro: Forense, 2013.

RIZZARDO, Arnaldo. Responsabilidade Civil. 5. ed. Rio


de Janeiro: Forense, 2011.

ROCHA, José de Albuquerque. Teoria Geral do


Processo. 9. ed. São Paulo: Atlas, 2007.

STOCO, Rui. Tratado de responsabilidade civil. 6. ed.


São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004.

TARTUCE, Flávio. Direito Civil: direito das obrigações e


responsabilidade civil. 8. ed. São Paulo: Método, 2013.

VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito Civil: responsabilidade


Civil. 8. ed. São Paulo: Atlas, 2008.

______. Introdução ao estudo do direito: primeiras


linhas. 3. ed. São Paulo: Atlas, 2010.
36 Novos Direitos...
- II -

A MORTE COMO PENA: ATUALIDADE DE UM


PROBLEMA ANTIGO

Bruno Macedo da Silva*


Jose Francisco de Assis Dias**

2.1 INTRODUÇÃO

Recentemente tem-se ouvido muito na mídia e


nas redes sociais sobre a questão da pena da morte. O
fato de brasileiros serem executados na Indonésia por
tráfico de drogas deram a este tema grande destaque.
Em janeiro houve um fuzilamento e recentemente em
abril outro brasileiro foi executado pelo mesmo motivo.
Esta situação abriu os olhos de muitos brasileiros para
um país que frequentemente passa despercebido no
cenário internacional. Mas o que causa a esse alvoroço:
o fato de a pena de morte ainda ser aplicada em alguns
países, ou o de ter um brasileiro sido vítima desta pena?
Este trabalho faz um estudo a respeito da pena de
morte partindo de uma base filosófica, histórica, política e
jurídica. Ele se desenvolve buscando compreender os
argumentos favoráveis e contrário às penas e como eles
são utilizados atualmente no cenário nacional e
internacional.

* Graduado em Secretariado Executivo pela Universidade Estadual de


Londrina desde 2011. Professor e tradutor freelance de alemão. Atuou
no setor hoteleiro internacional de 2012 a 2014. Atualmente estudante
do 1º ano de Direito do UNICESUMAR e participante do grupo de
Pesquisa dos Direitos da Personalidade.
** Doutor em Direito Canônico (2005), e em Filosofia (2008) pela

Universidade Urbaniana, Cidade do Vaticano. Professor titular do


UniCesumar, onde atua nas áreas da Filosofia do Direito e Ética
Filosófica.
38 Novos Direitos...

Tendo como base a ideia de que o ordenamento


jurídico de uma nação reflete o seu grau de evolução ou,
como defende o economista indiano Sem Amartya, de
que a noção de justiça é um processo evolutivo que
ocorre gradualmente, sem saltos imediatos1, o estudo
fará um levantamento histórico do ordenamento jurídico
brasileiro com o objetivo de entender a evolução da morte
como pena na história do Direito brasileiro.

2.2 EVOLUÇÃO HISTÓRICA DA MORTE COMO


“PENA”

Sabe-se que desde que o homem convive em


sociedade juntamente com o direito de sobrevivência
surgiu o direito de penalizar contra quem atentasse
contra o primeiro. Se se tratasse de irmãos gêmeos
poder-se-ia dizer que a aplicação das penas, ou seja, um
rudimento do Direito Penal, nasceu segundos após o
nascimento do Direito de Sobrevivência. E desde a
conhecida antiguidade conserva um caráter violento,
“...uma intrínseca brutalidade que torna problemática e
incerta sua legitimidade moral e política.” Como afirma o
jurista italiano Ferrajoli2.
Não é necessário buscar longe na história para
encontrar justificação ao pensamento de Ferrajoli, basta
nos atermos a muitos eventos ocorridos durante a Idade
Média e Moderna, período no qual, além das penas, a
forma como essa eram aplicadas tinha requintes brutais,
quase sempre precedido de tortura. Era como se a
fantasia humana não tivesse “...limites nem freios para
inventar formas mais ferozes da pena de morte e em
aplicá-las inclusive às infrações mais leves.”3 Ou, como

1 SEM, Amartya. A ideia de justiça. São Paulo: Companhia das


Letras 2011, p. 83.
2
FERRAJOLI, Luigi. Direito e razão: teoria do garantismo penal. 2.
ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006, p. 15.
3 Ibidem, p. 255.
A morte como pena... 39

cita Bobbio, havia uma necessidade do suplício primeiro


para deixar marcas e depois para ser assistido por
todos.4
Um momento marcante na história da pena capital
e pode-se dizer que divisor de águas, se deu no
iluminismo italiano do século XVIII com a figura de
Cesare Beccaria (1738-1794). Ao analisar a pena,
partindo de Beccaria, o doutor em Filosofia Dias faz uma
divisão em três momentos de pensamento, antes,
durante e depois da obra do autor5. A ideia de Beccaria
foi considerada marcante pelo fato de seu pensamento
ter influenciado abolicionistas e opositores
contemporâneos e futuros. Seu pensamento sobre a
pena foi desenvolvido na obra Dos Delitos e das Penas e
sua crítica está sustentada na utilidade desta. Para ele
com a morte se encerraria todo o castigo e não seria feita
justiça, importante seria a certeza de punição que não
apenas inspirasse temor, mas inspirasse a certeza de
sua aplicação. A morte como pena só poderia ser
justificada em dois momentos:

...nos momentos de confusão em que uma nação fica


alternativa de recuperar ou de perder sua liberdade,
nas épocas de confusão, em que as leis são
substituídas pela desordem, e quando um cidadão,
embora privado de sua liberdade, pode ainda, por suas
relações e seu crédito atentar contra a segurança
pública, podendo sua existência produzir uma
revolução perigosa no governo estabelecido. 6

4 BOBBIO, Norberto. A era dos direitos. Rio de Janeiro: Elsevier,


2004, p. 153.
5 DIAS, J.F.A. Não matarás: a vida humana como valor primordial no

pensamento de Norberto Bobbio (1909–2004). Maringá: Humanitas


Vivens 2011.
6 BECCARIA, Cesare. Dos delitos e das penas. Edição Eletrônica:

Ridendo Castigat Mores, 2001, p. 91.


40 Novos Direitos...

Politicamente um ato na histórico de grande


influência beccariana ocorreu no reino da czarina da
Rússia Catarina, a Grande (1729-1796), ao abolir a pena
capital nos seus territórios usando os mesmos
argumentos de autor italiano, ou seja, de que a pena é
apenas um ato de violência que não se justifica, salvo em
caso de defesa da ordem estabelecida. Filosoficamente
outro pensador abolicionista também influenciado por
Beccaria foi o professor Carl Joseph Anton Mittermaier7
(1787-1867), cuja obra se desenvolve sob uma análise
histórica da pena de morte na Europa para justificar a
necessidade de sua abolição.
Os pensadores da corrente abolicionistas ao
criticar a base argumentativa dos defensores da pena
afirma ser essa sustentada por motivos religiosos,
tentando restabelecer uma “ordem natural violada”. Tal
restauração é impossível para Ferrajoli8 ao usar um
pensamento de Platão e Sêneca “O que está feito não
pode ser desfeito.” Os abolicionistas interpretam o Direito
Penal como ilegítimo pelas aflições aplicadas e propõe
sua substituição por medidas pedagógicas.
Outra crítica abolicionista apresenta uma
distinção marcante entre uma pena aplicada por um
Estado e o crime cometido por um indivíduo. Enquanto
este é limitado ao crime isolado aquela é “sempre
programada, consciente, organizada por muitos contra
um.”9 Outro pensador italiano, que também tratou do
tema, foi Norberto Bobbio, a crítica dele está na
proporcionalidade de forças, do Estado versus indivíduo,
esse autor afirma que a pena mesmo sendo em legítima

7 MITTERMAIER, K.J.A. von. Capital punishment based on


professor mittermaier’s todesstraffe. Disponível em
<https://books.google.com.br/books/about/Capital_Punishment.html?id
=EdEtAAAAIAAJ&hl=pt-BR>. Acesso em 29 de maio de 2015.
8
FERRAJOLI, Luigi. Direito e razão: teoria do garantismo penal. 2.
ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006, p. 232.
9 Ibidem, p. 355.
A morte como pena... 41

defesa do Estado ainda é “...um homicídio legal,


legalizado, perpetrado a sangue frio, premeditado.”10
Ferrajoli também compara a ação delinquente do
indivíduo com a pena aplicada pelo Estado. Ele afirma
tratar-se apenas de uma segunda violência que se soma
ao delito, sendo nesse caso “programada e executada
por uma coletividade organizada contra um solitário
indivíduo.”11
Além do homicídio institucionalizado a pena vai
muito além da simples execução, ela demanda elementos
e recursos que, quando vistos à luz da Constituição de
1988, ferem o princípio primário: a vida. Um desses
elementos citados12 é o fato de o Estado custear alguém
para matar, em outras palavras é pagar para alguém ser
carrasco. Fachin e outros críticos da pena capital
apontam também a irreversibilidade da pena dando
ensejo para erros judiciários. Trata-se de argumentos que
se complementam, vendo na pena de morte apenas a
perpetuação de um ciclo que se inicia com a morte e com
a morte se sustenta. Ou como diz Bobbio sustentado pela
violência, ele afirma “...somente uma sociedade que
nasce da não violência será por sua vez não violenta (...)
a não violência serve melhor à obtenção do fim último
(...)”13.
Do senso comum muitos veem na pena capital
como uma limpar a Terra ou o país daqueles que causam
problema. É frequente ver em meios televisivos
sensacionalistas seus apresentadores e mesmo os
entrevistados clamando por uma dizimação dos
“bandidos”, separando aqueles que cometem os crimes,

10 BOBBIO, Norberto. A era dos direitos. Rio de Janeiro: Elsevier,


2004, p. 161.
11 FERRAJOLI, Luigi. Direito e razão: teoria do garantismo penal. 2.

ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006, p. 15.


12
FACHIN, Zulmar. Curso de direito constitucional. Rio de Janeiro:
Forense, 2013.
13 BOBBIO, Norberto. Op.cit. Rio de Janeiro: Elsevier, 2004, p. 143.
42 Novos Direitos...

ditos “bárbaros”, daqueles classificados como “cidadão


honesto”. Esse discurso em nada se diferencia do usado
em outras épocas como forma de punição aos
transgressores da norma vigente; em especial na Idade
Média, quando se executavam as bruxas e os hereges,
sendo que os transgressores de hoje são aqueles que se
enquadram em determinada classificação penal conforme
o delito praticado. O discurso mencionado é voltado não
às ações, mas sim às pessoas14, enquanto antes os
enquadrados no processo criminal eram as bruxas, os
hereges, os judeus entre outros, hoje esses elementos
são os chamados “vagabundos”, “desocupados”,
“delinquentes”, “traficantes” entre outros. É como se em
todos os tempos da história fosse necessária uma
segregação entre cidadãos de bens e inimigos da paz,
como se entre eles houvesse um abismo intransponível.
Os maiores debates sobre a pena capital
envolvem questões sobre o Direitos à Vida, Direito Penal
e os limites de atuação do homem. Os defensores da
pena usam, muitas vezes, como argumento a
necessidade de equivaler a pena ao crime. Esta teoria,
chamada de retributiva15, parte da ideia de que a pena é
uma punição à transgressão, sem qualquer outro
elemento ou finalidade moral.
Essa força condenatória que priva o inimigo do
Estado e da Liberdade da própria vida foi justificada pelos
contratualistas clássicos como, Hobbes, Locke e
Rousseau. O primeiro cuja vida foi cercada de temores,
como afirma o Professor Pedro Branco16, necessitava de
uma força superior que punisse severamente aqueles
que transgredissem a ordem. Já em Locke, mesmo

14 FERRAJOLI, Luigi. Direito e razão: teoria do garantismo penal. 2.


ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006, p. 39.
15 Ibidem, p. 208-209.
16
GUANABARA, Ricardo; FERREIRA, Lier Pires; JORGE, Vladimyr
Lombardo (Org.). Curso de ciência política. 3. ed. Rio de Janeiro:
Elsevier Editora Ltda., 2010.
A morte como pena... 43

aceitando um estado de natureza brando e racional,


também vê a necessidade de um juiz implacável no ato
de punição quando se tem ameaçado os elementos
essenciais da natureza humana: a vida, a liberdade e a
propriedade. Ao interpretar o pensamento de Locke o
estudioso Vladimyr Jorge17 afirma a necessidade de que
os homens reconhecerem a certeza da punição para
evitar o estado de guerra. Tanto Hobbes quanto Locke,
na divisão feita por Dias18, fazem parte do período que
antecede o autor italiano. Rousseau, já inserido no
período da obra de Beccaria, vê na punição uma
proteção ao contrato e eliminação do elemento que
renunciou à liberdade quando transgrediu a ordem.19
Dois filósofos alemães – também de visão
retributiva - enxergaram nas penas necessidades sociais
partindo de visão ética, para Kant, e jurídica, para
Hegel20. O primeiro via no delito uma violação do valor
moral da lei e por isso o castigo deveria ser imposto. O
segundo, partindo de uma visão jurídica, entendia que a
pena restaurava o direito violado. De forma sintética é
possível afirmar que a visão retributiva se transformou no
elemento central do direito penal atual.
Não só os delitos, mas a história das penas
constitui uma vergonha jurídico-filosófica para Ferrajoli,
sendo essa história mais cruel do que os delitos em si. 21
Ferrajoli atribui tal vergonha pela omissão ou pela falta de
uma voz forte, por partes dos filósofos, no que concerne

17 Ibidem, p. 106.
18 DIAS, J.F.A. Não matarás: a vida humana como valor primordial no
pensamento de Norberto Bobbio (1909–2004). Maringá: Humanitas
Vivens, 2011.
19 ROUSSEAU, Jean-Jacques. Contrato social. Edição Eletrônica:

Ridendo Castigat Mores, 2001. Disponível em:


http://www.ebooksbrasil.org/adobeebook/ contratosocial.pdf. Acesso
em: 12 abr. 2015, p.49.
20
FERRAJOLI, Luigi. Direito e razão: teoria do garantismo penal. 2.
ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006, p. 237.
21 Ibidem, p. 355.
44 Novos Direitos...

a este instituto. Em outras palavras, a omissão de muitos


pensadores configurou sua adesão ao princípio da morte.
É como se neles tivesse faltado um conceito mais puro
de justiça ou mesmo até mesmo faltado uma base
argumentativa racional, o que de fato ocorreu foi uma
aceitação passiva das ideias tradicionais.22 Outra ideia,
não defendendo, mas justificando essa forma de pensar
(passiva) seria o contexto histórico no qual muitos desses
pensadores estavam inseridos, sabe-se que no período
que vai do século XV ao XIX o mundo ocidental estava
envolvido em profundas transformações políticos, sociais
e intelectuais e essas condições certamente
influenciaram o pensamento dominante. A noção de
Direito estava condicionada aos fatores externos desses
períodos históricos, ou seja, ele era o produto daquele
momento, daquela sociedade organizada.23
A crítica de Ferrajoli se estende também para os
que veem a pena como retribuição. Essa corrente é
sustentada por com argumentos monótonos, como:
defesa social, preservação da ordem entre outros.
Ferrajoli acredita que a existência da pena e sua
lenta extinção são devidas à fraca sustentação
argumentativa dos abolicionistas, pois partem de uma
visão utilitarista e não humanitária. O economista indiano
Sem Amartya ao tratar sobre os Direitos Humanos diz
que muitas vezes a fraqueza desses direitos se dá por
sua fragilidade ou “sentimentalismo”24. Ele propõe que
esses direitos devam se fundamentar em uma base
intelectual sólida, pois somente dessa maneira receberá
adesão racional e frequente. É essa fragilidade, ou

22 SEM, Amartya. A ideia de justiça. São Paulo: Companhia das


Letras 2011.
23 WOLKMER, Antônio Carlos. História do direito no brasil. 3. ed.

Rio de Janeiro: Forense, 2005. Disponível em


<http://www.submit.10envolve.com.br/uploads
/137de2c79b7b0492417fa830d6f03c3b.pdf>. Acesso em 15 de maio
de 2015, p. 26.
24 Ibidem.
A morte como pena... 45

melhor, falta de uma fundamentação sólida e clara que


dá à abolição das penas mais um caráter romântico do
que propriamente positivo.
Em ambos os lados – seja abolicionista ou
retributivo – busca-se única e simplesmente a justiça,
mesmo sendo esse conceito ainda longe de apresentar
uma definição adequadamente positivada. No prefácio de
sua obra “A Ideia de Justiça” Amartya fala sobre o que
move, ou motiva, o ser humana para uma vida melhor,
ele diz: “o que nos move (...) não é a compreensão de
que o mundo é privado de uma justiça completa, mas a
de que a nossa volta existe injustiças claramente
remediáveis que queremos eliminar.”25 Essa busca pela
justiça também é um elemento central da obra do filósofo
americano John Rawl. Diferentemente de Amartya, que
prevê a necessidade de elementos pontuais para se
desenvolver a justiça, em Rawl vemos essa noção de
forma geral, em outras palavras, o pensador americano
acredita que esse senso de justiça, mesmo ainda em
forma embrionária nos povos, é uma realidade possível
para o futuro e ela será sustentada pela compreensão e
tolerância entre os indivíduos e os povos.26 Tolerância,
essa em sentido ético, como queria Bobbio, ou seja, um
movimento ativo da busca pela compreensão e não um
puro niilismo.27

2.2 A MORTE COMO PENA NO ORDENAMENTO


JURÍDICO BRASILEIRO

Antes de iniciar a história da pena de morte no


ordenamento jurídico brasileiro é importante entender
como esse se formou, ou seja, como se deu seu

25 SEM, Amartya. A ideia de justiça. São Paulo: Companhia das


Letras 2011, p. 6.
26
RAWLS, John. Uma teoria da justiça. São Paulo: Martins Fontes
2008.
27 BOBBIO, Norberto. Op.cit. Rio de Janeiro: Elsevier, 2004, p. 192.
46 Novos Direitos...

entendimento político, social e econômico e quando se


tornou representação do estado brasileiro. Sabendo que
o direito é produzido pela “interação humana através do
tempo, e materializado (...) por fontes histórica”28 é
importante conhecer quais foram essas interações na
história brasileira que levaram ao resultado existente hoje
e também quais elementos serviram de inspiração ou
influência para a instituição do Direito.29
Através da história sabe-se que no período de sua
colonização o Brasil sempre foi dominado pelo poder da
metrópole, enquanto estas vivenciavam uma evolução
econômica independente com as políticas liberais,
aquelas não tinham nenhum um tipo de autonomia e
estavam sujeitas a “práticas burocrático-
patrimonialistas”.30 Compreender a história do direito
brasileiro é compreender que em sua formação a
sociedade foi marcada entre os detentores de terra e a
grande maioria de escravos e que a existência da
sociedade latifundiária era em função das exigências da
metrópole.31
Pode-se dizer que o Direito no Brasil não nasceu
de uma “vontade geral” local, mas sim de uma imposição
da metrópole32. As primeiras vítimas desse domínio foram
os nativos indígenas, os quais se viram obrigados a
respeitar um regulamento totalmente distinto do seu,
sendo o seu direito nunca reconhecido por esses
colonizadores.
Um fato relevante para a história do Direito Penal
na época do Brasil colônia aconteceu na época do

28 WOLKMER, Antônio Carlos. História do direito no Brasil. 3. ed.


Rio de Janeiro: Forense, 2005. Disponível em
<http://www.submit.10envolve.com.br/uploads
/137de2c79b7b0492417fa830d6f03c3b.pdf>. Acesso em 15 de maio
de 2015, p. 11.
29 Ibidem.
30
Ibidem, p. 34.
31 Ibidem, p. 37.
32 Ibidem, p. 42 e 47.
A morte como pena... 47

domínio jesuíta. Nesse período a visão das penas era


diferente da visão retributiva/punitiva europeia, a justiça
tinha como objetivo “a recuperação do delinquente.”33 As
penas na época eram públicas de forma a servir como
exemplo e o instituto da pena capital era inexistente, a
maior punição era a prisão perpétua, destacando também
a não rigorosidade das punições, diferentemente do que
ocorria na Europa.34
A contradição surge então com a imposição
lusitana que altera não apenas a paisagem física, mas
também toda a estrutura existente. As mais profundas e
positivas mudanças no Direito brasileiro serão vistas
abaixo com a análise da morte como pena nas
constituições brasileiras.
A primeira Constituição Brasileira, outorgada em
1824, foi fruto do rompimento dos laços de suserania
existente entra Brasil e Portugal. Essa constituição teve
grande influência da Constituição francesa de 181435 e
apresentou ideias liberais e centralização política, sendo
essas os motores de sua realização. Esse liberalismo,
não é o mesmo apresentado pelas ideias iluministas, a
sua melhor conceituação seria “liberalismo-escravidão”
como indica o jurista Wolkmer, pois apresentava em sua
estrutura liberal a substância era de origem oligárquica,
além de ignorar a escravidão e a maior parte da
população: “o conteúdo conservador sob a aparência de
formas democráticas.”36
Com relação à pena de morte no período da
referida Constituição o tema é abordado no Código

33 Ibidem, p. 48.
34 Ibidem.
35 LENZA, Pedro. Direito constitucional esquematizado. São Paulo:

Saraiva 2014, p. 112.


36 WOLKMER, Antônio Carlos. História do Direito no Brasil. 3. ed.

Rio de Janeiro: Forense, 2005. Disponível em


<http://www.submit.10envolve.com.br/uploads
/137de2c79b7b0492417fa830d6f03c3b.pdf>. Acesso em 15 de maio
de 2015, p. 64
48 Novos Direitos...

Criminal de 1830. Wolkmer via esse código como um


avanço para a época, pois, mesmo considerando a pena
de morte, as penas em si eram baseadas nos seguintes
elementos: da proporcionalidade entre o crime e a pena e
pela pessoalidade das penas que restringia a pena
somente ao acusado.37 O referido Código Penal
estipulava que a pena capital era aplicada por
enforcamento, conforme o Artigo 38; a lei era taxativa na
sua aplicação, sendo crimes de homicídio, roubo seguido
de morte e insurreição.
Nesse período da primeira Constituição, no
tocante aos julgamentos que levavam à pena capital, a
legalidade dos julgamentos era questionável quando
estudados atualmente. O Desembargador Antônio
Pessoa Cardoso38 afirma que “A decisão condenatória da
pena de morte não reclamava unanimidade de votos dos
jurados nem comportava qualquer recurso...”. Ele
também diz que a pena na época era justificada para o
controle dos escravos e proteção dos seus donos.
Um momento marcante na história da pena capital
ocorreu no ano de 1854. Por determinação do imperador
Dom Pedro II a pena de morte só poderia ser aplicada
com sua autorização, acredita-se que esta resolução por
parte do imperador se deu devido a um possível erro
judiciário que levou à condenação à morte do latifundiário
Mota Coqueiro39.
Nota-se também influência dos ideais iluministas
de Beccaria para abolição da pena e sua substituição por
trabalhos forçados, porém motivos de ordem econômica

37Ibidem, p. 71.
38 PENA DE MORTE: 400 anos atrás. Revista Online: Antônio
Pessoa Cardoso, 24 nov. 2008. Disponível em:
<http://www.ibrajus.org.br/revista/artigo.asp?idArtigo=88>. Acesso em:
15 de maio 2015
39 LIMA, Luíza Rosa Barbosa de; SERRANO, Rodrigo Fagundes

Luiz. Pena de morte: aspectos jurídicos e religiosos. 2009. Disponível


em: <http://revista.uepb.edu.br/index.php/datavenia/article/view/
511>. Acesso em: 14 maio 2015.
A morte como pena... 49

também merecem destaque. A abolição da pena capital


teria sido uma forma de resguardar a propriedade do
senhor e evitar que esse tivesse prejuízo40. Logo os
fatores econômicos, mais do que os morais, podem ter
sido o maior peso na decisão da extinção da pena de
morte. Na época da promulgação da segunda
Constituição – a de 1891 – o país estava envolvido em
uma atmosfera revolucionária41, que tinha como objetivo
tirar o poder da monarquia e fundar um estado federado.
Essa teria sido promulgada e instituiu a República dos
Estados Unidos do Brasil. Apesar de ainda não ocorrer a
total abolição a nova Constituição previa sua
flexibilização constava no seu Artigo 72, parágrafo 21
“Fica igualmente abolida a pena de morte, reservadas as
disposições da legislação militar em tempo de guerra.”
É importante ressaltar que entre os anos da
segunda e terceira constituição - 1891 e 1934
respectivamente – não houve registro de execuções por
crimes comuns.
No final da década de 30, enquanto o mundo vivia
o período de tensão entre as duas grandes guerras bem
como a grande crise econômica, no Brasil iniciou-se um
período de forte controle estatal e autoritarismo que
culminou na Revolução de 1930. Historicamente estes
fatos fizeram com que encerrasse o período chamado de
República Velha e instituísse o Governo Provisório da
República.42 O mencionado período durou até 1934,
quando viria a ser promulgada a nova Constituição do
Brasil. Este documento constitucional foi muito

40 WOLKMER, Antônio Carlos. História do direito no Brasil. 3. ed.


Rio de Janeiro: Forense, 2005. Disponível em
<http://www.submit.10envolve.com.br/uploads
/137de2c79b7b0492417fa830d6f03c3b.pdf>. Acesso em 15 de maio
de 2015, p.72
41 FACHIN, Zulmar. Curso de direito constitucional. Rio de Janeiro:

Forense, 2013.
42 LENZA, Pedro. Direito constitucional esquematizado. São Paulo:

Saraiva, 2014, p. 123-126.


50 Novos Direitos...

influenciado pela Constituição alemã de Weimar e


versava sobre os direitos humanos de 2ª dimensão,
igualité. Esta constituição como a anterior não trouxe
novidades no que abrange a pena capital.
A nova Constituição (1937), imposta por Getúlio
Vargas foi historicamente apenas de um formalismo
jurídico43. Essa Constituição foi popularmente chamada
de “Polaca” em razão da influência que sofreu da
Constituição da Polônia de 1935. Nesse novo
ordenamento jurídico a pena capital voltou a ser instituída
para crimes militares, crimes políticos, àqueles que
atentassem contra a segurança do Estado e também em
homicídio por motivo torpe com extrema perversidade. No
que abrange os crimes militares em outubro 1942 foi
publicado o Decreto 4.766 no qual se podia ler sobre os
casos de Guerra em que a pena capital seria utilizada.
Em 1942 ocorreria a primeira sentença oficial em quase
50 anos “de paz”, ou seja, de não condenações: o
escritor Gerardo Melo Mourão foi acusado de
espionagem para os países do Eixo e condenado à morte
pelo poder Judiciário. Sua sentença foi, porém,
amenizada para 30 anos de prisão, tendo cumprido
apenas 6 anos. Sabe-se que tudo não passou de uma
farsa política desmentida pelo próprio Gerardo.44
O fim do Era Vargas tem como cenário um mundo
recém-saído da Segunda Guerra Mundial e já dentro do
período de lutas ideológicas e econômicas, a Guerra Fria.
Com a destituição de Vargas em novembro de 1945
atribui-se ao Parlamento Poderes Constituintes e deste
deveria ser elaborada uma nova Constituição: a de 1946.
Esse novo documento constitucional teve como objetivo

43 FACHIN, Zulmar. Curso de direito constitucional. Rio de Janeiro:


Forense, 2013.
44 CÂMARA, Ruy. Gerardo Mello Mourão: o poeta oracular e

absoluto. Disponível em
<http://www.amigosdolivro.com.br/lermais_materias.php?cd_materias=
4398>. Acesso em 18 de maio de 2015.
A morte como pena... 51

redemocratizar o país45 e sua base se fundamentou nas


ideias liberais da Constituição de 1891 e no Estado-
Social apresentado pela Constituição de 1934.
Sobre a pena de morte a Constituição de 1946
tampouco trouxe novidades, sendo essa prática
recepcionada em casos de necessidade militar, porém, o
texto alterou alguns elementos no que concerne as
penas, como a abolição do banimento e de confisco
perpétuo, como pode ser encontrado no Capítulo II (Dos
Direitos e das Garantias Individuais), no Artigo 141
Parágrafo 31.
A Constituição de 1946 teve sua vigência até 1964
com o Golpe Militar que depôs o então Presidente João
Goulart. O golpe militar se justificou como a serviço de
uma nova ordem revolucionária no país. Esse período,
que vai de 1964 até 1967, ano da nova constituição foi de
grande instabilidade política no país. Neste interim o Ato
Institucional No 1, de 1964, impôs no país diversas
medidas que restringiam a democracia, entre as
prerrogativas auferidas ao Comando da Revolução
consta o poder de decretar estado de sítio, de suspender
direitos políticos entre muitos outros. No que se refere a
pena de morte a nova Carta Constitucional previa a sua
aplicação não apenas para crimes de guerra, mas
também para aqueles que atentassem contra o governo,
os casos em que era aplicada podem ser encontradas no
Decreto Lei No 898 de 1969, a Lei de Segurança
Nacional, o qual é taxativo na aplicação da pena,
podendo essa em muitos casos ser substituída pela
prisão perpétua. Até 1978 até houve condenações46, mas
os casos foram convertidos para prisão perpétua.

45 LENZA, Pedro. Direito constitucional esquematizado. São Paulo:


Saraiva, 2014, p. 130.
46
AMARAL, Ariel Carneiro. Pena de morte. 2014. Disponível em:
<http://carneiro.jusbrasil.com.br/artigos /111686526/pena-de-morte>.
Acesso em: 14 maio 2015.
52 Novos Direitos...

Até 1988, ano de promulgação da nova


constituição, diversos movimentos políticos aceleram o
processo de redemocratização do país. O professor
Wolkmer ao analisar essa nova constituição caracteriza-a
como o encerramento de uma etapa autoritária do país,
além concretizar os direitos almejados pelos movimentos
sociais organizados47.
Nota-se pouco avanço no ordenamento jurídico
brasileiro sobre a pena de morte. Sabe-se que há muito
não ocorre execução e que sua figuração na constituição
é mais uma lembrança de uma possibilidade do que de
uma aplicabilidade real. Uma possível abolição categórica
representaria um passo pequeno para uma evolução de
consciência ou como diria Bobbio “...será um sinal
indiscutível do progresso moral.”48

2.3 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Seria absurdo dizer que o ordenamento jurídico


brasileiro assim como sua sociedade não evoluiu. Seria
negar o curso da história e dos fatos que a fizeram. A
forma como essa evolução se deu, talvez tenha pouco
sido orientada por fatores humanísticos, mas tenha tido
por base fatores mais econômicos. Wolkmer aponta dois
elementos determinantes na formação jurídica brasileira:
a herança colonial burocrática-patrimonialista e a tradição
liberal, sempre atendendo aos interesses daqueles que
estão no poder, em todas as situações a elite burguesa.49

47 WOLKMER, Antônio Carlos. História do direito no Brasil. 3. ed.


Rio de Janeiro: Forense, 2005. Disponível em
<http://www.submit.10envolve.com.br/uploads
/137de2c79b7b0492417fa830d6f03c3b.pdf>. Acesso em 15 de maio
de 2015, p. 93.
48 BOBBIO, Norberto. A era dos direitos. Rio de Janeiro: Elsevier,

2004, p. 162.
49
WOLKMER, Antônio Carlos. História do direito no Brasil. 3. ed.
Rio de Janeiro: Forense, 2005. Disponível em
<http://www.submit.10envolve.com.br/uploads
A morte como pena... 53

Mesmo com essa crítica ele reconhece que a


Constituição de 1988 se aproxima mais da realidade
social.50
Talvez o grande problema seja fato de o direito à
vida não ser tratada como um imperativo categórico
kantiano ou um direito absoluto. Trata-se, sem dúvida,
direito protegido e resguardado, mas com uma ressalva,
eliminando sua força absoluta. Diferente do que existe
em outros ordenamentos jurídicos, como o alemão, que
aboliu de forma categórica a pena capital.
Partindo da ideia exposta inicialmente, de que o
ordenamento jurídico de uma nação reflete o seu
amadurecimento, Bobbio vem a afirmar que “O que
parece fundamental em uma época história (...) não é
fundamental em outras épocas e em outras culturas.” 51.
Quando tratando de questões genéticas Bobbio
menciona que os Direitos “...não nascem todos de uma
vez. Nascem quando devem ou podem nascer...”52
Apesar de tratar de questões genéticas, essa ideia de
nascimento ou transformação dos Direitos é uma
realidade. Cita-se como exemplo a Alemanha, país que
passou diversas transformações históricas e sociais as
quais propiciaram as condições adequada para sua
evolução.
Em um discurso na Câmara do Parlamento
Alemão em comemoração aos 40 anos do fim da
Segunda Guerra Mundial o então Primeiro Ministro
Alemão, Richard von Weizsäcker, declara que os
acontecimentos no período tiverem grande influência
para o reconhecimento de um erro, momento necessário
para qualquer amadurecimento. Em seu discurso ele

/137de2c79b7b0492417fa830d6f03c3b.pdf>. Acesso em 15 de maio


de 2015, p. 115.
50 Ibidem, p. 93.
51
BOBBIO, Norberto. A era dos direitos. Rio de Janeiro: Elsevier,
2004, p. 18.
52 Ibidem, p. 3
54 Novos Direitos...

também destaca a importância que essa lembrança tem


ao se incorporar a fim de evitar que novas atrocidades
ocorram.53 Esse amadurecimento do qual fala
Weizsäcker é fruto da transformação vivenciada pelo país
e do reconhecimento das potencialidades humanas
quando orientadas apenas por desejos egoísticos.
Amadurecimento esse ainda em estágio latente em
países como a Indonésia, onde a pena tem uma
aplicação de forma genérica e no Brasil, onde, como
visto, exige uma situação precedente.
A evolução do Direito com o fim de enxergar a
vida como um imperativo categórico a ser protegido e
promovido não ocorrerá de forma isolada, mas será fruto
de uma cooperação sustentada pelos Direitos
Internacionais. Essa em um cenário em que todos os
cidadãos serão vistos como sujeitos desse Direito, não de
forma abstrata ou hipotética, mas com proteção efetiva
ou, como diz o economista indiano, quando predominar o
pensamento de que “Nós não vivemos em um casulo”54.
As diferenças culturais, naturais e de valores existentes,
as quais são frutos essas dos princípios de justiças
escolhidos55, conviverão harmonicamente quando o
elemento norteador das relações entre os povos for a
tolerância Rawl56, no sentido dado por Bobbio de
aceitação da multifaces da verdade.

53
WEIZSÄCHKER, Richard von. Bonn, 8 de maio de 1985. Discurso
em comemoração aos 40 anos do fim da segunda guerra mundial
na Europa. Discurso proferido na Câmara do Parlamento Alemão.
Disponível em:
<http://www.bundespraesident.de/SharedDocs/Reden/DE/Richard-
von-
Weizsaecker/Reden/1985/05/19850508_Rede.html;jsessionid=1CC64
0C5586B656294AE95AF7EC2FDE7.2_cid285>. Acesso em 19 de
maio de 2015
54 SEM, Amartya. A ideia de justiça. São Paulo: Companhia das

Letras. 2011, p. 140.


55
Ibidem, p. 72.
56 RAWLS, John. Uma teoria da justiça. São Paulo: Martins Fontes,

2008.
A morte como pena... 55

Mudanças profundas são necessárias e pode-se


até dizer - sem incorrer em profecias ou excesso de
otimismo - que ocorrerão na sociedade brasileira e no
seu ordenamento jurídico. Essas mudanças já dão seus
primeiros gritos de existência, elas são aquilo que Bobbio
chamou de “sinal dos tempos”57 e sua evolução requer
principalmente, segundo o autor italiano, muita boa
vontade.

2.4 REFERÊNCIAS

ALEMANHA. Grundgesetz für die Bundesrepublik


Deutschland. Berlin: Deutscher Bundestag, 2014.

AMARAL, Ariel Carneiro. Pena de morte. 2014.


Disponível em:
http://carneiro.jusbrasil.com.br/artigos/111686526/pena-
de-morte. Acesso em: 14 maio 2015.

BOBBIO, Norberto. A Era dos Direitos. Rio de Janeiro:


Elsevier, 2004.

BORON, Atílio A. Filosofia política moderna. De


Hobbes a Marx. São Paulo. Universidade de São Paulo,
2006, Acesso em 10 de maio de 2015.

BECCARIA, Cesare. Dos Delitos e das Penas. Edição


Eletrônica: Ridendo Castigat Mores, 2001.

BRASIL. Constituição (1824) Constituição Política do


Império do Brazil. Rio de Janeiro, 1824. Disponível em
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60 Novos Direitos...
- III -

A RETOMADA DO CONSTITUCIONALISMO NO
PERÍODO PÓS-GUERRA E O DIREITO COMO
INTEGRIDADE EM RONALD DWORKIN

Luciane Pussi*
William Artur Pussi**

3.1 INTRODUÇÃO

Especialmente após a Segunda Grande Guerra,


experimentou-se a necessidade de conferir maior
proteção aos indivíduos contra os arbítrios estatais. Por
isso, sagraram-se direitos humanos, de validade
pretensamente internacional. Porém, ante os desafios
impostos pela soberania dos Estados à sua tutela,
encontrou-se como saída a positivação, nas
constituições, desses direitos, os quais ganharam a
designação própria de direitos fundamentais.
Embora positivados internamente, permaneceu
nos ordenamentos jurídicos o desafio de se concretizar
esses direitos e garantias constitucionais. Buscando
solucionar esse entrave, houve a construção teórica de

* Doutoranda do Programa de Doutorado em Direito- FADISP. Mestre


em Direito na área de concentração em Direitos da Personalidade pelo
Centro Universitário de Maringá-Pr. Especialista em Direito Civil e
Processo Civil pela Universidade Paranaense-Pr. Bacharel em Direito
pela Universidade Paranaense-Pr. Licenciatura plena em Português e
Inglês pela Universidade Paranaense-Pr, Especialista em Literatura
Brasileira pela Faculdade Estadual de Ciências e Letras de Campo
Mourão. Professora da Faculdade Maringá e Unicesumar.
** Doutorando em Direito pela Faculdade Autônoma de Direito de São

Paulo. Mestre e bacharel em Direito pela Universidade Estadual de


Maringá. Juiz de Direito do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná.
Professor Universitário.
62 Novos Direitos...

um novo paradigma para as decisões judiciais, a fim de


livrar da estreiteza positivista os julgadores, os quais
deveriam estar predispostos a buscar a justiça em suas
decisões, caso se pretendesse defender os direitos
fundamentais.
Este estudo pretende, assim, abordar as principais
teorias desenvolvidas neste período pós-positivista. Com
o fito de dar substrato mínimo ao leitor para a adequada a
compreensão do objeto deste trabalho, iniciou-se o
mesmo com a exposição dos fatores que predispuseram
o advento dos direitos fundamentais e a sagração do
neoconstitucionalismo, passando, a seguir, pela
abordagem das diferenças não só entre regras e
princípios, mas também entre direitos humanos e
fundamentais. Enfim, expuseram-se o modelo “Dreider-
Alexi” e a concepção dworkiana de Direito como
integridade, consideradas as teorias de maior
envergadura para a solução do impasse apresentado.

3.2 PARADIGMA DO DIREITO NO PÓS-GUERRA

A noção de paradigma foi introduzida na moderna


epistemologia por Thomas S. Kuhn para descrever a
seleção, por uma comunidade científica, das questões
relevantes para uma determinada ciência. Nesse sentido,
paradigmas são “as realizações científicas
universalmente reconhecidas que, durante algum tempo,
fornecem problemas e soluções modelares para uma
comunidade de praticantes de uma ciência.”1
Por sua vez, após a hecatombe da Segunda
Guerra Mundial, durante a qual o mundo teve a
oportunidade de assistir a uma série de barbaridades
envolvendo milhares de pessoas, sentiu-se a

1
KUNH, Thomas. A estrutura das revoluções científicas. Tradução de
Beatriz Vianna Boeira e Nelson Boeira. 3. ed. São Paulo: Perspectiva,
1992, p. 13.
A retomada do constitucionalismo... 63

necessidade de se criarem mecanismos que pudessem


garantir proteção aos seres humanos.
A partir daí floresce uma terminologia no Direito
Internacional, relacionando-o aos Direitos Humanos: o
Direito Internacional dos Direitos Humanos. O moderno
Direito Internacional dos Direitos Humanos é um
fenômeno do pós-guerra.
Seu desenvolvimento pode ser atribuído às
monstruosas violações de direitos humanos da era Hitler
e à crença de que parte destas violações poderia ter sido
prevenida se um efetivo sistema de proteção
internacional dos Direitos Humanos já existisse, o que
motivou o surgimento da Organização das Nações
Unidas, em 1945.2
No ano de 1948 a Declaração Universal de
Direitos Humanos proclama direitos para todas as
pessoas independentemente de sexo, cor, raça, idioma,
religião, opinião etc.

3.3 A RETOMADA DO CONSTITUCIONALISMO E O


PÓS-POSITIVISMO

Vale frisar e citar não ser assente de dúvidas que


o marco histórico do novo direito constitucional, na
Europa continental, foi o constitucionalismo do pós-
guerra, especialmente na Alemanha e na Itália.
É possível dizer que a Lei Fundamental de Bonn
em 1949 e a instalação do Tribunal Constitucional em
1951 na Alemanha3 e, ainda, a Constituição de 1947 e a

2 BUERGENTHAL, Thomas apud PIOVESAN, Flávia. Direitos


humanos e o direito constitucional internacional. São Paulo: Max
Limonad, 1996, p. 140.
3 Segundo Peter Häberle: “A criação e o desenvolvimento de um

Tribunal Constitucional Federal são um dos aspectos mais notáveis da


cultura jurídica alemã do pós-guerra. Com o apoio da generalidade do
povo, o Tribunal de Karlsruhe é um elemento extremamente
importante na consolidação do Estado constitucional alemão, no perfil
cultural e político específico que este vem adquirindo desde o annus
64 Novos Direitos...

Corte Constitucional em 1957 na Itália4 foram os marcos


decisivos no Direito Constitucional que promoveram uma
série de transformações ocorridas no Estado e como
derradeiro uma nova forma de se interpretar a
Constituição. Ainda, é possível citar o Tribunal
Constitucional da Espanha5 e o Tribunal Constitucional
português6 como tribunais decisivos na concretização do
Direito Constitucional moderno.

mirabilis de 1989. Instrumento decisivo neste contexto é o recurso de


amparo: graças a ele, o Tribunal Constitucional converteu-se num
“tribunal de cidadãos” na verdadeira e própria acepção da palavra.”
(HÄBERLE, Peter. O recurso de amparo no sistema germânico de
justiça constitucional. Revista Direito Público, v. 1, n. 2, out./dez. 2003.
(Doutrina Estrangeira). Disponível em:
http://www.direitopublico.idp.edu.br/index.php/direitopublico/article/vie
wArticle/498. Acesso em: 29 jun. 2014).
4 Conforme lição de Tania Groppi: “Criado em 1948, o Tribunal

Constitucional de Itália conquistou um lugar insubstituível no


ordenamento e na cultura jurídicas daquele país, mas atravessa
actualmente uma fase de impasse político-constitucional, à
semelhança das demais instituições italianas. A instabilidade do
contexto político geral, juntam-se algumas dúvidas relacionadas com o
modo específico da acção do Tribunal Constitucional, designadamente
no que respeita aos tempos das suas decisões e, sobretudo, às
consequências rio plano financeiro de sentenças concretizadoras de
direitos sociais.” (GROPPI, Tania. A justiça constitucional em Itália.
Revista Sub Judice, n. 20/21, jan./jun. 2001).
5 Segundo Juan Doncel Luengo: “ O Tribunal Constitucional de

Espanha pode apresentar na sua genealogia um antecedente ilustre: o


Tribunal de Garantias Constitucionais criado em 1931. No entanto, só
com a transição para a democracia, ocorrida em grande parte graças
à Constituição de 1978 e ao Tribunal Constitucional, foi possível
consolidar uma cultura da constitucional idade. Além de um agente
concretizador de direitos dos cidadãos, tarefa que desempenha
através do instrumento do recurso de amparo, o Tribunal
Constitucional é uma importante instância de arbitragem entre o
Estado e as autonomias, contribuindo desse modo pata aliviar tensões
e garantir a unidade nacional.” (LUENGO, Juan Doncel. El modelo
español de justicia constitucional. Revista Sub Judice, n. 20/21,
jan./jun. 2001).
6
Como leciona Vital Moreira: “Portugal é um país pioneiro na
coabitação entre o «sistema americano» e o «sistema austríaco» de
justiça constitucional. Após o período de transição, onde emergiu a
A retomada do constitucionalismo... 65

Entre essas mudanças ocorridas ao longo do


século XX, destacam-se a atribuição à norma
constitucional do status de norma jurídica, a supremacia
e valorização aos direitos fundamentais e o reencontro
com a ética ou o que muitos passaram a chamar de
virada kantiana.
Importante destacar que após a Segunda Guerra
Mundial assevera-se a preocupação com os direitos
fundamentais e com a democracia, sustentáculos
maiores de uma nova forma de pensar o Direito
Constitucional de maneira a permitir um avanço dos
textos constitucionais, antes voltados ao bem-estar de um
estado intervencionista.
Isto porque ocorreu uma reaproximação entre
ética e direito, dando-se ênfase à vertente da dignidade
da pessoa humana – traduzida no postulado kantiano de
que cada homem é um fim em si mesmo –, a qual é
elevada à condição de princípio jurídico, origem e
fundamento de todos os direitos fundamentais.
Com efeito, a Constituição passa a ser um
documento normativo, centro do ordenamento jurídico.
Sua supremacia não é mais apenas formal, mas também
material e axiológica. Da mesma forma, os tribunais,
através dos juízes, passam a desempenhar um papel
protagonista, qual seja, são responsáveis por concretizar
a Constituição e os direitos fundamentais previstos em
seu texto. Lê-se o Direito a partir dos princípios e valores
constitucionais.
A respeito, é importante citar a lição de Paulo
Bonavides:

Comissão Constitucional como órgão de garantia da Constituição, a


revisão de 1982 criou o Tribunal Constitucional e, com ele, um sistema
misto de justiça constitucional que é, nos dias de hoje, praticamente
pacífico.” (MOREIRA, Vital. O Tribunal Constitucional Português: a
“fiscalização concreta” no quadro de um sistema misto de justiça
constitucional. Revista Sub Judice, n. 20/21, jan./jun. 2001).
66 Novos Direitos...

