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3á Edição
Coordenador
MILTON RUIZ ALVES
DOENÇAS EXTERNAS
OCULARES E CÓRNEA
SERIE
OFTALMOLOGIA BRASILEIRA
3aEdição
DOENÇAS EXTERNAS
OCULARES E CÓRNEA
2013-2014
CONSELHOBRASILEIRODEOFTALMOLOGIA
SERIE
OFTALMOLOGIA BRASILEIRA
3a Edição
DOENÇAS EXTERNAS
OCULARES E CÓRNEA
2013-2014
SÉRIE
OFTALMOLOGIA BRASILEIRA
Conselho Brasileiro de Oftalmologia - CBO
DOENÇAS EXTERNAS
OCULARES E CÓRNEA
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COORDENADOR
Milton Ruiz Alves
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GUANABARA C u ltu ra Médica®
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Rio de Janeiro - RJ - Brazil
V
CIP-BRASIL CATALOGAÇAO NA PUBLICAÇÃO
SINDICATO NACIONAL DOS EDITORES DE LIVROS, RJ
D672
3. ed.
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da e publicada no Diário Oficial da União em 20 de fevereiro de 1998.
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VI
Colaboradores
VII
Marta de Filippi Sartori Renato Teixeira Ferreira Pires
Mauro Campos Ricardo Holzchuh
Micheline Borges Lucas Richard Hida
Nilo Holzchuh Rogério Alberto Mendes Moreira
Patrícia Cabral Zacharias Serapicos Ruth Miyuki Santo
Patrícia Novita Garcia Samuel Rymer
Paula Mareia F. S. Ferreira Pires Sandra Naufal
Paulo Elias Correa Dantas Sérgio Kwitko
Paulo Galvão Neto Sérgio Felberg
Paulo José Martins Bispo Suzana Matayoshi
Paulo Schor Taís Hitomi Wakamatsu
Rafael Franco de Melo Vanessa Macedo Batista Fiorelli
Ramon Coral Ghanem Vera Mascaro
Regina K.H. Mitsuhiro Vinícius Coral Gahnem
Renata Rezende Walton Nosé
Renato Corrêa Souza de Oliveira Yoshitaka Nakashima
VIII
Apresentação
IX
Agradecimentos
Alcori
a Novartis company GENOM
OFTALMOLOGIA
XI
Sumário
Parte I
Conceitos Básicos e Clínicos em Doenças Externas e da Córnea
Seção I
Conceitos Básicos
Seção II
Propedêutica Clínica
Parte II
Clínica de Doenças Externas e da Córnea
Seção III
Epidemiologia das Doenças Externas Oculares
Seção IV
Doenças Infecciosas
Infecções Bacterianas...................................................................................................................................125
Luciene Barbosa de Sousa • Ana Luisa Hõfling-Lima
Infecções Clamidianas...................................................................................................................................167
Marinho Jorge Scarpi • Ana Luisa Flõjling-Lima
Seção V
Doenças Imunológicas
18 Ceratoconjuntivite Flictenular....................................................................................................................199
Maria Cristina Nishiwaki-Dantas • Andréa Santucci César
19 Úlcera de M ooren............................................................................................................................................201
Patrícia Novita Garcia • Maria Cristina Nishiwaki-Dantas
Seção VI
Doenças da Superfície Ocular
XV
23 Síndrome de Sjõgren...................................................................................................................................... 225
Sérgio Felberg • José Álvaro Pereira Gomes • Renato Corrêa Souza cie Oliveira • Taís Hitomi Wakamatsu
24 Blefarites...............................................................................................................................................................237
Consuelo Bueno Diniz Âdán • Maria Emilia Xavier S. Araújo • Ana Luisa Hõfling-Lima
28 Rosácea..................................................................................................................................................................265
Ana Luisa Höfling-Lima
Seção VII
Doenças Metabólicas e Anomalias Congênitas
33 Doenças Metabólicas......................................................................................................................................295
Sérgio Felberg • Sandra Naufal • Maria Cristina Nishiwaki-Dantas • Nilo Holzchuh
XVI
Seção VIII
Tumores da Conjuntiva e da Córnea
A - Tumores Epiteliais....................................................................................................................................311
Seção IX
Trauma
Seção X
Distrofias e Degenerações da Córnea
Seção XI
Deficiências Nutricionais
XVII
Parte III
Terapêutica de Doenças Externas e da Córnea
Seção XII
Uso de Lentes de Contato no Tratamento de Doenças da Córnea
Seção XIII
Suporte e Proteção
Adesivos Teciduais...........................................................................................................................................403
Sérgio Felberg • José Álvaro Pereira Gomes
Retalhos de Conjuntiva.................................................................................................................................415
José Américo Bonatti • Aries Silva dos Santos
Marcelo Weslley Lopes DalFCol • Milton Ruiz Alves
Transplante Escleral.........................................................................................................................................425
Milton Ruiz Alves • Suzana Matayoshi
Seção XIV
Reabilitação
Pterígio..................................................................................................................................................................455
Milton Ruiz Alves • FIélia Soares Angotti
53 Ceratoprótese...................................................................................................................................................527
José Álvaro Pereira Gomes • Lúcio Dantas • Marília Cavalcante Araújo • Paulo Galvão Neto • Paulo Schor
Seção XV
Cirurgia Refrativa
56 LASER e Epi-LASIK............................................................................................................................................547
Ramon Coral Ghanem • Vinícius Coral Ghanem • Gustavo Victor • Milton Ruiz Alves
r
Indice Remissivo...............................................................................................................................................587
XIX
Conceitos Básicos e Clínicos em
Doenças Externas e da Córnea
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Conceitos Básicos
Estrutura e Função da Região
Externa do Olho e Córnea
A região externa do olho está em constante contato com o ambiente externo, sendo suscetível
a traumas, assim como a outras agressões.
O olho possui seus próprios mecanismos de defesa, porém mantém homeostasia com o
restante do organismo para proteção contra fatores adversos do ambiente. A participação ge
nética e nutricional determina a embriogênese e o crescimento do olho. Os sistemas nervoso
e vascular intactos asseguram o metabolismo e as defesas autoimunes.
Os tecidos perioculares e estruturas ósseas, como o rebordo orbitário, ajudam na prote
ção do globo ocular. As sobrancelhas e cílios conseguem captar pequenas partículas estranhas,
além de poderem estimular o reflexo do piscar. O piscar induz sincronicamente um estímulo
reflexo no aparelho lacrimal, ajudando a eliminar corpos estranhos. O filme lacrimal ajuda a
diluir substâncias estranhas, como toxinas e proteínas, equilibrando a flora microbiana local. A
camada de mucina localizada na superfície epitelial conjuntival e na corneana, é uma barreira
protetora contra a invasão de microrganismos.
A adesão mais forte do epitélio à membrana basal em algumas áreas, como, por exemplo,
a córnea, constitui resistência aos traumas e à penetração de microrganismos.
Os epitélios conjuntival e corneano apresentam processo de regeneração rápido e eficien
te, dependendo do estado de preservação das células germinativas (stem cells).
A matriz extracelular da mucosa ocular é rica em tecidos vascular e linfoide, compondo
importante mecanismo de defesa.
Para melhor entendimento dos mecanismos de funcionamento ocular, é importante que
se conheçam embriologia, anatomia, fisiologia e bioquímica do olho normal.
5
Doenças Externas Oculares e Córnea
Pálpebras
Os humanos possuem uma das maiores fissuras interpalpebrais, proporcional à massa corpo
ral. Os cílios se dispõem em maior número na pálpebra superior que na inferior, são substituí
dos a cada 3 a 5 meses, crescem em 2 semanas quando cortados e em 2 meses se arrancados.
A epiderme palpebral é similar a outros na face. Ocorre uma mudança abrupta de querati-
nizado para não queratinizado na junção mucocutânea da margem palpebral ao longo dos ori
fícios das glândulas de Meibomius. Glândulas sebáceas e sudoríparas estão presentes na pele
palpebral. Nas proximidades das margens palpebrais estão as glândulas sudoríparas apócrinas,
chamadas glândulas de Moll, bem como numerosas glândulas sebáceas, as de Zeiss, sendo a
primeira de importância clínica por possibilitar a formação de tumores císticos e a última pela
transformação maligna para carcinomas de células sebáceas.
A inervação sensorial da pálpebra superior é feita a partir dos seguintes nervos: infratro-
clear, supratroclear, supraorbital e lacrimal, originários do V par craniano (trigêmeo). A pálpe
bra inferior é suprida pelo infratroclear, na região mediai, e o restante pelo nervo infraorbital.
Estrutura e Função da Região Externa do Olho e Córnea 7
A inervação do músculo orbicular palpebral dá-se através do nervo facial. Os músculos lisos
das pálpebras (músculos tarsais superior e inferior) são supridos por fibras nervosas simpáti
cas oriundas do gânglio simpático cervical superior.
O piscar ocorre a cada 3 a 4 segundos, estando o indivíduo em condições normais. Os mo
vimentos palpebrais durante o piscar são realizados não somente com o encontro das pálpe
bras, mas também através de um movimento medial coordenado, facilitando o escoamento da
lágrima. O fechamento palpebral durante o sono envolve um tônus ativo do músculo orbicular
e consequente inibição do elevador das pálpebras.
O suprimento sanguíneo arterial das pálpebras é feito através das artérias palpebrais la
teral e medial. A artéria palpebral lateral é derivada da lacrimal, que é ramo da oftálmica, en
quanto a palpebral medial, superior e inferior, surge da artéria oftálmica. Cada artéria divide-
se em dois ramos, que passam lateralmente, formando dois arcos em cada pálpebra. Os arcos
anastomosam-se com as artérias palpebrais laterais e com ramos da temporal superficial, facial
transversa e infraorbital.
A drenagem venosa, maior e mais numerosa que as artérias, drena medialmente para as
veias oftálmica e angular e lateralmente para a veia temporal superficial.
A drenagem linfática é feita dos 2/3 laterais das pálpebras superior e inferior para o nódulo
linfático parotídico superficial, enquanto a região medial vai para os nódulos submandibula-
res.
O tarso é composto de um tecido fibroso denso, situado no interior da pálpebra superior
e da inferior, sendo uma estrutura de adesão a músculos e septo orbitário. O tarso apresenta
uma espessura média de 0, 75 mm, medindo no sentido vertical 10 mm na pálpebra superior
e 4 mm na pálpebra inferior.
O septo orbitário separa as pálpebras do conteúdo da cavidade orbitária e é aderido à
margem orbitária, onde é contínuo com o periósteo.
Glândulas tarsais (glândulas de Meibomius) estão em íntima associação ao tecido tarsal,
sendo observadas como estruturas longas, amareladas e no sentido vertical, localizadas logo
abaixo da conjuntiva. Apresentam-se em número de 20 a 25 em cada pálpebra, dispostas em
uma linha simples, e seus duetos excretam nas margens palpebrais.
Conjuntiva
A conjuntiva é uma membrana mucosa fina que se reflete nos fórnices superior e inferior, for
mando um espaço potencial, chamado saco conjuntival, que é aberto na fissura palpebral. O
saco conjuntival inclui conjuntiva bulbar, fórnice, dobra semilunar e conjuntiva tarsal.
Os fórnices estão ausentes na região medial, sendo substituídos pela carúncula e prega
semilunar, enquanto, na região temporal, se estendem até 14 mm do limbo, atingindo a região
posterior ao equador do olho. As fibras da musculatura lisa do elevador da pálpebra mantêm
o fórnice superior. Fibras que se estendem dos tendões do reto horizontal para a conjuntiva
temporal e pregas semilunares vão formar o fundo-de-saco durante o olhar horizontal. A ca
rúncula, localizada no canto medial, contém pelos e glândulas sebáceas. A conjuntiva tarsal é
firmemente aderida aos tecidos profundos, enquanto a bulbar tem frouxa adesão à cápsula de
Tenon e esclera.
No limbo encontram-se projeções radiadas, chamadas de paliçadas de Vogt.
8 Doenças Externas Oculares e Córnea
Cápsula de Tenon
r
Córnea
A córnea é um tecido transparente, avascular, medindo horizontalmente 11 a 12 mm e vertical
mente, 9 a 11 mm. A espessura corneana central e periférica média é de aproximadamente 0,5
e 0,7 mm, respectivamente. A córnea é asférica. O raio de curvatura médio da córnea central
é 7,8 mm (6,7 a 9,4 mm).
A córnea contribui com 74% do poder dióptrico do olho (43,25 D), de um valor total de
58,60 D, e a maior parte desse grau encontra-se na superfície ar-lágrima. O poder refrativo da
córnea central é de aproximadamente 43 D, sendo a soma dos poderes dióptricos do ar-lágri-
ma (+ 44,00 D), lágrima-córnea (+ 5,00 D) e córnea-humor aquoso (-6,00 D). O índice refrativo
do ar, lágrima, córnea e humor aquoso é, respectivamente, 1.000, 1.336 e 1.376.
Estrutura e Função da Região Externa do Olho e Córnea 9
Epitélio
O epitélio corneano compõe 10% da espessura corneana (50 jLim) e é composto por epitélio
r
escamoso estratificado. E formado por 5 a 6 camadas de células, sendo uma basal, duas a três
aladas e superficiais. O epitélio corneano diferencia-se da pele por não se queratinizar, salvo
na presença de condições patológicas. A regularidade da superfície epitelial é fundamental na
manutenção da transparência corneana. As fortes junções celulares previnem a penetração de
líquidos para o estroma. Ocorre um constante processo de diferenciação das células epiteliais
basais, formando as superficiais, em um período de 7 a 14 dias. As células superficiais formam
microvilos na sua superfície externa, permitindo maior troca de nutrientes e oxigênio com a
lágrima.
Componentes celulares epiteliais participam da imunologia corneana. As células de Lan-
gerhans (dendríticas) são encontradas na periferia, estando ausentes na região central corne
ana.
As células basais secretam uma membrana basal, com 50 nm de espessura, composta prin
cipalmente de colágeno tipo IV, laminina e outras proteínas.
componentes são colágeno tipo IV e laminina. E composta por duas camadas: lâmina lúcida e
lâmina densa. A membrana basal ajuda a fixar a polaridade das células epiteliais, assim como
facilita a sua migração. Lesão nesse tecido pode levar a defeito cicatricial crônico.
Camada de Bowman
r
Estroma
O estroma representa 70% do peso da córnea desidratada e é composto pela matriz extracelular,
queratócitos e fibras nervosas.
10 Doenças Externas Oculares e Córnea
Membrana de Descemet
r
gestacional, e a outra, não bandeada, que é sintetizada durante toda a vida. E composta de
colágeno tipo IV e laminina. O colágeno do estroma é contínuo com a Bowman e não com a
Descemet. Quando o estroma edemacia, pode haver formação de dobras na Descemet.
Endotélio
São células interdigitadas, dispostas em um padrão mosaico, formando camada única, com
formas hexagonais e regulares. As células endoteliais não proliferam in vivo em humanos, ma
cacos e gatos, ocorrendo em coelhos.
As células não apresentam desmossomos. São ativas em metabolismo e secreção, e, fun
cionando adequadamente, ajudam a manter a hidratação corneana em 78%.
Quando existe perda endotelial, ocorre um deslizamento das células vizinhas na tentativa
de recompor o espaço.
Estrutura e Função da Região Externa do Olho e Córnea
Limbo
A transição entre a córnea periférica e a esclera anterior é chamada de limbo. A passagem da
córnea clara para a esclera opaca se estende em aproximadamente 1 a 1,5 mm. A sua impor
tância dá-se pela relação com o ângulo da câmara anterior e como ponto de referência cirúr
gica. São encontradas as seguintes estruturas nessa região: paliçadas limbares e conjuntivais,
cápsula de Tenon, episclera, estroma escleral, vias de drenagem do aquoso. Seus limites cen
trais são formados pelo término das camadas de Bowman e da Descemet (linha de Schwalbe).
Seu limite posterior é uma linha perpendicular à superfície, localizada a 1,5 mm da linha ante
rior e passando pelo esporão escleral.
Os achados histológicos dessa região se assemelham aos da córnea. As células-mãe são
encontradas na camada basal do epitélio limbal e sua ausência ou disfunção resulta na perda
da capacidade proliferativa do epitélio corneano.
As paliçadas de Vogt são projeções radiais do epitélio limbal com distinto suprimento
sanguíneo que se estendem para córnea, apresentando largura de 0,5 mm. A superfície nes
sa região é plana, aspecto acinzentado, onde são provavelmente encontradas as células-mãe
corneanas (stem cells).
Esclera
A esclera se inicia anteriormente no limbo e termina posteriormente, onde o nervo óptico a
perfura, região conhecida como lâmina crivosa. A esclera compõe 90% da área superficial do
globo ocular. A sua espessura varia da região anterior para a posterior, atrás da inserção dos
músculos retos 0,3 mm, aumentando de 0,5 mm no equador para 1,0 mm na região do nervo
óptico. Essas diferenças são mais evidentes a partir dos 10 anos de idade.
As fibras colágenas esclerais são maiores e mais espessas que as corneanas, formando
espaços mais irregulares.
O colágeno tipo I é o mais encontrado na esclera adulta. Entre os glicosaminoglicanos,
o condroitin e dermatan sulfato são os mais comumente encontrados e em igual proporção
(36%). Outros componentes também são encontrados, tais como elastina e fibronectina.
A esclera é um tecido denso, que se torna translucente quando afinado ou hidratado, abai
xo de 40% ou acima de 80% de hidratação.
A esclera tem função importante na proteção das estruturas internas do globo ocular. Sua
forma é mantida mesmo durante a contração da musculatura extrínseca ocular, cujos tendões
se inserem na sua superfície.
A natureza opaca da esclera, em contraste com a transparência corneana, deve-se à disposi
ção irregular das fibras colágenas, variabilidade do diâmetro das suas fibras (28 a 280 nm), alto
conteúdo de água e reduzido revestimento das fibras colágenas pelos glicosaminoglicanos.
A esclera pode ser dividida em três camadas: episclera, estroma escleral e lâmina fusca. A
episclera é a mais externa, estando conectada à cápsula de Tenon por finas adesões teciduais,
12 Doenças Externas Oculares e Córnea
sendo muito vascularizada na sua porção anterior. O estroma escleral é um tecido denso for
mado por fibras colágenas que conferem propriedade viscoelástica, respondendo a forças que
provoquem deformação. A lâmina fusca é a mais interna, de coloração amarronzada devido à
presença de melanócitos.
A função da esclera é proteger o conteúdo intraocular de trauma e deslocamento mecâ
nico. A firmeza e resistência da esclera, juntamente com a pressão intraocular, preservam a
forma do globo ocular
BIBLIOGRAFIA
Ophthalmology AAO. Basic and Clinical Science Course - External Disease and Cornea. San Francisco, 1998.
Imunologia Básica -
Imunologia da Superfície
Ocular
MÁRCIA REGINA KIMIE HIGASHI MITSUHIRO • ANA LUISA HÖFLING-LIMA
O sistema imune tem como função a proteção do organismo contra agentes patogênicos ex
ternos (bactérias, vírus, fungos, protozoários e parasitas multicelulares) e tumorais. Há duas
formas funcionais de atuação do sistema imune: inespecífica e específica.
A resposta inespecífica é limitada no reconhecimento do patógeno e não apresenta me-
r
mória, ou seja, não é exacerbada por uma exposição prévia. E composta pelas barreiras físicas
e químicas. As barreiras físicas incluem a pele, a conjuntiva e as membranas mucosas. Essas
barreiras são constituídas pelo epitélio íntegro, muco ou secreção serosa que contém compo
nentes antimicrobianos como a lisozima, a lactoferrina, a betalisina e o sistema complemen
to. O sistema complemento consiste em uma série de proteínas que facilitam a lise osmótica
de bactérias, a opsonização de microrganismos permitindo sua fagocitose por macrófagos e
neutrófílos, a quimiotaxia de leucócitos ao sítio da infecção, a solubilização de complexos
imunes e a localização de antígenos para a produção de anticorpos e células apresentadoras
de antígenos.
A reação inflamatória inespecífica consiste também em modificações vasculares, teciduais
e humorais em resposta a uma ameaça à integridade local, cuja intensidade depende da natu
reza da agressão.
Em contato com o agente agressor, o processo inflamatório tem início, com a fase vascular
aguda composta de vasodilatação, diminuição do fluxo sanguíneo local, edema e diapedese
de leucócitos. Essa fase depende de vários mediadores como histamina, serotonina, leuco-
trienos, bradicininas, prostaglandinas e complemento (C3 e C5). Atraídas ao tecido-alvo por
fatores quimiotáticos, as células inflamatórias promovem a fagocitose e a digestão enzimática
do antígeno e sua identificação, que permitirá seu reconhecimento em caso de novo contato,
gerando a memória imunológica.
A resposta específica é caracterizada pela habilidade de distinguir os organismos pato
gênicos e apresentar uma resposta mais intensa e rápida a uma segunda exposição (memória
r ___
imunológica). E constituída pelos linfócitos T e B, pelas células apresentadoras de antígenos
13
14 Doenças Externas Oculares e Córnea
(APC) e pelas células plasmáticas. A imunidade específica apresenta duas grandes subdivisões:
a resposta celular e a resposta humoral.
A resposta celular, mediada pelos linfócitos T e pelas APC, desempenha um importante
papel nas infecções intracelulares por vírus, fungos, na eliminação de células tumorais e na
destruição de antígenos de enxertos (transplantes). A resposta humoral envolve a produção de
anticorpos pelas células plasmáticas, que são o produto de diferenciação final dos linfócitos
B ativados.
Ambas as respostas, inespecífica e específica, atuam de forma conjunta e complementar.
O epitélio conjuntival participa das defesas da superfície ocular unindo-se ao receptor LFA-1
dos linfócitos e fagócitos e expressando a molécula de adesão ICAM-1, que permite que essas
células migrem pelo epitélio. Sob a ação do IFN-y, o epitélio expressa o antígeno de histocom-
patibilidade maior (MHC) HLA-DR classe II, que confere suas propriedades imunológicas, vistas
em tracoma, olho seco e uso crônico de colírios. Além disso, o epitélio sintetiza citoquinas
como interleucinas (IL) 1,6 e 8, que amplificam a reação inflamatória local e apresenta recep
tores Hl para histamina, cuja ativação leva a liberação de citoquinas.
O tecido conjuntivo subepitelial ou substância própria tem uma ampla superfície e é ri
camente vascularizada. Apresenta diferentes tipos celulares para defesa inespecífica (macró-
fagos, neutrófilos, mastócitos) e proteção imunológica específica (linfócitos, plasmócitos e
células dendríticas). Principalmente no fórnice conjuntival, a lâmina própria, sob o epitélio,
contém linfócitos, células plasmáticas, mastócitos, alguns polimorfonucleares e raros macró-
fagos que, às vezes, formam folículos. Os nódulos ou folículos linfoides não estão presentes
no recém-nascido, tornam-se numerosos pouco antes da puberdade e lentamente diminuem
em número com o avançar da idade. A linfa drena para linfonodos pré-auriculares, onde ocorre
comunicação com outras estruturas do sistema imunológico.
A presença do antígeno desencadeia uma resposta inicialmente inespecífica à custa das
APC, como as células mononucleares e dendríticas. As células dendríticas do estroma da con
juntiva bulbar são mais frequentes no quadrante súpero-nasal. Iniciam a resposta inflama
tória partindo da medula óssea, ainda imaturas. Sofrem maturação provavelmente sob ação
de citoquinas, adquirem vários antígenos de superfície e moléculas de adesão, migram para
os órgãos linfoides e tornam-se eficazes células apresentadoras de antígenos. As APC se en
contram em vários tecidos não linfoides, mas podem migrar via linfáticos aferentes ou pela
corrente sanguínea para regiões T-dependentes de órgãos linfoides. Maduras, são ineficien
tes como células fagocíticas em comparação com os macrófagos, porém são apresentadoras
de antígeno muito potentes e essenciais na ativação das células T durante o contato inicial.
Na conjuntiva, essas células, quando apresentam algumas diferenças antigênicas, atividade
adenosina trifosfatase (ATPase) e grânulos citoplasmáticos de Birbeck, são conhecidas como
células de Langerhans. As células de Langerhans formam uma densa rede nas camadas mais
profundas do epitélio da conjuntiva, principalmente bulbar. Possuem finas projeções e migram
entre as células epiteliais diante de um antígeno para capturá-lo e reconhecê-lo. As células de
Langerhans expressam o MHC classe II e o antígeno CD1 em sua superfície e centralizam uma
organizada e complexa rede imunológica. Como APC, apresentam o antígeno e sensibilizam,
ativam e proliferam as células T subepiteliais e formam anticorpos dependentes de células T.
Essas células apresentam também pelo menos três receptores de superfície para IgE, parecen-
Imunologia Básica - Imunologia da Superfície Ocular
do ter um importante papel nas reações alérgicas. Estima-se que a densidade das células de
Langerhans no limbo seja de 250 a 300 células por mm2.
Os macrófagos são células com origem na medula óssea e são largamente distribuídos
pelo organismo, com uma diversidade de ações. Dentre elas, participa na imunidade celular,
exerce papel antineoplásico e antimicrobiano e secreta inúmeras moléculas fundamentais para
a regulação da imunidade (fator de necrose tumoral-a, óxido nítrico), regeneração celular
(elastase, colagenase, fator de crescimento fibroblástico - FGF) e angiogênese. A fagocitose é
a função mais importante dos macrófagos, complementando a ação dos neutrófilos polimorfo-
nucleares. A endocitose dos macrófagos é particularmente eficiente para proteínas, vírus, bac
térias, restos celulares e outras células (em especial se estiverem opsonizadas pelo receptor Fc
de imunoglobulina, receptor de complemento e receptor de manose). A ligação do receptor de
superfície com a partícula da célula opsonizada desencadeia a formação de pseudópodos que
englobam o antígeno para dentro do vacúolo fagocítico do macrófago. Os macrófagos podem
expressar os antígenos classe II e a molécula CD1, que conferem o papel de célula apresenta
dora de antígeno.
Os linfócitos são derivados de células primordiais na medula óssea e constituem duas
populações morfologicamente idênticas, os linfócitos T e B, que se diferenciam no timo e no
fígado, baço e medula óssea, respectivamente, cujas funções são distintas de acordo com seus
marcadores de superfície.
Os linfócitos B representam 5 a 15% dos linfócitos circulantes e são responsáveis pela rea
ção de imunidade humoral. Apresentam imunoglobulinas (principalmente IgM e IgD) em suas
membranas, que servem como receptores de antígenos, antígenos de superfície classe II e
receptores para algumas frações de complemento, outros mediadores e fatores de crescimen
to. Em contato com um antígeno específico, são ativadas pelas APC e pelos linfócitos T auxi
liadores, transformam-se em células plasmáticas, produzem imunoglobulinas (IgM no contato
inicial e depois IgG) e as liberam para a circulação sanguínea.
Os linfócitos T participam de forma indireta na produção de imunoglobulinas e estão
basicamente envolvidos nas reações imunes celulares (citotoxicidade, rejeição de transplan
tes, reação de hipersensibilidade tardia vista na flictênula e na síndrome de Sjõgren). Estão
continuamente em circulação no sangue, na linfa, nos linfonodos, no baço e nos tecidos não
linfoides. Expressam antígenos característicos de células de memória (CD45RO) e, em situa
ções de inflamação, citoquinas (IFN-y, IL-1, fator de necrose tumoral - TNF) induzem as células
endoteliais dos capilares a expressar integrinas e selectinas que permitem a migração dos
linfócitos através da parede vascular. Exercem funções heterogêneas como células T auxilia
doras, citotóxicas e supressoras reconhecidas de acordo com seus marcadores de membrana,
subdividindo-se em dois grupos principais, CD4+ (auxiliadoras) e CD8 + (supressoras). Os
linfócitos são mais numerosos na conjuntiva bulbar que na tarsal, sendo a razão CD4/CD8 de
aproximadamente 0,3 na camada basal do epitélio conjuntival, ao contrário da lâmina própria,
onde 70% dos linfócitos T são CD4+ e 30% são CD8 + . Os CD8 + intraepiteliais expressam an
tígenos de superfície característicos de células de memória e de ativadores de células T.
Os linfócitos T auxiliadores subdividem-se em duas subpopulações de acordo com os me
diadores que produzem: Thl e Th2. Os linfócitos Thl produzem citoquinas (IL-2, IL-12, IFN-y
e TNF) que ativam macrófagos, estimulam a síntese de IgA e IgG pelas células B e dirigem a
reação inflamatória para mecanismos de hipersensibilidade tardia. Os Th2 recrutam e diferen
16 Doenças Externas Oculares e Córnea
ciam mastócitos e eosinófilos e estimulam a produção de IgE pelas citoquinas IL-3, IL-4, IL-5 e
GM-CSF, e estão envolvidos nas respostas alérgicas (conjuntivite vernal) e antiparasitárias. Am
bos os linfócitos Thl e Th2 estão presentes simultaneamente no processo inflamatório, mas
a diferenciação do subtipo predominante depende do tamanho do antígeno (grande tende a
estimular Th2), sua concentração (baixa concentração induz mais Th2) e cofatores estimula
dores liberados pelas APC (a presença de IFN-y e/ou IL-2 induz a resposta T h l, enquanto IL-4
induz a resposta Th2). Um desequilíbrio entre o Thl e o Th2 e suas respectivas citoquinas
é responsável pelo desenvolvimento das doenças oculares alérgicas. Uma vez determinado
o subtipo predominante, um tipo de resposta inibe o outro. Assim, o IFN-y produzido pelo
Thl bloqueia a reação Th2 e reduz a secreção de IgE. Por outro lado, IL-10 secretada pelo
Th2 inibe a síntese de IFN-, reduz a densidade de moléculas classe II das APC e, portanto,
reduz o estímulo T h l. Um terceiro tipo de linfócito T auxiliador parece existir e atenuar a res
posta imune local.
O tecido linfoide associado à mucosa (MALT) é encontrado nas mucosas gastrintestinal,
respiratória, urogenital e conjuntival (tecido linfoide associado à conjuntiva - CALT). O tecido
linfoide organizado da conjuntiva foi descrito pela primeira vez como CALT por Chandler e
Axelrod, em 1980. Nessas regiões, os linfócitos T, B e células plasmáticas secretoras de imuno-
globulinas formam agregados esparsos ou se organizam em folículos secundários de formato
oval com diâmetro médio de 0,3 mm e com centro germinativo. Há recirculação de células en
tre os diferentes órgãos mucosos conectados entre si por uma migração regulada que compõe
o sistema imune associado à mucosa. Na forma “organizada” ou folicular do MALT, há as cha
madas células M, que compõem o epitélio associado ao folículo (FAE) e que recolhem os antí-
genos do ambiente e os apresentam aos linfócitos, representando o braço aferente da imuni
dade mucosa. A apresentação do antígeno estimula a ativação, a proliferação e a diferenciação
dos linfócitos B e T em células efetoras. Linfócitos ativados em um sítio do MALT (geralmente
gastrintestinal) abandonam o tecido pela via aferente linfática, migram para linfonodos regio
nais e, depois, para a circulação sanguínea antes de se espalharem por outras mucosas, glân
dula lacrimal e conjuntiva. Assim, uma IgA secretória específica contra determinado antígeno
de uma membrana mucosa pode ser encontrada na glândula lacrimal e na substância própria
da conjuntiva. Da mesma forma, outras mucosas se tornam protegidas quando a imunização
ocorre na mucosa conjuntival. A forma organizada do CALT sofre alterações relacionadas à
idade, sendo menos presente nos recém-nascidos e nos idosos. A forma “difusa” do tecido
linfoide, em contraste, constitui o braço eferente da imunidade mucosa e é composta pelas
células efetoras vindas dos vasos pós-capilares. As células linfoides ficam dispersas ao longo da
maioria das membranas mucosas conhecidas como linfócitos da lâmina própria (LPL) do tecido
conjuntivo e como células plasmáticas ou como linfócitos intraepiteliais (IEL) dentro das cama
das basais do epitélio. O tecido linfoide associado ao olho (EALT) na superfície ocular e anexos
é contínuo da glândula lacrimal, passando pela conjuntiva (CALT) até o sistema de drenagem
lacrimal (LDALT), e é funcionalmente conectado pelo fluxo da lágrima sobre a superfície ocular
e pelos vasos linfáticos que permitem uma recirculação das células linfoides no organismo. O
EALT é observado predominantemente na conjuntiva tarsorbital, mais na pálpebra superior
que na inferior. Essa posição promove uma proteção da córnea que é em si carente de células
linfoides, agindo durante o piscar como um “limpador de parabrisa imunológico” e durante o
sono como uma “almofada imunológica”.
Imunologia Básica - Imunologia da Superfície Ocular
Os mastócitos são células grandes, redondas ou ovais, com um núcleo central e granula
ções abundantes, geralmente são encontrados no tecido conjuntivo, na pele e nas mucosas
próximas aos vasos linfáticos e sanguíneos e ao redor dos nervos. Essa posição perivascular é
estratégica para a inflamação, já que sua ativação leva a vasodilatação, aumento da permea
bilidade vascular e diapedese de leucócitos. Assim como os basófilos do sangue, apresentam
receptores de alta afinidade para IgE e histamina, proteoglicanos e proteases. A adesão do
antígeno à IgE da superfície do mastócito leva à agregação de IgE, que desencadeia uma de-
granulação abrupta e a liberação de mediadores armazenados nesses grânulos. Esse evento
é o centro da inflamação vista nas reações anafiláticas, alérgicas e antiparasitárias. Também
parecem estar envolvidos na alergia de contato, no penfigoide bolhoso e em tumores. Outras
moléculas podem ativar os mastócitos, como as frações C3 e C5a do complemento, fármacos
(p. ex., codeína), veneno de insetos e citoquinas (IL-1, IL-3, IL-5, IL-8 e IFN-y). O IFN-y é crucial
para a manifestação da conjuntivite alégica. Moléculas coestimulatórias influenciam a indução
de respostas imunes do Th2 e a resposta imediata da alergia, enquanto células T regulatórias
modulam a expressão da fase tardia da conjuntivite alérgica. Há dois tipos de mastócitos: os
do tecido conjuntivo (CTMC) do cório, que contêm quimase e triptase, e os da mucosa (MMC)
no cório superficial, no epitélio e nos folículos linfoides, que contêm somente triptase. No
venta e sete por cento dos mastócitos da conjuntiva são CTMC. Em situações como conjunti
vite papilar gigante e conjuntivite vernal, a proporção de MMC aumenta (20%). A ativação dos
mastócitos e consequente liberação de mediadores inflamatórios, como histamina, triptase
(que converte C3 em C3a que causa mais degranulação de mastócitos), calicreína (que ativa
quininas pró-inflamatórias), TNF-a, aminas vasoativas, fatores quimiotáticos e enzimas (prote
ases e hidrolases), leva a infiltrado de neutrófilos polimorfonucleares seguido de aumento no
número de macrófagos entre oito e vinte e quatro horas. A histamina é um dos principais me
diadores envolvidos na alergia e regula os capilares pelos receptores Hl e H2, sendo responsá
vel por edema, vasodilatação, prurido, lacrimejamento, rinorreia, broncoespasmo. A histamina
pode também ser liberada tardiamente mais de vinte e quatro horas após a ativação inicial. Os
mastócitos sintetizam ainda várias citoquinas, incluindo IL-1, IL-3, IL-4, IL-5, IL-6, IFN-y, TGF-(3
e GM-CSF envolvidos em respostas inflamatórias inespecíficas, ativam a coagulação e têm ação
autócrina (ativando receptores de células que os sintetizam) ou parácrina (atuando em células
vizinhas). Outra forma de degranulação de mastócitos envolve o sistema nervoso com a libe
ração de neuropeptídeos pelas terminações nervosas.
Os polimorfonucleares eosinófilos são granulócitos que ficam na corrente sanguínea por
seis a doze horas até uma interação entre uma integrina e uma molécula de adesão endotelial
(p. ex., ICAM-1) que permite a adesão celular e sua migração extravascular. Após entrarem no
tecido conjuntivo, os eosinófilos permanecem no espaço perivascular por alguns dias. Pos
suem receptores para complemento e porção Fc de IgG, IgA, IgM e IgE. Seus grânulos contêm
proteínas pró-inflamatórias para a eliminação de parasitas e bactérias, além de histamina e
arilsulfatase, que inativam substâncias produzidas pelos mastócitos e tendem a atenuar a res
posta inflamatória (geralmente, as proteínas pró-inflamatórias induzem seus próprios antago
nistas para que suas atividades sejam inativadas no decorrer da reação, evitando-se lesão do
tecido pela própria inflamação).
As imunoglobulinas compõem uma família de moléculas estruturalmente relacionadas,
cuja principal função é a de reconhecer antígenos (anticorpos). Outras propriedades são ati
18 Doenças Externas Oculares e Córnea
BIBLIOGRAFIA
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Imunologia Básica - Imunologia da Superfície Ocular
Pálpebras
As pálpebras protegem o globo ocular de exposição e ressecamento, e são a primeira barreira
contra as agressões mecânicas, tóxicas e microbianas do meio externo.
Lágrimas
A lágrima protege a superfície ocular pela lavagem e diluição de elementos externos, agindo
de forma mecânica.
Possui vários mecanismos antibactericidas inespecíficos. É rica em mediadores quími
cos liberados durante as reações imunológicas (lisozimas antibacterianas, lactoferrina e
betalisina). A lisozima representa 30 a 40% das proteínas da lágrima e é uma enzima an-
tibacteriana que rompe a membrana dos microrganismos sensíveis. A lactoferrina liga-se
ao ferro e depriva a bactéria de seu crucial nutriente, além de ativar os linfócitos natural
killers. O muco engloba partículas estranhas e facilita sua eliminação mecânica pelos fórni-
ces conjuntivais. O radical livre da mucina também tem propriedades bactericidas. A flora
bacteriana local, composta basicamente de Staphylococcus epidermidis, Corynebacterium e
Propionibacterium acnes, inibe a proliferação de microrganismos agressores.
A principal imunoglobulina encontrada na camada mucosa da lágrima é a IgA secretória
(100-500 mg/1) produzida pelas células plasmáticas da parte externa dos ácinos das glândulas
lacrimais e da conjuntiva. A IgA impede a adesão bacteriana e neutraliza algumas toxinas e
vírus. A IgG está presente em pequena quantidade (3-10 mg/1); IgM, prostaglandinas, leucotrie-
nos, interferons, a2-macroglobulina, transferrina, al-antitripsina, (32-microglobulina e frações
de complementos são encontrados em pequena quantidade e IgD não é detectável. IgE pode
ser detectada por meio de radioimunoensaio e está aumentada em pacientes alérgicos. Além
disso, outras proteínas podem ser sintetizadas pelo tecido conjuntivo da conjuntiva em pro
cessos inflamatórios.
A lágrima é rica também em fatores tróficos (fatores de crescimento, principalmente o
fator de crescimento epidérmico - EGF).
Conjuntiva
A conjuntiva forma uma barreira mecânica que protege a superfície ocular e participa na com
posição da lágrima pela produção de mucina. Além disso, a conjuntiva é rica em vasos sanguí
neos e linfáticos e em células imunocompetentes.
A conjuntiva normal humana contém um número elevado de células inflamatórias, como
linfócitos, neutrófilos e mastócitos, cujas funções básicas são fagocitose e processamento
de antígenos para defesa e memória imunológica. Por outro lado, eosinófilos e basófilos não
estão normalmente presentes na conjuntiva. As células epiteliais da conjuntiva também têm
ação fagocitária e, como os leucócitos, possuem lisossomos com hidrolases com forte efeito
antimicrobiano.
22 Doenças Externas Oculares e Córnea
Córnea
A córnea é avascular e sem drenagem linfática, características que conferem seu “privilégio
imunológico” (privilégio corneolinfoangiogênico), muito importante para a sua integridade,
transparência, e colaboram para o bom prognóstico dos enxertos. Apesar de a córnea também
estar em contato direto com o meio externo, ao contrário da conjuntiva, que possui recursos
para uma resposta inflamatória potente e imediata, as funções de defesa da córnea são míni
mas e parecem estar até inibidas, como, por exemplo, a não expressão de ICAM-1, molécula
envolvida na migração intraepitelial de células inflamatórias. Além disso, o fato de os antíge-
nos e de outras substâncias terem que entrar na córnea pelos vasos corneoesclerais do limbo
parece impedir que moléculas grandes, como a IgM, cheguem ao centro da córnea.
Apenas na camada basal do epitélio periférico junto ao limbo, células de Langerhans com
características semelhantes às vistas na epiderme (grânulos de Birbeck. ATPase, MHC classes I
e II, receptores Fc de IgG) são observadas. As células de Langerhans do centro da córnea não
expressam CD1, antígeno necessário para a troca de informações com outras células do siste
ma imunológico.
No entanto, reações inflamatórias ocorrem na córnea em situações patológicas. A neovas-
cularização da córnea, ou seja, a presença de vasos novos e anormais na córnea, ocorre em
situações de inflamação por hipóxia (lente de contato), infecção, alergias e qualquer condição
local que estimule fatores angiogênicos. O anel de Wessely, um infiltrado inflamatório com
formato em anel no estroma da córnea, concêntrico ao limbo, parece estar relacionado a uma
reação imunológica e precipitação de antígeno-anticorpo no estroma corneano.
Com o advento de novos fármacos antilinfoangiogênicos tornou-se possível testar con
ceitos novos para o tratamento de doenças neovasculares da córnea e da superfície ocular
inicialmente em modelos animais. Vários desses novos conceitos já estão na fase de tradução
no âmbito dos ensaios clínicos ou uso ojf-label. O desenvolvimento na compreensão dos meca
nismos moleculares das doenças, com o advento de novas tecnologias e a aplicação de agentes
imunomoduladores, como moléculas pequenas (corticosteroides, ácido acetilsalicílico, agen
tes antioxidantes), inibidor da calcineurina, ciclosporina, terapia genética e estratégias de
interferência no ácido ribonucleico, permitirá uma abordagem terapêutica adaptada a cada
paciente conforme seu perfil genético.
BIBLIOGRAFIA
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Respostas Normal e Patológica
em Doenças da Córnea
e da Conjuntiva
LUIZ ANTONIO VIEIRA • ANA LUISA HÖFLING-LIMA
23
24 Doenças Externas Oculares e Córnea
QUERATINIZAÇÃO
FOLÍCULO
Folículos no fórnice são menos regularmente espaçados e maiores. Folículos na conjuntiva não
são encontrados no período neonatal porque o sistema imune está imaturo e eles são menos
aparentes em crianças com menos de 2 anos de idade.
Normalmente, os folículos são pequenos (0,5 a 1,5 mm), pálidos, arredondados ou ova
lados e sobrelevados. Folículos são lesões avasculares, consistem histologicamente em agre
gados de linfócitos na substância própria. O tecido subepitelial em volta dos folículos pode
exibir moderada a grave infiltração linfocitária e células plasmáticas. Alguns são organizados
em centros germinativos e contêm células histiocitárias, com estruturas celulares intracito-
plasmáticas fagocitadas.
Em uma conjuntiva sadia não existem folículos verdadeiros com centros germinativos,
contudo linfócitos podem ser estimulados a formar folículos reativos com centro germinativo.
Os folículos são comumente encontrados em associação com infecções virais agudas, su-
bagudas e crônicas, ou também por longo uso de medicamento tópico. Em pacientes imunos-
suprimidos, a resposta pode se apresentar bem diminuída.
Em tracoma, os folículos são predominantes na conjuntiva tarsal superior, podendo per
sistir por anos.
Na fase inicial da doença, coleções de linfócitos são vistas abaixo do epitélio ou profundamen
te no tecido conjuntivo, não apresentando centro germinativo, consistindo principalmente em
pequenos linfócitos. Com a evolução da doença, os aglomerados linfocitários desenvolvem uma es
trutura semelhante a linfonodos, com uma camada externa de linfócitos pequenos e densos, com
coloração mais leve e mais citoplasma. Ao contrário dos linfonodos centrais, o centro germinativo
desse folículo é deslocado em direção à superfície. Os linfócitos do folículo parecem infiltrar o epi
télio conjuntival, que é relativamente aplanado e frouxo, permitindo o pronto acesso do material
estranho ao folículo. Essa estrutura pode ser análoga às placas de Peyer intestinais.
Em estágios mais avançados do tracoma, os centros germinativos do folículo podem evo
luir com microulcerações e tornar-se necróticos.
Folículos podem ser observados na conjuntivite bacteriana em menor quantidade que as
papilas.
Os linfócitos em tracoma infiltram a camada basal do epitélio (que sofre hiperplasia) com
a formação de folículos. Com a evolução da doença, a conjuntiva torna-se espessada pelo infil
trado celular e hiperplasia folicular. Tardiamente, a hiperplasia epitelial torna-se mais pronun
ciada, continuando a infiltração linfocitária da camada basal. Sua degeneração e descamação
ocorrem nas camadas superficiais.
Os folículos podem surgir sem sinais evidentes de inflamação, formando uma entidade clí
nica, a foliculose, sendo encontrados nas conjuntivas superior e inferior, bem como na região
tarsal superior; são normalmente pequenos, localizam-se mais comumente na margem supe
rior do tarso. Folículos na região central do tarso são geralmente patológicos.
PAPILAS
São estruturas sobrelevadas, separadas por áreas pálidas, podendo ser encontradas em toda
a conjuntiva e inclusive no limbo; as maiores são localizadas mais comumente na conjuntiva
tarsal superior.
26 Doenças Externas Oculares e Córnea
Papilas são projeções hiperêmicas que se desenvolvem em áreas onde a conjuntiva é fir
memente aderida ao tecido adjacente pelos septos de tecido conjuntivo. As adesões fibrosas
são encontradas no tarso, dobras semilunares e limbo. Papilas são formadas por projeções
vasculares centrais, os vales entre estas; são pálidas e relativamente avasculares. O tecido es-
tromal que envolve as papilas é edematoso com células inflamatórias crônicas.
Papilas localizadas na conjuntiva limbal apresentam forma de vírgula, enquanto na tarsal,
achatada.
Papilas na conjuntivite papilar gigante mostram-se arredondadas, com centro claro, po
dendo confundir-se com folículos, porém estes nunca são encontrados no fórnice inferior.
MEMBRANA E PSEUDOMEMBRANA
GRANULOMA
O granuloma pode ser visto na sarcoidose ou por reação a corpo estranho. Conjuntivite
oculoglandular de Parinaud é uma doença pouco comum, porém sempre associada a granulo
ma conjuntival.
O calázio é uma inflamação crônica das glândulas meibomianas ou de Zeiss, que, quando
rompe, desencadeia um crescimento de tecido de granulação (fibroblastos, capilares jovens,
linfócitos e células plasmáticas), resultando em massa polipoide. Os linfócitos, células plasmá-
ticas e polimorfonucleares podem ser encontrados em abundância nessa reação inflamatória.
CICATRIZAÇÃO CONJUNTIVAL
Trauma ao epitélio não provoca cicatriz, que surge quando compromete o estroma conjunti
val. Conjuntivite membranosa pode levar à fibrose subepitelial e, às vezes, a simbléfaro, sem
predileção por regiões específicas da conjuntiva.
Cicatrização conjuntival em doenças alérgicas da conjuntiva ocorre mais frequentemente
nas atopias, levando a retrações de fundo-de-saco inferior e alterações na superfície das papi
las. Normalmente não evolui com triquíase nem entrópio.
No tracoma, o processo cicatricial é patognomônico na região limbal superior, com o apa
recimento das fossetas de Hebert. Uma linha de fibrose pode ser encontrada na conjuntiva
tarsal superior, próxima à borda superior, chamada de linha de Arlt, podendo ser encontrada
em outras doenças, mas é um importante sinal no tracoma. Essa doença evolui com mais in
tensidade na pálpebra superior que na inferior.
A membrana basal se conecta com as células basais e estroma adjacente conjuntival, sen
do uma importante estrutura no processo cicatricial. Apresenta três funções: age como apoio
na replicação celular, na orientação espacial das células e como barreira entre o epitélio e
estroma.
A disfunção da membrana basal é comum devido a hiper ou hipoprodução de compo
nentes dessa membrana, tais como o diabetes ou ataque proteolítico, como em doenças não
imunes. Todas as doenças bolhosas podem estar associadas com conjuntivite cicatricial. As
principais são: dermatite herpetiforme, epidermólise bolhosa bem como pênfigo vulvar e pen-
figoide.
A fibrose conjuntival que ocorre nas conjuntivites cicatrizantes, como no penfigoide cica
tricial ocular, é grave e progressiva. Os macrófagos se apresentam bem aumentados em núme
ro, na região subepitelial conjuntival, e, juntamente com os fibroblastos, são os principais cau
sadores dessa fibrose; o aumento dessas células reflete a atividade da doença. Os fibroblastos
são hiper-reativos, produzindo matriz extracelular e colágeno anormais. As células dendríticas
estão aumentadas em 25 vezes o normal. Existe aumento dos linfócitos no epitélio conjuntival
e mais de 20 vezes na substância própria da conjuntiva bulbar.
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Conceitos Básicos
de Infecção Ocular
LUCIENE BARBOSA DE SOUZA • ANA LUISA HÖFLING-LIMA
ACÁCIO ALVES DE SOUZA LIMA FILHO • MARIA CECÍLIA ZORAT YU
RENATA REZENDE • PAULO JOSÉ MARTINS BISPO • GUSTAVO BARRETO DE MELO
31
Doenças Externas Oculares e Córnea
Além de representar uma barreira mecânica, as células epiteliais resistem à invasão bacte-
riana pela fagocitose e digestão de bactérias pelos fagossomos. Células epiteliais estimuladas
pela presença de citoquinas facilitam a resposta imunológica e a hipersensibilidade tardia (tipo
IV), apresentando antígenos aos linfócitos CD4 (T helper). O rápido ciclo de renovação epitelial
da córnea também serve como mecanismo de defesa ocular, por possibilitar a remoção de pató-
genos que possam estar aderidos ou mesmo já ter invadido as camadas superficiais do epitélio.
A córnea e conjuntiva, frente à invasão viral ou na presença de mediadores inflamatórios,
ainda secretam interleucina-1 e outras citoquinas inflamatórias que auxiliam na resposta imu
nológica.
A conjuntiva possui um rico e complexo sistema vascular e sistema linfático, que promo
vem componentes de defesa imunológica e celular. O epitélio conjuntival e substância própria
contêm linfócitos, plasmócitos, mastócitos, polimorfonucleares e células de Langerhans, que
estão presentes durante a inflamação.
A córnea, sendo uma estrutura avascular, é praticamente desprovida de células imunoló-
gicas. Normalmente, existem alguns linfócitos e células de Langerhans localizados no epitélio
e estroma periférico, responsáveis pela apresentação de antígenos para células CD4 (T helper).
Células epiteliais, ceratócitos e células endoteliais podem secretar interleucinas e outras ci
toquinas, estimulando o processo inflamatório. Durante um quadro inflamatório, linfócitos e
neutrófilos chegam à córnea através do filme lacrimal, vasos limbares e câmara anterior.
Conceitos Básicos de Infecção Ocular
O diagnóstico laboratorial de processos infecciosos inclui análise das amostras do sítio de in
fecção para esfregaços e cultivo de bactérias, parasitas, fungos e vírus.
Os esfregaços podem ser analisados com colorações variadas na busca de um diagnóstico
etiológico e também corados para a realização da citologia da amostra obtida.
Técnicas de biologia molecular estão sendo introduzidas e comparadas às técnicas clás
sicas, e trazem informações valiosas, com uma abordagem mais atual na interpretação dos
resultados.
COLETA DE MATERIAL
A coleta de material dos processos infecciosos externos oculares para cultura e antibiograma
deve ser feita anteriormente ao exame citológico, pois este exige o uso de um anestésico tó
pico, que possui preservativos capazes de inibir o crescimento bacteriano (Figs. 1A-C).
Para o exame citológico são necessárias três lâminas, para as colorações de Gram, Giemsa
e Acridine orange. Mesmo no caso de afecção unilateral conjuntival, preconiza-se a coleta de
material dos dois olhos, para comparação dos resultados.
A espátula usada para coleta foi idealizada por Kimura, inicialmente fabricada em platina,
o que a tornava flexível e resistente ao processo de flambagem. Atualmente, essas espátulas
são fabricadas em aço inoxidável e, após algumas esterilizações, apresentam a superfície ru-
gosa e queimada (Fig. 2).
Como alternativa, pode-se utilizar uma espátula descartável produzida a partir de uma
cânula ou agulha descartável, laminando sua ponta até torná-la plana e flexível (Fig. 3).
Doenças Externas Oculares e Córnea
Espátula de Kimura.