[...] O método silogístico, dedutivo, arrimado à


subsunção, cede lugar ao método axiológico e indutivo
que, com base nos princípios e nos valores, funda a
jurisdição constitucional contemporânea, volvida mais
para a compreensão do que para a razão lógica, de
sentido formal, na aplicação da lei.7

Surge, assim, uma nova dimensão no Direito


Constitucional, passando a Constituição a ser o centro e
o eixo principal do ordenamento jurídico e normativo de
cada país; fenômeno esse intitulado por muitos autores
como sendo o Neoconstitucionalismo.
Acerca do Neoconstitucionalismo, sintetiza Luís
Roberto Barroso que:

O neoconstitucionalismo ou novo direito constitucional,


na acepção aqui desenvolvida, identifica um conjunto
amplo de transformações ocorridas no Estado e no
direito constitucional, em meio às quais podem ser
assinalados, (i) como marco histórico, a formação do
Estado constitucional de direito, cuja consolidação se
deu ao longo das décadas finais do século XX; (ii)
como marco filosófico, o pós-positivismo, com a
centralidade dos direitos fundamentais e a
reaproximação entre Direito e ética; e (iii) como marco
teórico, o conjunto de mudanças que incluem a força
normativa da Constituição, a expansão da jurisdição
constitucional e o desenvolvimento de uma nova
dogmática da interpretação constitucional. Desse
conjunto de fenômenos resultou um processo extenso
e profundo de constitucionalização do Direito. 8

7 BONAVIDES, Paulo. Do Estado Liberal ao Estado Social. 7. ed. São


Paulo: Malheiros, 2002, p.140.
8 BARROSO, Luís Roberto. Neoconstitucionalismo e
constitucionalização do Direito: o triunfo tardio do direito constitucional
no Brasil. Revista Jus Navigandi, Teresina, ano 10, n. 851, 1 nov.
2005. Disponível em: http://jus.com.br/artigos/7547. Acesso em: 13 de
maio de 2014.
A retomada do constitucionalismo... 67

Portanto, não se pode olvidar, que toda e qualquer


norma jurídica - não só as leis, mas a sua concretização,
a jurisprudência - deve condicionar-se à sobre-
interpretação dos princípios jurídicos fundamentais
elencados na Constituição e, com fundamento em tal
contexto, a dignidade da pessoa humana torna-se núcleo
axiológico para a tutela jurídica. É importante deixar
explícito que o conceito de Neoconstitucionalismo é
apresentado de diversas formas, nem sempre de forma
uniforme, mas frisando-se a supremacia da Constituição
e o respeito aos Direitos Fundamentais da pessoa
humana.
Aqui, neste momento, vale ressaltar que a figura
do intérprete ganha especial destaque e relevo. Isto
porque, no sistema de interpretação tradicional, sempre
que o Magistrado realizar um trabalho de interpretação,
deve ter por ponto de partida duas premissas: a) as
normas devem apresentar em seu plano abstrato a
solução para todas as equações jurídicas; e b) o juiz tem
por função identificar, no ordenamento jurídico, a norma
aplicável à equação a ser resolvida, para, que, assim,
encontre a solução para o problema.
Assim sendo, o juiz tem por papel apenas realizar
um silogismo aristotélico, em que a norma é a premissa
maior e o fato jurídico é a premissa menor, sendo a
conclusão a sentença, ocorrendo, então, o que se chama
de subsunção.
A visão do Direito Constitucional, como dito,
notadamente após a Segunda Guerra Mundial, evoluiu
com a percepção de que a norma jurídica abstrata nem
sempre pode dar a solução aos problemas jurídicos.
Para solucioná-los, é necessário individualizar o
problema, verificando-se quais são seus elementos de
fato. Essa análise é realizada pelo juiz, intérprete,
abstraindo-se da função eminentemente técnica da
subsunção, ou seja, deixando de desempenhar uma
atividade de mero conhecimento, isto é, sem envolver
68 Novos Direitos...

qualquer parcela de criação do Direito para o caso


concreto, para atuar de forma mais decisiva.
Em outros termos, o Juiz terá de valorar o sentido
para as cláusulas abertas e realizar escolhas entre
soluções possíveis, ou seja, passará a ser coparticipante
do processo de criação do Direito.
O marco filosófico desta nova vertente é marcado
pela superação da filosofia jurídica positivista,
denominada de pós-positivismo sendo que neste sentido
é impossível deixar de citar os ensinamentos de Barroso:

O pós-positivismo busca ir além da legalidade estrita,


mas não despreza o direito posto; procura empreender
uma leitura moral do Direito, mas sem recorrer a
categorias metafísicas. A interpretação e aplicação do
ordenamento jurídico hão de ser inspiradas por uma
teoria de justiça, mas não podem comportar
voluntarismos ou personalismos, sobretudo os
judiciais.9

Assim sendo, identificamos o sistema de


interpretação atual pelas seguintes pré-disposições: a) a
norma nem sempre dá a solução aos problemas jurídicos
e b) o juiz é coparticipante do processo de criação do
direito, completando o trabalho do legislador, ao fazer
valoração de sentido para as cláusulas abertas e ao
realizar escolhas entre soluções possíveis.
Neste sentido, vale citar a lição de Luís Roberto
Barroso e Ana Paula de Barcellos:

A grande virada na interpretação constitucional se deu


a partir da difusão de uma constatação que, além de
singela, sequer era original: não é verdadeira a crença
de que as normas jurídicas em geral – e as normas
constitucionais em particular – tragam sempre em si um
sentido único, objetivo, válido para todas as situações
sobre as que incidem. [...] O relato da norma, muitas

9 Ibid.
A retomada do constitucionalismo... 69

vezes, demarca apenas uma moldura dentro da qual se


desenham diferentes possibilidades interpretativas. 10

Em tom antagônico, vale citar Elival da Silva


Ramos que, de forma enfática, afirma não só que o
neoconstitucionalismo nada mais representa do que um
“modismo intelectual”, afirmando que os
neoconstitucionalistas brasileiros são, em verdade,
antipositivistas (e não pós-positivistas).11

3.4 DIFERENÇAS ENTRE REGRAS E PRINCÍPIOS E A


VISÃO DE ROBERT ALEXY

Nas palavras de Barroso, a “dogmática moderna


avaliza o entendimento de que as normas em geral, e as
normas constitucionais em particular, enquadram-se em
duas grandes categorias diversas: os princípios e as
regras”.12
Por sua vez, Humberto Ávila leciona que “Normas
não são textos nem o conjunto deles, mas os sentidos
construídos a partir da interpretação sistemática de textos

10 BARROSO, Luís Roberto; BARCELLOS, Ana Paula. O começo da


história. A nova interpretação constitucional e o papel dos princípios
no direito brasileiro. In: BARROSO, Luís Roberto (Org.). A nova
interpretação constitucional: ponderação, direitos fundamentais e
relações privadas. Rio de Janeiro: Renovar, 2003, p. 331-332.
11 RAMOS, Elival da Silva. Ativismo judicial: parâmetros dogmáticos.

São Paulo: Saraiva, 2010, p. 281.


12 BARROSO, Luís Roberto. Fundamentos teóricos e filosóficos do

novo direito constitucional brasileiro: pós-modernidade, teoria crítica e


pós-positivismo. In: ______. (Org). A nova interpretação constitucional:
ponderação, direitos fundamentais e relações privadas. Rio de
Janeiro: Renovar, 2003. Ainda, apresenta a seguinte distinção entre
regras e princípios: “Normalmente, as regras contêm relato mais
objetivo, com incidência restrita às situações específicas às quais se
dirigem. Já os princípios têm maior teor de abstração e incidem sobre
uma pluralidade de situações. Inexiste hierarquia entre ambas as
categorias, à vista do princípio da unidade da Constituição”.
70 Novos Direitos...

normativos.”13 Ainda, o Professor Tércio Sampaio Ferraz


Jr. a elas se refere, dizendo:

Normas jurídicas são discursos heterológicos,


decisórios, estruturalmente ambíguos, que instauram
uma meta-complementariedade entre orador e ouvinte
e que, tendo por quaestio um conflito decisório, o
solucionam na medida em que lhe põe um fim.14

A partir da definição e da conceituação de normas


surge uma nova tarefa, qual seja, apresentar traços
distintivos entre princípios e regras e aqui como
fundamentalmente leciona o Professor Henrique
Garbellini Carnio:

Distinguir, estruturalmente, regras de princípios


representa uma operação de classificação normativa
que se movimenta num nível puramente semântico (em
abstrato), que não problematiza, radicalmente, o
problema da interpretação num nível pragmático-
existencial (interpretative) (hermenêutico, poderíamos
dizer).15

Seguindo estes parâmetros, ainda segundo o


Professor Henrique Garbellini Carnio, e tendo por
fundamento Robert Alexy, o ponto decisivo para a
distinção entre regras e princípios reside no fato de que
os princípios são mandados de otimização, isso porque
os princípios podem ser equiparados a valores, e as
regras tem caráter de mandados de definição.
Como mandados de otimização os princípios
ordenam que algo seja realizado na maior medida

13 ÁVILA, Humberto. Teoria dos princípios: da definição à aplicação


dos princípios jurídicos. 4. ed. São Paulo: Malheiros, 2004, p. 22.
14 FERRAZ JR., Tercio Sampaio. Teoria da norma jurídica. 2. ed. Rio

de Janeiro: Forense, 1986.


15
ABBOUD, Georges et. al. Introdução à teoria e à filosofia do direito.
2. ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2014, p.
336.
A retomada do constitucionalismo... 71

possível, desde que respeitadas as possibilidades e os


limites fáticos e jurídicos.

Se dois princípios colidem - o que ocorre, por exemplo,


quando algo é proibido de acordo com um princípio e,
de acordo com o outro, permitido -, um dos princípios
terá de ceder. Isso não significa, contudo, nem que o
princípio cedente deva ser declarado inválido, nem que
nele deverá ser introduzida uma cláusula de exceção.
Na verdade, o que ocorre é que um dos princípios tem
precedência em face de outro sob determinadas
condições. Sob outras condições a questão da
precedência pode ser resolvida de forma oposta.16

Importante salientar que a noção de Alexy sobre a


precedência condicionada se liga ao fato de considerar
que diante do caso concreto os princípios possuem pesos
diferentes e que aquele que tiver o maior peso deve
prevalecer. Por sua vez, a respeito da ponderação, vale
citar a lição de Marmelstein:

A ponderação é uma técnica de decisão empregada


para solucionar conflitos normativos que envolvam
valores ou opções políticas, em relação aos quais as
técnicas tradicionais de hermenêutica não se mostram
suficientes. É justamente o que ocorre com a colisão de
normas constitucionais, pois, nesse caso, não se pode
adotar nem o critério hierárquico, nem o cronológico,
nem a especialidade para resolver uma antinomia de
valores.17

Por sua vez, as regras são normas que sempre


são satisfeitas ou não, inexistindo a possibilidade de
satisfazer a ordem emanada das regras em diferentes

16 ALEXY, Robert. Teoria dos direitos fundamentais. São Paulo:


Malheiros, 2008.
17 MARMELSTEIN, George. Curso de direitos fundamentais. São

Paulo: Atlas, 2008, p. 386.


72 Novos Direitos...

graus, como acontece com os princípios, mas sua


aplicação é uma questão de tudo ou nada. Portanto,
Alexy determina a subsunção como a forma característica
de aplicação do direito que as regras realizam.18
Ainda, existindo conflitos entre as regras, o
conflito entre elas se resolve no campo da validade, pois
se uma regra é válida ela deve ser aplicada ao caso
concreto, valendo, dessa forma, também suas
consequências jurídicas, pois estão contidas dentro do
ordenamento jurídico.
Entretanto, se ambas as regras forem válidas, a
aplicação dos dois diferentes dispositivos jurídicos
conduz a resultados incompatíveis entre si. Segundo
Robert Alexy, pode-se afirmar que um conflito entre
regras somente pode ser resolvido se for introduzida uma
cláusula de exceção em uma das regras conflitantes, na
intenção de remover o conflito.19

Se a aplicação de duas regras juridicamente válidas


conduz a juízos concretos de dever-ser reciprocamente
contraditórios, não restando possível a eliminação do
conflito pela introdução de uma cláusula de exceção,
pelo menos uma das regras deverá ser declarada
inválida e expurgada do sistema normativo, como meio
de preservação do ordenamento.20

Por fim, Humberto Ávila apresenta sua definição


nos seguintes termos:

Enquanto as regras são normas imediatamente


descritivas, na medida em que estabelecem
obrigações, permissões e proibições mediante a

18 ABBOUD, Georges et. al., op. cit., p. 336.


19 ALEXY, Robert, op. cit, p. 88.
20 CRISTÓVAM, José Sérgio da Silva. A resolução das colisões entre

princípios constitucionais. Revista Jus Navigandi, Teresina, ano 8, n.


62, 1 fev. 2003. Disponível em: http://jus.com.br/artigos/3682. Acesso
em: 13 maio 2015.
A retomada do constitucionalismo... 73

descrição da conduta a ser adotada, os princípios são


normas imediatamente finalísticas, já que estabelecem
um estado de coisas para cuja realização é necessária
a adoção de determinados comportamentos (normas-
do-que-fazer). Os princípios são normas cuja finalidade
frontal é, justamente, a determinação da realização de
um fim juridicamente relevante (normas-do-que-deve-
ser), ao passo que a característica dianteira das regras
é a previsão do comportamento.21

Entretanto, de fundamental importância é


apresentar as diferenças apontadas entre Dwornkin e
Robert Alexy, que se faz a seguir.

3.4.1 Diferença entre princípios e regras para


Dwornkin

Afirma Ávila que Ronald Dworkin realizou um


"ataque geral contra o positivismo", pois, em sua visão,
os positivistas consideram, de maneira equivocada, o
direito como um sistema composto exclusivamente de
regras, ignorando os princípios.22
Para Dworkin, nos ensinamentos de Ávila, as
regras são aplicadas ao modo tudo ou nada, no sentido
de que, se a hipótese de incidência de uma regra é
preenchida, ou é a regra válida e a consequência
normativa deve ser aceita, ou ela não é considerada
válida:

Havendo colisão entre as regras, uma delas deve ser


considerada inválida. Os princípios, ao contrário, não
determinam absolutamente a decisão, mas somente
contêm fundamentos, os quais devem ser conjugados
com outros fundamentos provenientes de outros
princípios.23

21
ÁVILA, Humberto, op. cit., p. 64.
22 Ibid., p. 36.
23 Ibid., loc. cit.
74 Novos Direitos...

Desse ponto, evidencia-se que os princípios,


contrariando as regras, possuem uma dimensão de peso
(dimension of weight), verificável na hipótese de colisão
entre os princípios, caso em que o princípio com peso
relativo maior se sobrepõe ao outro, sem que este perca
sua validade.

Quando princípios concorrem entre si (a política de


proteção dos consumidores de automóvel concorrendo
com princípio de liberdade de contratar, por exemplo),
aquele a quem incumbe resolver o conflito deve tomar
em consideração o peso relativo de ambos. Não se
pode ter aqui uma mensuração exata, e o juízo de que
um princípio ou política particular é mais importante
que outra será frequentemente uma decisão
controversa. Não obstante, é um constituinte da noção
de princípio que ele tenha essa dimensão, que seja
relevante perguntar o quão importante ou qual peso ele
possui.24

Nesse sentido, a diferenciação realizada por


Dworkin não consiste numa distinção de grau, e sim
numa diferenciação em relação a estrutura lógica,
embasada em critérios classificatórios, em vez de
comparativos como fez Robert Alexy
A diferenciação proposta por Dworkin difere das
outras porque tem base, mais fortemente, na forma de
aplicação e no relacionamento normativo, estremando as
duas espécies normativas, conforme ensinamento de
Ávila.
Portanto, segundo Dworkin, as regras são
aplicáveis à maneira de disjuntivas, ou como ele
denomina, “tudo ou nada” – all-or-nothing – de maneira
que dado os fatos que uma regra estipula, ou ela é válida,
e neste caso a resposta que fornece deve ser aceita ou,

24 Apud ÁVILA, Humberto, op. cit.


A retomada do constitucionalismo... 75

então, não é válida, e neste caso em nada contribui para


a decisão.25

3.5 DIFERENÇAS ENTRE DIREITOS FUNDAMENTAIS


E DIREITOS HUMANOS

Primeiramente, a relevância do estudo dos direitos


humanos e dos direitos fundamentais reside no fato de
que ambos protegem a pessoa humana e, por sua vez, a
civilização humana. Desde os seus primórdios até a
época atual percorreu um longo caminho, passando por
inúmeras transformações, sejam elas sociais, políticas,
religiosas ou econômicas.
Assim, não é possível compreender os direitos
humanos e os direitos fundamentais sem relacioná-los à
história, pois esses não surgem como uma revelação,
como uma descoberta repentina de uma sociedade, de
um grupo ou de indivíduos, mas, sim, foram construídos
ao longo dos anos, frutos não apenas de pesquisa
acadêmica, de bases teóricas, mas principalmente das
lutas contra o poder. Nesse sentido, Norberto Bobbio
afirma que:

Os direitos do homem, por mais fundamentais que


sejam, são direitos históricos, ou seja, nascidos em
certas circunstâncias, caracterizados por lutas em
defesa de novas liberdades contra velhos poderes, e
nascidos de modo gradual, não todos de uma vez e
nem de uma vez por todas.26

Pode-se afirmar que os direitos essenciais à


pessoa humana nascem das lutas contra o poder, das
lutas contra a opressão, das lutas contra o desmando,

25 DWORKIN, Ronald. Levando os direitos a sério. Tradução de


Nelson Boeira. São Paulo: Martins Fontes, 2002, p. 36.
26 BOBBIO, Norberto. A era dos direitos. 1 ed. 12. tir. Rio de Janeiro:

Campus, 1992, p. 5.
76 Novos Direitos...

gradualmente. Isto é, não nascem todos de uma vez, mas


sim quando as condições lhes são propícias, quando se
passa a reconhecer a sua necessidade para assegurar a
cada indivíduo e a sociedade uma existência digna
Por sua vez, embora alguns autores entendam
que as expressões “direitos humanos” e “direitos
fundamentais” sejam sinônimas, parte da doutrina
entende que existem entre elas algumas diferenças,
sendo necessário conceituar cada uma delas para então
chegar-se às suas diferenças.
Assim, primeiramente, um conceito de direitos
humanos deve reconhecer sua dimensão histórica. Deve
reconhecer o fato de que eles não foram revelados para a
humanidade em um momento de luz, mas sim que foram
construídos ao longo da história humana, através das
evoluções, das modificações na realidade social, na
realidade política, na realidade industrial, na realidade
econômica, enfim em todos os campos da atuação
humana. Partindo dessa visão, vale citar Perez Luño:

Los derechos humanos aparecen como un


conjunto de facultades e instituciones que, en
cada momento histórico, concretan las exigencias
de la dignidad, la libertad y la igualdad humana,
las cuales deben ser reconocidas positivamente
por los ordenamientos jurídicos a nivel nacional e
internacional.27

Portanto, embora os direitos humanos sejam


inerentes à própria condição humana, seu
reconhecimento e sua proteção são frutos de todo um
processo histórico de luta contra o poder e de busca de
um sentido para a humanidade. Quanto aos direitos
fundamentais, estes nascem a partir do processo de
positivação dos direitos humanos, a partir do

27LUÑO, Antonio Enrique Pérez Luño. Derechos humanos, estado de


derecho y constitucion. 6 ed. Madrid: Tecnos, 1999, p.48.
A retomada do constitucionalismo... 77

reconhecimento, pelas legislações positivas, como


direitos inerentes à pessoa humana.
Nesse sentido, José Joaquim Gomes Canotilho:

As expressões direitos do homem e direitos


fundamentais são frequentemente utilizadas como
sinônimas. Segundo a sua origem e significado
poderíamos distingui-las da seguinte maneira: direitos
do homem são direitos válidos para todos os povos e
em todos os tempos; direitos fundamentais são os
direitos do homem, jurídico-institucionalmente
garantidos e limitados espacio-temporalmente. Os
direitos do homem arrancariam da própria natureza
humana e daí o seu caráter inviolável, intertemporal e
universal; os direitos fundamentais seriam os direitos
objetivamente vigentes numa ordem jurídica concreta.28

Em apertada síntese, os direitos humanos são


aquelas garantias inerentes à existência da pessoa,
albergados como verdadeiros para todos os Estados e
positivados nos diversos instrumentos de Direito
Internacional:

O termo direitos humanos tem um alcance mais amplo,


sendo empregado, de um modo geral, para fazer
referência aos direitos do homem reconhecidos na
esfera internacional, sendo também entendidos como
exigências éticas que demandam positivação, ou seja,
como um ‘conjunto de faculdades e instituições que,
em cada momento histórico, concretizam as exigências
da dignidade, da liberdade e da igualdade, as quais
devem ser reconhecidas positivamente pelos
ordenamentos jurídicos em nível nacional e
internacional’.29

28
CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito constitucional e teoria
da constituição. 3 ed. Coimbra: Almedina, 1998, p. 259.
29 LUÑO, Antonio Enrique Perez, op. cit., p. 48.
78 Novos Direitos...

Assim sendo, os direitos fundamentais são


constituídos por regras e princípios, positivados
constitucionalmente, cujo rol não está limitado aos dos
direitos humanos, que visam garantir a existência digna
(ainda que minimamente) da pessoa, tendo sua eficácia
assegurada pelos tribunais internos.

3.6 O DIREITO COMO INTEGRIDADE EM RONALD


DWORKIN

Ao longo da obra de Ronald Dworkin, é notório o


seu foco hermenêutico, destacando-se entre suas ideias
a que corresponde à definição de princípios jurídicos, à
forma de resolução de casos difíceis, o alcance e o
conteúdo do direito e, mormente, a teoria da integridade e
do direito como integridade. Com relação a integridade,
apesar de inverter a cronologia de sua produção, a base
de sua teoria é plasmada em “O Império do Direito”30.
Todavia, alguns pontos somente propiciam o
ápice de entendimento quando se retorna a “Uma
questão de Princípio”31, de forma que ambas as obras
são essenciais para a redação mais elementar sobre a
integridade em seus principais aspectos.
De início, saliente-se que Dworkin identifica, na
teoria política, três virtudes que devem ser levadas em
conta: a equidade, a justiça e o devido processo legal
adjetivo. A primeira delas, qual seja, a equidade,
constituiria em “uma questão de encontrar os
procedimentos [...] que distribuem o poder político da
maneira adequada”, isto é, permitindo que os cidadãos
tenham a mesma influência sobre as decisões que os
governam.32

30 DWORKIN, Ronald. O império do direito. Tradução de Jefferson


Ruiz Camargo. 2. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2007.
31
Idem. Uma questão de princípio. Tradução de Luís Carlos Borges.
2. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2005.
32 Idem, 2007, p. 200.
A retomada do constitucionalismo... 79

A justiça, por sua vez, preocupa-se com a


substância das decisões, significando, para Dworkin, uma
preocupação de que “nossos legisladores e outras
autoridades distribuam recursos materiais e protejam as
liberdades civis de modo a garantir um resultado
moralmente justificável”.
O devido processo legal adjetivo prescreve o
respeito a certos procedimentos pré-definidos para o
julgamento de qualquer cidadão, ou seja, “queremos que
os tribunais e instituições análogas usem procedimentos
de prova, de descoberta e de revisão que proporcionem
um justo grau de exatidão, e que, por outro lado, tratem
as pessoas acusadas de violação como devem ser
tratadas as pessoas em tal situação”.33
Para Dworkin, no entanto, há ainda outro ideal
mais importante, muitas vezes confundido com o princípio
de tratar os casos semelhantes de forma parecida.
Entretanto, esse ideal que ele propõe não se resume ao
princípio de igualdade, sendo mais complexo e
ambicioso. É justamente a essa concepção ideal a que
dará o nome de “integridade”. Nessa toada, conforme
bem expõe o Professor Henrique Garbelini Carnio:

[...] uma decisão judicial estará justificada não apenas


quando respeite a equidade dos procedimentos, senão
quando respeita a coerência de princípios que
compõem a integridade moral da comunidade34

A integridade é, por definição, uma questão de


princípio. Assim, na concepção do direito como
integridade, “as proposições jurídicas são verdadeiras se
constam, ou se derivam, dos princípios de justiça,
eqüidade e devido processo legal que oferecem a melhor
interpretação construtiva da prática jurídica da

33 Ibid., p. 200-201.
34 ABBOUD, Georges, op. cit., p. 436.
80 Novos Direitos...

comunidade”35, ou seja, se refere ao compromisso de que


o governo aja de modo coerente e fundamentado em
princípios com todos os seus cidadãos, a fim de estender
a cada um os padrões fundamentais de justiça e
equidade.
O que se pretende, na visão do direito como
integridade, é garantir uma coerência de princípio, isto é,
identificar quais princípios justificam as leis e os
precedentes do passado. Essa coerência de princípios
passa a ser uma fonte de direitos.
A coerência de princípios permite que os cidadãos
tenham direitos não declarados explicitamente na
legislação e nos precedentes, mas apenas implicitamente
reconhecidos através de princípios que justificam essas
decisões políticas do passado. Vale dizer que:

[...] o direito como integridade supõe que as pessoas


têm direitos – direitos que decorrem de decisões
anteriores de instituições políticas, e que, portanto,
autorizam a coerção – que extrapolam a extensão
explícita das práticas políticas concebidas como
convenções. O direito como completude supõe que as
pessoas têm direito a uma extensão coerente, e
fundada em princípios, das decisões políticas do
passado, mesmo quando os juízes divergem
profundamente sobre seu significado.36

Portanto, no direito como integridade, as pessoas


têm todos os direitos que possam derivar, explícita ou
implicitamente, dos princípios que proporcionam a melhor
justificativa da prática jurídica com um todo.

35 DWORKIN, Ronald, 2007, p. 272.


36 Ibid., p. 164.
A retomada do constitucionalismo... 81

3.7 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Superado o positivismo, inaugurou-se novo


período em que Direito e ética se reencontraram;
reencontro esse que se tornou imperativo para a
humanidade após as atrocidades cometidas pelo regime
nazista no século XX.
Nessa toada, como forma de consolidar os direitos
humanos – de amplitude internacional –, os Estados
soberanos iniciaram processo de positivação, em suas
constituições, desses direitos – os quais passaram a ser
identificados como direitos fundamentais –, conferindo,
assim, fôlego ao fenômeno que viria a ser conhecido
como neoconstitucionalismo. Nesse contexto, a aplicação
(e efetivação) dos direitos fundamentais – mormente, da
dignidade humana –, tornou-se ordem primeira dentro
dos ordenamentos.
Porém, para que se concretizasse essa
prioridade, houve a necessidade de se desenvolverem os
estudos a respeito da norma jurídica, principalmente no
tocante aos princípios (“mandados de otimização”), para
que os mesmos pudessem ser assimilados como fonte
argumentativa às decisões judiciais.
Mais ainda, para a efetivação dos direitos
fundamentais, remanescia a necessidade de se superar
os velhos paradigmas decisórios. Nesse sentido,
exsurgiram propostas como a dogmática tridimensional
de Ralf Dreider e Robert Alexy, a qual se propõe como
fundamento majoritário do saber jurídico e pode ser vista
como disciplina prática orientada pela perspectiva do juiz,
ou seja, pela preocupação com o problema de solucionar
casos concretos.
Com o mesmo escopo de validar os direitos
humanos constitucionalmente atribuídos, pode-se arrolar,
enfim, como uma das propostas teóricas de maior
envergadura, a visão do Direito como integridade, de
Ronald Dworkin. Sob esse prisma de integridade, as
82 Novos Direitos...

virtudes da justiça, da equidade e do devido processo


legal devem ser observadas pelo juiz, o qual, assim,
acabará por tutelar os direitos sagrados como
fundamentais ao ser humano.

3.8 REFERÊNCIAS

ABBOUD, Georges et. al. Introdução à teoria e à filosofia


do direito. 2. ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: Revista
dos Tribunais, 2014.

ALEXY, Robert. Teoria dos direitos fundamentais. São


Paulo: Malheiros, 2008.

ÁVILA, Humberto. Teoria dos princípios: da definição à


aplicação dos princípios jurídicos. 4. ed. São Paulo:
Malheiros, 2004.

BARROSO, Luís Roberto; BARCELLOS, Ana Paula. O


começo da história. A nova interpretação constitucional e
o papel dos princípios no direito brasileiro. In: BARROSO,
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______. Fundamentos teóricos e filosóficos do novo


direito constitucional brasileiro: pós-modernidade, teoria
crítica e pós-positivismo. In: ______. (Org). A nova
interpretação constitucional: ponderação, direitos
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2005. Disponível em: http://jus.com.br/artigos/7547.
Acesso em: 13 de maio de 2014.
A retomada do constitucionalismo... 83

BOBBIO, Norberto. A era dos direitos. 1 ed. 12. tir. Rio de


Janeiro: Campus, 1992.

BONAVIDES, Paulo. Do Estado Liberal ao Estado Social.


7. ed. São Paulo: Malheiros, 2002.

CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito


constitucional e teoria da constituição. 3 ed. Coimbra:
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CRISTÓVAM, José Sérgio da Silva. A resolução das


colisões entre princípios constitucionais. Revista Jus
Navigandi, Teresina, ano 8, n. 62, 1 fev. 2003. Disponível
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2015.

DWORKIN, Ronald. Levando os direitos a sério.


Tradução de Nelson Boeira. São Paulo: Martins Fontes,
2002.

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Camargo. 2. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2007.

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Carlos Borges. 2. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2005.

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Disponível em:
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84 Novos Direitos...

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2001

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1999.

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MOREIRA, Vital. O Tribunal Constitucional Português: a


“fiscalização concreta” no quadro de um sistema misto de
justiça constitucional. Revista Sub Judice, n. 20/21,
jan./jun. 2001

PIOVESAN, Flávia. Direitos humanos e o direito


constitucional internacional. São Paulo: Max Limonad,
1996.

RAMOS, Elival da Silva. Ativismo judicial: parâmetros


dogmáticos. São Paulo: Saraiva, 2010.
- IV -

DA DURAÇÃO RAZOÁVEL DO PROCESSO


À LUZ DO NOVO CPC

Andryelle Vanessa Camilo Pomin


Sergio Atilio Thom Zago

4.1 INTRODUÇÃO

A prestação jurisdicional no Brasil está longe de


cumprir com os prazos dos imperativos normativos
constantes do ordenamento jurídico vigente. Assim, o
jurisdicionado é uníssono em questionar a eficiência na
prestação do Estado em tempo adequado, quando da
postulação ao Poder Judiciário.
Para compreender o tema objeto de estudo, a
abordagem terá início analisando os ensinamentos de
autores contratualistas com o escopo de compreender
porque o homem transferiu sua liberdade natural a um
ente comum, que por convenção, está apto a responder
as demandas dos indivíduos litigantes.
Adiante, serão analisadas as normas constantes
na Constituição Federal que influenciam de maneira
incisiva o processo civil e o próprio trâmite processual,
bem como as disposições trazidas pelo novo Código de
Processo Civil (CPC) quanto ao tema.

 Mestre em Ciências Jurídicas. Professora dos cursos de graduação


em Direito da UniCesumar e da UEM. Pesquisadora do CNPQ em
Novos Direitos e Direitos Especiais. Advogada militante. Endereço
Eletrônico: <andryellecamilo@gmail.com>.

Pós-graduado em Direito pela Escola da Magistratura do Paraná.
Pesquisador do CNPQ em Novos Direitos e Direitos Especiais.
Advogado militante. Endereço Eletrônico: <zag0@hotmail.com>.
86 Novos Direitos...

Por fim, será também examinado o fundamento


constitucional da dignidade da pessoa humana que
engloba, entre outros direitos, um processo de duração
razoável, já que a sua violação implica em sofrimento do
indivíduo que padece pela intempestividade da resposta
jurisdicional.

4.2 DO CONTRATO SOCIAL E DA FUNÇÃO DA


JURISDIÇÃO

A sociedade humana nem sempre foi ordenada da


forma atual. Inicialmente, os primeiros agrupamentos
humanos eram destituídos de qualquer organização e,
posteriormente, a sociedade passou a se sistematizar
pelos laços sanguíneos, com a instituição do patriarcado.
Antes da formação do Estado, o homem tinha
seus direitos primitivos, bem como se valia da força para
garantir suas vontades e sua liberdade, o que se
constituía em ameaça à sua própria existência. Assim, foi
necessário encontrar um limitador que ao mesmo tempo
garantisse a sobrevivência, a ordem na convivência
destes indivíduos comuns e contemporâneos, e, ainda, a
própria liberdade dos mesmos.
Para justificar este acontecimento fora criada a
teoria do “Contrato Social”, em que cada associado, cede
a sua liberdade natural em favor da liberdade jurídica,
contudo, sem abdicar de seus direitos já que a cessão é
ato uniforme entre seus integrantes.
É a soberania gerada da união dos indivíduos
quem legitima os atos do Estado, tendo em vista que esta
mesma soberania é inalienável, e tal pacto social uma
vez materializado em corpo político, deverá ser
respeitado por meio das leis, emanando, assim, o papel
essencial da legislação.
Ao longo dos séculos de desenvolvimento da
sociedade a autodefesa foi suprimida pela função do
Estado em resolver celeumas entre os seus integrantes.
Da duração razoável do processo... 87

É evidente que nenhum indivíduo é um bom juiz em


causa própria, portanto, imprescindível se legitimar a
ação e intervenção do Estado para alcance de uma
resposta justa face aos conflitos existentes.
Neste contexto, há que se abordar um dos
aspectos fundamentais deste estudo, e peça fundamental
do Estado, o Poder Judiciário: este é responsável por
conservar e fazer aplicar as leis, e, ainda, em manter a
ordem nos casos de conflitos entre os integrantes do
Estado, estabelecendo um equilíbrio entre as partes
litigantes.

4.3 DA CONSTITUCIONALIZAÇÃO DO PROCESSO


CIVIL

A constituição de um país é sua base normativa e,


para garantir a ordem e justiça dentro do Estado, este
próprio deve se estruturar de modo a garantir as
prerrogativas do Poder Judiciário, posto que um processo
estruturado irá garantir a adequada aplicação da lei e, por
consequência, a justiça ideal, seja encerrando conflitos
ou prevenindo-os.
Deste modo, não é mera coincidência que cada
ordenamento jurídico, em suas Constituições, sempre
traga normas de direito processual e princípios que
assegurem o devido processo legal.
Contudo, mesmo diante de regras explícitas, é
uníssona a voz do jurisdicionado a respeito da
incredulidade de se acionar o Judiciário e alcançar uma
resposta satisfatória em tempo hábil e justo. É notória a
intempestividade prestação jurisdicional pátria, e isso se
dá por diversos motivos.
Aproveitando-se do cenário jurídico e social em
que se discute a morosidade da prestação jurisdicional, é
conveniente que seja feita uma análise das normas
vigentes em cotejo com o novo CPC.
88 Novos Direitos...

No final de setembro de 2009, foi nomeada e


presidida pelo Ministro Luiz Fux a comissão de juristas
encarregada por elaborar o novo CPC com o intuito de
trazer simplicidade processual, celeridade e efetividade,
além de estimular a inovação e à modernização de
procedimentos, sempre em consonância com o devido
processo legal.
Um sistema processual civil que não proporcione
à sociedade o reconhecimento e a realização dos seus
direitos, ameaçados ou violados não se harmoniza com
as garantias constitucionais de um Estado Democrático
de Direito.
Sendo ineficiente o sistema processual, todo o
ordenamento jurídico passa a carecer de real efetividade,
transformando as normas de direito material em ilusão,
sem a garantia de sua realização no mundo empírico.
Essencial que se faça menção a concreta satisfação,
pois, o processo civil é instrumento, que deve ser idôneo
para o reconhecimento e a adequada concretização de
direitos.
Em 16 de março de 2015 foi sancionada a Lei n.
13.105/2015, o novo CPC que conforme a proposta
busca alcançar o binômio “celeridade-efetividade”.
Todavia, é de se questionar sua efetividade, tendo em
vista que o judiciário esteja tão engessado e vinculado a
preceitos anacrônicos e disfuncionais, tão insuficientes e
incapazes de trazer as mudanças almejadas pela
sociedade.

4.4 DA DURAÇÃO RAZOÁVEL DO PROCESSO

No que tange a construção histórica da garantia à


duração razoável do processo, não há como se afirmar
com certeza como era exercido o Direito nos primórdios
da vida em sociedade que não se utilizavam da escrita.
Deste modo, tornam-se inconclusivos os
Da duração razoável do processo... 89

questionamentos a respeito da existência ou não de um


processo tempestivo naquela época.
Neste contexto Dimas Ferreira Lopes discorre
acerca do tema:

As antigas civilizações: Babilônia, Egito, Grécia, Índia e


Palestina (hebreus), nenhuma delas, com a clareza
romana, fixou limites temporais para a solução das
demandas. Isto não significa que não fossem céleres
os julgamentos. A tradição oral e escrita dá conta de
muito expeditismo na solução das controvérsias
solvidas pelos reis, sacerdotes ou seus prepostos na
antiguidade histórica da humanidade.1

Em Roma, no art. 45 do Código de Justiniano,


pode-se embasar a afirmação de que o Direito Romano já
possuía uma garantia razoável para a solução das
celeumas havidas.
Em 15 de junho de 1215, na Inglaterra, o Rei
João, também conhecido como “Sem Terra”, assinou a
Magna Carta das Liberdades, que dispunha em seu art.
40 sobre o direito dos lordes ingleses a um processo
rápido. Apesar de não citar expressamente, este artigo
dispunha diretamente sobre a proibição de uma
prestação jurisdicional demorada. Aqui, tem-se a primeira
semente que, posteriormente, germinaria expandindo a
necessidade de uma célere atividade jurisdicional.
Nos Estados Unidos da América, com a
promulgação da 6ª emenda no ano de 1971, sua
Constituição passou a exigência de um processo
tempestivo. Este instituto ficou conhecido como a
cláusula do julgamento rápido ou “speedy trial clause”.

1 LOPES, Dimas Ferreira. Celeridade do processo como garantia


constitucional – estudo histórico-comparativo: constituições brasileira e
espanhola In: FIUZA, César (Org.). Direito Processual na história. Belo
Horizonte: Mandamentos, 2002, p. 288.
90 Novos Direitos...

Frederico Koelher explica: “O instituto da “speedy


trial clause” (cláusula do julgamento rápido) foi
incorporado também ao ordenamento jurídico da nova
nação que surgia, tendo sido expressamente
contemplado na 6ª Emenda à Constituição dos Estados
Unidos.”2
Disposições nesse sentido podem ser
encontradas, por exemplo, no Pacto Internacional de
Direitos Civis e Políticos aprovado pela Assembleia Geral
da ONU em 1966 (arts. 9.3 e 14.3, alínea “c”); a Carta
Africana de Direitos Humanos (art. 7.1, alínea “c”); a
Constituição Espanhola (art. 24.2); a Constituição
Portuguesa (art. 20.4); e, por fim, a Convenção Europeia
para Salvaguarda dos Direitos do Homem e das
Liberdades Fundamentais (art. 6, §1º).
Mais recentemente, a Convenção Americana de
Direitos Humanos assinada em novembro de 1966, já
trazia o direito a um processo de duração razoável. Após,
o Decreto nº 678 de 1992, mais conhecido como Pacto
San José da Costa Rica, também trouxe em seu bojo
esta garantia ao cidadão brasileiro.
Após 800 anos, o Brasil acabou por reconhecer,
de forma constitucional, este mesmo direito fundamental
aos seus cidadãos. A Emenda Constitucional n. 45/2004
introduziu no art. 5º, inc. LXXVIII, a garantia fundamental
à duração razoável do processo, tanto na esfera jurídica
como também na administrativa.
Esta alteração implicou na ampliação do rol de
direitos fundamentais, entendidos como o alicerce do
Estado. Preservam uma conotação política, ao passo que
informam a concepção e ideologia de cada Estado, com a
afirmação de prerrogativas e institutos inerentes à
convivência digna dos indivíduos em sociedade,3 mas,

2 KOEHLER, Frederico Augusto Leopoldino. A Razoável Duração do


Processo. Salvador: Editora Podivm, 2009, p. 33.
3 SOUZA, Rabindranath Valentino Aleixo Capelo de. O direito geral de

personalidade. Coimbra: Coimbra Editora, 1995, p. 584.


Da duração razoável do processo... 91

também, alerta Elimar Szaniawski, que têm por escopo a


proteção dos direitos essenciais do homem contra as
arbitrariedades do Estado. 4
Os direitos fundamentais decorrem da própria
natureza humana e daí decorre o seu caráter inviolável,
intemporal e universal. 5
Independente de qual seja o posicionamento
adotado em relação à origem da garantia à razoável
duração do processo no direito brasileiro, não há mais
como se questionar sua eficácia, especialmente agora,
acolhido pelo novo CPC que entrará em vigor em março
de 2015.
Segundo a novel legislação “O juiz dirigirá o
processo conforme as disposições deste Código,
incumbindo-lhe [...] velar pela duração razoável do
processo;”6 e prossegue o legislador, no art. 685,
parágrafo único, ao afirmar que poderá o juiz não
suspender o processo em caso de propositura de
oposição “se concluir que a unidade da instrução atende
melhor ao princípio da duração razoável do processo.”
Segundo José Carlos Barbosa Moreira:

Para muita gente, na matéria, a rapidez constitui o valor


por excelência, quiçá o único. [...] Se uma justiça lenta
demais é decerto uma justiça má, daí não se segue
que uma justiça muito rápida seja necessariamente
uma justiça boa. O que todos devemos querer é que a
prestação jurisdicional venha ser melhor do que é. Se
para torná-la melhor é preciso acelerá-la, muito bem:
não, contudo, a qualquer preço.7

4 SZANIAWSKI, Elimar. Direitos de personalidade e sua tutela. 2. ed.


São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005, p. 29.
5 NALINI, José Renato. A vida é. In MARTINS, Ives Granda da Silva.

(Coord.) Direito fundamental à vida. São Paulo: Quartier Latin, 2005,


p. 520.
6
Art. 139, inc. II, Lei n. 13.105/2015.
7 BARBOSA MOREIRA, José Carlos. O futuro da justiça: alguns mitos.

Revista de Processo, v. 102, p. 228-237, abr.-jun. 2001, p. 232.


92 Novos Direitos...

Partindo da premissa de que o jurisdicionado


necessita do Estado para fazer valer seus direitos, mister
que ele seja tempestivamente reconhecido e, assim, haja
um exercício satisfatório daquela pretensão postulada.
Mas, como pode ser percebida a razoável duração
do processo? Como conceituá-la?
O conceito de duração razoável foi elucidado pela
Corte Europeia de Direitos Humanos, em 1997, no
seguinte sentido:

o caráter razoável da duração de um processo se


avalia segundo as circunstâncias da causa, que
demanda à ocorrência uma avaliação abrangente e
tendo em vista os critérios consagrados pela
jurisprudência da Corte, em particular a complexidade
da causa, o comportamento dos recorrentes e das
autoridades competentes.8

Ana Maria Goffi Flaquer Scartezzini ensina:

ao estabelecer o texto constitucional que o processo


tenha duração razoável, prescreve-se que a justiça
deva atender ao interesse público de solução de
controvérsias, mediante a atuação jurisdicional, de
forma breve, mas pronta a ser eficaz. Atende-se aos
interesses do Estado-poder e do Estado-sociedade.9

8 ANDRIGHI, Fátima Nancy. A responsabilidade do estado pela


violação do direito constitucional à razoável duração do processo.
Justiça & Cidadania, n. 69, p. 18-19, abr. 2006. Disponível em:
<http://bdjur.stj.gov.br/ dspace/handle/2011/19904>. Acesso em: 20
nov. 2015.
9 SCARTEZZINI, Ana Maria Goffi Flaquer. O prazo razoável para a

duração dos processos e a responsabilidade do Estado pela demora


na outorga da prestação jurisdicional. In: WAMBIER, Teresa Arruda
Alvim... (et al) (Coord). Reforma do Judiciário: Primeiros ensaios
críticos sobre a EC n. 4512004. São Paulo: Editora Revista dos
Tribunais, 2005, p. 43.
Da duração razoável do processo... 93

Ou ainda, “a duração razoável do processo,


assim, será aquela em que melhor se puder encontrar o
meio-termo entre a definição segura da existência do
direito e a realização rápida do direito cuja existência foi
reconhecida pelo juiz.’10
Nesse sentido, Cândido Rangel Dinamarco
explicita seu entendimento:

o direito moderno não se satisfaz com a garantia da


ação como tal e por isso é que procura extrair da formal
garantia desta algo de substancial e mais profundo. O
que importa não é oferecer ingresso em juízo, ou
mesmo julgamento de mérito. Indispensável é que,
além de reduzir resíduos de conflitos não
jurisdicionalizáveis, possa o sistema processual
oferecer aos litigantes resultados justos e efetivos,
capazes de reverter situações injustas. Tal é a ideia de
efetividade da tutela jurisdicional, coincidente com a
plenitude do acesso à justiça e a do processo civil de
resultados.11

Note-se, assim que o aspecto temporal da


duração do procedimento não tem valor absoluto, seja
porque não existem parâmetros temporais
preestabelecidos e uniformes, seja porque a
razoabilidade ou o excesso da duração de um processo
por si só não se prestam a uma rígida avaliação em
abstrato, mas exigem uma específica apreciação a ser
feita segundo as circunstâncias concretas de cada causa
individual. A duração razoável deve ser buscada,

10 FERRARI, Katharina Maria Marcondes. O princípio da razoável


duração do processo e os prazos para a emissão dos pronuncimentos
do juiz. Disponível em: <http://bdjur.stj.jus.br/xmlui/bitstream/handle/
2011/25017/principio_razoavel_duracao.pdf?sequence=1>. Acesso
em: 24 junho 2015.
11 DINAMARCO, Cândido Rangel. Fundamentos do Processo Civil

Moderno. 4. ed., São Paulo: Malheiros, 2011. T. 2, p. 798.


94 Novos Direitos...

inclusive, com o auxílio de técnicas extraprocessuais,


extrajudiciais e judiciais.12
Desta forma, observa-se que a duração razoável
do processo constitui uma cláusula em branco, aberta,
que a jurisprudência deverá caracterizar com conteúdo
concretos, a fim de definir em cada processo se a
respectiva duração foi razoável ou a excessiva e, assim,
se o direito assegurado pelo art. 5°, inc. LXXVIII da
Constituição Federal foi violado ou não.
Neste mesmo cenário, conforme observado na
Constituição Federal, um dos fundamentos que embasam
a República Federativa do Brasil é a dignidade da pessoa
humana, que, aliada ao direito fundamental à razoável
duração do processo deveriam formar uma condição de
agir em que o Estado não poderia se posicionar de forma
intempestiva.
A dignidade da pessoa humana integra os
princípios jurídicos de categoria axiológica aberta, não
cabendo conceituá-la de forma fixa, devido,
principalmente a enorme quantidade de sociedades
contemporâneas que a utilizam em seu ordenamento.
Assim, é natural que este conceito esteja sempre e,
constantemente, em construção e desenvolvimento,
cabendo a sua concretização e delimitação como uma
tarefa atinente a todos os órgãos estatais.
Desmistificando um pouco esta problemática, Ingo
Sarlet aponta um possível denominador comum para este
embate:

[...] a dignidade como qualidade intrínseca da pessoa


humana, é irrenunciável e inalienável, constituindo
elemento que qualifica o ser humano como tal e dele

12 ALMEIDA, Anthony Ferreira; ALMEIDA, Pamela Ferreira. A


hiperjudicialização das demandas sociais: a utilização de medidas
alternativas de solução de conflitos como contenção para a hipertrofia
do Poder Judiciário. Revista da EJUSE, Aracaju, n. 22, p. 154-165,
2015.
Da duração razoável do processo... 95

não pode ser destacado [...]. Assim, compreendida


como qualidade integrante e irrenunciável da própria
condição humana, a dignidade pode (e deve) ser
reconhecida, respeitada, promovida e protegida, não
podendo, contudo (no sentido ora empregado) ser
criada, concedida ou retirada (embora possa ser
violada) já que reconhecida e atribuída a cada ser
humano como algo que lhe é inerente.13

A dignidade humana, assim, é um conceito


construído a partir da observação de aspectos humanos,
religiosos, filosóficos, culturais, jurídicos e até mesmo
pessoais.
Por conveniente, salienta-se, aqui, que a
dignidade é, simultaneamente, limite e tarefa dos poderes
estatais e das comunidades em geral.
Em outros termos, uma vez que se tenha a
dignidade humana como princípio constitucional
estruturante e, ainda, fundamento do Estado Democrático
de Direito, este mesmo Estado passa a servir como
instrumento de garantia e promoção a esta dignidade,
sejam elas consideradas individualmente ou
coletivamente.
No aspecto do processo, tendo como inafastável a
garantia do jurisdicionado à celeridade processual e à
dignidade humana, salientando seu aspecto de
fundamento constitucional, ambas impõem limites à
atuação do Estado, com o objetivo de impedir que a
Administração viole as prerrogativas do indivíduo,
implicando, dessa forma uma meta programática ou
impositiva de proteção, promoção e realização plena
desses direitos.
Fernando Araújo robustece a linha de pensamento
em análise da seguinte maneira:

13SARLET, Ingo Wolfgang. Dignidade da Pessoa Humana e Direito


Fundamentais. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2012, p. 52-53.
96 Novos Direitos...