Essa espátula pode ser esterilizada previamente com óxido de etileno e ser flambada no
momento do uso (Fig. 4).
Nas doenças blefaroconjuntivais, o material deve ser raspado do local de alteração mais
evidente e também das conjuntivas tarsais. Nas úlceras de córnea, as amostras para estudo são
obtidas da borda e do fundo da úlcera.
Os meios de cultura devem ser armazenados em geladeira e, antes da coleta das amostras,
devem ser colocados em estufa a 37°C durante 10 minutos. Após a coleta, os meios devem ser
deixados em temperatura ambiente e encaminhados ao laboratório. As placas devem ficar com
a tampa virada para baixo e vedadas.
Conceitos Básicos de Infecção Ocular
1. Anestesiar os olhos com 1 gota de colírio anestésico. Utilizar três lâminas para cada
olho - Gram, Giemsa e Acridine orange.
2. Com a espátula de Kimura, coletar o material do fundo-de-saco conjuntival ou da con
juntiva tarsal inferior, raspando para retirar as células epiteliais. Fazer o esfregaço na
lâmina sem deixar grumos. Repetir o procedimento para as outras lâminas do mesmo
olho e para as três lâminas do outro olho.
3. As lâminas para Gram devem ser fixadas aquecendo-as suavemente sobre a chama de
um bico de bunsen ou de uma lamparina, e para Giemsa e Acridine orange pelo álcool
metílico (cobrir com álcool metílico e deixar secar em temperatura ambiente).
Conceitos Básicos de Infecção Ocular
4. Para Chlamydia, coletar o material da conjuntiva tarsal superior raspando com a espá
tula de Kimura e colocar o material dentro do círculo da lâmina, sendo um círculo para
cada olho. Não fazer esfregaço. Fixar com álcool metílico (Figs. 13 e 14).
Os meios de cultura devem ser armazenados em geladeira e, antes da coleta das amostras,
devem ser colocados em estufa a 37°C durante 10 minutos. Após a coleta, os meios devem
ser deixados em temperatura ambiente e encaminhados ao laboratório. As placas devem ficar
com a tampa virada para baixo.
1. O procedimento de coleta pode ser feito com ou sem anestesia tópica, dando-se pre
ferência ao procedimento sem anestesia.
2. Flambar a boca do tubo que contém o soro fisiológico.
3. Com a espátula de Kimura, coletar material do centro e da borda da úlcera, utilizando
a lâmpada de fenda para melhor exame.
4. Semear na placa de ágar-sangue, fazendo uma fileira de três letras “C” na placa. Cuida
do para não cortar os meios de cultura no processo de semeadura. Flambar a boca do
tubo que contém o TSB e semear nesse meio (Fig. 15).
5. Repetir o procedimento de coleta e semear do mesmo modo na placa de ágar-choco-
late. Flambar a boca do tubo que contém o tioglicolato e semear, sem agitar o meio.
6. Repetir o procedimento de coleta e semear na placa de ágar-Sabouraud.
1. Anestesiar o olho.
2. Flambar o tubo que contém o soro.
3. Com a espátula de Kimura, coletar o material do centro da úlcera e fazer o esfregaço
no lado esquerdo das lâminas. Com o material coletado da borda da úlcera, fazer o
esfregaço no lado direito das lâminas.
4. Esfregar o material nas lâminas, sem deixar grumos.
5. Fixar as lâminas para bacterioscopia (Gram) pelo calor e as lâminas para citologia (Gie-
msa eAcridine orcinge) pelo álcool metílico (cobrir com álcool metílico e deixar secar em
temperatura ambiente).
COLORAÇÕES USUAIS
Procedimento
Cobre-se a lâmina com cristal violeta por 1 minuto.
Lava-se com água destilada.
Cobre-se com lugol por 1 minuto.
Descora-se com álcool e lava-se com água destilada para interromper o processo.
Contracorar com safranina O ou fucsina por 30 segundos.
■ Lava-se.
■ Com a lâmina seca, observa-se em microscopia com aumento de 1.000 X.
Coloração de Ziehl-Neelsen
r
e ácido clorídrico. Como a coloração de fundo é feita pelo azul de metileno, as bactérias que
não são ácido-resistentes tornam-se azuis.
Procedimento
Cobre-se a lâmina com fucsina fenicada e deixa-se por 5 minutos sob aquecimento (utiliza-
se uma chama para aquecer os esfregaços).
Espera-se esfriar.
Lava-se a lâmina com água corrente.
Coloca-se álcool-ácido e deixa-se por 2 minutos para descorar.
Lava-se com água corrente para parar a descoloração.
■ Acrescenta-se o azul de metileno e deixa-se por 2 minutos.
Lava-se com água corrente e seca-se a lâmina com papel de filtro.
Observa-se a lâmina ao microscópio, com aumento de 1.000 X.
Os bacilos ácido-álcool-resistentes (BAAR) apresentam-se corados em rosa, e o fundo do
esfregaço, completamente azul.
Coloração de A crid in e o ra n g e
r
Procedimento
Fixa-se a lâmina com metanol por 5 minutos.
■ Deixa-se secar em posição vertical.
■ Cobre-se com o corante por 2 minutos.
Lava-se com água destilada.
Deixa-se a lâmina secar em posição vertical.
Observa-se em microscopia de fluorescência em aumentos de 100, 400 e 1.000 X.
Coloração de Giemsa
A coloração de Giemsa é feita usando um dos derivados do corante de Romanowsky, constitu
ído de uma mistura de eosinatos de azul de metileno, eosinato de violeta e azul de metileno,
usualmente dissolvidos em álcool metílico para fixação. A diferença entre os vários corantes
derivados do corante primitivo de Romanowsky acha-se na proporção que se emprega o azul
44 Doenças Externas Oculares e Córnea
Procedimento
Cobre-se a superfície da lâmina com álcool metílico, para fixar o esfregaço, durante 5 mi
nutos.
Escorre-se o álcool metílico e deixa-se secar espontaneamente, colocando a lâmina em po
sição vertical.
Cobre-se o esfregaço com a solução diluída de Giemsa (1 gota para cada cm3 de água desti
lada). Deixa-se atuar durante 40 minutos.
Mergulha-se a lâmina em uma cubeta com álcool metílico, para retirar o excesso de corante.
Deixa-se secar espontaneamente, colocando a lâmina em posição vertical.
■ Observa-se em aumento de 1.000 X.
A PSA é realizada para todos os microrganismos identificados, exceto os difteroides que não
possuem importância clínica no material de conjuntiva. A suscetibilidade aos antimicrobia-
nos pode ser medida in vitro, utilizando-se princípios de difusão em ágar. O método clássico
utilizado para medir a sensibilidade de bactérias isoladas é o de Kirby-Bauer. Os antibióticos
diferem na capacidade de difusão no ágar de modo que o tamanho da zona de inibição, e não
simplesmente sua presença, é um indicador da suscetibilidade do microrganismo isolado.
No método de Kirby-Bauer, suspendem-se as colônias isoladas em TSB até obter uma tur-
bidez aproximadamente igual ao tubo 0,5 da escala de MacFarland (os estreptococos devem
ser incubados por um período maior que os outros organismos, em razão de seu crescimento
lento).
Inocula-se a suspensão, com técnica de esgotamento em duas placas (pequena e grande)
de ágar-Müeller-Hinton. Para os cocos Gram-positivos, semelhantes a estreptococos com he-
mólise, inocula-se a suspensão em três placas pequenas de ágar-sangue e, para diplococos
semelhantes a Neissehas e cocobacilos semelhantes a Haemophiliis sp., inocula-se a suspensão
em três placas pequenas de ágar-chocolate.
Distribui-se os antibióticos começando pela placa menor em forma de círculo na perife
ria, exceto a rifamicina B, que é usualmente colocada no centro da placa maior, devido ao seu
grande halo de inibição e aos antibióticos de identificação que são colocados no centro da
placa menor.
Incuba-se por 18 a 24 horas a 37° C. Para os estreptococos a e P-hemolíticos, Neissehas e
cocobacilos, a incubação é feita em atmosfera com 10 %de C02.
3. Bacitracina (BAC) - 10 UI
4. Carbenicilina (CAR) - 100 mcg
5. Cefalotina (CFL) - 30 mcg
6. Cefoxitina (CDF) - 30 mcg
7. Ciprofloxacino (CIP) - 5 mcg
8. Clindamicina (CLI) - 2 mcg
9. Cloranfenicol (CLO) - 30 mcg
10. Cotrimoxazol (SUT) - 25 mcg
11. Eritromicina (ERI) - 15 mcg
12. Estreptomicina (EST) - 10 mcg
13. Gentamicina (GEN) - 10 mcg
14. Imipenem (IPM) - 10 mcg
15. Lincomicina (LIN) - 2 mcg
16. Lomefloxacino (LMX) - 10 mcg
17. Neomicina (NEO) - 30 mcg
18. Norfloxacino (NOR) - 10 mcg
19. Ofloxacino (OFX) - 5 mcg
20. Oxacilina (OXA) - 1 mcg
21. Penicilina G (PEN) - 10 UI
22. Polimixina B (POL) - 300 UI
23. Rifamicina B (RFM) - 30 mcg
24. Rifampicina (RIF) - 5 mcg
25. Sulfonamidas (SUL) - 300 mcg
26. Tetraciclina (TET) - 30 mcg
27. Tobramicina (TOB) - 10 mcg
28. Vancomicina (VAN) - 30 mcg
Interpretação
Os tamanhos da zona são comparados com os organismos de referência (tabelados) e o resul
tado é assinalado com S (sensível), M (moderadamente sensível, ou seja, é suscetível em doses
altas) e R (resistente).
Além desse método, utilizam-se os métodos de diluição seriada e do E-Test, para determi
nação das concentrações mínimas inibitórias, além dos métodos automatizados.
PESQUISA DE ANAERÓBIOS
tecido do organismo quando as condições são adequadas. Alguns sinais clínicos sugerem a pos
sibilidade de infecção por anaeróbio, como odor fétido das lesões ou secreções, infecção secun
dária a mordeduras, presença de gás nas secreções, tecido necrosado e gangrena, entre outros.
A maioria dos anaeróbios isolados em amostras clínicas se enquadra na categoria de anaeró
bio obrigatório moderado. Esses microrganismos não requerem oxigênio como aceptor final de
elétrons e seu desenvolvimento é inibido por este, se o nível de oxigênio passar de 2 a 8%. São en
contrados em vários tipos de habitat como parte da microbiota normal. No homem, os anaeróbios
predominam normalmente na cavidade oral, ao redor dos dentes, no trato geniturinário e na pele.
A maioria desses habitats tem baixa tensão de oxigênio e baixo potencial de oxirredução, resultan
tes das atividades metabólicas dos microrganismos que consomem oxigênio durante a respiração.
Os anaeróbios de maior incidência são:
Grupo dos Bacteroides (bacilos Gram-negativos): Bacteroides sp., Bacteroides fragilis, Fusobac-
terium sp.
Bacilos Gram-positivos esporulados: Clostridium perfrigens.
Bacilos Gram-positivos não esporulados: Propionibacterium acnes, Actinomyces sp.
Cocos Gram-positivos: Peptococcus sp., Peptostreptococcus sp.
Cocos Gram-negativos: Veillonella sp.
Procedimentos
■ Semear os materiais em placa de ágar-sangue e incubar em jarra de anaerobiose a 37° C
r
durante 7 dias. E necessário verificar se houve crescimento por volta do terceiro dia.
Quando houver crescimento em tioglicolato, proceder como no item anterior.
Fazer um esfregaço corado pelo Gram.
Comparar o crescimento das placas em anaerobiose com o das placas em atmosfera de C 0 2.
Realizar testes para diferenciação de anaeróbios: indol, catalase, lipase, urease, redução do
nitrato, motilidade, sensibilidade a determinados antibióticos (kanamicina, vancomicina,
colistina), crescimento em bile etc.
Identificação dos microrganismos que possuem características próprias, por isso são classifica
dos no reino Fungi, e causam doenças denominadas micoses. Existem dois grupos de agentes
causadores de micoses humanas: os fungos filamentosos (bolores) e as leveduras (fermentos).
O diagnóstico é feito mediante a demonstração do fungo nos diferentes materiais e pelo
cultivo dos mesmos em meios especiais. As infecções oportunistas só podem ser confirmadas
após repetidas demonstrações do agente pelo exame direto ou em cultura.
Micológico direto
O exame micológico direto, se necessário com hidróxido de potássio a 10% (com ou sem tinta
nanquin), e as colorações de Gram, Giemsa e Acridine orange permitem a observação de leve
duras ou hifas de fungos no material.
Conceitos Básicos de Infecção Ocular
Material líquido
Coloca-se três alçadas do material e cobre-se com lamínula.
Observa-se em aumento de 400 X.
E usado para observar cápsulas que envolvem leveduras. Através da tinta nanquim (tinta da
China), pode-se proporcionar um fundo negro que evidencia as estruturas celulares com cáp
sula (“efeito halo”). Por ser muito concentrada, essa tinta deve ser diluída na proporção de 1:3
em solução fisiológica.
Acridine orange
Observam-se as estruturas fúngicas em microscopia de fluorescência com aumento de 400
vezes. Esse método é prioritário, por sua sensibilidade.
Cultura de fungos
O material clínico deve ser processado imediatamente após a coleta, para permitir que o
fungo cresça em meios apropriados e na temperatura adequada. Seu crescimento é neces
sário para sua identificação, através das características das colônias e das estruturas micros
cópicas.
Doenças Externas Oculares e Córnea
Material líquido
Pinga-se diretamente na superfície do ágar-Sabouraud e realizam-se movimentos giratórios
na placa, para espalhar o material.
Biópsia
Coloca-se em placas de Petri estéril e, com bisturi, fraciona-se o máximo possível; adicionam-
se algumas gotas de água destilada estéril.
Semeia-se o maior número possível de pequenos fragmentos em ágar-Sabouraud.
Confirmação do dimorfismo
Se o fungo analisado é suspeito de ser dimórfíco, deve-se fazer a conversão da fase miceliana
para a leveduriforme. A conversão não precisa ser total para demonstrar o dimorfismo e, mui
tas vezes, ela poderá ser de difícil realização, necessitando de múltiplos subcultivos e meios
especiais.
Procedimento
Remove-se, em fluxo laminar, uma pequena porção da colônia e transfere-se para dois tubos
de ágar-Sabouraud ou sangue.
■ Deixa-se um tubo à temperatura ambiente e outro a 37°C.
Conceitos Básicos de Infecção Ocular
Identificação de leveduras
São utilizadas várias técnicas que avaliam características morfológicas e bioquímicas para a
diferenciação dos gêneros e espécies. A morfologia é primariamente usada para estabelecer o
gênero, enquanto a bioquímica para diferenciar as espécies (Fig. 20).
Antifungigrama
Os métodos utilizados para determinação da sensibilidade dos fungos e leveduras aos antifún-
gicos incluem difusão em disco (E-Test) e diluições seriadas em caldo, para determinação das
concentrações mínimas inibitórias. Os antifúngicos disponíveis no E-Test são: anfotericina B,
flucitosina, fluconazol, itraconazol e cetoconazol.
50 Doenças Externas Oculares e Córnea
F ig . 2 4 Phaeoisaria sp.
F ig . 21 Exserohilum rostratum.
A Chlamydia trachomatis é uma bactéria intracelular obrigatória que infecta as superfícies mu
cosas do aparelho geniturinário, da nasofaringe ou da conjuntiva.
O teste da imunofluorescência permite a coloração direta de amostras clínicas. Todos
os sorotipos de Chlamydia trachomatis têm em comum uma proteína antigênica localizada na
membrana externa da parede celular. Anticorpos monoclonais marcados com fluoresceína
(FITC) e dirigidos contra a membrana externa proteica podem ser usados para detectar esse
antígeno. O anticorpo marcado com FITC fixa-se especificamente à C. trachomatis, se presen
te, no esfregaço fixado com metanol, feito na lâmina especial para imunofluorescência. Uma
etapa de lavagem remove os anticorpos não fixados. Quando examinada em microscópio de
fluorescência, a clamídia apresenta coloração verde-maçã brilhante, e os corpos elementares
extracelulares ou corpos reticulados (CE ou CR) contrastam com a cor castanho-avermelhada
do material contracorante.
Um diagnóstico positivo pode ser concluído quando a amostra fixada e corada apresenta
pelo menos 10 corpos clamidiais em ambos os olhos.
52 Doenças Externas Oculares e Córnea
Um diagnóstico negativo pode ser obtido quando o esfregaço fixado e corado apresenta-
se livre de corpos clamidiais, mas células epiteliais intactas ou rompidas encontrarem-se pre
sentes. Pelo menos 10 células epiteliais devem estar presentes.
Deve-se assegurar que o paciente não tenha sido examinado com fluoresceína, antes da
coleta de material para este exame, para se evitar um resultado falso-positivo.
Outros métodos para pesquisa de Chlamydia trachomatis são o PCR, pela qual se procuram
DNA clamidial na amostra e as determinações sorológicas de IgG e IgA, e o ELISA, pelo qual
procuramos os anticorpos anticlamídia.
PESQUISA DE A C A N T H A M O E B A SP
A pesquisa de Acanthamoeba sp. é feita pela observação de trofozoítos com tamanho variando
de 25 a 40 jum, e são formas vegetativas da célula no exame a fresco ou pela observação de
cistos no exame citológico, pela coloração de Giemsa. Também é feita a cultura para identificar
o agente (Figs. 31 a 33).
A cultura para pesquisa de Acanthamoeba é feita em ágar não nutriente recoberto com Es
cherichia coli, e a interpretação dos resultados é feita por observação direta.
Apenas 7 das 22 espécies de Acanthamoeba (A. castellanni, A. culbertsoni, A. hatchett, A. lug-
dunensis,A. polyphaga,A. quina, A. rhysodes) causam úlcera de córnea em seres humanos.
Fig. Acanthamoeba: c is to s c o ra d o s p e lo G ie m sa (a u m e n to
1 .0 0 0 X ).
Conceitos Básicos de Infecção Ocular
Identificação
Cultura: inocular em ágar sem nutrientes, cobrir com suspensão de E. coli, deixar a 30°C duran
te 7 dias. Examinar diariamente em microscópio tipo invertido; geralmente crescem em 3 dias.
Em seguida são feitos subcultivos para o isolamento da espécie. Todo material proveniente de
lesões com suspeita clínica de Acanthamoeba também deve ser inoculado em meio de cultura
de rotina para identificação de bactérias.
Quando não for possível inocular o espécime diretamente no meio de cultura para Acan
thamoeba,, o material poderá ser colocado em um meio de transporte específico para a mesma
ou simplesmente em uma solução salina a 0,5%. Manter em temperatura ambiente, não deven
do ser refrigerado nem congelado até o transporte para o laboratório.
Fazer raspados da lesão para coloração de Giemsa, Diff-Quik, Calcofluor White.
■ Giemsa: as paredes dos cistos coram-se em azul-escuro e o citoplasma em azul-claro.
■ Diff-Quik: o procedimento é mais rápido, mas a qualidade da coloração é inferior ao Gie
msa.
Calcofluor White: é um corante fluorescente, mais rápido do que o Giemsa e tem a vantagem
de corar elementos fúngicos e cistos de Acanthamoeba; contudo, não permite o estudo de
células inflamatórias e epiteliais nem detecta a presença de bactérias.
infecciosas, tais como sífilis, rubéola, toxoplasmose e listeriose, entre outras, transmitidas por
via transplacentária. No início da vida, geralmente o recém-nascido está isento de microrganis
mos, protegido pela membrana amniótica íntegra, mas, logo após o nascimento, passa a viver
em um mundo altamente contaminado.
Após a rotura da bolsa amniótica, no parto vaginal, o recém-nascido sofre invasão das
microbiotas materna, fecal e cutânea. No parto cesariano, sem rotura de bolsa amniótica, as
fontes de contaminação fetal são pertinentes ao meio ambiente.
Qualquer que seja a via do nascimento, após essa exposição inicial a inúmeros microrga
nismos, o recém-nascido sofre uma invasão bacteriana maciça, que evolui para um processo
de colonização, de início caótico e desordenado, acompanhado pelo estabelecimento de uma
microbiota bacteriana característica, que parece ser específica para cada região do organismo.
O processo de colonização está confinado às superfícies externas, como a pele, e inter
nas, como as mucosas. Essa colonização é considerada normal e a maioria dos recém-nascidos
evolui sem apresentar doença infecciosa. Cada hospedeiro possui determinação genética para
aceitação dos colonizadores específicos, formando secreções compatíveis com suas necessida
des e, frequentemente, podem colonizar receptores epiteliais particulares.
A colonização, que ocorre imediatamente após o nascimento, é conhecida como micro
biota transitória, derivada fundamentalmente da mãe.
O passo seguinte na sequência normal é a persistência de microrganismos nas secreções
externas do hospedeiro. Variações nas superfícies, muitas das quais geneticamente determi
nadas, influenciam a colonização, cuja extensão depende das secreções produzidas e da velo
cidade de remoção dos agentes.
Habitualmente, os agentes microbianos chegam ao recém-nascido por meio de:
Transmissão, sobretudo fecal-oral, durante o trabalho de parto.
■ Mãe ou pessoas em contato direto.
■ Transferência do recém-nascido para outro no berçário.
Contaminação de alimentos e medicamentos.
■ Disseminação aérea.
Contaminação através da complexa tecnologia invasiva, como cateteres, sistemas de hidra
tação e alimentação parenteral, equipamentos de terapia inaladora, aparelhos de pressuri-
zação e aspiração.
Estudos sobre a microbiota da conjuntiva normal destacam a participação das bactérias Sta
phylococcus sp. coagulase-negativa, Staphylococcus sp. coagulase-positiva e Corynebacterium sp.
como microrganismos mais frequentes. Quando a cultura de secreção conjuntival é feita em
meios específicos, outros organismos podem ser isolados, tais como bactérias anaeróbias,
fungos leveduriformes e filamentosos e os parasitas.
Estudos evidenciaram a possibilidade de fazerem parte da comunidade microbiana habitual da
conjuntiva e pálpebras, tanto bactérias quanto fungos, não havendo relatos de parasitas nem
de vírus como parte dessa comunidade.
A população de microrganismos que habitam o olho humano depende do sítio anatômico
e da idade do hospedeiro, e, em muitas situações, essa composição é independe do clima
ou região.
Conceitos Básicos de Infecção Ocular
Microbiota normal
Microbiota é um termo que vem do grego mikrós = pequeno, e bios = vida - tipo de vida.
Alguns autores brasileiros, buscando informações locais, iniciaram as pesquisas sobre mi
crobiota conjuntival em 1942. Nessa primeira avaliação, utilizaram-se para diagnóstico apenas
esfregaços das amostras coradas pelo método de Gram, em que amostras de secreção conjun
tival obtidas antes de cirurgia oftalmológica apresentaram positividade em 65,4% dos casos.
Na sequência, vários outros estudos foram publicados já incluindo cultivos para identificação
de bactérias, tendo-se isolado bactérias Staphylococcus sp. coagulase-negativa, Corynebactehum
diphteriae (incluso na tabela como Corynebactehum sp.) e Staphylococcus sp. coagulase-positiva.
Ainda sobre microbiota estudada no Brasil e em adultos, dois levantamentos foram feitos:
um em 1975 e outro em 1996, ambos destacando a maioria de culturas positivas com isola
mento de cocos Gram-positivos. Quando estudada a variação sazonal da microbiota, obser
vou-se variação estatisticamente significante de bactéria Staphylococcus sp. coagulase-negativa
e Staphylococcus sp. coagulase-positiva, mais frequentes no outono e inverno.
Na avaliação da microbiota ocular é válido discutir a microbiota palpebral de forma in
dependente da microbiota conjuntival, pois observamos que a porcentagem de isolamentos
positivos na microbiota palpebral tem sido sempre maior, e a modificação da microbiota con
juntival pelo uso tópico de colírios é mais evidente. Algumas pesquisas ressaltam a diferença
das microbiotas conjuntival e palpebral. Marcon obteve positividade em 100% das culturas
dos exames da margem palpebral e apenas 45% nos exames da conjuntiva; já Höfling-Lima
encontrou positividade em 90,8% dos exames da margem palpebral e 60% nos da conjuntiva.
A frequência em que são observados os microrganismos isolados não diferiu de modo estatis
ticamente significante nos dois estudos.
Na avaliação da microbiota habitual da conjuntiva de recém-nascidos, verifica-se também
a presença de bactérias anaeróbias facultativas e obrigatórias, sendo esses microrganismos
observados com maior frequência no grupo de recém-nascidos com mais de 15 dias de vida.
Verificamos, pelos vários estudos, que a microbiota conjuntival é principalmente compos
ta de organismos Gram-positivos. A microbiota anaeróbia normal foi também analisada em
quatro estudos realizados no Brasil, com identificação de várias bactérias.
A composição da microbiota durante a vida do indivíduo sofrerá variações, dependendo da
idade, clima e exposição. Traumatismos oculares, procedimentos cirúrgicos, alterações dos siste
mas imunológicos local e sistêmico podem atuar como fatores modificadores da microbiota con
juntival (Tabela II). Existem descrições de aumento do número de isolamentos de bactérias Gram-
negativas em indivíduos mais idosos, o que não foi comprovado em nenhum estudo brasileiro.
Outro estudo interessante sobre microbiota conjuntival é o de Martins et aL, que avalia
a microbiota em diabéticos e sua relação com o nível de retinopatia diabética, concluindo-
-se que pacientes diabéticos tiveram uma porcentagem significante de culturas da conjuntiva
positiva e que a presença de retinopatia estava relacionada com aumento das culturas com
identificação positiva de Staphylococcus aureus coagulase-negativa.
Analisando-se a microbiota presente na conjuntiva de pacientes portadores de conjun-
tivite alérgica, observa-se também que o número de cultivos positivos é significantemente
maior nos pacientes com alergia, mas que a população microbiana é semelhante à observada
na conjuntiva normal.
56 Doenças Externas Oculares e Córnea
Clostridium sp. +
P eptococcus sp. + + +
Propionibacterium sp. + + +
P acnes + +
P avidum + +
P granulosum + +
S. parvulus +
Microbiota
Estudos sobre a microbiota ocular em pacientes normais mostram a presença de fungos não
patogênicos nas superfícies conjuntivais oculares. Como as bactérias, os fungos necessitam
de condições ideais de pH, temperatura, umidade e luminosidade para estabelecer coloni
zação.
A conjuntiva e os anexos oculares, estando em contato direto com o meio ambiente,
ficam expostos a fatores que influenciam os fungos que compõem a microbiota. Há influên
cia sazonal de fatores climáticos (umidade, velocidade dos ventos, temperatura), altitude e
outros fatores abióticos. Os fungos do ar, ou anemófilos, também interferem na colonização
bacteriana da conjuntiva. Alterações na microbiota são observadas em situações de baixa
resistência do hospedeiro, uso abusivo de medicações tópicas, como antimicrobianos ou
corticosteroides.
O conceito de fungo patogênico e não patogênico em Oftalmologia é controverso, pois
alguns fungos causadores de endoftalmite no pós-operatório de cirurgia oftalmológica não
são patogênicos.
Em geral, os fungos comportam-se como parasitas ou saprófitos nas superfícies oculares,
e alguns autores acreditam que as células descamadas da conjuntiva são utilizadas como nu
trientes da microbiota fúngica.
O conhecimento dos componentes da microbiota conjuntival pode orientar as hipóteses
diagnósticas das infecções após traumas oculares e no acompanhamento dos pacientes no
pós-operatório de cirurgias oftalmológicas. Foi ressaltada a importância da limpeza pré-ope-
ratória da conjuntiva com o objetivo de diminuir a positividade das culturas.
Na literatura mundial, os primeiros trabalhos sobre a microbiota da conjuntiva ocular fo
ram realizados por Fazakas em 1937 e 1938, obtendo frequências de 24,3 e 25,2%, respectiva
mente, em conjuntivas sadias cippiid.
No Brasil, a frequência dos isolamentos de fungos na conjuntiva sadia varia de zero a 72%
(Tabela III).
Scarpi, estudando a microbiota conjuntival, isolou 53 espécies de fungos e Vieira, 61. To
dos os pacientes eram sadios e expostos a ambiente atípico (campos de agricultura da cana-
de-açúcar); no total foram analisados 154 pacientes.
58 Doenças Externas Oculares e Córnea
AZEVEDO SP 1962 12 0%
COSTA MG 1975 60 15% *
SCARPI SP 1985 50 72%
VIEIRA PB 1989 104 38,5%
CHA SP 1990 60 15%
*COSTA considerou, entre os isolamentos fúngicos, dois isolamentos de Actinomycetaceae. Se concordarmos com essa inclusão, a
frequência passa a 20%, como no texto original.
TABELA I Relação dos fungos filamentosos* (N=104) isolados na conjuntiva ocular normal de seres
humanos nas zonas urbana e rural, entre os anos de 1943 e 1990, segundo os autores, ano de publicação e
unidades da Federação pesquisadas, Brasil
E sta d o s SP PB SP MG SP MG
A spergillus sp. 7 2 —
1 — —
Chrysosporium sp. —
1 — — — —
C lodosporium sp. 3 4 6 —
3 —
Curvuloria sp. — — —
1 — —
Fuso ri um sp. 2 12 — —
1 —
Fonsecaeo p ed ro sso i — — — — —
1
{Florm odendrum p ed ro sso i)
Graphium sp. 3 — — — — —
M onilia sitophilia 3 — — — — —
Conceitos Básicos de Infecção Ocular
E sta d o s SP PB SP MG SP MG
M u co r sp. 2 —
1 — — —
Pénicillium sp. 21 1 1 — — —
N igrosporo sp. 1 — — — — —
Trichoderm o sp. 3 — — — — —
M ycelia sterilio — —
6 1 3 —
Total 50 20 16 9 8 1
*Não incluídos os fungos não identificados.
**Pacientes submetidos a cirurgia de catarata ou portadores de processos inflamatórios nos olhos ou anexos.
TABELA \ Relação dos fungos leveduriformes* (N=54) isolados na conjuntiva ocular sadia em seres
humanos nas zonas urbana e rural, entre os anos de 1962 e 1990, segundo os autores, ano de publicação e
unidades da Federação pesquisadas, Brasil
E sta d o SP PB SP MG SP
Condido sp. 2 37 1 —
1
('Torulopsis sp.)
Cryptococcus sp. 3 — — —
Cryptococcus 1 — — — —
uniguttulotus
Rhodotorulo sp. 1 —
8 —
Total 3 41 1 8 1
Nos estudos sobre a microbiota da conjuntiva, realizados nas zonas urbana e rural, verifi-
cou-se maior frequência de isolamentos de fungos filamentosos. Os fungos leveduriformes fo
ram isolados da conjuntiva em 44 (81,5%) pacientes da zona rural e de 10 (18,5%) pacientes da
zona urbana, enquanto os fungos filamentosos foram detectados na conjuntiva de 70 (67,3%)
pacientes da zona rural e de 34 (32,7%) pacientes na zona urbana.
60 Doenças Externas Oculares e Córnea
Pela diferença de metodologia nos estudos que avaliam a microbiota e a variação do ta
manho das amostras nas pesquisas realizadas no Brasil, em populações urbanas e rurais, os
resultados são inconclusivos para as afirmações sobre a frequência de determinado gênero
ou espécie fúngica. Costa obteve maior porcentagem de isolamentos em indivíduos da região
metropolitana, enquanto Azevedo, estudando populações urbanas, não isolou fungos.
Os incentivos do governo brasileiro nas décadas de 1970 e 1980, objetivando expandir as
plantações de cana-de-açúcar com o Programa Nacional do Álcool, despertaram a necessidade
de investigação da microbiota da conjuntiva ocular em trabalhadores dessas plantações.
Duas pesquisas foram feitas relacionando a microbiota conjuntival e os fungos anemófilos,
bem como os resultados das culturas da superfície epidérmica do colmo e da palha da cana-de-
açúcar. As positividades de 72 e 38,5%, respectivamente, são as mais altas observadas entre
as investigações realizadas no Brasil. Esses trabalhos possibilitaram estabelecer comparações
dos resultados entre duas regiões distintas do Brasil, o Sudeste e o Nordeste brasileiros.
Vieira identificou os gêneros Candida (59,1%) e Fusaríum (19,7%) na microbiota conjuntival
normal, enquanto, em estudo semelhante, Scarpi isolou os gêneros Aspergillus (37,5%) e Peni-
cillium (12,5%).
Candida sp. foi o fungo mais frequente na conjuntiva isolado por Vieira; contudo, no ar,
esse isolamento não foi significante. O autor justificou essa frequência por contaminação dos
olhos dos trabalhadores por contato direto pelas mãos.
Scarpi verificou que Penicillium sp. foi o gênero mais frequente na conjuntiva, e, entre os
fungos anemófilos, esse foi o segundo isolamento mais comum.
Analisando os gêneros isolados na conjuntiva e os encontrados no ar e nas folhas da cana-
de-açúcar, foi detectada concordância, confirmando que a superfície ocular pode ser contami
nada por microrganismos do meio ambiente.
A comparação entre a microbiota de populações rurais e urbanas foi realizada por Costa.
Nesse trabalho é observada ausência de discriminação das espécies fúngicas isoladas por ori
gem da população (se urbana ou rural) e imprecisão na definição da procedência do paciente
(se urbano ou rural), pois indivíduos residentes em áreas periféricas de grandes cidades pode
riam ser considerados de origem urbana e não rural. Outro fator importante observado foi o
pequeno tamanho da amostra avaliada.
O estudo comparativo sobre a microbiota em indivíduos diabéticos e não diabéticos iden
tificou a microbiota em conjuntiva sadia em diabéticos e não diabéticos, não sendo do número
de isolamentos positivos entre as duas populações estudadas.
Os métodos aplicados nesses estudos ficariam mais completos se, na época da coleta
dos dados e acompanhamento de tais pacientes, as dosagens de linfócitos T CD4, linfócitos
T CD8 e a carga virai fossem rotinas do atendimento, permitindo a avaliação dos níveis das
defesas imunológicas de cada indivíduo. A possibilidade de infecção por fungos leveduri-
formes em populações imunocomprometidas é maior do que nas populações normais. Nos
estudos sobre microbiota conjuntival não foi possível demonstrar de forma significativa
maior frequência de fungos leveduriformes na população imunocomprometida em relação
à não comprometida.
Portadores de diabetes
Na avaliação de diabéticos tipos 1 e 2 não se verificou associação estatisticamente significa
tiva quanto à presença ou não de isolamentos de fungos em relação à idade, sexo, tempo de
doença, tipo de tratamento e estádio de retinopatia diabética desses indivíduos. Todos os
fungos identificados foram filamentosos: Aspergillus sp. representou 59,5% (25/42) dos iso
lamentos, sendo 47,6% (20/42) Aspergillus niger. Ocorreu crescimento de fungos anemófilos
do ar ambiente da sala, observando-se coincidências entre as espécies isoladas no ar e na
conjuntiva.
Foi identificada presença de microbiota em conjuntiva sadia de diabéticos, não havendo
associação entre a maior positividade de isolamentos fúngicos e o tipo de diabetes, idade,
sexo, tempo de doença, tipo de tratamento e estádio da retinopatia diabética.
Barreiras anatômicas
As pálpebras servem como barreira anatômica e mecânica para a colonização da conjuntiva;
o reflexo de piscar protege contra deposição de microrganismos presentes no meio ambiente
e promove o direcionamento destes para o saco lacrimal, com subsequente drenagem pra o
nariz.
Aderência microbiana
A aderência microbiana inicia-se pela interação molecular entre as adesinas glicoproteicas da
superfície bacteriana e os receptores proteicos da parede da célula epitelial da conjuntiva. A
aderência de bactérias nas células epiteliais é um fator crucial para que a infecção se estabele
ça, pois protege as bactérias da lavagem mecânica do filme lacrimal.
Bacteriocinas
Bacteriocinas são proteínas bacterianas letais para as bactérias relacionadas. As bactérias
que produzem uma bacteriocina específica são resistentes a sua ação antagonista, mas
são suscetíveis às bacteriocinas produzidas por outras bactérias. As bacteriocinas podem
dar às bactérias vantagem competitiva sobre outras que tentem viver no mesmo nicho
ecológico.
62 Doenças Externas Oculares e Córnea
Lípides palpebrais
A presença de ácidos graxos insaturados no filme lacrimal produzidos pelas glândulas meibo-
mianas garantem as propriedades ótimas do filme lacrimal e são bactericidas para algumas
bactérias. O pH baixo pode ser vantajoso para alguns membros da comunidade microbiana;
dessa forma, acredita-se que alterações das funções das glândulas meibomianas podem mo
dificar a microbiota.
Interpretação de exames
Entre as infecções mais comuns do olho, a possibilidade de interpretação equivocada ocorre
na conjuntivite bacteriana, uma condição infecciosa autolimitada, mas que, com o uso de an
tibióticos, associa-se significativamente à remissão clínica e laboratorial precoce do processo.
Uma das principais questões que o oftalmologista enfrenta ao solicitar um exame labo
ratorial de cultivo de amostras da conjuntiva e pálpebra é a interpretação do que seria um
resultado positivo ou negativo. Ressalta-se que a única maneira de chegar à conclusão dessa
interpretação é com a correlação clínico-laboratorial, que leva em consideração os sinais clí
nicos do caso em questão.
Conceitos Básicos de Infecção Ocular
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Conceitos Básicos de Infecção Ocular
C - MICROBIOLOGIA OCULAR
R e n a ta R e z e n d e
A n a L u is a H ö flin g - L im a
VÍRUS
Os vírus são estruturas formadas por moléculas de RNA ou DNA, emvolvidos por uma proteína
tubular ou isométrica (capsídeo). Alguns vírus ainda apresentam um envelope de lipoproteínas
(como herpes simples, HIV).
Vírus DNA
Família Herpesviridae: os vírus dessa família que afetam o olho incluem o herpes simples
(HSV) tipos 1 e 2, varicela-zóster (HZV), Epstein-Barr, citomegalovírus (CMV) e herpes vírus 8.
O vírus herpes simples é um vírus DNA, envelopado, em que o sorotipo 1 é o mais frequen
temente envolvido nas patologias oculares. Após a exposição ao vírus, o hospedeiro pode
desenvolver um quadro de infecção primária, caracterizado por blefarite e conjuntivite, ou
apresentar quadro assintomático de infecção. O vírus é transportado para o gânglio trigemi
nal, onde permanece em estado de latência. A sua reativação pode levar a diferentes manifes
tações oculares. O comprometimento ocular do HSV pode ser difuso, comprometendo desde
a pálpebra ao nervo óptico. As lesões corneanas são variadas. Podem apresentar lesão epi-
telial (dendrítica, geográfica, meterpética ou neurotrófica), comprometimento estromal com
necrose (necrosante) ou sem necrose (disciforme, anel imunológico), ou ainda formas mistas
de comprometimento. Podem ocorrer iridociclite, trabeculite, endotelite. A identificação do
vírus é possível nas lesões epiteliais virais, com uso de métodos de identificação de antígenos,
DNA ou cultura do vírus; a pesquisa de anticorpos pode ser útil quando a cultura é negativa.
O HZV é um vírus DNA, envelopado, que envolve uma infecção primária (varicela), com
subsequente latência. Sua reativação pode ocorrer vários anos após a infecção primária. O
comprometimento ocular durante a priminfecção geralmente é leve, com conjuntivite e hi-
peremia palpebral. Aproximadamente 20% dos pacientes apresentam recorrência, geralmente
quando idosos. Nos casos de dermatite por zóster, 15% apresentam envolvimento do ramo
oftálmico do nervo trigêmeo, levando a um comprometimento ocular com ceratite, infiltrados
marginais, ceratite estromal e ceratopatia neurotrófica.
A contaminação com o vírus Epstein-Barr é comum e pode levar à mononucleose infec
ciosa. O vírus pode manter latência nos linfócitos B e células epiteliais de mucosas por toda a
vida. A manifestação ocular é incomum. O diagnóstico é feito através da detecção de anticor
pos no organismo.
A manifestação causada por CMV geralmente é subclínica, exceto em pacientes imunode-
primidos. Em pacientes HIV+, a retinite por CMV é mais comum quando o nível de linfócitos
CD4 é menor que 50/jlíI.
O herpes vírus humano 8 (HHV8) está associado ao aparecimento de sarcoma de Kaposi
em pacientes HIV+.
Doenças Externas Oculares e Córnea
Adenovirus: são vírus DNA, não envelopados, que possuem dois tipos de capsídeo. Os
sorotipos 3, 4, 7, 8, 19, 37 e outros causam conjuntivites foliculares agudas, com ou sem ma
nifestações de vias respiratórias superiores. Alguns sorotipos podem levar à ceratite puncttata
e infiltrados subepiteliais. Os vírus podem ser identificados através de cultura, métodos imu-
nodiagnósticos e dosagem de anticorpos.
Poxvirus: o molusco contagioso é um poxvirus que leva a comprometimento ocular, com
lesões esbranquiçadas, umbilicadas e pruriginosas na pele palpebral. O comprometimento de
células conjuntivais pode produzir uma conjuntivite folicular crônica, por toxicidade. O exame
histopatológico da lesão mostra inclusões intracitoplasmáticas eosinofílicas (corpúsculos de
Henderson-Patterson) entre as células epidérmicas.
Papovavírus: causam lesões verrucosas e são relacionados com as neoplasias mucocutâ-
neas. Alguns sorotipos (6, 11 e 16) têm sido associados com lesões tumorais de conjuntiva, de
papilomas a displasias escamosas e carcinomas.
Vírus RNA
Picornavírus são vírus não envelopados, que incluem rinovírus e enterovirus. O enterovirus
tipo 70 e vírus coxsackie tipo A24 causam a conjuntivite aguda hemorrágica.
Ortomixovírus e paramixovírus: os vírus da influenza e parainfluenza são ortomixovírus,
que causam infecção respiratória, algumas vezes com conjuntivite leve. Os paramixovírus são
representados pelos vírus da caxumba, sarampo e doença de Newcastle. Além de parotidide,
o vírus da caxumba pode levar a dacriocistite, conjuntivite, episclerite e ceratite estromal. O
vírus do sarampo pode levar a conjuntivite e ceratite epitelial leve. Em casos mais graves, pode
ocorrer ceratite intersticial. Crianças desnutridas, com hipovitaminose A, podem desenvolver
ceratomalacia e perfuração corneana. A doença de Newcastle pode se manifestar em pessoas
que lidam com galinhas, com quadro de conjuntivite folicular.
Retrovirus: o mais importante retrovirus é o vírus da imunodeficiência humana tipo 1
(HIV-1), agente etiológico da AIDS. O vírus penetra nas mucosas ou diretamente na circulação,
ocasionando uma viremia nos linfonodos, com linfadenopatia. Com a evolução, os pacientes
infectados podem permanecer assintomáticos por vários anos, mas progressivamente ocorre
diminuição de linfócitos CD4 +T. As infecções oculares associadas ou oportunistas mais co
muns são a retinite por CMV, zóster oftálmico, uveíte luética, toxoplasmose ocular, ceratocon-
juntivite por microsporidiose, sarcoma de Kaposi em conjuntiva e órbita. O diagnóstico é feito
com pesquisa de anticorpos anti-HIV (LISA), com confirmação por Western blot.
Bactérias: são células procatiotas, com DNA disperso no citoplasma e em plasmídeos.
Possuem uma parede celular responsável por sua forma e reação ao Gram. Sua classificação
é feita através de sua morfologia, composição de DNA e reações bioquímicas, entre outros
testes.
Chlamydia e riquetsiose: A Chlamydia trachomatis é uma bactéria intracelular, com afini
dade por células epiteliais de mucosas. Os organismos se multiplicam e formam corpúsculos
de inclusão com corpos elementares. Ela é classificada de acordo com seus antígenos. Os
sorotipos de A a C estão associados com o tracoma, enquanto os sorotipos de E a I< causam
infecções genitais e conjuntivite de inclusão do adulto e neonatos. Clinicamente, os padrões
de manifestações são diferenciados através de mecanismos de disseminação, epidemiologia e
Conceitos Básicos de Infecção Ocular
A família Enterobacteriaceae inclui vários gêneros, como Escherichia coli, Klebsiella sp., En-
terobacter sp., Citrobacter sp., Serratia sp., Proteus sp. e Morganella sp. A identificação de cada
bactéria é feita através de testes bioquímicos e aspecto morfológico das colônias.
Haemophilus sp. varia em sua morfologia de cocobacilos a bastonetes. Sua cultura exige
meios enriquecidos. O H. influenzae pode ser dividido em biotipos de acordo com reações bio
químicas. Pode causar conjuntivites, celulites, ceratites e endoftalmites.
Pasteurella sp. é causa comum de infecções respiratórias e conjuntivites em experimentos
animais. A contaminação humana pode ocorrer por mordidas ou abrasões provocadas pelos
animais, com manifestação de celulite e ceratite.
Cocos Gram-positivos: Staphylococcus sp. são estruturas Gram-positivas que se apresentam
em cadeia ou em forma de cachos de uva (Fig. 37). O 5. aureus é um agente coagulase-positivo
e se diferencia de outras espécies por fermentação aeróbica do manitol. Entre os agentes
coagulase-negativos, manitol-negativos estão os S. epidermidis, S. hominis e 5. auricularis. A pro
dução de penicilinase é comum entre essas cepas, bem como a resistência a agentes sintéticos
P-lactamase, como metacilina e primeira geração de cefalosporinas. Os S. aureus e 5. epider
midis produzem dermatotoxinas responsáveis pelas manifestações encontradas nas blefarites
estafilocócicas. Podem ocasionar reações de hipersensibilidade ocular, com ceratites e infil
trados marginais. São reconhecidos como agentes de conjuntivites, ceratites e endoftalmites.
Streptococcus sp. e Enterococcus sp. são cocos Gram-positivos que crescem em pares ou ca
deia (Fig. 38). Os Streptococcus são classificados de acordo com a sua capacidade de produzir
hemólise em ágar-sangue e com sua composição de carboidratos (Lancefield):
a-hemolítico: área visível de descoloração esverdeada em torno das colônias.
P-hemolítico: zona clara em torno das colônias.
P-hemolítico: ausência de hemólise.
FUNGOS
O reino Fungi subdivide-se em dois grandes grupos: Myxomycota (constituído por fungos infe
riores sem parede celular e não patogênico aos seres humanos e aos animais) e Eumycota (cons
tituído por fungos verdadeiros, com parede celular e patogênicos aos seres humanos e animais).
O grupo Eumycota está subdividido em cinco filos: Zigomycotina, Ascomycotina, Basidio-
mycotina, Deuteromycotina e Mastigomycotina. Os quatro primeiros filos são de interesse na
micologia médica porque algumas doenças podem ser causadas aos seres humanos ou aos
animais por fungos pertencentes a eles.
Os fungos são seres eucarióticos e heterotróficos. A estrutura da célula fúngica é consti
tuída por parede celular, membrana, citoplasma e núcleo. A membrana celular fúngica, assim
como as membranas celulares animais e vegetais obedecem ao modelo do “Mosaico Fluido”. O
tipo de divisão celular é a mitose, diferindo da clássica apenas pela permanência do envoltório
nuclear e do nucléolo.
Quanto à sua morfologia, os fungos são classificados em leveduras, filamentosos e dimór-
ficos. O grupo dimórfico pode apresentar forma filamentosa ou leveduriforme, dependendo
da temperatura a que está exposto: à temperatura ambiente (25 a 28°C), o comportamento
é de fungo filamentoso e, a 35 a 37°C, comporta-se como levedura. No ambiente há grande
quantidade de espécies fúngicas desde as leveduras, que são formas mais simples e unicelula
res, até as mais complexas, como as formas filamentosas, que são as mais frequentes.
Os fungos filamentosos podem apresentar estruturas, as hifas, septadas e não septadas.
As septadas são detectadas ao exame em microscopia óptica com maior facilidade. Os fungos
com hifas não septadas apresentam septos, porém de forma mais espaçada e em menor núme
ro do que as septadas, dificultando a observação na microscopia óptica.
Algumas espécies de fungos somente são diferenciadas pelas estruturas fenotípicas e bio
químicas. O padrão enzimático, a micromorfologia e o tipo de nutriente são instrumentos
utilizados para a diferenciação das espécies fúngicas. A micromorfologia e o padrão enzimáti
co são atributos fundamentais na diferenciação das leveduras. Para os fungos filamentosos, a
micromorfologia geralmente é suficiente.
A nomenclatura há muito tempo constitui uma dificuldade na classificação dos fungos. A
classificação morfológica que divide os fungos em filamentosos, leveduriformes e dimórficos
tem maior utilidade didática, porque tem base no tipo de crescimento que o fungo apresenta in
vitro ou in vivo, não havendo correlação entre essa classificação e a posição taxonômica do fungo.
Os agentes de doenças oculares quase sempre são classificados em fungos leveduriformes, fila
mentosos ou dimórficos. Outros agentes não entram nessa classificação, como o Rhinosporídium
seeberi, mas também são agentes de micose ocular. Recentemente foi proposto enquadrar Rhi-
nosporidium seeberi em novo grupo ecológico, como fungo hidrofllico. Esses fungos são microrga
nismos previamente classificados como fungos ou parafungos, que possuem história natural de
vida livre em habitat aquático sobre matéria orgânica morta ou sobre plantas aquáticas.
A c a n th a m o e b a
Além de ser a ameba mais frequentemente isolada, estima-se que o gênero Acanthamoeba pos
sa ser o protozoário de vida livre mais comum, o que confere ao gênero uma grande impor-
Conceitos Básicos de Infecção Ocular
tância ecológica, uma vez que as amebas se alimentam de bactérias, fungos, cianobactérias e
protozoários. Além disso, Acanthamoeba sp. é o hospedeiro natural de diversas bactérias que
vivem como endossimbiontes, especialmente da Legionella pneumophila, causadora da “doença
dos legionários” em humanos.
As Acanthamoebas possuem um único núcleo com um grande cariossomo central rodeado
por um halo claro, citoplasma abundante e granuloso, vacúolos pulsáteis na periferia da célula
que desaparecem temporariamente e reaparecem em um movimento de sístole-diástole, além
de vacúolos digestivos que são menores do que os pulsáteis. Possuem um movimento polidire-
cional através da emissão de um ou dois pseudópodes globosos e hialinos. Os trofozoítos têm
uma característica única que são os acantopódios, projeções aciculiformes da membrana celu
lar, cuja função mais provável é de aderência à célula hospedeira (Page, 1988; Martinez, 1993;
Penland et al., 1992; Shukla et al., 1990). A outra forma em que se pode encontrar o organismo
são os cistos, com diâmetro entre 15 e 28 /um, uninucleados e resistentes por longos períodos
à dessecação, condições extremas de temperatura, pH e produtos químicos diversos. O gêne
ro é facilmente distinguível de outras amebas, devido às formas características dos cistos, que
possuem duas paredes, o endocisto e o ectocisto, providos de poros chamados ostíolos e um
opérculo, que é um ponto determinado do cisto por onde a ameba sai ao desencistar. Geral
mente, o ectocisto é esférico, enquanto o endocisto apresenta formas poligonais que depen
dem do isolado, variando de triangular a estrelado. Os dois envoltórios são separados entre
si, mas se unem nos ostíolos (Page, 1988; Casemore DP, 1977; Schuster & Visvesvara, 2004 ).
G u s t a v o B a rre to d e M e lo
P a u lo J o s é M a r tin s B is p o
A n a L u is a H õ flin g - L im a
INTRODUÇÃO
tempo necessário para emissão de resultados, provocando importante impacto para o diag
nóstico tanto de infecções oculares internas quanto externas. Entretanto, em muitas situações
a detecção de um possível agente pela PCR pode aumentar a dúvida diagnóstica. Essa alta
sensibilidade das técnicas moleculares que identifica organismos não viáveis também cria uma
situação que ressalta a importância da correlação clínico-laboratorial - como microbiologia
clássica de bancada, sendo executada paralelamente à avaliação pelas técnicas de biologia
molecular. Outra técnica de biologia molecular aplicável em Oftalmologia é a eletroforese em
gel de campo pulsado. Com ela, é possível confirmar se microrganismos da mesma espécie
identificados a partir de diferentes fontes (p. ex., raspado de córnea e solução de limpeza das
lentes de contato) constituem um único clone, e também para a determinação de surtos cau
sados pela disseminação clonal de determinada cepa.
CONJUNTIVITE
Adenovirus
A PCR pode ser a única forma de chegar a um diagnóstico rápido e confiável de ceratocon-
juntivite por adenovirus. Essa técnica apresenta maior acurácia, sensibilidade e rapidez para
detectar e tipar os casos de conjuntivite por esse vírus, quando comparada à cultura.
Trabalhos que compararam o PCR com cultura para o adenovirus mostraram sensibilidade
e especificidade de mais de 90% para a PCR contra aproximadamente 60% pela cultura. A imu-
nocromatografia e os ensaios imunoenzimáticos podem gerar resultados em poucos minutos,
mas apresentam baixa sensibilidade (em torno de 50%), apesar de boa especificidade (próximo
a 100%).
Outros estudos também mostraram bons resultados com o uso de PCR em tempo real. Sua
grande vantagem é a rapidez do resultado em relação às técnicas convencionais (poucas horas)
e a possibilidade de quantificação do inoculo. Recentemente, foi desenvolvido o RPS Adeno
Detector (Rapid Pathogen Screening Inc.), baseado em imunocromatografia. Sua maior vanta
gem seria a possibilidade de ser realizado em consultórios oftalmológicos com os resultados
disponíveis em apenas 10 minutos. Em comparação à PCR, apresentou sensibilidade de 89% e
especificidade de 94%. São valores aceitáveis para uma técnica capaz de oferecer resultados
tão rápidos.
Conceitos Básicos de Infecção Ocular
Herpes simples
Apesar das diferenças no tempo de evolução da doença, as técnicas de biologia molecular po
dem auxiliar no diagnóstico preciso e precoce dessa doença com elevado potencial de gravi
dade. A PCR chega a ter sensibilidade de 95% em comparação com 55% do diagnóstico clínico,
usando a cultura celular como padrão-ouro.
Tracoma
Foi mostrado que a PCR apresenta alta sensibilidade em comparação à imunofluorescência
direta (IFD) para Chlcimyclia trcichomatis em casos com suspeita de tracoma. Em pacientes com
quadro clínico de tracoma folicular, a PCR foi positiva em 54% em comparação com 28% da IFD.
Nos que tinham tracoma intenso, a PCR foi positiva em 95% contra 60% da IFD. Em áreas endê
micas, mesmo na ausência de alterações clínicas de tracoma, a PCR mostrou positividade em
24% em comparação com 1%pela IFD. A Organização Mundial da Saúde (OMS) estima que essas
pessoas com positividade, mas sem doença clinicamente evidente, têm maior probabilidade
de desenvolver tracoma 1 a 6 meses após. A técnica de PCR em tempo real já foi usada para
identificação de clamídia, mostrando bons resultados.
Considerando que os microrganismos anteriormente citados causam conjuntivite folicular
de difícil diferenciação clínica em um primeiro momento, uma forma rápida, eficiente e mais
barata de detectar tanto diferentes vírus quanto a clamídia é o uso da PCR multiplex. Em uma
única reação, são utilizados primers para vários microrganismos. Isso elimina a necessidade de
realizar testes diferentes, que encarecem e levam a um maior tempo para obtenção do resul
tado final.
CERATITE
Ceratite infecciosa é definida como uma inflamação do epitélio da córnea induzida pela in
filtração de microrganismos no estroma epitelial, e constitui uma das principais causas de
cegueira em todo o mundo. O rápido e acurado diagnóstico etiológico do microrganismo cau
sador da infecção é um ponto importante na escolha do tratamento e na instituição precoce
e efetiva da antibioticoterapia de forma a auxiliar na restauração da visão. Tendo em vista a
subjetividade da apresentação clínica e a dificuldade em diferenciar clinicamente as infecções
causadas por bactérias, fungos, vírus e parasitas, é importante que métodos diagnósticos ca
pazes de diferenciar efetivamente cada tipo de microrganismo em tempo hábil para auxiliar
na conduta médica sejam desenvolvidos e aplicados para auxiliar no diagnóstico diferencial
das ceratites infecciosas.
As técnicas convencionais de microbiologia são aplicadas rotineiramente para elucidação
dos casos de ceratite infecciosa, mas possuem algumas desvantagens. A análise microscópica
direta do raspado de córnea, após coloração por Gram, permite a imediata identificação do
tipo de bactéria presente. No entanto, a sensibilidade dessa técnica pode ser menor que 40%
em alguns casos. Culturas bacterianas e fúngicas são realizadas rotineiramente, mas a emissão
de resultados finais pode demorar de dias a semanas, e a sensibilidade da técnica varia de 40 a
Doenças Externas Oculares e Córnea
80%. As razões para as culturas de raspado de córnea de pacientes com diagnóstico clínico de
ceratite infecciosa apresentarem resultados negativos podem estar relacionadas ao início da
terapia antibiótica empírica antes da coleta da amostra, pequena quantidade de amostra co
letada para cultivo e presença de microrganismos fastidiosos e que não podem ser cultivados
pelas técnicas empregadas na rotina como vírus e parasitas, causando a infecção.
Ceratites bacterianas
A caracterização microbiológica dos casos de ceratites bacterianas pode ser realizada através
de PCR para a região 16S do RNA ribossomal (16S rRNA), uma sequência de DNA que apresenta
regiões altamente conservadas entre todas as espécies bacterianas descritas, e regiões alta
mente variáveis que permitem diferenciar uma espécie de outra. Com o desenho de primers
complementares, as regiões conservadas flanqueando as regiões variáveis do gene, é possível
a realização de PCR diretamente da amostra clínica e posterior sequenciamento do produto
amplificado, tornando possível a identificação da espécie da bactéria causadora da infecção
por meio do alinhamento das sequências em bancos de dados disponíveis. Trata-se de uma
técnica que oferece algumas vantagens em relação aos métodos microbiológicos convencio
nais, pois pode gerar resultados em menor tempo e ser aplicada em casos nos quais as culturas
sejam negativas e o paciente já esteja recebendo antibioticoterapia.
Ceratites fúngicas
Para detecção de fungos causadores de ceratite a partir de raspados de córnea, PCR para se
quências do rRNA seguido por sequenciamento também pode ser aplicada. Alvos comumen-
te utilizados para a amplificação são os genes 18S, 5,8S e 28S, codificadores do rRNA, e as
subunidades não transcritas de rRNA denominadas ITS (intergenic transcribecl spacer) 1 e 2. A
sensibilidade da PCR pode ser superior à cultura, podendo gerar resultados em tempo extre
mamente menor do que as culturas, que, em alguns casos, demoram semanas até a liberação
de um resultado. Isso certamente representa um importante avanço para o melhoramento na
conduta terapêutica dessas infecções.
Ceratites virais
A PCR tem se mostrado especialmente apropriada para o diagnóstico de ceratites virais pelo
fato de estas apresentarem um número limitado de agentes causadores, o que facilita o
desenvolvimento de conjuntos de primers específicos e limitados a esses patógenos. Dessa
forma, reações de multiplex PCR, para pesquisar em apenas uma reação todos os agentes
virais presentes em casos de ceratite, podem ser aplicadas a partir de amostras clínicas, e
apresentam alta sensibilidade e especificidade. A técnica de Nested PCR também pode ser
aplicada para a detecção de vírus em casos suspeitos de ceratite, para aumentar a sensibi
lidade da detecção do DNA virai, que geralmente se encontra em pequena quantidade em
materiais oriundos da córnea. Para a detecção de HSV-1 e VZV, por exemplo, a sensibilidade
da técnica pode ser de 87,5 e 75%, quando aplicada em amostras de raspado de córnea e
lágrima, respectivamente.
Conceitos Básicos de Infecção Ocular
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Propedêutica Clínica
Propedêutica com Lâmpada
de Fenda, Fotografia e Sinais
Clínicos de Inflamação
V E R A M A S C A R O • A N A L U IS A H Ö F L IN G - L IM A
A lâmpada de fenda apresenta dois braços giratórios, um para a iluminação alternada e o ou
tro para o biomicroscópio, ambos instalados em um mesmo eixo. A unidade de iluminação
é, essencialmente, um projetor com uma fonte de luz ajustável em termos de largura, altura,
direção, intensidade e cor. Um descanso para a cabeça imobiliza o paciente e uma alavanca do
tipo joystick e oculares ajustáveis permitem ao examinador focalizar a imagem estereoscópica.
A iluminação e os braços do biomicroscópio são parafocais, estando ambos os focos, des
sa forma, no mesmo ponto, sendo o feixe de luz centralizado no campo de visão. Esse arran
jo permite uma iluminação direta, e o deslocamento intencional do alinhamento leva a uma
iluminação indireta. Variações dessas técnicas de iluminação, usando campos de contraste
em campo escuro e campo luminoso, são usadas para examinar o segmento anterior do olho.
Leibowitz HM, Waring GO III, eds. Corneai Disorders: Clinicai Diagnosis and Management. 2nd ed. Philadelphia: Saunders;
1998:34-81.
Belfort Jr R, Kara-José N. Biomicroscopia da córnea. In: Córnea Clínica - Cirúrgica. São Paulo: Roca, 1996.
Iluminação difusa (Fig. 1): a iluminação difusa é usada geralmente quando se quer uma ampla
visão das pálpebras, da conjuntiva, da esclera e da córnea. Para obtermos esse tipo de ilumina
ção, o feixe de luz deve estar ampliado e com a intensidade reduzida, sendo dirigido ao olho
obliquamente.
Iluminação em fenda (Figs. 2 e 3): a luz e o biomicroscópio focalizam o mesmo ponto, e a
abertura da fenda é ajustada de larga para estreita. A iluminação de um feixe de luz mais amplo
ou intenso, usando uma amplitude de abertura de cerca de 3 mm, pode ajudar o examinador
a observar lesões opacas. A iluminação alternada, usando uma amplitude de abertura de cerca
79
80 Doenças Externas Oculares e Córnea
F ig . 1 Ilu m in a ç ã o d ifu sa . (F o to g ra fa d o p o r FD G - U N IF E S R )
F ig . 2 Ilu m in a ç ã o em fe n d a . (C e d id o p o r FD G - U N IFESP.)
F ig . 3 Ilu m in a ç ã o em fe n d a . (F o to g ra fa d o p o r F D G - U N IFESP.)
de 1 mm ou menos, possibilita uma secção óptica corneana. Uma fenda de luz muito reduzida
ajuda a identificar diferenças nos índices de refração em estruturas transparentes como raios
de luz que passam através da córnea, da câmara anterior e do cristalino.
O examinador pode reduzir a intensidade da luz para determinar detalhes e a presença e
a quantidade de células inflamatórias na câmara anterior.
Reflexão especular: são reflexos luminosos normais observados na superfície corneana.
Um exemplo é o ponto de luz circular ou oval observado como reflexo na superfície ocular,
Propedêutica com Lâmpada de Fenda, Fotografia e Sinais Clínicos de Inflamação
após o uso de flash fotográfico no olho. Essas imagens especulares da fonte luminosa podem
atrapalhar o exame e, portanto, tenta-se, de maneira subliminar, ignorá-las. Entretanto, a qua
lidade da imagem dessas projeções no filme lacrimal é importante na avaliação das condições
do tecido sob observação.
Um tênue reflexo provém também da parte posterior da superfície corneana. O examina
dor pode realçar essa reflexão especular usando um feixe de luz num ângulo apropriado, de
maneira a observar as células endoteliais corneanas da seguinte maneira:
Iniciar com o deslocamento da haste da lâmpada de fenda num ângulo de 60° a partir da
haste com os visores e usar uma fenda pequena.
Identificar a imagem especular corneana mais brilhante dos filamentos luminosos da lâm
pada e os pares de reflexos luminosos epiteliais e endoteliais de Purkinje.
Sobrepor o reflexo luminoso do endotélio corneano à imagem especular do filamento, le
vando a um clarão brilhante.
Usar o joystick para movimentar a lâmpada de fenda ligeiramente adiante no sentido de
focalizar o reflexo endotelial.
A microscopia especular é sempre monocular, e apenas uma ocular deve ser colocada em
evidência. Um aumento de 25 a 40 vezes geralmente é necessário para obter uma visão clara
do mosaico endotelial. Nesse exame, observam-se a densidade e a morfologia das células en
doteliais.
Fig.4 Fo to s d e ilu m in a ç ã o - C a m p o N eg ro . (F o to g ra fa d o p o r
FD G - U N IFESP.)
82 Doenças Externas Oculares e Córnea
minosidade intensa brilhe no limbo e se disperse em direção da esclera dessa forma obtém-se
uma diminuição significativa da luminosidade corneana (Campo Negro).
Retroiluminação (Figs. 5 a 7): essa técnica é utilizada quando se quer examinar mais de
uma área. A retroiluminação a partir da íris ocorre deslocando-se a haste luminosa tangencial
mente, enquanto se examina a córnea (Campo Amarelo). O examinador, observando a área
situada entre o claro e o escuro, pode detectar anormalidades sutis da córnea. A retroilumina
ção do fundo do olho é obtida alinhando-se o raio de luz quase paralelamente ao eixo visual
do examinador e variando a luminosidade tal que ela brilhe através da extremidade da pupila
(Campo Vermelho).
Fig.5 Fo to s d e ilu m in a ç ã o - C a m p o A m a re lo . (F o to g ra fa d o
p o r FD G - U N IFESP.)
O campo branco pode ser obtido quando a fonte de iluminação secundária é o cristalino,
podendo ser examinadas as estruturas do cristalino, íris, câmara anterior e córnea.
Com essa técnica, as opacidades corneanas ou do cristalino são realçadas contra o reflexo
vermelho da retina, e os defeitos da íris são transiluminados.
Farrell TA, Alward WLM, Verdick RE. Fundamentals of Slit-Lamp Biomicroscopy. Videotape. San Francisco: American Acade
my of Ophthalmology, 1993.
USO CLÍNICO
O exame biomicroscópico ocular com auxílio da lâmpada de fenda deve ser feito numa sequ
ência coordenada, como se segue:
Pálpebras.
Bordas palpebrais.
■ Filme lacrimal.
Conjuntiva.
■ Córnea.
■ Humor aquoso.
r
■ íris.
Cristalino.
■ Humor vítreo.
CORANTES VITAIS
Os corantes de fluoresceína e de rosa-bengala têm sido usados na clínica por mais de um sécu
lo. Servem para detectar lesões corneanas epiteliais, para auxiliar na tonometria de aplanação
e na avaliação da drenagem lacrimal. Na prática clínica, a fluoresceína é usada para detectar a
quebra de junções intercelulares (defeitos epiteliais), impregnando-se nesses locais e o coran
te rosa-bengala é usado para avaliar as células epiteliais anormais e as alterações da superfície
ocular frequentemente associadas com uma deficiência do filme lacrimal.
Fluoresceína (Fig. 8): é um corante solúvel em água, sendo utilizado na forma de colírio a
2% e em tiras de papel impregnadas. A fluoresceína a 0,35% é utilizada para a avaliação das len
tes de contato, pois não se impregnam a ela. A fluoresceína é facilmente detectada utilizando-
se um filtro azul-cobalto, presente na haste iluminadora da lâmpada de fenda.
A fluoresceína é mais comumente usada na avaliação de defeitos epiteliais, na tonometria de
aplanação e na avaliação do filme lacrimal. O tempo de rompimento do filme lacrimal é medido
após a instilação da fluoresceína, pedindo-se ao paciente que mantenha as pálpebras abertas
depois de duas ou três piscadas; contam-se os segundos até que uma área seca apareça.
A fluoresceína cora pequenos defeitos ou grandes áreas e pode realçar as lesões que se pro
jetam através do filme lacrimal (coloração negativa). Diferentes tipos de alterações da superfície
ocular podem produzir na córnea modelos típicos de coloração. A fluoresceína, após corar um
defeito epitelial, difunde-se no estroma corneano, podendo causar um flcire esverdeado.
O teste de Seidel é usado para detectar saída de humor aquoso através de uma perfuração
da córnea. O examinador aplica a fluoresceína usando gotas ou uma tira de papel impregnada
com o corante no local do vazamento suspeito, e procura por um fluido claro que conflua em
direção ao corante laranja.
r
Rosa-bengala (Fig. 9): é corante vital do grupo dos xantenos, solúvel em água. E usado em
oftalmologia na avaliação do segmento externo. Possui a propriedade de corar em vermelho-
róseo células dos epitélios conjuntival e corneano desvitalizadas, bem como muco e filamen
tos corneanos. Ela é facilmente detectada em azul utilizando-se um filtro verde.
r
O teste rosa-bengala é realizado instilando-se uma gota da solução no fundo de saco con-
juntival. A remoção do excesso pode ser feita com soro. Deve-se evitar a realização desse teste
após a realização do teste de Schirmer, uma vez que a área que tomou contato com o papel-
filtro se apresentará corada. O teste de rosa-bengala é importante na avaliação dos pacientes
r
E extremamente útil na avaliação das lesões ativas de ceratite herpética, corando a mar
gem da lesão ulcerada, demonstrando o local da replicação do vírus onde há abundância de
células desvitalizadas.
Em pacientes com hiperprodução de muco e ceratite filamentar, observa-se coloração
positiva dos filamentos pelo corante. Na ceratoconjuntivite do limbo superior, a área limbar
superior cora em forma de trapézio, sendo elemento importante no diagnóstico.
Em pacientes com alterações da superfície ocular, como aqueles portadores de pinguécu-
las, pterígios e outros observa-se teste positivo nas áreas alteradas.
Como reações adversas à instilação de rosa-bengala, podem ocorrer ardor, irritação e hi-
peremia conjuntival. Não se têm notícias de efeitos tóxicos graves ou reações alérgicas ao uso
desta substância.
Krakmer JH, Mannis MJ, Holland EJ (eds.). Córnea. St. Louis: Mosby, 1997; 1:243-73.
Krachmer JH, Mannis MJ, Holland EJ (eds.). Córnea. St. Louis: Mosby, I997; 1:237-42.
Azul de toluidina: o corante nuclear azul de toluidina tem sido utilizado com bons resul
tados no diagnóstico e orientação cirúrgica de diversos tumores em mucosas. Neves et al. fize
ram estudo de 42 pacientes com lesões de conjuntiva. Esses olhos foram avaliados por exame
biomicroscópico simples antes e depois de corados com solução aquosa de azul de toluidina a
\% e, em seguida, submetidos a biópsia excisional da lesão para comparação com o exame ana
tomopatológico. Dos 42 pacientes, houve concordância em 40 deles (95%) e dois resultados
86 Doenças Externas Oculares e Córnea
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L o c a liz a ç ã o C a u sa
Leibowitz HM, Waring GO III (eds.). Corneal Disorders: Clinical Diagnosis and Management. 2nd ed. Philadelphia: Saunders, 1998;
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C o njuntiva H iperem ia D ilatação local ou difusa do plexo sub ep itelial dos vasos san g uíneos
co n ju n tivais, g eralm en te com au m en to do fluxo san g u ín eo ; outras
alterações incluem d ilatações vascu lares fusifo rm es, an eu rism as
saculares, petéquias e hem orragia in traco n ju n tival
Propedêutica com Lâmpada de Fenda, Fotografia e Sinais Clínicos de Inflamação
C o njuntiva Q uem ose Edem a co n ju n tival causado por vazam en to tipo tran su d ação dos
cap ilares co n ju n tivais com o resultado de um a alteração da integ rid ad e
va scu lar (p. ex., alterações vaso m o to ras e inflam ações) ou alterações
h em o d in âm icas (p. ex., d ren ag em veno sa en fraq u ecid a ou
h ip o sm o ralid ad e intravascular)
Filam ento Fibra (filam ento) ou pedaço (placa m ucosa) de m uco recoberto por
células ep iteliais d eg enerad as ligadas a um a su p erfície o cu lar alterada
C eratite estrom al Infiltrado focal am arelo -sup u rativo esb ran q u içad o com posto de
sup urativa neutrófilos
C eratite estrom al Infiltrado focal cin za-esb ran q u içad o não su p u rativo de linfócitos e
não sup urativa outras células m o n o n u cleares; tam b ém ch am ad o ceratite intersticial,
esp ecialm en te qu an d o aco m p an h ad o por n eo vascu larização estrom al
Esclera Ep isclerite D ilatação focal ou difusa dos vasos ep isclerais sup erficiais
A maioria das conjuntivites melhora sem complicações, mas alterações permanentes podem
ocorrer seguindo inflamações crônicas ou graves. A queratinização do epitélio da superfície
ocular pode ocorrer por causa de uma lesão persistente ou inflamação crônica. A cicatrização
conjuntival pode levar desde a fibrose reticular subepitelial até a formação de simbléfaro com
distorção da pálpebra e alterações secundárias de olho seco.
A identificação das características clínicas principais de uma inflamação ocular pode aju
dar no diagnóstico diferencial das causas de conjuntivite mais comuns. As características das
diferentes formas de conjuntivite são descritas na Tabela III. As duas alterações mais comuns
são papila e folículo.
Papila: são alterações vasculares, mais facilmente observadas na conjuntiva tarsal supe
rior, onde as divisões fibrosas fixam a conjuntiva ao tarso (Fig. 12). Com a progressão, esses va
sos dilatados desenvolvem, da mesma forma, capilares que são circundados por edema e por
infiltrado inflamatório celular, produzindo nódulos elevados sobre o epitélio da conjuntiva.
Propedêutica com Lâmpada de Fenda, Fotografia e Sinais Clínicos de Inflamação
A chad o E x e m p lo s
Uma reação papilar leve produz uma aparência regular, aveludada. As alterações crônicas
ou progressivas resultam em tufos vasculares alargados que obscurecem os vasos sanguíneos
em volta. O tecido conjuntivo restringe as alterações inflamatórias ao núcleo fibrovascular,
produzindo a aparência de elevações aumentadas, poligonais e hiperêmicas.
Cada papila tem um ponto central vermelho que representa um capilar dilatado, se consi
derado seu final. Com uma inflamação conjuntival prolongada, recorrente ou grave, as fibras
?-r *
F % t*
I
F D G - U N IF E S P .)
90 Doenças Externas Oculares e Córnea
TABELA I C a u sa s c o m u n s d e in fla m a ç ã o c o rn e a n a
A chados E x e m p lo s
Ceratite estrom al, não Ceratite estrom al por herpes sim ples
supurativa Ceratite estrom al por varicela-zóster
Ceratite intersticial luética
Episclerite e esclerite podem ser nodulares ou difusas. Um filtro de luz recl-free da lâmpada
de fenda é usado para observar em qual nível os vasos sanguíneos se encontram dilatados.
As áreas de translucência aumentada são detectadas pela observação direta e também pela
transiluminação.
Utilizam-se colírios com vasoconstritores para a diferenciação de olho vermelho causado
por dilatação de vasos da conjuntiva e de vasos da episclera.
A fotografia da parte externa do olho é usualmente feita com uma câmera reflexiva de lente
única. Ampliações acima de 1:1 (tamanho natural) podem ser obtidas com um anel extensor
tipo fole, ou com lentes de foco aproximado. Uma câmera de 35 mm pode também ser aco
plada, mediante um adaptador à lâmpada de fenda, mas o nível baixo de iluminação e o longo
tempo de exposição comprometem uma boa foto.
A fotografia pela lâmpada de fenda e a videofotografia permitem uma gravação permanente
da maioria das alterações do segmento anterior.
Krachmer JH, Mannis MJ, Holland EJ (eds.). Córnea. St. Louis: Mosby, 1997; 1:283-304.
Propedêutica da Córnea I:
Paquimetria, Ceratometria e
Topografia Corneana
V E R A M A S C A R O • A N A L U IS A H Ö F L IN G - L IM A
PAQUIMETRIA
93
94 Doenças Externas Oculares e Córnea
RETINOSCOPIA
A retinoscopia pode detectar astigmatismo irregular mostrando reflexos não lineares ou múl
tiplos que não são completamente neutralizados com uma lente esferocilíndrica. O astigma
tismo irregular e uma córnea multifocal podem ocorrer no ceratocone e após cirurgia cerator-
refrativa. As anormalidades encontradas com a retinoscopia podem ajudar a explicar por que
um paciente com uma córnea clara não enxerga bem.
A retinoscopia pode também revelar reflexos luminosos ininterruptos causados por dis
túrbios da superfície corneana. Nos casos em que os achados retinoscópicos excedem as des
cobertas que correspondem aos resultados à lâmpada de fenda, a retinoscopia pode ajudar a
escalonar o impacto relativo das alterações da superfície corneana na visão.
Krachmer JH, Mannis MJ, Holland EJ. Córnea. St. Louis: Mosby, 1997; 1:215-21.
Propedêutica da Córnea I: Paquimetria, Ceratometria e Topografia Corneana
CERATOMETRIA
TOPOGRAFIA CORNEANA
R e p re se n ta ç ã o v id e o c e ra to s c ó p ic a da s u p e rfíc ie
c o rn e a n a .
96 Doenças Externas Oculares e Córnea
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Propedêutica da Córnea II:
Microscopia Confocal e
Especular da Córnea
ANA LUISA HÖFLING-LIMA • VERA MASCARO • GUSTAVO VICTOR
MICROSCOPIA ESPECULAR
O endotélio mantém a transparência corneana por intermédio de duas funções: como uma
barreira à entrada de humor aquoso e facilitando o bombeamento metabólico. A alteração
de ambas as funções, por dano ou malformação, pode levar ao edema corneano. A permeabi
lidade aumentada e, o bombeamento insuficiente ocorrem geralmente quando a densidade
endotelial celular é inferior a 500 céls./mm2.
O edema corneano é uma condição de homeostase anormal que resulta em excesso de
fluido dentro do estroma e/ou do epitélio. O edema agudo é frequentemente o resultado de
um efeito de barreira alterado do endotélio ou do epitélio. O edema crônico ocorre geral
mente por uma função da bomba endotelial inadequada. O edema estromal altera a trans
parência corneana, mas a perda visual torna-se mais crítica quando ocorrem microcistos ou
bolhas epiteliais.
Vários mecanismos traumáticos, inflamatórios e distróficos podem produzir edema cor
neano (Tabela I). Deve-se levar em consideração a duração, a lateralidade e a presença de
doenças oculares associadas, na identificação da etiologia de base. Sinais precoces incluem a
perda de transparência difusa do epitélio, espessamento estromal, dobras estromais profun
das (linhas de Waite-Beetham) e dobras na membrana de Descemet.
97
98 Doenças Externas Oculares e Córnea
TABELA [ C a u sa s d e e d e m a c o rn e a n o
T ip o C a u sa
Fotomicroscopia especular
Em função de as técnicas de iluminação pela lâmpada de fenda serem somente semiquantita-
tivas, os microscópios especulares eletrônicos são valiosos para avaliar e documentar o endo-
télio. A reflexão especular permite a observação do mosaico corneoendotelial. O microscópio
especular de amplo alcance pode avaliar toda a córnea, permitindo o estudo de variabilidade
regional.
A maioria das técnicas de microscopia especular implica no uso de um fotomicroscópio
acoplado ao cone de aplanação e ao fluido que os une. A transparência da camada corneana é
fundamental para a realização desse exame. Assim que o foco adequado é obtido, o mosaico
endotelial fica mais evidente (Fig. 1). O estroma e o epitélio podem também ser examinados e
fotografados. A maioria dos instrumentos tem um paquímetro óptico acoplado ao aparato fo
cal para que a espessura corneana possa ser medida. As características do endotélio corneano
que podem ser avaliados a partir da imagem incluem:
Densidade: A densidade das células endoteliais normais decresce com a idade. Normal
mente excedem 3.500 céls./mm2nas crianças e gradualmente declinam com a idade até cerca
de 2.000 céls./mm2nos idosos. Um valor médio para adultos é de 2.400 céls./mm2(1.500/3.500),
com um tamanho celular médio de 150 a 350 pm2. Outros parâmetros morfométricos que po
dem ser calculados pela análise da microscopia especular, são usados para avaliar polimegatis-
mo e pleomorfismo celular.
r
Coeficiente de variação: E a área celular principal dividida pelo desvio médio da área da
célula principal, resultando num coeficiente de variação normalmente menor que 0,30. O po-
limegatismo endotelial é uma variação do aumento da área da célula.
Fig. 1 M ic ro sc o p ia e s p e c u la r c o rn e a n a .
Propedêutica da Córnea II: Microscopia Confocal e Especular da Córnea
Porcentagem de células hexagonais: A porcentagem de células com seis ápices deve al
cançar o ideal de aproximadamente 100%. Valores menores indicam um estado de saúde dimi
nuído do endotélio. O pleomorfismo é o aumento na variabilidade do formato celular.
O microscópio especular é uma ferramenta diagnóstica importante, especialmente para
diferenciar entidades diagnósticas difíceis ou sobrepostas, tais como a síndrome iridocorneo-
endotelial e a distrofia polimorfa posterior.
Os seguintes parâmetros do endotélio corneano podem comprometer o resultado de uma
cirurgia intraocular:
■ Baixa densidade (p. ex., menos que 1.000 céls./mm2); córneas doadas para transplante
devem ter pelo menos 2.000 céls./mm2
Alto polimegatismo (coeficiente de variação maior que 0,40).
Alto pleomorfismo (proporção de células não hexagonais maior que 50%).
American Academy of Ophthalmology. Ophthalmic procedures assessment. Corneal endothelial photography.
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Krachmer JH, Mannis MJ, Holland EJ, Cornea. St. Louis: Mosby, 1997; 1:313-34.
Leibowitz HM, Waring GO III. Corneal Disorders: Clinical Diagnosis and Management. 2nd ed. Philadelphia: Saunders; 1998:
83-122.
Gustavo Victor
Introdução
O desenvolvimento do microscópio foi uma das grandes conquistas da ciência. A partir de
então, o universo microscópico pôde ser estudado diretamente. O microscópio confocal (MC)
in vivo possibilita seccionar opticamente a córnea, conjuntiva e as estruturas em que ele pode
ser empregado, não invas iva mente, in vivo, em tempo real e a nível celular.
O primeiro scanning MC (Petran, 1968; Petran, 1985), também chamado tandem scanning
confocal microscope (TSCM), usa um disco contendo milhares de orifícios (pinholes) conjugados
opticamente dois a dois (iluminador/detector). Os raios de luz atravessam um orifício ilumi-
nador, são focados no espécime por uma lente objetiva, dela refletidos para um conjunto de
espelhos, que os redirecionam para um orifício detector conjugado, que se encontra do ou
tro lado do disco, na mesma linha vertical do primeiro, para serem observados ou filmados
(S-VCR). A rotação do disco proporciona o “escaneamento” do espécime em tempo real. Essa
propriedade de seccionamento óptico foi primeiramente demonstrada por Boyde, em 1985,
ao observar osteócitos em osso não desmineralizado e não submetido a nenhuma técnica de
processamento.
Em 1986, Lemp foi o primeiro a estudar a córnea in vitro, e seu estudo contribuiu para o
desenvolvimento do TSCM com a lente objetiva na horizontal, que o tornou apropriado para
o uso oftalmológico. Em 1990, Cavanagh foi quem primeiro estudou a córnea in vivo com a
MC. Não há aparelhos de TSCM na América do Sul. Mais recentemente, Masters e Thaer (1994)
desenvolveram uma nova variação da MC, utilizando fendas conjugadas em vez de orifícios
(scanning-slit confocal microscope - SSMC). A oscilação das fendas conjugadas proporciona o “es
caneamento” óptico em tempo real do espécime. Os modelos ConfoScan® 1 (único de contato
e analógico), ConfoScan 2®, ConfoScan 3® e ConfoScan 4® utilizam o sistema de fendas conju
gadas (SSMC) e são comercializados pela Nidek® (Fig. 2). Em 2001, Victor et a i realizaram os
primeiros estudos com SSCM no Brasil.
Nos aparelhos modelo ConfoScan®, há três opções para o exame da córnea: modo ma
nual, semiautomático e automático. Os dois primeiros modos são utilizados para exame de
regiões específicas da córnea. No modo automático, há três opções: “EPI” , “ENDO” e “FULL” ,
para o exame do epitélio, endotélio e de toda a espessura da córnea, respectivamente. A ca
beça do aparelho está montada sobre o braço robótico e possui os sistemas de iluminação,
varredura, foco e filmagem das estruturas observadas. A iluminação provém de lâmpada ha-
lógena de 100 W /12 V (8,3 A). Os raios de luz oriundos da fonte atravessam a primeira fenda
em movimento, transformam-se em scanners ou “blocos” luminosos, são refletidos por dois
espelhos para dentro da primeira metade da lente objetiva-condensadora, onde são con-
a
densados e iluminam apenas uma pequena área da córnea. A medida que as estruturas são
iluminadas, os raios de luz refletidos formam a imagem invertida das estruturas observadas
e percorrem a segunda metade da lente objetiva-condensadora. Saem de maneira paralela,
são refletidos por dois espelhos e atravessam a segunda fenda em movimento. Essa fenda
Aplicações clínicas
Fig.9 N e rvo s p e n e tra n te s no e stro m a a n te rio r. Da e s q u e rd a p ara a d ire ita , n o te o a fila m e n to p ro g re ssiv o
d as fib ra s n e rv o sa s e n tre os p a c ie n te s no e s tá g io 1 (e s q u e rd a ), no e s tá g io 2 (m e io ) e no e s tá g io 3 (d ire ita ).
Cirurgia refrativa
A MC tem sido utilizada na cirurgia refrativa, aferindo a espessura da lamela e do estroma resi
dual, a quantidade de ablação, a densidade e localização de partículas, avaliar a epitelização da
interface, avaliar os cortes da ceratotomia radial, avaliar a qualidade de corte da ceratomelusis,
estudar a ceratite lamelar difusa e quantificar as opacidades corneanas, mesmo que subclíni-
cas, entre outras aplicações.
Conclusão
Essa técnica oferece a possibilidade de seccionar opticamente tecidos vivos, ou in vitro, não
invasivamente e em tempo real. Imagens são obtidas de diferentes profundidades dentro de
um espécime, eliminando a necessidade de procedimentos de corte e processamento, e, dessa
forma, é possível proceder à avaliação e monitoração estrutural e biológica dos espécimes,
em nível celular e em condições mais fisiológicas, nas quatro dimensões: x, y, z e t (tempo).
A MC é uma importante ferramenta no estudo de toda a superfície ocular, especialmente
a córnea, contribuindo no diagnóstico das patologias da superfície ocular, estudo anatômico
e funcional dessas estruturas, assim como no estudo da interação da superfície ocular com
fatores externos, que vão desde cirurgias a depósitos por fármacos nessa superfície.
106 Doenças Externas Oculares e Córnea
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Propedêutica do Segmento
Anterior: Tomografia e
Biomicroscopia Ultrassónica
VERA MASCARO • ANA LUISA HÖFLING-LIMA
Até recentemente, a maioria das informações conhecidas sobre o segmento anterior do olho
eram obtidas com a utilização das técnicas convencionais de gonioscopia, biomicroscopia,
paquimetria e biometria.
Em geral, nas câmeras fotográficas convencionais o plano do objeto a ser fotografado é para
lelo ao plano da imagem. O sistema Scheimpflug é uma técnica que possibilita o registro foto
gráfico da imagem de um objeto localizado em um plano não paralelo ao plano do filme, com
suficiente profundidade de foco, por meio da indução de uma inclinação no plano da imagem.
Essa técnica teve seus princípios inicialmente descritos por Jules Carpentier, em 1901, e, pos
teriormente, aprofundados e patenteados por Theodor Scheimpflug, que empresta seu nome
à técnica, em Viena, no ano de 1904.
O princípio de Scheimpflug determina que a inclinação do plano do objeto que favorece
o melhor foco é aquela que intersecta o plano da lente e o plano da imagem em uma única
linha. A utilização do sistema Scheimpflug na Oftalmologia permite a análise segmentar da
porção anterior do olho em planos sagitais, da superfície anterior da córnea à face posterior
do cristalino, possibilitando a obtenção das medidas e distâncias reais entre as estruturas, e a
quantificação dos meios analisados quanto à transparência.
Há diversos aparelhos que utilizam o sistema Scheimpflug atualmente; entre os mais di
fundidos estão as câmeras Topcon SL-45, Zeiss SLC e Nidek EAS-1000, e, mais recentemente,
o Galilei e o Pentacam.
109
110 Doenças Externas Oculares e Córnea
PENTACAM
O Pentacam (Oculus) utiliza uma câmera rotatória dotada do princípio de Scheimpflug, que
obtém múltiplas fotos, construindo imagens tridimensionais do olho e calculando as medidas
do segmento anterior.
Com o uso do Pentacam podemos obter: 1) imagens detalhadas da superfície anterior da
córnea até a face posterior do cristalino; 2) medidas do ângulo, volume e profundidade da
câmara anterior; 3) mapa paquímetro e dados densiométricos de opacidades da córnea e do
cristalino, que podem ser exibidos graficamente ou quantitativamente; 4) mapas topográficos
de elevação das superfícies anterior e posterior da córnea, e o mapa retrativo; e 5) caracterís
ticas corneanas, como excentricidade, astigmatismo e raio de curvatura central.
O Pentacam utiliza uma técnica de não contato para obtenção das informações. O instru
mento possui uma fenda central e uma câmera periférica, e, com uma rotação de 360°, são
obtidas imagens em diversos medianos. Podem ser escolhidas três técnicas para a realização
do exame, com obtenção de 15,25 ou 50 imagens. A duração total do exame varia de 0,5 a 2
segundo. Durante a obtenção das imagens, o aparelho monitora os movimentos oculares em
um sistema eye tracking, característica que aumenta a precisão na determinação das medidas,
entre outras estruturas, da superfície posterior da córnea.
GALILEI
ARTEMIS
O Artemis 2 VHF Digital Ultrasound Eye Arc-Scanner (Ultralink LLC, St. Petersburg, FL), utilizan
do o ultrassom de alta frequência e processamento digital, foi desenvolvido com a proposta
de aperfeiçoar o diagnóstico anatômico para o planejamento cirúrgico e acompanhamento
pós-operatório de cirurgias do segmento anterior. A resolução do Artemis, quando utilizado
para analisar a córnea, é suficiente para individualizar as suas camadas, como o epitélio cor
neano, o flap corneano e estroma residual em pós-operatórios de LASIK. Mesmo anos após o
procedimento cirúrgico, o Artemis é capaz de detectar as interfaces das lamelas, a despeito
da existência de transparência óptica total. Ele utiliza um transdutor de 50 MHz (faixa de 10
a 60 MHz), através de um arco de raio ajustável, que segue o contorno da estrutura analisada,
as imagens são adquiridas. Uma vez obtidas as imagens, elas são digitalizadas e processadas,
e o que aumenta a resolução e a precisão do método, quando comparado com processamento
analógico convencional.
Propedêutica do Segmento Anterior: Tomografia e Biomicroscopia Ultrassónica
Apesar de ser uma técnica de não contato, o Artemis precisa de um meio para propagação
do ultrassom, sendo dotado de um mecanismo de imersão reversa. Com o paciente sentado,
ajusta-se o olho a ser estudado em uma espécie de recipiente semelhante a óculos de mergu
lho, contendo o meio adequado para propagação do som.
A utilização de ultrassom para estudo da câmara anterior tem como principal vantagem
o fato de não ser influenciado por meios opacos, como o corpo ciliar e a íris, o que permite a
análise das áreas localizadas posteriormente a essas estruturas. A utilização do Artemis pode
ser particularmente útil para o planejamento pré-operatório em implante de lente intraocular
em olhos fácicos, e no planejamento pré-operatório e tratamentos primários e retratamentos
nas cirurgias refrativas, bem como no acompanhamento pós-operatório e de outras situações.
Apesar da capacidade de analisar as mesmas estruturas, os instrumentos ópticos e os basea
dos no ultrassom de alta frequência, devido aos diferentes princípios e características, podem
funcionar como tecnologias complementares, com indicações específicas em uma séria de
situações.
A tomografia de coerência óptica (OCT) tem sido empregada cada dia mais para o estudo de
doenças e da anatomia cirúrgica do segmento anterior, especificamente na biometria da câ
mara anterior, paquimetria corneana, avaliação do ângulo e obtenção de imagens em secções
transversas de alta resolução.
Os princípios da OCT podem ser comparados aos princípios de um exame ultrassonográfi-
co, uma vez que as duas técnicas geram imagens baseadas na reflexão da estrutura estudada,
mensurando o eco obtido a um estímulo específico. Na ultrassonografia, o atraso no retorno
do sinal do ultrassom é mensurado diretamente. Como a velocidade da luz é muito maior que
a velocidade do som, na OCT, o atraso no retorno da luz refletida é determinado indiretamente
pelo método da interferometria de baixa coerência.
VISANTE
O Visante (Cari Zeiss Meditec) é uma OCT, baseada na tecnologia Time-Domain OCT (TD-OCT),
r
utilizado no exame (1.310 nm) é bloqueado por pigmentos, impedindo o estudo de regiões
localizadas atrás da íris, o que representa uma limitação do método.
O método da espessura da córnea em toda a extensão do tecido, o estudo de opacidades
e suas localizações, alterações da câmara anterior, bem como sua dimensão, a anatomia de íris
podem ser facilmente documentadas com essa tecnologia.
RTVUE
r
E uma OCT baseada na tecnologia Fourier-Domain (FD-OCT). Possui velocidade e sensibilidade
muito maiores comparada à tecnologia TD-OCT.
RTVue FD-OCT captura 26.000 scans axiais por segundo, que é 260 vezes mais rápido do
que OCT 1 e 13 vezes mais rápido do que o Visante.
O RTVue captura uma imagem de 1.000 linhas em 0,04 segundo, enquanto o OCT 1 captu
ra uma imagem de 100 linhas em 1,00 segundo e o Visante (TD-OCT) captura uma imagem de
512 linhas em 0,26 segundo. Assim, o efeito do movimento ocular na medida deve ser menor
com FD-OCT.
Além disso, RTVue-CAM tem uma geometria telecêntrica que reduz a distorção da ima
gem no segmento anterior. O RTVue-CAM também possui programa que remove a distorção
da imagem devido à diferença do índice ar-tecido e permite calibração apropriada e medida
das estruturas do segmento anterior. Somando-se a isto, o RTVue-CAM tem um maior poder
resolutivo (5 jli) do que o sistema OCT anterior.
Zhou etal. Reproducibility of tear meniscus measurement by Fourier-Domain Optical Coherence Tomography: a pilot
study. Ophtahlmic Surg Lasers Imaging. 2009; 40(5):442-7.
ORBSCAN
A angiografía fluorescente do segmento anterior tem sido usada para estudar a dinâmica circu
latória dos vasos sanguíneos: bulbar, conjuntival, episcleral, escleral e iriano, tanto nos casos
normais quanto nos alterados. Essa técnica é desenvolvida usando uma câmera acoplada à
lâmpada de fenda equipada com um suprimento de energia para fotografia de fundo fluores
cente para alta velocidade em série. Essa técnica raramente é usada na clínica e parece ser
mais valiosa na avaliação de pacientes que tenham áreas de não aspersão vascular, como na
esclerose nécrosante e algumas formas de irite.
Krachmer JH, Mannis MJ, Holland EJ. Córnea. St. Louis: Mosby, 1997; 1:335-59.
Leibowitz HM, Waring GO III. Corneai Disorders: Clinicai Diagnosis and Management. 2nd ed. Philadelphia: Saunders;
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Clínica de Doenças
Externas e da Córnea
Epidemiologia das
Doenças Externas Oculares
Epidemiologia das Doenças
Externas Oculares
119
120 Doenças Externas Oculares e Córnea
nacional da saúde ocular. No Brasil é importante considerar as lesões corneais causadas pela
hanseníase como causa de deficiência visual devido à alta prevalência dessa doença. A pre
valência da hanseníase tem diminuído globalmente devido às ações dos programas de saúde
pública, especialmente a distribuição de medicamentos para tratamento. Mycobactehum leprcie
é o microrganismo que prolifera principalmente nas partes frias do corpo, por isso raramente
afeta o segmento posterior do bulbo ocular. A ceratite intersticial ocorre por invasão direta do
microrganismo, mas o que é mais comumente encontrado são as lesões corneais secundárias
à exposição pelo lagoftalmo e pela perda da sensibilidade. Essas lesões oculares promovem
deficiência visual grave em cerca de 250 mil pessoas no mundo.
Déficit visual monocular grave ocasionado por cicatriz corneai foi encontrado em cerca de
6% de uma população de idosos da cidade de São Paulo (Araújo, 2006).
Dados sobre a ocorrência e a distribuição das doenças externas oculares aparecem no
Brasil em investigações individuais realizadas em populações escolhidas por conveniência,
principalmente sobre a demanda de pacientes em serviços de referência, não fazendo parte
de um registro nacional que permita conhecer a epidemiologia delas.
Ceratites infecciosas ocorrem predominantemente em países em desenvolvimento e tro
picais, onde os fatores de risco estão mais presentes, facilitando o seu aparecimento.
Entre esses fatores, destacam-se: as condições climáticas, que facilitam o desenvolvimen
to e a diversidade de microrganismos; e o baixo desenvolvimento socioeconômico, que não
promove de forma adequada a saúde, dificulta a assessibilidade aos serviços de saúde no
tempo seguro para receber a atenção, favorece o envolvimento das pessoas em atividades de
maior risco, não oferece as condições sanitárias necessárias e outros.
O trauma é o principal fator desencadeante das ceratites infecciosas nos países com baixo
desenvolvimento socioeconômico, enquanto, nos economicamente mais favorecidos, é o uso
de lentes de contato.
No Brasil, a causa bacteriana de infiltrado corneai foi encontrada em 7,33% dos casos
registrados em serviço de referência (Sacramento et a/., 2005). Ocorreu a associação dessas
ceratites bacterianas com: uso de lentes de contato (27,2%), trauma ocular (25%), alterações
de superfície ocular (blefarite, ceratoplastia penetrante e perfuração da córnea) e doenças sis
têmicas (diabetes, artrite reumatoide, alcoolismo e infecção por AIDS. Cocos Gram-positivos
foram responsáveis por mais de 50% desses casos; bacilos Gram-negativos, por cerca de 35%; e
bacilos Gram-positivos, por 16,3%.
O patógeno mais isolado foi o Staphylococcus coagulase-negativo (26,7%). Lentes de conta
to mostraram-se como o maior risco para ceratites bacterianas.
Na Bélgica, entre 1998 e 2003, dos 100 casos de úlceras de córnea que necessitaram in
ternação para tratamento, 100% eram de usuários de lentes de contato e, destes, 87% usavam
lentes gelatinosas. Pseiiclomoncis sp. foi responsável por 65% dessas infecções (o parasita Acan-
thamoeba, por 18%). Ocorreu perda de visão igual a 4 linhas da tabela de Snellen, 18% necessi
taram de transplante de córnea e 1%foi eviscerado (Verhelst et a i, 2005).
Em serviço de referência em São Paulo, a causa micótica das ceratites ocorreu em 12,8%
dos registros e a parasitária em 16,3% (Sacramento et a/., 2005).
A causa virai das ceratites predominante é o herpes simples. Nos EUA, cerca de 29.000
pessoas com ceratite herpética apresentam, em média, dois episódios anuais de recorrência.
Essas pessoas recebem tratamento supressivo com aciclovir oral com custo de US$ 8.532 por
Epidemiologia das Doenças Externas Oculares
recorrência evitada em um total anual aproximado de US$ 17,7 milhões. A validade dessa con
duta é questionada, pois o custo cairia pela metade, se a profilaxia antiviral fosse mais efetiva,
e em cerca de 20%, se o risco de recorrência fosse maior; a efetividade é a mesma se tal con
duta for assumida para qualquer caso de doença ocular prévia pelo herpes simples (Lairson et
al., 2003).
Conjuntivite é a doença ocular mais comum, resultante de inúmeras causas: simples irri
tações por poluentes do ar; toxicidade por mediações tópicas, alergias; infecções bacterianas,
virais, micóticas e parasitárias; queimaduras por agentes físicos e químicos; e o comprometi
mento por doenças sistêmicas e da superfície ocular, incluindo olho seco.
Os agentes bacterianos são os mais frequentes. Staphylococcus aureus é a causa predomi
nante.
A conjuntivite aguda bacteriana não grave tem como agentes mais frequentes 5. aureus, S.
pneumoniae, Haemophilus sp. e Moraxella sp. A conjuntivite bacteriana aguda grave tem Neisseria
sp. e Haemophilus influenzae como agentes mais frequentes.
Entre as causas crônicas de conjuntivite bacteriana, o Staphylococcus aureus também predo
mina e Chlamydia trachomatis é o segundo microrganismo prevalente (tracoma e paratracoma).
Chlamydia trachomatis é também a principal causa de oftalmia neonatal. Agentes menos
frequentes da oftalmia neonatal são: Staphylococcus sp., Streptococcus sp., Haemophilus sp., Neis
seria gonorrhoeae e herpes simples. Ocasionalmente pode ocorrer associação de agentes.
Nas conjuntivites virais, o adenovirus é o agente mais frequente. Na França, um surto de
conjuntivite adenoviral custou a um hospital cerca de US$ 29.527, sendo $ 1.085 com despe
sas médicas, $ 8.210 com investigações, $ 3.048 com medidas preventivas e $ 17,184 com a
perda de produtividade (Piednoir et al., 2002). Herpes simples raramente é reconhecido como
causa de conjuntivite; não estando associado a lesões palpebrais herpéticas, é confundido
com adenovirus. Na rara oportunidade de observar uma úlcera conjuntival rasa sem sinais
inflamatórios ao seu redor, o herpes simples deve ser o primeiro diagnóstico. Varicela-zóster
tem o diagnóstico facilitado pelo quadro sistêmico. Outros agentes virais de conjuntivite são:
vírus Epstein-Barr, citomegalovírus, vírus Molluscum contagiosum e vírus RNA são agentes.
O homem é mais acometido por conjuntivite provocada por alergia nas cinco primeiras déca
das de vida (6:4) (Marback et al., 2007). As formas primaveril e atópica são responsáveis por cerca
de 78% dos casos, na mesma proporção. Os pacientes com a forma atópica apresentam alergia
extraocular com maior frequência (91,25%) do que aqueles com a forma primaveril (32,5%).
Olho seco tem prevalência estimada em 5 a 15% da população em geral, sendo mais co
mum em idades avançadas e no sexo feminino.
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o
*< Doenças Infecciosas
U"
Infecções Bacterianas
BLEFARITE ESTAFILOCÓCICA
125
126 Doenças Externas Oculares e Córnea
Os colírios de corticoide devem ser utilizados com parcimônia e nos casos mais graves, e,
uma vez obtido o controle da inflamação, devem ser retirados de maneira gradativa. O pacien
te deve ser alertado dos riscos do uso crônico e sem controle da cortisona, como glaucoma,
catarata e infecção secundária.
Conjuntivite gonocócica
Caracterizada por ser uma conjuntivite purulenta hiperaguda causada por Neisseria gonor
rhoeae (mais frequentemente) e N. meningitidis, com produção maciça de secreção purulenta,
quemose intensa e edema palpebral. Pode causar linfadenopatia pré-auricular e membrana
conjuntival. Sem tratamento, pode evoluir para ceratite (ocorre em 15 a 40% dos casos), com
necrose corneana e perfuração.
A conjuntivite por N. gonorrhoeae é considerada uma doença sexualmente transmitida,
resultado de transmissão direta secreção genital-olho, secreção genital-mão-olho ou conta
Infecções Bacterianas
minação via canal de parto da mãe para o recém-nascido. Quando o agente envolvido é a N.
meningiticlis, a notificação à vigilância sanitária deve ser imediata, para que todas as medidas
de controle de disseminação da doença sejam tomadas.
O tratamento deve ser sempre sistêmico, tópico adjuvante. Na conjuntivite gonocócica
sem acometimento corneano, é indicado o uso de única dose de 1 g de ceftriaxona IM. Outra
opção é o uso de penicilina G, 4,8 milhões de unidades IM divididas em 2 doses aplicadas em
duas áreas diferente associada a 1 g de probenecida VO antes da injeção. Nos casos com aco
metimento corneano, o ideal é a internação com aplicação de ceftriaxona EV (1 g de 12/12 h)
durante 3 dias.
Deve ser realizada irrigação constante do fundo-de-saco conjuntival com solução salina
para remoção de células inflamatórias, enzimas e debris celulares que podem contribuir para
a necrose corneana. Associa-se também uso de pomadas de gentamicina, eritromicina ou ba-
citracina ou colírio de fluoroquinolona.
Como é frequente a infecção concomitante por Chlamyclia (até 33% dos casos), é indicado
o tratamento suplementar desses pacientes (ver Conjuntivite por Chlamyclia).
A conjuntivite aguda é caracterizada por ter duração de até 3 semanas e, normalmente, ser
autolimitada. Os agentes etiológicos mais comuns são Streptococcus pneumoniae, Staphylococcus
aureus e Haemophilus influenzae, Staphylococcus coagulase-negativo.