Uma vez que o Estado assumiu o monopólio da


jurisdição vedando a autotutela, uma prestação
jurisdicional vilipendia frontalmente o princípio da
proteção judiciária, o que nos permite tranquilamente
afirmar que a efetividade do processo constitui um
direito fundamental, corolário do próprio Estado de
Direito, e este vem realçado logo no artigo 1º da
Constituição, sinal de sua relevância maior. 14

A questão é tão importante que o indivíduo


poderia, inclusive, requerer contra o Estado, a imputação
de responsabilidade civil devido a sua atuação ineficiente
quando da prestação jurisdicional que acabou por
intempestiva, violando, portanto, a garantia fundamental
do jurisdicionado a dignidade da pessoa humana.
Para não restarem dúvidas a respeito da relação
direta entre o direito à duração razoável do processo e a
garantia fundamental a dignidade da pessoa humana,
Fernando Fernandes de Araújo explica:

A morosidade processual viola, sem sombra de dúvida,


direito fundamental da pessoa, que consiste na tutela
jurisdicional sem dilações indevidas. Conflita, por isso
mesmo, com o modelo democrático de magistratura.
Quanto mais se adia a solução de um conflito, mais a
Justiça se distância do modelo ideal.15

Portanto, é de se concluir que, uma vez violado o


tempo adequado para a prestação jurisdicional, viola-se,
também, a dignidade humana do jurisdicionado e, assim,
a Emenda Constitucional n. 45/2004 alcança importância
máxima ao trazer a garantia da duração razoável do
processo, homogeneizando este direito como condição
de medida de humanização do processo, na esteira da

14 ARAÚJO, Francisco Fernandes. Responsabilidade Objetiva do


Estado pela Morosidade da Justiça. Campinas: Copola Editora, 1999,
p. 278.
15 Ibidem, p. 38.
Da duração razoável do processo... 97

dignidade da pessoa humana, dando a devida efetividade


à jurisdição.

4.5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Desde os primórdios da existência humana


existiam conflitos entre os direitos dos indivíduos
integrantes das sociedades. Neste contexto, a convenção
para criação de um ente superior que alcançasse e
submetesse todos os homens demonstrou-se necessária,
na medida em que estes, de forma individual, não eram
capazes de exercer suas prerrogativas, sem que
ficassem a mercê de imposições de outros indivíduos.
Compreende-se que o Estado se tornou legítimo
para exercer de maneira exclusiva, por meio da
jurisdição, a solução dos conflitos entre os jurisdicionados
que integram uma lide. Desta forma, tem-se a
Constituição como norma basilar no ordenamento jurídico
de um país onde, no caso do Brasil, esta dispõe de
normas que interferem incisivamente no tramitar
processual.
A lentidão na entrega da prestação jurisdicional
pelo Poder Judiciário viola o direito constitucional à
duração razoável do processo. Tal ultraje tem
fundamento em diversos fatores que se acentuam em
conjunto. Ainda, há que se dizer que a dignidade da
pessoa humana, como norma fundamental da
Constituição abarca o direito à duração razoável do
processo, posto que este se constitui em direito
fundamental.
Não há um conceito sobre o que seja a razoável
duração do processo, mas nota-se que ele não está
diretamente relacionado a um espaço de tempo curto,
mas sim que deva atender ao jurisdicionado na solução
da controvérsia, mediante a atuação eficaz do Estado, de
forma breve e profícua.
98 Novos Direitos...

Resta demonstrado, portanto, que ante o fator


inexorável do tempo, a prestação intempestiva e
inoperante do Estado, sendo este legitimado exclusivo na
solução das lides, afeta diretamente a dignidade humana,
o principal fundamento que embasa esta República que,
aliada ao direito fundamental à razoável duração do
processo forma uma condição de agir ao Estado, não
podendo este, então, se manifestar de modo
intempestivo.

4.6 REFERÊNCIAS

ALMEIDA, Anthony Ferreira; ALMEIDA, Pamela Ferreira.


A hiperjudicialização das demandas sociais: a utilização
de medidas alternativas de solução de conflitos como
contenção para a hipertrofia do Poder Judiciário. Revista
da EJUSE, Aracaju, n. 22, p. 154-165, 2015.

ANDRIGHI, Fátima Nancy. A responsabilidade do estado


pela violação do direito constitucional à razoável duração
do processo. Justiça & Cidadania, n. 69, p. 18-19, abr.
2006. Disponível em: <http://bdjur.stj.gov.br/
dspace/handle/2011/19904>. Acesso em: 20 nov. 2015.

ANNONI, Danielle. A responsabilidade do Estado pela


demora na prestação jurisdicional. Rio de Janeiro:
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ARAÚJO, Francisco Fernandes. Responsabilidade


Objetiva do Estado pela Morosidade da Justiça.
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Razoável Duração do Processo. Brasília: Brasília
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DIAS, Ronaldo Brêtas de Carvalho. Responsabilidade do
Estado pela Função Jurisdicional. Belo Horizonte: Livraria
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Da duração razoável do processo... 99

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Processo Civil Moderno. 4. ed., São Paulo: Malheiros,
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FERRARI, Katharina Maria Marcondes. O princípio da


razoável duração do processo e os prazos para a
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<http://bdjur.stj.jus.br/xmlui/bitstream/handle/2011/25017/
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garantia constitucional – estudo histórico-comparativo:
constituições brasileira e espanhola In: FIUZA, César
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MOREIRA, José Carlos Barbosa. O futuro da justiça:


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100 Novos Direitos...

SCARTEZZINI, Ana Maria Goffi Flaquer. O prazo


razoável para a duração dos processos e a
responsabilidade do Estado pela demora na outorga da
prestação jurisdicional. In: WAMBIER, Teresa Arruda
Alvim... (et al) (Coord). Reforma do Judiciário: Primeiros
ensaios críticos sobre a EC n. 4512004. São Paulo:
Editora Revista dos Tribunais, 2005.

SOUZA, Rabindranath Valentino Aleixo Capelo de. O


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1995.

SZANIAWSKI, Elimar. Direitos de personalidade e sua


tutela. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005.
-V-

DA VIOLAÇÃO DO DIREITO À HONRA POST


MORTEM DA PESSOA TRANSEXUAL

Francielle Lopes Rocha*


Valéria Silva Galdino Cardin**

5.1 INTRODUÇÃO

A Constituição Federal, no intuito de tutelar o


pleno desenvolvimento da pessoa humana, disciplinou no
inc. III do seu art. 1º, a dignidade da pessoa humana
como fundamento do Estado Democrático de Direito.
O princípio da dignidade da pessoa humana
projeta-se em todas as esferas da vida e é o valor
fundante que serve de alicerce à ordem jurídica
democrática, constituindo-se, também, como cláusula
geral de concreção da proteção e do livre
desenvolvimento da personalidade.
Desta feita, o ordenamento jurídico brasileiro
adotou o sistema misto de proteção dos direitos da
personalidade, pois ainda que disponha acerca de
direitos da personalidade tipificados pelo Código Civil
apresenta, também, a cláusula geral do direito da
personalidade que tutela, amplamente, os direitos
essenciais da pessoa humana.

*
Discente do Programa de Pós-Graduação em Ciências Jurídicas –
PPGCJ no Centro Universitário de Maringá – UNICESUMAR. Bolsista
do programa PROSUP.Advogada em Maringá-PR. Endereço
eletrônico: franciellerocha_@hotmail.com
**
Professora da Universidade Estadual de Maringá e do Centro
Universitário de Maringá-PR; mestre e doutora em Direito das
Relações Sociais pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo;
pós-doutora em Direito pela Universidade de Lisboa. Advogada em
Maringá-PR. Endereço eletrônico: valeria@galdino.adv.br
102 Novos Direitos...

Embora o ordenamento civil-constitucional vise à


plena inclusão da pessoa humana na sociedade, bem
como à consolidação da igualdade material e dos
conceitos de liberdade e de justiça, o preconceito
perpetuado pela cultura patriarcal heterocêntrica e
cisnormativa, faz com que as pessoas transexuais sejam,
diariamente, vítimas da transfobia, uma manifestação de
violência física ou psíquica motivada pela intolerância e
pelo não reconhecimento da existência de sujeitos cuja
identidade de gênero não corresponde ao sexo biológico.
Destaca-se que, inúmeras vezes, quando da
morte de uma pessoa transexual, a própria família do de
cujus, viola a sua autonomia e a sua memória, vestindo-o
de acordo com seu sexo biológico e cravando na lápide
de seu sepulcro o nome que lhe foi atribuído ao nascer,
que, certamente, não corresponde a sua identidade.
Desta feita, a finalidade da presente pesquisa é,
por meio do método teórico, problematizar a apropriação
da identidade da pessoa transexual após a sua morte e a,
consequente, violação do direito à honra do de cujus,
questionando-se, ainda, se a tutela conferida à honra do
de cujus, por força do parágrafo único do art. 20 do
Código Civil, é capaz de contemplar as demandas
específicas das pessoas transexuais.

5.2 DOS DIREITOS DA PERSONALIDADE

Embora a tutela dos direitos da personalidade


tenha se manifestado isoladamente desde a antiguidade,
a teoria dos direitos da personalidade, propriamente dita,
foi recentemente inserida nos debates jurídicos.
Elimar Szaniawski aponta para a origem de
categorias jurídicas de tutela da personalidade humana
na “hybris grega e na iniura romana”.1

1SZANIAWSKI, Elimar. Direitos de personalidade e sua tutela. 2. ed.


São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005, p. 33.
Da violação do direito à honra... 103

Na Grécia antiga, tornou-se vigente o pensamento


de que o homem seria “a origem e a finalidade da lei e do
direito”2, deste modo, o homem “era considerado o centro
referencial do ordenamento”3, sendo que a tutela da
personalidade se concretizava por meio da hybris, uma
ação de natureza exclusivamente penal, que, segundo
Fernanda Borghetti Cantali, “se traduzia na ideia de
injustiça, excesso, desequilíbrio em face da pessoa. (...)
que vedava qualquer ato excessivo cometido por um
cidadão contra outro”. 4
Em que pese o reconhecimento de manifestações
primárias e isoladas da tutela dos direitos da
personalidade existentes desde a Grécia antiga, a
doutrina clássica atribuiu aos romanos a elaboração da
teoria jurídica dos direitos da personalidade, pois
considerou que a Lei das XII Tábuas postulou normas
que “sancionavam ofensas aos bens da personalidade
prevalente através da vingança privada autorizada por
sentença pública”.5
No período clássico, em que efetivamente se
desenvolveu a teoria jurídica de personalidade em Roma,
o instrumento utilizado para tutelar a personalidade
humana denominava-se actio iniuriarum.6
Acerca da actio iniuriarum, Fernanda Borghetti
Cantalli disserta:

Através desta ação protegiam-se as pessoas contra


qualquer atitude injuriosa, abrangendo qualquer
atentado à pessoa física ou moral do cidadão. (...)
Através da actio iniuriarum, o pretor tinha total
liberdade para julgar a extensão da injúria graduando,

2 CANTALI, Fernanda Borghetti. Direitos da personalidade:


disponibilidade relativa, autonomia privada e dignidade humana. Porto
Alegre: Livraria do Advogado, 2009, p.28.
3 Ibidem, p. 29.
4
Ibidem, p. 28.
5 SZANIAWSKI, op. cit, São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005, p. 25.
6 CANTALI, op. cit, Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2009, p.30.
104 Novos Direitos...

assim, uma sanção em pecúnia. Foi exatamente


através do direito pretoriano que se ultrapassaram as
influências da Lei das XII Tábuas em matéria de
direitos da personalidade (...).7

Ainda que se considere que as manifestações da


proteção dos direitos da personalidade tenham se
originado no pensamento greco-romano, afirma-se que a
tutela outrora conferida se difere, completamente, da
tutela que atualmente é dispensada aos referidos direitos.
Em razão da transformação do pensamento
humano, significativas alterações sociais marcaram a
construção histórica dos direitos da personalidade.
Destaca-se que o conceito moderno de direitos da
personalidade possui como fundamento a dignidade da
pessoa humana. Tais direitos são considerados como
sendo essenciais e próprios do ser humano, pois sem os
mesmos, a personalidade restaria privada de valor
concreto.
Segundo Roxana Cardoso Brasileiro Borges:

Não se trata de direitos à personalidade, mas de


direitos que decorrem da personalidade humana, da
condição de ser humano. Com os direitos da
personalidade, protege-se o que é próprio da pessoa,
como o direito à vida, o direito à integridade física e
psíquica, o direito à integridade intelectual, o direito ao
próprio corpo, o direito à intimidade, o direito à
privacidade, o direito à liberdade, o direito à honra, o
direito à imagem, o direito o direito ao nome, dentre
outros. 8

7 CANTALI, Fernanda Borghetti. Direitos da personalidade:


disponibilidade relativa, autonomia privada e dignidade humana. Porto
Alegre: Livraria do Advogado, 2009, p.31.
8 BORGES, Roxana Cardoso Brasileiro. Direitos da personalidade e

autonomia privada. São Paulo: Saraiva, 2007, p.21.


Da violação do direito à honra... 105

Deste modo, os direitos da personalidade,


segundo a autora supracitada, “são expressões da
pessoa humana considerada em si mesma”, sendo que
os bens jurídicos essenciais ao desenvolvimento da
pessoa encontram-se por eles tutelados.9
Rafael Selicani Teixeira destaca que os direitos da
personalidade compõem “um núcleo irradiante de
proteções e garantias, de imperativos e instrumentos de
proteção que influenciam todas as relações jurídicas,
sociais, econômicas e que tem como ponto de origem a
dignidade humana”.10
Os direitos da personalidade, portanto, têm como
fundamento a dignidade da pessoa humana e possuem
ampla tutela no ordenamento civil-constitucional
brasileiro.
São, assim, os direitos da personalidade
considerados: inatos; vitalícios, perenes ou perpétuos –
refletindo-se, inclusive, após a morte; imprescritíveis,
inalienáveis – ou relativamente indisponíveis -; absolutos,
pois são oponíveis erga omnes; extrapatrimoniais e
compõem-se como direitos subjetivos de natureza
privada.11
Destaca-se que o ordenamento jurídico brasileiro
adotou o sistema misto de tutela dos direitos da
personalidade, pois ainda que disponha acerca de
direitos da personalidade tipificados pelo Código Civil,
apresenta a cláusula geral dos direitos da personalidade,
que tutela, amplamente, os direitos essenciais da pessoa
humana.

9 Ibidem, p. 21.
10 TEIXEIRA, Rafael Selicani. A igualdade e as ações afirmativas: a
luta pelo reconhecimento dos grupos de vulnerabilidade. (dissertação
– Centro Universitário de Maringá, Programa de Pós-Graduação em
Ciências Jurídicas, 2013)
11 VENOSA, Silvio de Salvo. Código Civil Interpretado. 2.ed. São

Paulo: Atlas, 2011, p. 22.


106 Novos Direitos...

Ainda que a Constituição Federal de 1988 tenha


consagrado em seu bojo determinadas categorias de
direitos fundamentais, tais como: o direito à vida, à
igualdade, à liberdade, à honra, à intimidade, à imagem,
dentre outros; não restringiu a tutela apenas a estes
direitos, pois disciplinou, no inc. III de seu art. 1º, a
dignidade da pessoa humana como fundamento do
Estado Democrático de Direito.
Observa-se, portanto, que o princípio da dignidade
da pessoa humana projeta-se em todas as esferas da
vida e “é o valor fundante que serve de alicerce à ordem
jurídica democrática”,12 constituindo-se, também, como
cláusula geral de concreção da proteção e do livre
desenvolvimento da personalidade.13
Acerca do tema, Rosana Cardoso Brasileiro
Borges assevera:

Para uma efetiva proteção dos direitos de


personalidade, é preciso garantir uma interpretação do
direito que considere um instrumento versátil e flexível,
capaz de se adaptar às novas circunstâncias que
surgem a cada dia na sociedade. Conceber o princípio
da dignidade da pessoa humana ou os direitos da
personalidade como significados rígidos, fechados ou
a-históricos impede a efetiva concretização da ampla
proteção da pessoa. O direito não está separado da
sociedade. Ao contrário, é um dos elementos que a
compõem, sofrendo, portanto, constantemente, suas
influências.14

O Código Civil versou em seu Capítulo II, nos arts.


11 a 21, acerca dos diretos da personalidade, além disso,

12 CANTALI, Fernanda Borghetti. Direitos da personalidade:


disponibilidade relativa, autonomia privada e dignidade humana. Porto
Alegre: Livraria do Advogado, 2009, p. 86.
13
Ididem, p. 86.
14 BORGES, Roxana Cardoso Brasileiro. Direitos da personalidade e

autonomia privada. São Paulo: Saraiva, 2007, p. 29.


Da violação do direito à honra... 107

estabeleceu, no art. 12, a cláusula geral de proteção


contra ameaça ou lesão ao direito de personalidade “que
deriva do princípio constitucional disposto no art. 1º, III,
da dignidade da pessoa humana, devendo dessa forma
receber proteção (...) os direitos que representam a
proteção da personalidade humana”.15
Denota-se, portanto, que o ordenamento jurídico
pátrio confere ampla tutela aos direitos da personalidade,
que, fundamentados na dignidade da pessoa humana,
configuram-se enquanto categoria especial de direitos
subjetivos que visam garantir o pleno desenvolvimento do
ser humano, tanto em sua concepção física, quanto
moral.

5.3 DA TUTELA AO DIREITO À HONRA POST


MORTEM

O art. 6º do Código Civil postula que a existência


da pessoa natural termina com a morte, findando-se,
consequentemente, a sua personalidade jurídica, deste
modo, a pessoa deixa de ser sujeito de direitos e de
obrigações, no entanto, subsiste a tutela a determinados
direitos da personalidade do de cujus.
Destaca-se, que o parágrafo único do art. 12 do
Código Civil dispõe, de maneira genérica, acerca da
proteção dos direitos da personalidade do de cujus, e, por
sua vez, o parágrafo único do seu art. 20 prevê,
especificamente, a tutela à honra e à imagem da pessoa.
Infere-se que após a morte da pessoa, o bem
jurídico a ser tutelado corresponde a algum aspecto de
sua personalidade e não à pessoa do morto.16
Fernanda Borghetti Cantali afirma:
Deve-se ter em mente que, quando se está falando de
direitos da personalidade, não se está identificando

15
BELTRÃO, Silvio Romero. Direitos da personalidade: de acordo
com o Novo Código Civil. São Paulo: Atlas: 2005, p. 56.
16 Ibidem, p. 89.
108 Novos Direitos...

esta com a capacidade, mas referindo-se ao


entendimento de personalidade para além de uma
perspectiva técnico-jurídica, ou seja, como valor que é
inerente à condição humana, cujo vínculo com a
pessoa é orgânico, que traz encerrado em si um
conjunto de atributos, como a vida, a honra, a
liberdade, dentre outros.17

Destaca-se que a personalidade se difere da


capacidade e importa, não só a possibilidade de ser
sujeito de direito, mas também é um valor ético e inerente
à condição humana.18
Acerca do tema, a autora supracitada
complementa:

A personalidade é, portanto, valor inerente à condição


humana, sendo que o vínculo existente entre a
personalidade e a pessoa é orgânico; já a capacidade é
medida jurídica da personalidade, atribuída pelo
ordenamento para a realização deste valor. A
identificação da personalidade com a capacidade é
uma perspectiva de entendimento rigorosamente
técnico-jurídica, mas a personalidade não pode ser
assim reduzida, já que também reflete um valor
inerente ao ser merecedor de tutela jurídica
específica.19

A morte da pessoa, segundo Silvio Romero


Beltrão, “extingue os direitos da personalidade, mas a
memória daquele constitui um prolongamento de sua
personalidade, que deve ser tutelada merecendo

17 CANTALI, Fernanda Borghetti. Direitos da personalidade:


disponibilidade relativa, autonomia privada e dignidade humana. Porto
Alegre: Livraria do Advogado, 2009, p. 66.
18 Ibidem, p. 66.
19
CANTALI, Fernanda Borghetti. Direitos da personalidade:
disponibilidade relativa, autonomia privada e dignidade humana. Porto
Alegre: Livraria do Advogado, 2009, p. 64.
Da violação do direito à honra... 109

proteção do direito”.20 Assim, a personalidade humana se


projeta após a morte.
Dentre os direitos da personalidade protegidos
após a morte da pessoa, destaca-se o direito à honra,
que, segundo Adriano de Cupis, significa “tanto o valor
moral íntimo do homem, como a estima dos outros, ou a
consideração social, o bom nome ou a boa fama, enfim, o
sentimento ou consciência da própria dignidade
pessoal”.21
A honra, portanto, sob a perspectiva doutrinária
tradicional, pode ser compreendida sob dois aspectos: a
honra subjetiva, que é a “valorização que cada indivíduo
tem sobre si mesmo”22 e a honra objetiva, que faz
“referência ao bom nome e à reputação”23.
Hodiernamente, em consonância com os preceitos
constitucionais que reconhecem a supremacia da pessoa
humana, compreende-se que o conteúdo da honra
objetiva não reside somente na defesa daqueles que
possuem boa reputação, nome ou fama, pois tal assertiva
implicaria em promover “uma discriminação ilegítima
contrária ao valor da igualdade, a merecer tutela apenas
aqueles que têm uma reputação boa ou fama
construída”.24
Ademais, deve-se ressaltar que devido a
pluralidade de vivências e de percepções acerca da
experiência social humana, a boa fama e a boa reputação

20 BELTRÃO, Silvio Romero. Direitos da personalidade: de acordo


com o Novo Código Civil. São Paulo: Atlas: 2005, p.89.
21 DE CUPIS, Adriano. Os direitos da personalidade. Trad. Celso

Furtado Rezende. Campinas: Romana, 2004, p. 121.


22 LORENZETTI, Luis Ricardo.Fundamentos do direito privado. Trad.

Vera Maria Jacob de Fradera. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1998,
p.488.
23 Ibidem.
24 REIS JÚNIOR. Antônio dos. Novas perspectivas sobre o direito á

honra: estudos sob a ótica civil-constitucional. Civilistica.com. Rio de


Janeiro, a.2, jul.-set./2013. Disponível em: <http://civilista.com/novas-
perspectivas-sobre-o-direit-a-honra/>. Acesso em: 22 de jun. de 2015.
110 Novos Direitos...

são conceitos que devem ser relativizados, pois


determinados grupos, como as minorias sexuais, têm,
diariamente, suas vivências silenciadas, depreciadas e
rebaixadas à insignificância por grupos conservadores.
Desta forma, Antônio dos Reis Júnior aponta para
a necessidade da superação da dicotomia entre a honra
subjetiva e a honra objetiva, adotando-se, assim, a ideia
de honra normativa25, pois afirma que a tutela da honra
decorre de sua condição normativa prescrita no
ordenamento jurídico - intentando, em última análise, a
preservação e a promoção da dignidade da pessoa
humana - e não da circunstância de ser esta objetiva ou
subjetiva.26
Acerca do tema, o autor supracitado afirma que
existem, na ordem civil-constitucional, três premissas
para a tutela da honra: a autonomia e a
autodeterminação das pessoas, “a conferir-lhes aptidão
para o desenvolvimento de suas personalidades no
mundo social”;27 a igualdade perante a lei e a ordem
social, que afasta a perspectiva hierárquica contida nos
“graus de honra diferenciados conforme status quo (boa
fama e bom nome) do indivíduo”;28 e a garantia de que a
pessoa não possa sofrer ofensas capazes de
marginalizá-la ou excluí-la da convivência em
sociedade.29
Deste modo, afirma-se que a honra é amplamente
tutelada, mesmo após a morte do ofendido. No entanto,
observa-se que o parágrafo único do art. 20 do Código
Civil, ao atribuir legitimidade para pleitear a referida tutela
somente ao cônjuge sobrevivente, ascendentes e
descendentes, não contempla os casos em que os
próprios legitimados são, na realidade, os ofensores dos

25 Ibidem.
26 Ibidem.
27
Ibidem.
28 Ibidem.
29 Ibidem.
Da violação do direito à honra... 111

direitos da personalidade do de cujus, como ocorre, por


exemplo, quando da violação da identidade de gênero
das pessoas transexuais em seu sepulcro.

5.4 DA TRANSEXUALIDADE E DA VIOLAÇÃO AO


DIREITO À HONRA POST MORTEM

O termo transexual foi utilizado pela primeira vez


no ano de 1953, pelo endocrinologista norte-americano
Henry Banjamin,30 que abordou o fenômeno transexual a
partir da relação de abjeção que as pessoas transexuais
tinham com a sua genitália.31
Henry Benjamin defendeu “a cirurgia de
transgenitalização como a única alternativa terapêutica
possível para as pessoas transexuais”32e estabeleceu
critérios para o diagnóstico do "o verdadeiro transexual".33
Na década de 60 e 70, a tendência cirúrgica como
tratamento da transexualidade se intensificou e, em 1973,
John Money, a classificou como disforia de gênero.34
Em 1980 a Associação de Psiquiatria Norte-
Americana incluiu, na terceira versão do Manual
Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais, a
transexualidade no rol dos “Transtornos de Identidade de
Gênero”.35

30
SOUZA, Josilene Nascimento de. Redesignação de gênero:
adequação do registro civil ao sexo recontruído e a (in)segurança
jurídica. Disponível em:
http://www.conteudojuridico.com.br/pdf/cj046772.pdf. Acesso em: 23
de mar. de 2015.
31 BENTO, Berenice e PELÚCIO, Larissa. Despatologização do

gênero: a politização das identidades abjetas. Rev. Estud. Fem. vol.20


no.2 Florianópolis maio/ago. 2012. Disponível em:
https://periodicos.ufsc.br/index.php/ref/article/view/S0104-
026X2012000200017. Acesso em: 23 de mar. de 2015.
32 Ibidem.
33
Ibidem.
34 Ibidem.
35 Ibidem.
112 Novos Direitos...

No ano de 1994, uma nova versão do manual foi


editada, assim, no DSM IV, o termo “transexualismo” foi
substituído pelo termo desordem de identidade de
gênero.36
Publicado em 18 de maio de 2013, o DSM-V
fragmentou o capítulo de “Transtornos Sexuais e da
Identidade de Gênero” e passou a tratar a
transexualidade, novamente, como disforia de gênero,
diagnosticando-a como o “sofrimento que pode
acompanhar a incongruência entre o gênero
experimentado ou expresso e o gênero designado pela
pessoa”.37
A Classificação Estatística Internacional de
Doenças e Problemas Relacionados com a Saúde, o
CID-10 - uma convenção médica publicada pela
Organização Mundial de Saúde (OMS), que objetiva
padronizar a codificação das doenças, estabelecendo as
suas características e os seus respectivos códigos -
apresenta o “transexualismo” sob o código F64.0 e o
define como transtorno da identidade sexual.
No Brasil, a portaria 2.803 de 10 de novembro de
2013 do Ministério da Saúde38 e a resolução do Conselho
Federal de Medicina nº 1.955/2010,39 estabelecem
critérios para a realização do processo transexualizador,
limitando o acesso daqueles que buscam a redesignação
sexual como meio de adequação do seu corpo à mente.

36 BRUNS, Maria Alves de Toledo, PINTO, Maria Jaqueline Coelho.


Vivência Transexual: o corpo desvela seu drama. São Paulo: Átomo,
2003.p. 47.
37 ALVES, Sônia. Manual diagnóstico e estatístico de transtornos

mentais:DSM-5. Trad. Maria Inês Corrêa Nascimento. 5.ed. Porto


Alegre: Artmed, 2014, p. 452.
38 BRASIL, Ministério da Saúde. Portaria nº 2.803 de 19 de novembro

de 2013. Disponível em:


http://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegis/gm/2013/prt2803_19_11_20
13.html. Acesso em: 23 de mar. de 2015.
39
CONSELHO FEDERAL DE MEDICINA. Disponível em:
http://www.portalmedico.org.br/resolucoes/CFM/2010/1955_2010.htm.
Acesso em: 23 de mar. de 2015.
Da violação do direito à honra... 113

Tais normativas impõem inúmeros obstáculos às


pessoas transexuais que intentam em realizar a cirurgia
de redesignação sexual, ou mesmo que queiram somente
hormonizar os seus corpos. A patologização das
identidades trans importa na violação da autonomia das
pessoas.
Em consulta protocolada no Conselho Federal de
Medicina sob o nº 635/2012, proveniente da Defensoria
Pública do Estado de São Paulo, o CFM emitiu o parecer
nº 8/2013 propondo a assistência precoce ao adolescente
transexual, por meio da intervenção hormonal, quando
menor de 16 anos, com a promoção do “bloqueio da
puberdade do gênero de nascimento” e, após os 16 anos,
com a indução a puberdade do gênero oposto àquele.40
No entanto, hodiernamente, a hormonioterapia
somente pode ser iniciada pelo transexual a partir dos 18
anos e os procedimentos cirúrgicos a partir dos 21 anos
de idade. Observa-se que aquele que pretende submeter-
se a cirurgia redesignadora, deverá ser avaliado por
equipe multidisciplinar, constituída por médico psiquiatra,
cirurgião endocrinologista, psicólogo e assistente social,
sendo acompanhado por 02 anos e diagnosticado como
transexual.41
Transcendendo à perspectiva patológica da
transexualidade, atualmente existe um sólido movimento
mundial que pugna pela despatologização das
identidades trans.
No Brasil, o Conselho Federal de Psicologia - uma
das entidades mais atuantes na luta pela
despatologização da transexualidade - no ano de 2013,

40 CONSELHO FEDERAL DE MEDICINA. Parecer n8/2013.


Disponível em:
http://www.portalmedico.org.br/pareceres/CFM/2013/8_2013.pdf
Acesso em 22 de jun. de 2015.
41
CONSELHO FEDERAL DE MEDICINA. Disponível em:
http://www.portalmedico.org.br/resolucoes/CFM/2010/1955_2010.htm.
Acesso em: 23 de mar. de 2015.
114 Novos Direitos...

emitiu uma nota técnica denominada “Nota Técnica


Sobre o Processo Transexualizador e Demais Formas de
Assistência às Pessoas Trans” posicionando-se favorável
à despatologização das identidades trans e contrário à
compulsoriedade da psicoterapia no processo
transexualizador.42
A manutenção da patologização da sexualidade,
segundo Berenice Bento e Larissa Pelúcio, corrobora
com a afirmação compulsória dos padrões de
feminilidade e masculinidade.43 Desta forma, a pessoa
que não apresenta sua identidade de gênero em
conformidade com o seu sexo genital, deve ser
submetido a um tratamento como forma de adequação
social.44
Berenice Bento e Larissa Pelúcio complementam:

A patologização da sexualidade continua operando


com grande força, não mais como “perversões sexuais”
ou “homossexualismo”, mas como “transtornos de
gênero”. Se o gênero só consegue sua inteligibilidade
quando referido à diferença sexual e à
complementaridade dos sexos, quando se produz no
menino a masculinidade e na menina a feminilidade, a
heterossexualidade está inserida aí como condição
para dar vida e sentido aos gêneros.45

42
CONSELHO FEDERAL DE PSICOLOGIA. Nota Técnica Sobre o
Processo Transexualizador e Demais Formas de Assistência às
Pessoas Trans. Disponível em: < http://site.cfp.org.br/wp-
content/uploads/2013/09/Nota-t%C3%A9cnica-processo-Trans.pdf>
Acesso em 20 de jun. de 2015.
43 BENTO, Berenice e PELÚCIO, Larissa. Despatologização do

gênero: a politização das identidades abjetas. Rev. Estud. Fem. vol.20


no.2 Florianópolis maio/ago. 2012. Disponível em:
https://periodicos.ufsc.br/index.php/ref/article/view/S0104-
026X2012000200017. Acesso em: 23 de mar. de 2015.
44 Ibidem.
45
BENTO, Berenice e PELÚCIO, Larissa. Despatologização do
gênero: a politização das identidades abjetas. Rev. Estud. Fem. vol.20
no.2 Florianópolis maio/ago. 2012. Disponível em:
Da violação do direito à honra... 115

A transexualidade demonstra que os sujeitos não


são prisioneiros de sua estrutura corpórea e que o
“sistema não consegue a unidade desejada. Há corpos
que escapam ao processo de produção dos gêneros
inelegíveis, e ao fazê-lo se põem em risco porque
desobedecem às normas de gênero; ao mesmo tempo
revelam as possibilidades de transformação dessas
mesmas normas”.46
A patologização das vivências transexuais
corrobora com a disseminação da intolerância e do
preconceito contra essas pessoas.
Os homens e mulheres transexuais, por
transgredirem aos padrões heteronormativos, tornam-se
vítimas da transfobia, são excluídos das estruturas
sociais e não possuem acesso aos direitos civis básicos,
tampouco ao reconhecimento da própria identidade.47
O termo transfobia é utilizado para
identificar o ódio, a aversão, a discriminação e a violência
praticada contra as pessoas transexuais e travestis.
Definida como a repulsa ou preconceito contra a
transexualidade,48 a transfobia é uma manifestação de
violência física ou psíquica motivada pela intolerância e
pelo não reconhecimento da existência de sujeitos cuja
identidade de gênero não corresponde ao sexo biológico.
Afirma-se, portanto, que a transfobia é uma violência
motivada por questões de gênero e que se perpetua
mesmo após a morte da pessoa transexual.

<https://periodicos.ufsc.br/index.php/ref/article/view/S0104-
026X2012000200017>. Acesso em: 23 de mar. de 2015.
46 Idem, 2008, p. 39.
47 JESUS, Jaqueline Gomes. Identidade de gênero e políticas de

afirmação identitária. Disponível em:


<http://www.academia.edu/2387654/IDENTIDADE_DE_G%C3%8ANE
RO_E_POL%C3%8DTICAS_DE_AFIRMA%C3%87%C3%83O_IDEN
TIT%C3%81RIA>. Acesso em: 23 de mar. de 2015.
48
PRIBERAM, Dicionário. Significado de transfobia. Disponível em:
<http://www.priberam.pt/dlpo/transfobia>. Acesso em: 23 de mar. de
2015.
116 Novos Direitos...

Destaca-se que, inúmeras vezes, quando da


morte de uma pessoa transexual, a própria família
apropria-se de sua identidade, e viola a sua autonomia e
a sua memória, vestindo-a de acordo com seu sexo
biológico e cravando na lápide de seu sepulcro o nome
que lhe foi atribuído ao nascer, que, certamente, não
corresponde a sua identidade.
O caso emblemático que proporcionou visibilidade
à perpetuação da transfobia após a morte foi o de
Jennifer Gable, uma mulher transexual que faleceu em
Twin Falls, Idaho, nos Estados Unidos em 09 de outubro
de 2014.
Jennifer faleceu subitamente aos 32 anos de
idade e sua família, que lhe negou acolhimento quando
ela se revelou transexual, cortou-lhe os longos cabelos,
retirou-lhe a maquiagem e os adornos femininos,
escondeu os seus seios e vestiu-lhe um terno masculino.
A foto utilizada para cravar a sua lápide, bem como a
utilizada em seu obituário, foi a imagem de Jennifer
quando adolescente, antes mesmo de realizar a sua
transição de gênero.
No caixão repousava um corpo que não era o de
Jennifer, mas de um homem. Em nenhum momento
houve menção à sua identidade.
Seu nome e sua identidade foram usurpados. Sua
honra e dignidade foram violadas. A autodeterminação, a
memória e a história de Jennifer foram silenciadas.
No Brasil, a história de Jennifer se repete entre as
pessoas transexuais. Enterrar o de cujus sem que se
respeite a sua identidade de gênero, além de violar a sua
integridade física, como o direito ao corpo e ao cadáver,
viola-se, também a sua integridade moral, ou seja, o
direito à honra, à liberdade, à intimidade, à imagem e à
identidade pessoal.
Em que pese a evidente violação do direito à
honra post mortem, a legitimidade para invocar a sua
proteção é atribuída, por força do § único do art. 20 do
Da violação do direito à honra... 117

Código Civil, ao cônjuge sobrevivente, aos ascendentes e


descendentes, ou seja, justamente às pessoas que
atentam contra esse direito.

5.5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

O ordenamento civil-constitucional pátrio tutelou,


amplamente, os direitos essenciais da pessoa humana, a
concreção e o livre desenvolvimento da sua
personalidade, contudo, as pessoas transexuais são
vítimas da intolerância, da discriminação e do
preconceito, e têm seus direitos fundamentais, bem como
seus direitos da personalidade violados diariamente.
Destaca-se que após a morte da pessoa
transexual, a violação aos seus direitos subsiste e, muitas
vezes, é perpetrado por sua própria família, que se
apropria da identidade de gênero do de cujus, negando-
lhe por completo a sua vivência, enterrando-o com vestes
correspondentes ao seu sexo biológico e utilizando-se de
seu nome de batismo para perpetuar em sua lápide a
apropriação de sua memória.
Em que pese a personalidade não subsistir após a
morte, alguns direitos da personalidade se projetam para
além da vida, como o direito à honra.
O parágrafo único do art. 20 do Código Civil atribui
legitimidade para arguir a tutela do direito à honra do de
cujus ao cônjuge sobrevivente, aos ascendentes e aos
descendentes, no entanto, quando da morte de uma
pessoa transexual, são justamente essas pessoas as
ofensoras da honra e da memória do morto.
Conclui-se, portanto, que a tutela à honra da
pessoa transexual é mitigada, uma vez que existe
expressa limitação do rol dos legitimados para a tutela da
honra post mortem.
118 Novos Direitos...

5.6 REFERÊNCIAS

ALVES, Sônia. Manual diagnóstico e estatístico de


transtornos mentais:DSM-5. Trad. Maria Inês Corrêa
Nascimento. 5.ed. Porto Alegre: Artmed, 2014

BELTRÃO, Silvio Romero. Direitos da personalidade: de


acordo com o Novo Código Civil. São Paulo: Atlas: 2005.

BENTO, Berenice e PELÚCIO, Larissa. Despatologização


do gênero: a politização das identidades abjetas. Rev.
Estud. Fem. vol.20 no.2 Florianópolis maio/ago. 2012.
Disponível em:
https://periodicos.ufsc.br/index.php/ref/article/view/S0104-
026X2012000200017. Acesso em: 23 de mar. de 2015.

BENTO, Berenice. O que é transexualidade. São Paulo:


Editora Brasiliense, 2008.

BORGES, Roxana Cardoso Brasileiro. Direitos da


personalidade e autonomia privada. São Paulo: Saraiva,
2007.

BRASIL, Ministério da Saúde. Portaria nº 2.803 de 19 de


novembro de 2013. Disponível em:
http://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegis/gm/2013/prt280
3_19_11_2013.html. Acesso em: 23 de mar. de 2015.

BRUNS, Maria Alves de Toledo, PINTO, Maria Jaqueline


Coelho. Vivência Transexual: o corpo desvela seu drama.
São Paulo: Átomo, 2003.

CANTALI, Fernanda Borghetti. Direitos da personalidade:


disponibilidade relativa, autonomia privada e dignidade
humana. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2009.

CONSELHO FEDERAL DE MEDICINA. Disponível em:


http://www.portalmedico.org.br/resolucoes/CFM/2010/195
5_2010.htm. Acesso em: 23 de mar. de 2015.
Da violação do direito à honra... 119

CONSELHO FEDERAL DE MEDICINA. Parecer n8/2013.


Disponível em
http://www.portalmedico.org.br/pareceres/CFM/2013/8_20
13.pdf Acesso em 22 de jun. de 2015.

CONSELHO FEDERAL DE PSICOLOGIA. Nota Técnica


Sobre o Processo Transexualizador e Demais Formas de
Assistência às Pessoas Trans. Disponível em: <
http://site.cfp.org.br/wp-content/uploads/2013/09/Nota-
t%C3%A9cnica-processo-Trans.pdf> Acesso em 20 de
jun. de 2015.

CUPIS, Adriano de. Os direitos da personalidade. Trad.


Celso Furtado Rezende. Campinas: Romana, 2004.

JESUS, Jaqueline Gomes. Identidade de gênero e


políticas de afirmação identitária. Disponível em:
<http://www.academia.edu/2387654/IDENTIDADE_DE_G
%C3%8ANERO_E_POL%C3%8DTICAS_DE_AFIRMA%
C3%87%C3%83O_IDENTIT%C3%81RIA>. Acesso em:
23 de mar. de 2015.

LORENZETTI, Luis Ricardo.Fundamentos do direito


privado. Trad. Vera Maria Jacob de Fradera. São Paulo:
Revista dos Tribunais, 1998.

PRIBERAM, Dicionário. Significado de transfobia.


Disponível em: <http://www.priberam.pt/dlpo/transfobia>.
Acesso em: 23 de mar. de 2015.

REIS JÚNIOR. Antônio dos. Novas perspectivas sobre o


direito á honra: estudos sob a ótica civil-constitucional.
Civilistica.com. Rio de Janeiro, a.2, jul.-set./2013.
Disponível em: <http://civilista.com/novas-perspectivas-
sobre-o-direit-a-honra/>. Acesso em: 22 de jun. de 2015.

SOUZA, Josilene Nascimento de. Redesignação de


gênero: adequação do registro civil ao sexo recontruído e
a (in)segurança jurídica. Disponível em:
120 Novos Direitos...

http://www.conteudojuridico.com.br/pdf/cj046772.pdf.
Acesso em: 23 de mar. de 2015.

SZANIAWSKI, Elimar. Direitos de personalidade e sua


tutela. 2. ed. SãoPaulo: Revista dos Tribunais, 2005.

TEIXEIRA, Rafael Selicani. A igualdade e as ações


afirmativas:a luta pelo reconhecimento dos grupos de
vulnerabilidade. (dissertação – Centro Universitário de
Maringá, Programa de Pós-Graduação em Ciências
Jurídicas, 2013.)

VENOSA, Silvio de Salvo. Código Civil Interpretado. 2.ed.


São Paulo: Atlas, 2011.
- VI -

DO RECONHECIMENTO DA SEXUALIDADE HUMANA:


NA FAMÍLIA, NO DIREITO E NA SOCIEDADE

Luiz Geraldo do Carmo Gomes*


Marli Aparecida Saragioto Pialarissi**
Marta Beatriz Tanaka Ferdinandi***

6.1 INTRODUÇÃO

Essa pesquisa versa acerca do desenvolvimento


da sexualidade humana nas esferas de reconhecimento
hegeliana, na família, no direito e na sociedade.
Compreende também a luta por reconhecimento
dos indivíduos que são excluídos da sociedade por
expressar a sua sexualidade fora dos padrões impostos.
Bem como a formação de uma nova moral coletiva.
O desenvolvimento do ser humano na família, e o
afeto sendo base para o progresso na construção de
bases do projeto de vida, que é formado no âmbito

* Doutorando em Função Social do Direito pela FADISP, São Paulo.


Mestre em Ciências Jurídicas pelo UniCesumar. Graduado em Direito
nessa IES. Pesquisador visitante da Università di Bologna. Docente da
Faculdade Metropolitana de Maringá (FAMMA) e do UniCesumar.
Membro do IBDFAM – Instituto Brasileiro de Direito de Família.
Endereço eletrônico: lgcarmo@icloud.com;
** Possui graduação em Direito pela UEM (1986) e mestrado em
Ciências Jurídicas pelo UniCesumar (2008). É advogada e professora
do Núcleo de Prática Jurídico do UniCesumar. Doutoranda na
FADISP, São Paulo. Endereço eletrônico:
marlipialarissi@hotmail.com;
*** Possui graduação em DIREITO pelo UniCesumar (2001). Mestrado
em Ciências Jurídicas, pelo UniCesumar (2010). Doutoranda em
Direito pela FADISP, São Paulo. Atualmente é Docente, Advogada e
Coordenadora do Núcleo de Prática Jurídica do UniCesumar.
Endereço eletrônico: beatrizferdinandi@gmail.com
122 Novos Direitos...

familiar e consequentemente influenciado por este.


Apresenta o direito como liame na construção do
reconhecimento de cada pessoa, possibilitando o
desenvolvimento de uma sociedade calcada na realidade
dos fatos que a constitui, e incluindo aqueles que ainda
vivem à margem da coletividade.
Concretizando as esferas de conhecimento
hegeliana, a solidificação de um espaço na sociedade,
demostra também, que cada indivíduo consegue construir
seu projeto de vida, porem nem sempre se apresenta
desta forma.
A sexualidade humana, ainda muito mistificada, é
um dos componentes que podem frustrar esse
reconhecimento. Os indivíduos que não se enquadram no
padrão cisgênero, onde nasceu com pênis é menino e
com vulva/vagina é menina, e o padrão heteronormativo,
onde a relação afetiva sexual se dá entre gêneros
diferentes, encontram-se desamparados afetivamente,
juridicamente e socialmente.
Dar-se-á então, a luta por reconhecimento, e a
busca incessante por um espaço na coletividade. Para
tanto, foi utilizado o método teórico, com o intuito de
fundamentar as posições adotadas por meio de uma
compilação bibliográfica.
Por fim, a análise da sexualidade como forma de
reconhecimento social justifica-se pela importância do
tema para a comunidade científica e a sociedade em
geral. Buscando compreender as vivências da
sexualidade humana na família, no ordenamento jurídico
pátrio e na coletividade.

6.2 FAMÍLIA, SEXUALIDADE E RECONHECIMENTO

A sexualidade humana é de extrema importância


na configuração da identidade e da personalidade do ser
humano. A família, o direito e a sociedade se apresentam
como esferas para o indivíduo se reconhecer enquanto
Do reconhecimento da sexualidade humana... 123

pessoa, dotada de afeto, direitos e exercendo um papel


social.
Todavia, nem sempre esse reconhecimento
ocorre. Por não se enquadrarem em padrões sociais
impostos pela sociedade os indivíduos que não se
identificam com o sistema cisgênero1 e na
heteronormatividade são excluídos tanto no âmbito
familiar, quando na garantia de direitos e
consequentemente na coletividade2.
No âmbito familiar, o reconhecimento das
vivências da sexualidade recebe grande influência dos
controladores sociais, como a igreja, a cultura e a
sociedade.3 Por mais que se apresente como uma
entidade acolhedora a família também pode mostrar-se
como um instrumento de exclusão.
Assevera Valéria Silva Galdino Cardin,

Desde os tempos mais remotos da história da


humanidade, a família é considerada a base da
sociedade por ser um núcleo de poderes: religioso,
político e econômico. Ao longo dos séculos, o conceito
de família tem sofrido variações consideráveis por
influência das religiões e em decorrência do
desenvolvimento social e econômico de cada
civilização, o que levou à modificação da estrutura
familiar. Historicamente, o direito romano influenciou de
forma marcante a estrutura da tradição jurídica
ocidental, porquanto muitos institutos jurídicos nele

1 LANZ, Letícia. Cisgênero. Disponível em:


<http://www.leticialanz.org/cisgenero/>. Acesso em: 9 fev. 2014.
2 BARRETO, Maíra de Paula; GALDINO, Valéria Silva. Os princípios

gerais de direito de família e os direitos da personalidade. Revista


Jurídica Cesumar - Mestrado, Maringá, v. 7, n. 1, p. 277-308, jan./jun.
2007.
3
ALBORNOZ, Suzana Guerra. As esferas do reconhecimento: uma
introdução a Axel Honneth. Cadernos de Psicologia Social do
Trabalho. São Paulo, v. 14, n.º 1, p. 127-143, jun. 2011.
124 Novos Direitos...

tiveram origem ou dele sofreram influxo.4


Com o desenvolvimento do modelo familiar, está
se tornou um campo de reconhecimento que cada
membro exerce o seu papel, proporcionando um motivo
para partilhar tal configuração.
É na família que os seres humanos começam a
entender o convívio em sociedade, ao observar os
demais membros. Esses são os primeiros passos para a
luta por um reconhecimento.
Afirma Axel Honneth,

Ao lado da totalidade de uma família é colocada, de


certo modo analiticamente, uma série de identidades
familiares semelhantes, de sorte que resulta daí um
primeiro estado de convívio social; na medida em que
cada uma das famílias coexistentes deve se “apoderar
de uma porção de terra” para seu “bem” econômico, ela
exclui necessariamente a outra de seu uso comum da
própria terra.5

Neste primeiro estado de convívio social, a


necessidade por um espaço faz com que cada indivíduo
lute para desenvolver uma autoconfiança, a dedicação
emotiva que os entes familiares podem proporcionar
demonstra uma gama de possibilidades de realizações,
por sua vez uma possível concretização do
reconhecimento.
Essas realizações são permeadas pelo afeto, este
o elo que faz as relações familiares um campo de
reconhecimento individualizado.
É por intermédio da construção do self6 que cada

4 CARDIN, Valéria Silva Galdino. Dano moral no direito de família. São


Paulo: Saraiva, 2012, p. 65.
5 HONNETH, Axel. Luta por reconhecimento: a gramática moral dos

conflitos sociais. Trad. Luiz Repa. São Paulo: 34, 2003. p. 82-83.
6
TAYLOR, Charles. As fontes do self: a construção da identidade
moderna. 3. ed. Trad. Adail Ubirajara Sobral e Dinah de Abreu
Azevedo. São Paulo: Loyola, 2011.
Do reconhecimento da sexualidade humana... 125

indivíduo consegue no âmbito familiar lutar por um


espaço que lhe pertence7. Porém, nem sempre a família
demonstra-se como um ambiente terno, propicio ao
reconhecimento.
A sexualidade humana, saturada por conceitos
sociais e culturais, pode por sua vez acarretar em uma
exclusão familiar8. As manifestações fora do padrão
social aceito acarreta uma forma de exclusão do
ambiente familiar, uma dessas consequências é o
abandono afetivo.
Segundo Giselda Maria Fernandes Novais
Hironaka,

O dano causado pelo abandono afetivo é antes de tudo


um dano à personalidade do indivíduo. Macula o ser
humano enquanto pessoa, dotada de personalidade,
sendo certo que essa personalidade existe e se
manifesta por meio do grupo familiar, responsável que
é por incutir na criança o sentimento de
responsabilidade social, por meio do cumprimento das
prescrições, de forma a que ela possa, no futuro,
assumir a sua plena capacidade de forma juridicamente
aceita e socialmente aprovada.9

A ausência de reconhecimento no âmbito familiar


pode causar consequências nefastas ao desenvolvimento
em sociedade daquele que foi excluído ou abandonado, a
ausência de afeto é, portanto, o componente ameaçado
na formação familiar de cada indivíduo que a ela
presente.

7 ARAUJO, Paulo Roberto Monteiro de. Charles Taylor: para uma ética
do reconhecimento. São Paulo: Loyola, 2004.
8 SZANIAWSKI, Elimar. Limites e Possibilidade do direito de

redesignação do estado sexual. São Paulo: Revista dos Tribunais,


1999.
9 HIRONAKA, Giselda Maria Fernandes Novaes. Pressupostos,

elementos e limites do dever de indenizar por abandono afetivo.


Disponível em: <www.ibdfam.org.br/art.s288>. Acesso em: 23 mar.
2010.
126 Novos Direitos...

Valéria Silva Galdino Cardin e Vitor Eduardo Frosi


corroboram com esse pensamento preceituando que,

Enquanto predicado do direito da família, o afeto


assume posição de direito fundamental, sendo também
criador de entidades familiares e de outros
relacionamentos socioafetivos, despontando assim
como cláusula geral de proteção aos direitos da
personalidade. 10

Para Axel Honneth, as relações primárias são o


amor e a amizade, a composição do reconhecimento na
família é o afeto e este demostra-se como motor para o
reconhecimento, a dedicação emotiva que os membros
da família desempenha no desenvolvimento dos seus,
produz um invólucro de proteção, de cuidado e de
reconhecimento11.
Nesse aspecto Letícia Carla Baptista Rosa
assevera,

A priori a família atual está calcada na afetividade, na


pluralidade de formas e na importância individual de
cada um de seus membros, não há mais uma
instituição e sim um instrumento que irá existir para o
fim de trazer a realização pessoal de cada um de seus
membros.12

A realização pessoal nesse aspecto é o

10 CARDIN, Valéria Silva Galdino; FROSI, Vitor Eduardo. O afeto


como valor jurídico. (Org.). XIX Encontro Nacional do CONPEDI -
Fortaleza. São Paulo: Fundação Boiteux, 2010.
11 ARAÚJO NETO, José Aldo Camurça de. A categoria
“reconhecimento” na teoria de Axel Honneth. Argumentos revista de
filosofia. Fortaleza, v. 3, n.º 5, p. 139-147.
12 ROSA, Letícia Carla Baptista. Da vulnerabilidade das crianças

oriundas da reprodução humana assistida quando da realização do


projeto homoparental. Dissertação de mestrado. Programa de Pós-
graduação em Ciência Jurídicas, Centro Universitário de Maringá.
CESUMAR. Maringá, 2013, p. 36.
Do reconhecimento da sexualidade humana... 127

reconhecimento como membro daquela família, a


integridade na dedicação emotiva, faz com que o espaço
de conquista possibilite uma melhor inserção na
coletividade, e, portanto, o cumprimento do papel social.
A família é o início do pré reconhecimento do
projeto de vida de cada ser humano, no desenvolvimento
do self. A base familiar torna-se de fundamental
importância no contingente do ser humano e seu projeto
de vida.
Valéria Silva Galdino Cardin assevera que “em
qualquer entidade familiar deve prevalecer o princípio da
dignidade da pessoa humana e o dever de
solidariedade.”13 Esses devem ser a base da construção
do afeto e a sua distribuição entre os membros familiares.
O desenvolvimento do self no âmbito familiar é o
elo que demonstra a importância do afeto na luta pelo
reconhecimento, a vida em coletividade passa a ser
permeada pela incessante busca de realização do projeto
de vida.
A família é a base da construção desse
reconhecimento, é nela que os indivíduos procuram se
identificar, onde é formada a personalidade com a ajuda
do afeto dos membros daquela família,
independentemente de sua configuração.
Com base nesse entendimento Axel Honneth
preceitua,

‘Cada um é igual ao outro justamente aí onde está oposto a


ele; ou o outro, por aquilo que lhe é outro, é ele mesmo’.
Mas essa experiência recíproca do saber-se-no-outro só se
desenvolve até chegar a uma relação de amor real na
medida em que é capaz de tornar-se um conhecimento das
duas partes, intersubjetivamente partilhado; pois só quando
todo sujeito vem a saber de seu defrontante que ele
‘igualmente se sabe em seu outro’ e ‘para mim’. Para

13CARDIN, Valéria Silva Galdino. Dano moral no direito de família.


São Paulo: Saraiva, 2012, p. 65.
128 Novos Direitos...

designar essa relação mutua de reconhecer-se-no-outro,


Hegel emprega [...] o conceito de ‘reconhecimento’: na
relação amorosa, escreve ele em uma nota marginal, é o ‘si
não cultivado, natural’, que é ‘reconhecido’.14

O desenvolvimento da sexualidade é por sua vez


uma luta incessante por espaço na família. A
necessidade do reconhecimento da sexualidade de cada
ser humano é a afirmação da própria personalidade, o
Homem busca identificar-se com aqueles pelo quais os
laços de afeto se formaram.

6.3 DIREITOS, SEXUALIDADE E RECONHECIMENTO

Com o desenvolvimento do self na família, a tutela


da personalidade passa então por uma nova etapa de
reconhecimento, o direito, este proporciona um
enriquecimento na luta por um espaço social, onde o
respeito cognitivo encontra-se em seu ápice de
desenvolvimento ou violação.
Segundo Axel Honneth,

[...] o direito representa uma relação de


reconhecimento recíproco através da qual cada pessoa
experiência, como portados das mesmas pretensões, o
mesmo respeito, ele não pode servir justamente como
um médium de respeito da biografia particular de cada
indivíduo; pelo contrário;, uma tal forma de
reconhecimento, de certo modo individualizada,
pressupõe ainda, além da operação cognitiva do
conhecimento, um elemento da participação emotiva
que torna experienciável a vida do outro como uma
tentativa arriscada de autorrelação individual.15

A integridade social que o direito pode

14
HONNETH, Axel. Luta por reconhecimento: a gramática moral dos
conflitos sociais. Trad. Luiz Repa. São Paulo: 34, 2003, p. 77.
15 Ibidem, p. 105.
Do reconhecimento da sexualidade humana... 129

proporcionar faz com que cada pessoa busque na sua


concretização, uma imputabilidade moral, por sua vez as
leis possibilitam ao ser humano uma visão de que é
possível realizar o projeto de vida desenvolvido no âmbito
familiar.
O direito é o liame entre o projeto de vida e a
concretização na sociedade, reconhecer-se em direitos e
obrigações faz com que cada ser humano possa
desenvolve-se por intermédio de uma capacidade, a
igualdade.
Para Axel Honneth,

O direito é a relação da pessoa em seu procedimento


para com o outro, o elemento universal de seu ser livre
ou a determinação, limitação, eu não tenho por minha
parte de maquiná-la ou introduzi-la de fora, o próprio
objeto é esse produzir do direito em geral, isto é, da
relação que reconhece.16

A generalização de direitos nada mais é que a


possibilidade do ser humano em se igualar uns aos
outros. No que se refere a sexualidade e o ordenamento
jurídico pátrio é uma incessante luta por reconhecimento
de direitos negados às diversas expressões da
sexualidade.
A complexibilidade da condição humana na
sexualidade faz com que muitos preconceitos sejam
colocados ao posto mais elevado do ordenamento
jurídico, porém o ser humano deixa de exercer o papel de
fim, nas relações jurídicas, e passa a assumir outras
configurações17.
A personalidade humana, mais precisamente no
âmbito da sexualidade, sofre com a falta de
reconhecimento generalizado, o misticismo advindo

16
Ibidem, p. 85.
17CATONNÉ, Jean-Philippe. A sexualidade ontem e hoje. 2 ed. São
Paulo: Cortez, 2001. p. 18.
130 Novos Direitos...

desde a Era Vitoriana18, fez com as manifestações da


sexualidade humana sofressem com a falta de espaço na
sociedade.
Por esse motivo, o direito possui um papel de
fundamental importância na construção de um novo
paradigma da sexualidade humana, a luta por
reconhecimento dessas minorias na construção e na
idealização da liberdade e igualdade.
Os direitos da personalidade foram resguardados
e a compreensão da sexualidade humana como um
direito da personalidade corrobora no entendimento que o
reconhecimento de direitos às manifestações da
sexualidade antes deixadas à margem da sociedade faz
com que cada indivíduo desenvolva um auto respeito
para enfim cumprir o seu papel social.
Com efeito, assevera Axel Honneth que,

[...] ‘direitos’ são algo por meio do qual cada ser


humano pode saber-se reconhecido em propriedades
que todos os outros membros de sua coletividade
partilham necessariamente com ele, eles representam
para Mead uma base muito geral, embora sólida, para
o autorrespeito. [...] reconhece-se reciprocamente
como pessoa de direito significa que ambos os sujeitos
incluem em sua própria ação, com efeito de controle, a
vontade comunitária incorporada nas normas
intersubjetivamente reconhecidas de uma sociedade. 19

O direito demonstra na visão do autor uma


reciprocidade coletiva, a partir do momento que cada ser
humano se identifica com o reconhecimento do outro, há
uma efetivação das garantias de liberdade, igualdade e
dignidade da pessoa humana.

18 FOUCAULT, Michel. História da Sexualidade I: a vontade de saber.


Trad. Maria Thereza da Costa Albuquerque e J. A. Guilhon
Albuquerque. Rio de Janeiro: Graal, 1988.
19 HONNETH, Axel. Luta por reconhecimento: a gramática moral dos

conflitos sociais. Trad. Luiz Repa. São Paulo: 34, 2003, p. 138.
Do reconhecimento da sexualidade humana... 131

Essa personalidade, que o direito proporciona,


identifica cada pessoa como indivíduo reconhecido,
concede-lhe individualidade e o distingue para propiciar o
seu desenvolvimento social, remetendo-a a mais pura e
valiosa forma de reconhecimento20.
Nesse sentido que Axel Honneth afirma,

Uma pessoa só pode se sentir “valiosa” quando se


sabe reconhecida em realizações que ela justamente
não partilha de maneira indistinta com todos os
demais.21

Então, a forma de reconhecimento personalíssimo


que o direito proporciona ao indivíduo, e por sua vez a
sexualidade humana como um direito da personalidade,
configura o sujeito impulsionando-o para a autoestima
social, dando-lhe feedback para a luta de sua honra e
dignidade na eticidade.

6.4 SOCIEDADE, SEXUALIDADE E


RECONHECIMENTO

Logo, é na estima social que cada ser humano


concretiza o seu projeto de vida, ao sentir-se reconhecido
e incluso naquela sociedade, a personalidade torna-se
concreta, não por menores, a sexualidade humana como
uma esfera da personalidade também se realiza ao
encontrar amparo na sociedade.
A integridade social se materializa nas relações
humanas, sejam elas com base na afetividade, na
amizade, na comunidade de valores e na chamada
solidariedade. Resultando no ideal de, incluir seus
membros como parte de um propósito ainda maior, a

20 DE CUPIS, Adriano. Os Direitos da Personalidade. Campinas:


Romana Jurídica, 2004.
21 HONNETH, Axel. Luta por reconhecimento: a gramática moral dos

conflitos sociais. Trad. Luiz Repa. São Paulo: 34, 2003, p. 204.
132 Novos Direitos...

dignidade humana.
Todavia, a esfera de reconhecimento que a
sociedade pode demonstrar é de tamanha importância
para a sexualidade humana, pois ela já pertenceu a esse
rol de reconhecimentos, desde o seu cuidadoso
encerramento, e a exclusão das demais manifestações
da sexualidade, é que os indivíduos que se encontram
nesse grupo buscam um espaço na sociedade.
Espaço esse de reconhecimento da comunidade
de valores em prol daqueles que são excluídos da
solidariedade. A eticidade então demostra a sua maior
força, corrobora para uma busca incessante para a
inclusão e exercício do papel de cada pessoa na
sociedade, proporciona o status de membro desta,
detentor de uma estima familiar, uma integridade jurídica
e amparo social.
Nesse sentido Axel Honneth preceitua,

Um conceito de eticidade próprio da teoria do


reconhecimento parte da premissa de que a integração
social de uma coletividade política só pode ter êxito
irrestrito na medida em que lhe correspondem, pelo
lado dos membros da sociedade, hábitos culturais que
têm a ver com a forma de seu relacionamento
recíproco; daí os conceitos fundamentais com que são
circunscritas as pressuposições de existência de uma
tal formação da comunidade terem de ser talhados
para as propriedades normativas das relações
comunicativas; o conceito de “reconhecimento”
representa para isso um meio especialmente
apropriado porque torna distinguíveis de modo
sistemático as formas de integração social, com vista
ao modelo de respeito para com a outra pessoa nele
contido.22
A inclusão social que a eticidade proporciona, faz
com que a personalidade de cada pessoa sobressaia
como uma característica e não como um fator dominante

22 Ibidem, p. 108
Do reconhecimento da sexualidade humana... 133

de exclusão.
Na coletividade contemporânea, a busca
incessante por um espaço na sociedade pressupõe o
desenvolvimento de novos direitos que possibilitam a
inclusão não só das expressões da sexualidade.
A exclusão social é uma realidade histórica na
sociedade brasileira, e por sua vez demonstram a
formação de grupos vulneráveis, entre eles as minorias
sexuais, que lutam pelo reconhecimento e a igualdade de
direitos.
Nesse entendimento, Jairo Néia Lima preceitua,

A exclusão social, portanto, vai além da pobreza como


carência de recursos e revela-se muito mais como um
processo histórico de impedimento ao acesso de
instrumentos sociais integradores, gerando, assim, um
grupo de indivíduos fruto dessa ruptura social, os
excluídos, que não tem voz e poder na sociedade.23

A sociedade, coloca como uma mordaça o grito


por igualdade dos excluídos, a partir do momento que
essas minorias invocam os direitos a eles concedidos,
começa a luta na esfera jurídica, que refletirá na estima
social, o que importa nesse momento não é o que
individualizam e sim os que caracterizam como seres
humanos.
Na vida social, a autoestima deve-se portar dentro
da honra e da dignidade, a capacidade de auto realização
faz com que a vida em coletividade seja uma realidade, e
o reconhecimento ou a luta por este o combustível para a
igualização na eticidade.
De acordo com Axel Honnth,

[...] a estima social assume um padrão que confere às


formas de reconhecimento associadas a ela o caráter

23 LIMA, Jairo Néia. Direito fundamental à inclusão social: eficácia


prestacional nas relações privadas. Curitiba: Juruá, 2012, p. 37.
134 Novos Direitos...

de relações assimétricas entre sujeitos biograficamente


individuados: certamente, as interpretações culturais
que devem concretizar em casa caso os objetivos
abstratos da sociedade no interior do mundo da vida
continuam a ser determinadas pelos interesses que os
grupos sociais possuem na valorização das
capacidades e das propriedades representadas por
eles; mas, no interior das ordens de valores efetivadas
por via conflituosa, a reputação social dos sujeitos se
mede pelas realizações individuais que eles
apresentam socialmente no quadro de suas formas
particulares de autorrealização.24

É na sociedade que o homem busca seu espaço,


essa incessante luta por reconhecimento até o ponto de
se incluir demostra-se como o liame do projeto de vida
iniciado no âmbito familiar e concretizado com a estima
social. Cada indivíduo se reconhece no outro a partir do
momento que o outro se reconhece nele.
Portanto, a vida em sociedade é uma construção
de lutas, no ambiente familiar e na esfera jurídica. A
realização do projeto de vida faz com que cada ser
humano possa se auto reconhecer em família, no direito
e na solidariedade.
Axel Honneth preceitua,

[...] para poderem chega a um autorrelação infrangível,


os sujeitos humanos precisam ainda, além da
experiência da dedicação afetiva e do reconhecimento
jurídico, de uma estima social que lhes permita referir-
se positivamente a sua propriedade e capacidade
concretas.25

A propriedade de reconhecer-se como humano


faz com que cada indivíduo se torne único e a

24
HONNETH, Axel. Luta por reconhecimento: a gramática moral dos
conflitos sociais. Trad. Luiz Repa. São Paulo: 34, 2003, p. 208.
25 Ibidem, p. 198.
Do reconhecimento da sexualidade humana... 135

personalidade demonstra uma individualidade


característica. A solidariedade preceitua um
reconhecimento único, a de exercício da existência
humana.
Pedro Pereira dos Santos Peres assevera,

[…] todo ser humano é uma pessoa, dotado de


personalidade, com direitos e deveres, membro da
sociedade em que vive e merecedor de uma existência
humana, e não sub-humana.26

Por fim, o ser humano é uma construção de


pequenos reconhecimentos, permeado de fatores
internos e externos, sendo que na família o afeto torna-se
o combustível para o desenvolvimento e a base do
projeto de vida, no direito a generalização e a condição
humana faz com que cada pessoa possa realizar-se em
igualdade, liberdade e dignidade e a estima social efetiva
todo o projeto de vida, ao contrário do direito,
individualiza e o realiza enquanto pessoa.

6.5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Pode-se afirmar que a teoria do reconhecimento


de Hegel, apresenta-se como um método eficaz para
entender como a sexualidade ocorre na sociedade.
A busca de um espaço na eticidade na luta por
reconhecimento de cada indivíduo apresenta-se de
fundamental importância na construção do self e por sua
vez as manifestações da sexualidade discriminada ou
não pela coletividade engajam-se na mesma esteira.
Todavia, com a sistematização de Axel Honneth e
seus modos de reconhecimento, a sexualidade

26 PERES, Pedro Pereira dos Santos. O direito à educação e o


princípio constitucional da dignidade da pessoa humana. Jus
Navigandi, Teresina, ano 9, n. 417, 28 ago. 2004. Disponível em:
<http://jus.com.br/revista/texto/5633>. Acesso em: 10 dez. 2013.
136 Novos Direitos...

apresenta-se como motor para o desenvolvimento da


personalidade no âmbito familiar, na esfera jurídica e na
coletividade, daqueles indivíduos que se encontra fora do
padrão cisgênero e heteronormativo.
Por fim, a sexualidade humana configura-se como
um direito da personalidade, e seu livre desenvolvimento
possibilita ao ser humano a construção de uma
identidade e personalidade baseada na autonomia da
vontade, na liberdade, na igualdade e na dignidade da
pessoa humana. A vivência de uma sexualidade
permeada por esses princípios permite ao self a
construção de uma sociedade, livre justa e solidária.

6.6 REFERÊNCIAS

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reconhecimento: uma introdução a Axel Honneth.
Cadernos de Psicologia Social do Trabalho. São Paulo, v.
14, n.º 1, p. 127-143, jun. 2011.

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- VII -

DOS ASPECTOS CONTROVERTIDOS DA


REPRODUÇÃO HUMANA ASSISTIDA E DA ÉTICA NA
TUTELA DOS DIREITOS DA PERSONALIDADE

Fernanda Moreira Benvenuto Mesquita Simões*


Lilian Fernanda Bizetti**

7.1 INTRODUÇÃO

Desde a metade do século passado a expansão


na área científica juntamente com a globalização casou
uma mudança especial na família, pois a reprodução
humana assistida deixou de ser algo considerado
primordial, dando margem ao casal de exercer sua
vontade de ter um filho, até quando a natureza se opõe.
Assim, como as pessoas têm os seus direitos
resguardados pela Constituição Federal no §7º do art.
226, de gerar um filho e quando não conseguir pelos
métodos naturais, o Estado garante os direitos
reprodutivos por meio do planejamento familiar que está
respaldado na Lei nº 9.263/1996.
O Estado protege tanto o direito de procriar, como
o direito à liberdade, a saúde, ao planejamento familiar e
o basilar de todos que é a vida. Para tanto, a legislação
pátria prevê no art. 1.597 do Código Civil a legitimação

* Cartorária em Maringá – PR, (2ª Vara de Família, Sucessões e


Acidente de Trabalho). Mestre em Ciências Jurídicas com ênfase em
Direitos da Personalidade do Centro Universitário CESUMAR.
Especialista em Direito de Família à luz da Responsabilidade Civil pela
Universidade Estadual de Londrina - UEL (2011). Graduada em Direito
pela Faculdade Maringá (2006).
**
Especialista em Direito Civil pela Escola da Magistratura do Paraná.
Graduada em Direito pela UNIPAR – Universidade Paranaense.
Advogada no Paraná.
142 Novos Direitos...

deste direito de procriar, através da reprodução


medicamente assistida, aos casais que não puderam
gerar filhos de forma natural.
Na atualidade as pesquisas têm utilizado diversas
técnicas de reprodução assistida, quais sejam: a
fertilização “in vitro”, a transferência intratubária de
gametas, a inseminação artificial, dentre outros.
Com a fusão dessas técnicas inovadoras alguns
problemas de ordem religiosa, ética, moral e jurídica
foram questionados por diversos estudiosos,
doutrinadores e religiosos.
Em uma visão jurídica, a reprodução humana
assistida, dispõe de diversas controvérsias, e uma delas
é quanto à inseminação artificial heteróloga, pois a
reprodução realizada no casal é feita com os gametas de
terceiros, o que gera imensos conflitos como, por
exemplo, o anonimato do doador frente à origem genética
da criança advinda desta reprodução.
A polêmica está diante da inseminação artificial
heteróloga, pois o que é muito discutido é o direito de
filiação, sendo que a criança gerada dessa técnica não
irá saber quem é o seu pai biológico, diferentemente da
inseminação homóloga que o material genético utilizado
para a reprodução será do casal, o que não gera dúvidas
quanto à filiação.
No entanto, diante de tantas discussões, a
legislação acerca do tema se encontra escassa, uma vez
que único dispositivo que disciplina a reprodução humana
assistida é o art. 1.597 do Código mencionado, e quanto
à destinação dos embriões excedentários que é
disciplinada pela Lei n.11.105/2005.
Dessa forma, o foco em estudo será quanto à
inseminação artificial heteróloga, prevista no inciso V do
art. 1.597, do Código Civil, pois a mesma acarreta
algumas questões conflituosas no Direito de Família, no
que tange a filiação e ao Direito Sucessório.
Dos aspectos controvertidos da reprodução... 143

7.2 DA REPRODUÇÃO HUMANA ASSISTIDA

7.2.1 Do conceito e das técnicas de reprodução


humana assistida

A reprodução humana assistida pode ser


considerada um conjunto de técnicas que medicamente
facilitam a fecundação humana, através da utilização de
embriões e gametas, que tem como finalidade suprir a
infertilidade tanto feminina quanto a masculina, diante do
nascimento de um novo ser humano.
Para Álvaro Vilhaça Azevedo, “a reprodução
assistida consiste na fecundação, com artificialidade
médica, informada e consentida por escrito, por meio de
inseminação de gametas humanos, com a probabilidade
de sucesso e sem risco grave de vida ou de saúde, para
o paciente e seu futuro filho”.1
A fecundação também pode ser definida como um
procedimento biológico, advindo da união dos gametas
feminino (óvulo) e masculino (espermatozóide), que irá
surgir uma nova célula que poderá ser chamada de
embrião.
No entanto, o homem não influência no processo
de fecundação, pois a mesma não constitui uma garantia
de gravidez, uma vez que depende da natureza, ou seja,
das condições necessárias para que o embrião se
desenvolva no útero materno.
Como principais técnicas de reprodução humana
assistida têm-se: a inseminação artificial homóloga, a
inseminação artificial post mortem, inseminação artificial
heteróloga, a fecundação in vitro, as consideradas “mães
substitutas” popularmente conhecidas como barrigas de
aluguel, entre outras.

1 AZEVEDO, Álvaro Vilhaça, apud, SÁ, Maria de Fátima Freire de.


(coord.). Biodireito. 2002, p. 286.
144 Novos Direitos...

A inseminação será homóloga ou heteróloga


dependendo da origem dos gametas, ou seja, a
inseminação artificial homóloga ocorrerá quando os
gametas advierem do casal que se responsabilizará pela
maternidade e paternidade da criança. Já na inseminação
artificial heteróloga, os gametas poderão ser total ou
parcialmente de terceiros, isto é, será total quando o
espermatozóide e o óvulo originar de uma terceira
pessoa, ou parcial quando apenas uns dos gametas
forem de um terceiro.
Na inseminação post mortem podem surgir
algumas dúvidas quanto à filiação, posto que, a cônjuge
ou companheira será inseminada após a morte de seu
marido ou companheiro. Conforme dispõe o art. 1.597, III
do Código Civil, uma das maneiras de reconhecimento da
paternidade qual seja, post mortem é que havidos por
fecundação artificial homóloga, mesmo que falecido o
marido a criança nasça 300 dias subsequentes após a
morte do marido, em que haverá a presunção de filiação.
Salienta-se, que o art. 1.597, III do Código Civil
dispõe acerca da presunção dos filhos advindos da
inseminação artificial homóloga, após a morte do
cônjuge, assegurando a filiação independente de quando
a criança vir a nascer.
No entanto, a presunção que está descrita no
artigo supracitado abrange apenas o casamento e não a
união estável, devendo a criança concebida neste caso
ser reconhecida conforme disposição, do art. 1.6092 e
incisos do Código Civil.

2 Art. 1609. “O reconhecimento dos filhos havidos fora do casamento é


irrevogável e será feito: I- no registro do nascimento; II- por escritura
pública ou escrito particular, a ser arquivado em cartório; III- por
testamento, ainda que incidentalmente manifestado; IV- por
manifestação direta e expressa perante o juiz, ainda que o
reconhecimento não haja sido o objeto único e principal do ato que o
contém.”
Dos aspectos controvertidos da reprodução... 145

Existem muitas divergências doutrinárias quanto


ao direito sucessório da criança nascida deste tipo de
reprodução, porque para alguns estudiosos a criança terá
direito ao espólio desde que o de cujus assegure este
direito através de testamento.
As técnicas de reprodução humana assistida
podem ser diferenciadas pelo seu custo econômico e
conforme a indicação terapêutica que o casal deverá
utilizar para obter o desejo tão esperado de ter um filho e
obviamente que fará bem para a saúde de ambos.
Na inseminação artificial heteróloga a questão
quanto à filiação é conflitante porque a criança gerada
desta técnica terá um pai biológico diferente daquele que
irá criá-la, educá-la, assim, o art. 1.597 do Código Civil
dispõe que se houve o consentimento do pai socioafetivo
em assumir a paternidade, o mesmo não poderá
posteriormente negar está filiação.

7.2.2 Do planejamento familiar

O planejamento familiar é regulamentado pela Lei


nº 9.263/1996, que prevê em seus dispositivos o direito
que todo cidadão tem de procriar. No art. 2º da Lei ora
mencionada prevê que: “Para fins desta lei, entende-se
por planejamento familiar como o conjunto de ações de
regulação da fecundidade que garanta direito igual de
constituição, limitação ou aumento da prole pela mulher,
pelo homem ou pelo casal”.
Assim, a legislação garante a todo cidadão o
direito de expressar sua vontade na escolha de ter ou
não filhos, e se não puderem tê-los de maneira natural, é
oferecido o exercício da reprodução medicamente
assistida.3 Cabe ao casal a decisão de quantos filhos irão
ter e o intervalo de tempo entre eles.

3 Art. 9º. Para o exercício do direito ao planejamento familiar, serão


oferecidos todos os métodos e técnicas de concepção e contracepção
146 Novos Direitos...

Neste pensamento, Maria Irene Szmrecsányi


analisa que: “a família irá se reduzir a tamanhos
compatíveis com o modo, estilo e nível de vida
escolhidos, dentro dos limites econômicos, sociais e
familiares”.4
Por isso é assegurado a homens e mulheres o
direito de igualdade a escolha de se procriar e sua
liberdade sexual como direito fundamental. No âmbito
constitucional, o planejamento familiar é respaldado no
art. 226 §7º, que determina:

Art. 226- (...)


§ 7º- Fundando nos princípios da dignidade da pessoa
humana e da paternidade responsável, o planejamento
familiar é livre decisão do casal, competindo ao Estado
propiciar recursos educacionais e científicos para o
exercício desse direito, vedada qualquer forma
coercitiva por parte de instituições oficiais ou privadas.

Quando a norma constitucional se refere à


parentalidade responsável e ao exercício de recursos
científicos para a realização de técnicas de reprodução
humana assistida no planejamento familiar, o preceito
normativo está por adotar uma filiação socioafetiva,
baseada no afeto do novo modelo de família e não na
filiação biológica.
Portanto, o planejamento familiar garante que as
técnicas de reprodução humana assistida somente serão
oferecidas às pessoas que comprovem infertilidade para
procriar, assegurando o direito à vida correlacionada com
o princípio da dignidade humana, respeitando do feto e
as pessoas envolvidas na mencionada técnica.

cientificamente aceitos e que não coloquem em risco a vida e a saúde


das pessoas, garantida a liberdade de opção.
4 SZMRECSÁNYI, Maria Irene, apud, GAMA, Guilherme Calmon

Nogueira da. A nova filiação e as relações parentais: o


estabelecimento da parentalidade-filiação e os efeitos jurídicos da
reprodução assistida heteróloga. 2003, p. 444.
Dos aspectos controvertidos da reprodução... 147

7.2.3 Dos direitos fundamentais e direitos da


personalidade do embrião

Os direitos fundamentais são protegidos pelo art.


5°, pela Constituição Federal, quais sejam: o direito à
vida, basilar para o exercício dos demais direitos, à
liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade.
Assim, os direitos fundamentais analisados sob o prisma
da reprodução humana assistida, será o direito à vida,
sob o embrião utilizado desta reprodução, e à liberdade
quanto o direito do casal em expressar sua vontade de se
reproduzir ou não.
Tais direitos são considerados alicerces de direito,
pois todos os Estados democráticos estabelecem seus
valores através do princípio da dignidade humana.
Sarlet comenta que: “...a nossa Constituição –
pelo menos de acordo com o texto – pode ser
considerado como sendo uma constituição da pessoa
humana por excelência...”5
Sob este prisma, observa-se que o princípio da
dignidade e o direito à vida como sendo um direito
fundamental, estão interligados no sentido de que o casal
tem o seu direito assegurado pela Constituição Federal
de se reproduzir medicamente e dar vida a um novo ser
humano que terá sua dignidade resguardada pelo
Estado.
Entretanto, no que tange a reprodução humana
assistida há divergências nos direitos fundamentais
quanto aos princípios da inviolabilidade e da intimidade,
pois a Constituição Federal garante ao doador e receptor
de inseminação artificial heteróloga o direito ao
anonimato. Diante dos referidos princípios a criança
gerada desta técnica não saberá qual a sua origem

5SARLET, Ingo Wolfgang. Dignidade da pessoa humana e Direitos


Fundamentais na Constituição Federal de 1988, citr. p. 79.
148 Novos Direitos...

genética, e o ponto conflitante está no direito que este ser


humano tem que conhecer qual o seu material genético.
Existem inúmeras discussões quanto ferir ou não
tais princípios constitucionais, quais sejam o
conhecimento de sua origem genética e a proteção ao
anonimato do doador e receptor, a sua violação só
poderá ocorrer se o bem jurídico maior estiver em risco,
ou seja, a proteção à vida. A quebra desses princípios
ocorre quando a criança ou adulto advindo desta técnica
vier a sofrer alguma doença grave, que necessite o
conhecimento de seu material genético, na qual as
informações serão restritas aos médicos com fundamento
de que uma vida deve ser salva.
Cabe salientar também sobre os direitos da
personalidade civil, que está previsto no art. 2° do Código
Civil, qual seja: “A personalidade civil da pessoa começa
do nascimento com vida; mas a lei põe a salvo, desde a
concepção, os direitos do nascituro”.
Segundo Goffredo Telles Jr., os direitos da
personalidade são direitos comuns da existência, porque
são simples permissões dadas pela norma jurídica, a
cada pessoa, de defender um bem que a natureza lhe
deu, de maneira primordial e direta.6
No nosso ordenamento jurídico existem duas
correntes que deliberam sobre o início da personalidade,
que são a natalista e a concepcionista. A primeira é a
mais adotada, tendo em vista, que o nascituro deverá
nascer com vida para ter os seus direitos preservados; a
segunda assegura os direitos do nascituro, ou seja, do
embrião, a partir da sua concepção no útero materno
como sendo uma condição para a aquisição de tais
direitos.
Para o embrião ter a sua personalidade humana
analogicamente reconhecida tem que haver o nascimento

6
TELLES, Goffredo Jr, apud, PAIVA, Almeida. A personalidade civil do
homem começa com o nascimento com vida. Disponível em:
<http://www.scielo.br>. Acesso em: 04 jul. 2009.
Dos aspectos controvertidos da reprodução... 149

com vida, para que lhe seja assegurado os seus direitos


fundamentais na qual se perfaz a corrente natalista.
A pesquisadora Janete Resende entende de
maneira contrária:

O pré-embrião desde o momento de sua concepção,


independente se por métodos naturais ou em
laboratoriais, é indubitavelmente, pessoa em potencial,
portadora de atributos inerentes à pessoa humana,
consequentemente, personalidade jurídica em
potencial.7

Diante da análise crítica da respeitável


pesquisadora, a corrente adotada seria a concepcionista,
que entende que o embrião terá seus direitos
resguardados desde a sua concepção, quando o mesmo
se instala no útero materno.
Portanto, diante de diversas posições doutrinárias,
há a necessidade de garantir os direitos do embrião, visto
que, o Direito deve estar apto a proteger o direito à vida e
a dignidade da pessoa humana frente aos progressos
científicos que crescem desenfreadamente.

7.3 DAS QUESTÕES CONTROVERTIDAS NA


REPRODUÇÃO HUMANA ASSISTIDA

7.3.1 As controvérsias oriundas da inseminação


artificial heteróloga

As técnicas de reprodução, medicamente


assistida, envolvem alguns aspectos controvertidos, dos
quais chama atenção a inseminação artificial heteróloga,
por envolver um terceiro na procriação do casal. Essas
controvérsias envolvem um não conhecimento da filiação

7
RESENDE, Janete Coelho. Direitos de personalidade. Direito à vida
e proteção ao embrião. Disponível em:
<http://www.iptan.edu.br.br/revista/artigos>. Acesso em: 04 jul. 2009.
150 Novos Direitos...

por ser utilizado um material genético adverso do casal,


construindo assim uma paternidade socioafetiva. Há que
se destacar a proteção ao anonimato do doador e
receptor, e a possibilidade de futuramente desta
reprodução gerar uma relação incestuosa e
impedimentos matrimoniais.
Todas as questões supracitadas geram conflitos
principalmente na esfera jurídica, por não ter o tema uma
proteção legislativa. No Código Civil o legislador faz uma
abordagem quanto às técnicas da reprodução humana
assistida, na tentativa de adequar as normas frente aos
avanços biotecnológicos, nas quais se fazem presentes
no art. 1.597 e seus incisos, mais especificamente no
inciso V do qual trata sobre a inseminação artificial
heteróloga.

Art. 1.597- Presumem-se concebidos na constância do


casamento os filhos:
(…)
V - havidos, por inseminação artificial heteróloga,
desde que tenha prévia autorização do marido.

Destarte, quanto ao posicionamento do Código


Civil, se perfaz imprescindível a presença de autorização
prévia do marido e, por analogia do companheiro na
união estável, para que seja reconhecida a paternidade
do mesmo na inseminação artificial heteróloga, ou seja,
para que o filho advindo desta reprodução seja
considerado concebido durante o casamento.
Diante do não consentimento, não será imposto
ao marido ou ao companheiro à responsabilidade de
assumir a paternidade, este é também o entendimento da
Resolução n° 2013/2013 do Conselho Federal de
Medicina dispõe:

PRINCÍPIOS GERAIS.
3 - O consentimento informado será obrigatório para
todos os pacientes submetidos às técnicas de
Dos aspectos controvertidos da reprodução... 151

reprodução assistida. Os aspectos médicos envolvendo


a totalidade das circunstâncias da aplicação de uma
técnica de RA serão detalhadamente expostos, bem
como os resultados obtidos naquela unidade de
tratamento com a técnica proposta. As informações
devem também atingir dados de caráter biológico,
jurídico, ético e econômico. O documento de
consentimento informado será elaborado em formulário
especial e estará completo com a concordância, por
escrito, das pessoas a serem submetidas às técnicas
de reprodução assistida.

Assim, ainda dentro da inseminação heteróloga


ocorre também, os questionamentos das doações
anônimas e o direito a identidade genética da criança
nascida desta técnica. O Conselho Federal de Medicina
na sua Resolução n° 2.013/2013, dispõe no inciso IV, n°s.
2 e 4 o anonimato dos doadores e receptores:

2- Os doadores não devem conhecer a identidade dos


receptores ou vice-versa.
4- Obrigatoriamente será mantido o sigilo sobre a
identidade dos doadores de gametas e embriões,
assim como dos receptores. Em situações especiais,
por motivação médica, podem ser fornecidas
exclusivamente para médicos, resguardando-se a
identidade civil do doador.8

Todavia, o anonimato do doador deve ser mantido


em sigilo, com o objetivo de não ferir o seu direito a
intimidade resguardada constitucionalmente pelo inciso X
do art. 5°, da Constituição Federal, juntamente com a
proteção a intimidade do casal que procura as técnicas
de reprodução assistida.

8Conselho Federal de Medicina. Resolução n° 2.013, de 16 de abril


de 2013. Disponível em
<http://portal.cfm.org.br/images/PDF/resoluocfm%202013.2013.pdf.>
Acesso em: 23 jun. 2015.
152 Novos Direitos...

Art 5°- ( ...)


X- são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra
e a imagem das pessoas, assegurando o direito a
indenização pelo dano material ou moral decorrente de
sua violação.

Ressalta-se, que o direito a intimidade e o


anonimato do doador do material genético são direitos
fundamentais, bem como direito de conhecer sua origem
genética. No entanto, a doutrina majoritária, como o autor
Eduardo de Oliveira Leite, ao se posicionar quanto a
necessidade de formular uma legislação específica que
regulamente está situação, tendo em vista, a violação de
dois princípios fundamentais advindos do indisponível
princípio da dignidade da pessoa humana, devendo
prevalecer o direito à vida seja ela do doador ou receptor
que em caso de uma doença grave estes princípios
constitucionais devem ser violados
As pesquisadoras Adriana Ferreira e Karla Cunha
entendem que:

O direito da pessoa gerada por métodos da reprodução


assistida de ter conhecimento de quem for o seu
doador genético é personalíssimo e incompreensível de
violação, pois o que deve se manter indiscutivelmente é
o direito ao conhecimento da origem genética frente a
preservação da vida.9

Tendo em vista, o posicionamento das


pesquisadoras partiu do pressuposto que o direito à vida
só irá se sobrepor ao direito à intimidade do doador se for
reconhecida a necessidade através de uma doença grave
do receptor. A proteção do direito à vida que é
respaldado na Constituição Federal de 1988 é lesada

9 CUNHA, Karla Corrêa, FERREIRA, Adriana Moraes. Reprodução


Humana Assistida: Direito à Identidade Genética x Direito ao
Anonimato do Doador. Disponível em: < http:// www.lfg.com.br>
Acesso em 12 mar. 2009
Dos aspectos controvertidos da reprodução... 153

quando a criança advinda desta reprodução possuir uma


doença muito grave e precisar saber qual sua
ascendência genética para salvar-se.
Sob a análise de uma doença grave é que o
receptor deverá ter acesso a sua origem genética e é
neste momento que se questiona o direito de estar ou
não violando o anonimato a identidade do doador, pois a
premissa maior da violação de tais direitos fundamentais
deverão ser analisadas em cada caso concreto.
E por último, as consequências advindas do
direito ao anonimato do doador genético é uma possível
união de vínculos parentais, o qual Jesualdo Eduardo de
Almeida Júnior assevera:

[...] os filhos devem ter acesso aos dados biológicos do


doador para descoberta de possível impedimento
matrimonial, pois em se mantendo esse sigilo de forma
absoluta, isso poderia redundar, futuramente, em
relações incestuosas.10

Assim sendo, manter o doador no anonimato


poderá causar um encontro entre pessoas que possuem
o mesmo material genético ou até mesmo do doador com
o receptor, podendo gerar possíveis relações incestuosas
ao contraírem vínculos matrimoniais.

7.3.2 Da destinação dos embriões excedentários

Haverá um excesso de embriões quando o casal


se utilizar da técnica de fertilização in vitro, na qual o
médico deverá produzir um número razoável de embriões
a partir dos gametas doados. No entanto, somente serão

10 ALMEIDA, Junior Jesualdo Eduardo de. (2005, p. 96) apud


CÂNDIDO, Nathalie Carvalho. Reprodução medicamente assistida
heteróloga: distinção entre filiação e origem genética. Disponível em: <
http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=10171. Acesso em: 21 abr.
2009.
154 Novos Direitos...

aproveitados alguns destes embriões, os quais irão ser


injetados no útero materno, e os restantes deverão ser
mantidos congelados, para uma possível utilização caso
necessite.
Conforme prevê a Resolução n° 2013/2013 do
Conselho Federal de Medicina, os embriões
excedentários criopreservados não poderão ser
descartados ou destruídos, tendo os mesmos que
permanecer congelados por tempo imprevisto. Assim, a
destinação desses mesmos embriões deve ser dada pelo
casal, previamente formalizado por escrito caso ocorra
doença grave, divórcio, morte. A Resolução supracitada a
margem deste pensamento determina:

No momento da criopreservação, os cônjuges ou


companheiros devem expressar sua vontade, por
escrito, quanto ao destino que será dado aos embriões
criopreservados, em caso de divórcio, doença grave ou
falecimento de um deles ou de ambos, e quando
desejam doá-los.11

A destinação dos embriões excedentes está


protegida pela Lei da Biossegurança, e por respalda-se
na Resolução acima mencionada, há o que se dizer de
uma lacuna no nosso ordenamento jurídico. No Brasil o
único destino desses embriões crioconservados são as
doações voluntárias e anônimas para pessoas que
possuem problemas de fertilidade.
A destinação destes embriões gera inúmeros
conflitos quanto aos posicionamentos jurídicos e éticos
envolvidos, ao abranger desde a concepção de vida do
ser humano até o descarte final que será dado a tais
embriões. Para que se tenha uma noção de quando

11 Conselho Federal de Medicina. Resolução n° 2.013, de 16 de abril


de 2013. Disponível em
<http://portal.cfm.org.br/images/PDF/resoluocfm%202013.2013.pdf.>
Acesso em: 23 jun. 2015.
Dos aspectos controvertidos da reprodução... 155

ocorre o início da vida é necessário observar algumas


correntes doutrinárias como sobre o início da vida que
são: natalista, nidacionista e a concepcionista.
A corrente natalista defende que a personalidade
só será adquirida a partir do nascimento com vida, ou
seja, o nascituro somente será considerado ente
personalíssimo se nascer com vida. Na segunda
corrente, o momento da nidação, é que, irá surgir a vida
com a implantação do óvulo fecundado no útero materno.
Já na terceira corrente, a concepcionista, afirma que a
vida começa no instante da fecundação do óvulo e
espermatozóide, nesta teoria, surge um novo ser humano
a partir da concepção, quando o mesmo adquire
personalidade jurídica e passa a ser reconhecido como
pessoa.12
Assim, de acordo com as correntes acima
mencionadas, podem-se citar diversas diretrizes para
uma possível solução das discussões que enseja os
embriões excedentários e se os mesmos têm os seus
direitos resguardados. Neste pensamento, não poderia
existir a destruição dos embriões excedentes, visto que,
estes devem ser criopreservados até o tempo que for
destinado à sua utilização, seja essa qual for.
Acerca da destinação dos embriões
crioconservados há a Resolução do Conselho Federal de
Medicina que dispõe, neste sentido:

V - Criopreservação de gametas ou embriões:


2 - O número total de embriões produzidos em
laboratório será comunicado aos pacientes, para que
se decida quantos embriões serão transferidos a

12
ALMEIDA, Junior Jesualdo Eduardo de. Técnicas de reprodução
assistida e o biodireito. Disponível em: <http://www.jus.com.br>.
Acesso em: 20 jun. 2009.
156 Novos Direitos...

fresco, devendo o excedente ser criopreservado, não


podendo ser descartado ou destruído.13

Quanto ao Código Civil, o mesmo não se


posiciona aos questionamentos oriundos da destruição
dos embriões crioconservados, disciplinando apenas que
os filhos nascidos por inseminação homóloga e/ou
heteróloga e os embriões excedentários serão
presumidos concebidos durante o casamento, aplicando-
se analogicamente à união estável.
Destarte, a discussão sobre a destinação dos
embriões excedentes da reprodução humana assistida
será algo que deverá estar em constante evolução, na
busca de novos caminhos e soluções palpáveis para as
consequências desta reprodução. Todavia, a esperança
de todos aqueles que se utilizam da mencionada técnica
reprodutiva e aqueles que se dedicam aos seus estudos
aprofundados é que a mesma encontre respaldo jurídico
em uma legislação vigente.