Pacientes apresentam hiperemia ocular com secreção mucopurulenta, referindo acordar
com as pálpebras grudadas pela manhã. Ao exame, nota-se reação conjuntival papilar, não se
encontrando adenopatia pré-auricular. Petéquias conjuntivais podem ser encontradas princi
palmente nas infecções por Streptococcus pneumoniae e Haemophilus sp.
A infecção por Streptococcus pneumoniae é uma das mais frequentes, podendo levar à for
mação de membranas inflamatórias, sendo o acometimento corneano incomum.
A conjuntivite por Haemophilus influenzae é relativamente comum em crianças abaixo de 5
anos e normalmente é mais grave que a causada por Streptococcus pneumoniae, podendo estar
associada à otite média.
Staphylococcus aureus pode causar blefaroconjunvite, e a secreção tende a ser mais seropu-
rulenta do que mucopurulenta.
A respeito da realização de exames laboratoriais nas conjuntivites, estes são recomenda
dos na conjuntivite neonatal ou conjuntivite grave, não responsiva. O tratamento é convencio
nal para algumas conjuntivites crônicas.
O tratamento, na maioria dos casos de conjuntivite bacteriana, pode ser empírico com
utilização de antibióticos tópicos de amplo espectro, tais como tobramicina, fluoroquinolonas
de segunda ou quarta geração e cloranfenicol. O tratamento deverá ser feito com instilação de
1 gota 6 a 8 vezes/dia durante 7 a 10 dias. O tratamento sistêmico com ampicilina (50 a 100
mg/kg/dia VO) está indicado nas conjuntivites por Haemophilus em crianças, devido ao risco de
infecção sistêmica.
128 Doenças Externas Oculares e Córnea
CERATITE BACTERIANA
r
Ulcera bacteriana normalmente se associa a situações em que ocorrem alterações nos meca
nismos de defesa corneana. Os fatores predisponentes são: uso de lentes de contato, trauma
corneano, alterações palpebrais, cirurgias corneanas, ceratite herpética em uso de corticoïdes,
olho seco grave, ceratite neurotrófica e conjuntivites bacterianas. O fator de risco mais fre
quente é o uso de lentes de contato, encontrado em 19 a 42% dos pacientes. O risco de cerati
te aumenta em 10 vezes nos pacientes que dormem com as lentes, e também é maior quanto
mais tempo o paciente dorme com as mesmas lentes sem retirá-las. Portanto, deve-se orientar
o paciente para evitar dormir com as lentes.
Normalmente é necessário ocorrer uma lesão epitelial para penetração da bactéria no es-
troma, causando supuração corneana. Porém, algumas bactérias têm a capacidade de penetrar
o epitélio corneano íntegro, tais como Neisseria gonorrhoeae, Neisseria meningitidis, Corynebac-
terium diphtheriae, Haemophilus influenzae biotipo III (antigo H. aegyptius), Listeria monocytogenes
e Shigella sonnei.
Os sinais e sintomas da úlcera corneana dependem da agressividade da bactéria, porém
caracterizam-se pelo início de dor ocular, acompanhada de injeção ciliar, fotofobia e baixa da
acuidade visual. A ceratite causada por bactéria tem normalmente ulceração epitelial, supu
ração estromal com bordas não bem delimitadas circundadas por edema estromal. Hipópio e
reação de câmara anterior podem estar ou não presentes. Nos casos de ulceração por Pseudo
monas aeruginosa, devido à liberação de enzimas proteolíticas, o estroma corneano distante
da lesão também pode apresentar um infiltrado inflamatório, causando um aspecto de vidro
fosco.
No caso de ceratite por bactérias que causam infecção de evolução mais lenta, como Myco
bacterium, Nocardia e anaeróbios, o epitélio corneano pode estar intacto e o infiltrado pode
não ser supurativo.
O exame laboratorial é fundamental para o diagnóstico etiológico específico. Quando não
estiver disponível, o tratamento empírico deve ser iniciado com colírios de amplo espectro
antibacteriano. Porém, sempre que possível, realizar o exame laboratorial para confirmar a
etiologia e sensibilidade aos antibióticos do agente causador. Importante lembrar que o labo
ratório deve ter experiência com exames de secreção ocular para evitar falsos diagnósticos,
que podem atrapalhar o tratamento.
A incidência depende do período, da região e país analisado. No Departamento de Oftal
mologia da Universidade Federal de São Paulo, as bactérias são os agentes mais frequentes
em casos de ceratite, e, entre estes, os cocos Gram-positivos são os agentes etiológicos mais
comuns (Staphylococcus coagulase-negativo, incluindo-se o S. epidermidis, Staphylococcus aureus
e Streptococcus pneumoniae). As bactérias mais importantes como causa de ceratite estão lista
das na Quadro 2.
O exame de raspado corneano e cultura pode ser realizado com espátula de Kimura ou
zaragatoa, de preferência alginatada. A coleta deve ser realizada na região da borda da lesão.
130 Doenças Externas Oculares e Córnea
Se o paciente já está em uso de medicação tópica, esta deve ser suspensa sempre que
possível por 24 horas, aumentando a positividade do exame laboratorial. Entretanto, o tra
tamento com antibióticos não deve ser suspenso em casos de úlceras graves e rapidamente
progressivas. Além da coleta da córnea, pode ser importante o exame laboratorial das pálpe
bras, conjuntiva, medicação ocular tópica, caixa e lentes de contato, bem como soluções de
lentes de contato.
Nos casos menos graves, a monoterapia com fluoroquinolona comercialmente disponível
pode ser instituída (ciprofloxacino a 0,3%, ofloxacino a 0,3%, moxifloxacino, gatifloxacino). São
consideradas úlceras corneanas não graves aquelas:
Infecções Bacterianas
A dosagem inicial é de 1/1 hora, e no início, deve ser instituída uma dose de ataque utili
zando 1 gota de 1 em 1 minuto durante 5 minutos (5 gotas), 1 gota de 5 em 5 minutos durante
15 minutos (3 gotas) e então passar para uso de 1/1 h. A medicação deve ser reduzida para
cada 2 horas até 72 horas após o início do tratamento, por mais 2 a 3 dias e, depois, para cada
3 horas até o final do tratamento.
Se a úlcera é grave, deve ser instituído tratamento de amplo espectro com colírios for
tificados ou de quinolona de quarta geração até o resultado laboratorial estar disponível
(Quadros 4 e 5). Os colírios são prescritos para uso inicial de hora em hora, intercalados
(portanto, 1 gota de meia em meia hora). Uso de antibiótico subconjuntival ou sistêmico
r
*Para S ta p h y lo c o c c u s resistentes.
Cefazolina 50 m g/m l
• A d icio ne 9,2 ml de colírio de lágrim a artificial no frasco de 1 g de cefazolina (pó para injeção EV)
• Retire 5 ml dessa solução e ad icio n e 5 ml de colírio de lágrim a artificial
Ceftazidim a
• A d icio ne 9,2 ml de colírio de lágrim a artificial no frasco de 1 g de ceftazid im a (pó para injeção EV)
• Retire 5 ml dessa solução e ad icio n e 5 ml de colírio de lágrim a artificial *•
Antibiótico Dias
Cefazolina 10
Tobram icina 30
G en tam icin a 30
V ancom icina 14
A m icacina 30
Modificação da terapia inicial deve ser baseada principalmente na resposta clínica e não
no resultado do antibiograma (mesmo quando disponível). Avaliar os sinais e sintomas de me
lhora, como diminuição da dor, da densidade de infiltrado e do edema estromal, reepiteliza-
ção, bordas de aspecto mais delimitado e diminuição da reação da câmara anterior. A terapia
antibacteriana deve ser mantida por 10 a 14 dias.
No caso de piora do quadro clínico ou não identificação de patógeno, novo exame labora
torial deve ser repetido para confirmar o diagnóstico ou mesmo isolar um outro patógeno. Se
novamente houver falha na identificação do microrganismo, deve-se lançar mão da biópsia da
lesão, que deverá ser feita em área de transição de córneas sadia e comprometida. O material
deve ser encaminhado para análise anatomopatológica, e também novo raspado para cultura
deve ser feito do leito da biópsia.
r
E importante tratar alterações que podem retardar a resolução da ceratite, como altera
ções palpebrais (entrópio, ectrópio, triquíase etc.) e olho seco.
A utilização de corticosteroide em ceratite bacteriana é ainda controversa na literatura.
Porém, é consenso que somente poderá ser utilizado após identificação do agente agressor e/
ou melhora clínica com o tratamento instituído. Sua posologia poderá ser variável, observan
do o grau de necrose tecidual, devendo ser inversamente proporcional a este.
Em casos de descemetocele, perfuração ou progressão da ceratite, terapias cirúrgicas,
como uso de adesivo tecidual, retalho conjuntival ou membrana amniótica e transplante de
córnea, podem ser utilizadas.
Em muitas situações é importante que o oftalmologista avalie o custo da prescrição e ve
rifique se o paciente terá condições de manter o tratamento.
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Infecções Virais
MOLUSCO CONTAGIOSO
Tratamento: E uma doença autolimitada, porém a resolução espontânea pode levar vários
meses a anos para ocorrer. O tratamento inclui exérese completa do nódulo, crioterapia da le
são ou curetagem da parte central umbilicada até que ocorra sangramento dentro da lesão. O
tratamento de pacientes infectados pelo vírus da AIDS e com lesões extensas pode ser difícil.
O prognóstico é bom, porém a conjuntivite folicular ainda pode durar semanas, mesmo após
a retirada das lesões.
135
136 Doenças Externas Oculares e Córnea
ADENOVÍRUS
Os adenovirus são os principais causadores da conjuntivite folicular aguda, sendo esta bilateral
e altamente contagiosa.
Apresentação clínica: A infecção ocular pelo adenovirus é dividida classicamente em qua
tro diferentes apresentações clinicas: ceratoconjuntivite epidêmica, febre faringoconjuntival,
conjuntivite folicular não específica e ceratoconjuntivite crônica, sendo as duas primeiras as
mais comuns.
A ceratoconjuntivite epidêmica tem sido relacionada aos adenovirus dos tipos 8, 11, 19 e
37. A transmissão ocorre através do contágio direto e indireto com indivíduos com a infecção
virai ativa. O vírus pode sobreviver em superfícies porosas secas, dedos, piscinas entre outros,
fato esse que confere um alto grau de contágio da infecção.
A doença geralmente apresenta uma fase aguda e autolimitada de infecção conjuntival e
epitelial corneana, com replicação virai ativa, e uma fase tardia, que é menos frequente e se
manifesta com infiltrados corneanos de origem imunológica que podem durar semanas ou
meses.
Pacientes com ceratoconjuntivite epidêmica referem vermelhidão, lacrimejamento, pruri
do, sensação de corpo estranho, fotofobia e secreção aquomucosa com sensação de olho “gru-
Infecções Virais
dando” . O exame revela gânglio pré-auricular inflamado e hiperemia conjuntival com reação
folicular, principalmente no fórnice inferior (Fig. 2). Não se observa comprometimento de vias
aéreas ou sinais de comprometimento extraocular. Edema palpebral, quemose e hemorragias
subconjuntivais ou petéquias em conjuntivas tarsais podem, também, estar presentes (Fig. 3).
As membranas ou pseudomembranas podem se formar pela aderência da substância exsudati
va ao epitélio conjuntival inflamado, sendo sinal de gravidade. A conjuntivite tem seu quadro
clínico mais intenso nos primeiros 5 a 7 dias após o início dos sintomas. O olho contralateral é
envolvido em 50% dos casos. A ceratite, causada pelo adenovirus, apresenta diversos estágios
divididos de 0 a 5. Os estágios 0 e 1 representam vesículas epiteliais que surgem nos primeiros
5 dias do quadro, podendo coalescer e formar o estágio 2 da ceratite. Essa ceratite superficial
pode resolver ou evoluir, em cerca de 43% dos casos, para os estágios mais avançados com in
filtrados subepiteliais. O estágio 3 representa o aparecimento de infiltrados tênues, logo abai
xo da ceratite superficial ponteada, e é detectado em torno da segunda semana. Os estágios
4 e 5 surgem a partir da terceira semana do início do quadro clínico e são caracterizados por
infiltrados no estróina anterior sem alteração epitelial associada (Fig. 4). Estudos histopato-
lógicos desses infiltrados mostram linfócitos, fibras de colágeno degeneradas e cicatrização,
sem partículas virais. Quando no eixo visual, podem reduzir a acuidade visual, a sensibilidade
ao contraste e gerar ofuscamento pelas opacidades e astigmatismo irregular, necessitando de
Fá rm a co C o n c e n tra ç ã o /a p re se n ta ç ã o N o m e co m e rcia l P o so lo g ia P o so lo g ia
te ra p ê u tic a p ro filática
HERPES SIMPLES
A família dos herpesvirus inclui o vírus herpes simples (VHS), o vírus varicela-zóster (VZV), o
citomegalovírus (CMV), o vírus Epstein-Barr (EBV) e os herpesvirus humano 6, 7 e 8. O VHS
divide-se em tipo I (causa infecção acima da cintura e é transmitido por perdigotos e pelo
contato direto) e em tipo II (causa infecção abaixo da cintura e é uma doença sexualmente
transmitida - herpes genital). A diferenciação entre VHS-1 e VHS-2 data de milhões de anos,
bem como a evolução dos tropismos anatômicos específicos pelo epitélio da orofaringe e do
trato genital, respectivamente. Atualmente, no entanto, observam-se com frequência doença
ocular causada pelo VHS-2 e doença genital pelo VHS-1.
As fontes conhecidas de infecção incluem crianças com priminfecção, adultos com doença
recorrente e portadores assintomáticos. A transmissão do vírus herpes simples se dá através
do contato íntimo com secreções, principalmente com a saliva, pele ou membrana mucosa de
um indivíduo que apresenta episódio infeccioso em atividade em um sítio periférico.
Patogênese e infecção primária: A infecção primária do VHS-1 ocorre, em geral, na infân
cia em uma superfície corporal inervada pelo trigêmeo (face, olhos e mucosa oral). A infecção
se inicia com a penetração do vírus através das membranas mucosas ou por solução de conti
nuidade da pele. Ele se replica no local de entrada, lesando essas células e iniciando um pro
cesso inflamatório, que pode ser assintomático ou se manifestar com um quadro de infecção
primária tipicamente caracterizada por lesões vesiculares e ulceradas sobre uma base eritema-
tosa na região perioral ou periocular (uni ou bilateral). O envolvimento ocular é caracterizado
por blefarite vesicular ulcerativa (Fig. 7), podendo estar ou não acompanhada de conjuntivite
folicular aguda, linfadenopatia regional e, até mesmo, ceratite epitelial.
O vírus infecta, então, as extremidades dos nervos sensitivos e é transportado, através do
fluxo retrógrado citoplasmático dos axônios, até o corpo do neurônio sensorial nos gânglios,
cujos neurônios inervam a região periférica afetada. Os gânglios mais comumente envolvidos
são o trigeminal e o cervical superior. A latência neuronal garante um “esconderijo” para o
vírus no sistema imune do hospedeiro, com o objetivo de protegê-lo da ação dos antivirais.
Mesmo que o indivíduo não tenha percebido nenhum sinal clínico de doença herpética, estí
mulos periféricos e/ou ganglionares gerados por fatores, como febre, infecção sistêmica, expo-
Infecções Virais
sição a raios ultravioleta, imunossupressão, dano tissular, alterações hormonais, estresse físico
ou emocional, ou ainda estímulos desconhecidos, parecem causar replicação virai e doença
herpética recorrente. O acometimento do estroma durante uma manifestação ocular primária
é raro, estando presente em apenas 2% dos casos. No entanto, na doença herpética ocular
recorrente, o principal alvo é a córnea, que pode ter desde uma até todas as suas camadas
atingidas, e o envolvimento bilateral é incomum, afetando apenas cerca de 10% dos pacientes.
A resposta imunológica do hospedeiro exerce uma função central na patogenia da ceratite
herpética, podendo influir na aquisição, gravidade e forma da doença ocular herpética, desen
volvimento e manutenção da latência, reativação e frequência das recorrências.
Com base nos efeitos produzidos pelo sistema imune nas manifestações clínicas das
infecções oculares herpéticas, pode-se classificar as apresentações da doença em três for
mas principais, conforme os processos fisiopatológicos nelas envolvidos: infecciosa (blefa-
roconjuntivite vesicular, ceratite epitelial dendrítica ou geográfica), inflamatória (ceratite
estromal imune e endotelite), ou mista (ceratite estromal necrosante, irite ou cerato uveíte
herpética).
A doença atópica sistêmica (asma, dermatite atópica e rinite alérgica), assim como a imu
nossupressão, constitui um fator de risco para infecção pelo HSV. Indivíduos atópicos respon
dem ao antígeno do vírus herpes simples primariamente com as células T helper 2 produtoras
de citocinas (principalmente interleucina-4), que suprimem uma resposta eficaz das células T
helper tipo 1, reduzindo uma resposta eficaz ao VHS. Dessa forma, independente da faixa etá
ria, atópicos apresentam mais chances de doença bilateral e disseminada pelo epitélio cutâneo
(eczema herpético) e corneano.
A ceratite herpética pode ser dividida em epitelial infecciosa, neurotrófica, estromal, en
dotelite e ceratouveíte. A doença estromal tem uma fisiopatogenia desconhecida, mas sabe-se
que reações de hipersensibilidade têm um importante papel (tipo III na ceratite necrosante e
tipo IV na ceratite disciforme).
Apresentação clínica: A blefaroconjuntivite vesicular herpética (descrita anteriormente)
pode ser a manifestação primária ou recorrente da doença ocular herpética (Fig. 7).
A ceratite epitelial é causada pela ação direta do vírus vivo replicando no epitélio da cór
nea e formando vesículas epiteliais, dando um aspecto ponteado à ceratite. Essas vesículas
coalescem, formando uma lesão elevada, de aspecto arboriforme, que evolui com ulceração,
142 Doenças Externas Oculares e Córnea
gerando um defeito epitelial linear com bulbos em suas terminações (Fig. 8). Essa é a lesão
clássica do herpes ocular, a úlcera dendrítica, termo derivado da palavra grega dendron, que
significa árvore. Quando essas úlceras crescem, perdem o aspecto linear, formando lesões epi-
teliais extensas, com aspecto geográfico ou ameboide (Fig. 9), e podem estar associadas ao
uso prévio ou concomitante de corticoide tópico ou a uma infecção mais grave.
As lesões epiteliais herpéticas são mais facilmente observadas com o uso de corantes
vitais como a fluoresceína, que cora melhor o centro da lesão, e a lissamina verde, que cora
melhor os bordos elevados da úlcera, onde se encontram as células epiteliais edemaciadas
infectadas com vírus vivos .
O diagnóstico diferencial da ceratite epitelial herpética deve ser feito com o daquela
causada pelo herpes-zóster, Acanthamoeba, adenovirus, Epstein-Barr, com as linhas de cicatri-
zação epitelial, ceratite secundária ao uso de lentes de contato gelatinosa, ceratite superficial
de Thygeson e alterações corneanas da tirosinemia e linha de rejeição epitelial em um botão
transplantado.
A pesquisa laboratorial na infecção epitelial herpética com exame de citologia e cultura
e, até mesmo, de exames mais sofisticados, como a imunofluorescência, imunoperoxidase e
PCR, tem indicação principalmente nos casos mais difíceis de tratamento com evolução fora
do usual.
A úlcera epitelial neurotrófica, antigamente denominada de meterpética, ocorre devido
à alteração da inervação corneana causada por efeitos diretos e indiretos do herpes no gân
glio sensorial do trigêmeo, gerando uma baixa sensibilidade corneana associada à redução da
produção do filme lacrimal. Apresenta-se clinicamente como uma úlcera rasa, de fundo trans
parente ou acinzentado (quando antiga), de formato ovoide ou arredondado, localizada, em
geral, no centro da córnea e que apresenta as bordas elevadas devido ao empilhamento do
epitélio que fica impossibilitado de deslizar para promover o fechamento da úlcera (Fig. 10).
Quando crônicas, podem apresentar um estróina mais opaco e infiltrado, assim como neovas-
cularização superficial em formato de coroa ao redor da úlcera (pannus) que se forma na ten
tativa de cicatrização e fechamento do defeito. Apesar de não representar episódio ativo de
infecção herpética, essa lesão neurotrófica necessita de atenção e adequada terapêutica, pois
pode ser complicada por infecção secundária (bacteriana ou fúngica), cicatrização, neovascu-
larização, necrose do estroma adjacente e perfuração.
Clinicamente, pode-se dividir as ceratites herpéticas estromais em supurativas ou necro-
santes (predomínio de infiltrado esbranquiçado de necrose) e não supurativas ou imunes (pre
domínio de edema).
A ceratite estromal imune e a endotelite são caracterizadas como formas inflamatórias
da doença ocular herpética. Estão relacionadas a reações inflamatórias recorrentes mediadas
principalmente pela imunidade em resposta a antígenos virais contidos na córnea. Na ceratite
estromal imune não necrosante (Fig. 11), há envolvimento estromal primário com inflama
ção e infiltração puntiforme, focal ou multifocal. O edema corneano pode ser focal ou difuso,
dependendo da inflamação estromal associada. Uma forma mais específica de infiltração es
tromal que também pode estar presente é o anel imunológico, ou anel de Wessely (Fig. 12),
completo ou incompleto, único ou múltiplo, em geral localizado no estroma médio, na área
central ou paracentral da córnea. A resposta imunológica ao VHS na córnea gera neovascula-
rização e cicatriz por provável liberação de citocinas e fatores de crescimento que alteram o
equilíbrio entre fatores angiogênicos e antiangiogênicos.
0 diagnóstico diferencial das ceratites estromais herpéticas deve ser feito com as cera-
tites bacterianas, parasitárias, fúngicas e tóxicas (p. ex., abuso em uso de colírio anestésico).
A iridociclite herpética, que pode acompanhar a ceratite imune e a endotelite, sendo en
tão denominada de ceratouveíte herpética, pode ocorrer, embora menos comumente, mesmo
na ausência de uma história prévia de ceratite. Clinicamente, são observados precipitados
ceráticos de finos a médios, reação celular na câmara anterior variável e injeção ciliar, acom
panhados de sintomas como dor, fotofobia e baixa visual. A inflamação, quando associada à
trabeculite, causa hipertensão ocular, podendo evoluir com glaucoma secundário. A infecção
produz lise celular, causando destruição tecidual observada com defeito setorial na transilu-
minação iriana.
A doença ocular herpética na criança tende a ser mais grave, pois, frequentemente, não
é diagnosticada nem tratada precocemente, pela maior chance de recidiva (aproximadamente
50% em 1 ano) e pelo risco de ambliopia gerada pela opacidade corneana e astigmatismo in
duzido após cada recidiva.
A manifestação primária mais comum do herpes simples na criança é a blefaroconjuntivite
herpética (BCH). Felizmente, episódios isolados de BCH não causam redução da sensibilidade
corneana nem baixa da acuidade visual, porém, o exame biomicroscópico é mais difícil na
criança e o diagnóstico é comumente confundido com ceratoconjuntivite epidêmica ou ade
noviral (pela reação folicular), blefaroconjuntivite estafilocócica com ou sem ceratite marginal
ou ceratoconjuntivite flictenular (diante da blefarite, ceratite periférica e neovascularização),
e a ceratite epitelial confundida com erosão corneana.
Geralmente, os diagnósticos diferencias citados acometem ambos os olhos, enquanto a
doença herpética, na maioria das vezes, está associada a envolvimento monocular. Na criança,
no entanto, a ocorrência de blefaroconjuntivite herpética bilateral pode ser mais frequente
que no adulto, com frequência que varia na literatura de 7,5 a 26%. Quando o VHS acomete
a córnea, a doença é geralmente monocular e associada à redução da sensibilidade corneana
que não está presente na erosão corneana isolada.
Diagnóstico laboratorial: Devido à alta prevalência de infecção herpética na população
geral, a sorologia raramente auxilia na confirmação do diagnóstico etiológico nos casos sus
peitos, apresentando especificidade muito baixa, servindo somente na exclusão da hipótese
de doença herpética quando de um resultado negativo; a cultura do vírus é específica, porém
pouco sensível; a citologia de impressão fornece a observação de células epiteliais multinucle-
adas, sendo sensível mas pouco específica; os testes de imunodetecção (imunofluorescência
e imunoperoxidase) e a reação em cadeia de polimerase (PCR) com amplificação da cadeia de
DNA são exames mais específicos, indicados em casos de apresentações atípicas e diagnóstico
difícil, no entanto nem sempre disponíveis. Dessa forma, e também diante das manifestações
clínicas características, a doença ocular herpética geralmente é diagnosticada com base na
apresentação clínica.
Tratamento: O tratamento da infecção primária é controverso por tratar-se de uma infec
ção autolimitada e benigna na grande maioria dos casos. O tratamento das lesões palpebrais
sem o acometimento dos bordos pode ser realizado com antiviral ou antibiótico tópicos. Se
o bordo palpebral estiver envolvido, sugere-se o tratamento do olho também com antiviral
sob a forma de pomada oftálmica. Na Tabela II, pode-se observar os antivirais de uso tópico
utilizados no tratamento da infecção ocular pelo herpes simples. Orientamos também limpeza
146 Doenças Externas Oculares e Córnea
local com sabonete neutro para evitar infecção bacteriana secundária das lesões ulceradas. Os
quadros de infecção primária ocular ou periocular grave ou em imunossuprimidos podem ser
tratados com antiviral sistêmico (Tabela III).
Fá rm a co A p re se n ta ç ã o / N o m e co m e rcia l P o so lo g ia P o so lo g ia
c o n c e n tra ç ã o te ra p ê u tic a p ro filática
Aciclovir Cp. 200*, 400*, 800 mg Zovirax*, 2 g/dia (400 mg 5x/ 800 mg/dia
Aviral*, dia) Período desejado
Aciclovir* 7 a 10 dias
Valaciclovir Cp. 500* mg Valtrex* 1 a 1,5 g/dia (500 500 mg/dia
(pró-droga do mg 8/8, 12/12 h) Período desejado
aciclovir) 7 a 10 dias
Fanciclovir Cp. 125*, 250* mg Famvir*, 500 mg/dia Ainda não
(pró-droga do Penvir*, (250 2x/dia) determinada
penciclovir) Fanclomax* 7 a 10 dias
*Disponíveis no Brasil.
Sem ana D ex am etaso n a a 0 ,1 % ou Pred n iso n a a 1,0% P ro filaxia a n tiv ira l (tópica)
1 8x/dia 2 a 3x/dia
2 6x/dia 2 a 3x/dia
3 4x/dia 2 a 3x/dia
4 2x/dia desnecessária
5 1x/dia desnecessária
Sem ana D e x a m e ta so n a a 0 ,0 0 5 % ou P re d n iso n a a 0 ,1 2 % P ro filaxia a n tiv ira l (tópica)
6 4x/dia desnecessária
7 3x/dia desnecessária
8 2x/dia desnecessária
9 1x/dia desnecessária
10 3x/semana desnecessária
O tratamento da ceratite epitelial infecciosa pode ser feito com o debridamento dos bor
dos da lesão (com um cotonete seco estéril, retiram-se todas as células que se coram com a
lissamina verde) associado ao antiviral tópico (Tabela II).
A escolha do tratamento mais apropriado da ceratopatia neurotrófica vai depender do
tamanho, gravidade e tempo de aparecimento do defeito epitelial. Pode variar de lubrifica
ção intensa (colírio e gel), curativo oclusivo, lente de contato terapêutica, tarsorrafia e, até,
recobrimento conjuntival. Sugere-se a associação de pomada antibiótica à noite para prevenir
infecção bacteriana secundária.
A ceratite estromal imune e a endotelite herpéticas são tratadas dependendo da gravi
dade e localização da inflamação na córnea. Se a ceratite não envolve o eixo visual, não há
neovascularização corneana e o olho encontra-se calmo, opta-se pela observação, prescre-
vendo-se lubrificantes e/ou cicloplégicos para promover um melhor conforto para o paciente.
Se a reação inflamatória é grave, compromete o eixo visual ou se há neovascularização, é re
comendado o uso de corticoide tópico associado ao antiviral tópico ou sistêmico. O tipo e a
frequência do corticoide, bem como o uso da profilaxia antiviral, vão depender da gravidade
da inflamação. Quando o tratamento é realizado com dexametasona a 0,1% ou prednisona a
1,0% em uma frequência maior que 2x/dia, a profilaxia antiviral deve ser indicada. A profilaxia
antiviral deve ser preferencialmente oral, porém também pode ser tópical para prevenir epi
sódios de ceratite epitelial durante o uso de corticoterapia tópica no tratamento das formas
imunológicas da doença ocular herpética. Se tópica, sugere-se o uso de aciclovir colírio ou
pomada a 3%, na posologia de 3x/dia. Quando se opta pela profilaxia oral, pode-se utilizar o
aciclovir 800 mg por dia, sua pró-droga, o valaciclovir 500 mg por dia ou o fanciclovir 250 mg,
dia (dose sugerida ainda não comprovada na literatura científica).
O tratamento das endotelites e ceratites estromais imunes herpéticas deve ser modificado
conforme a gravidade de cada caso. Se a corticoterapia for em baixas doses com uso pouco
frequente de corticoides fracos, como etabonato de loteprednol, dexametasona a 0,005% ou
148 Doenças Externas Oculares e Córnea
prednisona a 0,12, o uso profilático de antiviral parece ser desnecessário. E importante lem
brar que os corticoides são contraindicados, na vigência de infecção epitelial herpética ativa,
por favorecerem a replicação virai.
As formas mistas da doença herpética (ceratite necrosante, iridociclite ou ceratouveíte)
devem ser tratadas com antiviral oral na posologia terapêutica (Tabela III) e corticoterapia, que
varia conforme o grau da inflamação.
A corticoterapia tópica no tratamento das formas inflamatórias e mistas da doença ocular
herpética inibe a infiltração de células inflamatórias e a liberação de enzimas tóxicas, redu
zindo a opacidade, cicatrização e neovascularização corneana. No entanto, deve-se utilizar a
mínima dose necessária, pois seu uso oferece também desvantagens, tais como: a possibilida
de de exacerbar a infecção, o risco de afmamento e perfuração, a possibilidade de infecções
oportunistas e a indução de catarata e glaucoma secundários. Esses pacientes portadores da
forma inflamatória ou mista da doença herpética são extremamente sensíveis à redução da
corticoterapia tópica, e podem apresentar rebote da inflamação, mesmo quando a retirada é
realizada de forma lenta e gradual.
Nos casos de infecção epitelial e inflamação estromal simultâneas, deve-se tratar primeiro
a infecção epitelial e iniciar o corticoide tópico somente após o controle desta.
As principais indicações do tratamento com antiviral oral em sua dose plena terapêutica
(Tabela III) são: casos de infecção primária extensa ou grave, iridociclite ou ceratouveíte herpé
tica, pacientes imunocomprometidos, crianças menores de 10 anos e indivíduos que tenham
dificuldade na aplicação da medicação tópica.
A indicação da profilaxia antiviral não é restrita, podendo ser utilizada sempre que se de
seja reduzir a taxa das recorrências herpéticas. No entanto, o tratamento profilático por lon
go prazo pode não ter uma relação de custo-benefício positiva para todos os pacientes, não
somente pelo aspecto financeiro, como também pelos possíveis efeitos colaterais causados
pelo fármaco, que incluem insuficiência renal reversível por deposição de cristais nos túbulos
renais, efeitos tóxicos reversíveis na medula óssea, diarreia e potencial de mutagênese. A de
cisão de iniciar a profilaxia deve ser baseada, portanto, em cada caso, tendo sido sugeridas
as seguintes indicações: doença herpética estromal recorrente com eixo visual transparente,
envolvimento binocular, irite herpética com hipertensão ocular e necessidade do uso de corti
coterapia tópica (prednisolona a l^ o u dexametasona a0, l ^) 3 vezes ou mais ao dia.
HERPES-ZÓSTER OFTÁLMICO
Patogênese: O vírus varicela-zóster (VZV), ou herpesvirus tipo 3, causa 2 síndromes virais dis
tintas: a varicela (catapora) e o herpes-zóster. A infecção primária (varicela) tem como principal
porta de entrada a via respiratória seguida pela pele. A disseminação se dá por via hematogê-
nica ou linfática, com subsequente latência neuronal no gânglio sensorial. A interrupção do
estado de latência com a recidiva do VZV geralmente gera um quadro de herpes-zóster com
acometimento de um dermátomo, sendo muito rara a recorrência de um quadro de varicela.
O principal fator desencadeante do herpes-zóster é a idade avançada seguida pela imu-
nossupressão, trauma e irradiação.
Infecções Virais
E importante lembrar que os pacientes afetados devem evitar contato com indivíduos que
nunca tiveram varicela ou imunossuprimidos durante o período de inflamação aguda, de 8 a
14 dias, enquanto as lesões ainda são infecciosas com potencial contagioso. O acometimento
cutâneo pelo herpes-zóster, diferentemente do herpes simples e da varicela, frequentemente
evolui com cicatrização e pigmentação da pele. Raramente, o rash não se manifesta (zostersine
herpete).
O envolvimento ocular ocorre em aproximadamente 50% dos casos de HZO. Quando há
envolvimento palpebral com cicatrização, pode haver formação de entrópio e lagoftalmo. Po
dem ocorrer conjuntivite, episclerite e esclerite, ceratite, perda grave da sensibilidade cornea-
na com a consequente formação de ceratopatia neurotrófica, irite com atrofia setorial da íris,
retinite, neurite óptica e paralisia de nervos cranianos.
A córnea pode ser afetada de diversas formas pelo VZV, e não está relacionada com a idade
nem gravidade do rash. Na Tabela V, pode-se observar todas as formas de ceratite por zóster
com sua respectiva incidência e fase de instalação do quadro. A ceratite epitelial ponteada é a
manifestação clínica inicial de envolvimento corneano do zóster. Resulta de edema das células
epiteliais, pode corar-se com o rosa-bengala e é, comumente, associado a uma conjuntivite.
O VZV já foi isolado nessas células. A ceratite epitelial dendrítica causada pelo VZV parece
representar a coalescência das lesões da ceratite epitelial ponteada. Manifesta-se com dendri-
tos que não são defeitos epiteliais verdadeiros e, sim, elevados formados por células epiteliais
edemaciadas e placas de muco. Dessa forma, ao contrário do dendrito causado pelo HSV, eles
150 Doenças Externas Oculares e Córnea
não se coram bem com a fluoresceína, não têm muitas ramificações nem bulbos terminais e,
por isso, são muitas vezes chamados de pseudodendritos, podendo ocorrer durante a fase
aguda ou tardiamente (placas de muco ou pseudodendritos tardios).
Fá rm a co A p re se n ta ç ã o /c o n c e n tra ç ã o N o m e co m e rcia l D o sa g e m
Aciclovir Cp. 200*, 400*, 800 mg Zovirax*, Aviral*, Genérico* 4 g/dia (800 mg 5x/dia)
Valaciclovir Cp. 500* mg Valtrex* 3 g/dia (1.000 mg 8/8)
Fanciclovir Cp. 125*, 250* mg Famvir* 750 mg/dia (250 3x/dia)
da no HZO que no HSV. E importante lembrar que alterações palpebrais secundárias ao HZO,
como lagoftalmo e entrópio, devem ser prontamente corrigidas cirurgicamente para favorecer
a cicatrização da superfície ocular e evitar a ceratite por exposição.
A ceratite serpiginosa se apresenta com um afmamento corneano periférico com base
acinzentada. Pode estar associada a neovascularização ou pode progredir para a perfuração.
Geralmente, esse afmamento se inicia com uma vasculite límbica. A esclerite pode invadir a
córnea causando uma escleroceratite, processo inflamatório por contiguidade com vasculite
límbica, podendo haver vascularização e afmamento corneano periférico.
Tratamento: O tratamento da fase aguda do herpes-zóster oftálmico é sistêmico, com uso
de antivirais por via oral no paciente imunocompetente (Tabela III) e por via endovenosa no
paciente imunocomprometido (aciclovir, 5 a 10 mg/kg a cada 8 horas, diluído em soro fisio
lógico e administrado lentamente - 1 a 2 horas, para evitar deposição do antiviral no rim e
consequente nefropatia). O antiviral deve ser introduzido o mais precoce possível (de prefe
rência nas primeiras 72 horas de manifestações clínicas), devendo ser mantido por 7 a 10 dias
no paciente imunocompetente. No paciente imunocomprometido após 5 a 7 dias de antiviral
endovenoso, o paciente deve ser mantido em terapia antiviral por via oral por tempo inde
terminado. A dose para o tratamento de HZO é o dobro daquela utilizada nos pacientes com
herpes simples ocular, como pode ser observado na Tabela VI.
Infecções Virais
TABELA V Alterações oculares causadas por infecções virais que menos comumente afetam o olho
V IR U S DN A
P o x v iru s
P ic o rn a v ir u s
As lesões cutâneas devem ser limpas com sabão neutro, compressas mornas e tratadas
com antibiótico em pomada para prevenir infecção secundária e celulite. O uso de antagonis
tas H2 (cimetidina 800 mg/dia) pode reduzir o prurido e a dor comumente presentes.
A conjuntivite e a episclerite são autolimitadas, e o tratamento, que inclui compressas
geladas e lubrificantes, visa apenas o alívio sintomático.
O corticoïde sistêmico deve ser indicado nos casos de inflamação grave ou nas queixas
de dor (neuralgia herpética aguda) intensa. Preconiza-se o uso de prednisona (Meticorten®) 1
mg/kg/dia via oral.
As manifestações imunológicas oculares (ceratite estromal, ceratouveíte) são tratadas com
corticoïde tópico (prednisolona a l^ o u dexametasona a 0,1% 4 a 8 vezes ao dia). A redução da
corticoterapia tópica deve seguir o mesmo esquema daquele descrito para o tratamento do
herpes simples, ou seja, a retirada deve ser lenta e gradual, e uma mínima dose pode ter que
r
EPSTEIN-BARR
Patogênese: O EBV infecta a maioria dos seres humanos, com uma priminfecção na fase de
adultos jovens, causando a mononucleose infecciosa, caracterizada por febre, linfadenopatia,
faringite e esplenomegalia. O vírus é transmitido principalmente pela saliva, mas também por
transfusão sanguínea. Após a infecção primária, acredita-se que fique latente em diferentes
tecidos, dentre estes a glândula lacrimal.
Apresentação clínica: A principal forma de envolvimento ocular do EBV é a conjuntivite
folicular unilateral. A ceratite causada pelo EBV pode apresentar-se na forma de múltiplas
lesões dendríticas epiteliais e lesões estromais do tipo infiltrados subepiteliais, opacidades
numulares. As lesões podem assumir um formato de anel e até infiltrados mais profundos,
com a formação de neovascularização. O EBV já foi sugerido como possível agente causador
da síndrome iridocorneoendotelial e da síndrome oculoglandular de Parinaud. Pode causar
dacrioadenite aguda, que se manifesta clinicamente pelo aumento e inflamação da glândula
lacrimal.
Tratamento: A mononucleose é uma infecção autolimitada que não tem tratamento espe
cífico, a não ser de suporte em relação aos sintomas e sinais. A ceratite, quando leva a baixa
de visão ou risco de cicatrização e neovascularização, deve ser tratada com corticosteroides
tópicos.
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Infecções Fúngicas
As infecções fúngicas vêm crescendo em importância e frequência nas últimas décadas, e vá
rias razões podem explicar esse aumento: a) melhores técnicas diagnósticas; b) uso frequente
de corticoide e antibiótico; c) maior número de acidentes envolvendo o globo ocular; d) au
mento do número de cirurgias oculares; e) algumas novas doenças, tais como a síndrome da
imunodeficiência adquirida; f) número crescente de indivíduos viciados em drogas; g) reconhe
cimento de que diversas espécies de fungos, usualmente saprófitas ou não patogênicos, têm
capacidade de infectar o olho.
As úlceras corneanas micóticas causadas por fungos filamentosos ocorrem principalmente
em climas quentes e relacionadas geralmente a infecções pós-traumáticas por materiais vege
tais, em olhos previamente sadios. Diferentemente, a ceratite causada por leveduras ocorre
com mais frequência em olhos com doenças preexistentes, tais como atopia, olho seco, com
prometendo a defesa local ou em razão do uso incorreto de corticoide.
Os fungos, diferentemente das bactérias, podem penetrar na membrana de Descemet
íntegra.
Os principais fungos causadores de ceratite em nosso meio são filamentosos: Fusarium sp.
(60%), Aspergillus sp. (11%), Penicillium sp. (7,0%) e Scedosporium sp. (6,0%), e, entre os leveduri-
formes, a Candida sp. (64%).
DIAGNÓSTICO CLÍNICO
Paciente com ceratite fúngica tende a ter menor reação inflamatória inicial que a bacteriana,
porém, em estágios avançados, torna-se indistinguível. As ceratites fúngicas filamentosas fre
quentemente se manifestam com infiltrados, aspecto “seco” , branco-acinzentado, margens
hifadas, lesões satélites e sobrelevadas, podendo também ser acompanhadas por placas en-
doteliais, anel imune e hipópio. Pode haver extensão da infecção para a câmara anterior. As
155
156 Doenças Externas Oculares e Córnea
ceratites por leveduras podem se assemelhar às filamentosas, porém apresentam uma supu
ração mais densa e focal, sem margens hifadas ou satelitismo, mostrando um aspecto úmido.
Quando a úlcera de córnea fúngica se aprofunda atingindo o estroma profundo, Descemet
e endotélio, associada à presença de placa de fibrina endotelial atrás da lesão, reação infla
matória de câmara anterior (fibrina e células) e hipópio, pode-se suspeitar da formação de um
quadro infeccioso localizado no segmento anterior do olho (endoftalmite anterior), e o seu
reconhecimento é importante para indicação de procedimentos terapêuticos auxiliares, como
a lavagem de câmara anterior.
DIAGNÓSTICO LABORATORIAL
TRATAMENTO
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Infecções Parasitárias: Ceratite
por A ca n th a m o eb a spp.
Amebas de vida livre do gênero Acanthamoeba são organismos eucariotos (contêm núcleo ver
dadeiro), aeróbios e de ampla dispersão na natureza, podendo habitar ambientes aquáticos e
terrestres. O ciclo de vida celular desse protozoário compreende duas formas vitais: (/) trofo-
zoíto, cujo tamanho varia de 15 a 45 pm, é caracterizado pela fase vegetativa de locomoção
(emissão de pseudópodes especializados denominados acantopódios), alimentação (princi
palmente bactérias e leveduras) e multiplicação (fissão binária ou bipartição); e (//) cisto, cujo
tamanho varia entre 10 e 25 pm, é caracterizado pela forma de resistência, imóvel, com a
presença de paredes celulares duplas (endo e ectocisto), constituídas principalmente por car
boidratos. Na superfície ocular, Acanthamoeba spp. apresenta, em geral, predisposição pela
córnea, motivo pelo qual a doença é denominada ceratite amebiana.
A ceratite por Acanthamoeba ocorre, na grande maioria das vezes, em usuário de lentes
de contato (LC), especialmente as gelatinosas, sobretudo quando há exposição a águas pos
sivelmente contaminadas (p.ex., piscina, mar, banheira e soro fisiológico) e quando não há
cumprimento das recomendações de cuidados e uso dessas lentes. Casos não relacionados ao
uso de LC têm sido relatados na literatura e estão geralmente ligados a traumas com materiais
vegetais, insetos, entre outros. No Brasil, os primeiros casos de ceratite por Acanthamoeba spp.
foram publicados em 1988.
Os sintomas na fase inicial são bastante inespecíficos e, geralmente, incluem intolerância
ao uso de LC, traduzidos por incômodo na forma de sensação de corpo estranho ou ardor,
lacrimejamento, fotofobia e embaçamento visual. Em 50% dos casos pode ocorrer dor intensa,
desproporcional aos achados clínicos. Esses sintomas podem apresentar períodos de melhora
e piora durante o curso da doença.
Os achados clínicos são de edema palpebral e blefaroespasmo; na biomicroscopia pode
mos observar [1] inflamação perilimbar e/ou hiperemia ocular generalizada, [2] alterações epi-
teliais na forma de linhas (pseudodendritos) (Fig. 1), [3] epitélio corneano íntegro ou ulcerado
159
160 Doenças Externas Oculares e Córnea
nas mais variadas formas, [4] ceratoneurite (considerada por alguns como patognomônica no
usuário de LC) (Fig. 2), [5] infiltração estromal de várias intensidades e localizações, mais ca-
racteristicamente na forma de anel (bastante sugestiva, mas não patognomônica) (Fig. 3), [6]
neovascularização corneana, [7] afinamento corneano, [8] reação de câmara anterior ou até
mesmo hipópio, [9] esclerites, entre outros. Em casos mais avançados, podemos observar a
formação de midríase paralítica, com ou sem ectrópio uveal, atrofia de íris com acúmulo de
pigmentos na face posterior da córnea, catarata e glaucoma. Diminuição da sensibilidade cor
neana pode estar presente.
O principal diagnóstico diferencial nas fases iniciais é com o herpes epitelial, principal
mente quando há observação do pseudodendrito e diminuição da sensibilidade corneana.
Na fase estromal da infecção pode ser confundida com herpes estromal necrosante ou úlcera
fúngica, devido à evolução lenta. Outro diagnóstico diferencial importante é a úlcera por uso
abusivo de colírio anestésico, que causa ceratite necrosante com intensa dor.
O diagnóstico é via exame laboratorial, pois, uma vez confirmado, o tratamento é bastan
te longo, chegando há meses nas ceratites com acometimento estromal. A pesquisa laborato
rial é realizada com múltiplas raspagens da córnea na tentativa de isolar o parasita; o material
pode ser semeado diretamente no meio de cultura ou colocado em meio de transporte apro
priado (p. ex., solução salina de Page). Fragmentos de tecido corneano ou de epitélio também
são colocados em meio de transporte para Acanthamoeba. O exame direto propicia a detecção
presuntiva do protozoário na amostra clínica, independentemente do estágio de viabilidade, e
as colorações utilizadas são hematoxilina férrica de Heidenhain e Giemsa. A técnica de micros-
copia utilizando o corante fluorescente Calcofluor white (Fig. 4) também propicia a observação
de cistos do protozoário a partir da amostra clínica (Quadro 1). O exame direto a fresco, com a
observação do material vivo e as amebas em locomoção, é o que oferece melhores condições
de caracterização morfológica, usando-se microscopia de contraste de fase e/ou de interferên
cia. A metodologia de isolamento e cultivo da Acanthamoeba spp. em meio de cultura sólido
r
não nutriente (Quadro 1), como o Agar-Foronda, contendo bactérias inativadas, é considerada
padrão-ouro para o diagnóstico laboratorial da infecção e permite avaliar quanto ao estado de
viabilidade celular da ameba na amostra clínica. Culturas positivas das lentes e/ou materiais de
limpeza das LCs não fecham o diagnóstico. Nas fases mais avançadas em que o protozoário já
penetrou profundamente no estroma, pode ser necessária a realização de biópsia corneana;
fragmentos de epitélio ou tecido corneano devem ser colocados no meio de transporte. O
microscópio confocal pode mostrar a presença da Acanthamoeba spp., principalmente cistos,
mas não permite avaliar a viabilidade do parasita. A reação em cadeia da polimerase (PCR)
provavelmente reduz o tempo de diagnóstico, mas hoje em dia é utilizado em estudos do pa-
r
rasita e não está incluso na rotina diagnóstica atual. E importante ressaltar que podem ocorrer
infecções bacteriana e fúngica associadas, daí a importância de colheita em vários meios de
cultura. Também, o isolamento inicial de uma bactéria, ou até mesmo de um fungo, não ex
clui a possibilidade de infecção por Acanthamoeba, sendo a clínica e a resposta terapêutica ao
isolado cruciais para a determinação diagnóstica final. Ainda, atentar para possíveis infecções
secundárias, que podem ocorrer quando o tratamento é prolongado; essas infecções são ge
ralmente causadas por bactérias (estreptococos).
r
de manipulação). E importante atentar para sinais de toxicidade, que podem requerer redução mais
rápida da frequência da medicação. Tanto as diamidinas como os agentes antissépticos catiônicos
não são aprovados no Brasil para o tratamento da ceratite por Acanthamoeba, devendo o paciente
assinar um termo de consentimento livre e esclarecido para tal. Os antifúngicos tópicos têm sido
usados com menos frequência e somente em casos de não resposta ao tratamento aqui já citado.
O uso de antifúngicos sistêmicos é raramente indicado na atualidade, mas, se for o caso, a função
hepática deve ser checada antes da sua administração e monitorada durante o seu uso. Ao término
do tratamento, é importante seguir esses pacientes por um tempo prolongado, para certificar-se
de que não há recorrência da infecção. Alguns pacientes podem desenvolver inflamação corneana
imunológica e não infecciosa, traduzida por infiltrados numulares ou edemas corneanos mais ex
tensos. Essa reação é provavelmente de hipersensibilidade a restos do parasita morto e deve ser
tratada com corticoides leves. Nesses casos é imprescindível o diagnóstico diferencial com infec
ção ativa por Acanthamoeba, que dever ser feito através de colheita de material corneano. O uso de
corticoide deve ser evitado nas 2 semanas iniciais de tratamento específico, podendo ser introdu
zido de forma parcimoniosa (corticoides leves e em baixa frequência) frente à melhora dos sinais e
sintomas. O uso de corticoides sistêmicos pode ser necessário no caso de esclerites. O transplante
de córnea só deve ser indicado quando houver falha de tratamento (aguardar no mínimo 4 meses)
ou quando há o desenvolvimento de complicações como midríase, sinequias, catarata e glaucoma,
que podem requerer transplante penetrante de córnea, facectomia com implante de lente intrao
cular, reconstrução do diafragma iridocristaliniano e/ou cirurgias fistulizantes ou de implantes de
tubos de drenagem.
A prevenção da infecção é um dos fatores mais importantes. No caso de usuários de LCs,
estes devem ser orientados sobre a importância da correta assepsia e cuidados com uso. De
vem, também, ser orientados a procurar rapidamente o oftalmologista frente a sinais e sinto
mas atípicos durante o uso das lentes.
Microsporídeo é um organismo conhecido como parasita dos maiores grupos animais (verte
brados e invertebrados), incluindo anfíbios, peixes, insetos, répteis, aves e roedores. Podem
causar uma variedade de doenças humanas envolvendo múltiplos órgãos, e existem casos bem
documentados de ceratites associadas recentemente a indivíduos HIV-positivos.
164 Doenças Externas Oculares e Córnea
BIBLIOGRAFIA
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Infecções Clamidianas
Infecção pela bactéria Chlamydia trachomatis é o maior problema de saúde pública como doen
ça sexualmente transmissível, tanto em países desenvolvidos quanto nos em desenvolvimen
to, e é o segundo microrganismo mais frequente como causa de conjuntivite crônica do adulto
sexualmente ativo.
Como infecção de transmissão olho a olho, o tracoma continua merecendo a atenção dos
países em desenvolvimento e subdesenvolvidos, que deverá ser maior ou menor de acordo
com a morbidade, já que é a terceira causa de cegueira no mundo.
Nas duas formas de transmissão, a conjuntivite é folicular crônica.
Conjuntivite clamidiana sexualmente transmissível é comumente chamada de conjuntivite
de inclusão, tanto para o adulto quanto como oftalmia neonatal.
A contaminação das mucosas do recém-nascido com Chlamydia trachomatis ao passar pelo
canal de parto, além da conjuntivite que se manifesta nos 10 primeiros dias de vida, pode pro
vocar infecções das vias respiratórias, otite, vaginite e pneumonia intersticial afebril. A ocor
rência de pseudomembrana na conjuntiva tarsal nas 3 primeiras semanas de vida confirma o
diagnóstico de infecção clamidiana. Oftalmia neonatal deve ser tratada sistemicamente com
eritromicina na dose de 30 mg/kg/dia, fracionada em 3 tomadas diárias durante 2 semanas. O
valor da antibioticoterapia tópica é discutido nos casos das oftalmias neonatais pelos agentes
mencionados e, se utilizada, deve ser na forma de pomada de tetraciclina a \% ou eritomicina a
0,5%, 3 a 4 vezes/dia, durante 10 dias. As complicações sistêmicas da contaminação do recém-
-nascido obrigam a investigação laboratorial da causa da conjuntivite e a participação conjunta
do pediatra no tratamento e controle. Os pais devem ser informados sobre a necessidade de
investigar infecção clamidiana no trato genital do casal.
Conjuntivite de inclusão do adulto é também denominada paratracoma, e a contaminação
é incidental. No diagnóstico diferencial das conjuntivites crônicas, apesar da alta frequência, a
Chlamydia trachomatis nem sempre é lembrada se a epidemiologia como doença sexualmente
167
168 Doenças Externas Oculares e Córnea
transmissível não fizer parte do questionário aplicado na “história da doença atual” e o exame
biomicroscópcio não for cuidadoso. Folículos nas conjuntivas tarsais são mais raros do que no
tracoma, mas, se ocorrerem na conjuntiva bulbar, fortalecem o diagnóstico etiológico.
Sinais urogenitais na mulher infectada por Chlamydia trachomatis passam muitas vezes
despercebidos ou como corrimento tolerável. No homem, o diagnóstico é fortalecido ao con
firmar a ocorrência da “gota matinal” , corrimento na forma de uma gota de secreção esbran
quiçada antes do primeiro urinar na manhã, podendo haver queixa de ardor uretral.
O tratamento deve ser tópico e sistêmico, tanto do paciente quanto do seu(s) parceiro(s).
Pomadas de tetraciclina a 1%, ou de sulfonamida ou fluoroquinolona são usadas 2 vezes/dia
pelo período de 2 semanas. Sistemicamente, pode-se utilizar a tetraciclina na dose de 500 mg
via oral, 2 vezes/dia, durante 2 semanas. Esta pode ser substituída pela eritromicina na mesma
dosagem; doxiciclina (vibramicina) 300 mg iniciais, mantendo-se 100 mg/dia, até completar 2
semanas de tratamento, ou pela azitromicina, 500 mg, 1 dose por semana durante 3 semanas.
Chlamydia trachomatis é sensível também às sulfonamidas e à rifampicina. Havendo confirma
ção de infecção urogenital, o tratamento de eleição é azitromicina na dose de 500 mg/dia/3
dias, repetida durante 3 semanas, ou ciprofloxacino 500 mg/2 vezes/dia/20 dias. A melhor op
ção é a azitromicina, por ter acesso aos lisossomos, enquanto o ciprofloxacino atinge apenas o
citoplasma. Evidentemente, o tratamento para a infecção urogenital clamidiana dessa maneira
é mais do que suficiente para tratar também o paratracoma desses pacientes.
O quadro de conjuntivite pode resolver mesmo na ausência de tratamento ou de trata
mento adequado, apesar do desconforto ocular, podendo resultar em cicatrizes conjuntivais
tarsais e corneais superiores que muito raramente podem interferir com a visão.
Tracoma tem história natural que pode resultar em cicatrizes conjuntivais tarsais, com
entrópio e opacidades corneais que comprometem a visão. A doença é caracterizada pela
reinfecção da conjuntiva pela Chlamydia trachomatis em regiões endêmicas, permitindo o apa
recimento dos seus diferentes estágios. Denomina-se tracoma folicular (TF) à presença de
pelo menos cinco folículos na superfície da conjuntiva tarsal superior exposta pela eversão
da pálpebra. Se, além dos folículos na conjuntiva tarsal superior, ocorre hiperplasia papilar
suficiente para dificultar a observação dos vasos tarsais profundos, esse estágio se chama tra-
•\
coma folicular intenso (TI). A presença de cicatriz na conjuntiva tarsal superior, por menor que
ela seja, denomina-se tracoma cicatricial (TS). A presença de pelo menos um cílio tocando na
superfície ocular, ou evidência de epilação, caracteriza o estágio triquíase tracomatosa (TT).
Opacidade corneai chegando a atingir o terço superior da córnea, ou mais, é o estágio chama
do opacidade corneai (CO).
Tracoma pode ser encontrado em todo o Brasil, com alguma variação no nível de morbi-
dade, comportando-se como doença que não cega na maioria das regiões e como causa de
cegueira em locais do Nordeste. Ações governamentais de vigilância existem, embora não
sejam suficientes para permitir acesso apropriado de todas as comunidades. Na regiões endê
micas brasileiras, sinais e sintomas do tracoma são mais frequentes na forma ativa da doença.
Linfadenopatia pré-auricular é o sinal mais comum, ocorrendo em 40% dos casos de tracoma
folicular. O hábito cultural de tomar, pelo menos um banho por dia, e o acesso às ações básicas
e de nível secundário de atenção à saúde, em um padrão razoável, provavelmente contribui
para esse comportamento clínico.
Infecções Clamidianas
BIBLIOGRAFIA
Scarpi MJ. Infecções oculares por Chlamydia trachomatis na criança e no adulto. In: Kara-José N; Freitas D, Moreira, Boteon
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Koogan, 2005; 2:1627-38.
o
*<
Doenças Imunológicas
U"
Alergia Ocular
INTRODUÇÃO
Alergia ocular pode ser definida como a alteração da superfície ocular causada por mecanis
mo de hipersensibilidade tipo I (mediado pela imunoglobulina E - IgE) e tem como sintoma
principal o prurido.
Aproximadamente 20%da população geral sofrem de alergia ocular.
A seguinte classificação foi proposta levando-se em consideração a fisiopatologia e a evo
lução clínica:
1. Conjuntivite alérgica (sazonal ou perene).
2. Ceratoconjuntivite primaveril.
3. Ceratoconjuntivite atópica.
4. Conjuntivite papilar gigante.
173
174 Doenças Externas Oculares e Córnea
QUADRO 2 Colírios para o tratamento das alergias oculares (disponíveis comercialmente no Brasil)
CERATOCONJUNTIVITE PRIMAVERIL
E uma afecção alérgica crônica e bilateral da conjuntiva, com exacerbações sazonais, mais fre
quente na primavera e verão, em regiões de clima quente e seco.
Tem predileção por meninos, entre 2 e 10 anos de idade, com tendência à resolução es
pontânea na puberdade.
Antecedentes pessoais e familiares de atopia são frequentes.
Fisiopatologia: duplo mecanismo de hipersensibilidade tipos I e IV parece estar envolvido
na patogênese da conjuntivite primaveril.
176 Doenças Externas Oculares e Córnea
palpebral e em toda a circunferência do limbo (Fig. 5). São patognomônicos de alergia ocular
e surgem durante as crises.
A córnea apresenta inicialmente ceratite puncttata superficial (Fig. 6), causada pelos me
diadores liberados pela conjuntiva e, provavelmente, exacerbada pelo trauma mecânico das
papilas gigantes sobre a córnea. Os pontos podem coalescer e produzir um defeito epitelial
oval, horizontal e com depósito superficial de placa de fibrina, que dificulta a cicatrização e
estimula a neovascularização. Tal defeito habitualmente aparece no terço superior da córnea
e é conhecido como úlcera em escudo (Fig. 7).
Neovascularização corneai periférica e paniuis são mais frequentes superiormente.
Ceratocone pode estar associado.
Laboratório: a citologia da conjuntiva consiste em eosinófilos, linfócitos, monócitos e
grânulos eosinofílicos. Testes alérgicos cutâneos podem ser realizados.
Tratamento: como em qualquer processo alérgico, medidas gerais para a eliminação do
alérgeno são fundamentais (Quadro 1).
Casos leves podem ser tratados com compressas geladas, vasoconstritores e anti-hista-
mínicos tópicos. Estabilizadores da membrana de mastócitos, como o cromoglicato de sódio
a 4% e lodoxamida a 0,1% (Quadro 2), podem ser administrados profilaticamente 4 vezes/dia,
com início pelo menos 15 dias antes do aparecimento das crises, nas formas sazonais. Na per
sistência de sintomas o ano inteiro, recomenda-se a manutenção da medicação 1 a 2 vezes/
dia, entre as crises principais.
Os medicamentos chamados de “dupla-tripla ação” (Tabela I) podem substituir com êxito
a associação do anti-histamínico tópico e do estabilizador de mastócito. Tendo em vista a res
posta individual a cada fórmula e mecanismos de ação diferentes, recomenda-se a escolha do
colírio adequando-se caso a caso.
A olopatadina a 0,1% deve ser usada de 8 em 8 horas. O cetotifeno e a epinastina de 12 em
12 horas e a olopatadina a 0,2% 1 vez ao dia.
C o lírio A lvo
Olopatadina a 0,1% (Patanolâ) Histamina, mastócitos, eosinófilos, neutrófilos, linfócitos, fator de necrose
tumoral, molécula de adesão intercelular 1
Olopatadina a 0,2% (Patanol Sâ) Histamina, mastócitos, eosinófilos, neutrófilos, linfócitos, fator de necrose
tumoral, molécula de adesão intercelular 1
Cetotifeno (Zaditenâ, Octifen®) Receptores H1, mastócitos, eosinófilos, fator de ativação plaquetária
Epinastina (Relestatâ) Receptores H1-H2, mastócitos, eosinófilos, fator de ativação plaquetária,
prostaglandina D2 e leucotrienos B4 e C4
Alergia Ocular
Nos casos graves, a adição de esteroides tópicos pode ser necessária. O acetato de predni-
solona tende a formar depósitos entre as papilas gigantes, mas é altamente eficaz no controle
das crises graves de ceratoconjuntivite primaveril. Deve ser usado em doses altas (a cada 2
horas) com rápida regressão (1 gota a cada 3 dias) por curto período de tempo (máximo 30
a 45 dias). Os pacientes devem ser muito bem orientados quanto aos efeitos colaterais dos
corticoides tópicos e dos riscos da utilização crônica, como glaucoma, catarata, maior predis
posição a infecção. Uma alternativa eficaz, para evitar o corticoide tópico e, portanto, prevenir
o uso indiscriminado pelo paciente, é a injeção supratarsal de fosfato de dexametasona (4 mg/
ml), após eversão da pálpebra superior, ou acetato de prednisolona (40 mg/ml), ou acetato de
triancinolona (10,5 mg/ml).
O uso de ciclosporina ainda é controverso tanto no que tange à concentração recomen
dada quanto ao uso isolado ou associado a outros fármacos. Pode ser usada ciclosporina a 1
a 2% tópica associada aos fármacos de dupla-tripla ação, entretanto não parece substituir com
eficácia os corticoides tópicos nos casos graves.
Na presença de úlcera em escudo, além do tratamento habitualmente preconizado, lágri
mas artificiais, de preferência sem conservantes, e esteroides tópicos potentes em altas doses
devem ser adicionados. Placas de fibrina devem ser removidas.
Nos casos graves com lesões corneais recorrentes e altamente dependentes de corticoides
tópicos, pode ser realizada ressecção cirúrgica das papilas associada a transplante autógeno
de conjuntiva (Figs. 8A e B). Membrana amniótica é geralmente reabsorvida antes que se tenha
cicatrização da área de ressecção das papilas gigantes. Crioablação das papilas foi descrita,
porém a melhora é transitória, com formação de cicatrizes extensas.
DERMATOCERATOCONJUNTIVITE ATÓPICA
r
E uma inflamação crônica e bilateral da conjuntiva e pálpebra, que ocorre em 14 a 40% dos
indivíduos com dermatite atópica.
As crises são mais frequentes no inverno, principalmente no sexo masculino, após os 40
anos de idade, embora tenham sido descritos casos em crianças. Antecedente pessoais e fami
liares de atopia são frequentemente encontrados.
180 Doenças Externas Oculares e Córnea
por tempo prolongado (pelo menos outono e inverno) ou aos fármacos de dupla-tripla ação.
Quando houver envolvimento da córnea, corticoides tópicos potentes são mandatórios para
controle da crise.
Lágrimas artificias devem ser indicadas principalmente nos casos de olho seco secundário
associado.
E caracterizada pela presença de papilas gigantes (> 3 mm) na conjuntiva palpebral superior,
associada mais frequentemente ao uso de lentes de contato gelatinosas. Outros fatores, como
contato com sutura exposta, prótese ocular, bolha filtrante e extrusão de cinta de silicone es-
cleral, também estão implicados na patogênese da conjuntivite papilar gigante.
Fisiopatologia: pode resultar da associação do traumatismo mecânico da lente de conta
to, fio de sutura etc. com a conjuntiva palpebral superior, seguida por reação de hipersensibi-
lidade tipos I e IV.
Os achados histológicos são semelhantes aos da ceratoconjuntivite primaveril.
Apresentação clínica: intolerância ao uso da lente de contato, caracterizada pela presen
ça de secreção mucosa na manhã seguinte à remoção da lente, é a queixa inicial, seguida por
sensação de corpo estranho e prurido.
O achado mais precoce é a presença de hiperemia conjuntival discreta, com hipertrofia
papilar de 0,3 a 0,5 mm da conjuntiva palpebral superior.
Com a progressão, a secreção mucosa torna-se mais espessa, as lentes passam a apresen
tar maior mobilidade e as papilas começam a coalescer.
Nos casos graves, as papilas são maiores que 0,75 mm, tornando impossível o uso da lente
de contato.
Conjuntivite papilar gigante associada a fios de sutura (Fig. 11), bolha filtrante ou cinta
de silicone escleral é geralmente caracterizada pela presença de hipertrofia papilar localizada
adjacente ao estímulo.
Tratamento: com a suspensão do uso das lentes de contato, os sintomas melhoram; en
tretanto, na readaptação, as lentes devem ser substituídas por lentes de material diferente ou
devem-se substituir os produtos de limpeza e manutenção das lentes.
Nos casos mais avançados, os pacientes devem ser orientados a não usar as lentes por
pelo menos 30 dias, para que se obtenha melhora dos sinais inflamatórios. A hipertrofia papi
lar pode levar meses para regredir.
Tratamento medicamentoso com estabilizadores de mastócitos tópicos pode ser útil, mas
devem ser instilados preferencialmente antes da colocação e após a retirada das lentes de
contato.
BIBLIOGRAFIA
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Doenças Cicatriciais da
Conjuntiva
PAULO ELIAS CORREA DANTAS • SÉRGIO FELBERG
MARIA CRISTINA NISHIWAKI-DANTAS • RICARDO HOLZCHUH • NILO HOLZCHUH
JUNIA CABRAL MARQUES • ÉRIKA ALESSANDRA G. SILVINO RODRIGUES
ROGÉRIO ALBERTO MENDES MOREIRA • ARTHUR RUBENS CUNHA SCHAEFFER
RICHARD HIDA
183
184 Doenças Externas Oculares e Córnea
Trataremos neste capítulo de algumas das mais importantes causas de cicatrização anô
mala da conjuntiva.
Introdução: o penfigoide ocular cicatricial (POC) é uma doença sistêmica autoimune caracte
rizada pela produção de anticorpos contra antígenos localizados na pele e mucosas, gerando
um processo inflamatório crônico recidivante e cicatrização aberrante nesses locais.
Casos de POC têm sido descritos em todo o mundo, sem preferência geográfica ou de
raça. Na literatura, a incidência tem sido estimada em 1/12.000 a 40.000 pacientes oftalmo
lógicos, sendo mais frequente no sexo feminino (1,5 a 3,0:1). A idade média de ocorrência é
entre 50 e 80 anos. Entretanto, em razão do difícil diagnóstico nos estágios iniciais da doença,
caracterizado por conjuntivite crônica e recidivante, presume-se que sua idade de surgimento
seja mais precoce.
A doença pode ser exclusiva da conjuntiva ou aparecer 10 a 20 anos após o surgimento de
lesões em outras áreas.
r
E uma doença que também envolve as mucosas do palato mole, oral, nasal, esôfago, tra
queia, uretra, vagina e ânus.
Etiopatogenia: POC é uma doença autoimune que acomete indivíduos com predisposição
genética. Pacientes portadores dos genes HLA-DR4, DR5, DQw3, A2, B8, B35 e B49 são ge
neticamente predispostos e, sob ação de um indutor ou “gatilho” ambiental (vírus, bactérias
ou fármacos), iniciam alterações nos linfócitos T com consequente produção de autoanti-
corpos direcionados contra moléculas de adesão do complexo hemidesmossomo-membrana
epitelial. Esses anticorpos induzem à reação inflamatória de hipersensibilidade tipo II, na qual
imunoglobulinas (Ig) tipo G e/ou tipo A ligam-se a determinados antígenos, desencadeando a
ativação do complemento. Essa ativação leva à produção de citoquinas e outros marcadores
da inflamação, que, por sua vez, provocam ativação de fibroblastos e formação de colágeno,
seguidas de cicatrização da membrana basal da conjuntiva.
O peptídeo P4 da proteína integrina a6p4 parece ter um papel importante no POC, pois
foi identificado como sendo o autoantígeno-alvo sobre o qual os autoanticorpos atuam, dani
ficando as integrinas e as lamininas da conjuntiva, causando sua cicatrização crônica.
Quadro clínico: o quadro clínico ocular apresenta-se como conjuntivite crônica, unilateral
recidivante. Os achados conjuntivais e corneais variam de acordo com o estágio da doença. Na
córnea, podem ocorrer ceratite puncttata, defeitos epiteliais, úlceras e neovascularização até
sua opacidade total. Não são incomuns outros achados oculares, como triquíase, entrópio e
disfunção das glândulas de Meibomius. Os pacientes podem apresentar queixas inespecíficas,
como vermelhidão, sensação de corpo estranho, olho seco e lacrimejamento.
O estadiamento da doença é feito com base nos achados biomicroscópicos:
Estádio 1: no qual há fibrose subepitelial (Fig. 1).
■ Estádio 2: ocorre encurtamento do fundo-de-saco conjuntival. Pode ser subdividido, em
relação ao percentual de área encurtada, em 2a até 25%; 2b até 50%; 2c até 75%; e 2d até
100% (Fig. 2).
Doenças Cicatriciais da Conjuntiva
Estádio 3: simbléfaro, que também pode ser subdividido, em relação ao percentual de área
acometida, em 3a, 3b, 3c e 3d (Fig. 3).
Estádio 4: característico anquilobléfaro e queratinização da superfície ocular (Fig. 4).
M e d ica çã o D o se C o n tro le
A dapsona é opção para olhos com inflamação leve a moderada. Tem ação anti-inflamató-
ria e imunossupressora. Demora até 4 semanas para agir. Antes de sua administração, deve ser
feita pesquisa da enzima glucose-6-difosfato. Na ausência dessa enzima, hemólise grave pode
ocorrer. Como alternativas à dapsona, seja por intolerância à medicação, seja por resposta
insatisfatória, temos a azatioprina (Imuran®) e o metotrexato (Metrexato®). A azatioprina age
inibindo a síntese de DNA, RNA e proteínas, por meio do metabolismo das purinas. Já o meto
trexato age na divisão celular, síntese de DNA e RNA, e ainda no reparo do DNA. A ciclofosfa-
mida leva à imunodepressão dos linfócitos B e T. Sua dose deve ser ajustada de acordo com a
resposta terapêutica, tolerância ao medicamento e resposta medular.
Mesmo na vigência de tratamento imunossupressor, a recorrência da doença é de aproxi
madamente 33%.
Imunoglobulina intravenosa (1 g/kg de peso por 2 dias consecutivos, a cada 4 semanas)
pode ser usada como opção ao tratamento imunossupressor em casos resistentes à terapêu
tica convencional, e apresenta menores efeitos colaterais a longo prazo, mas tem a desvanta
gem de ser muito dispendiosa.
O uso do tacrolimus ainda é controverso. Há descrição de melhora na inflamação conjunti
va 1com seu uso tópico (tacrolimus a 0,06%, 3 vezes/dia), devido à boa penetração conjuntival,
mas seu uso sistêmico não é opção no controle inflamatório.
Somente após instaurada terapêutica sistêmica com controle inflamatório rigoroso, pode
ser cogitado tratamento cirúrgico. Este pode ser necessário para correção das margens palpe-
brais (desde epilação até correção do entrópio), ocluir pontos lacrimais, temporária ou defini-
tivamente, ou reconstruir fundo-de-saco, com mucosa labial ou membrana amniótica, a fim de
melhorar a movimentação do olho e o controle da queratinização.
Estudos mais recentes mostram que o cultivo de células conjuntivais na membrana amni
ótica parece ter melhores resultados nas cirurgias de reconstrução de segmento anterior. Em
alguns casos, a lente escleral pode ser adjuvante no período pós-operatório. O transplante de
córnea está indicado em casos reservados de perfuração como opção terapêutica (tectônico).
Não é indicado como opção eletiva em busca de reabilitação visual devido ao mau prognós
tico.
188 Doenças Externas Oculares e Córnea
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ROSÁCEA
E caracterizada pelo acometimento preferencial da face sob a forma de eritema, que pode
estar associado à ingestão de bebidas alcoólicas ou quentes, alimentos condimentados, es
tresse e exposição solar. Durante a fase inflamatória, há formação de pústulas, pápulas e di
latação vascular (telangiectasias) (Fig. 6). Na fase mais tardia, pode haver hipertrofia das glân
dulas sebáceas com dilatação folicular e crescimento do tecido conjuntivo, principalmente no
nariz (rinofima).
Fisiopatologia: a etiologia da rosácea ainda não é bem compreendida. Embora não haja
comprovação científica, algumas teorias foram aventadas, entre elas: distúrbios gastrintesti
nais (Heliobacter pylorii como fator estimulante), causas psicossomáticas, infecções (Demodex
folliculorum), causas climáticas e alterações imunológicas.
A fisiopatologia também não é bem esclarecida; porém, presume-se que tenha caráter
multifatorial, decorrente de resposta vascular anômala, geneticamente determinada e associa
da à resposta inflamatória mediada por células tipo IV.
Sinais e sintomas: a prevalência de sintomas oculares nos pacientes com rosácea é bastan
te frequente, variando de 45 a 85%. Os sintomas oculares mais comuns são sensação de corpo
estranho, queimação e dor ocular.
A manifestação clínica mais comum é a blefaroconjuntivite, geralmente associada à mei-
bomite e telangiectasias na margem palpébral. Hordéolos recorrentes e calázios são fre
quentes.
Disfunção das glândulas de Meibomius, que leva à instabilidade do filme lacrimal, induz
ao aumento de ácidos graxos livres na película lacrimal, causando hiperemia conjuntival e ce-
ratite puntiforme.
A hiperemia conjuntival geralmente ocorre no espaço interpalpebral. Pode ocorrer rea
ção folicular inferior e discreta hipertrofia papilar difusa na conjuntiva tarsal. Nos casos mais
graves, o envolvimento conjuntival crônico pode resultar em fibrose conjuntival e compro
metimento da produção de lágrima pelas glândulas acessórias, bem como lesão das células
mucíparas caliciformes.
A ceratite puntiforme inferior é o achado corneai mais frequente. Reações inflamatórias
do tecido estromal atraem neutrófilos, ocasionando infiltrados periféricos e ulcerações. Rara
mente ocorrem necrólise tecidual e perfurações. Vascularização periférica pode estar associa
da à blefarite. Nos casos mais graves ou recidivas frequentes, a vascularização pode progredir
para o centro da córnea. Pode haver diminuição da acuidade visual devido à opacidade central
ou irregularidade da córnea.
Diagnóstico: além dos sinais e sintomas característicos da rosácea ocular, são utilizados
testes para diagnosticar a síndrome do olho seco. Os testes mais usados são o de Schirmer I e
basal, teste do corante de rosa-bengala e pesquisa do tempo de rotura do filme lacrimal com
auxílio de fluoresceína.
O diagnóstico diferencial inclui blefaroceratoconjuntivites estafilocócica e seborreica,
bem como carcinoma de glândulas sebáceas.
Tratamento: o tratamento das alterações oculares consiste na higiene palpébral associada
ao uso de lubrificantes e antilipídicos antibióticos por via oral.
A higiene palpébral deve ser realizada ao menos 2 vezes/dia; pode-se utilizar xampu infan
til neutro diluído em água ou produtos já prontos (p. ex., Blephagel®, Cilclar®).
Deve-se dar preferência aos lubrificantes sem conservantes, para diminuir seu efeito de
letério.
Os antibióticos antilipídicos orais utilizados são a tetraciclina (250 mg a cada 6 horas)
e a doxaciclina (100 mg 2 vezes/dia), geralmente por 3 a 4 semanas com redução, conforme
resposta clínica. Para os pacientes intolerantes, grávidas e crianças, costuma-se administrar
eritromicina como substituto.
Metronidazol tópico a 0,75%, 2 vezes/dia, reduz as lesões inflamatórias. Estudos com me-
tronidazol oral estão sendo realizados.
Os agentes corticosteroides tópicos podem ajudar no controle da inflamação.
Em casos mais graves, nos quais há necrólise e perfuração ocular iminente, retalhos con-
juntivais ou transplantes terapêuticos podem ser indicados, porém é importante que a doença
esteja controlada.
Doenças Cicatriciais da Conjuntiva
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ERITEMA MULTIFORME
Introdução: a classificação dos eritemas multiformes modificou-se desde a sua primeira des
crição, feita em 1866 por Ferdinand von Hebra, que a apresentou como uma dermatopatia
aguda autolimitada, caracterizada por pápulas eritematosas recorrentes e concêntricas em
forma de “alvo”. Por muitos anos, a síndrome de Stevens-Johnson (SSJ) foi considerada uma
variante do eritema multiforme (EM), enquanto a necrólise epidérmica tóxica (NET) era con
siderada uma entidade distinta. Recentemente, a SSJ e a NET passaram a ser consideradas
variantes de uma entidade única, o EM. O termo multiforme descreve a forma de evolução
pleomórfica das lesões iniciais.
O EM é uma doença inflamatória aguda caracterizada pelo aparecimento de máculas ver
melhas (eritema) que evoluem para vesículas, bolhas e úlceras autolimitadas. Quase sempre,
as lesões se distribuem de maneira simétrica, principalmente nas áreas expostas ao sol, com
tamanho variável e aspecto em “alvo” ou em “íris” . Tais alterações podem ocorrer em qual
quer região da pele, mucosa bucal, conjuntiva e mucosa genital. Geralmente, cursa com sinto
mas sistêmicos, e os pacientes costumam apresentar febre, dores articulares e mal-estar geral
como pródromos.
O EM essencialmente pode ser dividido em EM minor, EM major e síndrome de Stevens-
Johnson/necrólise epidérmica tóxica.
Incidência e prevalência: a incidência real do EM é desconhecida, porém estima-se que
seja em torno de 0,01 a \%. A incidência da SSJ e da NET é estimada em 0,4 a 1,2 ou 1,2 a 6/
milhões de habitantes/ano, dependendo do estudo analisado. A incidência do EM é desconhe
cida, entretanto a ocorrência dessa condição patológica está em torno de 0,8 a 6 casos por
milhão de habitantes.
O EM pode atingir indivíduos de qualquer idade, porém é mais comum em adultos jovens
do sexo masculino, não havendo predisposição de ordem racial. Tal condição ocorre raramen
te em pessoas com idade inferior a 3 anos ou superior a 50. Há um aumento na incidência de
EM em pacientes portadores de síndrome da imunodeficiência adquirida do adulto.
Patogênese: atualmente, desconhece-se o mecanismo desencadeador do EM, mas muitas
teorias apontam para uma resposta exacerbada de linfócitos ativados por fármacos ou vírus,
não se sabendo ao certo se o defeito primário é imune ou relacionado a um metabolismo
aberrante do fármaco.
O vírus do herpes simples aparece como fator responsável por metade dos casos. Alguns
fármacos encontram-se especialmente relacionados à NET, tais como sulfonamidas, fenilbuta-
zona, penicilina, tetraciclina, antipirina, barbitúricos, ácido acetilsalicílico, procaína, halopuri-
nol, sais de ouro e hidantoína.
192 Doenças Externas Oculares e Córnea
Outros fatores desencadeantes menos comuns de EM são bactérias diversas, fungos, ir
radiação, carcinomas, linfomas e algumas colagenoses (lúpus eritematoso, dermatomiosite e
periarterite nodosa). O desenvolvimento do EM também é mencionado no curso de numero
sas afecções sistêmicas, como difteria, febre tifoide, tuberculose, sífilis, icterícia, sarampo,
hepatites A e B, hanseníase e processos malignos.
Pode aparecer nas formas crônicas da leucemia e na enfermidade de Hodgkin, porém,
mais frequentemente, ocorre nas leucemias agudas, sendo inclusive considerado um sinal
prodrômico.
Apresentação: o eritema multiforme apresenta-se de forma aguda e rapidamente progres
siva, simétrica com lesões cutâneas ou mucocutâneas e alterações concêntricas da coloração
das lesões. Apresenta sensação de queimação nas áreas afetadas com sintomas prodrômicos
inespecíficos, como febre, mialgias, artralgias, cefaleia, tosse, náuseas, vômitos e diarreia.
Achados oculares:
Agudos: cursa com conjuntivite bilateral não específica associada a lesões crostosas de
pálpebra, podendo, menos frequentemente, ser catarral ou pseudomembranosa (Fig. 7). Geral
mente tem sua resolução em 2 a 4 semanas. Uveíte anterior pode fazer parte do quadro ocular,
mas ulcerações corneais são infrequentes nessa fase.
Crônicos: o processo inflamatório agudo pode levar à cicatrização conjuntival, resultando
em simbléfaro e queratinização. Epífora secundária a entrópio, triquíase e distiquíase são co-
mumente encontradas. A cicatrização dos duetos lacrimais associada à destruição das células
caliciformes leva à instabilidade do filme lacrimal e, consequentemente, à diminuição da lubri-
Doenças Cicatriciais da Conjuntiva
ficação, levando à insuficiência de limbo e defeito epitelial persistente com baixa da acuidade
visual.
Diagnóstico laboratorial: não existe nenhum teste laboratorial específico para diagnósti
co dessa entidade; portanto, o diagnóstico clínico é essencial. Muitos pacientes apresentam
leucocitose moderada com linfócitos atípicos no exame de sangue. Eosinofilia e anemia leve
também podem estar presentes. A velocidade de hemossedimentação, valores de eletrólitos
totais e outros podem estar elevados, porém não são considerados específicos.
Na biópsia cutânea, podemos encontrar predominância de padrão inflamatório caracteri
zado por alta concentração de infiltrados linfocitários por células T e necrólise da epiderme da
camada basal. A biópsia é importante para casos em que há ausência da lesão em alvo.
Diagnóstico diferencial: o diagnóstico diferencial do EM é feito com o herpes simples,
estomatite ulcerativa récidivante, ptiríase rosa, urticária simples, pênfigo vulgar, sífilis secun
dária, dermatite herpetiforme, líquen plano e com as manifestações clínicas da leucemia. A
doença de Kawasaki, doença de Leiner e avitaminose A também entram como diagnósticos
diferenciais.
Tratamento sistêmico: o tratamento varia de acordo com a gravidade do quadro clínico.
As medidas iniciais direcionam-se para os possíveis fatores etiológicos (p. ex., suspensão
de medicações potencialmente alérgenas), reposição hidroeletrolítica, alívio sintomático do
prurido e da dor e antibioticoterapia para infecções secundárias. A corticoterapia é contro
versa, porém diminui os sintomas e retarda a disseminação das lesões, mas não acelera a
cicatrização e pode resultar em complicações sérias, tais como hemorragia digestiva e agra
vamento da infecção. O aciclovir por via oral pode ser empregado para evitar recorrência
do eritema multiforme relacionado ao herpes. Pacientes com quadros mais graves devem
receber acompanhamento com equipe multidisciplinar, incluindo oftalmologistas e derma
tologistas.
Tratamento ocular: higiene, lubrificação abundante com uso de lubrificantes sem conser
vantes, ácido retinoico, oclusão temporária de pontos lacrimais, lentes esclerais associadas ou
não ao uso de corticoïdes (controverso) tópicos para diminuir a inflamação e a vasculite, mini
mizando a isquemia conjuntival e a queratinização. Antibióticos profiláticos devem ser usados
para evitar infecções secundárias.
194 Doenças Externas Oculares e Córnea
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Conjuntivite e
Hipersensibilidade a Fármacos
INTRODUÇÃO
FISIOPATOLOGIA
São reações de hipersensibilidade tipo IV, que ocorrem diretamente da ação das substâncias
ou da degradação de produtos ou preservantes. A toxicidade implica dano à estrutura dos
tecidos oculares ou à sua função, podendo ou não ser acompanhada de reação inflamatória.
CLASSIFICAÇÃO
195
196 Doenças Externas Oculares e Córnea
E a reação adversa mais frequentemente encontrada nas conjuntivites tóxicas, como resultado
do efeito irritativo de alguns fármacos, quando repetidamente aplicados. Esse efeito pode apa
recer desde a primeira exposição do agente, porém mais comumente após 2 semanas de uso.
Pode manifestar-se com hiperemiaconjuntival, injeção ciliar, reação papilar inespecífica
com secreção purulenta e mucopurulenta.
Achados biomicroscópicos na córnea podem variar desde ceratopatia puncttata, geralmen
te na região nasal inferior, pelo escoamento da lágrima, até ceratopatia ulcerativa, muitas
vezes com formato oval ou em “impacto de cometa”. A presença de distúrbios da superfície
ocular pode ser um fator agravante na intensidade dos achados ao exame.
Entre as principais medicações que provocam reações papilares estão os antibióticos, den
tre os quais os aminoglicosídeos são os mais comuns, e, nessa classe, a neomicina tem a maior
taxa de reação alérgica (5 a 15% dos pacientes) e a tobramicina, a menor. As fluoroquinolonas
são geralmente menos tóxicas que os aminoglicosídeos. Em geral, os antibióticos fortificados
têm maior possibilidade de causar reações tóxicas. Podem ainda gerar toxicidade os antivirais
tópicos (idoxuridina, vidarabina, trifluorotimidina), anestésicos tópicos (proparacaína, tetra-
caína) e conservantes utilizados em outras preparações, principalmente o cloreto de benzal-
cônio, que é um surfactante com propriedades similares à dos detergentes, a despeito de sua
concentração.
As principais medicações que produzem reação folicular são os antivirais (idoxuridina, vi-
darabina, trifluorotimidina), os cicloplégicos (atropina, homatropina) e os antiglaucomatosos
(pilocarpina, dipivalil, epinefrina, carbacol, ecotiopato). Nos usuários de agonistas alfa-2-adre-
nérgicos, como a apraclonidina e a brimonidina, podem ser notados blefaroconjuntivite alér
gica em 20 a 30% dos pacientes. Os análogos de prostaglandinas (bimatoprosta, latanoprosta,
travoprosta, unoprostona isopropílica) também são conhecidos pelas reações conjuntivais,
com destaque para o latanoprost, que leva à reação de toxicidade conjuntival.
precipitados ceráticos. O estroma corneai não apresenta necrose, como acontece nas ceratites
infecciosas. Hipópio ou hifema podem estar presentes.
E descrita ainda reação alérgica ao uso de armas de gás lacrimejante e sprays lacrimejantes.
TRATAMENTO
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Ceratoconjuntivite Flictenular
INTRODUÇÃO
EPIDEMIOLOGIA
A doença ocular flictenular é mais comum no sexo feminino das primeiras duas décadas de
r
FISIOPATOLOGIA
Acne, infecção oral, tuberculose e rosácea ocular também podem estar associadas. Na ín
dia, 11% dos casos têm associação com tuberculose.
QUADRO CLÍNICO
199
200 Doenças Externas Oculares e Córnea
Ao exame, geralmente apresentam quadro de blefarite com edema palpebral, crostas e co-
laretes na margem dos cílios. Na periferia da córnea são observadas lesões elevadas esbranqui
çadas, arredondadas (flictênula) e com vascularização de formato triangular, tendo a flictênula
no ápice do triângulo. As flictênulas tendem a deixar uma cicatriz arredondada ou em forma
de anel na periferia da córnea ou mais central.
DIAGNÓSTICO
O diagnóstico é clínico na maior parte dos casos, principalmente quando é causado pela ble
farite. Porém, as causas secundárias sistêmicas devem ser investigadas minuciosamente: raios
X de tórax, PPD, hemograma e VHS, protoparasitológico de fezes.
TRATAMENTO
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Úlcera de Mooren
INTRODUÇÃO
r
Ulcera de Mooren é uma ceratite crônica que acomete o estroma e o epitélio corneai. Dois
tipos são descritos: a) forma limitada - unilateral, acomete preferencialmente idosos, causa
dor leve, responde bem ao tratamento clínico ou cirúrgico convencional e tem bom prognós
tico; b) forma progressiva - bilateral, geralmente em jovens negros, apresenta dor intensa, é
rapidamente progressiva e refratária ao tratamento tanto clínico quanto cirúrgico. Ulceração
central e perfuração são frequentes, em torno de 36%. Pode progredir de forma circular e para
o centro da córnea.
Não está associada a infecção nem à doença sistêmica do colágeno.
FISIOPATOLOGIA
201
202 Doenças Externas Oculares e Córnea
QUADRO CLÍNICO
Sinais: a úlcera tem início como um infiltrado acinzentado, perilímbico, na região da fenda
palpebral, podendo ser único ou múltiplo; tende a coalescer e progredir circunferencial e cen
tralmente, formando uma úlcera extensa (Figs. 1 e 2). A úlcera pode progredir em forma de
anel na periferia da córnea e aprofundar em sua espessura, podendo levar à perfuração ocular.
Pode haver uveíte anterior leve a moderada (comum), catarata e glaucoma. A esclera pode ser
acometida; entretanto, muitas vezes é mascarada por edema e infiltrado da conjuntiva subja
cente.
Sintomas: olho muito inflamado com hiperemia, dor intensa, fotofobia e lacrimejamento.
Pode haver diminuição da acuidade visual por astigmatismo irregular ou por acometimento
do eixo visual pela própria úlcera. A dor melhora com o controle do processo inflamatório e
cicatrização da ulceração.
F ig . 1 Ú lce ra d e M o o re n . F ig .2 Ú lce ra d e M o o re n .
TRATAMENTO
Há relatos também de pacientes com sorologia positiva para hepatite C, tratados com su
cesso, com interferon a-2b.
Caso haja progressão da doença, o tratamento cirúrgico deve ser adotado. Ressecção ci
rúrgica de 3 a 4 mm da conjuntiva adjacente à úlcera remove a origem das células plasmáti-
cas, imunocomplexos e enzimas e interrompe o processo ulcerativo. O tratamento pode ser
repetido, se necessário. Foi descrito uso de membrana amniótica para recobrir a área na qual
a conjuntiva foi ressecada, com melhora da inflamação local e da úlcera.
Casos refratários podem ser tratados com imunossupressão sistêmica, como ciclofosfami-
da oral (2 a 3 mg/kg).
Nos casos com risco de perfuração ocular ou com perfuração, transplante tectônico la
melar em anel (aproximadamente 13 mm) pode ser associado a transplante óptico penetrante
central (7,5 a 8 mm).
PROGNÓSTICO E ACOMPANHAMENTO
A forma limitada da doença apresenta bom prognóstico e responde bem ao tratamento clíni
co. O acompanhamento pode ser feito semanalmente na fase aguda e, após melhora, semes
tralmente.
A forma progressiva tem mau prognóstico.
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Doenças Imunológicas
da Esclera
EPISCLERITE
A episclera, parte anterior da esclera, é constituída por tecido conjuntivo vascular que se origi-
___ r
205
206 Doenças Externas Oculares e Córnea
caminham radialmente em direção ao plexo capilar episcleral superficial, sem modificar sua
configuração, e apresentam coloração avermelhada não intensa. A área afetada pode deslizar
sobre a esclera com auxílio de um cotonete. Nos casos da forma nodular (13% bilateral), nota-
se nódulo móvel sobre a área hiperemiada.
Diagnóstico: Feito pela avaliação clínica. A instilação de 1 gota de fenilefrina a 10% clareia
a área afetada devido à vasoconstrição dos vasos episclerais superficiais, o que não ocorre nas
esclerites. Exames complementares para pesquisa de associações sistêmicas somente são ne
cessários nos casos de múltiplas recorrências.
Tratamento: A episclerite simples geralmente tem resolução espontânea em 1 ou 2 se
manas. Pode-se instilar anti-inflamatórios não esteroides tópicos, principalmente na forma
nodular, cuja duração é mais prolongada. Nas doenças recorrentes que não respondem ao
tratamento tópico, o uso de anti-inflamatório não esteroide sistêmico, como indometacina 50
mg, 3 vezes ao dia, pode abortar a crise. Corticoides tópicos devem ser evitados.
ESCLERITE
A esclera é uma túnica formada pela episclera, estroma escleral e lâmina fosca que tem como
principais funções proteção do globo ocular e manunteção da pressão intraocular.
Esclerite é a inflamação da esclera, de manifestação muito mais grave que a episclerite,
pois, além da dor intensa, cerca de 55% dos pacientes apresentam alterações em outras estru
turas do bulbo ocular, e 15% evoluem com diminuição da acuidade visual, podendo, em casos
extremos, provocar cegueira. Acomete, mais comumente, indivíduos entre 30 e 50 anos de
vida, com preferência pelo sexo feminino. A esclerite é bilateral em 52% dos pacientes e fre
quentemente está associada a doença sistêmica.
A esclerite pode ser classificada de acordo com sua localização anatômica (anterior ou
posterior) e tipo de inflamação (difusa, nodular, nécrosante com ou sem inflamação).
Etiologia: Aproximadamente 50 a 70% dos pacientes com esclerite apresentam doenças
sistêmicas associadas. Essa associação é mais comum na esclerite nécrosante, seguida pela es
clerite anterior difusa, anterior nodular e posterior. A artrite reumatoide é a doença associada
mais frequente, porém outras doenças do tecido conjuntivo e vasculites podem também estar
associadas, como granulomatose de Wegener, policondrite e poliartrite nodosa, além de do
enças infecciosas como sífilis, tuberculose, hanseníase e herpes-zóster.
Causas menos frequentes incluem atopia, rosácea e aumento de ácido úrico. Intervenções
cirúrgicas e tumores oculares podem ser fatores predisponentes.
Manifestações Clínicas: O início da esclerite é geralmente gradual e pode estender-se por
vários dias. Muitos pacientes referem dor intensa, que pode piorar à noite, fazendo com que
despertem durante o sono. A dor pode ser irradiada para outros locais da cabeça do lado afe
tado, e o olho é sensível ao toque. A esclera assume coloração violácea, com vasos tortuosos
aderidos a ela.
A esclerite anterior difusa é o tipo mais frequente e menos grave. Seu início é, na maioria
das vezes, insidioso. Apresenta hiperemia superficial e profunda associada a edema escleral.
Ocorre distorção do plexo vascular, com perda do padrão radial. Após a resolução, a esclera
pode permanecer azulada devido ao desarranjo das fibras de colágeno. Aproximadamente 60%
Doenças Imunológicas da Esclera
dos pacientes apresentam inflamação focal e 40% difusa. Diminuição da visão é pouco comum.
Associação com doenças sistêmicas ocorre em 25 a 45% dos casos. Progressão para forma no-
dular ou necrosante é rara.
A esclerite nodular anterior apresenta nódulo firme, imóvel e doloroso à palpação. O nó
dulo geralmente se localiza na região interpalpebral, próximo ao limbo. Sua coloração varia
de amarelo a vermelho intenso, dependendo do local da congestão vascular (Fig. 1). Múltiplos
nódulos podem estar presentes em 40% dos casos. Associação com doença sistêmica ocorre
em 44 a 50% dos pacientes. Assim como na esclerite anterior difusa, perda permanente da vi
são e evolução para forma necrosante não são comuns.
De todos os tipos de esclerite, a necrosante com inflamação é a forma mais destrutiva.
Cerca de 60% dos pacientes desenvolvem complicações oculares e/ou sistêmicas, 40% apresen
tam diminuição permanente da visão e 29% morrem antes de 5 anos após o início da doença
em decorrência de complicações da vasculite. O acometimento bilateral ocorre em 60% dos
casos. Os pacientes referem dor de grande intensidade. Ao exame, notem-se áreas esbran
quiçadas e avasculares de esclera e conjuntiva, rodeadas por edema escleral e congestão. O
r
tecido escleral pode se tornar fino e translúcido, permitindo visualizar o tecido uveal. Areas
de coroide e corpo ciliar podem estar recobertas apenas por conjuntiva. Perfuração na ausên
cia de trauma ou aumento significativo intraocular são raros. Se não tratada, a esclerite pode
estender-se posteriormente para o equador e circunferencialmente, atingindo a periferia da
córnea. Algumas complicações podem causar déficit visual, como úlcera corneai periférica,
uveítes e glaucoma. Após cessar a inflamação, a esclera pode apresentar coloração azulada
com alterações dos vasos episclerais profundos (anastomose dos vasos limitando a área en
volvida). Associação com doenças do tecido conjuntivo ou vasculares ocorre em 50 a 81% dos
pacientes (Fig. 2).
cular pode predispor ao aparecimento de estafiloma. E mais comum em mulheres com história
arrastada de artrite reumatoide. De cada 3 pacientes, 2 apresentam doença sistêmica. Perda
da acuidade visual não é frequente.
Grande parte dos pacientes com esclerite posterior apresenta dor intensa principalmente
à movimentação ocular, proptose discreta, diplopia, diminuição da acuidade visual e restrição
da motilidade. Dobras na coroide, descolamento exsudativo de retina, papiledema e glaucoma
de ângulo fechado secundário ao espessamento da coroide podem ocorrer. Pode haver retra
ção da pálpebra inferior devido à infiltração dos músculos no local da inflamação escleral. A
dor pode ser referida em outros locais da cabeça, e o diagnóstico é muito difícil se não hou
ver associação com esclerite anterior. Espessamento da esclera posterior, demonstrado por
ecografia (Fig. 4), tomografia computadorizada e ressonância magnética, é de grande auxílio
diagnóstico. A maioria dos pacientes com esclerite posterior não apresenta doença sistêmica
associada. Os principais diagnósticos diferenciais da esclerite posterior são: doença de Gra
ves, melanoma de coroide, celulite orbitária, trombose do seio cavernoso e fístula carótido-
cavernosa.
As esclerites infecciosas são geralmente graves e de difícil tratamento. Cirurgias prévias,
traumas, imunossupressão e doença escleral são os fatores predisponentes. Os principais sin
tomas são dor ocular intensa, hiperemia, edema palpebral, fotofobia e diminuição da acuidade
visual. Ao exame, nota-se ulceração escleral com presença de infiltrado, podendo haver infil
trado corneai periférico por continuidade. Pode haver uveíte e esclerite posterior, bem como
disseminação intraocular da infecção. Disseminação da infecção para o sistema nervoso pode
ser fatal. O principal diagnóstico diferencial é feito com as esclerites necrosantes com inflama
ção. Como nas ceratites bacterianas, deve-se colher material para bacterioscopia e cultura e
introduzir antibióticos fortificados de hora em hora.
Complicações: Embora 33% dos pacientes com esclerite permaneçam com esclera trans
lúcida e/ou afinada, defeito escleral franco apenas é visto nas formas graves de doença necro-
sante ou nos estágios tardios de sclewmcilcicia perforans.
A ceratite é a complicação mais comum e pode estar presente sob diversas formas. A ce-
ratite estromal aguda apresenta infiltrados superficiais e estromais na periferia da córnea e,
às vezes, centralmente. Na ausência de tratamento, vascularização e opacificacão estromal
podem ocorrer.
A escleroceratite caracteriza-se pela opacificacão periférica da córnea devido a fibrose
e depósito de lipídios. A área acometida pode progredir centralmente, resultando em um
largo segmento de córnea opacificada. Esse tipo comumente acompanha escleroceratite por
herpes-zóster.
Ceratólise marginal (melting) cursa com aparecimento de úlcera corneai periférica adjacen
te à área de esclerite. O estroma corneai periférico pode ser infiltrado ou permanecer claro.
Essa alteração é mais comum em pacientes com doença do tecido conjuntivo.
A uveíte anterior é a segunda complicação mais comum e ocorre devido à extensão direta
da inflamação escleral para o trato uveal. A reação de câmera anterior geralmente não é grave,
embora possa haver sinequia. Uveíte posterior ocorre em todos os pacientes com esclerite
posterior.
A elevação da pressão intraocular aparece nos episódios inflamatórios agudos e dificil
mente leva à perda permanente de campo visual.
Catarata subcapsular posterior é uma complicação rara que ocorre devido à reação infla
matória intraocular ou tratamento com esteroides.
r
Diagnóstico: E feito pelo exame clínico. A biomicroscopia ultrassónica pode ser útil no
diagnóstico e acompanhamento da evolução. A avaliação de esclerite deve incluir exame
físico completo, inclusive das articulações, pele, sistema cardiovascular e respiratório. Os
testes laboratoriais recomendados incluem: pesquisa de anticorpos antinucleares, fator reu-
matoide, dosagem de ácido úrico sérico, sorologia para sífilis e toxoplasmose, radiografia
de tórax.
Tratamento: Inicialmente, usa-se anti-inflamatórios não hormonais, sendo a indometacina
50 mg o fármaco de escolha. Deve ser usada 3 vezes ao dia até a melhora do quadro clínico
(aproximadamente 30 dias).
Esclerite nodular grave e esclerite necrosante quase sempre requerem tratamento anti-
inflamatório mais intenso, como a imunoterapia. O uso de inibidor de fator de necrose tu-
moral (TNF), como o infliximabe (Remicade), em pacientes com esclerite associada a artrite
reumatoide, tem revelado bons resultados com controle da inflamação. O uso de corticoide
subconjuntival tem-se mostrado efetivo na redução da inflamação escleral; entretanto, há re
latos de necrose escleral como principal complicacão, sendo contraindicado em casos de es
clerite necrosante.
210 Doenças Externas Oculares e Córnea
O uso de corticosteroide oral e/ou pulso (IV) pode ser efetivo em alguns casos de esclerite
necrosante ou escleroceratite. O corticoide dever ser mantido até a cura, no máximo 30 dias,
e, depois, deve-se fazer regressão lenta.
Nos casos resistentes ao corticoide sistêmico, pacientes que não podem fazer uso de
corticoterapia por períodos prolongados ou recorrência após regressão do corticoide, faz-se
uso de imunossupressores, como antimetabólito (p. ex., metotrexate), imunomodulador (p.
ex., ciclosporina) ou um agente citotóxico (p. ex., ciclofosfamida). Apesar de não haver um
consenso, pacientes com artrite reumatoide têm como tratamento imunossupressor inicial
o metotrexate ou micofenolato, e os agentes citotóxicos mais potentes são iniciados em pa
cientes com vasculite como nos casos de granulomatose de Wegener. Após o início da tera
pia imunossupressiva, deve-se colher hemogramas semanais para controle dos leucócitos e
exames de urina para controlar a função renal. O tratamento deve ser acompanhado por um
hematologista ou oncologista.
Em casos de afmamento importante, enxerto homólogo de esclera tem sido recomenda
do com sucesso limitado (Fig. 5). Inúmeros materiais têm sido utilizados para tratamento dos
afinamentos esclerais secundários a esclerite, como membrana mucosa bucal, cartilagem auri
cular, faseia lata, periósteo, derme e sintéticos como “gore-tex”. Pela facilidade de manuseio, a
córnea pode também ser utilizada para reparo de tais defeitos esclerais.
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Doenças da Superfície Ocular
Estudo do Filme Lacrimal e da
Superfície Ocular
Os testes de avaliação do filme lacrimal representam uma maneira objetiva de avaliar a função
lacrimal. Nenhum teste é suficientemente específico para confirmar o diagnóstico de olho
seco. Essa confirmação deve ser feita pela combinação das informações de anamnese, exame
r
oftalmológico e dos resultados de um ou mais testes. E importante que estes sejam realizados
em uma sequência lógica para minimizar alterações nos testes subsequentes.
Inspeção
Inicia-se pela inspeção das pálpebras, conjuntiva, córnea e do menisco lacrimal entre o globo e
a pálpebra inferior. O menisco lacrimal normal deve ser contínuo, levemente côncavo e possuir
aproximadamente 1,0 mm de altura. Deve-se também avaliar o grau de oleosidade da lágrima
e a presença de filamentos e debris.
213
214 Doenças Externas Oculares e Córnea
Colorações
Após a determinação do tempo de rotura do filme lacrimal, aproveita-se a presença da fluo
resceína para avaliar como ocorre a coloração da superfície ocular. Posteriormente, instila-se 1
gota da solução de rosa-bengala a \%. Os padrões específicos da coloração na córnea e conjun
tiva podem ser extremamente úteis para estabelecer o diagnóstico. Coloração interpalpebral e
da conjuntiva bulbar adjacente é comumente associada a ceratoconjuntivite seca ou exposição
(Fig. 2). Pode-se graduar o padrão da coloração de acordo com a observação das conjuntivas
bulbar nasal e temporal e da córnea na área interpalpebral. O sistema mais fácil para ser utili
zado baseia-se na graduação, que varia de 0 a 3 (sem coloração, leve, moderada e intensa) em
cada uma das áreas avaliadas. Portanto, a graduação máxima que pode ser obtida é igual a 9.