7.3.3 Das discussões religiosas, sociais e éticas

Diante da discussão sobre os pontos


controvertidos da reprodução humana assistida, observa-
se que o avanço da biotecnologia está modificando as
relações parentais, mostrando paradigmas de que essa
relação não se baseia mais nos ditames tradicionais e
conservadores. Tendo em vista, tudo o que já foi dito, à
que se discutir sobre as questões religiosas e éticas num
contexto geral.
Sobre o aspecto religioso, Guilherme Gama diz
que:

13 Conselho Federal de Medicina. Resolução n° 2.013, de 16 de abril


de 2013. Disponível em
<http://portal.cfm.org.br/images/PDF/resoluocfm%202013.2013.pdf.>
Acesso em: 23 jun. 2015.
Dos aspectos controvertidos da reprodução... 157

A procriação somente é possível através do contato


sexual entre marido e mulher. A geração de uma vida
apenas pode ser fruto do casamento, segundo a
moralidade cristã, motivo pelo qual qualquer técnica
que não observe tal regra deve ser considerada ilícita,
as técnicas que envolvem a contribuição de terceiros
são proibidas, por constituírem violação ao
compromisso de fidelidade recíproca.14

Todavia, a mentalidade da Igreja Católica é fazer


interferências quando o tema a ser discutido pela
sociedade possa vir a ditar contra os seus ensinamentos.
Assim, a posição cristã católica quanto à reprodução
medicamente assistida é de repudiar qualquer que seja a
técnica que possibilite a procriação de forma artificial,
viola-se os seus mandamentos bíblicos e contra a
fidelidade matrimonial.15
A Igreja Católica não deve intervir nos progressos
da biomedicina e biodireito, diante de suas interposições
formadoras de opinião perante a sociedade, a mesma
deve estar a favor da vida, ao lado do desenvolvimento
de novas pesquisas que ajudem a salvar mais vidas.
Em outras religiões como o Judaísmo, o embrião
é valorizado após os 40 dias de concepção e assim como
no Islã são conhecidos como pessoa em torno do quarto
mês de gestação, neste país os procedimentos de
fertilização “in vitro”, são aceitos apenas se forem
utilizados o material genético do casal. 16
Em uma visão ética e moral será vista conforme o
comportamento de cada pessoa na sociedade, pois a

14 GAMA, Guilherme Calmon Nogueira da. A nova filiação: o biodireito


e as relações parentais: o estabelecimento da parentalidade – filiação
e os efeitos jurídicos da reprodução assistida heteróloga. Rio de
Janeiro: Renovar, 2003.
15 Ibidem, p. 444.
16
FERRIANI, Rui Alberto. Pesquisas com células embrionárias e
reprodução assistida. Disponível em: <http: www.google.com.br.
Acesso em: 20 jun. 2009.
158 Novos Direitos...

clínica de reprodução humana assistida não tem discutido


a fundo sobre o tema, se pautando respectivamente aos
termos técnicos. As questões morais são analisadas do
ponto de vista individual, no qual cada indivíduo irá
decidir de que forma se reproduzir seja ela de maneira
natural ou medicamente assistida.

7.4 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Diante das questões acima discutidas, há que se


observar que os progressos biotecnológicos crescem
constantemente no mundo científico e que a reprodução
medicamente assistida se encontra sem legislação
pertinente que a regulamente. Por falta de uma lei
específica o Código Civil e a Resolução do Conselho
Federal de Medicina n° 2013/2013, tentam suprir as
lacunas que surgem no nosso ordenamento jurídico
frente a tantas questões controvertidas oriundas desta
técnica.
O Estado tem que proteger os direitos
reprodutivos de homens e mulheres que lhes são
garantias constitucionais frente ao planejamento familiar
e a construção de um projeto parental. As técnicas de
reprodução assistida asseguram um planejamento
familiar as pessoas que não possuem fertilidade para se
reproduzir, juntamente com a proteção ao direito à vida e
a dignidade da pessoa humana do embrião e do casal
envolvido desta reprodução.
A principal meta deste trabalho é abrir novos
horizontes para as pesquisas científicas e principalmente
jurídicas, pois é através delas que serão regulamentadas
as novas relações familiares, advinda da reprodução
humana assistida, da filiação socioafetiva, da origem
genética dos envolvidos desta relação.
Destarte, o que se visa resguardar é o princípio da
dignidade humana e o direito à vida de todos os
interessados da reprodução humana assistida, pois sem
Dos aspectos controvertidos da reprodução... 159

sombra de dúvidas que este tema ainda gerará grandes


polêmica, tanto no campo jurídico para a elaboração de
uma legislação própria, quanto no campo religioso e
moral.

7.5 REFERÊNCIAS

ALMEIDA, Silmara Juny de Abreu Chinelato e. O


nascituro no Código Civil e no direito constituendo do
Brasil. Revista de Informação Legislativa. Brasília: a. 25,
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biotecnologia. Belo Horizonte: editora Mandamentos,
2005.
162 Novos Direitos...
- VIII -

HOMOPARENTALIDADE: UM DIREITO OU MITO?

Carlos Alexandre Moraes*


Elcio João Gonçalves Moreira**
Letícia Carla Baptista Rosa***

8.1 INTRODUÇÃO

Sabe-se que a sociedade da forma pela qual se


conhece hoje passou por diversas evoluções ao longo do
tempo, possuindo suas características próprias e que
devem ser respeitadas.
No sentido de respeito surgem os novos formatos
familiares que devem ser respeitados, visto que a família
é a base da sociedade.
O presente trabalho pretende tratar sobre a
homoparentalidade, termo de origem francesa que
consiste na possibilidade de filiação por casais
homoafetivos, se configurando em um formato familiar

*
Coordenador do curso de graduação em Direito do Centro
Universitário Cesumar – UniCesumar. Mestre em Direito Programa de
Mestrado em Direito com ênfase em Direitos da Personalidade do
Centro Universitário Cesumar – UniCesumar. Doutorando em Função
Social do Direito – FADISP. Endereço eletrônico: <
carlos.moraes@unicesumar.edu.br>.
**
Acadêmico da Graduação em Direito do Centro Universitário
Cesumar - UniCesumar. Bolsista do Programa Institucional de Bolsas
Iniciação Científica - PROBIC. Membro do Núcleo de Pesquisas e
Estudos em Diversidade Sexual - Nudisex. Endereço eletrônico:
<elcio-moreira@hotmail.com>.
***
Professora do Centro Universitário Cesumar - UniCesumar e da
Faculdade Metropolitana de Maringá - FAMMA. Mestre em Ciências
Jurídicas pelo Centro Universitário Cesumar - UniCesumar. Endereço
eletrônico: < leticia.rosa@unicesumar.edu.br>.
164 Novos Direitos...

que passou a ser reconhecido juridicamente na pós-


modernidade.
No ordenamento jurídico brasileiro há um claro
isolamento em suas entrelinhas, uma vez que por ser um
tema polêmico as famílias homoafetivas possui certo
desamparo, no que tange a normatização e o
reconhecimento social. Isso é fato de uma sociedade
como a brasileira, que toma como norte uma dogmática
fundamentalista, baseando-se em preceitos religiosos,
que acabam aumentando a discrepância com a realidade
social, prejudicando a afirmação de novos direitos.
Apesar de demasiadamente, o Direito vem dando
alicerce a essas discussões, formulando ideias e
discutindo acerca desses fatos que estão presentes em
nossa sociedade com intuito de serem analisados e de
haver uma positivação normativa, tendo em vista que a
antiga constituição familiar nuclear possui atualmente
novas configurações e o Direito deve dar respaldo a
todos os indivíduos, sem distinção de qualquer natureza.
O princípio da dignidade da pessoa humana vem
dando forma ao ativismo judicial que envolve o tema,
quando reconheceu em 2011 a família homoafetiva como
entidade familiar.
Fez-se necessário apresentar quais as formas que
um casal homoafetivo terá para efetivar o direito ao
planejamento familiar, seja por meio da adoção ou da
reprodução humana assistida.
Por fim, a presente pesquisa se valeu do método
teórico por meio de uma pesquisa bibliográfica em
literatura que trata do tema/problema em obras
doutrinárias, legislação, jurisprudência e documentos
eletrônicos de vários ordenamentos jurídicos.
Homoparentalidade... 165

8.2 A EVOLUÇÃO DO SIGNIFICADO DE FAMÍLIA

Nos primórdios das civilizações, a família era uma


instituição que tinha essencialmente bases religiosas,
sendo caracterizada como uma pequena sociedade com
seu chefe e seu governo.1
Portanto, existia um sistema hierárquico, onde se
atribuíam a figura de maior poder a expressão pater, que
possuía diversos significados. Na religião aplicava-se a
todos os deuses; na linguagem do foro, a todo homem
que tivesse autoridade sobre a família, logo, pater, não
exprimia significado de paternidade, mas de poder,
autoridade, de dignidade majestosa.2
Ao longo dos anos essa estruturação passou a se
modificar, com as mais diversas influências. A família,
sendo ela, a mais antiga forma de comunidade humana,
mesmo com as profundas transformações no decorrer da
história sempre se firmou como instituição social. 3
Em tese se define família como uma unidade
social formada por indivíduos ligados a laços afetivos,
sendo a célula primeira a abrigar o indivíduo, conferindo-
lhe dignidade e propiciando o desenvolvimento de sua
personalidade.4 Dessa forma, a família não é uma
instituição isolada, mas é parte orgânica de processos
sociais mais amplos, que incluem as dimensões
produtivas e reprodutivas das sociedades, os padrões
culturais e os sistemas políticos5, processos sociais esses

1 LEITE, Heloísa Maria Daltro. O Novo Código Civil: do direito de


família. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 2002. v. 4, p. 283.
2 Ibidem.
3 SCHLÜTER, Wilfried. Código civil alemão: direito de família. Fabris

editor, 2002.
4 SÃO PAULO, Maria Luiza de Lamare; REGO, Roberta da Silva

Dumas. Do Casamento. Disposições Gerais. O Novo Código Civil:


livro IV do direito de família. (Coord. Heloisa Maria Daltro Leite). Rio
de Janeirp: Freitas Bastos, 2002.p,4.
5 ARRIAGADA, I. Transformaciones familiares y políticas de bienestar

en América Latina. In: ARRIAGADA, I. (org). Familias y políticas


166 Novos Direitos...

que foram importantes para uma nova configuração


familiar.
Em essência seu conceito vem ao longo do tempo
ganhando novos moldes, hoje não se tem apenas a
família na idealização nuclear, há outras concepções
(monoparental, extensa, mosaico entre outras), no
entanto, nem todas possuem seus direitos positivados.
No que tange as transformações ocorridas no
âmbito familiar e as diversas manifestações sociais que
influenciaram numa nova formulação da mesma, Wilfried
Schlüter aduz que:

Devido ao fato da família ter perdido sua função de


comunidade econômico-produtiva, também mudaram
as relações dos membros da família entre si. Uma
causa essencial para o desmantelamento da imagem
patriarcal da família e sua substituição pela função
caracterizada pelo companheirismo e igualdade entre
os cônjuges.6

Ao atrelar a família ao ordenamento jurídico


brasileiro, a Constituição Federal de 1988, por meio do
princípio da dignidade da pessoa humana, princípio esse
que surgi dando alicerce ao ordenamento jurídico, como
princípio norteador, passa a analisando a instituição
familiar não pelo seu todo, mas pela visão de cada
membro constituinte, dando respaldo a todos os
indivíduos que a compõe - art. 226 da Constituição
Federal de 1988.
No que diz respeito a evolução da família na
contemporaneidade, Cristiano Chaves de Farias e Nelson
Rosenvald afirmam que:

Com o passar dos tempos, porém, o conceito de família


mudou significativamente até que, nos dias de hoje,

públicas en América Latina: Una historia desencuentros. Santiago de


Chile: CEPAL, 2007. p. 125-152.
6 SCHLÜTER, Wilfried. op. cit., p.56-57.
Homoparentalidade... 167

assume uma concepção múltipla, plural, podendo dizer


respeito a um ou mais indivíduos, ligados por traços
biológicos ou sócio-psico-afetivo, com a intenção de
estabelecer, eticamente, o desenvolvimento da
personalidade de cada um.7

Diante disso, a importância do indivíduo se


sobressai em relação a família8, dessa forma suas
manifestações de caráter, moral e identidade são
legalmente tutelados e respaldados, positivado no art. 5º
da Constituição Federal de 1988.

8.3 A VISÃO DA FAMÍLIA CONSTITUCIONALIZADA

Sobre a ótica dos positivistas, entende-se que só


se tem um direito respaldado mediante a sua positivação,
pois a positivação normativa sempre serviu como ponto
de partida a qualquer cidadão, no que tange seus direitos
e deveres.
A Constituição Federal como supranorma deve
disciplinar em seu texto normativo respaldo a todos
aqueles que compõem a nação de forma igualitária,
propiciando o efetivo amparo a todos os indivíduos que
fazem parte do Estado brasileiro.
Muitos doutrinadores afirmam que a Constituição
Federal de 1988, se firmou como uma constituição
principiológica, nesse sentido Luís Roberto Barroso e Ana
Paula Barcellos salientam que:

A lei fundamental e seus princípios deram novo sentido


e alcance ao direito civil, ao direito processual, ao
direito penal, enfim, a todos demais ramos jurídicos. A
efetividade da constituição é a base sobre a qual se

7 FARIAS, Cristiano Chaves de; e ROSENVALD, Nelson. Curso de


Direito Civil: Famílias. 5. ed. rev. ampl. e atual. São Paulo: Editora Jus
Podivm, 2013. v. 6, p. 40.
8 Ibidem, p.57.
168 Novos Direitos...

desenvolveu, no Brasil, a nova interpretação


constitucional.9

Nesse sentido a mesma deve garantir todos os


direitos fundamentais para o desenvolvimento do
indivíduo e sua fixação à sociedade, protegendo suas
bases constitutivas até seu pleno desenvolvimento.
Tanto o indivíduo quanto a família passam por
evoluções sociais, morais e psíquicas, como afirma Josef
Maria Puig,

o indivíduo não é um ser livre, mas, submetido a um


elemento externo, no qual o próprio deverá reconhecer
como superior e digno de ser obedecido e respeitado. 10

Dessa forma a norma constitucional optou por


listar a família como base da sociedade e lhe conferir
especial proteção, em seu art. 226, uma vez que a
mesma é a entidade responsável por subsumir o
indivíduo ao corpo social e nutri-lo com preceitos,
princípios e educações básicas.11
Sendo assim, a família se firma como uma
unidade dinâmica, nas suas diversas manifestações12,
tendo essa consagração no que discorre o art. 226 da
atual Constituição Federal, que expande o conceito
jurídico de família, onde estabelece sua proteção por
parte do Estado e amplia sua estruturação. Desta
maneira discorre o seu art. 226, §3º e §4º:

9 BARROSO, Luís Roberto. op. cit., p. 229-230.


10 PUIG, Josep Maria. A construção da personalidade moral. São
Paulo: Ática, 1998.p.31.
11 GAGLIANO, Pablo Stolze; FILHO PAMPLONA, Rodolfo. Novo curso

de direito civil, direito de família, a família em perspectiva


constitucional. 2. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Saraiva, 2012. v.
6.
12 CRUZ, M. B. da (1996), Transformações Sociais da Família.

Brotéria, v. 143, n. 1, 1996, p. 92-96.


Homoparentalidade... 169

Art. 226. A família, base da sociedade, tem especial


proteção do Estado.
§ 3º Para efeito da proteção do Estado, é reconhecida
a união estável entre o homem e a mulher como
entidade familiar, devendo a lei facilitar sua conversão
em casamento.
§ 4º Entende-se, também, como entidade familiar a
comunidade formada por qualquer dos pais e seus
descendentes.13

Ao estender a entidade familiar oriunda do


casamento civil, da união estável e da
monoparentalidade, houve a dissolução do casamento
civil como única forma de constituição familiar pelo
ordenamento jurídico, de forma a concretizar a evolução
social da época, representando um grande avanço nesse
prisma.
Essa ampliação fez com que a família se auto
regulasse, de forma a se estruturar conforme os laços
afetivos estabelecidos, tendo total autonomia,
prevalecendo de fato o amor que as une para além do
laço sanguíneo, se caracterizando como uma família
contemporânea, uma família plural, que incorporou
costumes sociais e as suas modificações.14
Assim, no que tange o direito de família, a
Constituição Federal de 1988 possibilitou grandes
avanços na conquista de novos direitos, uma vez que seu
texto constitucional possibilita diversas formas
interpretativas, porém houve apenas a positivação de
praxes.
Seguindo essa linha, José Sebastião de Oliveira
salienta que:

13 BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil, de 05 de


outubro de 1988. Disponível em: <
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituicao.htm>.
Acesso em: 15 jun. 2015.
14 VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito Civil: Direito de Família. 8. ed. São

Paulo: Atlas, 2008. p. 263.


170 Novos Direitos...

Não foi a partir da promulgação da Constituição


Federal de 1988 que a mudança na concepção de
família ocorreu. A Lei Maior apenas codificou valores já
sedimentados, reconhecendo a evolução da sociedade
e o inegável fenômeno social das uniões de fato. 15

Dessa forma a família vem se modificando ao


longo do tempo, movida pelas diversas influências do
meio social, sendo assim o Estado não pode negar essa
evolução, o mesmo deve dar alicerce a todas as novas
configurações familiares.

8.4 UNIÃO HOMOAFETIVA COMO ENTIDADE


FAMILIAR

8.4.1 Da dignidade da pessoa humana

A Carta Constitucional de 1988, deixa claramente


expressa as prerrogativas de um Estado democrático de
direito, sendo elencado como princípio norteador a
dignidade da pessoa humana.
A respeito disso, Alexandre de Moraes descreve a
dignidade, no que tange seu significado da seguinte
forma:

A dignidade é um valor espiritual e moral inerente à


pessoa, que se manifesta singularmente na
autodeterminação consciente e responsável da própria
vida e que traz consigo a pretensão ao respeito por
parte das demais pessoas, constituindo-se em um
mínimo invulnerável que todo estatuto jurídico deve
assegurar, de modo que, somente excepcionalmente,
possam ser feitas limitações ao exercício dos direitos
fundamentais, mas sempre sem menosprezar a

15 OLIVEIRA, José Sebastião de. Fundamentos Constitucionais do


Direito de Família. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002, p. 91.
Homoparentalidade... 171

necessária estima que merecem todas as pessoas


enquanto seres humanos.16

Ao trazer esse princípio positivado, o legislador dá


ao direito uma visão antropocêntrica, uma vez que o ser
humano passa a ser a peça fundamental no que se refere
a proteção de seus direitos. Dessa forma, a dignidade da
pessoa humana se firma como um princípio supremo17,
cabendo ao Estado zelar por sua efetivação no meio
social.
Assim, tal preceito seria um direito irrenunciável,
que qualifica o indivíduo, mesmo que o Direito não o
reconheça.18 Entretanto, na falta de liberdade e
autonomia, onde os direitos humanos e fundamentais não
possuírem sua valoração, pode haver a supressão de
direitos, acarretando em injustiças.19
Tal injustiça pode surgir também no não
reconhecimento de direitos expressamente ratificados
pela constituição, desse modo se freia o desenvolvimento
do indivíduo enquanto cidadão.
Nessa linha de pensamento Gilmar Ferreira
Mendes deixa expresso que:

O princípio da dignidade da pessoa humana inspira os


típicos direitos fundamentais, atendendo à exigência do
respeito à vida, à liberdade, à integridade física e íntima
de cada ser humano, ao postulado da igualdade em
dignidade de todos os homens e à segurança. É o
princípio da dignidade humana que demanda fórmulas
de limitação do poder, prevenindo o arbítrio e a

16 MORAES, Alexandre de. Constituição do Brasil interpretada e


legislação constitucional. São Paulo: Atlas, 2002, p. 128.
17 SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional positivo. 18.

ed. São Paulo: Malheiros, 2000, p. 109.


18 SARLET, Ingo Wolgang. Dignidade e direitos fundamentais na

Constituição Federal de 1988. Porto Alegre: Livraria do Advogado,


2001, p. 40.
19 SARLET, Ingo Wolgang. op. cit., p. 59
172 Novos Direitos...

injustiça. Nessa medida, há de se convir em que 'os


direitos fundamentais, ao menos de forma geral, podem
ser considerados concretizações das exigências do
princípio da dignidade da pessoa humana.20

Diante disso, amparada pelos princípios


constitucionais que tutelam a proteção do indivíduo, a
família homoafetiva busca seu reconhecimento, este não
apenas social, mas também no que tange seus direitos e
deveres enquanto entidade familiar.
A respeito disso Maria Berenice Dias aduz:

Ao contrário do que se pensa, considerar uma relação


afetiva de duas pessoas do mesmo sexo como uma
entidade familiar não vai transformar a família nem vai
estimular a prática homossexual. Apenas levará um
maior número de pessoas a sair da clandestinidade e
deixar de ser marginalizadas.21

Assim, o Estado, enquanto garantidor de direitos a


todos os indivíduos que o compõe, não deve apenas se
utilizar da dignidade como impedimento ao seu exercício,
quando o mesmo se vale do uso demasiado, logo, cabe
ao Estado promover a dignidade e também a integração
social.22
Sob essa ótica, a jurisprudência, diante da não
atuação estatal, vem deliberando acerca de forma
concreta, assim aduz a Ministra Nancy Andrighi:

Os princípios da igualdade e da dignidade humana, que


têm como função principal a promoção da

20 MENDES, Gilmar Ferreira; COELHO, Inocêncio Mártires et al. Curso


de Direito Constitucional. 2. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2008,
p. 237.
21 DIAS, Maria Berenice. União homossexual: o preconceito & a

justiça. Rio de Janeiro: Revista dos Tribunais, 2009, p. 33.


22
SARLET, Ingo Wolfgang. Dignidade da Pessoa Humana e Direitos
Fundamentais na Constituição Federal de 1988. Porto Alegre: Livraria
do Advogado, 2002, p. 45.
Homoparentalidade... 173

autodeterminação e impõem tratamento igualitário


entre as diferentes estruturas de convívio sob o âmbito
do direito de família, justificam o reconhecimento das
parcerias afetivas entre homossexuais como mais uma
das várias modalidades de entidade familiar. 23

Tomando a importância da dignidade, enquanto a


formação do indivíduo, a jurisprudência já vê a
necessidade da concretização desse princípio, que do
mesmo emana a realização e fixação do ser no meio
social.
Isto posto, temos um princípio maior, sendo que
este deve ser respeitado, uma vez que diante dele emana
vários outros princípios intrínsecos ao ser.24
Maria Berenice Dias ainda salienta:

O núcleo do atual sistema jurídico é o respeito à


dignidade humana, atentando nos princípios da
liberdade e da igualdade. A proibição da discriminação
sexual, eleita como cânone fundamental, alcança a
vedação à discriminação da homossexualidade, pois
diz com a conduta afetiva da pessoa e o direito de
orientação sexual. A identificação da orientação sexual
está condicionada à identificação do sexo da pessoa
escolhida em relação a quem escolhe, e tal escolha
não pode ser alvo de tratamento diferenciado. Se todos
são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer
natureza, aí está incluída, por óbvio, a orientação
sexual que se tenha.25

23 BRASIL, Superior Tribunal de Justiça - REsp 1.199.667 - Rel. Min.


Nancy Andrighi. Mato Grosso, 2010. Disponível em:
<http://stj.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/21102832/recurso-especial-
resp-1199667-mt-2010-0115463-7-stj/inteiro-teor-21102833> . Acesso
em: 17 jun. 2015.
24 BARROSO, Luís Roberto. A nova interpretação constitucional:

ponderação, direitos fundamentais e relações privadas. 2. ed. Rio de


Janeiro: Forense, 2006, p.372.
25
DIAS, Maria Berenice. Liberdade de orientação sexual na sociedade
atual. Disponível em:
<http://www.mariaberenice.com.br/uploads/53__liberdade_de_orienta
174 Novos Direitos...

Dessa forma, por meio do princípio da dignidade


da pessoa humana, a orientação sexual não deve ser
pautada pela discriminação, o Estado deve promover
políticas que mudem esse paradigma, de forma a inserir
essas pessoas à sociedade, diminuindo as injustiças e
viabilizando direitos, que devem ser tutelados.

8.4.2 Do ativismo judicial

Em fase das múltiplas questões que envolvem a


discussão do reconhecimento de pessoas do mesmo
sexo no Brasil, temos um Estado engessado, uma vez
que prima pela moral e bons costumes, baseado em
dogmáticas religiosas. Fato esse não cabível a um estado
laico, laicidade essa postulada na Carta Constitucional de
1988.
Atualmente há uma maior discussão por parte do
Judiciário de questões polêmicas, questões que o Estado
se limita a discutir sobre, baseado em preceitos
fundamentalistas.
Dessa forma, existe uma maior atuação, no que
tange a efetivação dos direitos ligados a casais
homossexuais pelo ativismo judicial, por ser um tema
polêmico, ainda não pacificado, assim o Poder Judiciário
atua de forma a promover a incorporação desses casais
a sociedade de forma igualitária, baseando-se no texto
constitucional.
A respeito desse ativismo o Ministro Luiz Roberto
Barroso conceitua:

(i) a aplicação direta da constituição a situações não


expressamente contempladas em seu texto e
independentemente de manifestação do legislador
ordinário; (ii) a declaração de inconstitucionalidade de
atos normativos emanados do legislador, com base em

%E7%E3o_sexual_na_sociedade_atual.pdf>. Acesso em: 17 jun.


2015.
Homoparentalidade... 175

critérios menos rígidos que os de patente e ostensiva


violação da Constituição; (iii) a imposição de condutas
ou de abstenções ao Poder Público, notadamente em
matéria de políticas públicas. 26

Assim, o Judiciário com o objetivo de atender as


reivindicações da sociedade, passa a atuar de forma a
solucionar os casos que até então o Poder Executivo e
Legislativo não se dispunham a sanar, tomando para si a
autoridade daquele órgão do Estado que deveria
esclarecer essas questões sociais.27
No que tange ao reconhecimento da união
homoafetiva, o Supremo Tribunal Federal, tomou para si
essa questão e por meio da Ação Direta de
Inconstitucionalidade nº4.27728 e a Arguição de
Descumprimento de Preceito Fundamental nº13229, a
Suprema Corte, estendeu à interpretação do art.1.723 do
Código Civil, reconhecendo a união homoafetiva como
entidade familiar, por meio de analogia.
Dessa maneira, o Supremo Tribunal Federal tem
desempenhado papel ativo nas questões de amplo

26 BARROSO, Luiz Roberto. Judicialização, Ativismo Judicial e


Legitimidade Democrática. Revista nº 04 da Ordem dos Advogados do
Brasil. Disponível em:
<http://www.oab.org.br/editora/revista/users/revista/123506667017421
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< http://www.sbdp.org.br/arquivos/material/332
_ADPF132_parecerAGU.pdf>. Acesso em: 22 jun. 2015.
176 Novos Direitos...

abarcamento político, onde considerou por meio da união


estável a união homoafetiva como uma família.

8.5 DA HOMOPARENTALIDADE

8.5.1 Do direito ao planejamento familiar

O planejamento familiar é um direito postulado no


ordenamento jurídico, uma vez que a família continua
sendo a instituição familiar que fixa o indivíduo a
sociedade, dessa forma a mesma possui especial
proteção pelo Estado.
As novas configurações familiares da
contemporaneidade muitas vezes não possuem o
respaldo devido por parte do Estado, se constatando em
uma negligência por parte dele.
A família contemporânea possui os mesmos
fundamentos que a família tutelada pela Carta
Constitucional, nesse sentido Terezinha Féres-Carneiro e
Andrea Seixas Magalhães acrescentam:

Os múltiplos arranjos familiares contemporâneos,


contudo, não eliminaram a lógica tradicional, nem a
lógica moderna. Deparamo-nos, atualmente, com a
coexistência de diferentes modelos ou mesmo com a
presença de modelos híbridos de família. Há uma
permanente renegociação de posições e os valores são
reformulados continuamente.30

A família homoafetiva se funda como uma família


contemporânea, sendo assim, após o seu
reconhecimento pelo ordenamento jurídico brasileiro
como uma entidade familiar, a família homoafetiva busca
o reconhecimento de novos direitos que são conferidos à
todas as famílias.

30MOREIRA, Lúcia Vaz de Campos. Família e parentalidade: olhares


da psicologia e da história. Curitiba: Juruá, 2011, p. 118.
Homoparentalidade... 177

Dentre esses direitos, o direito à


homoparentalidade é o mais significativo, que culmina no
direito de filiação por casais homoafetivos, prerrogativa
essa que se baseia no princípio da parentalidade
responsável, que através do planejamento familiar os
pais criam seus filhos.31 Portanto, os homoparentais
possuem a prerrogativa de livre planejamento familiar.
Para Maria Helena Diniz o planejamento familiar é
um direito reprodutivo, básico a todos os casais e
indivíduos que poderão decidir de forma livre o número
de filhos, o tempo e intervalos entre os nascimentos
destes, e para isso dispor de informações e dos meios
que podem utilizar na realização deste projeto e alcançar
o nível mais elevado de saúde sexual e reprodutiva32.
Ainda acerca do direito ao planejamento familiar
Clayton Reis adverte que:

[...] um direito personalíssimo dos consortes. Deve ser


uma decisão coerente e consciente de duas pessoas –
não é, nem poderá ser unilateral – “O planejamento
familiar é de livre decisão do casal...” (art. 1.565, § 2º
do CC). A liberdade e autonomia do casal, prescrita
pelo texto do Código Civil é direito de personalidade,
que são intransferíveis e irrenunciáveis, a teor do
contido no artigo 12 do referido códex. Sendo direito
pessoal, não poderá ser conspurcado pela intervenção
de terceiros, quem quer que seja, instituição privada ou
pelo próprio Estado33.

31 MOSCHETTA, Sílvia Ozelame Rigo. Homoparentalidade: direito à


adoção e reprodução humana assistida por casais homoafetivos. 2.ed.
Curitiba: Juruá, 2011, p.145.
32 DINIZ, Maria Helena. O estado atual do biodireito. 7. ed. São Paulo:

Saraiva, 2010, p. 140-143.


33
REIS, Clayton. O planejamento familiar: um direito de personalidade
do casal. Revista Jurídica Cesumar – Mestrado. v. 8, n. 2, p. 415-435,
jul./dez. 2008, p. 427.
178 Novos Direitos...

Assim sendo, a forma pela qual a família


homoafetiva se funda trata-se de livre escolha do casal,
em face do princípio da dignidade humana, desde que
respeitado o princípio da parentalidade responsável. Os
métodos pelo qual a concretização desse direito seja
realizado devem ser necessariamente tutelados pelo
Estado. Logo, a adoção e a reprodução humana assistida
devem ser uma garantia para a efetivação desse direito,
sendo viabilizada pelo mesmo.

8.5.2 Da adoção por casais homoafetivos

O instituto da adoção é umas das formas pelo


qual a família homoparental pode se fundar, sendo uma
família de fato fundada no afeto, no entanto, no Brasil
ainda os meios de acesso a esse direito não estão
devidamente viabilizados, em decorrência de uma má
estruturação.
Após as decisões do Supremo Tribunal Federal e
do Superior Tribunal de Justiça, que reconheceram a
união civil e o casamento civil de pessoas do mesmo
sexo, a adoção que antes era inviável, passou a ser um
novo direito a ser viabilizado pelo Estado aos casais
homossexuais.
A respeito da adoção Anabel Vitória Mendonça de
Souza postula a vontade do casal e a entende por ser
uma ação jurídica de espírito literal:

A adoção constitui parentesco eletivo, pois decorre


exclusivamente de um ato de vontade. A verdadeira
paternidade funda-se no desejo de amar e ser amado,
mas é incrível como a sociedade ainda não vê a
adoção como deve ser vista. Precisa ser justificada
como razoável para reparar a falha de uma pessoa que
não pode ter filhos. Trata-se de modalidade de filiação
Homoparentalidade... 179

construída no amor, gerando vínculo de parentesco por


opção.34
Essa vontade de constituir uma família e
estrutura-la com filhos, é um dos anseios dessa nova
instituição familiar, Maria Berenice Dias observa: “Não ver
essa verdade é usar o mecanismo da invisibilidade para
negar direitos, postura discriminatória com nítido caráter
punitivo, que só gera injustiças.”35
Sob o olhar da sociedade, a adoção por casais
homoafetivos ainda não possui grande aceitação, muitas
pessoas acreditam que a família homoafetiva afeta o
desenvolvimento da criança, no entanto o psiquiatra
francês Stéphane Nadaud salienta “a homoparentalidade
não constitui em um fator de risco as crianças”36 Logo,
nada implica de malefício a criança.
Por causa da grande dificuldade de conseguirem
a adoção, os homoparentais, muitas vezes optam em prol
do sonho de constituir uma família adotarem em crianças
que não seja recém-nascidos, uma vez que é mais fácil.
No Brasil, o primeiro caso de adoção conjunta por
homossexuais ocorreu em 2006, no Rio Grande do Sul37,
após anos de luta em prol desse direito, a partir daí os
meios de acesso a esse direito se tornaram mais fácil, no

34 SOUZA, Anabel Vitória Mendonça de. Adoção plena: um instituto do


amor. Revista Brasileira de Direito de Família, Porto Alegre, nº28.
2005, p.85. Apud, DIAS, Maria Berenice. Manual de Direito de
Famílias. 3.ed. ver. atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribuanis,
2006, p.385.
35 DIAS, Maria Berenice. Família Homoafetiva. Disponível em: <

http://www.mariaberenice.com.br/uploads/28_-
_fam%EDlia_homoafetiva.pdf>. Acesso em: 22/06/2015.
36 NADAUD, Stéphane. L'homoparentalité: uma nouvelle chance pour

La famille? Paris: Fayard, 2002.


37 VIEGAS, Cláudia Mara de Almeida Rabelo; RABELO, Cesar

Leandro de Almeida. A adoção no âmbito da família homoafetiva sob o


prisma do direito contemporâneo. Disponível em: < http://www.ambito-
juridico.com.br/site/?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=12912>.
Acesso em: 22/06/2015.
180 Novos Direitos...

entanto, a divergência de opiniões jurisprudenciais ainda


é grande.

8.5.3 Das técnicas de reprodução humana assistida

Em face de realizarem a vontade de formar uma


família, os homoafetivos tem buscado diversas formas
para realização desse desejo, o avanço da ciência e da
biotecnologia tem possibilitado grandes reflexos na
facilitação de constituição familiar.
As técnicas de reprodução humana assistida é um
desses meios que viabilizam a constituição de uma
família, no entanto, ainda no Brasil não é uma técnica tão
acessível.
A técnica consiste na fertilização in vitro do
embrião, em relação a casais homoafetivos femininos, o
óvulo é implantado em uma das companheiras,
normalmente com o material genético da outra.
Diante da equiparação da união estável à união
homoafetiva, a reprodução humana assistida foi regulada
no Brasil para os casais homossexuais, pelo do Conselho
Federal de Medicina, por meio da Resolução CFM n.
2013/2013 que garantiu aos casais homossexuais o
direito de recorrer às técnicas de reprodução assistida.38
A partir daí surgiu a primeira discussão, quem
seria de fato a mãe? No entanto, não há muito que se
discutir, o Poder Judiciário já vem possibilitando o registro
de nascimento onde consta o nome das duas mães, ou a
dupla maternidade.
O juiz da 6ª Vara de Família de Santo Amaro/SP,
Fábio Eduardo Basso, foi o primeiro juiz a deliberar
acerca da temática e aduz:

38
BRASIL, Conselho Federal de Medicina. Disponível em: <
http://portal.cfm.org.br/images/PDF/resoluocfm%202013.2013.pdf>.
Acesso em: 22 jun. 2015.
Homoparentalidade... 181

No caso em tela, as requerentes vivem juntas e


resolveram ter filhos, valeu-se de um método avançado
da medicina. As crianças são frutos da junção dos
óvulos de uma com os espermatozóides de um doador.
Possuem as afortunadas crianças duas mães, por isso
julgo procedente o pedido de reconhecimento de dupla
maternidade.39

Dessa forma, se amplia as formas de


concretização da família homoparental, assim, o sonho
de se constituir uma família se funda de fato.

8.6 CONSIDERAÇÕES FINAIS

É notório que a família da forma pela qual


conhecemos hoje é fruto de uma grande transformação
social que vem ocorrendo a muito tempo, dessa forma, as
funções da mesma vêm, ao longo do tempo, se
modificando.
A modificação da família possibilitou a eclosão de
novos arranjos familiares, a família hoje é plural, mosaica,
nuclear, extensa, poliafetiva entre outros.
Por meio do princípio da dignidade da pessoa
humana, todos tem o direito de se desenvolver
socialmente, trazendo consigo sua bagagem cultural e
social, para o seu pleno desenvolvimento.
A homoparentalidade é uma realidade presente
em nossa sociedade, logo, o Direito e os aparatos do
Estado deve dar total respaldo a todas a questões que
envolve essa instituição.

39 FERRARI, Geala Geslaine; FRANÇA, Ferrari e Loreanne Manuella


de Castro. As Novas Formas de Entidades Familiares Advindas com a
Constituição Federal de 1988 e a Reprodução Humana Assistida
como Instrumento Facilitador para a Formação das Famílias
Homoafetivas. Revista de Direito Público. Londrina, v.8, n.2, p.139-
158, mai./ago.2013. Disponível em:
http://www.uel.br/revistas/uel/index.php/direitopub/article/view/16221/1
3130. Acesso em: 22 jun. 2015.
182 Novos Direitos...

Ao estender a união estável á união homoafetiva,


o Estado passou a reconhecer de fato a família
homoafetiva como uma família, dessa forma a mesma
está pautada nos mesmos direitos que regem a família
constitucionalizada, uma vez que a família possui
especial proteção pelo Estado.
Logo, ao fazer vistas grossas no que tange os
direitos das famílias homoafetivas, o Estado acaba por
ferindo vários de seus princípios constitucionalmente
estabelecidos.
Após a discussão da temática, vê-se que as
famílias homoparentais ainda carecem de muitos direitos
e reconhecimentos ao âmbito jurídico, principalmente
social, a sociedade brasileira mesmo se dizendo não
preconceituosa ainda traz consigo uma taxação, que
afeta e muito a família homoafetiva.
Em um país onde todos são iguais perante a lei,
essa questão ainda não está totalmente pacificada, o
Poder Executivo e Legislativo ainda não se dispunham a
discutir acerca dessa temática, deixando a cargo do
Poder Judiciário a atuação efetiva.

8.7 REFERÊNCIAS

DIAS, Maria Berenice. Manual de Direito das Famílias. 4.


ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010.

DIAS, Maria Berenice. União Homoafetiva: o preconceito


& a justiça. 4. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais,
2009.

DINIZ, Maria Helena. O estado atual do biodireito. 7. ed.


São Paulo: Saraiva, 2010.

FARIAS, Mariana de Oliveira. Adoção por homossexuais:


a família homoparental sob o olhas da psicologia jurídica.
Curitiba: Juruá, 2012.
Homoparentalidade... 183

FERRARI, Geala Geslaine; FRANÇA, Ferrari e Loreanne


Manuella de Castro. As Novas Formas de Entidades
Familiares Advindas com a Constituição Federal de 1988
e a Reprodução Humana Assistida como Instrumento
Facilitador para a Formação das Famílias Homoafetivas.
Revista de Direito Público. Londrina, v.8, n.2, p.139-158,
mai./ago.2013. Disponível em:
http://www.uel.br/revistas/uel/index.php/direitopub /article
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GAMA, Guilherme Calmon Nogueira da. Princípios


Constitucionais de Direito de Família: guarda
compartilhada à luz da lei nº 11.698/08 : família, criança,
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GIRARDI, Viviane. Famílias Contemporâneas, Filiação e


Afeto: a possibilidade jurídica da adoção por
homossexuais. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2005.

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direito de família. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 2002.

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et al. Curso de Direito Constitucional. 2. ed. rev. e atual.
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MORAES, Alexandre de. Constituição do Brasil


interpretada e legislação constitucional. São Paulo: Atlas,
2002.
184 Novos Direitos...

MOREIRA, Lúcia Vaz de Campos. Família e


parentalidade: olhares da psicologia e da história.
Curitiba: Juruá Editora, 2011.

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8. ed. São Paulo: Atlas, 2008.

VIEIRA, Tereza Rodrigues. Minorias Sexuais: direitos e


preconceitos. Brasília: Consulex, 2012.
- IX -

IDENTIDADE DE GÊNERO COMO DIREITO


FUNDAMENTAL (AUTO) APLICÁVEL

Marcela Leila Rodrigues da Silva Vales*

9.1 INTRODUÇÃO

O presente estudo tem o intuito de refletir acerca


da aplicabilidade da identidade de gênero perquirida
através da garantia da dignidade da pessoa humana aos
que se identificam de forma diferente aos padrões
estabelecidos pela sociedade1.
Embora exista um considerável avanço das
diversas teorias críticas quanto ao reconhecimento da
auto aplicabilidade dos direitos fundamentais positivados
na Constituição Federal brasileira, a questão do nome
social correspondente a identidade de gênero é problema
recente, embora lastrado de lutas e conquistas históricas,
mas que ainda demanda especial atenção eis que

* Doutoranda pela FADISP (Faculdade Autônoma de Direito de São


Paulo). Mestre em Direito Processual Civil e Cidadania pela UNIPAR
(Universidade Paranaense), Pós-graduada em Direito Empresarial
pela UEL (Universidade Estadual de Londrina), Pós-graduada em
Direito Civil e Processual Civil pela UNIPAR (Universidade
Paranaense), Pós-graduada em Metodologia de Ensino Superior pela
UESPAR (União do Ensino Superior do Paraná), Graduada em Direito
pela UNIPAR (Universidade Paranaense), Advogada na Comarca de
Terra Roxa, Docente do Ensino Superior na UNIPAR (Universidade
Paranaense).
1 Referência ao sexo biológico. Art. 226, CF: "A família, base da

sociedade, tem especial proteção do Estado. [...] § 3º. Para efeito da


proteção do Estado, é reconhecida a união estável entre o homem e a
mulher como entidade familiar, devendo a lei facilitar sua conversão
em casamento"
186 Novos Direitos...

correspondente a uma verdadeira crise de paradigma


consolidado que repercute no universo jurídico.
Sob a óptica dos direitos da personalidade, e
atendendo ao princípio da dignidade humana, foram
buscadas respostas para questões atinentes a
aplicabilidade cogente da Resolução n° 12 de 16 de
janeiro de 2015, expedida pelo Conselho Nacional de
Combate à Discriminação e promoções dos Direitos de
Lésbicas, Gays, Travestis e Transexuais – CNCD/LGBT,
documento que institui orientações pautadas nos
fundamentos e objetivos da Constituição Federal, bem
como nos princípios de direitos humanos consagrados
em documentos e tratados internacionais.
Trata-se de estrutura e orientações apresentadas
como forma de garantir condições de acesso e
permanência de pessoas que tenham sua identidade de
gênero não reconhecida em diferentes espaços sociais,
nos sistemas e instituições de ensino.
Com o objetivo de analisar os problemas a
aplicabilidade da referida resolução, o presente estudo se
apresenta como revisão doutrinária, tecendo análise
crítica dos métodos interpretativos quanto ao direito
fundamental e o dever fundamental, partindo da
construção teórica e histórica do direito da personalidade,
apresentando ainda seus fundamentos até o
enfrentamento do problema.
A hermenêutica jurídica revela-se um dos temas
de mais importância da Teoria Geral do Direito, pois
aplicável à norma constitucional e por consequência ao
caso concreto com repercussão vinculante, que não se
permite resultados contraditórios entre si.
O enfoque desta pesquisa é justamente ponderar
os direitos e garantias apresentados pela Resolução n°
12/2015 – CNCD/LGBT, traçando uma análise quanto a
sua aplicabilidade como concretização da norma
constitucional.
Identidade de gênero... 187

9.1 DIREITOS DA PERSONALIDADE EM SUA


ACEPÇÃO ORIGINÁRIA

Antes de adentrar à questão do direito da


personalidade e a identidade de gênero importante
identificar a origem clássica do direito fundamental que
guarda antecedentes na concepção jusnaturalista dos
direitos naturais.
Parte da doutrina considera os direitos da
personalidade como inerentes ao homem, cabendo ao
direito positivo apenas reconhecê-los e sancioná-los para
lhes conferir maior aparência e dignidade. Logo, segundo
Bittar (2000, p. 8), antes da ocorrência de positivação
estatal os direitos da personalidade já seriam passíveis
de proteção jurídica.
Conhecida no sentido clássico como aptidão de
direito ou gozo da pessoa em titularizar direitos e
obrigações, a personalidade jurídica é compreendida no
ser humano de forma autônoma e sem depender de seu
grau de discernimento diante de direitos reconhecidos e
advindos da sua natureza humana e que se projeta para
o mundo exterior.
O tradicionalismo que nasce do sentido
personalístico do humano remonta a era primitiva em que
predominavam componentes emocionais sobre o racional
e a sensibilidade advinda do sentimento e da vontade dos
homens primitivos na construção da consciência do “eu”
(CARNIO, 2013, p. 43).
O filósofo Henrique Garbellini Carnio, ao dispor
sobre o direito e a antropologia, na busca das raízes da
psique primitiva aponta:

O pensamento primitivo era dominado por uma


tendência emocional normativa, e sua psique se
caracterizava pela predominância do componente
emocional sobre o racional e essa sensibilidade
emocional nascia do sentimento e da volição dos
homens primitivos.
188 Novos Direitos...

Na pré-história dos direitos fundamentais


destacam-se os primórdios da concepção jusnaturalista
dos direitos naturais e inalienáveis do homem, influência
direta ao pensamento jusnaturalista através do
entendimento de que o ser humano existe e é titular de
direitos inalienáveis.
A autodeterminação do homem é destacada por
Ingo Wolfgang Sarlet, (2009, p. 38) de tolerância
religiosa, da liberdade de manifestação oral e de
imprensa, assim como a cerceamento da censura e
esclarece:

Cumpre ressaltar que foi justamente na Inglaterra do


século XVII que a concepção contratualista da
sociedade e a ideia de direitos naturais do homem
adquiriram particular relevância, isto não apenas no
plano teórico, bastando, neste particular, a simples
referência às diversas Cartas de Direitos Assinadas
pelos monarcas desse período.

Acrescenta o mesmo autor o destaque ao


pensamento de Lord Edward Coke no período de 1552-
1634 que sustentou a existência de fundamental rights
dos ingleses tais como a liberdade pessoal, servindo de
inspiração da clássica tríade: vida, liberdade e
propriedade, composição do patrimônio dos ideais
individualista burguês.
Contemporaneamente, direitos da personalidade,
com raízes jusnaturalistas e individual, atrelam-se à
pessoa natural e desde a sua identificação e valoração
passou por um processo de reconhecimento e firmação
para a atribuição do status de direito fundamental na
esfera do direito positivo.
No trato do processo de reconhecimento dos
direitos fundamentais Sarlet (2009, p. 41) destaca a obra
de Perez Luño do século XVIII, e esclarece:
Identidade de gênero... 189

O processo de elaboração doutrinária dos direitos


humanos, tais como reconhecidos nas primeiras
declarações do século XVIII, foi acompanhado, na
esfera do direito positivo, de uma progressiva recepção
de direitos, liberdades e deveres individuais que podem
ser considerados os antecedentes dos direitos
fundamentais. É na Inglaterra da Idade Média, mais
especificamente no século XIII, que encontramos o
principal documento referido por todos que se dedicam
ao estudo da evolução dos direitos humanos. Tratam-
se da Magna Charta Libertatum, pacto firmado em
1215 pelo Rei João Sem-Terra e pelos bispos e barões
ingleses.

Num contexto histórico marcado pela


desigualdade, o direito a liberdade religiosa é apontado
como o primeiro direito fundamental, seguido da
liberdade de locomoção e sua proteção contra prisão
arbitrária. Nota-se que o homem em sua posição
particular e individualista passou a ser a primeira
preocupação jurídica para fins de proteção, ganhando
natureza fundamental para a garantia de direitos sob
dimensões subjetivas e objetivas, a primeira reconhecida
como os direitos fundamentais do indivíduo contra o
Estado e a última relacionado à base da ordem jurídica
da coletividade (MEDINA, 2012, p. 47).
Especial destaque a Escola Histórica do século
XIX, instituída pela corrente teórica de Friedrich Carl v.
Savigny (1779 – 1861), e posterior às codificações
concebidas pela ideia de sistema racionalista, opera-se a
recusa o caráter inato do direito da personalidade de
caráter universal, atribuindo o positivismo jurídico apenas
os direitos positivados pelo Estado.
Surge da crítica ao positivismo jurídico aos direitos
naturais a aplicação legislativa dos conhecidos "direitos
especiais da personalidade", visando tutelar juridicamente
direitos personalíssimos específicos como a vida, o
corpo, a saúde, a liberdade, a honra (CAPELO, 1985, p.
190 Novos Direitos...