Controvérsias ainda persistem em relação ao mecanismo da coloração por rosa-bengala. Tra
dicionalmente, acreditava-se que esse corante corava apenas células degeneradas ou mortas
e filamentos de muco. Observações recentes, entretanto, indicam que rosa-bengala também
se liga às células epiteliais normais e proteínas do filme lacrimal. Em um olho com filme lacri
mal normal, o rosa-bengala é bloqueado pelas proteínas da lágrima e não cora as células da
superfície ocular. Por outro lado, em um olho com alterações do filme lacrimal, a coloração
ocorrerá nas áreas da superfície ocular desprotegidas das proteínas que constituem a lágrima.
Além de olho seco, a coloração por rosa-bengala pode estar presente difusamente na córnea e
conjuntiva nas ceratoconjuntivites virais e medicamentosas; no terço inferior da córnea e con
juntiva bulbar, na blefaroconjuntivite por Staphylococcus aureus, e no terço superior, nos casos
de ceratoconjuntivite limbar superior. Outro corante utilizado é a lissamina verde, que possui
padrão semelhante ao do rosa-bengala, com a vantagem de não causar ardência à instilação.
Fig. 2 P a d rã o d e c o lo ra ç ã o co m ro sa -b e n g a la em o lh o d e
p a c ie n te co m d is fu n ç ã o d o film e la c rim a l (o lh o se co ).
Estudo do Filme Lacrimal e da Superfície Ocular
Outros testes
Outros testes também podem ser utilizados para auxiliar o diagnóstico de deficiência aquosa
do filme lacrimal. A determinação da osmolaridade do filme lacrimal é um teste de alta sensibi
lidade que se encontra disponível comercialmente. A osmolaridade, usualmente, encontra-se
216 Doenças Externas Oculares e Córnea
aumentada nos pacientes com deficiência aquosa do filme lacrimal e disfunção das glândulas
de Meibomius. Além desse teste, pode-se determinar as concentrações de proteínas na lágri
ma, como lisozima e lactoferrina, que se encontram diminuídas na DAFL. O teste da folha de
samambaia (ou ferning test) é realizado com a observação do padrão de cristalização da lágrima
quando colocada sobre uma lâmina de vidro. A ausência do padrão em forma de folha de sa
mambaia indica deficiência primária de mucina. Citologia de impressão e raspado conjuntival
demonstrando queratinização e alteração no número das células caliciformes também auxi
liam no diagnóstico de olho seco.
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Disfunção do Filme Lacrimal
Olho seco pode ser definido pelos seguintes fenômenos: diminuição da quantidade, modi
ficação da qualidade e/ou diminuição da estabilidade da lágrima. Essa definição clássica foi
recentemente modificada, incluindo aspectos relacionados à etiopatogenia inflamatória e aos
sintomas de desconforto ocular referidos pelos pacientes. Alguns autores propuseram até
mesmo a mudança do termo “olho seco” para “disfunção do filme lacrimal” , o que estaria mais
de acordo com os conhecimentos recentes dessa síndrome.
Cerca de 15 a 40% da população apresentam sinais de olho seco. O quadro clínico varia
dos casos mais brandos, com queixa básica de desconforto, aos mais graves, por vezes com
sérias complicações, como úlcera e perfuração da córnea. Os sintomas incluem sensação de
corpo estranho, queimação, fotofobia e embaçamento, e costumam piorar no final do dia, nas
condições de baixa umidade (p. ex., ambientes com ar-condicionado ou aquecedores) e após
uso excessivo da visão para perto (p. ex., computação). Essa afecção pode ser dividida em
dois grupos principais, de acordo com a fisiopatogenia: 1) deficiência aquosa do filme lacrimal
(DAFL); 2) evaporação excessiva, predominantemente associada à disfunção das glândulas de
Meibomius.
219
220 Doenças Externas Oculares e Córnea
Evaporação excessiva
Disfunção das glândulas de Meibomius.
Desordens do pestanejar.
Desordens da posição das pálpebras e da relação pálpebras/bulbo ocular.
Deficiência de mucina.
Leve G rave
C o lo ra çõ es
Fig. i S in a is o b s e rv a d o s no o lh o se co le v e e g ra v e .
Disfunção do Filme Lacrimal
Deficiência lipídica
Principal causa de olho seco por evaporação excessiva, pode se manifestar pela diminuição do
tempo de rotura do filme lacrimal e coloração característica com fluoresceína e rosa-bengala
(terço inferior da córnea). A causa principal da deficiência lipídica é a disfunção das glândulas
de Meibomius. Anormalidades da camada lipídica do filme lacrimal também podem ser causa
das por doenças como rosácea ou pela terapia oral com isotretinoína.
Deficiência de mucina
Causas de deficiência de mucina incluem hipovitaminose A, comum nos países em desenvol
vimento, e outras condições associadas à disfunção das células caliciformes, como SS grave,
Doenças Externas Oculares e Córnea
Tratamento clínico
A interação médico-paciente tem importância fundamental no tratamento do olho seco, pois
ajuda o paciente a superar os aspectos frustantes inerentes às doenças crônicas. O tipo de
terapêutica a ser empregado varia de acordo com o tipo de deficiência do filme lacrimal e da
gravidade do caso. O tratamento básico consiste na reposição da lágrima com lubrificantes
tópicos, idealmente sem preservativo, para evitar a toxicidade, e que tenham o tempo de per
manência e a viscosidade apropriados de acordo com a gravidade do olho seco. Deve-se orien
tar os pacientes em relação ao uso de medicamentos sistêmicos e tópicos que possam estar
influenciando o quadro. Entre as medicações que diminuem a produção lacrimal, destacam-se
os diuréticos, anti-histamínicos, anticolinérgicos e psicotrópicos.
Quando ocorre metaplasia escamosa nos casos graves de SS, o uso de lubrificantes artifi
ciais pode não ser suficiente para a prevenção do ressecamento da superfície ocular, pois eles
não fornecem componentes essenciais que se encontram presentes na lágrima, como vitamina
A, EGF e TGF-beta. Uma fonte alternativa desses componentes é o soro autólogo, que pode ser
r
usado puro ou diluído a 20%, conforme a gravidade do caso. E fundamental que se processe o
sangue em condições absolutamente estéreis para evitar a contaminação.
Os casos de ceratite filamentar podem ser tratados com o uso do mucolítico acetilcisteína
diluído a 10%.
A secreção lacrimal pode também ser estimulada farmacologicamente. Pilocarpina oral
ou tópica pode ser utilizada para essa função. Os problemas são os efeitos colaterais, como
sudorese, salivação e outros. A bromexidina sistêmica e a tópica têm sido utilizadas em alguns
países com resultados satisfatórios, porém seu efeito parece diminuir após o uso crônico. O
diquafosol sodium é um agonista dos receptores de P2Y2 e promove a secreção de água e
mucinas. Tem demonstrado bons efeitos terapêuticos, porém não está disponível comercial
mente em todos os países. Nos casos resistentes à terapia, alguns autores preconizam o trans
plante de glândulas salivares.
Para olho seco do tipo evaporativo como resultado de disfunção das glândulas de Mei-
bomius (DGM), a melhor estratégia é suprimir a evaporação das lágrimas. Para DGM, com
pressas mornas associadas à limpeza das pálpebras com xampu neutro diluído e uso de
tetraciclina tópica constituem a primeira linha de tratamento. Nos casos mais graves, pode-
se iniciar uso sistêmico de tetraciclina ou seus derivados. Também, podem-se prescrever
cápsulas de óleo de peixe ou da linhaça, que contêm alto teor de ômega-3, aparentemente
efetivo nas disfunções de glândulas de Meibomius. Outras medidas incluem uso de óculos
com as laterais fechadas ou óculos de natação para formar uma câmara úmida, utilização de
vaporizador para manter a umidade dos aposentos e evitar ambientes com ventiladores e
ar-condicionado.
Disfunção do Filme Lacrimal
Tratamento cirúrgico
Nos casos mais resistentes, pode-se indicar a oclusão temporária ou permanente dos pontos
lacrimais, a fim de manter a lágrima em contato com a superfície ocular por um período mais
prolongado de tempo. Quando o lacrimejamento reflexo está ausente, pode-se ocluir ambos
os pontos lacrimais definitivamente (superior e inferior), sem risco de o paciente desenvolver
epífora. Nos casos mais leves, deve-se proceder primeiramente à oclusão temporária com im
plantes dissolvíveis de colágeno ou tampões de silicone. Quando os pacientes toleram bem
a oclusão temporária, a oclusão permanente pode ser facilmente realizada com o uso de um
cautério.
A correção cirúrgica do mau posicionamento das pálpebras, como no entrópio ou ectró-
pio, ou a tarsorrafía lateral nos casos mais graves, deve ser realizada para diminuir a evapora
ção. Nos casos de deficiência de mucina (DM), o tratamento consiste no controle da condição
determinante da DM e lubrificação.
Os casos mais graves, comumente observados nas ceratoconjuntivites cicatricias, podem
necessitar de transplante de conjuntiva ou mucosa labial. Apesar de dificuldades técnicas, al
guns autores também têm observado bons resultados com transplante de glândulas salivares
nesses casos.
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INTRODUÇÃO
S é rg io F e lb e rg
T a ís H ito m i W a k a m a t s u
J o s é Á lv a r o P e re ira G o m e s
A síndrome de Sjogren (SS) é uma doença sistêmica inflamatória crônica, de etiologia mul-
tifatorial, com provável envolvimento do sistema autoimune. As glândulas exócrinas corres
pondem aos órgãos-alvos mais acometidos na síndrome, sendo especificamente as glândulas
lacrimais e salivares as mais afetadas pela infiltração linfoplasmocitária que destrói o tecido,
originando disfunções que desencadeiam o quadro clássico de xeroftalmia (olhos secos) e
xerostomia (boca seca). Outras glândulas exócrinas também podem estar envolvidas, como
pâncreas, glândulas sudoríparas, glândulas mucosas dos tratos respiratório, gastrintestinal e
urogenital.
A SS pode existir como doença primária das glândulas exócrinas (SS primária) ou estar
associada a doenças do tecido conjuntivo, como artrite reumatoide, lúpus eritematoso sistê
mico, esclerose sistêmica progressiva, esclerodermia, entre outras (SS secundária). Devido à
hiperatividade dos linfócitos B, os pacientes com SS apresentam elevada incidência de linfoma
maligno de células B tipo não Hodgkin, quando comparados com a população sadia.
Fatores ambientais, como infecções virais prévias (vírus Epstein-Barr, citomegalovírus, her
pes vírus humano, vírus da hepatite C, entre outros), já foram relacionados como potenciais
desencadeadores da resposta imune ao tecido glandular, devido à frequente concomitância
desse agente em pacientes com SS.
226 Doenças Externas Oculares e Córnea
EPIDEMIOLOGIA
A doença apresenta distribuição mundial e cerca de 9 mulheres são acometidas para cada ho
mem. Por esse motivo, disfunções hormonais também parecem fazer parte da fisiopatologia
do desenvolvimento da SS, principalmente as deficiências de andrógenos, estrógeno e pro-
gesterona.
Embora pessoas de todas as idades possam ser afetadas, a doença tem maior incidência
entre indivíduos na quarta e quinta décadas de vida, sendo as mulheres mais acometidas do
que os homens.
QUADRO CLÍNICO
As manifestações correspondem à chamada “síndrome sicca”, sendo as mais encontradas (Fig. 1):
Manifestações oculares: estão relacionadas à progressiva redução da secreção lacrimal. As
manifestações oculares são mais frequentes do que as manifestações orais na forma secundá
ria da SS.
A lágrima desempenha diversas funções fundamentais para a manutenção da superfície
ocular, entre elas o umedecimento dos tecidos, remoção de partículas, corpos estranhos e
células mortas, trofismo epitelial, ação bactericida e bacteriostática e função óptica. Pacientes
com secura ocular, por sua vez, estão sujeitos a desenvolver defeito epitelial recorrente, cera-
tite infecciosa, afmamento e perfuração corneai.
O espectro clínico é bastante variável, e os pacientes podem não apresentar sintomas até
se queixarem de importantes limitações nas suas atividades diárias, com piora da qualidade
de vida devido à irritação ocular, sensação de corpo estranho, queimação ocular, fotofobia,
“choro sem lágrimas” e turvação visual. Os sintomas costumam piorar em ambientes secos
(ar-condicionado, poeira, baixa umidade do ar, vento), durante a leitura e uso do computador.
Alguns questionários foram desenvolvidos para auxiliar no diagnóstico do olho seco, para
avaliar o impacto da doença na qualidade de vida dos portadores, acompanhar sua evolução e
resposta aos tratamentos propostos.
A deficiência na produção de lágrima pode levar à hiperemia ocular, defeito epitelial, au
mento da quantidade de muco na superfície ocular, ceratite filamentar, úlceras de córnea e
perfuração ocular nos casos mais graves.
Autoanticorpos circulantes
Anticorpos órgãos-específicos descritos na SS incluem anticorpos contra antígenos presentes
nos duetos glandulares, tireoide, mucosa gástrica, eritrócitos, pâncreas, próstata e células
nervosas. Autoanticorpos não específicos também podem ser encontrados, como fator reuma-
toide (FR), fator antinúcleo (FAN), anticorpo antimitocondrial, anticorpo anticentrômero, entre
outros. FR e FAN são mais frequentes na SS secundária do que na primária.
Anticorpos contra ribonucleoproteínas: anti-Ro (SS-A) e anti-La (SS-B) são os mais frequen
temente associados à síndrome, embora possam estar presentes em outras enfermidades.
Também estão circulantes no sangue periférico autoanticorpos contra receptores muscaríni-
cos (antiM IO ) e contra proteínas do citoesqueleto das células acinares (antialfa-fodrim).
CRITÉRIOS DIAGNÓSTICOS
O fato de serem adotados diversos critérios diagnósticos propostos por diferentes entidades
e sociedades para definir a SS torna difícil ou quase impossível comparações entre os diversos
estudos clínicos, principalmente com relação ao tratamento e aos dados epidemiológicos. Ne
Síndrome de Sjõgren
nhum sinal, achado clínico ou imunomarcador descrito até o momento é aceito isoladamente
como ideal para fechar o diagnóstico da SS ou detectar os períodos de atividade e remissão
da doença.
r
E importante que o paciente suspeito seja avaliado por equipe multidisciplinar composta
por oftalmologistas, reumatologistas, otorrinolaringologistas e dentistas, entre outros.
Os diferentes critérios existentes fazem exigências distintas para que o diagnóstico da sín
drome seja estabelecido, considerando sintomas de olho seco e boca seca, evidência objetiva
da secura ocular (testes de Schirmer e rosa-bengala) e oral (sialometria, cintigrafia das glân
dulas salivares ou sialografia da glândula parótida), demonstração de biópsia de fragmento da
glândula salivar menor com evidência de infiltrado linfoplasmocitário contendo 50 ou mais
linfócitos (focus) em um fragmento de tecido de pelo menos 4 mm*1 23de glândula e a presença
dos autoanticorpos circulantes.
TRATAMENTO
glândula lacrimal, promovem apoptose dos linfócitos, suprimem apoptose das células
acinares e da conjuntiva e reduzem a infiltração linfoplasmocitária no tecido glandular.
Como resultado, há aumento do lacrimejamento e alívio dos sintomas com poucos
efeitos colaterais descritos. Alguns estudos mostraram melhora nos sinais e sintomas
de pacientes portadores de SS com administração tópica de andrógenos.
4. Modulação sistêmica da resposta imune: agentes imunomoduladores que diminuem
a intensidade da resposta imune, reduzem a linfoproliferação e a produção dos auto-
anticorpos podem estar indicados.
Dieta rica em ômegas (peixes, azeite de oliva, óleo de semente de linhaça) apresen
ta alguma atividade anti-inflamatória e pode melhorar a superfície ocular com algum
alívio dos sintomas.
A administração de baixas doses de interferon-a por via oral durante algumas sema
nas melhorou o fluxo salivar de pacientes com SS, aliviando os sintomas da boca seca.
O uso sistêmico de corticosteroides melhora os sinais e sintomas da doença, mas,
devido aos seus efeitos colaterais, ficam reservados para as manifestações extraglan-
dulares da SS. Hidroxicloroquina, ciclofosfamida e metotrexate são utilizados nos ca
sos mais graves e de difícil controle.
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Lágrimas artificiais
Os lubrificantes oculares ou lágrimas artificiais são categorizados entre as medicações como
emolientes ou demulcentes. Essas medicações, que se apresentam na forma de colírio ou gel,
são a primeira linha de tratamento para olho seco e outras doenças da superfície ocular, mas,
em geral, não reproduzem os componentes ativos da lágrima natural, nem suas características
de secreção ou escoamento. Por outro lado, causam alívio dos sintomas, diminuem a osmola-
ridade da lágrima e diluem fatores pró-inflamatórios presentes na superfície ocular, além de
poderem ter sua fórmula complementada por substâncias que visam a tratar o dano produzido
pelo olho seco na superfície ocular.
Os conservantes são adicionados para impedir a proliferação de microrganismos no frasco
depois de aberto. Por outro lado, sua aplicação frequente combinada ao baixo turnover da lá
grima, como o encontrado em pacientes com oclusão do ponto lacrimal, pode ocasionar dano
à camada lipídica e ao epitélio da córnea. Entre os conservantes mais usados estão os compos
tos quarternários de amónia, como o cloreto de benzalcônio, os mercuriais, como o timerosal,
e os alcoólicos, como o clorambutol. Existem ainda o EDTA, a clorexidina, o poliquad, o ácido
bórico e, mais recentemente, o complexo de oxicloro estabilizado (Purite).
Para evitar os efeitos relacionados aos conservantes, apresentações cujo conservante se
degrada em contato com o ambiente, como o perborato de sódio e o complexo de oxicloro
estabilizado, além de lágrimas artificiais sem conservante, estão disponíveis comercialmente.
Essas últimas formulações devem ser as preferidas em pacientes com doenças graves da su
perfície ocular, pois permitem uma frequência de instilação maior. Normalmente, pacientes
que necessitam usar lubrificantes por mais de 4 vezes/dia devem dar preferência às lagrimas
sem conservantes.
Lubrificantes em apresentação de gel aumentam o tempo de contato da medicação com
a superfície ocular e são utilizados principalmente à noite, antes de dormir. Devido ao borra-
Doenças Externas Oculares e Córnea
mento visual, geralmente não são utilizados durante o tempo de vigília. No entanto, podem
ser uma opção para casos mais graves.
Nos últimos anos, estudos vêm sendo conduzidos com o objetivo de avaliar o efeito do
hialuronato de sódio em diversas concentrações, como lubrificante no tratamento do olho
seco, com resultados variáveis. Essa medicação também é capaz de interferir positivamente
na recuperação do dano à superfície ocular produzido pelo olho seco, inclusive com melhora
dos padrões de citologia de impressão da conjuntiva. Após a lesão do epitélio corneano e iní
cio da cicatrização, o ácido hialurônico, juntamente com a fibronectina, parece servir como
matriz temporária para suporte e migração das células epiteliais da córnea durante o processo
de cicatrização.
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Ciclosporina
O uso de ciclosporina A para tratamento de doenças oculares vem sendo feito desde o final da
década de 1970, e formulações para uso tópico foram testadas com sucesso variável em diversas
doenças inflamatórias da superfície ocular na década de 1980. Nos últimos anos, estudos multi-
cêntricos, randomizados e com grande número de pacientes mostraram a eficácia e segurança
do uso da ciclosporina A tópica a 0,05% em casos de síndrome do olho seco. Seu uso não só au
menta a produção lacrimal como também diminui a inflamação da superfície ocular, com redução
da expressão de citoquinas pró-inflamatórias e aumento da densidade de células caliciformes.
Devido ao seu efeito anti-inflamatório, essa medicação tem sido cada vez mais utilizada
em doença externa ocular e superfície ocular, aumentando assim o seu uso ojf-label nos últimos
anos. Além do seu uso já consagrado em síndrome do olho seco por deficiência aquosa, estudos
têm mostrado benefício no tratamento de disfunção das glândulas de Meibomius, rosácea ocu
lar, doença enxerto versus hospedeiro, conjuntivite alérgica e outras doenças da superfície ocular.
O tacrolimus (FK506) e o pimecrolimo são medicações imunomoduladoras de mecanismo
de ação semelhante à ciclosporina. Seu uso tópico na forma de pomada tem sido relatado
como eficaz em algumas doenças externas oculares e pode vir a representar mais uma alterna
tiva no tratamento das doenças inflamatórias da superfície ocular.
Síndrome de Sjogren
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Vitamina A
A deficiência de vitamina A causa olho seco por dois diferentes mecanismos. O primeiro, cha
mado xeroftalmia, ocorre por deficiência da camada de mucina secundária à perda das células
caliciformes. O segundo mecanismo é por diminuição da produção da porção aquosa do filme
lacrimal pela perda de proteínas sistêmicas. A utilização de vitamina A na forma de colírio
para tratamento de olho seco apresentou resultados controversos em estudos clínicos, com
benefício claro apenas nas situações graves em que foi capaz de inibir a metaplasia escamosa
e queratinização da superfície ocular. Estudos citológicos revelaram aumento do número de
células caliciformes e diminuição das células queratinizadas após a suplementação de vitamina
A em pacientes com olho seco e ceratoconjutivite límbica superior.
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Tetraciclina e derivados
Por mecanismos diferentes do seu efeito antibacteriano, as tetraciclinas e seus análogos (do-
xiciclina e minociclina) apresentam efeito protetor da ulceração corneana. Isso ocorre pela
inibição das metaloproteinases, como a colagenase e a elastase. O efeito dessas medicações
sobre as lipases torna a secreção lacrimal mais fluida, revertendo e inibindo a formação de
hordéolos e melhorando o olho seco.
A doxiciclina e a minociclina, além de apresentarem posologia mais cômoda do que a
tetraciclina, não têm sua absorção prejudicada pela ingestão concomitante de alimentos e
apresentam menos efeitos colaterais gastrintestinais. O uso em crianças menores de 12 anos e
mulheres grávidas é contraindicado pelos efeitos sobre a dentição e os ossos.
Fá rm a co P o so lo g ia
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Blefarites
BLEFARITE
DEFINIÇÃO E CLASSIFICAÇÃO
Podemos dizer que as blefarites estão entre as doenças da superfície ocular mais frequente
mente encontradas pelos oftalmologistas na sua prática diária. O termo inclui um grupo de
afecções que acometem, de forma inflamatória, as pálpebras e/ou margens palpebrais e que
podem envolver, secundariamente, a superfície ocular adjacente. O processo é crônico, com
plexo, e pode se manifestar por diferentes sinais e sintomas.
CLASSIFICAÇÃO
■ Estafilocócica
Seborreica
Simples
Mista (seborreica/estafilocócica)
Seborreica com seborreia meibomiana
Seborreica com meibomite secundária
Meibomite primária, ou disfunção das glândulas meibomianas, ou ceratoconjuntivite mei
bomiana, ou ainda doença meibomiana
■ Outras etiologias: atópica, psoriática.
■ Quanto à disfunção das glândulas de Meibomius uma nova classificação foi proposta pelo
Internacional Workshop on Meibomian Gland Dysfunction (Fig. 1).
C o n d iç ã o
Im petigo
Infecções bacterian as
Erisipela
Psoríase
Ictiose
D erm atoses
Exfoliativas
Eritroderm a
Q uím icos
Térm icos
Traum a Radiação
M ecânico
Cirúrgico
(Fonte: Basic Clinical Science Course. Section 8: External disease and cornea. San Francisco: American Academy of Ophthal
mology.)
240 Doenças Externas Oculares e Córnea
ETIOLOGIA E EPIDEMIOLOGIA
As blefarites parecem ser de causa multifatorial. As bactérias têm sido citadas como agentes
importantes na sua patogênese. Embora as espécies mais comumente isoladas das pálpebras
e conjuntivas de indivíduos normais e em pacientes portadores de diferentes tipos de blefari
tes sejam Staphylococcus coagulase-negativo (SCN) e Propionibcicteriiim acnes, os Staphylococcus
aiireus têm sido rotulados como os principais agentes etiológicos das blefarites estafilocócicas
e mistas. 5. epiclermidis também parece ter seu papel no desenvolvimento da doença, embora
os mecanismos exatos desta não sejam completamente entendidos.
Os pacientes com blefarites apresentam população bacteriana aumentada colonizando a
margem palpebral e a pele, quando comparados a pacientes normais.
A microbiota ocular possui potencial de alterar o produto das glândulas de Meibomius.
5. aiireus produz não só lipases a partir de triglicérides, mas também esterases de colesterol,
e S. epiclermidis esterifica o colesterol. Apesar de haver pequena quantidade de ácidos graxos
livres ou colesterol na secreção meibomiana, as interações bacterianas agiriam numa via em
que os ácidos graxos liberados por R acnes, que são microrganismos presentes habitualmente
nas margens palpebrais, seriam utilizados por cepas de 5. coagulase-negativo (SCN) na este-
rificação de colesterol livre ou do colesterol epidérmico. Dessa forma, os SCN, presentes nas
pálpebras e conjuntiva, poderiam alterar a produção das glândulas de Meibomius, do mesmo
modo que a flora cutânea altera a secreção da pele. A maior atividade lipolítica está presente
em pacientes com blefarite crônica, com seborreia meibomiana, meibomite secundária e cera-
toconjuntivite meibomiana. Já nos pacientes com meibomite primária, esse achado não é ob
servado. Nesses casos ocorre anormalidade na camada lipídica do filme lacrimal: um aumento
nos ácidos graxos livres e mudança nos lipídios, que passam a ter ponto de fusão mais elevado.
Os ácidos graxos livres não só desestabilizam o filme lacrimal, mas também causam alteração
epitelial como resultado de toxicidade direta às células. Os lipídios com ponto de fusão mais
alto tendem a estagnar o fluxo secretório, permitindo, assim, maior acesso a exoenzimas lipo-
líticas bacterianas ao pool de lipídios estagnados, que subsequentemente forma a camada lipí
dica do filme lacrimal. Diferenças na produção da lipase por SCN poderiam justificar variações
no quadro clínico em pacientes com blefarites. O encontro de mais de um tipo de patógeno
nesses pacientes pode explicar um possível mecanismo no qual as bactérias poderiam contri
buir com a produção do processo inflamatório da doença. Ainda devem ser mencionados, no
desenvolvimento da doença, os resíduos tóxicos das bactérias, a invasão direta dos tecidos e
o dano mediado pela resposta imune.
A flictenulose da córnea e conjuntiva, inicialmente associada a tubérculo-proteína, atu
almente é mais associada à presença de Staphylococcus aureus. Corresponde à resposta imune
da conjuntiva e/ou córnea a um antígeno ao qual o hospedeiro já tenha sido provavelmente
sensibilizado. Mecanismos imunológicos, mediados por células, têm sido relacionados no de
senvolvimento de ceratite associada à blefarite estafilocócica.
Na ceratite marginal, os infiltrados corneais ocorrem por depósitos dos complexos antíge-
nos (das bactérias locais)-anticorpos (do hospedeiro) na córnea periférica.
Demodex folliculorum e Demodex brevis são ácaros comensais frequentemente encontrados
na pele, nos folículos dos cílios e glândulas sebáceas de pessoas saudáveis. Estudos mostra
ram que D. folliculorum é encontrado aderido aos cílios, enquanto D. brevis parece situar-se de
Blefarites 241
forma mais profunda nas glândulas sebáceas dos cílios e nas glândulas de Meibômio. Vários
mecanismos patogênicos têm sido propostos para a demodicose, incluindo: bloqueio dos fo-
lículos pilosos e duetos sebáceos pelos ácaros ou hiperqueratose reativa; estímulo à resposta
imune humoral e celular do hospedeiro reacional aos ácaros e seus produtos; reação granu-
lomatosa tipo corpo estranho ao esqueleto de quitina do ácaro e como vetor para bactérias.
A prevalência de blefarite aumenta com a idade, assim como a infestação pelos ácaros. Por
isso, alguns autores sugerem seu papel na etiologia da doença. Essa afirmação, entretanto,
não tem aceitação unânime.
Alguns autores mostraram evidências de que a infestação dos cílios por Demodex estava
associada a triquíase, disfunção meibomiana, deficiência da camada lipídica da lágrima e in
flamação conjuntival, associados a quadros de acometimento corneano referidos como defi
ciência de stem cell.
Recentemente, isolou-se Bacillus oleronius de D.folliculorum associado à rosácea. Observou-
se que a produção de antígenos provocou a proliferação da resposta imune mononuclear no
sangue periférico, mais frequentemente nos pacientes com rosácea.
A associação entre Helycobacter pylori, agente associado a gastrite, úlcera péptica e carcino
ma gástrico, e blefarite foi investigada por alguns autores. O grupo portador de blefarite mos
trou alta prevalência de infecção pelo agente, quando comparado ao grupo-controle (76,3% x
42,3%). Outros estudos mostram que H. pylori é bactéria produtora de toxina induzida porflush
vascular, condição presente em pacientes com blefarite e rosácea ocular. Todavia, esse achado
pode não ser indicativo de uma associação causal, mas reforçaria que o tratamento usado nas
infecções por H. pylori pode ser efetivo no tratamento da rosácea. Nos pacientes com rosácea
e infestação por D. folliculoriim, um estudo imuno-histoquímico mostrou a presença de reação
de hipersensibilidade ao agente, com infiltração de linfócitos nos tecidos afetados.
Rosácea também pode causar aumento de citocinas pró-inflamatórias no filme lacrimal, o
que poderia ser responsável pelo afmamento estromal corneano visto nesses quadros.
Saprófitas como Malassezici furfiir (ou R ovale), fungos que se alimentam de produtos gor
durosos, também são citados na etiologia de certos casos de blefarites crônicas.
Epidemiologia
A blefarite, em qualquer uma das suas diferentes formas, é uma afecção ocular comum na
prática diária, entretanto há poucos estudos relatando incidência e prevalência nas diferentes
populações.
Em um estudo com 90 pacientes portadores de blefarite crônica, observou-se que a média
de idade foi de 50 anos (variação de 6 a 86 anos). Quanto ao sexo, a distribuição foi seme
lhante (56% para homens e 44% em mulheres). Quando se comparou a distribuição por sexo e
idade, entre os vários tipos de blefarites, observou-se que o grupo com blefarite estafilocócica
era composto predominantemente por mulheres (80%), além de ser relativamente mais jovem
(42 anos).
Em um outro estudo, retrospectivo, entre 195 atendimentos pediátricos, realizados em 5
anos pela Instituição, o diagnóstico de blefaroconjuntivite (em todas as suas formas) foi o mais
frequente, respondendo por 15% de todos os diagnósticos. Ainda entre a população pediátri
ca, observou-se que a idade de início da doença flictenular pode ser muito precoce (5 meses).
242 Doenças Externas Oculares e Córnea
Outras séries relatam início de aparecimento aos 3,2 anos (média 0,5 a 8 anos), 4 anos (média
1 a 14 anos ou 0 a 8 anos) com variação de 1 a 14 anos ou até 10 anos (média de 3 a 18 anos).
Também entre crianças, o sexo feminino costuma ser mais acometido (55%, 63%, 82% até 87%).
SINAIS
De forma geral, observam-se alguns sinais que podem ser comuns e que se sobrepõem nas
diferentes formas clínicas das blefarites e doenças meibomianas.
As manifestações clínicas gerais incluem o envolvimento das pálpebras, conjuntiva e cór
nea.
Na blefarite estafilocócica, as alterações mais importantes são:
Pálpebras: porção anterior: hiperemia, telangiectasias, depósitos nas bases dos cílios
como colaretes ou crostas mais livres, ulceração, perda ou mau direcionamento de cílios, hor-
déolos, calázios, cicatrização (Figs. 2 a 5).
Conjuntiva tarsal: hiperemia leve a moderada, inflamação, reação papilar ou folicular (fo-
lículos, nos casos de evolução curta, ou papilas, nos casos de longa duração), cicatrização,
hordéolos, calázio.
Conjuntiva bulbar: hiperemia, flictênulas, coloração ponteada com fluoresceína.
Córnea: epiteliopatia superficial ponteada inferior, coincidindo com a linha das margens
palpebrais; flictênulas conjuntivais ou corneanas; infiltrados marginais, correspondendo a
pontos de toques entre as pálpebras e córneas, localizados tipicamente a 4, 8, 10 e 2 h; ulce
rações, vascularização, cicatrização (Figs. 6 e 7).
F ig . 2 B le fa rite co m c ro sta s e u lc e ra ç õ e s (D E O C - U N IF E S P ).
Blefarites 243
Blefarite seborreica
Caracteriza-se pela presença de crostas gordurosas nos cílios e pálpebras, sem apresentar mui
ta inflamação (Fig. 8). A perda de cílios, assim como o mau direcionamento, é rara, e também
ulceração das pálpebras, hordéolos e calázio. A conjuntiva pode apresentar hiperemia leve.
Frequentemente, associa-se a olho seco, com erosões corneanas epiteliais ponteadas, por
deficiência aquosa.
244 Doenças Externas Oculares e Córnea
Doença Meibomiana
Em todo o espectro da doença meibomiana pode ocorrer alteração dos cílios, entretanto a
perda é rara.
As conjuntivas podem apresentar hiperemia de intensidade variável, e a deficiência lacri
mal é comumente observada.
Há algumas particularidades que devem ser observadas. O quadro clínico da seborreia
meibomiana é representado pelo aumento da secreção meibomiana fluida, normal, facilmen
te eliminada de dentro das glândulas que apresentam duetos dilatados, sem solidificação da
Blefarites 245
F ig . 1 0 M e ib o m ite .
QUADRO 2 T ip o s d e b le fa rite
SINTOMAS
EXAMES SOLICITADOS
Habitualmente, o diagnóstico de blefarite é clínico. Nos casos duvidosos, casos não responsi-
vos ao tratamento clínico, casos em que ocorre a piora dos sinais e sintomas, o estudo labo
ratorial (cultura, citologia, bacterioscopia) das pálpebras e conjuntivas é essencial. O achado
laboratorial característico, nos casos de blefarite estafilocócica, é a presença marcante de 5.
aureus. O encontro de outras espécies de estafilococos não exclui o diagnóstico, principalmen
te nos casos em que a clínica é exuberante.
Blefarites 247
0 antibiograma pode ser muito útil como guia no tratamento dos casos refratários.
Tradicionalmente, Democlex pode ser estudado por meio dos pelos dos folículos, raspados
de pele e biópsias preparadas em KOH, exame microscópico direto dos cílios epilados ou co
rados por fluoresceína, com o objetivo de facilitar na contagem e avaliação dos parasitas nas
blefarites com crostas tipo dedinho de luva. Recentemente, se descreveu-se o encontro dos
ácaros nos bulbos dos cílios, assim como dilatação e inflamação periglandular nas glândulas
meibomianas e infiltrados conjuntivais inflamatórios pela microscopia confocal. Lesões palpe-
brais endurecidas, ulcerativas, não responsivas ao tratamento devem ser biopsiadas ou excisa-
das para exame anatomopatológico.
DIAGNÓSTICO DIFERENCIAL
Vários diagnósticos importantes devem ser feitos nos casos de inflamação crônica da margem
palpebral.
O carcinoma de glândulas sebáceas, apesar de raro, deve ser considerado pelo seu prog
nóstico; frequentemente, esse diagnóstico não é feito pela similaridade com uma blefarite
simples.
A acne rosácea, doença crônica que afeta primariamente as glândulas sebáceas da pele da
face, pescoço e ombros, principalmente de indivíduos de 30 a 60 anos, deve ser considerada
pela frequência da associação do acometimento das estruturas da superfície ocular (acima de
50% dos casos). Todavia, o diagnóstico de rosácea não é feito pelos oftalmologistas, com a
mesma frequência.
Lúpus eritematoso discoide, também, embora raro, pode envolver as pálpebras e estar as
sociado a blefarite estafilocócica e disfunção meibomiana. Deve ser considerado nos casos de
blefarites assimétricas ou naquelas que persistem apesar do tratamento clínico.
Ainda, deve-se ter em mente como diagnóstico diferencial das blefarites crônicas, princi
palmente nas regiões endêmicas, a leishmaniose cutânea, que pode apresentar-se, inicialmen
te, como blefarite resistente ao tratamento convencional com antibióticos. Nesses casos, a
lesão pode progredir para lesões ulcerativas em até 3 meses.
A sarcoidose sistêmica com manifestação palpebral, a amiloidose primária localizada, de
forma nodular, nas pálpebras e conjuntivas também são citadas na literatura como diagnósti
cos diferenciais (Figs. 11 e 12).
A poliose, marca registrada de inflamação crônica das margens palpebrais, pode ser secun
dária a Vogt-Koyanagi-Harada e oftalmia simpática. Entretanto, essas doenças podem ser mais
facilmente diferenciadas de outras etiologias de processos palpebrais localizados.
TRATAMENTO
r
nos EUA em 2007. Após administração tópica a 1%, em veículo de liberação lenta (DuraSite®),
observam-se picos aos 30 minutos, níveis altos e persistentes em 24 horas na superfície ocu
lar, particularmente pálpebras. Há estudo mostrando que seu uso após 2 semanas reduziu os
sinais da doença meibomiana. Há que ressaltar que, nesse estudo, a amostra de pacientes foi
pequena. De forma geral, os estudos são encorajadores quanto ao uso de azitromicina tópica
a l^ em DuraSite® para blefarites e meibomites. No Brasil, encontramos a apresentação tópica
a 1% (manipulada em farmácia), utilizada de forma off labei, conforme citado na literatura, 2
vezes ao dia, durante 2 dias e 1 vez ao dia, à noite, por 28 dias.
Corticosteroicles tópicos: embora necessários para suprimir a inflamação aguda e processos
alérgicos, os corticosteroides tópicos têm seu uso restrito. Devem ser utilizados por curtos
períodos de tempo, pois o uso crônico pode levar a sérios efeitos colaterais. Nos casos em
que o tratamento antibiótico isolado piora os sintomas locais (pela liberação das toxinas bac-
terianas), ou nos casos graves de blefarite seborreica, utilizam-se os corticoides nas margens
palpebrais, sob a forma de pomadas, em dosagens milesimais. Nos casos de injeção conjunti-
val acentuada, nas manifestações imunológicas como flictênulas e infiltrados periféricos, utili-
zam-se os corticoides sob a forma de colírios. Deve-se dar preferência àqueles de penetração
ocular limitada, como loteprednol ou fluorometolona, e, tão logo a inflamação seja controla
da, a medicação deve ser reduzida gradativamente e então suspensa.
A ciclosporina tópica a 2% é referida por alguns autores como tratamento efetivo nas
crianças com ceratoconjuntivite flictenular grave, esteroide-dependente e não responsiva a
antibióticos sistêmicos. Esse é um uso ainda questionável, necessitando maior amostragem e
maior tempo de seguimento dos pacientes para determinar o real papel desse fármaco.
Os lubrificantes, chamados “lágrimas artificiais” , auxiliam na melhora dos sintomas. Há
um grande número de formulações no mercado.
Em algumas situações, como iminência de perfuração, necrose corneana ou perfuração, é
necessária a intervenção cirúrgica, incluindo o uso de adesivos teciduais (biológicos ou sintéti
cos), retalhos conjuntivais, associados ou não a transplantes de córnea lamelares ou penetran
tes. Estes últimos só devem ser indicados se a doença estiver controlada, sob risco de falência
primária do enxerto ou rejeição.
Para casos de blefarite associada ao eczema atópico, há referências na literatura do uso de
tacrolimus (pomada a 0,03% e 0,1%) nas pálpebras. Devemos ressaltar a erupção variceliforme de
Kaposi, como efeito colateral da imunossupressão em um caso com o uso da pomada a 0,1%).
Antibióticos sistêmicos: quando há predomínio do envolvimento da porção posterior das
pálpebras, ou nas blefarites recidivantes, deve-se associar antibióticos sistêmicos: tetraciclinas
ou análogos.
As interações da flora residente com os produtos das glândulas sebáceas sofrem modifi
cações pelo antibiótico sem que seja necessária a eliminação das bactérias. As tetraciclinas
levam redução na produção de lipases. Com esses antibióticos lipofllicos, consegue-se reduzir
a produção de ácidos graxos livres por meio da diminuição das lipases bacterianas. Além dis
to, as tetraciclinas em geral reduzem a produção dos ésteres do colesterol, responsáveis pelo
aparecimento da blefarite. Apresentam ainda como atividade a inibição da ação da colagenase,
suprimindo a vascularização corneana. Esses fármacos também diminuem a quimiotaxia dos
leucócitos polimorfos nucleados, modificam as vias do complemento, inibem o fator quimio-
tático dos leucócitos, reduzindo a inflamação.
250 Doenças Externas Oculares e Córnea
EVOLUÇÃO
A blefarite começa na infância e, frequentemente, continua por toda a vida. Mesmo com o
tratamento prolongado, a infecção pode prosseguir por meses. Os pacientes devem ser ins
truídos para retornar em consulta se a condição piorar. Quando se utilizam corticosteroides,
deve-se reavaliar os pacientes mais precocemente e controlar a pressão intraocular.
O diagnóstico apurado do tipo de blefarite é benéfico para predizer a resposta ao trata
mento e o prognóstico; entretanto, não altera substancialmente as escolhas básicas do trata
mento.
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Erosão Recorrente da Córnea
Erosão cornearia recorrente (ECR) é uma condição comum, caracterizada por episódios de
rotura espontânea do epitélio corneano. Os episódios ocorrem tipicamente durante a noite
ou pela manhã, ao abrir os olhos. A maioria dos casos de erosão recorrente se segue a trauma
corneano leve e superficial, como os causados por unha ou folha de papel. Há, entretanto,
as formas geralmente bilaterais associadas a distrofias corneanas (principalmente map-clot-
-fingerprint). Ceratite herpética, rosácea ocular e diabetes melito já foram citados como fatores
de risco para essa condição.
A principal causa desses episódios consiste em um defeito na adesão da membrana ba
sal do epitélio. A análise do epitélio corneano de pacientes com ECR secundária à distrofia
corneana revelou um defeito da membrana basal, com diminuição significativa do número de
hemidesmossomos. Já em casos de ECR pós-traumática, os hemidesmossomos se encontram
normais, havendo uma rotura das fibrilas de colágeno que promovem a adesão da membrana
basal à camada de Bowman.
Durante o episódio, o paciente refere dor ocular, fotofobia, lacrimejamento e hiperemia. A
intensidade e duração dos episódios podem variar de horas até dias, nesses casos interferindo
nas atividades diárias do paciente. O quadro clínico varia e pode apresentar ceratite ponteada
ou até mesmo um epitélio íntegro, no momento do exame, em casos leves. Em casos mais
graves, o paciente apresenta uma área de defeito epitelial circunscrita por epitélio edemacia-
do e frouxo. O paciente pode apresentar edema palpebral e diminuição da acuidade visual. A
maioria das lesões ocorre no terço inferior da córnea.
Para diferenciar a erosão pós-traumática da erosão distrófica, deve-se examinar cuida
dosamente o olho contralateral, em midríase máxima, com retroiluminação. Alterações na
membrana basal do olho não afetado favorecem a hipótese de distrofia da membrana basal
epitelial, presente em aproximadamente 50% dos pacientes com ECR, segundo Reidy et al.
254 Doenças Externas Oculares e Córnea
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Ceratoconjuntivite
Límbica Superior
A ceratoconjuntivite límbica superior (CLS) é uma doença caracterizada por inflamação das
conjuntivas tarsal e bulbar superiores, proliferação das células epiteliais limbares superiores,
queratinização do limbo superior e presença de filamentos corneanos e conjuntivais superio
res. Inicialmente descrita por Thygeson e Kimura (1963) como uma conjuntivite crônica com
filamentos, sua etiologia não está bem estabelecida. A associação com ceratoconjuntivite seca
e doenças tireoidianas sugere uma etiologia autoimune. Anormalidades da tireoide podem ser
encontradas em 20 a 50% dos pacientes acometidos. Embora haja inúmeras teorias quanto à
patogênese da CLS, a hipótese mecânica parece ser a mais atraente. Essa teoria sugere que
um constante atrito, exercido no ato do piscar, entre as conjuntivas tarsal e bulbar superiores
em olhos em que há grande aposição dessas estruturas, seja a causa dessa patologia. Isso jus
tificaria a presença de CLS em pacientes com exoftalmia secundária a disfunções tireoidianas,
assim como em pacientes com alteração da dinâmica palpebral após blefaroplastia superior.
A CLS afeta principalmente mulheres de 30 a 55 anos de idade. Embora tenha o curso ge
ralmente prolongado, podem ocorrer remissões e recorrências em um período de 1 a 10 anos
r
até que a doença resolva espontaneamente. E geralmente bilateral, podendo ser unilateral.
Ocorre também após blefaroplastia.
Os achados clínicos são desproporcionais ao grande desconforto relatado pelos pacientes.
Os sintomas são irritação, principalmente quando o paciente olha para cima, sensação de cor
po estranho, fotofobia e vermelhidão associadas à pequena quantidade de secreção mucosa.
Alguns pacientes apresentam blefarospasmo. Além da aparência aveludada do tarso superior
pela hipertrofia papilar, observam-se hiperemia e espessamento das conjuntivas bulbar e tar
sal superiores. A conjuntiva bulbar superior tem aparência frouxa e redundante. A coloração
positiva para o rosa-bengala na conjuntiva bulbar superior e terço superior corneano pode ser
observada, assim como micropannus corneano e espessamento e queratinização do limbo. A
presença de ceratite filamentar superior é descrita em 50% dos casos. Os filamentos ocorrem
258 Doenças Externas Oculares e Córnea
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Conjuntivite Lenhosa
INTRODUÇÃO
Conjuntivite lenhosa (CL) é uma doença rara, caracterizada por lesões conjuntivais, membra-
nosas, crônicas e recorrentes, que recentemente foi associada à deficiência sistêmica de plas-
minogênio.
Essa desordem ocorre na infância e pode estar associada a lesões em outras membranas
mucosas do organismo, como boca, ouvido, trato genital feminino e aparelho respiratório
(traqueia, laringe e brônquios).
EPIDEMIOLOGIA
A CL é rara, sendo que, nos últimos 50 anos, apenas 151 casos foram descritos na literatura
mundial. No Brasil, nos últimos 8 anos, apenas quatro casos foram descritos.
A idade média de início da doença é de 14 anos, sendo 65% dos indivíduos acometidos do
sexo feminino e 51% dos casos são bilaterais. Dos indivíduos acometidos, 25% possuem aco
metimento extraocular.
FISIOPATOLOGIA
261
262 Doenças Externas Oculares e Córnea
DIAGNÓSTICO
Nos estágios iniciais da doença, os pacientes apresentam conjuntivite crônica sem a presença
de membranas. Posteriormente, surgem lesões friáveis, vascularizadas e elevadas que podem
ser facilmente removidas por pinça, porém sangramentos podem ocorrer.
Com a permanência do processo inflamatório ocorre formação de membrana avascular
espessa e endurecida (lenhosa - que lembra madeira) acima da membrana neovascular, geral
mente na conjuntiva palpebral superior e inferior, porém a conjuntiva bulbar também pode
ser acometida.
No início do quadro clínico, os pacientes queixam-se de desconforto moderado e verme
lhidão ocular. Com o crescimento das lesões ocorrem progressão do quadro doloroso, fotofo-
bia e deformidades cosméticas.
TRATAMENTO
BIBLIOGRAFIA
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Rosácea
A acne rosácea é uma doença crônica de etiologia desconhecida. Afeta primariamente as glân
dulas sebáceas da pele da face, pescoço e ombros. As glândulas meibomianas têm um papel
importante na patogênese da doença ocular. Embora o acometimento das estruturas da super
fície ocular seja frequente (acima de 50% dos casos), o diagnóstico de rosácea não é feito pelos
oftalmologistas com a mesma frequência.
A doença, caracterizada por surtos de dilatação vascular das áreas acometidas, pode estar
associada ao consumo de álcool, bebidas quentes ou alimentos condimentados. Na literatura,
há controvérsia quanto à associação da rosácea à bactéria Helycobacter pylori.
A rosácea predomina nos indivíduos de 30 a 60 anos de idade, e as mulheres são afetadas
2 vezes mais que os homens.
As lesões faciais são caracterizadas por eritema, telangiectasias, pústulas e hipertrofia das
glândulas sebáceas, distribuídas pelas região malar, nariz, bochechas, testa, pescoço e tórax. A
inflamação crônica, com dilatação folicular e espessamento da pele do nariz, leva ao clássico
aspecto do rinofima.
Telangiectasias nas margens palpebrais, blefarite, meibomite, calázio, conjuntivite papilar,
ceratite superficial ponteada, infiltrados corneanos, ceratite ulcerativa são os achados ocu
lares observados comumentes. A ceratite é mais comum na córnea inferior, com infiltrado
característico em forma de espada ou cunha, cuja base se apoia no limbo. A vascularização
tende a progredir no sentido centrípeto, e a baixa da acuidade visual pode ser decorrente de
cicatrização e irregularidade corneanas. Há casos descritos de melting e perfuração a partir dos
infiltrados. Há ainda relatos de episclerite, esclerite e irite por rosácea.
Os testes que avaliam a função lacrimal, como BUT, teste de Schirmer e rosa-bengala,
mostram valores mais alterados em pacientes com rosácea quando comparados aos valores de
pacientes do grupo-controle. A concentração da lactoferrina na lágrima é também mais baixa
nos pacientes com acne rosácea e blefarite seborreica. Questiona-se se esse achado pode estar
relacionado ao componente inflamatório associado a essas doenças.
265
266 Doenças Externas Oculares e Córnea
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Ceratite Superficial
de Thygeson
INTRODUÇÃO
A ceratite superficial pimcttata de Thygeson foi descrita pela primeira vez por Phillips Thyge-
r
son, em 1950. E uma ceratopatia epitelial incomum, de causa desconhecida e sem associação
com outras doenças oculares ou sistêmicas.
EPIDEMIOLOGIA
Não tem predileção por sexo ou raça e pode acometer pacientes de qualquer idade, com maior
frequência na segunda e terceira décadas de vida.
ETIOPATOGENIA
A patogenia é desconhecida. Cogita-se que tenha etiologia viral devido às diversas similarida
des com lesões corneais do sarampo, varicela, caxumba e adenovirus. Isto inclui lesão intrae-
pitelial, longa duração, remissão e exacerbação, bem como uma resposta celular mononuclear.
Por outro lado, a doença não é contagiosa e as inúmeras tentativas de isolar um agente virai
no epitélio corneai foram negativas. Estudos propõem pesquisa do agente em regiões mais
profundas da córnea, como o estroma anterior.
A boa resposta aos corticosteroides tópicos sugere que, se as lesões forem causadas por
vírus, devem representar uma resposta imunológica ao vírus e seus componentes. Foi descrita
maior incidência em portadores do antígeno de histocompatibilidade HLA-DW3 e HLA-DR3.
Especula-se que, após exposição ao vírus, inicia-se intensa replicação virai nas células
epiteliais da córnea. O vírus modificaria o metabolismo celular para seu próprio uso e sobre-
269
270 Doenças Externas Oculares e Córnea
vivência. Após meses de latência, a doença se tornaria clinicamente ativa pela reação inflama
tória inespecífica, com morte celular e surgimento das lesões epiteliais. O processo poderia
ser reiniciado e manter-se-ia por anos, de 2 a 4 em geral, havendo descrição de pacientes com
quadro de 15 a 20 anos, principalmente associado ao uso prolongado e não controlado de
corticosteroides.
Foi descrita também recorrência da doença em pacientes que foram submetidos a cirurgia
refrativa, tais como PRK e LASIK.
QUADRO CLÍNICO
O paciente tem longa história, com episódios de exacerbação e remissão espontânea, de sen
sação de corpo estranho, lacrimejamento, fotofobia, sem ou com discreto comprometimento
conjuntival.
Não apresenta história de conjuntivite prévia ou perda da sensibilidade corneai e raramente
tem queixa de visão embaçada. A biomicroscopia, verificam-se depósitos intraepiteliais agru
pados em forma de finos pontos redondos ou ovais, de cor branco-acinzentada, discretamente
elevados, com tendência a confluir para pontos maiores. O epitélio entre as lesões é normal e
não há edema corneai ou reação de câmara anterior (Figs. 1 e 2). No período de exacerbação da
doença, tais opacidades intraepiteliais apresentam uma elevação no centro da lesão que pode
romper a superfície epitelial e corar com fluoresceína, sob a forma de finos pontos com aparên
cia de dendritos e levar a falso diagnóstico de ceratite herpética. Em média, têm-se de 15 a 20
lesões que acometem as áreas central e paracentral da córnea. A resolução do quadro agudo
normalmente ocorre após 1 ou 2 semanas, independentemente da medicação usada, podendo
haver reativação em 6 a 8 semanas; entretanto, esse tempo é extremamente variável. Durante
o período de inativação, as lesões podem desaparecer por completo ou permanecer como cica
trizes subepiteliais discretas e planas, que não coram com fluoresceína ou rosa-bengala. Pode
haver períodos de meses ou até anos sem exacerbação dos sintomas.