85). Com o fim da segunda guerra mundial e diante do


crescimento da sociedade de consumo, alcançou-se uma
valoração do direito geral da personalidade, tutelando-se
aspectos particulares da personalidade eis que a
positivação existente até então revelava insuficiente para
a demanda protetiva dos direitos da personalidade do
homem natural em sociedade.
Neste viés, Alexandre de Moraes (2011, p. 40)
esclarece a recepção dos direitos fundamentais de ordem
subjetiva na Carta Magna brasileira em vigor:

A Constituição Federal de 1988 adotou o princípio da


igualdade de direitos, prevendo a igualdade de aptidão,
uma igualdade de possibilidades virtuais, ou seja, todos
os cidadãos têm o direito de tratamento idêntico pela
lei, em consonância com os critérios albergados pelo
ordenamento jurídico. Dessa forma, o que se veda são
as diferenciações arbitrárias, as discriminações
absurdas, pois, o tratamento desigual dos casos
desiguais, na medida em que se desigualam é
exigência tradicional do próprio conceito de Justiça,
pois o que realmente protege são certas finalidades,
somente se tendo por lesado o princípio constitucional
quando o elemento discriminador não se encontra a
serviço de uma finalidade acolhida pelo direito, sem
que se esqueça, porém, como ressalvado por Fábio
Konder Comparato, que as chamadas liberdade
materiais têm por objetivo a igualdade de condições
sociais, meta a ser alcançada, não só por meio de leis,
mas também pela aplicação de políticas ou programas
de ação estatal.

Ao que se verifica, o direito fundamental do ser


humano personificado como sujeito de direito é absorvido
pela Constituição Federal brasileira de forma
transcendente ao liberalismo clássico (que pressupões
aparente igualdade formal), mas também e,
principalmente, à igualdade material/substancial intitulada
Identidade de gênero... 191

por Pedro Lenza (2014, p. 1.073), mais real perante os


bens da vida.
A nossa Constituição Federal segue uma
tendência global identificada no art. 1°, III, ao estabelecer
a dignidade da pessoa humana como um dos
fundamentos da República, expressão que sintetiza e
compõe o respeito à individualidade pessoa nas mais
diversas manifestações de sua personalidade.
Como se não bastasse, o inciso X do art. 5º da
Constituição da República alude a direitos especiais da
personalidade tais como: a intimidade, a vida privada, a
honra e a imagem das pessoas, podendo ainda serem
encontrados outros dispositivos constitucionais que,
embora apresentem enumeração meramente
exemplificativa, atribuem caráter especial aos direitos da
personalidade, como ocorrem nas regras constitucionais
dispostas nos incisos III; XLIX; IV e IX, bem como VIII
todos do artigo 5° da Constituição Federal.
Outrossim, como o propósito da presente
pesquisa não é a identificação e aprofundamento dos
denominados direitos da personalidade, mas sim
reafirmar sua existência, origem e sedimentação no
ordenamento jurídico brasileiro, constata-se que no
campo dos direitos fundamentais da personalidade, as
características de existência e substância de determinada
pessoa, com sua inseparável individualidade que lhe é de
essência, guarda proteção no ordenamento jurídico,
todavia, ainda na contemporaneidade, pendem respostas
a diversas questões problematizadas com as mutações
da psique humana, como ocorre com a identidade de
gênero em diferentes espaços sociais.
192 Novos Direitos...

9.2 FUNDAMENTO E PROTEÇÃO JURÍDICA DOS


DIREITOS DA PERSONALIDADE E A IDENTIDADE DE
GÊNERO

Frente a necessidade de se sustentar uma visão


publicista de direitos da personalidade, pois de interesse
público constitucional e vinculado aos direitos do homem,
necessário se faz ponderar a fundamentação da
dignidade da pessoa humana que se antepõe aos
referidos direitos.
Marcado pelo reconhecimento da necessidade de
tutela dos valores essenciais para o ser humano, pois no
passado referida proteção se apresentava de forma
indireta (CORTIANO JÚNIOR, 1988, p. 33), surgem
questões relacionadas à dignidade do homem,
identificada como valor inerente da pessoa humana e
originadas do pensamento clássico e da doutrina cristã
que relacionava a posição social ocupada pelo sujeito e o
seu reconhecimento frente aos demais membros da
sociedade (SARLET, 2009, p. 30).
Consolidou-se a percepção contemporânea de
dignidade humana somente após o fim da Segunda
Guerra Mundial, arraigando-se a intangibilidade da
dignidade da pessoa humana. Como bem observa Faccin
(2008):

A concepção kantiana acerca da dignidade tem como


pressuposto a autonomia ética do ser humano, que
engloba a liberdade de que dispõe a pessoa humana
de optar de acordo com a razão e de agir conforme o
seu entendimento e opção.
As constituições contemporâneas passaram a adotar a
dignidade da pessoa humana como fundamento, caso
da CF/88, ou como um princípio, após a segunda
metade do século XX, quando no âmbito do Direito
Internacional começa a delinear-se um sistema
normativo internacional de proteção dos direitos
humanos.
Identidade de gênero... 193

E acrescenta:

No Brasil, somente em 1988, com a promulgação da


atual Constituição, é que se erigiu "um sistema
constitucional consentâneo com a pauta valorativa
afeta à proteção ao ser humano em suas mais vastas
dimensões, em tom nitidamente principiológico, a partir
do reconhecimento de sua dignidade intrínseca".
[...].
Inaugura essa fase de proteção internacional dos
direitos humanos a Declaração Universal dos Direitos
do Homem, aprovada pela Assembleia Geral das
Nações Unidas em 1948 e a Carta das Nações Unidas
de 1945.

A base principiológicas e identificadora dos


direitos fundamentais no sistema constitucional brasileiro
é o artigo 5° da Carta Magna, apresentado como norma
pétrea que embasam situação das pessoas frente ao
Estado.
Miguel Garcia Medina (2012, p. 47) citando José
Afonso da Silva, expõe grupos de direitos protegidos no
artigo 5° da Constituição Federal que agrupados assim se
apresentam: “direito à vida, direito de igualdade, direito
de liberdade, direito à intimidade, direito de propriedade”.
Apresenta-se como dever de o Estado promover
condições necessárias para o desenvolvimento humano
em seu potencial psíquico moral de identidade,
integridade e dignidade, capaz de lhe garantir vida digna,
assegurando-se do fundamento de que todos são iguais
perante a lei, sem distinção de qualquer natureza.
No âmbito privado o direito da personalidade é
tratado no Código Civil de 2002, Capítulo II, artigos 11 a
21 que passou a regulamentar a proteção à pessoa
humana, tutelando relações privadas com o fim de
assegurar vivencia digna, sem, contudo, trazer um rol
taxativo, mas exemplificativo como observam Arakaki,
Moraes e Silva (2015, p. 51), que também acrescentam:
194 Novos Direitos...

O atual CC trouxe somente um norte ao abordar os


direitos da personalidade, inserindo diretrizes e
cuidando de poucas espécies deles (art. 11 ao 21 o
CC), muito embora o fizesse de forma suficientemente
para denotar o conteúdo axiológico de essencialidade
de que se revestem tais direitos.
Pode-se dizer que laconicamente do art. 11 ao art. 21
do CC focou-se a integridade do corpo humano, o
direito ao corpo, o nome civil, e a privacidade [...].

Ao que se verifica, os direitos da personalidade


encontram-se cobertos pela essencialidade ao ser
humano, identificado como sujeito de direitos, proprietário
de valores que lhes são próprios e capazes de se projetar
à dignidade da pessoa humana.
Observadas as premissas que embasam o direito
da personalidade vislumbra-se o direito pessoal à
identidade de gênero, aqui tratada no que se refere ao
modo com que a pessoa se identifica e se reconhece
psiquicamente como elemento identificador como
homem, mulher ou ainda fora da identificação
convencional.
A atual moldagem dos direitos da personalidade,
pautada na dignidade da pessoa humana, é referenciado
pelos estudos jurídicos, como forma de acompanhar o
universo mutante das relações sociais e o
acompanhamento interpretativo dos princípios jurídicos
constitucionais para a adequação do que se espera do
ordenamento jurídico pátrio. Neste sentido o observa
(FERMENTÃO, 2006, p. 244):

A referência à dignidade da pessoa humana engloba


em si os direitos fundamentais, os individuais clássicos
e os de fundo econômico e social. A dignidade tem
uma dimensão moral, dessa forma o constituinte
estabeleceu que é de responsabilidade do Estado
propiciar as condições necessárias para que as
pessoas tenham vida digna. Assim, o Estado não pode
Identidade de gênero... 195

deixar de proteger o ser humano, preservando a sua


identidade, integridade e dignidade.

O nome identificador do indivíduo perante o meio


em que vive e, frente aos registros em instituições que
lhe atribui existência, são tratados nos artigos 16 a 19 do
Código Civil de 2002, e, como bem observam Arakaki,
Moraes e Silva (2015, p. 52) se encontra protegido de
práticas ilícitas que o torna relativamente imutável e
invariável: “O nome é, em regra, inalterável, pois
identifica o indivíduo, singularizando-o dentro do meio
social”.
O nome como exterioridade identificadora da
pessoa humana é um direito fundamental determinante
de sua personalidade, seja em nível pessoal ou ainda no
aspecto civil, como também aponta Hogemann (2014, p.
219):

Constitui-se o direito ao nome como direito público


subjetivo, que subsiste justamente para restringir a
ingerência do Estado aos direitos da personalidade,
como forma objetiva à realização do fundamento da
liberdade, sem a qual inexiste dignidade. O que se
protege não é propriamente o nome, mas a pessoa e
sua dignidade, que seriam, através do nome, atingidas.
O nome é a primeira expressão da personalidade.
Apresenta-se, então, como um direito absoluto
(oponível erga omnes), impenhorável, imprescritível,
inalienável, indisponível, inexpropriável,
personalíssimo, público, e relativamente transmissível
(Código Civil, artigos 17 e 18), que reflete a traduz a
qualidade de ser pessoa.

A possibilidade de se modificar a identidade


nominativa do indivíduo, de regra, se apresenta para
casos específicos em que se comprova ocorrência de
constrangimento ou exposição a ridículo, capaz de
macular a imagem e a psique da pessoa que se sente
196 Novos Direitos...

diminuída, ou ainda, em caso menos extremos, como


ocorre com o erro de grafia.
Todavia a realidade social atual apresenta a
identificação do homem ou mulher muitas vezes não
correspondente ao sexo biológico, fugindo dos padrões
estabelecidos historicamente pela sociedade. Embora
existam insuficiências de regras protetivas para este fato
encontramos no artigo 19 do Código Civil a seguinte
proteção: “O pseudônimo adotado para atividades lícitas
goza da proteção que se dá ao nome”.
Na tutela do nome, o ordenamento jurídico
ultrapassa a simples afirmação de um direito ao nome,
atribuindo o mesmo valor quanto ao aspecto da tutela da
identidade pessoal.

9.3. IDENTIDADE DE GÊNERO E O ASPECTO


FUNDAMENTAL DO DIREITO

Embora haja limites pré-estabelecidos


constitucionalmente e legitimados socialmente no
decorrer da história da humanidade, não há como negar
o desenvolvimento e as projeções da personalidade do
indivíduo no transcurso da vida em sociedade, fatos que
demandam mudanças de paradigmas, inclusive no
aspecto do direito fundamental.
Suplantar referidos limites previamente
estabelecidos e determinados ao gênero ou sexualidade,
na medida em que se exige das regras preestabelecidas
pelo costume, sociedade e cultura, estar-se-á assumindo
uma identidade classificada como um desvirtuamento,
criando subsídios para represálias e julgamentos por
parte da própria sociedade regulada (HOGEMANN, 2014,
p. 217).
Assim a proteção do nome social correspondente
à identidade de gênero, se apresenta como um meio de
adequação da identidade pessoal, figurando como
Identidade de gênero... 197

atributo dos direitos da personalidade, bem como


garantia de tratamento com dignidade humana.
Considerando que a individualidade é
estabelecida na vida através do nome, elemento que
agrega a identidade pessoal, a personalidade e a
identificação do indivíduo, com a edição da Lei n°
9.708/1998 responsável pela alteração do artigo 58 da
Lei n° 6.015/1973, possibilitou-se a substituição do
prenome por apelidos públicos notórios, bem como, em
razão de fundada coação ou ameaça decorrente da
colaboração com a apuração de crime, por determinação,
em sentença, de juiz competente.
Diante de todo o contexto já definido em razão da
proteção a dignidade da pessoa humana, bem como a
garantia fundamental disposta no artigo 5° da
Constituição Federal, estabelecer a igualdade de todos
perante a lei, sem distinção de qualquer natureza,
estende-se às diferenças quanto à identidade de gênero
como direito individual de ser “igual quando a diferença o
inferioriza” e “direito a ser diferente quando a sua
igualdade os descaracteriza” (HOGEMANN, 2014, p.,
217).
Há que se ponderar sobre a existência de limites a
concessão deste direito reconhecidamente fundamental
ao reconhecimento da identidade de gênero ou referido
direito se apresenta autoaplicável.
Importante destacar a Resolução n° 12 de 16 de
janeiro de 2015, expedida pelo Conselho Nacional de
Combate à Discriminação e promoções dos Direitos de
Lésbicas, Gays, Travestis e Transexuais – CNCD/LGBT,
que estabelece parâmetros para garantir condições de
acesso e permanência de pessoas que tenham sua
identidade de gênero não reconhecida em diferentes
espaços sociais, nos sistemas e instituições de ensino,
formulando assim, orientações quanto ao reconhecimento
institucional da identidade de gênero e sua
operacionalização.
198 Novos Direitos...

Inexiste qualquer outra regra jurídica que venha


estabelecer norma cogente para a aplicação das
orientações trazidas em sede de resolução. Assim, a
forma de se instrumentalizar, na prática, este direito
fundamental, atribuindo às instituições e rede de ensino o
compromisso de conceder tratamento diferenciado a
todos aqueles que requererem, das séries fundamentais
ao ensino superior, a adoção do nome social para
indivíduos cuja identificação civil não reflita sua
identidade de gênero, é uma questão ainda não
amalgamada juridicamente, por se tratar de direito de
dimensão prestacional.
Neste sentido Sarlet (2009, p. 280) esclarece:

Se relativamente aos direitos fundamentais de defesa


inexistem maiores problemas no que diz com a
possibilidade de serem considerados diretamente
aplicáveis e aptos, desde logo, a desencadear todos os
seus efeitos jurídicos, o mesmo não ocorre na esfera
dos direitos fundamentais a prestações, que têm por
objeto uma conduta positiva por parte do destinatário,
consistente, em regra, numa prestação de natureza
fática ou normativa, razão pela qual a razão está com
Canotilho ao enfatizar a necessidade de “cimentar
juridicamente” o estatuto jurídico-constitucional dos
direitos sociais, econômicos e culturais.

Importante destacar ainda que os deveres


fundamentais “reconduzem-se a normas jurídico-
constitucionais autônomas que podem até relacionar-se
no âmbito normativo de vários direitos” (CANOTILHO,
2000, p. 535).
Na estrutura dos deveres fundamentais Canotilho
(2000, p. 535) pontua que:

Os “deveres fundamentais”, ou melhor, as normas da


constituição que consagram deveres fundamentais, só
excepcionalmente têm a natureza e estrutura de “direito
diretamente aplicável”. Ressalvando, porventura,
Identidade de gênero... 199

alguns deveres “diretamente exigíveis” (Jorge Miranda)


como, por ex., o dever de educação dos filhos (cfr.
CRP, art. 36°/3 e 5), a generalidade dos deveres
fundamentais pressupõe uma interpositio legislativa
necessária para a criação de esquemas organizatórios,
procedimentais e processuais definidores e reguladores
do cumprimento de deveres. As normas consagradoras
de deveres fundamentais reconduzem-se, pois, à
categoria de normas desprovidas de determinabilidade
jurídico-constitucional, e, por isso, carecem de
mediação legislativa.

A doutrina moderna dispõe sobre a auto


aplicabilidade dos direitos consagrados nos textos
constitucionais (ABBOUD, 2011, p. 342):

Atualmente, a maior parte dos Estados Democráticos,


os direitos fundamentais estão catalogados e
assegurados em textos constitucionais. Por
consequência, os direitos fundamentais possuem
absoluta normatividade devendo ser aplicados
imediatamente.
Nesse sentido, Friedrich Müller pontua que, a partir do
momento em que são positivados no texto
constitucional, os direitos fundamentais passam a ser
considerados direito vigente, adquirindo caráter estatal-
normativo, por consequência, sua obediência significa
respeitar o próprio direito positivo.

Destarte, o próprio autor contemporâneo destaca


a importância do elemento histórico para a proteção dos
direitos fundamentais, como os consagrados no artigo 5°
da Constituição Federal, devendo partir do modelo
individualista e principalmente histórico para vincular a
“força dos costumes, direitos radicados na história, ou
mesmo Constituição escrita que pretende impor-se como
norma fundamental superior até ao soberano (cláusulas
pétreas).” (ABBOUD, 2011, p. 343)
200 Novos Direitos...

Ao que se verifica, os deveres fundamentais


intitulados na Resolução do CNCD/LGBT, sustentada nos
fundamentos e objetivos da Constituição Federal, bem
como nos princípios de direitos humanos consagrados
em documentos e tratados internacionais, representam
uma verdadeira conquista histórica, mas que ainda
progride para a sua legitimação gradativa por parte da
sociedade que a recepciona.
Estender a garantia na forma preconizada na
Resolução do CNCD/LGBT a todos que pretendem,
independentemente da maturidade civil, emocional,
familiar, legalmente reconhecida em nosso ordenamento
jurídico, revela-se uma pretensão que esbara em
limitadores consagrados à maioridade civil (momento em
que se assumem todos os direitos civis), mas representa
uma janela aberta da qual há que se reconhecer a
necessidade, ainda, de se estruturar e organizar sua
dimensão prestacional.

9.4 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Desde o seu reconhecimento até os dias de hoje,


o direito da personalidade encontra-se em um crescente
processo de maturação. Reconhece-se a identidade de
gênero como um direito conquistado através da liberdade
da autonomia do ser humano, reconhecido hoje como um
direito fundamental responsável por sua opção
desvinculada do critério sexual para atingir o
reconhecimento pessoal do próprio perante a sociedade.
De acordo com que se desenvolvem os fatores
sociais, também se transformam o universo de aplicação,
acompanhando o ordenamento jurídico toda a história
percorrida, o que não se pode negar. De fato, a igualdade
se constrói através da inclusão dos grupos socialmente
vulneráveis, bem como por ações políticas voltadas a
valorização da diversidade presente ou das minorias,
bem como na constante eliminação das desigualdades
Identidade de gênero... 201

para a consecução do respeito às diferenças na


dimensão de gênero e descendência.
Como direito fundamental de garantia
prestacional, a identidade de gênero se apresenta, na
atualidade, como uma série de situações ainda não
projetadas, carece de sistematização e operacionalização
diante de órgãos públicos e ações do Estado para se
estruturar.
Não atribuir o status de direito fundamental à
identidade de gênero seria como velar uma crescente
situação real e cotidiana vivida na contemporaneidade.
Todavia, atribuir auto aplicabilidade à identidade de
gênero, com base no critério subjetivo de dignidade da
pessoa humana de forma generalizada e para todos
(independentemente da idade ou autorização) que
reclamam esta garantia, se apresenta como uma
precipitação a uma situação jurídica que está em
processo de estruturação e legitimação.
Não se admite violação aos direitos fundamentais
pelo Poder Público, porquanto sua preservação é o que
legitima o próprio Poder Público. A Constituição Federal
estabelece “mecanismos constitucionais destinados a
assegurar a subsistência do compromisso-consenso
constitucional, evitando novos ou permanentes conflitos”
(CANOTILHO, 2000, p. 1447).
A proposta apresentada para o reconhecimento
da identidade de gênero trazida pela Resolução do
CNCD/LGBT, ainda não apresentou este “compromisso-
consenso constitucional”, eis que na teoria vislumbra-se
consenso, todavia na operacionalização das condutas a
sociedade não recepcionou de forma suficiente para lhe
atribuir auto aplicabilidade.
A respeito da auto vinculação, Canotilho (2000, p.
1448) traça importantes considerações:

Autovinculação significa estar vinculado a alguma coisa


porque a necessidade de reflexão das sociedades
202 Novos Direitos...

modernas não significa indiferença das regras quanto à


formação das preferencias individuais. As constituições
estabelecem, assim, pré-restrições com um sentido
moralmente reflexivo. As autovinculações
transportadas em regras constitucionais não obedecem
apenas a requisitos de neutralidade ou justiça
processual. A “autovinculação” encontra expressão em
regras ou princípios que vinculam os indivíduos e os
sistemas, por exemplo, ao respeito da “dignidade da
pessoa humana”, à eliminação de formas de
discriminação (racial, sexual, étnica). Estas regras
servirão para legitimar a “formação” e “educação” das
próprias preferencias individuais.

Assim, respeitando as limitações da interpretação


através do atendimento das condições sociais e as
possibilidades da interpretação constitucional, não há
como atribuir a auto aplicação do direito a identidade de
gênero, forte nas disposições materializadas o princípio
da dignidade humana, eis que ainda depende de
conformação com estruturas legais e sociais para a sua
concreção.

9.5 REFERENCIAS:

ABBOUD, Georges. Jurisdição constitucional e


direitos fundamentais. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 2011.

CANOTILHO, J. J. Gomes Canotilho. Direito


constitucional e teoria da constituição. 7 ed. Coimbra:
Almedina, 2000.

CARNIO, Henrique Garbellini. Direito e Antropologia:


reflexões sobre a origem do direito a partir de Kelsen
e Nietzsche. São Paulo: Saraiva, 2013.

CORTIANO JÚNIOR, Eroulths. Alguns apontamentos


sobre os chamados direitos da personalidade. In:
Identidade de gênero... 203

FACHIN, Luiz Edson et al. (Coord.). Repensando os


fundamentos do direito civil brasileiro contemporâneo. Rio
de Janeiro: Renovar, 1998.

FACCHIN. Luiz Edson. Análise crítica, construtiva e de


índole constitucional da disciplina dos direitos da
personalidade no código civil brasileiro:
fundamentos, limites e transmissibilidade. Juris
Plenum Ouro. ISSN 1983-0297. N° 42, março 2015.

FERMENTÃO. Cleide Aparecida Gomes Rodrigues. Os


direitos da personalidade como direitos essenciais e
a subjetividade do direito. Revista Jurídica Cesumar,
Maringá, v. 6, n. 1, p. 241-266, jan./dez. 2006. Disponível
em: <
http://www.cesumar.br/mestradodireito/arquivos/volume6/
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24 jun. 2015.

LENZA. Pedro. Direito constitucional esquematizado.


18ª. ed. São Paulo: Saraiva, 2014.

MEDINA. José Miguel Garcia. Constituição Federa


Comentada. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2012.

MORAES. Alexandre de. Direito constitucional. 27ª. ed.


São Paulo: Atlas, 2011.

RODRIGUES. Alessandro Carlos Meliso; ÁVALO.


Alexandre; ARAKAKI. Allan Thiago Barbosa;
PUCCINELLI JUNIOR. André; MORAES. Carlos
Alexandre; SILVA. Cid Eduardo Brown da; NETO. José
de Andrade; CARDIN. Valéria Silva Galdino. Manual de
direito civil. São Paulo: Saraiva, 2015.

HOGEMANN. Edna Raquel. Direitos humanos e


diversidade sexual: o reconhecimento da identidade
de gênero através do nome social. Revista SJRJ, Rio
de Janeiro, v. 21, n. 39, p, 217-231, abr/2014. Disponível
204 Novos Direitos...

em:<
http://www4.jfrj.jus.br/seer/index.php/revista_sjrj/article/vie
wFile/508/392>. Acesso em 24 jun. 2015.

SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos


fundamentais: uma teoria geral dos direitos
fundamentais na perspectiva constitucional. 10ª. ed.
Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2009.

SOUZA, Rabindranath Valentino Aleixo Capelo de. O


direito geral de personalidade. Coimbra: Coimbra,
1995.
-X-

INTERSEXO: ANOTAÇÕES BIOÉTICAS E JURÍDICAS

Anderson Aguiar Gonçales*


Tereza Rodrigues Vieira**

10.1 INTRODUÇÃO

Considerando que as relações humanas são


reguladas por normas que criam padrões, assim, estar
em desacordo com ambos gera diversas implicações nos
mais diferentes campos. No que tange à sexualidade,
nos dias atuais, há diversos aspectos que contribuem
para a construção do que é ser homem ou ser mulher.
Em geral, a identificação sexual ocorre a partir do
aparelho genital, homem possui pênis, mulher possui
vagina. No entanto, quando não é possível que ocorra a
identificação através da genitália, onde o aparelho
apresenta-se com má formação ou ambiguidade sexual,
resultará na inviabilidade da identificação do sexo do
neonato, portanto, um indivíduo intersexo.
A ambiguidade genital está presente quando
apenas com base na aparência não se consegue
designar se trata de um menino ou menina.
Com a má formação genital chegam diversas
indagações, incertezas e reflexões, uma vez que o tema

*
Graduando em Psicologia e Participante do Projeto de Iniciação
Científica "Bioética e Políticas Públicas de Equidade: Igualdade de
oportunidades e respeito às diferenças" na Universidade Paranaense -
UNIPAR.
**
Ph.D em Direito pela Université de Montreal, Canadá. Docente do
Mestrado em Direito Processual e Cidadania da Universidade
Paranaense (UNIPAR) onde coordena o projeto “Bioética e Políticas
Públicas de Equidade: Igualdade de oportunidades e respeito às
diferenças”. Advogada em São Paulo.
206 Novos Direitos...

interessa à várias áreas do conhecimento. Indaga-se: O


que é ser homem ou ser mulher? Basta a observação dos
genitais para a definição do sexo da pessoa? Quais as
causas da intersexualidade? O sexo deve ser definido ao
nascer? É possível defini-lo anos após o nascimento?
Que aspectos devemos considerar na atribuição do
sexo? Deve ocorrer intervenção cirúrgica? Quando?
Como efetuar o registro civil da criança? Como escolher
um prenome? Podemos aguardar até que cresça? A
quem incumbe a escolha: aos pais, aos médicos, ao
Judiciário? Quais as implicações desta escolha? Cuidar
de um menino é diferente de cuidar de uma menina? É
possível viver com um sexo não binário? Qual a
linguagem a ser utilizada?
Diante do diagnóstico de intersexualidade, surge a
imediata emergência em adequar a criança com o
intersexo aos padrões impostos, pois esse humano não
pode transitar em desacordo com as limitações
estabelecidas pelos campos normatizadores que
fomentam a obrigatoriedade que todo ser humano
participe de um gênero binário, masculino ou feminino.
Assim, em torno da problemática, surge a necessidade
de corrigir essa incongruência sexual para efetivar o
enquadre de gênero. Dessa maneira, o método de
correção na atualidade se dá através do manejo cirúrgico.
Outra medida que fortalece a urgência do
enquadre a um gênero se deve ao campo jurídico, onde é
imposto e exigido com rapidez a necessidade da
efetivação do registro do recém-nascido para que o
Estado reconheça que há um novo cidadão detentor de
direitos e deveres. No entanto, o assentamento civil
impõe um prazo limitado para que a efetivação do
registro aconteça e mais, limita-se ao binarismo de
gênero, masculino ou feminino, descartando
veementemente outras possibilidades de registro.
Assim, diante desse padrão binário apresentado,
a intervenção cirúrgica surge como sendo necessária e
Intersexo... 207

urgente, descredenciando a autonomia de escolha do


próprio intersexo. É evidente que o recém-nascido, ainda,
não possui a autonomia de escolha, uma vez que este
não possui o seu aparato psicológico formado. Desse
modo, algumas problematizações são feitas por alguns
teóricos que estudam a fundo as ambiguidades e as más-
formações genitais, onde sugerem que novas medidas
sejam criadas, que resultarão na desconstrução das
medidas normativas que vêm abrangendo a
intersexualidade em plena contemporaneidade.

10.2 INTERSEXUALIDADE EM DESACORDO COM AS


NORMAS

As crianças que nasciam intersexuadas no século


XIX, eram vistas como monstruosidades, pois
apresentavam ambiguidade sexual, uma vez que a partir
do órgão genital apresentado no nascimento que se
delimitava se era macho ou fêmea. A ambiguidade
apresentada pelo neonato contribuía para o impedimento
na circunscrição a um sexo e a um gênero, expõe
Foucault (2001 apud, SILVA, 2010).
Conceitualmente, gênero é um entrelaçamento
entre às percepções, os sentimentos, as crenças, os
valores que o sujeito tem a respeito de si mesmo.
Portanto, gênero tem como função diferenciar o papel de
cada sujeito na sociedade. Diante de seu sexo, haverá
um gênero, a qual levará o sujeito a partilhar de um
sentimento individual, percebendo sua masculinidade,
feminilidade e intersexualidade, explica Castro (2005).
Nesse sentido, percebe-se que, “[...] sexo é, desde
sempre, marcado pelo gênero. Assim, os valores de
quem olha e/ou classifica genitais interferem naquilo que
estão vendo e, consequentemente, na nominação do que
veem” (MACHADO, 2005, p. 2).
Para Freud, segundo Paula e Vieira a sexualidade
humana não é nem inata nem adquirida, pois o ser
208 Novos Direitos...

humano está submetido ao pulsional. Podemos nascer


macho ou fêmea, mas essa condição será traduzida em o
que é ser homem ou mulher, uma construção. “O início
desta construção passa pela transmissão que o Outro faz
ao pequeno bebê por via da linguagem.” (2015, p. 74).
Conforme Fraser e Lima (2012) o sexo consiste
em um conjunto de elementos biopsicossociais
contribuindo na distinção de macho e fêmea. Ou seja, a
identidade sexual de um indivíduo ocorre a partir de uma
série de eventos nos quais estão envolvidos elementos
biológicos bem como os psicossociais. Sampaio, Coelho
e Lima (2014) complementam que a identificação do que
é ser homem e ser mulher ocorre a partir da genitália. O
homem possui pênis, a mulher possui vagina. Portanto,
no campo biomédico e social, o intersexo está fora dos
padrões normativos impostos. Além dos elementos
expostos, um terceiro elemento surge para completar a
formação identitária, sendo este o assentamento civil,
elemento primordial no que tange direitos e deveres do
estado para com o cidadão, completam Fraser e Lima
(2012).
Pensando no discurso Foucaultiano acerca das
normas que atravessaram os corpos intersexuados
dando significados em meados do século XIX, percebe-
se, ainda, em pleno século XXI, que as mesmas normas
se encontram presentes oferecendo o mesmo discurso
do passado, critica Machado (2005).
Em dados históricos, acerca da intersexualidade,
o intersexo já obteve o seu espaço de amor e ódio nas
culturas greco-romanas. Os gregos, por sua vez,
reverenciavam as crianças com intersexo, porém, as
matavam em seguida. Em contrapartida, os romanos
tinham uma atitude radical frente aos intersexuados;
assim que nasciam com má formação genital, eles os
extirpavam da sociedade, matando-os. Já na idade
média, o pensamento em torno dos anômalos era um
tanto quanto extremista acreditando que o nascimento de
Intersexo... 209

um intersexo era uma punição divina, ou então pessoa


enviada pelo demônio. No período da Renascença, as
sociedades europeias não adotaram tais pensamentos e
atitudes. Elas buscaram abdicar desse radicalismo,
enxergando com curiosidade as crianças intersexuadas
acreditando serem um erro da natureza, explica Castro
(2005).
Segundo Campinho, Lima e Bastos (2009) com os
atravessamentos históricos, a sociedade ocidental
passou a ter uma visão contrária saindo do campo moral
chegando ao campo das más-formações, ou seja,
passaram a considerar os intersexuados como sendo
sujeitos incompletos e que necessitavam um tratamento
médico especializado de reversão de seu estado
intersexual. Portanto, cabe contextualizar que na
atualidade o modelo bipolarizado de gênero se encontra
disseminado na cultura do ocidente. Não se pode olvidar
que os modelos binários, masculinos e femininos são
fortes, não permitindo a existência de outros modelos,
como exemplo, o modelo de intersexualidade. Para
Foucault (2001 apud SILVA, 2010) as normas sociais
apresentam-se limitadas aos mais diversos padrões
corporais existentes na contemporaneidade. Assim, os
que não se circunscrevem a ela, estão em desacordo,
resultando em penalizações, anotam Sampaio, Coelho e
Lima (2014). Por isso, quando há o nascimento de uma
criança e logo em seguida ocorre o diagnóstico de
intersexo, surge quase que instantaneamente a
necessidade de correção, nesse caso, a cirurgia é
utilizada, expõe Silva (2010).
Machado (2005) indica que, atualmente, o que
mais se discursa em torno da intersexualidade, é a
intervenção cirúrgica. Pensando nessas intervenções,
Foucault (1988) conceituou em seus estudos a sanção
normalizadora. Dessa maneira, a medicina parece
instituir em torno da criança com intersexo “[...] as
técnicas da hierarquia que vigia e as da sanção que
210 Novos Direitos...

normaliza. É um controle normalizante, uma vigilância


que permite qualificar, classificar e punir” (FOUCAULT,
1987, p. 154). Ou seja, as sanções mencionadas são
dispositivos criados para corrigir aqueles e aquelas que
se encontram em desacordo com as normas, portanto, os
dispositivos criados objetivam capturar e trazer o
indivíduo ao campo do disciplinamento. Pensando no
intersexo, a intervenção cirúrgica é um dispositivo de
captura a norma, sendo que o objetivo dessa é
circunscrever o sujeito a um sexo, macho ou fêmea e,
assim, automaticamente a um gênero masculino ou
feminino.
No próximo tópico, será discutido a visão médica
acerca da criança com intersexo, abordando os sexos
existentes, dentre eles o genético, morfológico e
endócrino, na qual havendo disparidade entre um desses
sexos o sujeito é inscrito na intersexualidade.

10.3 VISÕES BIOMÉDICAS ACERCA DA


INTERSEXUALIDADE

No campo da medicina, para que ocorra a


diferenciação de homem e mulher existem três sexos que
comungam essa diferença, sendo eles o genético,
morfológico e endócrino. O sexo genético consiste na
formação da ordem cromossômica sendo XX para mulher
e XY para o homem. O sexo endócrino é formado por
gônadas sendo testículos no homem e ovários na mulher
contando ainda com as glândulas hipófise e tireóide,
sendo elas responsáveis por formar as características de
cada sexo. O sexo morfológico consiste na aparência do
órgão genital tanto interno como externo, externamente
no homem pênis, na mulher vagina, explica Gubert e
Rocco (2012). Contudo, deve-se “analisar a presença de
caracteres sexuais primários e secundários, observando
se existe uma correspondência entre eles” (FRASER;
LIMA, 2012, p. 2).
Intersexo... 211

A disparidade em um desses sexos será possível


identificar a criança com intersexo. Nesse sentido, “a
intersexualidade está relacionada a uma
incompatibilidade entre os componentes genéticos, as
estruturas genitais internas e/ou externas, o sexo de
criação e o comportamento psicossocial” (SANTOS, 2006
apud SILVA, 2010, p. 18). De acordo com Lima (2007)
durante o processo gestacional podem ocorrer variações
que culminem em uma má formação, ou seja, esse corpo
não segue o estágio do desenvolvimento completo não
sendo classificado no gênero masculino e feminino.
Para Gubert e Rocco (2012) os aspectos
comumente que caracterizam a intersexualidade são
possuir clitóris visivelmente maior e não haver abertura
vaginal, possuir um micro pênis ou o escroto dividido ao
meio de modo que parecem lábios vaginais. No entanto,
além de todas essas características divergentes, há ainda
crianças que podem nascer com uma genética mosaica,
isto é, algumas das suas células têm cromossomas XX e
algumas XY.
A principal causa da má formação genital humana
é a hiperplasia congênita da suprarrenal, responsável por
aproximadamente 90% das ocorrências, explicam Paula
e Vieira (2015). Entendem estas que a criança deve ser
acompanhada por equipe interdisciplinar integrada por
pediatra, endocrinologista, cirurgião, psicólogo, bem
como uma equipe de suporte especializada no
diagnóstico. Importante lembrar que a descoberta da
ambiguidade genital pode ocorrer no nascimento ou, por
exemplo, quando as modificações da puberdade não se
evidenciam. “A temporalidade é importante nesses casos,
uma vez que as intervenções médicas serão distintas e
dependerão do momento em que a descoberta da
ambiguidade genital é feita. O tempo da descoberta faz
toda diferença na condução dos casos”. (2015, p.71)
212 Novos Direitos...

Assim, alguns exames mais detalhados são


realizados pelo pediatra endocrinologista, expõe Castro
(2005), seguindo um roteiro de avaliação que inclui:

Conhecer desde a história pré-natal da mãe até a


condição atual do paciente, o que inclui: anamnese,
exames laboratoriais da cromatina sexual, cariótipo,
dosagens hormonais sangüíneas, urina (para detecção
de hormônios adrenais e gonadais) e identificação
anatômica dos genitais internos (através de exame ou
cirurgia da cavidade abdominal). (SANTOS; ARAÚJO,
2003, p. 27).

A nomenclatura é variada. As ciências sociais, por


exemplo, usam a denominação intersexo ou
intersexualidade, e a ciência biomédica usa a sigla DDS,
classificando em quatro grandes grupos clínicos, sendo
eles:

O pseudo-hemafroditismo feminino (diretamente ligado


ao sexo cromossômico 46XX, o indivíduo possui ovário,
porém a genitália externa possui uma ambiguidade), o
pseudo-hemafroditismo masculino (está diretamente
ligado ao sexo cromossômico 46 XY, o indivíduo possui
testículos, porém apresenta a genitália externa é
feminina, ou então ambígua), a disgenesia gonodal
mista (o sujeito possui gônodas formadas apenas pelo
tecido fibroso, porém não possui uma função de
produzir hormônios, nem a capacidade de produzir
gametas, e sem estruturas que determinem a
identificação dos ovários, ou testículos) e o
hemafrodistismo verdadeiro (sujeitos que possuem
uma ambiguidade de tecidos, tanto ovariano e
testicular, ele apresenta essa ambiguidade na parte
externa e interna da genitália). (FRASER e LIMA, 2012,
p. 4).

Ao longo das civilizações, a palavra ‘hermafrodita’


era utilizada para se referir aos sujeitos intersexuados.
Nos dias atuais, doutrinadores das mais diversas áreas
Intersexo... 213

abdicam dessa nomenclatura, considerando-a pejorativa,


desrespeitosa e estigmatizante a esse sujeito, explicam
Lee et al. (2006 apud CAMPINHO et al., 2009). Em
outras sociedades, não-ocidentais, a intersexualidade é
entendida como uma androgenia. Assim, nessa ótica, o
hermafrodita é visto como um ser que engloba a unidade
de opostos. Portanto, o “hermafrodita não é percebido
como um “pseudo-homem” ou “pseudomulher”, mas um
ser em que coexiste a totalidade dos gêneros” Lee et al.
(2006 apud CAMPINHO; BASTOS; LIMA, 2009, p. 1152).
No tópico a seguir, será problematizado alguns
tratamentos acerca dessas más formações.

10.4 PROBLEMATIZANDO A INTERVENÇÃO


CIRÚRGICA

Não há como abordar o assunto sem mencionar


duas vertentes formuladas no século XX: o “Modelo
Centrado no Sigilo e na Cirurgia” (MCSC) proposto por
John Money (1972) e o Modelo Centrado no Paciente
(MCP) proposto por Milton Diamond (1997), explica Silva
(2010). Só foi possível desenvolver essas duas vertentes
com o desenvolvimento da anatomia patológica e da
microscopia em meados dos séculos XVIII e XIX
contribuindo para os primeiros estudos histopatológicos,
expõe Guerra e Guerra Junior (2002).
A vertente MCSC baseou-se nos avanços de
estudos endocrinológicos culminando na descoberta de
uma fase híbrida de embriões que seriam sexualmente
neutros, conforme Silva (2010). Assim, entendeu-se que
os humanos possuíam uma bissexualidade inata, porém,
instintivamente as pessoas possuem em maior ou menor
grau a possibilidade de aguçar a feminilidade ou a
masculinidade. Sabemos que ao inserir-se socialmente
há uma obrigatoriedade em se apresentar como sendo
homem ou mulher, Santos (2003 apud, SILVA, 2010).
Essa abordagem acredita no que tange ao sexo
214 Novos Direitos...

de criação, determinante para a identidade de gênero


quando comparado às variáveis biológicas. Assim, a
intersexualidade é vista como uma patologia física que
requer uma intervenção cirúrgica visando a correção, pois
a não identificação da genitália com o seu sexo de
criação contribuiria para que este se tornasse um sujeito
em conflito consigo mesmo. Assim, a cirurgia estética
teria uma finalidade preventiva contribuindo para
amenização de um sofrimento futuro. (SILVA, 2010)
Para a autora supracitada a segunda vertente, o
MCP, problematiza que os humanos são
psicossexualmente neutros quando nascem, portanto, a
sexualidade será formada a partir da inserção deste nas
relações sociais. Essa é uma visão interacionista que não
delimita quais fatores entre eles, sociais e biológicos,
possuem importância para o desenvolvimento. Essa
abordagem possui uma visão contrária ao MCSC, visto
que a primeira viabiliza a cura através da correção
estética. Nessa, a cirurgia deve ser evitada ao máximo,
pois acredita-se que a permissão da intervenção cirúrgica
deve partir do próprio sujeito, visto que, se realizada
precocemente, este não possuiria a capacidade e nem a
autonomia em escolher qual sexo morfológico seria
construído em seu corpo. Essa vertente recomenda,
ainda, que os pais de crianças com intersexo bem como
o sujeito em questão devam estar em processo
psicoterapêutico para que haja amenização de seu
sofrimento psíquico produzido na relação entre esses
sujeitos e a sociedade que se encontra arraigada por
diversos padrões normatizados. Essa vertente
recomenda também que a solicitação cirúrgica deva partir
do próprio sujeito. Caso este se encontre bem com a
ambiguidade sexual, não há o porquê da intervenção
cirúrgica ocorrer. Completando essa ideia, Sampaio,
Coelho e Lima (2014) apontam que a realização da
cirurgia sem o consentimento da parte envolvida é um
desrespeito a dignidade humana.
Intersexo... 215

Ao seu turno, o MCSC, entende que a cirurgia tem


por objetivo permitir que a criança esteja de acordo com o
sexo e o gênero designado no qual irá permitir a aparato
psicológico saudável a criança bem como um conforto a
seus familiares. Castro (2005) aponta que seria sofrível a
família conviver com essa disparidade, uma vez que,
socialmente, há a necessidade em se definir homem e
mulher, por isso, a cirurgia traria benefícios para ambos
os lados.
Nesse sentido Warne (2003, apud CASTRO,
2005) discorre que não adotar o procedimento cirúrgico
precocemente se caracteriza por uma negação a
construção de uma identidade “saudável”. Reforçando as
ideias anteriores, Damiani (2002), completa a
necessidade de os profissionais médicos estarem
tomando algumas medidas imediatas, quando se trata de
ambiguidades genitais, sendo que algumas síndromes
malformativas contribuem para o risco de vida à criança
no que tange o seu bem-estar biopsicossocial. Por isso,
“os distúrbios que afetam a determinação e a
diferenciação do sexo envolvem não só questões
médicas complexas e urgentes, como problemas
psicológicos extremamente sérios” (GUERRA; GUERRA
JUNIOR, 2002, p. 165).
Em contrapartida ao pensamento de Warne, a
realização precoce da cirurgia também pode trazer danos
irreparáveis ao campo psicológico desse sujeito.
Segundo uma pesquisa realizada por Fraser e Lima
(2012) há vários médicos que estão sendo processados
devido a escolha malsucedida de uma identidade para as
crianças com intersexo. Esses processos estão sendo
movidos devido às escolhas contrárias ao sexo
psicológico do indivíduo, ou seja, esse sujeito não se
reconhece com o sexo morfológico construído em seu
corpo. Possui um pênis, porém se vê como mulher.
216 Novos Direitos...

Portanto, cabe contextualizar que, atualmente,


houveram algumas mudanças no que tange os
tratamentos de crianças com intersexo, ou seja, a partir
de agora cada caso tem recebido atenção especial para
que haja a obtenção de resultados positivos, aponta
Castro (2005). Nesse sentido, Campinho, Bastos e Lima
(2009) criticam que as práticas desenvolvidas pelos
modelos biomédicos sempre estão direcionadas para a
doença e não para a saúde. Porém, nas últimas décadas
ocorreram algumas mudanças após a inserção de outros
saberes para pensar em atendimentos direcionados ao
intersexo como a Psicologia, o Serviço Social e o Direito.
De acordo com os autores supramencionados,
traçando um panorama acerca dos artigos publicados
baseados nos saberes citados, as Ciências sociais têm
focado em criticar o modelo binário de gênero, masculino
e feminino, pois as intervenções realizadas objetivam
inserir o sujeito dentro do modelo binário de gênero. A
Psicologia foca em problematizar os aspectos da
sexualidade, identidade e orientação sexual. O Direito
foca seus estudos em estigmas sociais, implicações das
cirurgias da genitália e mobilização social em prol do
direito à saúde. Nesse sentido, esses campos de saberes
têm contribuído para produzir novos conhecimentos
corroborando em um olhar mais humanizado dos sujeitos
que nascem com o intersexo.
Conforme Guerra e Guerra Junior (2005) a partir
da década de 90, houve um crescimento em números de
pesquisas abrangendo os mais variados aspectos
clínicos, fisiopatológicos e moleculares dos DDDS, o livro
“Intersex in the Age of Ethics” colocou em debate vários
questionamentos a respeito dos reais benefícios
promovidos pela realização da intervenção cirúrgica,
convidando todos os profissionais de saúde a debater a
real necessidade de se estabelecer uma nova era na
condução dos casos de ambiguidade genital: a "era do
consenso".
Intersexo... 217

Dessa maneira Castro (2005), considera que os


tratamentos atuais podem ser chamados da “era do
consenso”. Ela faz essa alusão frente a algumas
estratégias que foram sendo adotadas ao longo da
história como a de informar os pais da real situação de
seu filho, sem omitir nenhum tipo de informação, tratar
cada caso de forma individual buscando basear em
aspectos culturais, religiosos e comportamentais, além de
realizar intensas problematizações acerca do caso com
intuito de promover o bem-estar biopsicossocial do
sujeito. Ressalta-se ainda, caso não tenha sido realizado
nenhum tipo de intervenção após o nascimento, é
necessário que informe ao paciente com intersexo o seu
real quadro clínico, assim que o mesmo estiver próximo
da adolescência. É importante salientar que o paciente
esteja passando por um processo de psicoterápico tendo
como propósito uma escuta psicológica durante o
processo informativo.
Neste sentido, declaram Paula e Vieira (2015, p.
71):

Uma vez assumida a identidade sexual, a revelação de


uma patologia que difere do sexo assumido pela
criança deve ser discutida pela equipe, para avaliar de
que maneira o caso pode beneficiar-se com as
intervenções médicas. A decisão é tomada, caso a
caso, com a participação determinante do paciente,
considerando sua história e o percurso por ele
realizado até ali na construção de sua identidade. A
avaliação da equipe é feita a posteriori, em dois eixos
de avaliação: o biológico e o psíquico. O sujeito é
examinado pelo endocrinologista e escutado pelo
psicanalista. Os exames físicos e de laboratório
revelarão o sexo biológico. A escuta psicanalítica
permitirá compreender o que se passou no percurso de
constituição psíquica, que poderá incluir, ou não, a
escolha subjetiva do sexo.
218 Novos Direitos...