Geralmente é bilateral e sua evolução crônica pode arrastar-se por mais de duas décadas.
Sinais e sintomas normalmente resolvem espontaneamente e são autolimitados.
DIAGNÓSTICO DIFERENCIAL
Deve ser feito com todas as ceratites superficiais puncttatas (Quadro 1).
QUADRO 1
• O lho seco
• Blefarite
• Traum a
• Ceratites tó xicas (IDU, n eo m icin a, to b ram icin a, m aleato de tim olol ou fárm acos que co n ten h am
p réservan tes, in clu in d o lágrim as artificiais)
• C o n ju n tivites
TRATAMENTO
O tratamento deve ser proporcional ao quadro clínico apresentado. O paciente deve ser muito
bem orientado sobre o curso da doença, sua evolução e seu caráter autolimitado e benigno.
Os casos brandos devem ser tratados com lubrificantes tópicos, sem conservante, sob
forma de colírio, várias vezes ao dia. Corticosteroides tópicos, em baixa concentração, como
dexametasona a 0,01% ou acetato de prednisolona a 0,12%, podem ser usados em casos mode
rados a graves, com bons resultados. Entretanto, alguns autores acreditam que a terapia com
corticosteroides pode prolongar o curso natural da doença, principalmente quando seu uso
for prolongado e sem controle.
Outros agentes tópicos foram tentados, mas sem sucesso, como os agentes antivirais ido-
xuridina (IDU), que produzia cicatrizes subepiteliais, e a trifluortimida.
Doenças Externas Oculares e Córnea
Lente de contato terapêutica pode ser usada para promover imediato alívio dos sintomas
e rápida resolução das lesões epiteliais.
Vários estudos referem o uso da ciclosporina A a 2% tópica com bons resultados, tendo
como único efeito colateral a sensação de ardência durante sua instilação.
Acompanhamento deve ser feito semanalmente, durante o período de crise, e, posterior
mente, a cada 3 meses, por 1 ano.
BIBLIOGRAFIA
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Ceratite Filamentar
Acredita-se que cerca de 10% da população adulta apresentem sinais ou sintomas de olho
seco. A maioria dos casos está ligada à diminuição da produção de lágrima associada ou não
a doenças sistêmicas. Olho seco pode estar relacionado a trauma, doenças reumáticas, medi
camentos, uso de lentes de contato e outras doenças do sistema imunológico. Os sintomas
podem piorar quando há exposição a determinadas condições do meio ambiente, relacionadas
ao microclima (ambiente interno) e ao ambiente externo.
Considerada entidade incomum de curso crônico, geralmente bilateral e com períodos de
exacerbação, a ceratite ou ceratoconjuntivite filamentar representa um grande desafio no dia
a dia dos oftalmologistas.
O epitélio corneai apresenta certo nível de queratinização e descamação associadas a fila
mentos de muco na superfície epitelial secundários a diversas doenças oculares e sistêmicas.
Hoje é aceito que esses filamentos consistam de uma combinação variável de células epi-
teliais e muco, firmemente aderidos à superfície epitelial por uma de suas extremidades. Os
filamentos são pequenos, gelatinosos, fios variando de tamanho (0,5 a 10 mm), forma, com
posição e distribuição.
FISIOPATOLOGIA
Evidências mostram que o aumento na produção de muco na lágrima pelas células caliciformes
levam à formação de filamentos. Essas alterações são exacerbadas pela escassez de produção
lacrimal e pela má qualidade da lágrima.
Um aumento na viscosidade da camada lipídica pode fraturar a parte mucosa em filamen
tos e alterar o epitélio corneai mudando sua polaridade, tendo como consequência a adesão
dos filamentos nas áreas já degeneradas que fornecem substratos para essa adesão.
274 Doenças Externas Oculares e Córnea
MANIFESTAÇÕES CLÍNICAS
Pacientes com ceratite filamentar geralmente reportam desconforto ocular de médio a intenso
associado a lacrimejamento e fotofobia. Pode ser uni ou bilateral, de acordo com sua etiologia.
Blefarospasmos podem estar presentes e os sintomas pioram ao piscar. Com olhos fechados,
a sintomatologia tende a ser menor.
A biomicroscopia, observam-se hiperemia conjuntival, filamentos ou placas de muco ade
ridas ao epitélio corneai, que são melhor observadas com instilação do corante vital rosa-ben
gala (Fig. 1). O defeito epitelial é melhor observado com a instilação de fluoresceína.
▼
Alterações químicas do filme lacrimal
ASSOCIAÇÕES
A associação mais frequente é com a ceratoconjuntivite sicca, mas outras associações podem
existir, tais como:
Síndrome de Sjõgren.
Trauma cirúrgico.
Trauma ocular.
Abrasões.
Ceratite Filamentar
TRATAMENTO
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Ceratopatia Neurotrófica
INTRODUÇÃO
A córnea é ricamente inervada por nervos sensitivos. Aliás, a densidade das terminações ner
vosas na córnea é aproximadamente 300 a 400 vezes maior do que na pele. Esses nervos
provêm dos nervos ciliares, que são ramos terminais do nervo oftálmico, que por sua vez é
ramo do V par craniano (nervo trigêmeo). Tais nervos penetram a córnea no estroma perifé
rico e caminham de forma radial e centrípeta. As terminações nervosas perdem suas bainhas
de mielina a 1 mm do limbo e, emergindo das camadas profundas, penetram a membrana de
Bowman, formando um plexo subepitelial.
A inervação corneai possui importante função na manutenção da integridade da superfície
da córnea. A ceratopatia neurotrófica é caracterizada pela perda de células epiteliais secundá
ria à diminuição da sensibilidade corneai.
As causas mais comuns de ceratopatia neurotrófica encontram-se listadas na Tabela I.
Lesão do V par craniano, causando hipostesia ou anestesia corneai, pode ser decorrente de
cirurgia, trauma, acidentes vasculares cerebrais, aneurismas, esclerose múltipla e tumores da
fossa posterior. Infecções como herpes-zóster oftálmico, herpes simples e hanseníase, abuso
de anestésico tópico e cirurgias corneais, como LASIK e ceratoplastias penetrante e lamelar,
são outras causas relatadas.
No olho acometido, o epitélio da córnea torna-se anormal mesmo na ausência de infecção
ou trauma. A falta de inervação diminui a mitose das células epiteliais e causa a diminuição da
produção de neuromediadores, como acetilcolina e substância P. Ocorre também a diminuição
da frequência do piscar e da produção reflexa de lágrima. Isto acarreta o desenvolvimento de
defeito epitelial persistente, iniciando-se por áreas de ceratite ponteada que, posteriormen
te, coalescem em áreas maiores de perda epitelial. Defeitos epiteliais crônicos podem evoluir
para ulceração estromal e perfuração corneai.
277
278 Doenças Externas Oculares e Córnea
• Infecções
H erpes-zóster
Herpes sim ples
H anseníase
• Cirurgias co rneanas
- LASIK
C erato p lastias p en etran te e lam elar
ACHADOS CLÍNICOS
DIAGNÓSTICO
TRATAMENTO
PERSPECTIVAS FUTURAS
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o Doenças Metabólicas e
«<
u*
Anomalias Congênitas
Anomalias Congênitas da
Córnea e Esclera
3 10 43 a 48 C o n jun tiva
Form ação da m em brana de D escem et
C o n d en sação da esclera (anterio r para
posterior)
285
286 Doenças Externas Oculares e Córnea
Deve seguir uma rotina que inclui a história clínica familiar e pré-natal da mãe, avaliação oftal
mológica dos genitores e exame clínico minucioso do recém-nascido com investigação labora
torial das infecções congênitas (TORCH). No exame oftalmológico do recém-nascido, realizar:
Documentação da orientação, formação e anatomia das pálpebras e órbitas.
Medida do diâmetro corneai vertical e horizontal (10 a 10,5 mm).
Biomicroscopia da córnea, com especial atenção para o limbo, camada de Bowman, trans
parência do estróina e membrana de Descemet.
■ Gonioscopia, quando possível.
■ Estudo da íris e pupila.
Investigação de anomalias no cristalino e segmento posterior.
Anomalias Congênitas da Córnea e Esclera
E condição extremamente rara, geralmente bilateral e associada com outras múltiplas mal
formações sistêmicas formando a denominada síndrome de Fraser (criptoftalmos, sindactilia,
malformações laríngeas, geniturinárias, dismorfismo craniofacial, retardo mental e anomalias
musculoesqueléticas), descrita pelo geneticista canadense George R. Fraser. Atualmente exis
tem mais de 200 casos publicados de criptoftalmos associados à síndrome de Fraser.
Há falha na formação das pálpebras e estruturas associadas, com fusão da córnea com a
epiderme e ausência ou não da câmara anterior, íris e cristalino. Sua patogênese é desconhe
cida, porém sugere-se que esteja relacionada ao metabolismo do ácido retinoico.
Ocorre igualmente em ambos os sexos e não tem transmissão genética vertical, sugerindo
herança autossômica recessiva. Clinicamente, observa-se transformação da córnea e conjun
tiva em derme, ausência da pálpebra, glândulas lacrimais e canalículos, assim como ausência
de tecido conjuntivo da íris, canal de Schlemm, malha trabecular, câmara anterior e cristalino.
O diagnóstico diferencial deve ser feito com o pseudocriptoftalmo, no qual há falha na
separação das pálpebras e estruturas associadas. A simples separação das pálpebras resolve
o problema.
Críptoftalmo requer tratamento cirúrgico somente para fins cosméticos ou para alívio da
dor provocada pelo glaucoma absoluto.
Anoftalmo/microftalmo
São condições definidas pela organização internacional The International Clearinghouse for
Birth Defects Surveillance and Research (ICBDSR ou simplesmente Clearinghouse), afiliada à
Organização Mundial da Saúde, respectivamente como “ausência completa do globo na pre
sença de anexos oculares (pálpebras, conjuntiva e aparelho lacrimal) e presença de um olho
Doenças Externas Oculares e Córnea
Nanoftalmo
Consiste em olho pequeno, porém funcional, com organização e proporção relativamente
normais.
Os pacientes apresentam alta hipermetropia, fendas palpebrais estreitas, esclera fina e
câmara anterior rasa, com ângulo estreito e/ou goniodisgenesia.
Correção óptica da hipermetropia e tratamento clínico-cirúrgico do glaucoma são manda
tories. Efusão uveal está associada à manipulação cirúrgica do cistalino.
hipermetropia, córnea plana, leucoma, coloboma de íris, catarata congênita e glaucoma (20%
dos pacientes com microcórnea desenvolvem glaucoma de ângulo aberto).
r
E transmitida de forma autossômica dominante, mas formas recessivas são descritas. Pode
ser associada a alterações sistêmicas como nas síndromes de Weill-Marchesani, Ehlers-Danlos
e Rieger.
Megalocórnea
São córneas com diâmetro superior a 13 mm horizontalmente, de caráter não progressivo.
Usualmente transmitida de forma recessiva ligada ao X, provavelmente localizada na região
cromossômica Xql2-q26.
Por essa razão, 90% dos pacientes são do sexo masculino. Usualmente é bilateral, quase
sempre associada ao aumento no tamanho das estruturas do segmento anterior (megaloftal-
mo anterior). A forma isolada de megaloftalmo é extremamente rara e transmitida de maneira
autossômica dominante. Pacientes com megalocórnea são míopes, em sua maioria, e podem
apresentar subluxação de cristalino, catarata subcapsular posterior, degeneração em mosaico
anterior e hipoplasia do estroma da íris.
Alterações sistêmicas podem estar associadas, como craniossinostoses, bossa frontal, re
tardamento mental, síndrome de Down, síndrome de Marfan, síndrome de Alport, entre outras.
Clinicamente, o diagnóstico diferencial mais importante a ser feito é com glaucoma con
gênito, que também produz aumento do diâmetro da córnea (buftalmo).
Ceratoglobo
r
E uma rara doença da córnea caracterizada por afmamento de limbo a limbo, geralmente mais
acentuado na periferia, e protrusão globosa. Ceratoglobo adquirido tem sido descrito com
oftalmopatias tireoideas, ceratoconjuntivite vernal e blefarite marginal crônica. A forma con
gênita tem sido associada à amaurose congênita de Leber e síndrome da esclera azul. Tem sido
relacionado a outras desordens do tecido conjuntivo como as síndromes de Rubinstein-Taybi,
Marfan e Ehlers-Danlos tipo VI.
Geralmente são observados nos achados histológicos, afmamento estromal e cicatrizes,
ausência completa da camada de Bowman e afmamento da membrana de Descemet. Relatos
recentes sugerem que o afmamento estromal do ceratoglobo é decorrente de complexos pro
cessos de degradação; porém, a etiopatogenia permanece inexplicada.
Acompanhado de déficit visual significativo, inicialmente pode ser corrigido com óculos.
Entretanto, os casos que necessitam abordagem cirúrgica ainda apresentam resultados insa
tisfatórios.
Córnea plana
Comumente associada à microcórnea e esclerocórnea, pode ser transmitida de forma autos
sômica dominante ou recessiva. Em geral, o raio de curvatura da córnea é inferior a 43 D;
porém, não são raras leituras ceratométricas de 20 D, produzindo hipermetropia variável. A
câmara anterior apresenta-se rasa, com estreitamento de ângulo, o que facilita o aparecimento
de glaucoma.
290 Doenças Externas Oculares e Córnea
Esclerocórnea
Caracteriza-se por esclerificação parcial (periférica) ou total da córnea, geralmente vasculariza-
da. Pode ser uni ou bilateral, assimétrica, não progressiva e não inflamatória, afetando homens
e mulheres em igual proporção.
A apresentação pode ser esporádica ou familiar; quando herdada, a forma recessiva de
monstra fenótipo mais agressivo do que a dominante. Os loci gênicos relatados são Xp22.31
(esclerocórnea associado com microftalmia e dermal aplasia), 18q21.3 (relacionado com au
tismo, anoftalmia, microftalmia e esclerocórnea) e, em associação com a síndrome da deleção
cromossômica 2 2 q ll.2 .
r
O tratamento dessa condição é geralmente complexo por meio da correção dos erros re-
frativos, manejo da ambliopia e do glaucoma, transplante de córnea e acompanhamento de
outras alterações associadas. Apresenta frequentemente resultados desfavoráveis.
Pode ser encontrado em olhos normais (10 a 15%). Quando isolado, não representa proble
ma para o paciente. Pode estar associado a doenças, como ictiose ligada ao X, aniridia familiar
e síndrome de Alagille (displasia arterioepática).
r
Anomalia de Axenfeld: E a combinação de um embriotóxon posterior com processos de
íris proeminentes ou aderências iridocorneais. Os processos de íris se inserem sobre a linha de
Schwalbe proeminente. Quando associada a glaucoma, o que ocorre em 50% dos casos, recebe
a denominação de síndrome de Axenfeld (Fig. 3).
Pode estar ocasionalmente associada a hipertelorismo, assimetrias faciais e ombros hipo-
plásicos.
Anomalia de Rieger: Caracteriza-se pela combinação de embriotóxon posterior, aderên
cias iridocorneais, atrofia do estroma da íris, corectopia (72% dos casos), pseudopolicoria e
Ectropium uveae.
r
Fig. 3 A n o m a lia d e A x e n fe ld em p a c ie n te d e 10 a n o s d e id a d e ,
a s s in to m á tic o .
Na forma ectodérmica ou tipo 2, ocorre defeito posterior associado à catarata polar ante
rior ou adesão ceratolenticular. A câmara anterior em geral é rasa, com sinequias anteriores,
o que aumenta significativamente a associação com glaucoma. Resulta da falha da separação
da vesícula lenticular do ectoderma superficial. Há ainda a forma inflamatória, por inflamação
r
intrauterina, que também pode produzir defeito corneai central. E difícil a distinção dessa
forma das anteriores.
A anomalia de Peters pode ser herdada de forma autossômica dominante ou recessiva, ou
podem ocorrer casos isolados na família, nos quais o modo de herança é desconhecido. Atual
mente, existem relatos de associação com mutação nos seguintes genes: PAX6, CYP1B, PITX2,
PITX3, F0XE3 e FOXC I .
Os casos de herança recessiva podem vir acompanhados de baixa estatura desproporcio
nal, alterações faciais e variável déficit motor constituindo a síndrome de Peters Plus, decor
rente de mutações no gene B3GALTL.
Seu principal diagnóstico diferencial é com esclerocórnea, que em geral poupa parcial
mente a área central da córnea, enquanto a anomalia de Peters é tipicamente mais densa na
área central da córnea.
O tratamento de todas as anomalias do segmento anterior do olho requer pronto diag
nóstico e completo envolvimento familiar em todas as fases. A formação de equipe multidis-
ciplinar composta de clínicos, cirurgiões, ortoptistas, geneticistas, especialistas em visão sub
normal, glaucoma e transplante de córnea, garante maior abrangência e solidez nas condutas
que envolvem múltiplos procedimentos (transplante de córnea, cirurgia filtrante, oclusão para
tratamento de ambliopia).
294 Doenças Externas Oculares e Córnea
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Doenças Metabólicas
A córnea e conjuntiva normais são transparentes e qualquer depósito, mesmo do filme lacri-
mal, limbo ou humor aquoso, é facilmente detectado. Os depósitos podem ser secundários a
alterações sistêmicas do metabolismo, geralmente devido ao defeito de uma enzima específi
ca, causando acúmulo de substâncias anormais nos lisossomos ou em estruturas intracitoplas-
máticas semelhantes aos lisossomos. Depósitos e pigmentações corneoconjuntivais também
podem ocorrer secundários ao uso de medicações tópicas e sistêmicas.
Mucopolissacaridose
Definição: erros inatos do metabolismo dos carboidratos que ocorrem devido à deficiência
das enzimas hidrolases lisossomais ácidas que degradam os mucopolissacarídeos ou glicosa-
minoglicanos (GAG), que dessa forma se acumulam em diferentes tecidos.
Patogênese: são pelo menos oito síndromes diferentes com diversas características em
comum. Todas são autossômicas recessivas, exceto a síndrome de Hunter, que é recessiva e
ligada ao X.
Os GAG constituem a substância fundamental da córnea (de 4 a 4,5% do peso da córnea
seca), mas nessas doenças há excesso de mucopolissacarídeos nos ceratócitos e estroma e, em
alguns casos, no epitélio e endotélio corneais. Os mucopolissacarídeos encontrados no estro
ma corneai normal são o queratan sulfato, condroitin sulfato e dermatan sulfato. Condroitin
sulfato é encontrado exclusivamente na córnea. O heparan sulfato não está presente na cór
nea, mas é encontrado na retina, no sistema nervoso central e na aorta.
Achados clínicos: as síndromes de Scheie, de Hurler-Scheie e de Hurler podem cursar com
glaucoma. Opacificação corneai, retinopatia e atrofia óptica estão presentes em todas, exceto
295
296 Doenças Externas Oculares e Córnea
Hiperlipoproteinemias
Definição: são alterações do metabolismo que cursam com aumento das lipoproteínas séricas.
São divididas em cinco tipos distintos e que podem ser associados a alterações sistêmicas e
oculares. São condições comuns e podem estar associadas a doenças coronarianas prematuras
e doenças vasculares periféricas.
Patogênese: podem ser erros inatos do metabolismo (autossômicas dominantes nos tipos
II, IV e V, e autossômicas recessivas nos tipos I e III) ou secundárias a doenças sistêmicas. Ocor
rem depósitos extracelulares de colesterol, ésteres de colesterol, fosfolipídios e triglicerídios.
No arco corneai, as avaliações histopatológicas demonstraram depósitos de lipídios na córnea
periférica que acometem o estroma, a membrana de Bowman e a de Descemet.
Achados clínicos: sistemicamente, podem ocorrer hepatosplenomegalia, pancreatite e
aterosclerose. As hiperlipoproteinemias dos tipos II e III são associadas ao aparecimento pre
maturo de xantelasma e arcos corneai ou juvenil. Algumas hiperlipoproteinemias podem ter
xantomas de conjuntiva e/ou lipemia retinínica. O arco corneai é alteração degenerativa co
mum em indivíduos idosos e, nesses casos, a avaliação sistêmica não é necessária. Porém,
quando o arco é muito assimétrico ou aparece antes dos 50 anos, hipeiiipoproteinemia deve
ser investigada. Distrofia cristaliniana central de Schnyder é um defeito localizado do meta
bolismo lipídico, e a avaliação laboratorial do perfil lipídico é necessária para descartar anor
malidade sistêmica.
Avaliação laboratorial: deve-se solicitar o perfil lipídico de jejum, com restrição de bebi
das alcoólicas, que deve incluir colesterol, triglicerídeos e lipoproteínas de alta e baixa densi
dades (HDL e LDL).
Doenças Metabólicas
Hipolipoproteinemias
Definição: a redução anormal dos níveis de lipoproteínas séricas ocorre em cinco doenças
distintas. As três primeiras cursam com alterações corneais e as duas últimas com alterações
retínicas:
Deficiência de lecitina colesterol aciltransferase (LCAT).
■ Doença de Tangier.
Doença do olho de Peixe (fish eye disease).
Hipobetalipoproteinemia familiar.
Síndrome de Bassen-Kornzweig.
Esfingolipidoses
Definição: são alterações inatas dos lípides complexos: gangliosídeos e esfingomielina. Afe
tam principalmente a retina e podem causar disfunção do sistema nervoso central, exceto na
doença de Fabry. São raras e o envolvimento corneai pode ocorrer em quatro condições:
Doença de Fabry (angioqueratoma corpóreo difuso).
Deficiência de sulfatase múltipla.
Gangliosidose generalizada (gangliosidose GM1 tipo I).
■ Doença de Tay-Sachs.
Patogênese: são doenças autossômicas recessivas, exceto a doença de Fabry, que é re
cessiva ligada ao X. Na doença de Fabry há deficiência de a-galactosidase A, com conse
quente acúmulo de triexosídeo ceramida nos sistemas renal e cardiovascular. A deficiência
de sulfatase múltipla combina características da leucodistrofia metacromática e da mucopo-
lissacaridose.
A gangliosidose generalizada é caracterizada pela deficiência de a-galactosidases, com
acúmulo de gangliosídeos no sistema nervoso central e de queratan sulfato nos tecidos somá
ticos. Na doença de Tay-Sachs, há deficiência de hexosaminidase A com acúmulo de ganglio
sidose GM2. Primariamente, ocorre envolvimento da retina e, recentemente, demonstrou-se
envolvimento corneai, onde as células endoteliais aparecem distendidas e preenchidas por
vacúolos únicos ligados à membrana.
Achados clínicos: na doença de Fabry, as alterações corneais consistem em linhas em
forma de turbilhão (córnea verticilatta), que confluem para a região centro-inferior do epitélio
corneai. Outras alterações incluem edema periorbital em 25% dos casos, catarata posterior em
50% e aneurisma conjuntival em 60%. Podem ser encontrados papiledema, edema de retina ou
de mácula, atrofia óptica e dilatação vascular retiniana.
As alterações corneais surgem tanto em homens doentes (homozigotos) quanto em mu
lheres portadoras (heterozigotas), porém as manifestações dermatológicas não se manifestam
nas portadoras.
Na deficiência de sulfatase múltipla, as crianças afetadas têm opacificação corneai difusa
tênue, atrofia óptica, degeneração pigmentar da retina, anomalias esqueléticas e retardo psi
comotor progressivo. O óbito ocorre na primeira década.
A gangliosidose generalizada pode ter quadros que vão desde deficiência neurológica
grave com morte precoce até anormalidades esqueléticas com inteligência normal. Alguns
pacientes apresentam opacidade corneai leve e difusa.
Avaliação laboratorial: na doença de Fabry ocorrem diminuição acentuada de
a-galactosidase no plasma e na urina e excesso de galactosilceramida na lágrima, sangue e
urina. A biópsia conjuntival, com inclusões intracelulares birrefringentes, pode ser positiva
antes do aparecimento da córnea verticilatta.
Procedimento: se o paciente é portador (heterozigoto) assintomático da doença de Fabry,
deve ser encaminhado para aconselhamento genético. O prognóstico para transplante pene
trante de córnea nessas condições é ruim.
Doenças Metabólicas
Mucolipidoses
Definição: essas doenças são uma combinação de erros inatos do metabolismo dos carboidra
tos e dos lipídios.
Patogênese: são condições autossômicas recessivas, nas quais ocorre um defeito na enzi
ma hidrolase lisossomal ácida. Têm características em comum com as mucopolissacaridoses e
lipidoses. As mucopolissacaridoses causam acúmulos na córnea e vísceras e as esfmgolipido-
ses depositam-se na retina e sistema nervoso central.
As doenças que atualmente são classificadas como mucolipidoses são:
Mucolipidose (MLS) I - sialidose dismórfica.
■ MLS II - doença da célula I.
MLS III - polidistrofia pseudo-Hurler.
■ MLS IV.
Síndome de Goldberg.
Manosidose.
Fucosidose.
vada no estroma (MLS I, II e III), epitélio (MLS I) ou difusa (MLS IV). E frequente a presença de
mancha vermelho-cereja na mácula, degeneração retiniana, atrofia óptica, catarata e, na MLS
II, glaucoma e megalocórnea.
Sistemicamente apresentam deformidades esqueléticas, retardo psicomotor e alterações
viscerais.
Avaliação laboratorial: as células plasmáticas são vacuoladas e as hidrolases lisossomais
plasmáticas encontram-se elevadas.
Na MLS IV com opacidade corneai desde o nascimento, a biópsia conjuntival mostra fibro
blastos com corpúsculos de inclusão.
Não há evidência de mucopolissacaridúria nem de metacromasia celular.
Procedimento: transplantes penetrantes de córnea e lamelares têm sido descritos com
maus resultados, provavelmente porque a cicatrização da superfície é impedida pelas células
epiteliais anormais. Transplante de limbo pode melhorar o prognóstico nesses casos.
300 Doenças Externas Oculares e Córnea
Cistinose
Definição: doença metabólica caracterizada pelo acúmulo de cistina ácida nos lisossomos.
Procedimento: o uso de cisteamina (mercaptamina) sistêmica tem melhorado o curso da
doença e postergado a necessidade de transplante renal, porém não mostrou diminuir a pro
porção de depósitos de cristais corneais. O uso tópico de colírio de cisteamina a 0,1 a 0,5%
de hora em hora reduz a densidade dos depósitos cristalinos e diminui a dor corneai, possi
velmente devido ao decréscimo da ocorrência de erosões recorrentes. Entretanto, o uso do
colírio em baixas concentrações ou em intervalos maiores (4 vezes/dia) não se mostrou eficaz.
Presume-se que a cisteamina reaja com a cistina intracelular, formando um dissulfido cisteína-
cisteamina que se assemelha a lisina e que é transportado no lisossomo pelo sistema normal
de transporte da lisina. Observa-se recorrência dos depósitos no botão doador ao realizar-se
transplante penetrante de córnea.
Patogênese: a herança é autossômica recessiva. Ocorre um defeito no transporte através
da membrana lisossomal, provocando acúmulo de cistina livre nos lisossomos intracelulares.
Achados clínicos: pode apresentar-se nas formas infantil, intermediária ou adulta.
A forma infantil, ou nefropática, apresenta deficiências de crescimento características
(raquitismo) e disfunção renal progressiva (síndrome de Fanconi) com depósitos de finos
cristais de cistina policromáticos na conjuntiva, no estróina corneai e em outras partes do
olho, acompanhados de atrofia do epitélio pigmentar da retina periférica. Os cristais surgem
durante o primeiro ano de vida, são amorfos na conjuntiva e têm forma de agulha no estró
ina corneal (Fig. 1). Depositam-se inicialmente no estróina corneai anterior e periférico e
progridem posterior e centripetamente. Essa forma é fatal na primeira década de vida caso
não se realize transplante renal. A forma intermediária, ou adolescente, tem envolvimento
renal menos intenso, podendo ser fatal na segunda ou terceira década de vida. Na forma
adulta, a expectativa de vida é normal e o único achado clínico é a presença dos cristais de
cistinose no estroma corneai. Os cristais geralmente não alteram a acuidade visual nem a vi
são de cores, porém podem provocar ceratopatia puncttata (erosões recorrentes), fotofobia
e blefarospasmo.
Avaliação laboratorial: os cristais de cistina podem ser encontrados na biópsia conjunti-
val, no plasma sanguíneo e na medula óssea.
Tirosinemia
Definição: defeito enzimático que resulta em excesso de tirosina no sangue e urina.
Patogênese: doença autossômica recessiva dividida em tirosinemia tipo I (hepatorrenal)
sem envolvimento ocular, e tipo II (oculocutânea ou síndrome de Richner-Hanhart). Na tirosi
nemia tipo 1, há defeito na tirosina aminotransferase (TAT).
Achados clínicos: a síndrome de Richner-Hanhart caracteriza-se por lesões hiperqueratóti-
cas nas palmas das mãos, plantas dos pés e cotovelos, acompanhadas de retardamento mental.
Os depósitos corneais são cristalinos, puntiformes e superficiais, e provocam episódios recor
rentes de formação de pseudodendritos. Os episódios repetidos de quebra epitelial podem
causar vascularização corneai e deixar cicatrizes (Fig. 2).
Avaliação laboratorial: são encontradas hipertirosinemia e tirosinúria com níveis nor
mais de fenilalanina. A biópsia revela deficiência de tirosina aminotransferase (TAT) solúvel
no tipo II.
Procedimento: restrição dietética de ingestão de tirosina e fenilalanina pode reduzir as
alterações sistêmicas e corneais.
Alcaptonúria
Definição: defeito no metabolismo da tirosina e fenilalanina que se transformam em alcapton
e se depositam nos tecidos causando a ocronose.
Patogênese: trata-se de doença autossômica recessiva rara, causada pela deficiência da
enzima homogentisada 1,2 dioxigenase. O metabolismo normal da fenilalanina e da tirosina
302 Doenças Externas Oculares e Córnea
produz ácido homogentísico. Na ausência dessa enzima, o ácido homogentísico não é meta-
bolizado, sendo oxidado e polimerizado em alcapton, um material de coloração acastanhada,
semelhante à melanina, que se deposita nos tecidos sob a forma de um pigmento escuro pro
vocando ocronose. O ácido homogentísico na córnea é observado à microscopia óptica. Essa
doença ocorre em alta frequência na República Dominicana e na Eslováquia.
Achados clínicos: os pacientes desenvolvem artropatia, cálculos renais e pigmentação
das estruturas cartilaginosas, como lóbulos das orelhas, traqueia, nariz, tendões, dura-má-
ter, válvulas cardíacas e próstata. Eventualmente, os tendões dos músculos retos lateral e
medial e a esclera adjacente às inserções desenvolvem pigmentação esfumaçada. Opacida
des puntiformes escuras podem aparecer no epitélio ou na camada de Bowman próxima ao
limbo.
Avaliação laboratorial: a urina torna-se escura e alcalina. A deficiência de oxidase homo-
gentísica ácida pode ser demonstrada.
Procedimento: não há tratamento específico, porém doses altas de ácido ascórbico têm
reduzido a artropatia em pacientes jovens.
Amiloidose
Definição: é um grupo heterogêneo de doenças caracterizado pelo acúmulo extracelular de
amiloide em vários tecidos e órgãos.
Patogênese: amiloide é um material eosinofílico que cora em vermelho com a tintura de
vermelho congo e apresenta birrefringência e metacromasia com coloração cristal violeta, fluo
rescência na luz ultravioleta com coloração de tioflavina T e aparência tipicamente filamentosa
na microscopia eletrônica.
Achados clínicos: a amiloidose ocular pode ser classificada como primária (idiopática) ou
secundária, bem como localizada ou sistêmica.
Amiloidose primária localizada: é a forma mais comum de amiloidose ocular. Observam-se
placas de amiloide na conjuntiva. Na amiloidose familiar primária da córnea (distrofia gelati
nosa em forma de gota), nódulos inicialmente esbranquiçados, depois amarelados, são depo
sitados na superfície central da córnea. Outras formas de amiloidose primária localizada são a
distrofia lattice e a degeneração polimórfica amiloide.
Amiloidose primária sistêmica: é um grupo heterogêneo de doenças caracterizadas por
pápulas palpebrais equimóticas, opacidades e membranas vítreas, alterações dos reflexos pu
pilares e dos músculos oculares extrínsecos (oftalmoplegia). Envolvimento corneai ocorre na
distrofia lattice tipo II (síndrome de Meretoja).
Amiloidose secundária localizada: surge em olhos com doenças inflamatórias crônicas pro
longadas, tais como tracoma e ceratite intersticial. Os depósitos são tipicamente róseos ou
amarelados.
Amiloidose secundária sistêmica: pode estar associada a artrite reumatoide, febre mediter
rânea, bronquiectasia e hanseníase. As pálpebras podem ser afetadas, sem comprometimento
da córnea.
Doenças Metabólicas
Definição: é o depósito de urato nas articulações e nos rins, devido ao aumento do ácido úrico
circulante (hiperuricemia).
Patogênese: a hiperuricemia ocorre devido a um grupo heterogêneo de alterações do
metabolismo das purinas. Pode ser familiar, por uma deficiência enzimática ou secundária ou
poligênica. Hiperuricemia secundária à obesidade, quimioterapia citotóxica, doenças mielo-
proliferativas, terapia diurética ou alcoolismo são as mais comuns.
Achados clínicos: podem ocorrer inflamação aguda da esclera, episclera e conjuntiva e
depósitos finos no epitélio e estroma corneai, sem inflamação. Ceratopatia em faixa, de cor
alaranjada, pode ser observada raramente.
304 Doenças Externas Oculares e Córnea
Avaliação laboratorial: níveis de ácido úrico sérico estão tipicamente aumentados, porém
podem ser normais na presença de ceratopatia sem inflamação.
Procedimento: tratamento do quadro agudo com indometacina, colchicina ou fenilbuta-
zona. A redução dos níveis de ácido úrico a longo prazo pode ser obtida com o uso de alo-
purinol. Os depósitos superficiais podem ser removidos mecanicamente com debridamento
corneai ou ceratectomia.
Doença de Wilson
Definição: é uma alteração do metabolismo do cobre, que se deposita em vários órgãos. Tam
bém chamada de degeneração hepatolenticular.
Patogênese: é uma doença autossômica recessiva. A excreção biliar de cobre e a incorpo
ração pela ceruloplasmina, uma enzima transportadora de cobre, estão gravemente debilita
das nessa doença. O cobre deposita-se no fígado, posteriormente nos rins e, eventualmente,
no cérebro e na membrana de Descemet da córnea.
Achados clínicos: acúmulo progressivo de cobre no fígado, com consequente dano hepáti
co. Aumento da rigidez muscular, tremores e movimentos involuntários gradualmente ocorrem
em um curso flutuante que se assemelha ao parkinsonismo. Deterioração intelectual e do com
portamento podem ser sinais tardios. Na córnea há depósito de pigmento alaraniado em forma
de anel (anel de Kayser-Fleischer) periférico, que consiste em depósitos de cobre na lamela pos
terior da membrana de Descemet. Inicia-se superiormente, estendendo-se gradualmente para
encontrar os depósitos inferiormente. Gonioscopia pode auxiliar na observação do anel.
O anel também pode ser observado em outras doenças hepáticas.
Avaliação laboratorial: ceruloplasmina sérica baixa, cobre sérico não ligado a ceruloplas
mina alto e cobre urinário alto sugerem o diagnóstico, que pode ser confirmado pela bióp
sia hepática. Proteinúria, aminoacidúria, glicosúria, hiperfosfatúria e ácido úrico na urina são
achados não específicos.
Procedimento: a doença de Wilson pode ser tratada com penicilamina. O anel de Kayser-
-Fleischer desaparece gradualmente com a terapia, esse sinal pode ser usado para monitorar
a terapia.
Hemocromatose
Definição: acúmulo de ferro em vários órgãos do corpo.
Patogênese: a hemocromatose pode ser idiopática, autossômica recessiva ou secundária
à absorção dietética excessiva de ferro ou a transfusões sanguíneas repetidas para anemias
refratárias.
Achados clínicos: as características principais são cirrose, diabetes melito, cardiomiopa-
tia, hiperpigmentação, artrite e hipergonadismo. Ocorre depósito do excesso de ferro na mar
gem palpebral inferior e na conjuntiva perilimbar, invadindo a córnea periférica. A córnea
inferior é geralmente mais afetada que a superior.
Doenças Metabólicas
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Tumores da Conjuntiva
e da Córnea
Tumores da Conjuntiva
e da Córnea
Além das lesões anteriormente citadas, devem ser lembradas as benignas compostas por
elementos que normalmente não são encontrados na região acometida, também conhecidas
como coristomas. Como exemplos, dermoide epibulbar, dermolipoma, coristoma complexo e
glândula lacrimal ectópica.
309
310 Doenças Externas Oculares e Córnea
Os tumores metastáticos para a córnea e conjuntiva podem ocorrer, mas são extrema
mente raros. Com maior frequência, essas lesões representam extensões de tumores do trato
uveal, pálpebras, órbita ou seios paranasais.
Os tumores conjuntivais representam um amplo espectro de lesões benignas e malignas,
algumas capazes de acarretar não somente a perda da visão como também da vida. A aborda
gem correta dessas lesões compreende diagnóstico e tratamento apropriados.
A técnica básica para a obtenção de material para o diagnóstico de uma lesão conjuntival
é a biópsia excisional. Como a conjuntiva é um tecido bastante elástico, redundante e com
propriedades regenerativas, grandes ressecções podem ser realizadas sem que haja perda ou
cicatrização excessivas. A biópsia excisional tem dupla função: diagnóstica e terapêutica. Além
de prover material para o diagnóstico histopatológico, a excisão é frequentemente curativa.
Nos casos em que a excisão, isoladamente, é insuficiente para evitar a recidiva ou o desenvol
vimento de metástases do tumor, terapias adjuvantes como a crioterapia, quimioterapia ou
radioterapia podem ser utilizadas.
A comunicação entre o oftalmologista que realizará a biópsia e o patologista é de funda
mental importância. O patologista deve ser consultado antes do procedimento para estabele
cer as técnicas ideais de excisão, manutenção e transporte do tecido. Se a conjuntiva excisada
não for preparada de modo adequado, ao ser imerso na solução fixadora, o tecido tende a
enrolar-se devido à sua elasticidade, dificultando o diagnóstico histopatológico, principalmen
te no que diz respeito às margens cirúrgicas. Para evitar que isto aconteça, o tecido excisado
deve ser cuidadosamente estendido, com a face epitelial para cima, sobre um quadrado de
pedaço de papel, que pode ser o próprio papel do fio cirúrgico, umedecido com solução sali
na. Para melhor orientação das margens cirúrgicas, devemos identificar pelo menos duas delas
com fios (p. ex., um fio curto para a margem superior e um fio longo para a margem temporal).
Um esquema do olho, com a orientação do local da excisão e dos fios, deve ser feito sistema
ticamente no pedido de exame anatomopatológico ou no próprio papel onde está o material,
mas nesse caso usar lápis e não caneta esferográfica, pois a tinta será diluída pelo fixador. O
material deverá ser colocado, delicadamente, em um frasco contendo a solução fixadora. A
fixação ocorre imediatamente, quando o papel toca a solução e, em poucos minutos, vai para
o fundo do frasco (Fig. 1). A solução fixadora mais comumente utilizada é a formalina diluída
a 10%, em tampão de fosfato. O exame de congelação deverá ser solicitado somente quando
Fig* i O te c id o e x c is a d o d e v e se r c u id a d o s a m e n te e ste n d id o ,
co m a fa c e e p ite lia l p ara c im a , so b re um q u a d ra d o d e p e d a ç o
d e p a p e l. U m e s q u e m a do o lh o , co m a o rie n ta ç ã o d o lo cal da
e x c is ã o e d as m a rg e n s c irú rg ic a s , d e v e se r fe ito s is te m a tic a
m e n te . O m a te ria l d e v e rá se r c o lo c a d o d e lic a d a m e n te em um
fra sc o c o n te n d o a s o lu ç ã o fix a d o ra . A fix a ç ã o o c o rre im e d ia ta
m e n te , q u a n d o o p a p e l to c a a s o lu ç ã o e, em p o u c o s m in u to s,
va i p ara o fu n d o d o fra sco .
Tumores da Conjuntiva e da Córnea
A -TU M O R ES EPITELIAIS
Papiloma escamoso
Os papilomas da conjuntiva são tumores benignos compostos por células epiteliais maduras e
têm sido associados à infecção pelo papilomavírus humano (Human papillomavinis - HPV), espe
cialmente na população pediátrica. Apresentam-se como lesões translúcidas contendo uma rede
vascular com projeções radiais que assumem um aspecto arboriforme, podendo ser bilaterais
(Fig. 3). Lesões no grupo pediátrico tendem a ser pequenas, localizadas no fórnice inferior, ca-
rúncula ou limbo e podem ser múltiplas. Os papilomas apresentam geralmente um crescimento
exofítico, podendo ser pedunculados ou sésseis. Mais raramente, nos chamados papilomas in-
312 Doenças Externas Oculares e Córnea
Placa ceratótica
A placa ceratótica ou leucoplasia (Fig. 5A) representa, histologicamente, uma hiperceratose
do epitélio conjuntival (Fig. 5B). Como normalmente a conjuntiva é revestida por um epitélio
não queratinizado, qualquer formação de queratina é considerada uma hiperceratose. Embora
seja uma lesão benigna, a placa ceratótica pode aparecer associada à ceratose actínica (lesão
pré-neoplásica) bem como às lesões malignas da conjuntiva.
Tumores da Conjuntiva e da Córnea
Xeroderma pigmentoso
O xeroderma pigmentoso, doença autossômica recessiva em que há um defeito genético no
processo de reparo do DNA, pode cursar com o aparecimento de lesões da conjuntiva, que
variam desde a displasia até o carcinoma espinocelular invasivo.
casos, enquanto, na neoplasia intraepitelial cervical, essa taxa é cerca de 50%. Acredita-se que
as neoplasias epiteliais tenham origem a partir das células germinativas (stem cells) do limbo.
Por essa razão, essas lesões ocorrem, quase que invarialvelmente, na região do limbo corne-
oconjuntival.
Na displasia conjuntival ocorre uma perturbação do arranjo epitelial com o aparecimento
de atipia celular. De acordo com o grau de atipia celular, as displasias podem ser classificadas
em leve, moderada e grave. Essas lesões podem estar relacionadas à exposição solar (ceratose
actínica) e já foi sugerida a participação da infecção por certos tipos de papilomavírus (sobre
tudo os tipos 16 e 18) na sua patogênese. Clinicamente, apresentam-se como lesões de aspec
to gelatinoso, de limites pouco definidos. Em alguns casos, a lesão pode assumir um aspecto
papilomatoso, porém com irregularidade dos vasos e imprecisão dos limites (Fig. 6). Apenas
pelo aspecto clínico, nem sempre é possível diferenciar uma displasia de um carcinoma in situ.
Mesmo no exame histopatológico, a diferenciação entre as duas lesões pode ser muito difí
cil. O carcinoma in situ representa o extremo maligno do espectro das displasias conjuntivais,
quando células atípicas ocupam toda a espessura do epitélio sem, porém, ultrapassarem a
membrana basal (Fig. 7).
podem ser indistinguíveis, sobretudo as menores. A maior parte das lesões localiza-se na área
interpalpebral ou região perilímbica. Podem assumir um crescimento papilomatoso (Fig. 8) ou
ter um aspecto leucoplásico (Fig. 9).
Nos países desenvolvidos é uma afecção de indivíduos mais idosos, mas, em nosso meio,
r r
na Asia e na África, é relativamente frequente em indivíduos jovens. A invasão intraocular e a
disseminação também não são incomuns. As metástases ocorrem por disseminação linfática
para os linfonodos submandibulares ou pré-auriculares.
Histologicamente, a maioria dos carcinomas espinocelulares da conjuntiva são lesões bem
diferenciadas. O estroma apresenta infiltrado inflamatório e contém coleções de células epite-
liais atípicas que romperam a barreira da membrana basal do epitélio, invadindo a substância
própria da conjuntiva (Fig. 10). Existe uma grande variação no tamanho e na configuração das
células que invadem a conjuntiva e, dependendo do grau de diferenciação, podem ser obser
vadas queratinização superficial, disceratose e formação de coleções de células queratinizadas
(“pérolas” córneas).
Como o diagnóstico definitivo entre NIC e CEC é sempre histopatológico e considerando
a baixa agressividade do CEC, o tratamento inicial para este é excisão e crioterapia como na
NIC. Quando há invasão intraocular, a conduta é a enucleação. Considera-se a possibilidade
de exenteração em duas situações: 1) nos raros casos de carcinoma mucoepidermoide, uma
forma agressiva do CEC e com invasão orbitária; 2) nos casos de CEC com envolvimento da
pálpebra e dos fórnices conjuntivais, tornando exígua a possibilidade de extirpação total do
tumor com uma cirurgia mais conservadora.
Fig. 8 C a rc in o m a e s p in o c e lu la r da c o n ju n tiv a co m c re s c i
m e n to p a p ilo m a to s o .
Fig. 9 C a rc in o m a e s p in o c e lu la r da c o n ju n tiv a co m a s p e c to
le u c o p lá s ic o .
316 Doenças Externas Oculares e Córnea
Fig. 10 C a rc in o m a e s p in o c e lu la r in v a s iv o : c o le ç õ e s d e c é lu la s
e p ite lia is a típ ic a s q u e ro m p e ra m a b a rre ira da m e m b ra n a b asal
d o e p ité lio in v a d in d o a s u b s tâ n c ia p ró p ria da c o n ju n tiv a .
Carcinoma mucoepidermoide
Nessa neoplasia epitelial maligna, observam-se porções com características de carcinoma es
pinocelular e outras contendo células produtoras de muco. Essas lesões são pouco frequentes
e surgem em indivíduos mais idosos, por volta da sétima década de vida. São mais agressivos
que o carcinoma espinocelular, com maior tendência à invasão orbitária e à recidiva após ex-
cisão.
B - TUMORES PIGMENTADOS
As lesões melanocíticas da conjuntiva causam, de modo geral, uma certa ansiedade ao oftal
mologista, já que a taxa de mortalidade nos pacientes com melanoma de conjuntiva é próxima
de 25%. No entanto, nem todas as lesões pigmentadas representam proliferação de melanóci-
tos. Em alguns casos, a pigmentação decorre da liberação de melanina pelos melanócitos. A
melanina é fagocitada por macrófagos (melanófagos), e os agregados de melanófagos podem
dar um aspecto enegrecido e espessado à conjuntiva, sem representar melanoma. E, para
maior confusão, algumas proliferações melanocíticas podem ser amelanóticas, ou seja, sem
pigmento por conter melanócitos com poucos melanossomos.
Por razões embriológicas, as lesões melanocíticas da conjuntiva têm comportamento se
melhante às lesões melanocíticas da pele. Os melanócitos da pele e da conjuntiva têm origem
a partir da crista neural e migram para as camadas basais do epitélio ou para o tecido conjun
tivo subepitelial da episclera ou da esclera. As lesões melanocíticas da conjuntiva clinicamente
mais importantes são o nevo, a melanose adquirida primária e o melanoma.
Tumores da Conjuntiva e da Córnea
Nevo
Os nevos de conjuntiva são as lesões melanocíticas mais comuns na infância. Localizam-se, em
geral, na região interpalpebral, no limbo, na prega semilunar ou na carúncula. Inicialmente,
as células névicas formam ninhos na interface entre o epitélio e a região subepitelial (nevo
juncional). O nevo puramente juncional é encontrado apenas em crianças e representa um
estágio temporário. A seguir, células névicas proliferam para dentro da substância própria da
conjuntiva, formando o nevo composto (juncional e subepitelial), que são os mais frequentes.
Essas lesões apresentam-se espessadas e frequentemente contêm cistos de inclusão epitelial.
Em alguns casos, o componente juncional pode regredir permanecendo apenas o componente
subepitelial (nevo subepitelial). Os nevos que não apresentam atividade juncional têm poten
cial mínimo para malignidade. Alguns nevos conjuntivais podem apresentar-se sem pigmento
(Fig. 11).
Embora sejam lesões benignas, uma parte dos nevos pode sofrer transformação maligna.
Lesões pigmentadas em crianças representam, quase que exclusivamente, nevos. Raros casos
de melanoma maligno da conjuntiva foram descritos em pacientes com menos de 20 anos
de idade. Em geral, a conduta nos nevos durante a infância inclui a documentação e o acom
panhamento periódico do tamanho e da posição da lesão. Como os nevos de região tarsal e
fórnice são raros, lesões pigmentadas nessas regiões devem ser biopsiadas independente da
idade do paciente.
Um tipo mais raro de nevo é o chamado nevo azul, formado por células da crista neural
que não alcançam o epitélio e permanecem na substância própria da conjuntiva. Clinicamen
te, aparecem como lesões de coloração negra ou marrom e se movem com a conjuntiva,
diferentemente das lesões que representam uma extensão escleral de um tumor intraocular
pigmentado.
Embora benignos, entre 14 e 35% dos melanomas malignos de conjuntiva derivam de ne
vos, tornando importante a decisão entre observação e ressecção cirúrgica. Como regra geral,
observam-se todas as lesões em crianças. Nos adultos, principalmente após a quarta década
de vida, pode-se optar entre a observação e a excisão. Caso a decisão seja cirúrgica, a técnica
é a biópsia excisional, com margem de segurança, como aquela descrita para a NIC, sem sutura
ou enxerto. Deve-se ter cuidado no momento da manipulação do material para não ocasionar
artefatos de pinçamento. Tais artefatos dificultam a análise histopatológica definitiva pelo
patologista.
Figs. 14 ((\ e B) A. Na m e la n o s e a d q u irid a p rim á ria sem a tip ia , os m e la n ó c ito s re strin g e m -se à re g ião b asal
do e p ité lio e n ão a p re s e n ta m a tip ia s . B. Na M A P co m a tip ia , m e la n ó c ito s a típ ic o s te n d e m a in v a d ir as c a m a d a s
do e p ité lio .
Se a decisão é a biópsia de uma pequena área da MAP, esta é realizada como na exérese do
nevo. A conjuntiva palpebral e os fórnices devem ser cuidadosamente examinados nos casos
de MAP, já que lesões benignas são raras nessas localizações. Se a área de MAP é extensa, múl
tiplas pequenas áreas devem ser biopsiadas, ao invés de uma ressecção ampla. O mapeamento
das áreas biopsiadas deve ser feito, cuidadadosamente anotado e informado ao patologista.
As áreas biopsiadas não devem ser suturadas. Se o resultado for uma MAP sem atipias, o pa
ciente é acompanhado periodicamente. Se o resultado anatomopatológico revelar MAP com
atipia, o tratamento, na forma de excisão com crioterapia, está indicado para erradicar a lesão
e prevenir o desenvolvimento de melanoma. Todo o pigmento sobre a córnea deve ser remo
vido durante o procedimento cirúrgico, por meio de uma ceratectomia superficial com lâmina
de bisturi, e a Bowman exposta deve ser tratada com um cotonete embebido em álcool absolu
to. Efeitos colaterais da crioterapia incluem formação de simbléfero, pseudopterígio, necrose
r
do segmento anterior. E recomendada, como terapia adjuvante, no caso de MAP múltiplas com
atipia, a quimioterapia tópica com uso de fármacos como a mitomicina C, em concentrações
r
que variam de 0,02 a 0,04%, 4 vezes/dia. E importante, nos casos de MAP com atipia, o exame
dos linfonodos pré-auriculares e cervicais para diagnosticar doença metastática.
Localização Área co n ju n tiva b ulb ar (raro nos Q u alq u er região Q u alq u er região
fó rn ices ou na co n ju n tiva tarsal)
Coloração A castanh ad a ou não p igm entada M arrom -dourada ou achocolatada Pigm entada ou não
(raram ente sem pigm ento: pigm entada
melanosis sine pigmento)
Cistos Presentes ou não A usentes Presentes ou não
como o tratamento mais seguro. Hoje, porém, sabe-se que a retirada do olho não influencia
a taxa de metástases. Os casos mais avançados podem requerer enucleação ou exenteração.