Em geral, os profissionais quando se deparam


com pacientes com malformações genitais,
tradicionalmente, adotam algumas medidas para a
escolha na hora de realizar a construção morfológica
sexual. O tamanho do pênis, por exemplo, dá indicativas
se há a possibilidade da correção mantendo o órgão, ou
então, caso o seu tamanho não esteja adequado, a
designação parte para a reconstrução da vagina
indicando que essa criança fará parte do gênero
feminino.
Contudo, há dois objetivos importantes adotados
durante a avaliação feita pela área médica antes que a
intervenção cirúrgica ocorra, sendo eles: “identificar [...]
as características que irão auxiliar na decisão relativa ao
sexo de criação [...] e contribuir para o diagnóstico
definitivo por meio da visualização das estruturas
anatômicas da genitália interna e da realização da biópsia
gonadal” (GUERRA; GUERRA JUNIOR, 2002, p. 174).
Referidos autores completam, que há todo um
planejamento estratégico para que a intervenção ocorra
de forma positiva. Assim, deve haver um exame
minucioso do físico do paciente, que deve incluir, as
medidas do falo (pênis), verificar a posição que se
encontra a abertura uretral, deve conter também a
existência de um seio urogenital e a presença de
gônadas que possibilite apalpá-las. Ressalta-se, ainda, a
importância de investigar a conformação dos tubérculos
genitais bem como a quantidade de pele existente.
No que tange a convergência entre gênero e
designação sexual há fortes estudos que problematizam
a qualidade de vida após cirurgia, privilegiando quatro
domínios fundamentais, dentre eles estão o estado físico,
bem-estar psicológico, relacionamento social e
capacidade funcional, além da identificação psicossexual
e integração psicossocial, explica Santos e Araújo (2005).
Há também a clara necessidade de que os pais sejam
informados sobre os malefícios e os benefícios
Intersexo... 219

pertinentes a cirurgia. Portanto, fica a cargo deles


aceitarem ou não a intervenção. Mas de acordo com
pesquisas recentes, raramente os pais se opõem aos os
procedimentos médicos. No entanto, médicos e familiares
ficam preocupados com a funcionalidade da genitália alí
construída. Para a autora, nas pesquisas de campo,
realizadas por ela, os discursos de médicos e pais
estavam relacionados, em geral, na capacidade da
genitália construída produzir prazeres bem como oferecer
a capacidade ao sujeito de reproduzir filhos, escreve
Castro (2005).
No que tange a construção da subjetividade
humana não se pode descartar a junção do psicológico
bem como do social, que irão formar os elementos
psicossociais. O sexo psicológico está diretamente
relacionado como o sujeito se vê como pessoa. O sexo
social está ligado aos pressupostos que são criados em
torno de cada sexo, isto é, são designadas características
especificas para cada sexo, ou seja, são os padrões que
atravessam e agenciam as relações humanas. (FRASER
E LIMA, 2012). Assim, a formação educacional, influência
familiar e sociedade atravessam os elementos
psicossociais, expõe Paiva e Silva (2002). Os sexos
genéticos, endócrinos, morfológicos podem ser
prejudicados caso não haja a identificação psicológica do
indivíduo com o sexo ao qual ele se encontra classificado
(o sexo psicológico) e, ainda não ocorrer a aceitação
social dessa pessoa a um ou outro sexo (o sexo social).
No caso do intersexo, a criança comunga de uma
incongruência nos três sexos, explica os autores Fraser e
Lima (2012).
Nesse sentido, os autores supramencionados
concordam com a vertente MCP, explicando que há a
obrigatoriedade em esperar a fase da pré-adolescência
para realizar tais procedimentos cirúrgicos, pois nessa
fase a criança já possui uma maturidade psicológica para
identificar a que sexo morfológico a mesma se identifica.
220 Novos Direitos...

Santos e Medeiros (2003) completam informando a


necessidade de haver uma equipe multiprofissional
especializada para acompanhar todos os passos de
escolha até a realização da cirurgia. Ressalta-se ainda a
importância do acompanhamento psicoterapêutico tanto
para a criança como para seus familiares.
Transitar em uma sociedade normatizada requer
desses sujeitos um aparato psicológico preparado para
lidar com todas as variáveis que estarão surgindo frente a
dissidência com a norma. Além de todos esses
elementos envolvidos na relação do intersexo com o
mundo de auto aceitação, preconceito social,
sexualidade, o mesmo poderá estar enfrentando por toda
a vida um incessante e cansativo tratamento médico que
envolve exames regulares bem como ingestão de
medicamentos (FRASER E LIMA, 2012).
Lembremos aqui a diferenciação entre
ambiguidade genital e ambiguidade sexual. Paula e
Vieira, entendem que a ambiguidade genital se refere a
uma questão biológica, anatômica, remetendo à
dificuldade em se diferenciar os sexos a partir do genitais.
Por sua vez, a ambiguidade sexual é mais abrangente,
implicando em um conjunto de elementos subjetivos.
(2015, p. 77)
Será discutido, no próximo tópico, o
assessoramento genético, que objetiva informar possíveis
anomalias durante o processo gestacional bem como a
possibilidade de desenvolvimento no futuro.
Intersexo... 221

10.5 ACONSELHAMENTO OU ASSESSORAMENTO


GENÉTICO

Por trás do processo de gravidez, o casal passa a


vivenciar a expectativa da espera do nascimento que
envolvem a escolha do nome, o sexo da criança, a
mobília do quarto, dentre outros, como será o rostinho da
criança, além de traçar planos futuros para esse novo
membro da família, escrevem Bittencourt e Ceschini
(2002). Porém, quando essa criança chega ao mundo e
recebe o diagnóstico de intersexo, abre-se uma lacuna
em todos os sentimentos desenvolvidos durante o
processo gestacional, completa Castro (2005). Porém,
esse sofrimento pode ser evitado através do
assessoramento genético, entendido como sendo “a
atividade de fornecer informações a respeito do risco de
recorrência de doenças genéticas para pacientes e
familiares” (LACADENA, 2003, apud MARTINS, p. 1,
2012). De acordo com Ramalho e Silva (2002), foi criado
com o objetivo de sanar os problemas acarretados
através da hereditariedade. Esse procedimento permite
aos indivíduos ou famílias tomarem decisões equilibradas
acerca da procriação, ou seja, através deste será
possível identificar as possibilidades de gerar filhos
doentes.
No entanto, alguns autores como Gubert e Rocco
(2012) explicam que esse procedimento vem trazendo
grandes preocupações aos estudos bioéticos. Alguns
estudiosos dessa área criticam que o profissional que
adota esse método e o aceite da família, ambos estão
compactuando com a violação do direito à vida humana.
Eles ressaltam, que esse método objetiva a produção de
“filhos perfeitos”, ou seja, no decorrer do processo
gestacional é possível identificar algumas
doenças/anomalias bem como se esse sujeito tem
propensão a desenvolvê-las no futuro. No entanto, caso
seja identificado alguma anomalia ou a sua possibilidade
222 Novos Direitos...

de desenvolvimento, os pais terão em mãos uma grande


decisão a ser tomada, como continuar com o processo
gestacional ou optar pela sua interrupção.
Para alguns, se torna invasivo à dignidade da vida
humana a utilização do aconselhamento, pois no
processo de gestação o sujeito já possui vida e,
interromper essa gestação é o mesmo que tirar a vida de
uma pessoa que já se encontra inserida no mundo.
Porém, Ramalho e Silva (2002) discordam dessa visão
informando que a família vai ser conhecedora do real
quadro, caso essa criança venha ao mundo. Porém, após
ser dada a informação genética, é importante que os
profissionais que atuem nessa área discutam com a
família de forma não coercitiva que contribuam na
tomada de decisão, ou seja, é de responsabilidade dos
profissionais dessa área explicar os riscos da doença
como também das possibilidades existentes de
tratamento. Os autores contextualizam, ainda, que não é
apenas responsabilidade dos geneticistas trabalhar com
essas informações. O assessoramento genético deve ser
solicitado pela família, esse é o ideal, porém, caso não
haja essa solicitação e os médicos identifiquem a
possibilidade de problemas genéticos, é de cunho ético
que os membros sejam informados.
Para Goldim e Matté (2001) esse procedimento
possuía utilidade ao seu uso quando as doenças
genéticas eram incuráveis, mas, atualmente, com o
avanço da tecnologia contribuiu para que a medicina
desenvolvesse diversos tratamentos para os mais
diversos tipos de doenças genéticas. Portanto, essa
técnica perdeu sua utilidade.
No próximo tópico, serão discutidas as normas
brasileiras vigentes bem como a apresentação de
algumas críticas objetivando a necessidade da criação de
novas leis que contribuam na ampliação do respeito e da
dignidade a vida daqueles que nascem intersexuados.
Intersexo... 223

10.6 NORMAS APLICÁVEIS AO INTERSEXO

O nascimento implica na tomada de algumas


decisões importantes, como por exemplo, a emissão da
declaração de nascido vivo. Essa declaração fornecida
nos primeiros dias de vida do recém-nascido (neonato) é
obrigatória, pois este documento tem como função fazer
com que o Estado reconheça o nascimento de um novo
cidadão (GUIMARÃES JUNIOR, 2014).
Portanto, o registro de nascimento no Brasil,
através do documento de comprovação, a Certidão de
Nascimento; é o documento de exclusividade, permitindo
a todo neonato iniciar a construção de sua identidade e
consequentemente a sua cidadania; bem como a sua
participação no regime jurídico que prevê direitos e
deveres a serem concedidos aos cidadãos brasileiros,
explica Próchno e Rocha (2009).
Sabemos que o ser humano sem nome é apenas
realidade fática, pois é com o nome que penetra no
mundo jurídico, a expressão mais característica da
personalidade (VIEIRA, 2012). Assim, o registro de
nascimento de uma criança contribui na definição jurídica
de quem ela é, repercutindo em toda a sua vida social.
Assim, “o nome civil não contribui apenas para
identificação da pessoa, mas, como um tradutor acerca
da sua verdade pessoal e social, declara Barboza (2009
apud, GUIMARÃES JUNIOR, 2014). Nesse sentido,
Fraser e Lima (2012) contextualizam que o processo de
nomeação envolve respeito e cuidado, isto é, existe todo
um movimento afetivo tanto na escolha quanto no
momento propriamente dito da efetivação do registro.
Considerando que no Brasil o registro do
nascimento ocorre a partir da identificação do sexo
morfológico, isto é, através da genitália externa,
pensando na intersexualidade onde não há a formação
completa da genitália, resultará na inviabilidade do
reconhecimento acerca do sexo deste neonato. Dessa
224 Novos Direitos...

maneira, Fraser e Lima (2012) completam que diante do


não reconhecimento há a clara impossibilidade de que o
assentamento civil seja concluído.
Diante de um recém-nascido com intersexo,
alguns médicos alegam sentimento de impotência e
insegurança ao ter que revelar se esse neonato é
“menino” ou “menina”, porém, diante da necessidade em
registrar a criança, os profissionais sentem-se
pressionados a todo custo em ter que fornecer a
resposta, Guimarães Junior (2014). De fato, os médicos
se encontram em um caminho espinhoso, onde por um
lado são pressionados pela lei, por outro, é a família
desesperada em obter a resposta para fornecer um nome
bem como inserir essa criança em um padrão de
aprendizagem. Assim “a sinceridade do médico, nesse
momento, é a orientação de que a criança não deve ser
registrada enquanto não se esclarecer qual é seu sexo”
(DAMIANI, 2002, p. 27). Dessa maneira, a postura da
área médica de informar aos pais como também as
autoridades competentes a inviabilidade do
reconhecimento a que sexo ela pertence, evita
sofrimentos posteriores.
No entanto, parafraseando o artigo o art. 50, há a
clara obrigatoriedade de que o registro de todo neonato
ocorrido em território nacional deverá ser feito dentro do
prazo de quinze dias, ampliado em até três meses para
localidades que se encontram distantes, numa faixa de
trinta quilômetros da sede do cartório mais próximo,
segundo Guimarães Junior (2014). Portanto, no que
tange a intersexualidade, o Direito vem passando por
algumas transformações desde a Constituição de Federal
de 1988. No entanto, ainda não assimilou essa nova
identidade, ficando preso, ainda, nos padrões binários.
Barboza (2009 apud GUIMARÃES JUNIOR, 2014) critica
que já está em tempo de o Direito reconhecer um novo
conceito de identidade civil. Para Fraser e Lima (2012), a
legislação brasileira é omissa quando se trata de
Intersexo... 225

intersexualidade, os autores citam que a Lei 6.015/73


prevê o registro (assentamento civil), onde deverá ser
fornecido nome e sexo para que o mesmo ocorra.
Apesar das críticas supracitadas, Souza e Souza
Filho (2013) apontam que o estado vem constantemente
ampliando a jurisprudência e alcance da lei no que
concerne a intersexualidade, transexualidade,
homossexualidade, dentre outros. Assim, como em
outros países, o Brasil vem avançando no que tange
garantir direitos e deveres a seus cidadãos. As
legislações contemporâneas têm procurado
incessantemente corrigir falhas em busca de melhores
atendimentos às pessoas que se encontram em
vulnerabilidade social.
Pensando no exposto, há veementemente a
necessidade da inserção bem como do reconhecimento
de um terceiro gênero no assentamento civil. De acordo
com Barbosa (2013), a Europa, mais especificamente na
Alemanha, reconheceu a necessidade em registrar
crianças que nascem com intersexo. Em novembro de
2013, tornou-se lei que toda criança que nasça com má
formação genital poderá ter seu registro efetivado como
“sexo indefinido” propiciando assim que no mais tardar o
indivíduo esteja escolhendo se deseja ou não estar
realizando a intervenção cirúrgica. Em entrevista
concedida a jornalista Natália Mendes e publicada na
revista Brasil de Fato, Ana Canguçu-Campinho (2014),
psicóloga do Instituto de Psicologia da Universidade
Federal da Bahia (UFBA), a RB, descreve que ainda é
cedo para especificar qual será a reação das crianças
que contém em seu registro a definição de um novo
gênero.
Cabe destacar que a Alemanha não é o primeiro
país que adotou essa norma; outros países já adotaram
medidas favoráveis para a intersexualidade. Segundo
referida psicóloga, na Austrália, os documentos de
pessoas intersexuadas contam com um terceiro campo,
226 Novos Direitos...

ao lado dos de “masculino” e “feminino”, em que é


empregado o termo “diferente”. Outros países como
Afeganistão e Nepal também já fizeram o reconhecimento
de pessoas com o intersexo.
Ela complementa sua entrevista destacando que
no Brasil, ainda, a “lei de registro não prevê um terceiro
gênero”, pois no formulário não existe uma nova
categoria além do masculino e do feminino. Mas, que
espera que haja uma flexibilidade quanto à isso em
breve. No entanto, é propicio contextualizar que é
respeitoso essa tomada de decisão por parte da
Alemanha bem como dos outros países citados, pois
esse sujeito terá em suas mãos a decisão de escolha não
oferecendo a oportunidade da família bem como da
classe médica definir a que sexo o mesmo pertencerá.
Essas normas aqui mencionadas, estão definitivamente
visando a correção de falhas das escolhas malsucedidas
bem como de futuros sofrimentos psicológicos do não
reconhecimento do sexo morfológico construído em seu
corpo.
Evidentemente, se o registro não exprimir a
verdade em seu teor, o interessado poderá requerer sua
retificação ou anulação. Um prenome feminino, por
exemplo, para alguém que se considera homem expõe o
seu portador ao ridículo. Referida adequação é permitida
pela Lei 6.015/73 Lei dos Registros Públicos - art. 55,
parágrafo único combinado com art. 57, caput. Contudo,
a decisão do magistrado basear-se-á em quê: na perícia
médica, na aparência externa do indivíduo ou na auto
declaração?
Intersexo... 227

10.7 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Conclui-se que a distinção entre ambiguidade


genital e ambiguidade sexual parece ser essencial no
estudo de cada caso. Diante do exposto há muito o que
se fazer no que se refere a intersexualidade. Os campos
médico e jurídico, dentre outros saberes que abordam a
intersexualidade, precisam repensar os dispositivos de
atravessamentos no que tange essa problemática, que no
século XXI, ainda continuam não respeitando a
autonomia de escolha dos humanos, isto é, elaboram as
normas e exigem o seu cumprimento não respeitando a
singularidade de cada um. Portanto, os dispositivos
fomentados na área médica como a intervenção cirúrgica
ou a reposição hormonal como um processo de captura a
norma deve ser problematizada buscando elaborar outras
táticas de manejo e agenciamento da intersexualidade.
No que é pertinente a área jurídica, há a clara
necessidade de que o assentamento civil deva ser
repensado, abrindo outras possibilidades de gênero,
como na Alemanha, que abriu o campo para o terceiro
gênero nomeando de “sexo indefinido”.
Além disso, outra medida pode ser adotada junto
com a inserção de um terceiro gênero, como a escolha
de um nome que funcione para ambos os sexos. O nome
representa uma das primeiras características a serem
adquiridas pelo sujeito, logo que nasce e irá acompanhá-
lo para sempre, como marca distintiva na sociedade.
Portanto, no ato do assentamento civil, seus pais poderão
escolher um nome que funcione para ambos os gêneros,
como Ariel, Kimberly etc. Assim, caso o sujeito venha a
realizar a cirurgia mais tarde, não irá precisar escolher
outro nome. Outra saída seria o simples acréscimo de um
prenome tipicamente reconhecido como masculino ou
feminino, dependendo do caso. Assim, considera-se que
são pequenas medidas adotadas, no entanto, esses
procedimentos contribuirão para amenizar sofrimentos
228 Novos Direitos...

futuros, pois é evidente que submeter uma criança


precocemente a um procedimento cirúrgico, onde a
mesma não possui autonomia para escolher, acaba
sendo uma violação dos direitos à dignidade humana.

10.8 REFERÊNCIAS

BARBOSA, J. Alemanha reconhece terceiro gênero


sexual no registro de bebês. Disponível em:
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São Paulo: Atlas, 2012.
232 Novos Direitos...
- XI -

OS ASPECTOS JURÍDICO-PENAIS DA EUTANÁSIA

Elis Regina de Oliveira Florenço*


Gisele Mendes de Carvalho**

11.1 INTRODUÇÃO

Grandes foram os avanços das tecnologias


biomédicas nas últimas décadas e graças a estes
progressos muitos doentes têm sido salvos de suas
enfermidades transitórias. Contudo, é inegável que estas
mesmas medidas não contribuíram de forma significativa
para milhares de vida que se encontram sem qualquer
perspectiva de cura ou melhora, prolongando-se a vida e
o sofrimento de pacientes terminais. Neste contexto
surge o instituto da eutanásia como boa morte.
Por eutanásia, atualmente, entende-se a morte
provocada sobre a situação de paciente terminal por
sentimento de piedade para pôr fim ao agonizante
sofrimento do mesmo. Todavia, a questão que se coloca
em discussão junto da abordagem deste instituto é
justamente a disponibilidade da vida humana.
Dentro do ordenamento jurídico pátrio, a vida é
um bem jurídico consagrado na Constituição Federal
como direito fundamental e inviolável (art. 5º, “caput”),
razão pela qual, a eutanásia é proibida pelo nosso

* Acadêmica do Curso de Direito do Unicesumar – Centro Universitário


Cesumar, Maringá - Paraná. Bolsista do Programa Institucional de
Bolsas de Iniciação Científica (PIBIC/CNPq).
lis_florenco@hotmail.com
** Orientadora, Pós-Doutora em Direito Penal pela Universidade de

Zaragoza, Espanha, e Professora Adjunta de Direito Penal da


Universidade Estadual de Maringá e do Unicesumar, Maringá -
Paraná. giselemendesdecarvalho@yahoo.es
234 Novos Direitos...

Estado, sendo sua prática considerada crime e tipificada


como homicídio piedoso no §1º do art. 121 do Código
Penal, o qual estabelece que sendo o crime impelido por
motivo de relevante valor social ou moral, ou sob o
domínio de violenta emoção, logo em seguida a injusta
provocação da vítima, o juiz pode reduzir a pena de um
sexto a um terço, cuja pena prevista é de reclusão, de
seis a vinte anos.
Partindo desta premissa, o presente artigo busca
demonstrar que o direito à vida está extremamente
relacionado ao princípio da dignidade da pessoa humana.
Logo, não basta somente à garantia do direito à vida
constitucionalmente, mas sim a garantia de uma vida
digna, porém não existe vida digna com qualidade
quando não se pode usufruir de um nível de vida
adequado e muito menos quando as funções vitais não
são autônomas, como no caso do paciente em estado
terminal e, por esta razão, a prática da eutanásia deveria
ser permitida frente ao consentimento do mesmo pela
medida.

11.2 EUTANÁSIA

11.2.1 Definição

O termo “eutanásia” surgiu com a junção dos


termos gregos eu e thánatos, os quais significam
respectivamente, bom e morte, sendo, portanto, definida
como “boa morte”. A expressão foi proposta por Francis
Bacon, filósofo inglês, em sua obra intitulada História
vitae et mortin, publicada no século XVII.
Seu significado evoluiu ao longo dos anos,
passando a abarcar novas e diferentes condutas, como
os institutos da ortotanásia e distanásia, os quais se
diferenciam em razão da intenção do agente, do modo e
do meio empregado. Por conta disso, antes de
aprofundar no assunto, se faz necessário conceituá-los.
Os aspectos jurídico-penais da eutanásia 235

Por eutanásia, atualmente, entende-se a morte


provocada sobre a situação de paciente terminal, por
sentimento de piedade, assim, ao invés de deixar a morte
ocorrer naturalmente, a eutanásia age sobre a mesma
antecipando-a.
Por sua vez, a ortotanásia (derivada do termo
grego orthós, correto e thánatos, morte), também
conhecida como eutanásia passiva, consiste na omissão
voluntária do tratamento pelo médico resultando na morte
do paciente portador de doença incurável e que se
encontra em terrível sofrimento.
Vale ressaltar que a ortotanásia não configura
uma conduta típica frente ao Código Penal Brasileiro,
tendo em vista que não é causa de morte do enfermo,
uma vez que o doente já está em processo natural de
morte.
Por fim, a distanásia (derivada da junção das
expressões dis e thánatos, que significa morte lenta),
refere-se ao emprego de todos os meios terapêuticos
possíveis, até mesmo dos extraordinários e
experimentais, com o fim de prolongar artificialmente o
processo de morte do paciente, cujo resultado tem sido o
sofrimento da pessoa prolongando-se sua agonia.
Partindo-se do ponto de vista jurídico, a conduta do
médico não se caracteriza por ser ilícita e nem culpável,
salvo se os meios extraordinários forem empregados com
o propósito de encurtar a existência do enfermo,
configurando-se, assim, homicídio.

11.2.2 Classificação

Atualmente, a eutanásia pode ser classificada de


várias formas, de acordo com o critério considerado.
Dentre as principais, destaca-se a classificação quanto
ao modo de execução, em que a eutanásia pode ser
provocada diretamente, bem como indiretamente, sendo,
então, classificada em eutanásia ativa e passiva. A
236 Novos Direitos...

primeira consiste no ato deliberado de provocar a morte


sem sofrimento do paciente, por fins misericordiosos, cujo
objetivo é eliminar o sofrimento do doente terminal como,
por exemplo, a administração de morfinas em altas
doses, acelerando-se, assim, a morte do indivíduo.
Enquanto que, a eutanásia passiva ocorre devido à
omissão ou interrupção de um tratamento médico já
iniciado que poderia contribuir para o prolongamento da
vida humana, com o objetivo de diminuir o sofrimento do
paciente que se encontra em fase terminal, por exemplo,
a suspensão do tratamento ou da administração de
medicamentos adequados.
Em relação ao consentimento do paciente, a
eutanásia pode ser classificada em voluntária ou
involuntária. Naquela é necessário o consentimento da
vítima ou de seus representantes legais. Por outro lado, a
eutanásia involuntária ocorre quando a morte é
provocada sem o consentimento do paciente, sendo sua
vontade contrariada.
De acordo com sua autoria a eutanásia pode ser
autônoma ou heterônoma. Àquela é provocada pelo
próprio indivíduo, sem a intervenção de terceiros,
configurando, portanto, suicídio. Por sua vez, a eutanásia
heterônoma, pressupõe a participação de um terceiro.

11.3 O PAPEL DA BIOÉTICA FRENTE À EUTANÁSIA

Com as grandes descobertas realizadas pela


ciência da vida, nas últimas décadas, foram suscitadas
novas e complexas questões, seja no campo ético,
religioso ou jurídico, as quais provocaram uma
aproximação entre a ética e o direito, resultando desta
aproximação, novos ramos do conhecimento humano,
como a Bioética, que nos dias de hoje é compreendida
como ciência interdisciplinar, cujo objetivo é solucionar as
questões éticas provocadas com o avanço das
tecnologias biomédicas. Buscando-se assim, intervir nas
Os aspectos jurídico-penais da eutanásia 237

questões relacionadas à saúde e à biomedicina, tais


como: as pesquisas com seres humanos, a prática da
eutanásia, as terapias genéticas, aos métodos de
reprodução assistida e a clonagem de seres humanos,
entre outras, para garantir o respeito à dignidade da
pessoa humana.
Destaca-se que, a bioética se desenvolve a partir
de três princípios, sendo eles: a beneficência, a
autonomia e a justiça, os quais se consolidaram no meio
científico por meio da corrente do principialismo, fundada
na obra The Principles of Bioethics, de Tom Beauchamp
e James Childress, em 1979.
Pelo princípio da beneficência, (derivado da
expressão latina bonum facere, que significa fazer o
bem), o profissional da saúde deve praticar o bem em
relação ao paciente, além de preveni-lo de todo mal. O
referido princípio está fundamentado no Código de Ética
Medica brasileiro (Resolução nº 1931/2009 do CFM), o
qual estabelece entre seus princípios fundamentais
(Capítulo I) que:

II - O alvo de toda a atenção do médico é a saúde do


ser humano, em benefício da qual deverá agir com o
máximo de zelo e o melhor de sua capacidade
profissional. (...) VI - O médico guardará absoluto
respeito pelo ser humano e atuará sempre em seu
benefício. Jamais utilizará seus conhecimentos para
causar sofrimento físico ou moral, para o extermínio do
ser humano ou para permitir e acobertar tentativa
contra sua dignidade e integridade.

Cabe ressaltar que o princípio da beneficência é


considerado uma evolução do princípio da não-
maleficência, isto porque aquele requer uma ação a fim
de não causar dano ao paciente, enquanto que o
princípio da não-maleficência exige a abstenção de uma
determinada conduta com vistas a não lesionar a saúde
do paciente.
238 Novos Direitos...

O princípio da autonomia (derivado do termo


grego autos, eu e nomos, lei), por sua vez, trata-se do
dever de respeitar a capacidade do paciente de se
autogovernar, devendo, portanto, ser tratado com
autonomia. Para Diniz, “o princípio da autonomia requer
que o profissional da saúde respeite a vontade do
paciente ou de seus representantes, levando em conta,
em certa medida, seus valores e crenças religiosas”1.
Para tanto, o profissional da saúde precisa informar e
esclarecer ao seu paciente tudo o que lhe diz respeito,
bem como o diagnóstico, o prognóstico, além das
condutas terapêuticas a serem utilizadas, para que não
venha ocorrer o cerceamento da autonomia do paciente e
para que este venha dar o seu consentimento livre e
esclarecido para a realização de tais condutas. Por conta
disso, o Código de Ética Médica proíbe ao médico “deixar
de garantir ao paciente o exercício do direito de decidir
livremente sobre sua pessoa ou seu bem-estar, bem
como exercer sua autoridade para limitá-lo” (art. 24).
No tocante ao princípio da justiça, deve haver uma
distribuição justa e equitativa dos bens e serviços da
saúde pública entre os cidadãos. É no corpo da nossa
Constituição Federal que encontramos o presente
princípio, ao estabelecer que:

A saúde é direito de todos e dever do Estado,


garantindo mediante políticas sociais e econômicas que
visem à redução do risco de doença e de outros
agravos e ao acesso universal igualitário às ações e
serviços para sua promoção, proteção e recuperação
(art. 196).

A relação entre os princípios apresentados acima


e a prática da eutanásia é de suma importância, haja
vista que os mesmos devem ser cuidadosamente

1DINIZ, Maria Helena. O estado atual do biodireito. 3. ed. São


Paulo: Saraiva, 2006, p. 16-17.
Os aspectos jurídico-penais da eutanásia 239

observados nas tomadas de decisões referentes aos


doentes em quadros terminais. Antes de enfocá-los
dentro do tema proposto cumpre destacar que o paciente
crônico passa por três momentos distintos, em cada qual
apresentado suas características peculiares, como
explica Gisele Mendes de Carvalho:

No primeiro momento, o enfermo ainda é salvável, e


todos os esforços médicos devem concentrar-se no
sentindo da preservação da vida; no segundo, ocorre
uma inversão das expectativas que culmina com o
terceiro estágio, na qual a morte é inevitável, e a
atuação médica deve primar pelo alívio do sofrimento 2.

Ressalta-se que os princípios bioéticos são


aplicados conforme a situação que se encontra o
paciente. Assim, estando na fase salvável deve
prevalecer a aplicação do princípio da beneficência sobre
o princípio da não-maleficência, buscando proteger a vida
do paciente. Enquanto que, estando na terceira fase, isto
é, quando a morte é inevitável, aplica-se o princípio da
não-maleficência.
Disso resulta que, os princípios da beneficência e
da não-maleficência prevalecem em relação ao princípio
da autonomia. Isso porque, na maioria dos casos, não há
como os pacientes terminais tomarem decisões e
emitirem suas opiniões, por estarem quase sempre
inconscientes, afastando-se, de tal forma, a aplicação do
princípio da autonomia, cabendo, portanto, a aplicação do
princípio da beneficência, todavia, a equipe médica e os
familiares devem atuar em consenso, tendo como
objetivo o melhor interesse do doente, dentro das
concepções deste.
No que tange ao princípio da justiça, em que pese
não prevalecer sobre os princípios da beneficência, da

2 CARVALHO, Gisele Mendes de. Aspectos Jurídico-Penais da


Eutanásia. São Paulo: IBCCRIM, 2001, p. 81.
240 Novos Direitos...

não-maleficência e da autonomia, deve ser levando em


conta na decisão final, devendo o mesmo orientar a
escolha dos familiares frente à morte inevitável do doente
terminal, visto que alguns recursos não trazem benefícios
para o mesmo, pelo contrário, só aumenta seu
sofrimento.

11.4 ASPECTOS JURÍDICO-PENAIS

11.4.1 Bem jurídico tutelado: o direito à vida e a


dignidade da pessoa humana

A questão que se coloca em discussão junto da


abordagem do instituto da eutanásia vem a ser
justamente a disponibilidade da vida humana, tendo em
vista que este é o bem jurídico tutelado quando se trata
da prática da eutanásia, razão pela qual, necessária se
faz a exposição deste direito fundamental no presente
trabalho.
No ordenamento jurídico brasileiro o direito à vida
foi consagrado como direito fundamental previsto no art.
5º, caput da Constituição Federal, que dispõe:

Art. 5° Todos são iguais perante a lei, sem distinção de


qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos
estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do
direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à
propriedade [...].

Verifica-se que a nossa Carta Magna proclama a


inviolabilidade do direito à vida, cabendo ao Estado
tutelar a vida e garanti-la em todas as esferas jurídicas,
inclusive promovendo os meios necessários para a sua
manutenção de forma efetiva e digna, possibilitando para
tanto, o exercício dos demais direitos fundamentais.
Assim, vislumbra-se uma nítida relação entre o
direito à vida e o princípio da dignidade da pessoa
humana, considerando que àquele deve ser garantido
Os aspectos jurídico-penais da eutanásia 241

com o mínimo de qualidade e dignidade, em outras


palavras, não basta somente a garantia do direito à vida
constitucionalmente, mas sim a garantia de uma vida
digna ao ser humano, o que resulta na efetivação do
princípio da dignidade da pessoa humana.
Ademais, a atual Constituição Brasileira elenca
em seu art. 1º a dignidade da pessoa humana como
princípio fundamental do Estado de Direito Democrático,
ao determinar que:

Art. 1° A República Federativa do Brasil, formada pela


união indissolúvel dos Estados e Municípios e do
Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de
Direito e tem como fundamentos:
[...]
III - a dignidade da pessoa humana

Logo, trata-se de um atributo inerente à natureza


de cada pessoa de ter acesso a condições existenciais
mínimas, motivo pela qual a dignidade da pessoa
humana está relacionada à noção de vida digna. Todavia,
não existe vida digna com qualidade quando não se pode
usufruir de um nível de vida adequado e muito menos
quando as funções vitais não são autônomas, como no
caso do paciente em estado terminal.
Insta salientar, que a dignidade humana é a base
para a concretização de todos os direitos fundamentais,
sem a qual impossível seria a existência dos demais,
tendo em vista que estes surgem da ideia de dignidade,
dentre os quais estão o direito à liberdade, à saúde, à
moradia, à educação e principalmente o direito à vida.
Nesse sentindo, preconiza Gisele Mendes de Carvalho:

Situada à frente de todos os direitos fundamentais, a


dignidade humana lhes serve de alicerce e informa seu
conteúdo, convertendo-se na fonte ética que confere
unidade de sentido, de valor e de concordância prática
ao sistema de direitos fundamentais. Desse modo, a
242 Novos Direitos...

inviolabilidade dos direitos concernentes à vida, à


liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade
não diz respeito a generalidades, mas a condições
uniformes na sociedade que garantam a qualidade
daqueles direitos tutelados. Cuida-se aqui da aplicação
do valor dignidade da pessoa humana a cada um
desses direitos – destarte, o direito à vida será o direito
à vida digna, com aplicação análoga a cada um dos
outros direitos3.

Desta maneira, o princípio da dignidade da


pessoa humana e o direito à vida não podem ser
interpretados isoladamente, os mesmos devem ser
analisados e entendidos em conjunto, complementando
um ao outro, conforme determina Anelise Tessaro:

Apesar da vida ser consagrada como um direito


fundamental do homem e também como um princípio,
muitas vezes, face à condições adversas em que a
prolongação de uma vida ou uma intervenção médica
não possa trazer benefícios e sim comprometer a
qualidade de vida deste paciente no seu sentindo mais
amplo, referindo-se também à dignidade da pessoa,
têm-se por certo que o princípio da qualidade deve ser
somado ao da intangibilidade da vida, para concluir que
neste caso esta prolongação ou intervenção médica
não será eticamente viável. Isso porque após esta
intervenção, aquela pessoa não poderá usufruir da vida
na sua plenitude, restando, muitas vezes, uma mera
existência biológica. E é neste ponto que estes
princípios se complementam, pois, o direito à vida
pressupõe um mínimo de qualidade e dignidade 4.

No entanto, a eutanásia é proibida pelo Estado,


sendo sua prática considerada crime pelo nosso
ordenamento jurídico penal, tipificada como homicídio

3
CARVALHO, Gisele Mendes. Op. cit., p. 113-114.
4TESSARO, Anelise. Revista da Ajuris: Doutrina e Jurisprudência, p.
48.
Os aspectos jurídico-penais da eutanásia 243

piedoso no §1º do art. 121 do Código Penal, levando em


consideração somente a tutela do direito à vida.

11.4.2 Estrutura do tipo de injusto do homicídio


eutanásico

No que tange ao tipo de injusto do homicídio


eutanásico, destaca-se que este é formado por três
elementos essenciais, quais sejam: estado de
enfermidade terminal incurável do enfermo; o motivo
piedoso que leva o agente a cometer o delito para acabar
com o sofrimento do doente e o consentimento
validamente prestado pelo mesmo.

11.4.2.1 Doença terminal incurável ou estado de


invalidez irreversível

Para configurar o homicídio eutanásico é


necessário que o paciente sofra de doença terminal
incurável ou apresente um estado de invalidez
irreversível. Por doença terminal incurável entende-se
aquela que se apresenta num estado avançado, sem
prognóstico de retrocesso ou cura dentro da perspectiva
dos meios terapêuticos atualmente conhecidos, podendo
também, ser identificada por meio da impossibilidade de
resposta a tratamento específico. No entanto, parte da
doutrina defende que a medicina deve prolongar a vida
do enfermo até o último instante possível, não privando o
mesmo de uma provável cura no futuro, pois o que é
incurável hoje pode ser curável amanhã com os
progressos da medicina, posto isso, a prática da
eutanásia retiraria a chance do enfermo de viver o
bastante para que a descoberta de um novo tratamento
pudesse curá-lo ou assegurar-lhe ao menos uma
suportável sobrevivência. Porém, esta não é a tese não é
a defendida na presente pesquisa, tendo em vista que o
critério de incurabilidade deve ser analisado sob o atual
244 Novos Direitos...

contexto das ciências médicas para verificar se há ou não


possibilidade concreta de recuperação, como preceitua
Gisele Mendes de Carvalho:

[...] não basta, para negar aquele critério, sustentar que


todas as moléstias são passíveis, cedo ou tarde, de
cura, porquanto o médico deve diagnosticar o mal e
consequentemente a incurabilidade do paciente com
base nos recursos hodiernos e nas atuais noções da
Medicina, e não em consideração ao conhecimento
crescente e às probabilidades de cura do amanhã5.

Cabe registrar, que o atual Código Penal nada


dispõe a respeito, tão somente a doutrina que trata da
enfermidade terminal incurável ou situação de invalidez
irreversível como critério que torna legítima a eutanásia.

11.4.2.2 Motivo piedoso

Verifica-se pelo Código Penal Brasileiro, que para


ser considerado homicídio eutanásico o mesmo tem que
ser praticado por relevante valor moral, conforme
determina o §1º do art. 121:

Art 121. Matar alguém:


[...]
Caso de diminuição de pena
§ 1º Se o agente comete o crime impelido por motivo
de relevante valor social ou moral, ou sob o domínio de
violenta emoção, logo em seguida a injusta provocação
da vítima, o juiz pode reduzir a pena de um sexto a um
terço.

Ademais, o item 39 da Exposição de Motivos da


Parte Especial do Código Penal, esclarece que:
Por motivo de relevante valor social ou moral, o projeto
entende significar o motivo que, em si mesmo, é

5 CARVALHO, Gisele Mendes. Op. cit., p. 131.


Os aspectos jurídico-penais da eutanásia 245

aprovado pela moral prática, como, por exemplo, a


compaixão ante o irremediável sofrimento da vítima
(caso do homicídio eutanásico), a indignação contra um
traidor da pátria etc.

No valor social, a motivação se fundamenta no


interesse coletivo, enquanto que o valor moral está
relacionado a moralidade média. No entanto, não basta
ter o valor social e moral, é necessário também que tenha
relevância, isto é, seja digno de apreço, neste aspecto
merece destaque o entendimento de Bitencourt:

É insuficiente, porém, para o reconhecimento da


privilegiadora, o valor social ou moral do motivo: é
indispensável que se trate de valor relevante, como
destaca o texto legal. E a relevância desse valor, social
ou moral, é avaliada de acordo com a sensibilidade
média da sociedade e não apenas segundo a
sensibilidade maior ou menor do sujeito ativo 6.

Acrescenta-se ainda, que para Paulo José da


Costa Jr, a relevância dos valores social ou moral deve
ser considerada objetivamente, “segundo os padrões
sociais da sociedade e não conforme o entendimento
pessoal do agente”7.
Nota-se que, mesmo sendo considerado o motivo
piedoso ao praticar a eutanásia, a conduta de quem a
praticou será típica e ilícita, pois o que se constata no
nosso ordenamento é uma diminuição de pena,
caracterizando, portanto, homicídio privilegiado. Segundo
Bitencourt “a ação continua punível, apenas a sua
reprovabilidade é mitigada, na medida em que diminui o

6 BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de Direito Penal. 12. ed.


São Paulo: Saraiva, 2012, p. 176.
7 COSTA JUNIOR, Paulo José da. Comentários ao Código Penal:

Parte Especial. São Paulo: Saraiva, 1988. v. 2, p. 7.


246 Novos Direitos...

seu contraste com as exigências ético-jurídicas da


consciência comum“8.

11.4.2.3 O consentimento do enfermo

Tratando-se do homicídio eutanásico, além dos


dois elementos explicados anteriormente, é primordial
considerar o consentimento do enfermo, ou seja, também
é necessária para a prática da eutanásia a solicitação
pessoal do paciente em estado terminal.
Para os adeptos da corrente favorável a
eutanásia, o consentimento do paciente deve ser
considerado. Deste modo, Gisele Mendes de Carvalho
expõe:

[...] a vontade do doente deve ser sempre que possível


respeitada, em se tratando de paciente consciente, no
pleno exercício de suas faculdades mentais e
devidamente informado da gravidade de sua situação e
das consequências de seu ato. Cuida-se, aqui, da
aplicação do princípio da autonomia, um dos pilares
sobre os quais se encontra erigida a Bioética. Esse
princípio, consoante já se salientou, implica o respeito à
livre decisão individual dos sujeitos sobre seus próprios
interesses, sempre que não afete a terceiros e se
tratem de escolhas racionais e espontâneas, ainda que
errôneas ou potencialmente prejudiciais a si próprios 9.
(p. 144)

Já para aqueles que são contrários a prática da


eutanásia, o consentimento do paciente não pode ser
considerado, tendo em vista que o estado clínico sofrível
do mesmo, o coloca em situação vulnerável, podendo ter
o seu consentimento influências externas e que em outra
situação, certamente não optaria pela prática da
eutanásia.

8 BITENCOURT, Cezar Roberto. Op. cit., p. 174.


9 CARVALHO, Gisele Mendes. Op. cit., p. 144.
Os aspectos jurídico-penais da eutanásia 247

Vale destacar que, a prática da eutanásia não se


sustenta somente na vontade do paciente, pois se assim
fosse o médico estaria autorizado a praticá-la porque o
interessado manifestou o seu desejo neste sentido, é
imprescindível o consentimento informado do doente.
Para tanto, é preciso que se façam presentes quatro
elementos essenciais, os quais são: revelação adequada
e veraz da informação pela equipe médica; compreensão
da informação; consentimento voluntário e capacidade do
doente para consentir.
No que se refere ao primeiro elemento, registra-se
que é dever do médico informar de maneira adequada e
simples o paciente acerca da sua real situação, bem
como, o que será realizado para diagnosticar a doença,
como se procederá ao seu tratamento, esclarecer os
riscos e benefícios a que ele está exposto, quais os
resultados que vêm sedo obtidos em outros pacientes
com a mesma doença, dentre outras informações, para
que ele possa expressar ou não o seu consentimento.
Como regra, o médico deve informar diretamente ao
paciente, porém, há uma exceção, qual seja: quando tal
informação possa prejudicar o estado de saúde do
paciente, sendo assim, o médico deve informar o
representante legal do paciente, conforme estabelece o
art. 34 do Código de Ética Médica Brasileiro (Resolução
nº 1931/2009 do CFM):

Art. 34. Deixar de informar ao paciente o diagnóstico, o


prognóstico, os riscos e os objetivos do tratamento,
salvo quando a comunicação direta possa lhe provocar
dano, devendo, nesse caso, fazer a comunicação a seu
representante legal.

No que tange a compreensão da informação pelo


paciente, Gisele Mendes de Carvalho esclarece que:

Quando se requer a compreensão da informação por


parte de quem consente, isso não significa exigir que o
248 Novos Direitos...

paciente ou as pessoas que por ele decidirão devem


entender com exatidão os fundamentos científicos e as
razões técnicas que conduziram à situação terminal e
sua irreversibilidade. Trata-se tão somente de
compreender as informações que lhes são fornecidas
pela equipe médica, inteirando-se das causas que
conduziram a necessidade daquela decisão e das
consequências que poderão advir de cada uma das
opções que lhes são apresentadas 10.

Dessa maneira, as informações prestadas pelo


médico devem ser claras e de acordo com a formação
cultural de quem as recebe, para sejam compreensíveis,
a fim de possibilitar o consentimento ou não do paciente
ou de seu representante legal.
Não obstante, é necessário que o consentimento
seja voluntário para ser considerado válido, não podendo
o médico influenciar na decisão do paciente ou de seu
representa legal e nem os persuadir a mudar de opinião.
Em relação à eutanásia, necessário se faz que o
consentimento além de voluntário seja expresso, não se
admitindo em nenhuma hipótese que o mesmo seja
presumido. Tratando-se de paciente incapaz de
manifestar seu consentimento, como, por exemplo,
doentes mentais, crianças e pacientes inconscientes,
dentre outros, aplica-se o princípio da beneficência, para
determinar a atuação do médico e dos familiares no
melhor interesse do paciente.
Por fim, a capacidade do doente para consentir
diz respeito à capacidade civil plena, que é adquirida aos
18 anos completos, conforme determina o art. 5º do
Código Civil. Em vista disso, referindo-se a doentes
terminais, o consentimento dos absolutamente e
relativamente incapazes caberá aos seus respectivos
representantes ou assistentes legais, devendo sempre
decidir no melhor interesse do paciente.

10 CARVALHO, Gisele Mendes. Op. cit., p. 146.


Os aspectos jurídico-penais da eutanásia 249

Além do mais, exige-se do autor do homicídio


eutanásico ciência do consentimento do enfermo e
vontade de atuar de acordo com o mesmo, configurando-
se os requisitos subjetivos, e por outro lado, perfazendo o
requisito objetivo, que sua atuação se dê dentro do limite
do consentido, razão pela qual, não restando configurado
estes dois requisitos, não há que se falar em homicídio
privilegiado.
Apesar de tudo, o Código Penal nada dispõe a
respeito do consentimento do ofendido, permitindo,
portanto, a prática da eutanásia sem o consentimento do
enfermo.

11.4.3 Autor do homicídio eutanásico

Tratando-se da eutanásia ativa, tanto pode ser


sujeito ativo do homicídio eutanásico o médico quanto
qualquer pessoa que atue investida pelo motivo piedoso,
ante o estado terminal e incurável ou de invalidez
irreversível da vítima, de acordo e na medida do
consentimento desta, admitindo-se a coautoria e a
participação por meio de instigação ou cumplicidade,
material ou moral, como, por exemplo, a conduta pode
ser praticada por um médico com o auxílio de material de
um enfermeiro que lhe fornece os meios adequados.
Na eutanásia passiva, por sua vez, admite
somente o médico como autor, tendo em vista que só ele
pode suspender ou não iniciar o tratamento (delito
omissivo). Por conta disso, nesta modalidade não é
possível a coatoria ou participação.
250 Novos Direitos...

11.5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Com a presente pesquisa, verifica-se que nos


casos de paciente em estado terminal incurável ou em
situação de invalidez irreversível que tenha consentido
com a medida e sendo atestada por uma equipe médica
a inutilidade do sofrimento físico e psíquico do doente, a
prática da eutanásia não deveria ser passível de sanção
penal, sendo considerado crime somente quando
praticada sem sua autorização ou contra a sua vontade,
daí porque a necessidade de uma lei regule sua prática e
que responda aos anseios dos pacientes na atualidade,
pois não se pode fingir que isso não ocorre e ignorar sua
prática em nosso país, pelo contrário, aqui no Brasil se
pratica a eutanásia como em qualquer outro lugar, porém,
ocorre em silêncio, é acobertada, pois se publicada o
médico será processado por homicídio e responderá
perante o Conselho de Medicina local, que
provavelmente cassaria sua licença e o proibiria de
exercer a profissão.

11.6 REFERÊNCIAS

ADONI, André Luis. Bioética e Biodireito: Aspectos


Gerais sobre a eutanasia e o direito à morte digna,
2001.

BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de Direito


Penal. 12. ed. São Paulo: Saraiva, 2012, p. 176.

BRASIL. Código Penal, Vade Mecum. 19° Edição.


Editora Saraiva, 2015.

______. Constituição da República Federativa do


Brasil, 05 de outubro de 1988. Vade Mecum, 2ª Edição.
Editora Saraiva, 2008.
Os aspectos jurídico-penais da eutanásia 251

CARVALHO, Gisele Mendes de. Aspectos Jurídico-


penais da Eutanásia. São Paulo: IBCCRIM, 2001.

COSTA, Sérgio S. I.; GARRAFA, Volnei; OSELKA,


Gabriel. Iniciação à bioética. Brasília: Conselho Federal
de Medicina, 1998, p.15.

COSTA JUNIOR, Paulo José da. Comentários ao


Código Penal: Parte Especial. São Paulo: Saraiva,
1988. v. 2, p. 7.

DINIZ. Maria Helena. O estado atual do biodireito. 3°


ed. São Paulo: Saraiva, 2006.

DODGE, Raquel Elias Ferreira. “Eutanásia – aspectos


jurídicos”. Bioética, Brasília, Conselho Federal de
Medicina, v. 7, n. 1m p. 113-120, 1999.

FABRIZ, Daury Cesar. Bioética e direitos


fundamentais: a bioconstituição como paradigma ao
biodireito. Belo Horizonte: Mandamentos, 2003, p. 107.

KOVÁCS, Maria Júlia. “Autonomia e o direito de


morrer com dignidade”. Bioética, Conselho Federal de
Medicina, v. 6, n. 1, p. 61-69, 1998.

MESTIERI, João. Manual de Direito Penal, v. I. Rio de


Janeiro: Forense, 199, p. 155.

PRADO, Luiz Regis. Curso de Direito Penal brasileiro. 2


ed. São Paulo: RT, 2000.

SZTAJN, Rachel. Autonomia privada e direito de


morrer: eutanásia e suicídio assistido. São Paulo:
Cultural Paulista – Universidade da Cidade de São Paulo,
2002.

TESSARO, Anelise. Revista da Ajuris: Doutrina e


Jurisprudência, p. 48.
252 Novos Direitos...
- XII -

RESPONSABILIDADE CIVIL DA GENITORA E A LEI


DE ALIMENTOS GRAVÍDICOS: REFLEXÕES SOBRE A
IRREPETIBILIDADE DOS ALIMENTOS FRENTE A
PRINCÍPIOS CIVIS E CONSTITUCIONAIS

Shary-Kalinka Ramalho Sanches*

12.1 INTRODUÇÃO

O nascituro, como tema jurídico, tem causado


inúmeras discussões doutrinárias na história do direito.
Até os dias atuais não está pacificado se tem direitos e
quais seriam, ou simplesmente expectativa de direitos.
Questões como se o nascituro tem ou não personalidade
civil, capacidade processual, etc. foi fonte de
preocupação acadêmica assim como dos aplicadores do
Direito, principalmente em virtude da situação sócio-
econômica muitas vezes precária da gestante. Discutia-
se como seria possível juridicamente obrigar o pai (ou
suposto pai) a compartilhar as despesas e necessidades
do período gestacional.
A capacidade processual sempre foi negada, com
raras exceções,1 ao nascituro pois no Brasil a teoria

* Docente na Universidade Federal do Mato Grosso do Sul.


Doutoranda em Função Social no Direito Constitucional. Mestrado em
Direito das Relações Privadas. Pós-graduação lato senso em Didática
Geral e em Metodologias em Ensino à Distância. Graduação em
Direito. Contato: skramalho@yahoo.com.br.
1 RT 625/172. Acórdão n. 71.200 da 4ª Câmara Cível do Tribunal de

Justiça do Estado de Minas Gerais cujo relator foi o Des. Guimarães


Mendonça, nestes termos: “Ao nascituro assiste, no plano do Direito
Processual, capacidade para ser parte, como autor ou réu.
Representando-o, pode a mãe propor ação investigatória e o
254 Novos Direitos...

aceita majoritariamente sobre o início da personalidade


do homem é a natalista. Entende esta corrente que o
art.2º do Código Civil atribui personalidade ao homem
apenas após o seu nascimento com vida e que antes
disso o que se tem são expectativas de direito. Reza o
art. 2º “A personalidade civil da pessoa começa do
nascimento com vida; mas a lei põe a salvo, desde a
concepção, os direitos do nascituro”.
Por isso a mulher gestante não podia,
representando seu filho nascituro, pleitear o pagamento
de alimentos (provisórios ou provisionais). A
consequência natural deste óbice processual é que todos
os custos da gestação ficavam a seu encargo. Ocorre
que essa situação fere princípios previstos na
Constituição Federal.
O primeiro deles é o princípio da paternidade
responsável (art. 227, caput, CF). A paternidade acontece
não somente com o nascimento; antes mesmo já é
possível responsabilizar os genitores por suas obrigações
em contribuir de todas as formas para o pleno
desenvolvimento do concebido.
O segundo princípio ferido é o da igualdade de
gênero (art. 5º, I, CF). Homens e mulheres são iguais em
direitos e obrigações e os compromissos enfrentados
pela gestante deverão ser enfrentados pelo pai também.
É neste diapasão que a Lei n. 11.804/08 foi
aprovada. Teve o grande mérito de afastar as acaloradas
discussões em torno da capacidade processual do
nascituro na medida em que conferiu legitimidade ativa
para a gestante. Também promoveu a igualdade de
gêneros quando distribuiu as despesas gestacionais. Por
ser uma lei enxuta, com dispositivos que informam de
maneira clara e objetiva, suscita poucos pontos de
desentendimento doutrinário e jurisdicional.

nascimento com vida investe o infante na titularidade da pretensão de


direito material [...]”
Responsabilidade civil da genitora... 255

Entretanto, grande controvérsia tem ocorrido no


que diz respeito à existência ou não da possibilidade
jurídica de devolução do valor recebido pela gestante
quando se comprova, por exame pericial após o
nascimento, que o homem apontado não é o pai da
criança. Nem sempre quem divide as despesas com a
gestante é quem deveria, por lei, fazê-lo; isso porque a
Lei no art. 6º determina que “Convencido da existência de
indícios da paternidade, o juiz fixará alimentos gravídicos
que perdurarão até o nascimento da criança, sopesando
as necessidades da parte autora e as possibilidades da
parte ré”. Contudo, referida Lei não previu solução em
caso de o homem apontado não ser realmente o pai.
No texto primitivo havia uma disposição
responsabilizando objetivamente a gestante por danos
materiais e/ou morais em caso de não se confirmar a
paternidade (art. 10º). Este artigo foi vetado sob o motivo
de ferir o princípio do livre exercício do direito de ação.
Atualmente questiona-se se a genitora tem ou não o
dever de devolver o que recebeu de quem não era o pai,
sendo certo que o entendimento dominante é o de
respeito absoluto ao princípio da irrepetibilidade do
crédito alimentar, não abrindo caminho para sucesso em
caso de pedido de devolução.
Este artigo tem por objetivo apontar algumas
reflexões sobre a responsabilidade civil da genitora em
relação à possível obrigação de devolver o que
indevidamente recebeu. Para tanto, utilizará o método
qualitativo- exploratório nas fontes doutrinárias e
jurisdicionais escolhidas para a pesquisa.
256 Novos Direitos...

12.2 O NASCITURO E SEUS DIREITOS

O Código Civil, art. 2º, determina que “A


personalidade civil do homem começa do nascimento
com vida; mas a lei põe a salvo, desde a concepção, os
direitos do nascituro”. Para a interpretação deste artigo
existem três grandes correntes doutrinárias a respeito da
condição jurídica do nascituro:

a) Teoria natalista: afirma que a personalidade civil da


pessoa começa do nascimento com vida, apoiando-
se na primeira parte do artigo 2º da Lei Civil e atribui
aos nascituros expectativas de direitos.
b) Teoria da personalidade condicional: a personalidade
tem início desde a concepção, com a condição do
nascimento com vida;
c) Teoria concepcionista: atribui personalidade civil ao
homem desde a sua concepção, de acordo com a
segunda parte do artigo 2º, CC.

Silmara Juny de Abreu Chinellato e Almeida2


explica acerca dos direitos do nascituro explica:

O nascimento com vida apenas consolida o direito


patrimonial, aperfeiçoando-o. O nascimento sem
vida atua, para a doação e a herança, como
condição resolutiva, problema que não se coloca
em se tratando de direitos não patrimoniais. De
grande relevância, os direitos da personalidade do
nascituro, abarcados pela revisão não taxativa do
art. 2º. Entre estes, avulta o direito à vida, à
integridade física, à honra e à imagem,
desenvolvendo-se cada vez mais a indenização
de danos pré-natais, entre nós com impulso maior
depois dos Estudos de Bioética.

2
ALMEIDA, Silmara Juny de Abreu Chinellato e. Estatuto Jurídico do
Nascituro: o direito brasileiro. In Questões controvertidas, v.6, São
Paulo: Editora Método, 2007, p.24
Responsabilidade civil da genitora... 257

O conhecimento sobre o nascituro e os debates


originados por estes conhecimentos foram impulsionados
em larga medida pelos os estudos da bioética. Questões
como o início da vida humana e sua proteção social e
jurídica tem estado na pauta das agendas de disciplinas
como o Direito Constitucional, o Direito Civil e a Filosofia
do Direito. No Brasil, o Supremo Tribunal Federal, em
sede de Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADIN
3510) enfrentou o assunto sobre o início da vida e as
repercussões para as pesquisas científicas, neste caso
específico, com células-tronco. No dia 29/05/2008 a Corte
decidiu que as pesquisas com células tronco-
embrionárias não violavam o direito à vida nem a
dignidade da pessoa humana3.
No Brasil, o Código Civil de 1916, em seu artigo
4º, já tutelava os direitos do nascituro. Artigo 4º, CC: “A
personalidade civil da pessoa começa do nascimento
com vida; mas a lei põe a salvo, desde a concepção, os
direitos do nascituro”. Este artigo foi reproduzido
fielmente no novel Código Civil, agora disposto no artigo
2º.
No Estatuto da Criança e do Adolescente há a
proteção ao período gestacional nos artigos 7º e 8º.4 Na
Constituição Federal o nascituro não teve tutela
específica; porém, o seu amparo foi contemplado em
vários dispositivos como na titularidade do direito à vida,
à dignidade da pessoa humana, à paternidade
responsável e à sua saúde.

3 Esses questionamentos surgiram em virtude da Lei de


Biossegurança (Lei nº 11.105 de 24 de março de 2005), que em seu
artigo 5º permitiu as pesquisas com as células-tronco.
4 ECA, art. 7º: “A criança e o adolescente têm direito a proteção à vida

e à saúde, mediante a efetivação de políticas sociais públicas que


permitam o nascimento e o desenvolvimento sadio e harmonioso, em
condições dignas de existência”. ECA, art. 8º: “É assegurado à
gestante, através do Sistema Único de Saúde, o atendimento pré e
perinatal”.
258 Novos Direitos...

12.3 LEI N. 11.804/08: ALGUNS ASPECTOS


PROCESSUAIS

A Lei de Alimentos Gravídicos trouxe normas


procedimentais céleres e condizentes com a sua
finalidade principal: a de unir ambos os genitores em
torno da obrigação comum de amparar e proteger o ser
concebido em seu desenvolvimento.
Em relação à competência, ficou estabelecida a
do foro da gestante. Porém, antes do veto, estava
previsto a regra geral de determinação do foro do artigo
94 do CPC, ou seja, o foro do domicílio do réu. Este
dispositivo estaria em desacordo com a própria
sistemática do CPC visto que a regra é o foro do
alimentado. Também porque os alimentos gravídicos
podem ser convertidos em pensão alimentícia, e assim
não haveria lógica se competente fosse o foro do pai.
Em relação às provas, não havendo prova pré-
constituída da paternidade, o juiz deverá aceitar ainda
que indícios. É o que determina o artigo 6º da Lei:
“Convencido da existência de indícios da paternidade, o
juiz fixará alimentos gravídicos que perdurarão até o
nascimento da criança, sopesando as necessidades da
parte autora e as possibilidades da parte ré”. Isso porque
o exame biológico, além de custoso e por vezes
demorado, traz risco ao concepto.

Nesse passo, não se pode exigir que a mãe, de plano,


comprove a paternidade de uma criança que está com
poucos meses de gestação. Com efeito, havendo
indícios de paternidade, como nas hipóteses do art.
1.597 do CC (nascidos cento e oitenta dias, pelo
menos, depois de estabelecida a convivência conjugal;
nascidos nos trezentos dias subsequentes à dissolução
da sociedade conjugal, por morte, separação judicial,
nulidade e anulação do casamento; havidos por
fecundação artificial homóloga, mesmo que falecido o
marido; havidos, a qualquer tempo, quando se tratar de
Responsabilidade civil da genitora... 259

embriões excedentários, decorrentes de concepção


artificial homóloga; havidos por inseminação artificial
heteróloga, desde que tenha prévia autorização do
marido), os alimentos gravídicos podem ser deferidos
independentemente de prova pré-constituída da
paternidade 5.

Nesse sentido foi o veto presidencial quanto ao


exame de DNA ser obrigatório em face da recusa à
paternidade atribuída. O artigo 8º foi o vetado: “Havendo
oposição à paternidade, a procedência do pedido do
autor dependerá da realização de exame pericial
pertinente. ” Importante salientar que a prova da gravidez
se faz necessária. Porém, a prova da viabilidade da
gravidez também foi vetada (art.4º do texto original).
Interessante decisão na 8ª. Câmara Cível do
Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul que considerou
procedente o pedido de uma gestante de alimentos
gravídicos em face do suposto pai do bebê, seu ex-
companheiro.

Os desembargadores aceitaram como prova do indício


de paternidade uma nota fiscal da compra de um
carrinho de bebê, em nome do suposto pai. O
desembargador Ricardo Moreira Lins Pastl, relator do
caso, explicou que o requisito de ‘‘indícios’’, nos termos
do artigo 6º da Lei nº 11.804/08, deve ser examinado
em sede de cognição sumária. Ou seja, trata-se de
uma conclusão judicial bem menos segura, que pode
não se confirmar em momento posterior após a
cognição exaustiva na seara própria. É da natureza das
decisões cautelares.‘‘Deste modo (...), a existência de
uma nota fiscal relativa à aquisição de um berço infantil
em nome do agravado (fl. 19), o que, em sede de

5 GIRO, Cyntia Campos. Aspectos relevantes sobre os alimentos


gravídicos. Escola da Magistratura do Estado do Rio de Janeiro. 2010.
Disponível em
www.emerj.tjrj.jus.br/paginas/trabalhos_conclusao/.../cyntiagiro.pdf, p.
16.
260 Novos Direitos...

cognição sumária, confere certa verossimilhança à


indicação da insurgente acerca do suposto pai, tenho
que resta autorizado a deferimento dos alimentos
gravídicos postulados, no valor correspondente a 30%
do salário mínimo (R$ 186,00) 6.

A titularidade dos alimentos gravídicos pertence


à gestante. Isso porque ao longo do tempo, muitas
teorias procuraram explicar o nascituro no ordenamento
jurídico. De acordo com a adoção desta ou daquela
teoria, eram a ele atribuídos ou não direitos. O grande
óbice para a concessão por parte do Poder Judiciário de
alimentos ao nascituro sempre foi ausência de
capacidade para ser parte. Poucos julgados entenderam
de maneira diversa. Um exemplo mais antigo é o
acórdão n. 17.091-1, da 3ª Câmara Cível do Tribunal de
Justiça de São Paulo (RT, 566/54), relator Des.
Rodrigues Porto. Ementa: Investigação de Paternidade –
Cumulação com alimentos – Ação em benefício de
nascituro – Propositura da mãe – Inadmissibilidade –
Ilegitimidade ativa. Ação de investigação de paternidade
é privativa do filho, podendo ser promovida desde que o
filho exista. Se a criança ainda não havia nascido ao
tempo da propositura da ação, a ilegitimidade ativa é
manifesta.
Hodiernamente, a vida intra- uterina tem
recebido um tratamento mais afastado da literalidade do
artigo 2º do Código Civil; em muitos julgamentos acolhe-
se a teoria de que, antes mesmo do nascimento, já há
personalidade jurídica. Veja- se esta decisão de 2014 do
Superior Tribunal de Justiça:

ACORDO. RECURSO ESPECIAL Nº 1.415.727 - SC


(2013/0360491-3) RELATOR: MINISTRO LUIS FELIPE

6 RIO GRANDE DO SUL. Tribunal de Justiça. 8ª Câmara Cível. Des.


Rui Portanova - Agravo de Instrumento nº 70046905147, Comarca de
Cruz Alta. Disponível em http://s.conjur.com.br/dl/acordao-tj-rs-
concede-alimentos.pdf
Responsabilidade civil da genitora... 261

SALOMÃO RECORRENTE (...) 1. Cuida-se de recurso


especial interposto por GRACIANE MULLER
SELBMANN ao qual foi dado provimento em acórdão
com a seguinte ementa: DIREITO CIVIL. ACIDENTE
AUTOMOBILÍSTICO. ABORTO. AÇÃO DE
COBRANÇA. SEGURO OBRIGATÓRIO. DPVAT.
PROCEDÊNCIA DO PEDIDO. ENQUADRAMENTO
JURÍDICO DO NASCITURO. ART. 2º DO CÓDIGO
CIVIL DE 2002. EXEGESE SISTEMÁTICA.
ORDENAMENTO JURÍDICO QUE ACENTUA A
CONDIÇÃO DE PESSOA DO NASCITURO. VIDA
INTRAUTERINA. PERECIMENTO. INDENIZAÇÃO
DEVIDA. ART. 3º, INCISO I, DA LEI N. 6.194/1974.
INCIDÊNCIA. 1. A despeito da literalidade do
art. 2º do Código Civil que condiciona a aquisição de
personalidade jurídica ao nascimento, o ordenamento
jurídico pátrio aponta sinais de que não há essa
indissolúvel vinculação entre o nascimento com vida e
o conceito de pessoa, de personalidade jurídica e de
titularização de direitos, como pode aparentar a leitura
mais simplificada da lei 2. Entre outros, registram-se
como indicativos de que o direito brasileiro confere ao
nascituro a condição de pessoa, titular de direitos:
exegese sistemática dos arts. 1º, 2º, 6º e 45, caput,
do Código Civil; direito do nascituro de receber doação,
herança e de ser curatelado
(arts. 542, 1.779 e 1.798 do Código Civil); a especial
proteção conferida à gestante, assegurando-se-lhe
atendimento pré-natal (art. 8º do ECA, o qual, ao fim e
ao cabo, visa a garantir o direito à vida e à saúde do
nascituro); alimentos gravídicos, cuja titularidade é, na
verdade, do nascituro e não da mãe (Lei
n. 11.804/2008); no direito penal a condição de pessoa
viva do nascituro embora não nascida é afirmada sem
a menor cerimônia, pois o crime de aborto
(arts. 124 a 127 do CP) sempre esteve alocado no
título referente a "crimes contra a pessoa" e
especificamente no capítulo "dos crimes contra a vida"
tutela da vida humana em formação, a chamada vida
intrauterina (MIRABETE, Julio Fabbrini. Manual de
direito penal, volume II. 25 ed. São Paulo: Atlas, 2007,
262 Novos Direitos...

p. 62-63; NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de


direito penal. 8 ed. São Paulo: Revista dos Tribunais,
2012, p. 658). 3. As teorias mais restritivas dos direitos
do nascituro (natalista e da personalidade condicional)
fincam raízes na ordem jurídica superada pela
Constituição Federal de 1988 e pelo Código Civil de
2002. O paradigma no qual foram edificadas transitava,
essencialmente, dentro da órbita dos direitos
patrimoniais. Porém, atualmente isso não mais se
sustenta. Reconhecem-se, corriqueiramente, amplos
catálogos de direitos não patrimoniais ou de bens
imateriais da pessoa (como a honra, o nome, imagem,
integridade moral e psíquica, entre outros). [...]

Como essa é a discussão que se encontra no


cerne da concessão ou não de direitos ao nascituro, a Lei
11.804/08 distanciou-se dela para conceder a titularidade
do direito diretamente à genitora. O art. 1o determina
que: “Esta Lei disciplina o direito de alimentos da mulher
gestante e a forma como será exercido”. Sendo a
gestante a titular do direito aos alimentos, está superada
esta controvérsia e a aplicabilidade da lei encontra-se
alinhavada com os novos paradigmas constitucionais.

12.4 REFLEXÕES SOBRE A


RESPONSABILIDADE CIVIL DA GENITORA FACE
À IRREPETIBILIDADE DOS ALIMENTOS E AOS
PRINCÍPIOS CIVIS E CONSTITUCIONAIS

O artigo 2º, parágrafo único, da Lei de Alimentos


Gravídicos conta com a seguinte redação: “Os alimentos
de que trata este artigo referem-se à parte das despesas
que deverá ser custeada pelo futuro pai, considerando-se
a contribuição que também deverá ser dada pela mulher
grávida, na proporção dos recursos de ambos”. A
intenção do legislador, parece, é a de fazer cumprir dois
princípios constitucionais basilares para a sociedade
Responsabilidade civil da genitora... 263

atual: o princípio da paternidade responsável e o princípio


da igualdade entre os gêneros.
Através do primeiro princípio, o da paternidade
responsável, é que o filho nascituro tem o seu direito à
plena formação resguardado (assim como teria um filho
nascido). Esta é a determinação do artigo 227, caput, CF:

É dever da família, da sociedade e do Estado


assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com
absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à
alimentação, à educação, ao lazer, à
profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à
liberdade e à convivência familiar e comunitária, além
de colocá-los a salvo de toda forma de negligência,
discriminação, exploração, violência, crueldade e
opressão.

Este princípio está relacionado com o princípio da


dignidade da pessoa humana do ser concebido e com o
princípio do planejamento familiar, ambos de estatura
constitucional. Assim, esta lei alcança exclusivamente
aos genitores, sendo certo que sequer outros familiares
podem ser chamados ao polo passivo. Tratando-se de
obrigação personalíssima cujo motivo gerador é única e
exclusivamente o status de pai, pergunta-se: a negativa
comprovada da paternidade enseja o direito ao
ressarcimento do valor contribuído para o período
gestacional?
Sabe-se que os alimentos configuram um instituto
com características próprias: são proporcionais na
medida em que devem ser prestados de acordo com o
binômio possibilidade versus necessidade. E são
irrepetíveis pois não se pode devolver aquilo que foi
recebido a título alimentar, justamente pela natureza
consumerista do instituto. “A justificativa da
irrepetibilidade está ligada a idéia fundamental de que os
alimentos estão presos ao direito à vida (digna),
264 Novos Direitos...

representando um dever recíproco de subsistência entre


parentes, os cônjuges e os companheiros”.7
Mas já é possível encontrar na doutrina e nas
decisões judiciais um movimento a favor da mitigação do
princípio da irrepetibilidade dos alimentos. Os motivos
ensejadores são a má-fé e o enriquecimento sem causa.
O Direito Civil está apoiado num substrato ético
nas relações entre os particulares. O ordenamento
privado não admite a má-fé nos atos jurídicos assim
como não admite o enriquecimento sem causa. Sendo o
princípio da irrepetibilidade da prestação alimentar
tratado até os dias atuais como máxima inquestionável,
há sinais, ainda que tímidos, de mudança. Um exemplo é
a decisão do Tribunal de Justiça de Santa Catarina em
que uma alimentante foi condenada a devolver os
alimentos recebidos após contrair união estável e não
comunicar ao seu ex-cônjuge devedor a sua nova
situação, configurando hipótese de má-fé com
consequente enriquecimento sem causa.

DIREITO DE FAMÍLIA. EXONERAÇÃO DE


ALIMENTOS C/C REPETIÇÃO DE INDÉBITO.
IMPROCEDÊNCIA EM 1° GRAU. INCONFORMISMO
DO AUTOR, FATO ENSEJADOR DE EXONERAÇÃO
ALIMENTAR. UNIÃO ESTÁVEL DA CREDORA
ALIMENTÍCIA. ACOLHIMENTO. REPETIÇÃO DE
INDÉBITO. MATÉRIA SUBORDINADA A BOA-FÉ E
ETICIDADE. CREDORA QUE ARDILOSAMENTE NÃO
COMUNICA SUA NOVA SOCIEDADE AFETIVA,
CONTINUANDO A RECEBER PENSÃO ACORDADA
EM CASAMENTO DESFEITO. ENRIQUECIMENTO
ILÍCITO. DEVOLUÇÃO DAS QUANTIAS PAGAS A
PARTIR DA CAUSA EXONERATÓRIA. Tendo a
requerida, após o casamento desfeito, instaurado nova
sociedade afetiva, impõe-se a exoneração alimentar do
devedor para coma alimentada, a teor do art. 1.708 do

7 FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson. Direito de


família. 2ª Ed., Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2010, p. 688
Responsabilidade civil da genitora... 265

CC. Se os princípios da boa-fé e da eticidade subjugam


a relação pós-matrimônio entre ex-cônjuges, a
alimentada tem obrigação de comunicar ao alimentante
a cessação de seu crédito alimentício, sob pena de
pagamento indevido do devedor para a credora através
de ardil que leva ao locupletamento ilícito. Ausente a
licitude na conduta da devedora, deve ela restituir ao
suposto devedor a verba alimentar indevida e
ilicitamente recebida ao longo do tempo, a partir da
sociedade afetiva que o ex-cônjuge desconhecia. 8

Mais recentemente, o Superior Tribunal de


Justiça, que julgava um recurso da autarquia
previdenciária contra acórdão do TRF da 4ª Região,
decidiu por relativizar o dogma da irrepetibilidade da
verba alimentar. O caso envolveu o pai que recebeu
pensão por morte do filho em sede de tutela antecipada;
porém, ao final do processo, decidiu-se que ele não tinha
este direito e a autarquia pretendeu a devolução dos
valores. O entendimento do primeiro colegiado foi de que
os alimentos recebidos com boa-fé não são passíveis de
devolução. Porém, em decisão inédita, o STJ decidiu que
os valores recebidos por antecipação de tutela não fazem
parte em definitivo do patrimônio do credor e que devem
ser restituídos sob pena de enriquecimento ilícito.

PROCESSUAL CIVIL E PREVIDENCIÁRIO.


REGIME GERAL DE PREVIDÊNCIA SOCIAL.
BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO. RECEBIMENTO VIA
ANTECIPAÇÃO DE TUTELA
POSTERIORMENTEREVOGADA.DEVOLUÇÃO. REAL
INHAMENTO JURISPRUDENCIAL. HIPÓTESE
ANÁLOGA. SERVIDOR PÚBLICO. CRITÉRIOS.
CARÁTER ALIMENTAR E BOA-FÉ OBJETIVA.
NATUREZA PRECÁRIA DA

8
Santa Catarina. Tribunal de Justiça. AC 2004.034220-9; 4° C.D.Civ.;
Rel. Desembargador Antônio Rego Monteiro Rocha; DJSC
17/07/2008; p. 128. Disponível em www.tjsc.jus.br/
266 Novos Direitos...

DECISÃO. RESSARCIMENTO DEVIDO. DESCONTO


EM FOLHA. PARÂMETROS (Relator Ministro
Humberto Martins). 9

É o que determina o Código Civil, art. 876: “Todo


aquele que recebeu o que lhe não era devido fica
obrigado a restituir; obrigação que incumbe àquele que
recebe dívida condicional antes de cumprida a condição”.
Para que a responsabilidade civil seja devida há
que se ter três requisitos: o dano, a culpa/dolo e o nexo
de causalidade. O prejuízo deve ser efetivo. Na Lei de
Alimentos Gravídicos, a prestação alimentar pode ser
concedida com base em “indícios da paternidade” (art.
6º). Restando incomprovada a paternidade após o
nascimento da criança, o suposto pai estaria desassistido
no direito de reaver o que pagou.
Vários doutrinadores entendem que seria até
possível reaver os valores pagos indevidamente, desde
que fosse caso de manifesta má-fé ou de abuso de direito
(quando a gestante tinha o conhecimento de que o
indicado não era o pai, mas mesmo assim o apontou para
obter auxílio financeiro). Nestes casos seria possível
reaver o que se pagou com base nos artigos 186 e 187
do Código Civil. Cristiano Chaves Farias e Nelson
Rosenvald explicam 10

Na discussão do ressarcimento dos valores pagos e


danos morais em favor do suposto pai, de regra, não
cabe nenhuma das duas possibilidades, primeiro, por
haver natureza alimentar no instituto, segundo por ter
sido excluído o texto do projeto de lei que previa tais

9 Superior Tribunal de Justiça. Agravo Regimental no Recurso


Especial: AgRg no REsp 1416294 RS 2013/0367842-4. Disponível
em http://stj.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/25006133/agravo-
regimental-no-recurso-especial-agrg-no-resp-1416294-rs-2013-
0367842-4-stj/inteiro-teor-25006134.
10 FARIAS, Cristiano Chaves; ROSENVALD, Nelson. Direito
civil: teoria geral. 7. ed. Rio de Janeiro: Lumem Juris, 2008, p. 86.
Responsabilidade civil da genitora... 267

indenizações. Porém, se confirmada, posteriormente, a


negativa da paternidade, não se afasta esta
possibilidade em determinados casos. Além da má-fé
(multa por litigância ímproba), pode a autora (gestante)
ser também condenada por danos materiais e/ou
morais se provado que ao invés de apenas exercitar
regularmente seu direito, esta sabia que o suposto pai
realmente não o era, mas se valeu do instituto para
lograr um auxílio financeiro de terceiro inocente. Isto,
sem dúvidas, se ocorrer, é abuso de direito (art. 187 do
CC), que nada mais é, senão, o exercício irregular de
um direito, que, por força do próprio artigo e do art. 927
do CC, equipara-se ao ato ilícito e torna-se fundamento
para a responsabilidade civil.

Porém, pela regra geral da responsabilidade civil


todo aquele que causa prejuízo a outrem fica obrigado a
reparar, seja em uma relação contratual ou
extracontratual. O dano pode ter sido causado por dolo
ou mesmo por culpa, ainda persistindo o dever
reparatório. Se a verba alimentar foi deferida com base
em “indícios da paternidade” e esta não restou
comprovada após o nascimento da criança, tal indicação
foi, no mínimo, feita com culpa.
Observa-se que a responsabilidade subjetiva
(calcada na culpa do agente) não fere o veto presidencial
à lei em estudo. O texto primitivo previa a
responsabilidade objetiva da gestante, ou seja, aquela
em que não se discute a culpa. O texto vetado era: “Em
caso de resultado negativo do exame pericial de
paternidade, o autor responderá, objetivamente, pelos
danos materiais e morais causados ao réu” (art. 10). “A
indenização será liquidada nos próprios autos” (parágrafo
único). As razões do veto

Trata-se de norma intimidadora, pois cria hipótese de


responsabilidade objetiva pelo simples fato de se
ingressar em juízo e não obter êxito. O dispositivo
pressupõe que o simples exercício do direito de ação
268 Novos Direitos...

pode causar dano a terceiros, impondo ao autor o


dever de indenizar, independentemente da existência
de culpa, medida que atenta contra o livre exercício do
direito de ação.

A aplicação da regra geral da responsabilidade


civil (responsabilidade subjetiva) não fere o direito
constitucional da gestante ao livre exercício do direito de
ação tampouco coloca sobre seus ombros o peso do
pagamento de indenização pelo simples insucesso na
demanda. Entretanto, o parágrafo único do art. 2º da Lei
11.804/08 é claro ao imputar ao pai a responsabilidade
por parte das despesas com a gestação: “Os alimentos
de que trata este artigo referem-se à parte das despesas
que deverá ser custeada pelo futuro pai, considerando-
se a contribuição que também deverá ser dada pela
mulher grávida, na proporção dos recursos de ambos”
(grifo nosso).
Assim, resta claro o alcance pretendido pela novel
legislação, o de chamar o outro genitor para exercer o
princípio constitucional da paternidade responsável desde
a concepção, reafirmando o compromisso do
ordenamento pátrio com o tratamento prioritário com a
vida e com os laços de solidariedade familiar.
Comprovando-se posteriormente que os indícios
não indicaram corretamente o pai da criança, este está
afastado da incidência da Lei e fará jus ao recebimento
do que pagou, inclusive porque o Estado, pela ação do
seu Poder Judiciário, não pode causar prejuízo aos seus
jurisdicionados. Se o juiz entendeu ser verossimilhante a
imputação da paternidade, mas esta não se confirmou,
quem alegou indevidamente deve devolver o que
recebeu. A realização do exame de DNA só poderá
ocorrer após o nascimento. Não sendo o pai da criança,
não há porque colaborar com as despesas da gestação.
O art. 1º apresenta a gestante como credora da
verba alimentar; isto porque no art. 2º o pai é chamado à
responsabilidade de custear em conjunto as despesas.
Responsabilidade civil da genitora... 269

Art. 2º Os alimentos de que trata esta Lei


compreenderão os valores suficientes para cobrir as
despesas adicionais do período de gravidez e que
sejam dela decorrentes, da concepção ao parto,
inclusive as referentes a alimentação especial,
assistência médica e psicológica, exames
complementares, internações, parto, medicamentos e
demais prescrições preventivas e terapêuticas
indispensáveis, a juízo do médico, além de outras que
o juiz considere pertinentes.

Se a gestante indicou outra pessoa que não o pai


para auxiliar no custeio das despesas de sua própria
gestação, fica claro o desvio da correta intenção e
aplicação da lei, podendo o credor reaver o que pagou
seja dela ou mesmo do pai verdadeiro, se conhecido.

12.5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

A legislação brasileira avançou nas últimas


décadas na proteção ao ser concebido. Os estudos da
bioética têm contribuído para a publicidade das novas
discussões envolvendo o ser humano e também para
uma revisitação contemporânea aos valores a serem
perseguidos pela sociedade e pelo Direito.
É nesse movimento social e legal que os
princípios constitucionais têm sido esclarecidos e
evocados não somente na aplicação das leis como na
sua confecção. A Lei n. 11.804/08 é um exemplo de regra
enxuta que contém em si mesma uma grande densidade
normativa não obstante seu número reduzido de
dispositivos.
Regulamenta material e processualmente a
concessão de alimentos à mulher gestante a ser pago
pelo pai da criança. Como busca efetividade máxima,
aceita os casos em que a paternidade apenas é alegada,
mediante a apresentação de indícios que convençam o
juiz da causa. Assim, casos podem ocorrer nos quais o
270 Novos Direitos...

homem que dividiu as despesas com a grávida não seja o


real devedor previsto pela Lei.
De sorte que se vislumbra a possibilidade jurídica
(através do instituto da responsabilidade civil subjetiva)
de serem devolvidos os valores pagos indevidamente. A
mulher que, por dolo ou culpa, aponta equivocadamente
o genitor de sua criança não pode apoderar-se dos
valores recebidos de quem não os devia, sob pena de
enriquecimento sem causa.

12.6 REFERÊNCIAS

ALMADA, Renato de Mello. Alimentos Gravídicos –


breves considerações. 2008. www.ibdfam.org.br

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Disponível em
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o-no-recurso-especial-acordo-no-resp-1415727-sc-2013-
0360491-3
272 Novos Direitos...

BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Agravo Regimental


no Recurso Especial : AgRg no REsp 1416294 RS
2013/0367842-4. Disponível
em http://stj.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/25006133/agr
avo-regimental-no-recurso-especial-agrg-no-resp-
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SÃO PAULO. Tribunal de Justiça. Acórdão n. 17.091-1,


da 3ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça de São Paulo,
relator Des. Rodrigues Porto. Investigação de
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SEMIÃO, Sérgio Abdalla. Os direitos do nascituro. Belo


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TARTUCE. Flávio. Direito Civil. Direito das Obrigações e


Responsabilidade Civil. Vol. 2. 9ª ed. São Paulo: Método,
2014

UNIVERSIDADE DE CAMPINAS- UNICAMP. Células


tronco- debate vai além do biológico. 2007. Disponível em
http://www.labjor.unicamp.br/midiaciencia/article.
Responsabilidade civil da genitora... 275

OS ORGANIZADORES:

CARLOS ALEXANDRE MORAES

Doutor em Ciências da Educação pela UPAP.


Doutorando em Função Social do Direito pela FADISP –
Faculdade Autônoma de Direito de São Paulo. Mestre em
Ciências Jurídicas pelo UniCesumar. Coordenador do
Curso de Direito do UniCesumar. Advogado. Professor do
UniCesumar – Centro Universitário Cesumar.

VALÉRIA SILVA GALDINO CARDIN

Pós Doutora pela Universidade de Lisboa. Doutora e


Mestre em Direito das Relações Sociais pela Pontifícia
Universidade Católica de São Paulo. Advogada.
Professora da Universidade Estadual de Maringá e do
UniCesumar – Centro Universitário Cesumar.
276 Novos Direitos...
Responsabilidade civil da genitora... 277

OS AUTORES:

ANDERSON AGUIAR GONÇALES


Graduando em Psicologia e Participante do Projeto de
Iniciação Científica "Bioética e Políticas Públicas de
Equidade: Igualdade de oportunidades e respeito às
diferenças" na Universidade Paranaense - UNIPAR.

ANDRYELLE VANESSA CAMILO POMIN


Mestre em Ciências Jurídicas. Professora dos cursos de
graduação em Direito da UniCesumar e da UEM.
Pesquisadora do CNPQ em Novos Direitos e Direitos
Especiais. Advogada militante.

BRUNO MACEDO DA SILVA


Graduado em Secretariado Executivo pela Universidade
Estadual de Londrina desde 2011. Professor e tradutor
freelance de alemão. Atuou no setor hoteleiro
internacional de 2012 a 2014. Atualmente estudante do
1º ano de Direito do UniCesumar e participante do grupo
de Pesquisa dos Direitos da Personalidade.

CARLOS ALEXANDRE MORAES


Doutor em Ciências da Educação pela UPAP.
Doutorando em Função Social do Direito pela FADISP –
Faculdade Autônoma de Direito de São Paulo. Mestre em
Ciências Jurídicas pelo UniCesumar. Coordenador do
Curso de Direito do UniCesumar. Advogado. Professor do
UniCesumar – Centro Universitário Cesumar.
278 Novos Direitos...

ELCIO JOÃO GONÇALVES MOREIRA


Acadêmico da Graduação em Direito do Centro
Universitário Cesumar - UniCesumar. Bolsista do
Programa Institucional de Bolsas Iniciação Científica -
PROBIC. Membro do Núcleo de Pesquisas e Estudos em
Diversidade Sexual – Nudisex.

ELIS REGINA DE OLIVEIRA FLORENÇO


Acadêmica do Curso de Direito do UniCesumar – Centro
Universitário Cesumar, Maringá - Paraná. Bolsista do
Programa Institucional de Bolsas de Iniciação Científica
(PIBIC/CNPq).

FÁBIO ENRIQUE GONÇALVES


Advogado e consultor jurídico. Especialista em Direito
pela Universidade Estadual Norte do Paraná (2013).
Especializando em Processo Civil pela Faculdade
Pitágoras

FÁBIO RICARDO RODRIGUES BRASILINO


Professor da UNOPAR – Campus Arapongas-PR.
Doutorando em Função Social do Direito na FADISP.
Mestre em Direito Negocial pela UEL (2012). Especialista
em Metodologia de Ensino pela UNOPAR (2010) e em
Direito Internacional e Econômico pela UEL (2012).
Advogado e consultor jurídico.

FERNANDA MOREIRA BENVENUTO MESQUITA


SIMÕES
Cartorária em Maringá – PR, (2ª Vara de Família,
Sucessões e Acidente de Trabalho). Mestre em Ciências
Jurídicas com ênfase em Direitos da Personalidade do
Centro Universitário CESUMAR. Especialista em Direito
de Família à luz da Responsabilidade Civil pela
Universidade Estadual de Londrina - UEL (2011).
Graduada em Direito pela Faculdade Maringá (2006).
Responsabilidade civil da genitora... 279

FRANCIELLE LOPES ROCHA


Discente do Programa de Pós-Graduação em Ciências
Jurídicas – PPGCJ no Centro Universitário de Maringá –
UNICESUMAR. Bolsista do programa PROSUP.
Advogada em Maringá-PR.

GISELE MENDES DE CARVALHO


Pós-Doutora em Direito Penal pela Universidade de
Zaragoza, Espanha, e Professora Adjunta de Direito
Penal da Universidade Estadual de Maringá e do
UniCesumar, Maringá - Paraná.

JOSÉ FRANCISCO DE ASSIS DIAS


Doutor em Filosofia e em Direito Canônico pela
Universidade Urbaniana, Cidade do Vaticano. Atualmente
atua como professor de Filosofia do Direito na
Graduação, Pós-graduação e Mestrado em Direito no
UNICESUMAR, coordena o projeto de pesquisa
Fundamentação Ontológica do Direito à Vida e seus
Limites Iniciais e Finais.

LETÍCIA CARLA BAPTISTA ROSA


Mestre em Direito Programa de Mestrado em Direito com
ênfase em Direitos da Personalidade do Centro
Universitário Cesumar – UNICESUMAR. Pós-graduada
em Direito e Processo Penal pela Universidade Estadual
de Londrina. Professora universitária da Faculdade
Metropolitana de Maringá e do Centro Universitário
Cesumar – UNICESUMAR.

LILIAN FERNANDA BIZETTI


Especialista em Direito Civil pela Escola da Magistratura
do Paraná. Graduada em Direito pela UNIPAR –
Universidade Paranaense. Advogada no Paraná.
280 Novos Direitos...

LUCIANE PUSSI
Doutoranda do Programa de Doutorado em Direito-
FADISP. Mestre em Direito na área de concentração em
Direitos da Personalidade pelo Centro Universitário de
Maringá-Pr. Especialista em Direito Civil e Processo Civil
pela Universidade Paranaense-Pr. Bacharel em Direito
pela Universidade Paranaense-Pr. Licenciatura plena em
Português e Inglês pela Universidade Paranaense-Pr,
Especialista em Literatura Brasileira pela Faculdade
Estadual de Ciências e Letras de Campo Mourão.
Professora da Faculdade Maringá e Unicesumar.

LUIZ GERALDO DO CARMO GOMES


Doutorando em Função Social do Direito pela FADISP -
Faculdade Autônoma de Direito de São Paulo. Mestre em
Ciências Jurídicas pelo UniCesumar - Centro
Universitário Cesumar. Graduado em Direito nessa IES.
Pesquisador visitante da Università di Bologna -
Dipartimento di Scienze Giuridiche. Docente da
Faculdade Metropolitana de Maringá (FAMMA) e no
UniCesumar – Centro Universitário Cesumar. Membro do
IBDFAM – Instituto Brasileiro de Direito de Família.

MARCELA LEILA RODRIGUES DA SILVA VALES


Doutoranda pela FADISP (Faculdade Autônoma de
Direito de São Paulo). Mestre em Direito Processual Civil
e Cidadania pela UNIPAR (Universidade Paranaense),
Pós-graduada em Direito Empresarial pela UEL
(Universidade Estadual de Londrina), Pós-graduada em
Direito Civil e Processual Civil pela UNIPAR
(Universidade Paranaense), Pós-graduada em
Metodologia de Ensino Superior pela UESPAR (União do
Ensino Superior do Paraná), Graduada em Direito pela
UNIPAR (Universidade Paranaense), Advogada na
Comarca de Terra Roxa, Docente do Ensino Superior na
UNIPAR (Universidade Paranaense).
Responsabilidade civil da genitora... 281

MARLI APARECIDA SARAGIOTO PIALARISSI


Possui graduação em Direito pela Universidade Estadual
de Maringá (1986) e mestrado em Ciências Jurídicas pelo
Centro Universitário de Maringá (2008). É advogada e
professora do Núcleo de Prática Jurídico do Centro
Universitário de Maringá, atuando principalmente nas
áreas cíveis e previdenciário. Doutoranda na Faculdade
Autônoma de Direito - FADISP - São Paulo - Capital, na
área de concentração: Função Social no Direito
Constitucional na linha de pesquisa: Acesso à Justiça nas
Constituições.

MARTA BEATRIZ TANAKA FERDINANDI


Possui graduação em DIREITO pelo Centro Universitário
de Maringá (2001). Mestrado em Ciências Jurídicas, pelo
Centro Universitário de Maringá, desde 2010. Doutoranda
em Direito pela FADISP (Faculdade Autônoma de
Direito). Atualmente é Docente, Advogada e
Coordenadora do Núcleo de Prática Jurídica do Centro
Universitário de Maringá. Doutoranda na Faculdade
Autônoma de Direito - FADISP - São Paulo - Capital, na
área de concentração: Função Social no Direito
Constitucional na linha de pesquisa: Acesso à Justiça nas
Constituições.

PEDRO PEIXOTO DE AZEVEDO


Acadêmico do 10º Semestre do Curdo de Direito da
UNOPAR – Campus Arapongas-PR.

SERGIO ATILIO THOM ZAGO


Pós-graduado em Direito pela Escola da Magistratura do
Paraná. Pesquisador do CNPQ em Novos Direitos e
Direitos Especiais. Advogado militante. Endereço
Eletrônico: <zag0@hotmail.com>.
282 Novos Direitos...

SHARY-KALINKA RAMALHO SANCHES


Docente na Universidade Federal do Mato Grosso do Sul.
Doutoranda em Função Social no Direito Constitucional.
Mestrado em Direito das Relações Privadas. Pós-
graduação lato senso em Didática Geral e em
Metodologias em Ensino à Distância. Graduação em
Direito.

TEREZA RODRIGUES VIEIRA


Pós-Doutorado em Direito pela Université de Montréal,
Canadá, 2008, onde foi Professora Convidada; Mestre
e Doutora em Direito das Relações Sociais (Direito Civil)
pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo/
Université Paris (doutorado sandwich); Realizou
pesquisas em 14 países: França, Inglaterra, Espanha,
Portugal, Itália, Noruega, Dinamarca, Suécia, Bélgica,
Holanda, Áustria, Alemanha, Suíça e Canadá; Autora dos
livros: Mudança de Sexo: Aspectos médicos, psicológicos
e jurídicos; Bioética e Direito; Bioética e
Sexualidade (org.); Bioética nas
Profissões (org); Bioética: temas atuais e seus aspectos
jurídicos; Ética no Direito (co-autoria); Nome e
Sexo; Ensaios de Bioética e Direito (org.); Identidade
Sexual e Transexualidade. (org.); Minorias Sexuais. (org);
Ex-Pesquisadora do Governo Federal junto à
Universidade de São Paulo – Faculdade de Direito do
Largo do São Francisco; Especialização em Interesses
Difusos e Coletivos na Escola Superior do Ministério
Público de São Paulo; Especialização em Bioética, pela
Faculdade de Medicina da USP; Especialização em
Sexualidade Humana pela Sociedade Brasileira de
Sexualidade Humana; Articulista da Revista
Consulex; Professora e Pesquisadora do Mestrado em
Direito Processual e Cidadania na Unversidade
Paranaense - UNIPAR, onde coordena o projeto "Bioética
e Políticas Públicas de Equidade: Igualdade de
oportunidades e respeito às diferenças"; Membro da
Responsabilidade civil da genitora... 283

Sociedade Brasileira de Bioética: Advogada em São


Paulo.

VALÉRIA SILVA GALDINO CARDIN


Professora da Universidade Estadual de Maringá e do
Centro Universitário de Maringá-PR; mestre e doutora em
Direito das Relações Sociais pela Pontifícia Universidade
Católica de São Paulo; pós-doutora em Direito pela
Universidade de Lisboa. Advogada em Maringá-PR.
Endereço eletrônico: valeria@galdino.adv.br

WILLIAM ARTUR PUSSI


Doutorando em Direito pela Faculdade Autônoma de
Direito de São Paulo. Mestre e bacharel em Direito pela
Universidade Estadual de Maringá. Juiz de Direito do
Tribunal de Justiça do Estado do Paraná. Professor
Universitário.
284 Novos Direitos...
Responsabilidade civil da genitora... 285
286 Novos Direitos...

Printed in Brazil
Gráfica Viena
Julho de 2015
Capa: papel Tríplex 250g
Miolo: Papel Off Set 75g
Fonte: Arial
Corpo: 8, 9, 10, 11

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