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o
*< Trauma
Traumas Químicos, Térmicos,
Elétricos, Barométricos e por
Radiação
MILTON RUIZ ALVES • YOSHITAKA NAKASHIMA • AUGUSTO AKIO NAKASHIMA
O trauma ocular é a causa mais importante de perda visual unilateral, principalmente em paí
ses em desenvolvimento. Acredita-se que 90% dessas lesões sejam evitáveis. Os traumas ocula
res podem ser mecânicos, químicos, elétricos ou térmicos. Os traumas mecânicos se dividem
em abertos e fechados, conforme apresentarem ou não comprometimento de espessura total
da parede ocular. Os traumas fechados são as contusões, lacerações lamelares e corpos estra
nhos superficiais. Os traumas abertos se dividem em lacerações e roturas. As lacerações abran
gem os ferimentos penetrantes, perfurantes e corpos estranhos intraoculares. Contusões são
traumas fechados resultantes do impacto com objetos pontiagudos. Lacerações lamelares são
traumas fechados da parede do bulbo ocular ou da conjuntiva bulbar causados por objeto cor
tante. Rotura resulta de lesão provocada por objeto rombo. Lesão penetrante do bulbo ocu
lar decorre da ação de objeto cortante, que provoca ferimento de espessura total do bulbo.
Quando o objeto provoca duas lesões de espessura total (orifícios de entrada e saída), a lesão
é chamada de perfurante do bulbo ocular.
TRAUMATISMOS QUÍMICOS
com a duração em que se expõe o bulbo ocular ao agente em ação, com o pH da solução e com
a velocidade que o fármaco penetra no olho.
Hughes (1946) classificou as queimaduras químicas conforme a gravidade e prognóstico
das lesões, e tal classificação foi modificada por Ballen (1964) e Roper-Hall (1965):
As queimaduras de graus I e II têm evolução boa sem perda de acuidade visual (Fig. 1).
As queimaduras de grau III têm evolução dependente da extensão das lesões corneai e
perilímbica.
As queimaduras de grau IV, em que a área de isquemia e necrose atinge mais da metade
do limbo, podem evoluir para perfuração (Fig. 2). Essa necrose corneai se dá pela produção
de colagenase, principalmente pelo epitélio corneai em regeneração com pouca vitalidade. As
complicações mais comuns são: simbléfaro, úlceras corneais recorrentes, perfuração corneai,
leucoma, irites persistentes, glaucoma secundário e catarata.
F ig . I Q u e im a d u ra d e g rau IV co m c ó rn e a o p a c a e isq u e m ia
d e m ais d e m e ta d e da áre a lím b ic a .
Tratamento clínico
A irrigação imediata com água de torneira ou soro fisiológico é o tratamento que pode salvar
o olho traumatizado. Não se devem usar soluções ácidas para neutralizar álcali ou vice-versa.
Deve-se colocar blefarostato e instilar anestésico tópico. Imediatamente, deve-se irrigar o
olho com água corrente durante 20 a 30 minutos (a água corrente pode ser substituída por
soro fisiológico se este estiver à mão). Deve-se colocar o olho em contato com água corrente
de torneira para irrigação. Deve-se puxar as pálpebras, inferior e superior, para irrigar bem
a conjuntiva embaixo delas (fundo-de-saco superior e inferior). Usar uma zaragatoa (cotone-
teR) umedecida para remover partículas de material cáustico ou conjuntiva necrótica que po
dem conter resíduos do cáustico. Partículas de hidróxido de cálcio são mais bem removidas
usando-se zaragatoa embebida com solução de EDTA 0,01 M. No hospital, a irrigação deve
continuar com solução salina balanceada estéril ou Ringer lactato. Pode ser feita com o tubo
de irrigação de equipo intravenoso ou lente de irrigação de Morgan (Mor-Tan Inc). Deve-se
monitorar o pH conjuntival com tiras de papel de Litmus, 5 a 10 minutos após a irrigação. Se
o pH estiver abaixo de 7, continuar com a irrigação. Se o pH não puder ser avaliado, melhor
prolongar o período de irrigação.
Paracentese de câmara anterior, com esvaziamento do conteúdo e substituição por solu
ção salina balanceada, pode ser indicada agudamente em casos muito graves, com a finalidade
de diminuir a tensão intraocular e diluir o agente químico intraocular, embora isso seja con
troverso.
Nos casos graves, pode-se utilizar ácido ascórbico a 10^6, 1 gota 2/2 h durante vários dias
e vitamina C sistêmica (2 g/dia) para reduzir a incidência de ulceração de córnea. Experimen
tos em coelhos mostraram que altas doses de ácido ascórbico promovem síntese de colágeno
no olho quimicamente traumatizado. A vitamina C atua como cofator na síntese do colágeno.
Contudo, pacientes com alteração de função renal não são bons candidatos para essa con
duta, por ser uma terapia potencialmente tóxica para os rins. O tratamento clínico inclui o
uso tópico de pomada oftálmica de antibiótico, cicloplégico (evitar fenilefrina pelo seu efeito
vasoconstritor) e curativo oclusivo. Deve-se prescrever analgésico via oral e inibidor da ani-
drase carbônica (acetazolamida, 250 mg VO 2 a 4 vezes/dia) e colírio betabloqueador (timolol
330 Doenças Externas Oculares e Córnea
TRAUMATISMOS ELÉTRICOS
Traumatismos barométricos:
As alterações da pressão atmosférica causam efeitos oculares por agirem principalmente
na dinâmica dos gases 0 2 e N2 levando à anóxia tissular.
A diminuição de acuidade visual, a dor e a hemorragia conjuntival são sinais e sintomas
costumeiramente presentes na vigência de baixa pressão barométrica. Tais alterações relacio-
nam-se com a degradação da função cerebral e com distúrbios da musculatura ocular extrínse
ca. A diminuição da acuidade visual, a constrição do campo visual periférico e perturbação da
visão cromática e da visão estereoscópica são alterações funcionais de ocorrência na anóxia e
baixa pressão barométrica.
A descompressão barométrica rápida produz sintomas oculares dramáticos, porém não
muito comuns. Hemorragias da conjuntiva, da coroide e da retina podem ocorrer, podendo,
inclusive, ser acompanhadas de hemorragia no vítreo. A pupila pode tornar-se irregular, e
ocorrer paresias dos músculos extraoculares, bem como nistagmo associado a hemianopsias
homônimas completas e, em último estágio, à amaurose.
Traumas Químicos, Térmicos, Elétricos, Barométricos e por Radiação
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Traumas Mecânicos
Traumatismo contuso
Hemorragia subconjuntival
A ocorrência de hemorragia subconjuntival deve alertar para a possibilidade de perfuração
escleral, principalmente se alguns dos seguintes sinais estiverem presentes: hipotonia ocular,
câmara anterior muito profunda ou muito rasa com presença de vítreo ou sangue, áreas de
pigmentação subconjuntival indicando exposição de tecido uveal. A ocorrência de quemose
conjuntival na presença de hemorragia subconjuntival também exige exame minucioso para
afastar rotura do bulbo ocular.
Alterações corneais
Traumatismo rombo pode causar abrasões, rasgaduras na membrana de Descemet e lacera
ções corneoesclerais, usualmente localizadas no limbo. Anéis endoteliais corneais traumáticos
ou ceratopatia anelar posterior traumática têm sido descritos nesses olhos. Os anéis, compos
tos de células endoteliais edematosas, têm aparência branco-acinzentada e ocorrem imediata
mente posteriores ao impacto traumático. Os últimos anéis aparecem poucas horas depois do
traumatismo contuso e também desaparecem em poucos dias.
Doenças Externas Oculares e Córnea
Irite traumática
A irite traumática está frequentemente associada à diminuição de visão e hiperemia pe-
rilímbica. A reação inflamatória na câmara anterior pode ser mínima, e a pressão ocular
geralmente está reduzida, a não ser nos casos de disfunção da malha trabecular. O trata
mento é feito com o emprego de cicloplégico e o uso de corticoide tópico durante várias
semanas com redução lenta para evitar o efeito rebote que está associado à sua interrup
ção abrupta.
Ciclodiálise
A ciclodiálise caracteriza-se pela presença de uma fenda que representa a separação do cor-
r
po ciliar do esporão escleral. E causa de aumento de escoamento do humor aquoso pela rota
uveoescleral e redução de secreção de humor aquoso levando à hipotonia ocular crônica e
edema macular. Se o tratamento com cicloplégico tópico não for suficiente, considerar a oclu
são da fenda com laser de argônio, diatermia, crioterapia ou sutura direta.
Hifema traumático
0 hifema traumático resulta de lesão dos vasos da periferia da íris ou do corpo ciliar anterior
(Fig. 1). O traumatismo causa deslocamento posterior do diafragma iridocristaliniano e ex
pansão escleral na zona equatorial. Isto leva à rotura do círculo arterial maior da íris, ramos
arteriais do corpo ciliar e/ou de artérias e de veias recorrentes coroidais.
O hifema traumático ocorre mais frequentemente em jovens do sexo masculino. No mo
mento da primeira avaliação, cerca de 50% dos hifemas ocupam menos de 1/3 da câmara an
terior e menos de 10% preenchem a câmara anterior. O prognóstico é bom para os pacientes
que não desenvolvem complicações, não sendo somente relacionado à quantidade do hifema.
Mesmo hifemas totais podem resolver sem sequelas, a menos que ocorram complicações se
cundárias. Hifema é frequentemente associado a abrasão corneai, irite, midríase e com signifi-
cantes lesões às estruturas do ângulo, cristalino, segmento posterior e órbita.
Em adultos, o hifema espontâneo é menos comum e deve alertar para a possibilidade de
hemoglobinopatias, doença herpética ou rubeosis iriclis. Em crianças, estão associados a hifema
espontâneo, xantogranuloma juvenil, retinoblastoma e leucemia.
Complicações associadas a um segundo sangramento incluem glaucoma, atrofia óptica
e impregnação corneai (Fig. 2). A taxa de ressangramento varia de 3 a 30%. Ressangramento
pode complicar qualquer hifema, a despeito do tamanho, e ocorre mais frequentemente entre
2 e 5 dias após o traumatismo. Aproximadamente 50% dos pacientes com ressangramento de
senvolvem aumento de pressão ocular. A combinação de aumento de pressão ocular, disfunção
endotelial e sangue na câmara anterior predispõe à impregnação hemática da córnea, que leva
à redução de sua transparência e pode persistir por anos, podendo desenvolver ambliopia em
crianças.
No tratamento do hifema, busca-se a redução de pressão ocular para diminuir a possi
bilidade de impregnação hemática da córnea e de atrofia óptica. A maioria dos pacientes é
tratada com oclusão do olho acidentado, restrição moderada da atividade física, elevação da
cabeça no leito e observação frequente. Administra-se cicloplégico tópico de longa ação para
obtenção de conforto, corticoide tópico nos casos com muita inflamação e antagonistas beta-
adrenérgicos tópicos e inibidores da anidrase carbônica (não empregar em pacientes com
talassemia mlnor ou major) para controle da pressão. Nos casos em que está difícil reduzir a
pressão ocular, agentes hiperosmóticos por via oral ou sistêmica podem ser necessários. O uso
de analgésico (não aspirina) por via oral pode ser necessário. Tem sido recomendado o uso do
ácido aminocaproico (amicar), um agente antifibrinolítico na dose oral de 50 mg/kg a cada 4
horas durante 5 dias (até 30 g/dia), ou do ácido tranexâmico, que é um agente antifibrinolítico
similar, para diminuir a taxa de ressangramento. Estudos prospectivos têm suportado o papel
dos agentes antifíbrinolíticos em reduzir a taxa de ressangramento. Seus efeitos colaterais
incluem náuseas, vômitos, hipotensão postural, cãibras, cefaleia, eritema cutâneo, dispneia,
estados confusionais tóxicos e arritmias. O fator teciclual ativaclor de plasminogênio (rt-PA) pode
ser utilizado para dissolver coágulos de fibrina, quando o tratamento convencional falhar. A via
de utilização é a injeção de 25 pg de rt-PA em 0,3 ml de solução salina balanceada (Farmácia
Ophthalmos, São Paulo). A toxicidade ocular provavelmente não é causada pelo rt-PA, e sim
pelo veículo arginina, que lesiona os fotorreceptores. A partir de 75 pg, começa a ocorrer per
da de fotorreceptores à microscopia eletrônica.
Tratamento cirúrgico pode ser necessário para impedir a impregnação hemática da cór
nea e atrofia óptica. O tempo de sua realização é assunto controverso. Está indicado no início
do quadro de impregnação hemática. Para alguns autores, quando a pressão ocular média for
maior que 25 mmHg por 6 dias com sangue em contato direto com o endotélio; quando a pres
são ocular for maior que 50 mmHg por 5 dias ou maior que 35 mmHg por 7 dias. A indicação
deve ser mais precoce em pacientes com danos anteriores do nervo óptico ou portadores de
hemoglobinopatias.
O procedimento cirúrgico que envolve a menor manipulação e o menor dano possível é a
irrigação da câmara anterior, seguida de iridectomia periférica se houver suspeita de bloqueio
pupilar. Quando for possível visualizar um retrocesso angular superior a 270°, deve-se associar
a irrigação de câmara anterior à trabeculectomia. A irrigação de câmara anterior com solução
salina balanceada e/ou agentes antifíbrinolíticos pode ser realizada por dupla paracentese ou
cânula de dupla via. A utilização de viscoelástico trouxe maior segurança para a dissecção do
coágulo e proteção do endotélio corneano. Como o traumatismo ocular que levou ao hifema
pode comprometer outras estruturas oculares, é possível associar outras técnicas como cirur
gia para descolamento de retina, hemorragia vítrea ou catarata. Em casos de maculopatia por
hipotonia prolongada, tem sido utilizado o laser de diodo transescleral nas áreas de ciclodiá-
lise com sucesso.
Em pessoas de raça negra, a ocorrência de hifema exige a avaliação do paciente para ex
cluir hemoglobinopatia falciforme SC e S Thal. Todo o esforço deve ser concentrado para o
controle de pressão ocular, e agentes hiperosmóticos, bem como inibidores de anidrase car
bônica, devem ser usados com cautela pela sua tendência de reduzir o pH e levar à hemocon-
centração. Intervenção cirúrgica tem sido indicada, se o tratamento clínico falhar em controlar
a pressão ocular e se a pressão ocular média permanecer acima de 25 mmHg após a primeiras
24 horas, ou se apresentar aumento superior a 30 mmHg.
Traumas Mecânicos
Laceração conjuntival
No exame do olho traumatizado, a conjuntiva e a esclera devem ser inspecionadas sem e com
o emprego de fluoresceína a 2%. Se, no exame da conjuntiva, um defeito epitelial for notado,
ele deve ser examinado na lâmpada de fenda. Na verificação da presença de hemorragia sub-
conjuntival que não permite avaliar a real extensão e profundidade da lesão, torna-se neces
sário realizar novo exame sob microscopia para afastar eventual envolvimento da esclera sub
jacente. Esse exame pode ser feito sob anestesia tópica, empregando-se pinça e esponja de
celulose. Os fórnices conjuntivais devem também ser examinados para afastar a presença de
corpos estranhos, principalmente nos ferimentos por vidros estilhaçados como nos acidentes
automobilísticos. Somente depois de excluída a presença de perfuração ocular é que as pál
pebras deverão ser evertidas para a procura e remoção de outros possíveis corpos estranhos.
Deve-se realizar gonioscopia para afastar CE na periferia da câmara anterior. Outras causas
iatrogênicas de CE na câmara anterior incluem o óleo de silicone e perflurocarbonos pesados
usados em cirurgias vitreorretinianas.
estranho quanto do anel. Em seguida, a terapia inclui o uso de antibióticos tópicos, cicloplegia
e oclusão. Os pacientes devem ser examinados no dia seguinte. Se for constatada remoção
incompleta ou dificuldade de cicatrização, a mesma área deve ser curetada e continuar com o
emprego de antibióticos tópicos, cicloplegia e oclusão.
Abrasão corneai
Traumatismo de pouca intensidade pode levar à escoriação corneai, desencadeando dor, lacri-
mejamento, fotofobia e sensação de corpo estranho. O diagnóstico é facilitado pela instilação
de 1 gota de fluoresceína sódica a 2%, que cora a área corneai sem epitélio em verde azula
do. O tratamento é feito com o emprego de colírio cicloplégico de curta duração e curativo
oclusivo por 24 h, empregando-se pomada de antibiótico. O curativo oclusivo permite aliviar
o desconforto. Não existem estudos controlados que mostrem que o curativo oclusivo, o uso
de lentes gelatinosas terapêuticas ou de lentes de colágeno aumentem a cicatrização de for
ma significativa. Abrasões corneais pequenas podem ser tratadas com antibióticos tópicos
e mantidas sem oclusão. Abrasões corneais extensas são tratadas com antibióticos tópicos,
cicloplegia e oclusão. Na presença de abrasão corneai, devem-se sempre realizar a eversão e
a dupla eversão palpebral para excluir a presença de corpo estranho na conjuntiva tarsal e no
fundo-de-saco conjuntival.
aberto do bulbo ocular e outras lesões da face, como afundamento malar, fratura de mandí
bula etc., é imperioso restaurar o bulbo ocular em primeiro lugar. A cirurgia oftálmica é prio
ritária. A anestesia geral é a preferida para evitar o aumento de pressão na órbita que poderia
ocorrer com anestesias local, retrobulbar ou peribulbar.
Avaliação
Sempre que um paciente apresentar-se com traumatismo ocular e sistêmico, o diagnóstico e
tratamento das lesões que ameaçam sua vida têm prioridade sobre a avaliação e procedimen
to de qualquer dano ocular. Estando o paciente clinicamente estável, deve-se obter anamnese
minuciosa das condições de ocorrência e possíveis agentes causais do traumatismo.
Na anamnese devem estar incluídas questões sobre:
Natureza do traumatismo:
a) Traumatismo concomitante com ameaça de vida.
b) Tempo e circunstância do traumatismo.
c) Suspeita sobre a composição do corpo estranho intraocular.
d) Uso de proteção ocular.
e) Tratamento prévio do traumatismo.
História ocular prévia:
a) Refração.
b) Doença ocular.
c) Medicação ocular.
d) Cirurgia.
Anamnese clínica:
a) Diagnóstico.
b) Medicação.
c) Alergia ao fármaco.
d) Predisposição a AIDS ou hepatites.
e) Profilaxia ao tétano.
f) Cirurgia prévia.
g) Ingestão recente de alimentos.
A avaliação do paciente com suspeita de traumatismo ocular penetrante deve incluir exa
mes sistêmico e oftálmico completos.
A medida da acuidade visual deve ser feita o mais precoce possível. O exame ocular deve
identificar sinais sugestivos ou diagnósticos de traumatismo ocular penetrante.
Constituem sinais sugestivos de traumatismo penetrante os seguintes: ferimento palpe
bral profundo, quemose orbitária, perfuração/hemorragia conjuntival, sinequia iridocorneal
localizada (focal), câmara anterior rasa, deformação iriana, hipotonia, rotura de cápsula do
cristalino, catarata aguda e rotura de retina/hemorragia. São sinais diagnósticos de perfuração
ocular: hérnia de úvea, vítreo e retina, teste de Seidel positivo, visualização de corpo estranho
intraocular ou corpo estranho intraocular detectado aos raios X ou à ultrassonografia.
Doenças Externas Oculares e Córnea
Anestesia
Anestesia geral sempre que possível, porque a anestesia retro ou a peribulbar podem aumen
tar a pressão orbitária com tendência a expulsar o conteúdo intraocular. Quando estiver con
traindicada a anestesia geral, deve-se fazer a acinesia facial com técnica de O’Brien ou Nadbath
para evitar compressão palpebral pelo piscar reflexo que costuma ocorrer com a técnica de
Van Lint. A anestesia apenas nesses casos deve ser feita com injeções locais subconjuntivais
conforme necessário, evitando-se, assim, a anestesia peri ou a retrobulbar.
Esponja
vítreo Angulo de
Figs. ( \-D ) Resumo do reparo de ferimentos corneoesclerais. A. Excisão de vítreo ou de fragmento lenti
cular herniado. B. Reposição de íris utilizando para tal a injeção de viscoelástico por paracentese. I. Reparo
de ferimentos perfurantes com envolvimento de limbo e córnea. Lacerações verticais devem ser suturadas
antes das lacerações com biselamento da córnea por serem valvuladas. D. Reparo do ferimento escleral.
(Modificado de Hamill MB. Repair of the traumatized anterior segment. In : Focal Points: Clinical Modules for
Ophthalmologists. San Francisco. Am Acad Ophthalmol, 1992; 10:1.)
prego de viscoelástico para reformar a câmara anterior. Todo corpo estranho, clebris, ou restos
de tecidos devem ser removidos das margens da sutura para evitar infecções ou deiscências.
Especial atenção deve ser dada ao tecido uveal. A reposição da íris deve ser feita com muito
cuidado para evitar diálises, sendo facilitada com o uso de viscoelástico. A decisão de ressecar
íris encarcerada ou de reposicioná-la deve ser baseada no aspecto do tecido e no tempo de
corrido entre o acidente e a cirurgia. A íris pode ser reposta se estiver exposta menos de 24
h. Se ultrapassar as 24 h, deve-se extirpar a porção herniada para reduzir o risco de infecção
e eventual epitelização da câmara anterior. Se o aspecto da íris for muito bom e sem sinais de
epitelização em sua superfície, ela pode ser reposta, mesmo após as 24 h de exposição. Na
presença de infecção e se a íris apresentar aspecto necrótico, a porção herniada deve ser ex-
cisada. Também a localização da lesão pode influir, uma vez que a íris terá maior importância
na região inferior do que na superior, que tem a proteção da pálpebra superior. A sutura da
íris com fio de monofilamento 10-0 de prolene pode ser necessária para reconstruir a pupila
(Figs. 4 A-D).
Nas lacerações em que há lesão límbica, deve-se fazer a exploração da extensão da lesão
com peritomia da conjuntiva, sendo comum observarem-se lesões maiores que aparentavam.
r
córneas com edema mais importante. E essencial que os nós sejam sepultados a fim de se
evitar sensação de corpo estranho e fotofobia, além de conjuntivite papilar gigante e vascula-
rização da ferida. Pode ser necessário reposicionar a íris repetidamente após cada ponto para
evitar encarceramento da íris no ferimento. Nos ferimentos com avulsão do tecido e perda de
substância, as pequenas partes de córnea lacerada podem ser incluídas na lesão, e, muitas ve
zes, além de sutura, deve-se utilizar cola de tecido e lente terapêutica para se conseguir uma
sutura sem vazamentos.
O componente escleral do ferimento é exposto com delicada peritomia, e a conjuntiva
é separada para permitir a exposição do ferimento. O vítreo herniado é excisado; a uvea e a
retina herniadas são repostas com espátula ou instrumento similar. O ferimento escleral é su
turado com náilon 9-0, seda 8-0 ou poliéster 5-0 ou 6-0. A dissecção da cápsula de Tenon e o
manuseio do tecido herniado devem ser repetidos a cada ponto de aplicação de sutura. Nas
lesões de esclera, é recomendada a aplicação de crioterapia ou diatermia próxima do local.
Nos ferimentos com grande perda de substância, também se deve considerar a utilização de
enxertos de esclera preservada.
Uma vez completada a reparação do ferimento corneoescleral, decide-se pela continuida
de da cirurgia ou se esta fica adiada para um segundo tempo.
A remoção do cristalino no mesmo tempo cirúrgico é recomendada quando há rotura do
saco capsular ou extravasamento de massas lenticulares para a câmara anterior, e somente
deverá ser realizada após a sutura corneoescleral e por via límbica. A lesão corneai ao final
deverá estar livre de materiais do cristalino e de vítreo, podendo-se para tal empregar vitrec-
tomia anterior, que poderá ser maior ou menor dependendo da visualização que se tenha do
segmento anterior ao final da sutura de córnea. A vitrectomia poderá ser feita por via anterior,
límbica ou via pars plana, dependendo da associação com outras estruturas.
Ao final da cirurgia são aplicadas injeções subconjuntivais de antibióticos (20 mg de to-
bramicina ou 25 mg de vancomicina) e corticoide (2 mg de dexametasona). Alguns cirurgiões
infiltram a cápsula de Tenon com anestésico de longa duração (bupivacaína a 0,75%) para ame
nizar a dor no pós-operatório. Antibiótico intravítreo (vancomicina 1 mg e ceftazidima 2,25
mg) pode ser usado após ferimentos contaminados envolvendo o vítreo. Realiza-se ao final
oclusão ocular e usa-se concha protetora.
Conduta no pós-operatório
Após o tratamento do traumatismo perfurante do segmento anterior, direciona-se a terapêu
tica para prevenção de infecção, supressão da inflamação, controle da pressão ocular e alívio
344 Doenças Externas Oculares e Córnea
Trauma cirúrgico
No perioperatório, o epitélio corneai pode ser lesionado por traumatismo indevido causado
por instrumentos cirúrgicos, dessecação por inadequada hidratação, ceratopatia tóxica pela
instilação excessiva de preparações oftálmicas (com ou sem preservantes) e pela instilação
acidental de detergentes usados na antissepsia da pele periocular.
O descolamento da membrana de Descemet pode ocorrer quando um instrumento, lente
intraocular é introduzida através da incisão cirúrgica, ou quando fluido é inadvertidamente
injetado entre a Descemet e o estroma corneai, resultando em edema estromal e bolhas epi-
teliais localizadas sobre a área do descolamento. A membrana de Descemet pode ser reposi-
cionada com introdução de ar ou de SF6 na câmara anterior. No tratamento de recorrência do
descolamento, pode ser necessária sutura da membrana após o reposicionamento.
Causas de edema corneai pós-procedimentos cirúrgicos incluem fatores como saúde pré
via do endotélio e iatrogenia relacionada à técnica cirúrgica, duração da cirurgia e uso de
soluções de irrigação. Edema bolhoso pseudofácico é uma das principais indicações de trans
plante de córnea penetrante. A fixação escleral de lente intraocular ou a colocação de lente
intraocular de câmara anterior estão associadas com edema corneal crônico significante e
desenvolvimento de ceratopatia bolhosa pseudofácica. Dano endotelial pode ocorrer após
procedimentos com laser de argônio como resultado de fotocoagulação de íris.
Quemose conjuntival com prolapso pode resultar de trauma ou cirurgia orbitária. A con
juntiva prolapsada deve ser reposicionada e mantida em posição por oclusão ou por suturas
de contenção. Cirurgia orbitária pode causar proptose ocular e ceratopatia de exposição. O
tratamento é feito com lubrificantes, curativo oclusivo ou tarsorrafia temporária.
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o
*<
Distrofias e Degenerações
U " da Córnea
Distrofias e Ectasias da Córnea
A - DISTROFIAS DA CÓRNEA
Definição: Opacidades corneais são geralmente bilaterais, não inflamatórias, simétricas e avas-
culares. O início é precoce, usualmente na infância, e sua evolução lenta, sem associação com
outras doenças oculares ou sistêmicas.
Podem ser classificadas de acordo com a genética, gravidade, alteração histopatológica,
característica bioquímica ou alteração anatômica.
A alteração anatômica que classifica as distrofias, de acordo com a camada corneai acome
tida, em distrofias epiteliais, da camada de Bowman, estromais e endoteliais, tem sido a mais
utilizada. Desordens ectásicas da córnea são também incluídas.
Pesquisas envolvendo a biologia molecular têm contribuído para melhor compreensão da
genética nas distrofias corneais. Pelo novo sistema de classificações, cada distrofia continua
sendo organizada de acordo com achados anátomo-clínico-histopatológicos, além da informa
ção genética, e a cada distrofia tem sido atribuída uma categoria específica:
Categoria 1: Distrofia corneai bem definida na qual a informação genética e localização da
mutação foram identificadas.
Categoria 2: Distrofia corneai bem definida na qual a base molecular tem sido atribuída a
um ou dois cromossomos, porém o(s) gene(s) ainda não foram identificados.
Categoria 3: Distrofia corneai bem definida na qual a base molecular ainda não foi identi
ficada.
Categoria 4: Reservada para uma nova suspeita, ou previamente documentada, distrofia
corneai, porém evidências de que se trata de uma nova entidade ainda devem ser investi
gadas.
349
350 Doenças Externas Oculares e Córnea
DISTROFIAS EPITELIAIS
foi descrita por Cogan em 1964. E provavelmente a mais frequente das distrofias da córnea.
Parece ser de herança autossômica dominante e é mais frequente em mulheres após os 30
anos de idade.
Apresenta lesões em forma de pontos, que são microcistos epiteliais acinzentados ou
vesículas maiores; mapas que aparecem como lesões superficiais difusas, acinzentadas, de
formato irregular, porém bem delimitadas, com espaços ovalados de córnea clara no seu in
terior (Fig. 3) e, finalmente, as impressões digitais formadas por linhas refráteis paralelas e
concêntricas (Fig. 4).
Genética: A base molecular tem sido atribuída à mutação do gene: TGFBI (cromossomo
5Q31). Categoria genética: 1.
Sintomas: Após os 30 anos de idade, são decorrentes de lesões recorrentes.
Alteração patológica: Os mapas e impressões digitais são formados por espessamento
da membrana basal, e os pontos são espaços intraepiteliais preenchidos por restos celulares.
Tratamento: Lubrificantes e hiperosmóticos (cloreto de sódio a 5% ou dimetilpolisiloxane)
tópicos são eficazes nas fases iniciais. A associação de lentes de contato terapêuticas em áreas
extensas de defeito epitelial pode ser útil. Casos refratários podem ser tratados com micro-
punturas do estróina anterior, Nd:Yag laser e ceratectomia fototerapêutica com excimer laser,
com resultados satisfatórios.
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DISTROFIAS ESTROMAIS
São distrofias caracterizadas pelo surgimento de depósitos dentro dos ceratócitos ou entre
estes. As mais comuns das distrofias estromais (granular, lattice e macular) frequentemente
causam diminuição progressiva da acuidade visual.
Distrofia granular
Descrita por Groenow em 1898, a distrofia granular ou Groenow I é de herança autossômica
dominante, e é uma das três distrofias estromais mais frequentes. Estudos genéticos demons
traram que está relacionada a alteração no cromossomo 5q31.
Três formas são descritas:
Tipo I: tem início na primeira década de vida, com progressão lenta. Caracteriza-se por
opacidades arredondadas ou em “flocos de neve” , esbranquiçadas, bem delimitadas, no estró
ina anterior da porção axial da córnea, separadas entre si por espaços de córnea clara. Embora
não acometam a periferia da córnea, podem aumentar em número, tamanho, coalescer e atin
gir as camadas mais profundas ou superficiais da córnea (Figs. 7 e 8).
Genética: A base molecular tem sido atribuída à mutação do gene: TGFBI (cromossomo
5q31). Categoria genética 1.
Sintomas: Podem apresentar erosões recorrentes, e alteração da acuidade visual geral
mente ocorre a partir da quarta década de vida.
Tipo II: De progressão também lenta, o início é mais tardio, após os 20 anos de idade. As
opacidades são menos numerosas e raramente produzem erosão recorrente (Fig. 9).
Genética: A base molecular tem sido atribuída à mutação do gene: TGFBI (cromossomo
5q31). Categoria genética 1.
Variante superficial: Apresenta sintomas precoces e mais frequentes de erosão recorren
te, pois as lesões são mais superficiais (Fig. 10).
Alteração patológica: As opacidades correspondem a depósitos de material hialino, que
coram intensamente em vermelho, com tricrômio de Massom (Fig. 11).
Tratamento: Quando há comprometimento da acuidade visual, a fotoablação terapêutica
da córnea com excimer laser pode apresentar bons resultados para as formas mais superficiais.
Opacidades mais profundas podem requerer transplante penetrante de córnea, porém recidiva
é frequente (Fig. 12).
Distrofia macular
Descrita em 1890, por Groenow, pode ser também chamada de distrofia Groenow II.
É a menos comum e mais grave das distrofias estromais principais. A herança é autossô-
mica recessiva.
A partir da primeira década de vida, aparece como pontos branco-acinzentados, difusos,
de limites imprecisos, no estroma anterior da porção axial da córnea, que rapidamente pro
gridem para a periferia e para o estroma profundo, sem espaços claros entre as opacidades
(Fig. 13).
Genética: A base molecular tem sido atribuída à mutação do gene: CHST6: carbohydrate
sulfotransferase 6 (cromossomo 16q22). Categoria genética 1.
Sintomas: Erosões recorrentes são raras, mas pode haver diminuição precoce da acuidade
visual após os 20 anos de idade.
Alteração patológica: Os depósitos são de glicosaminoglicanos (ácido mucopolissacarí-
deo) no retículo endotelial dos ceratócitos e entre as lamelas estromais, e coram com ferro
coloidal e cilcian blue. Na mucopolissacaridose sistêmica, o acúmulo ocorre nos vacúolos lisos-
sômicos.
Duas formas são descritas. No tipo I, que é o mais comum, ocorre síntese normal de der-
matan sulfato e anormal de keratan sulfato na córnea, soro e cartilagem. No tipo II, a propor
ção de dermatan e keratan sulfato é normal, porém a síntese total é de 30% menor que a nor
mal. Estudos genéticos sugerem que as duas formas, tipos I e II, estão relacionadas a mutação
no mesmo lócus do cromossomo 16.
Tratamento: Transplante penetrante de córnea é recomendado para recuperação da acui
dade visual (Fig. 14). Pode recidivar.
M F ig . 1 4 A s p e c to b io m ic ro s c ó p ic o 3 m e se s a p ó s tra n s p la n te
p e n e tra n te d e c ó rn e a re a liz a d o em p a c ie n te p o rta d o r d e d istro -
fia m a c u la r.
Distrofia la ttice
r
Tipo I (Biber Haab Dimmer): E a forma clássica de amiloidose corneai localizada primária,
caracterizada pela presença de pontos esbranquiçados, pequenas linhas refráteis e uma opa
cidade difusa leve no estroma anterior central, sem comprometimento da periferia. O início
ocorre antes dos 10 anos de idade e, com a evolução, as linhas e pontos aumentam em tama
nho, tornam-se mais opacos e menos distintos (Fig. 15).
Genética: A base molecular tem sido atribuída à mutação do gene: TGFBI (cromossomo
5q31). Categoria genética: 1.
Sintomas: Erosões recorrentes são frequentes e precoces até os 30 a 40 anos de idade,
quando diminuem em frequência, devido à substituição por fibrose. Diminuição da acuidade
visual e da sensibilidade corneai também podem ocorrer.
Distrofia de Avellino
Descrita por Folberg em 1988, caracteriza-se pela associação dos depósitos hialinos superfi
ciais da distrofia granular e das linhas refráteis amiloides da distrofia lattice (Fig. 18).
Genética: A alteração genética está relacionada a mutação no cromossomo 5q31 (gene
keratoepithelin). Categoria genética: 1.
Erosões recorrentes são mais frequentes que na distrofia granular.
Após transplante penetrante de córnea, pode haver recorrência dos depósitos granulares.
Genética: A base molecular tem sido atribuída à mutação do gene: UBIADÍ (cromossomo
lp36). Categoria genética 1.
Sintomas: Erosões recorrentes são muito raras e a diminuição da acuidade visual é mínima.
Alteração patológica: São acúmulos de colesterol não esterificado e gordura neutra no
epitélio, camada de Bowman e estroma anterior da córnea.
Tratamento: Transplante penetrante de córnea pode ser indicado para os raros casos em
que houver acometimento visual importante, mas recidivas são descritas.
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DISTROFIAS ENDOTELIAIS
Córnea g u tta ta
Sem padrão de herança definido, apresenta-se como pequenas vesículas arredondadas, na
membrana de Descemet, proeminentes em direção ao endotélio. São melhor observadas sob
reflexão especular (Fig. 21); frequentemente apresentam finos pigmentos na superfície pos
terior.
Representam excrescências anormais da membrana de Descemet, resultado da produção
anormal de colágeno da Descemet pelas células endoteliais (Fig. 22).
A acuidade visual não é alterada, mas pode sofrer descompensação endotelial com edema
secundário.
Distrofia de Fuchs
Distrofia autossômica dominante, progressiva; pode apresentar casos esporádicos, mais fre
quente em mulheres (4:1) após os 50 anos de idade. Caracteriza-se pela descompensação
da córnea guttata, geralmente bilateral, assimétrica e lentamente progressiva, com edema
secundário inicialmente estromal (Fig. 23), progredindo em direção à superfície, com forma
ção de bolhas ou microbolhas (Fig. 24). Erosões são frequentes devido à rotura das bolhas.
Crises repetidas produzem fibrose, podendo resultar em opacidades corneais e consequente
diminuição da acuidade visual e sensibilidade. Neovascularização periférica pode ocorrer tar
diamente.
362 Doenças Externas Oculares e Córnea
Genética: Cromossomos 13pTel- 13q 12.13, 15q, 18q21.2.32; variantes: Ip34.3-p32, gene
não identificado. Colágeno tipo III alfa 2 base genética C0L8A2. (Categoria genética: 3). Estu
dos genéticos sugerem que defeitos no DNA mitocondrial, de origem hereditária ou adquirida,
podem estar relacionados a disfunção endotelial na distrofia de Fuchs.
Sintomas: Discreta diminuição da acuidade visual secundária ao edema corneai e eventu-
•\
almente dor, pela presença de edema epitelial, são sintomas precoces. A medida que ocorre
fibrose subepitelial, os episódios de dor diminuem, porém pode haver redução grave da acui
dade visual.
Alteração patológica: As células endoteliais são maiores e polimórficas. Algumas são ro
tas.
Exames complementares: Microscopia especular pode ser útil, demonstrando perda de
células endoteliais, o que pode ter valor prognóstico para a realização de qualquer cirurgia
intraocular, como extração de catarata (Fig. 25).
Paquimetria pode evidenciar edema corneal precoce, mesmo subclínico.
Fig. M ic ro sc o p ia e s p e c u la r d e c ó rn e a d e m o n s tra n d o a p re
se n ç a d e á re a s e s c u ra s (guttoto ) e n tre as c é lu la s e n d o te lia is .
Distrofias e Ectasias da Córnea 363
E importante lembrar que pacientes portadores de distrofia de Fuchs com baixa contagem
de células endoteliais (< 1.000 mm2) e/ou aumento da espessura (> 650 mm) têm mais chan
ces de desenvolver edema corneal grave, caso sejam submetidos a qualquer procedimento
intraocular.
Tratamento: O tratamento inicial visa à redução do edema corneal com hiperosmótico
tópico ( cloreto de sódio 5% colírio 4 vezes ao dia e pomada à noite, ou colírio de dimetilpo-
lisiloxane 4 vezes ao dia).
Se houver defeito epitelial devido à rotura de bolhas epiteliais, lentes de contato terapêu
ticas e lágrimas artificiais podem ser utilizadas.
Transplante penetrante de córnea oferece excelentes resultados, quando realizado antes
de desenvolver neovascularização corneai.
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Distrofias e Ectasias da Córnea
B - DESORDENS ECTÁSICAS
CERATOCONE ANTERIOR
Fig. 29 C e ra to c o n e a n te rio r. L in h a s d e V o g t.
CERATOCONE POSTERIOR
O afmamento resulta de aumento da curvatura posterior da córnea, que pode ser localizado
ou difuso. Na forma difusa, a córnea permanece clara, e, no ceratocone posterior circunscrito,
opacidade estromal pode estar presente na área do afmamento (Figs. 32 e 33).
Trata-se de uma alteração não progressiva, geralmente unilateral, embora casos bilaterais
tenham sido descritos. Pode ser familiar ou secundário a trauma ou processo inflamatório lo
calizado na córnea.
CERATOGLOBO
Afecção relativamente comum, bilateral, não hereditária, caracterizada por afmamento corne
ai periférico, sem inflamação, em forma de linha horizontal (1 a 2 mm), usualmente inferior,
na posição entre 4 e 8 horas, embora tenha sido também descrita uma forma de afmamento
superior (Figs. 34 e 35).
Devido ao afmamento, a córnea adjacente superior sofre protrusão anterior, resultando
em ceratocone secundário.
O diagnóstico é feito após os 20 anos de idade, usualmente devido à diminuição da acui
dade visual provocada pelo astigmatismo irregular. Topografia de córnea mostra imagem ca
racterística (Fig. 36).
Doenças Externas Oculares e Córnea
Fig. 34 D e g e n e ra ç ã o m a rg in a l p e lú c id a .
Fig. D e g e n e ra ç ã o m a rg in a l p e lú c id a , co m a fin a m e n to
in fe rio r (o b s e rv a r re fle xo do a fin a m e n to na íris).
Fig. 36 T o p o g ra fia d e c ó rn e a em p a c ie n te co m d e g e n e ra ç ã o
p e lú c id a m a rg in a l.
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Degenerações Corneais
INTRODUÇÃO
ALTERAÇÕES INVOLUTIVAS
Arco corneai: Consiste em depósito de lipídio geralmente bilateral no estroma corneai peri-
r
férico. E encontrado em 60% das pessoas entre 50 e 60 anos de idade e em 100% acima de 80
anos (arco senil ou gerontóxon), afetando mais homens do que mulheres.
Quando presente em crianças e adultos jovens, pode estar relacionado à hiperlipidemia
familiar, xantelasma, síndrome nefrótica e hipotireoidismo (arco juvenil ou embriotóxon an
terior). A presença do arco unilateral frequentemente está associada à doença da carótida ou
hipotonia ocular.
Caracteriza-se por halo branco-acinzentado inicialmente na periferia inferior da córnea,
com progressão para periferia superior, podendo progredir por toda a circunferência e formar
um anel de aproximadamente 1 mm de largura. Geralmente há um intervalo de córnea clara
entre a periferia do arco e o limbo (intervalo lúcido) (Fig. 1).
Histologicamente, consiste em depósito de colesterol, ésteres de colesterol, fosfolipídios
e triglicerídeos inicialmente na membrana de Descemet, subsequentemente na camada de
Bowman e no estroma corneai, extracelularmente.
Corpos de Hassal-Henle: Caracterizam-se por excrescências da membrana de Descemet,
que se projetam para o endotélio em direção à câmara anterior, na periferia da córnea e repre-
369
370 Doenças Externas Oculares e Córnea
sentam alterações senis. Ao exame, pequenos pontos escuros são vistos dispersos na periferia
da córnea, semelhante à córnea guttata.
Arco limbar de Vogt: Caracteriza-se por faixa esbranquiçada estreita, em forma de cres
cente, localizada no limbo interpalpebral (Fig. 2). Geralmente simétrico, mais frequente no
limbo nasal do que no temporal.
Consiste em depósito subepitelial em forma de agulha, provavelmente secundário à expo
sição solar, presente em 55% da população entre 40 e 60 anos de idade.
Dois tipos foram descritos: tipo 1 caracteriza-se por faixa esbranquiçada com presença de
buracos, separada do limbo por intervalo lúcido estreito.
Representa ceratopatia em faixa inicial. O tipo 2 é o verdadeiro arco limbar sem buracos
r
ou intervalo lúcido. E mais comum e presente em 100% depois dos 80 anos de idade.
Histologicamente, observa-se degeneração elastótica das fibras de colágeno.
Não há necessidade de tratamento.
Córnea farinácea: Alteração corneai senil, de herança autossômica dominante, que consis
te em inúmeras e diminutas partículas e pontos acinzentados no estroma profundo próximas
à Descemet, mais facilmente observados à retroiluminação.
Geralmente bilateral, afeta a região central da córnea, sem causar diminuição da visão. Ao
exame histopatológico, os depósitos são compostos de lipofucsina, um pigmento degenerati-
Degenerações Corneais
vo que se acumula com a idade. A distrofia pré-Descemet talvez seja uma variante da córnea
farinácea.
Degeneração em mosaico (Shagreen): Opacidade corneai central, bilateral, mais frequen
temente localizada na camada de Bowman (mosaico anterior) ou Descemet (mosaico poste
rior), caracterizado por lesões poligonais branco-acinzentadas, separadas por áreas de córnea
clara (Fig. 3). Tem aspecto clínico semelhante à distrofia nebulosa central de François, porém
com padrão diferente de hereditariedade. Acuidade visual geralmente é preservada. A for
ma anterior é descrita em associação com ceratocone, usuários de lentes de contato rígidas,
trauma, ceratopatia em faixa, hipotonia e megalocórnea juvenil. Padrão semelhante pode ser
observado com aplicação de fluoresceína, após pressão ser exercida sobre a córnea através das
pálpebras. A forma posterior é sempre senil.
Histologicamente, as camadas de Bowman ou Descemet encontram-se interrompidas por
placas de tecido fibroso.
Fig. 3 D e g e n e ra ç ã o em m o sa ico .
DEPÓSITOS
Ceratopatia em faixa: Ceratopatia em forma de faixa pode ser calcificada e não calcificada
(degeneração esferoidal e depósito de urato). O termo ceratopatia em faixa refere-se à forma
calcificada. O depósito de cálcio, que afeta principalmente a camada de Bowman, pode acome
ter a membrana basal do epitélio e o estroma superficial, na região da fenda palpebral, sepa
rado do limbo por um intervalo lúcido, devido à ausência de camada de Bowman na periferia
da córnea ou ao efeito tampão exercido pelos vasos do limbo, prevenindo a precipitação do
cálcio nessa região.
r
Estudos sugerem que o cálcio e o fosfato presentes no sangue e fluido intersticial podem
ser precipitados por pequenas alterações, tais como aumento de pH, evaporação ou aumen
to de concentração em determinada área. As principais causas são hipercalcemia, doenças
oculares crônicas (uveíte, ceratite intersticial, glaucoma, phthisis bulbii, olho seco), doenças
sistêmicas (doença renal crônica, hiperparatireoidismo, sarcoidose, intoxicação por vitamina
D, nefrocalcinose, mie loma) e colírios, devido à alta concentração de fosfato usado como
tampão, o que inclui medicamentos sem conservantes que favorecem a precipitação do cálcio.
Além disso, devemos lembrar que as doenças malignas podem causar metabolismo anor
mal do cálcio. Por isso, alguns casos incomuns podem merecer avaliação oncológica.
O tratamento consiste na aplicação tópica de um quelante de cálcio na superfície da cór
nea, como o ácido etilenodiaminotetracético (EDTA) 1,5%, seguida por remoção mecânica do
cálcio com o auxílio de uma lâmina de bisturi. Ceratectomia fototerapêutica por excimer laser
pode ser indicada com bons resultados. Membrana amniótica pode ser utilizada após a remo
ção cirúrgica da ceratopatia em faixa para restabelecer a estabilidade da superfície ocular mias
rapidamente.
r
causado por areia, vento e pó. O tipo 2 é unilateral e pode estar associado a neovasculariza-
ções corneais, glaucoma e ceratite herpética. A categoria familiar foi adicionada mais tarde por
Meisler para explicar a presença de degeneração corneai central esferoidal em vários membros
de uma família, desde a infância. Portanto, a degeneração esferoidal não é apenas um processo
degenerativo, mas também pode ocorrer, raramente, como uma distrofia corneai.
Os raios ultravioleta e o processo de envelhecimento estão estreitamente relacionados
com a patogênese. Estes, por sua vez, estão ligados diretamente aos produtos finais da glica-
ção avançada (AGE) de açúcares e proteínas, que se depositam e parecem causar a degenera
ção corneai esferoidal.
Ceratectomia lamelar superficial, ceratectomia fototerapêutica por excimer laser são op
ções terapêuticas nos casos leves e moderados, e transplante de córnea é opção terapêutica
nos casos mais graves. Não há relatos de recorrências após transplante penetrante.
Degeneração amiloide: O termo amiloide refere-se a um grupo de proteínas séricas que
podem ser encontradas em diversos tecidos do organismo, incluindo o olho. Histologicamente,
amiloide é uma substância amorfa extracelular que cora com vermelho congo e tioflavina T.
Amiloidose pode ser primária ou secundária e ambas podem ser localizadas ou sistêmicas.
Amiloidose sistêmica raramente produz manifestações oculares. O envolvimento ocular é mais
frequente na forma localizada da doença.
A amiloidose corneai pode ser secundária à doença ocular local. Degeneração amiloide
polimórfica ocorre em pacientes acima dos 50 anos de idade e caracteriza-se por depósitos
amiloides em forma de filamentos e pontos branco-acinzentados no estroma posterior cor
neai, de aparecimento tardio, sem padrão de herança, bilateral e geralmente assintomático.
Amiloidose localizada primária também pode envolver a conjuntiva.
A amiloidose corneai secundária é geralmente associada a doenças inflamatórias crônicas
como tracoma, flictenulose, degeneração lipídica, ceratite intersticial ou trauma, e outras con
dições como triquíase e ceratocone.
Apresenta-se como lesões nodulares róseas ou branco-amareladas e translúcidas na con
juntiva e córnea (Fig. 5).
Quando a acuidade visual é prejudicada, transplante penetrante de córnea pode ser re
alizado, porém a presença frequente de neovascularização aumenta o risco de recorrência e
rejeição.
Degeneração nodular de Salzmann: Consiste em nódulos únicos ou múltiplos, elevados,
branco-azulados, dispostos de forma anular, localizados sobretudo na média periferia, adja
centes a pannus ou cicatriz e secundários à sequela tardia de inflamação crônica ou idiopática
Fig. 5 A m ilo id o s e c o rn e a i.
374 Doenças Externas Oculares e Córnea
da córnea (Fig. 6). Pode ser uni ou bilateral e ocorre com maior frequência no sexo feminino. A
preponderância do sexo feminino teoricamente poderia ser explicada pelo fato de a deficiên
cia androgênica poder levar a alterações funcionais da superfície ocular, mais especificamente
na camada lipídica do filme lacrimal, causando inflamação crônica de baixo grau.
Está comumente associada a flictenulose, porém também pode ocorrer após tracoma, ce-
ratoconjuntivite primaveril e ceratite intersticial, bem como condições não inflamatórias, tais
como incisões de córnea clara (cirurgia de catarata) e uso de lentes de contato.
O exame histopatológico mostra que placas de colágeno densas com hialinização estão
localizadas entre o epitélio e a camada de Bowman ou estendem-se até um terço do estróina
anterior.
Evidências recentes sugerem o papel das metaloproteinases da matriz epitelial (MMP) na
regulação do reparo de feridas do estroma corneai. Especificamente, o aumento da MMP-2, no
epitélio corneai sobrejacente aos nódulos de Salzmann, sugere um processo de remodelação.
A degeneração nodular de Salzmann geralmente é assintomática, porém episódios de erosão
recorrente podem ocorrer, causando lacrimejamento, fotofobia e irritação.
Dados interessantes são fornecidos por meio da análise das aberrações da córnea. Os
nódulos circulares periféricos produzem efeito refrativo: alta hipermetropia e astigmatismo e
achatamento central da córnea fica evidente, ocasionando baixa acuidade visual.
O tratamento nos casos leves pode ser feito com lubrificantes tópicos. As lesões subepi-
teliais no eixo visual podem ser removidas através da ceratectomia superficial ou ceratecto-
mia fototerapêutica por excimer laser, e as lesões profundas requerem transplante lamelar ou
penetrante de córnea, porém podem ocorrer recidivas. A avaliação da aberrometria corneai,
após tratamento cirúrgico, mostra redução significativa das aberrações totais e de alta ordem.
Anel branco de Coats: Pequena opacidade geralmente inferior a 1 mm de diâmetro, bran-
co-acinzentada, formada por pontos de arranjo circular, localizada no estroma superficial da
córnea, que ocorre após remoção de corpo estranho metálico (Fig. 7).
Fig. 6 D e g e n e ra ç ã o n o d u la r d e S a lz m a n n .
Fig. 7 A n e l b ra n c o d e C o a ts.
Degenerações Corneais
Clinicamente são melhor observadas à lâmpada de fenda, sob iluminação direta com luz
branca ou filtro azul de cobalto. São assintomáticas e não há necessidade de tratamento.
D e lle n a d ja c e n te à su tu ra em p a c ie n te s u b m e tid o a
tra n s p la n te p e n e tra n te d e c ó rn e a .
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o
*< Deficiências Nutricionais
Deficiências Nutricionais
A N A L U IS A H Ö F L IN G - L IM A • A N A C A R O L IN A V IE IR A
DEFICIÊNCIA DE VITAMINA A
no mundo (principalmente de populações carentes na África, Asia e América Latina, nas quais
está incluído o Brasil).1Uma dieta cronicamente insuficiente em vitamina A não permite a for
mação de uma reserva corporal satisfatória e gera anemia, xeroftalmia e baixa resistência a
infecções. Nos países que não apresentam altas taxas de desnutrição, a carência da vitamina A
está relacionada a hábitos dietéticos,2 alcoolismo crônico,3 doenças crônicas e estados de má-
absorção.4,5 Mais recentemente, com o aumento da popularidade da cirurgia bariátrica, casos
de hipovitaminose A secundários a esse procedimento foram relatados.6,7
Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), essa deficiência afeta 33% da população
mundial de crianças em idade pré-escolar e 15% das gestantes, mundialmente.8,9 As lesões
oculares secundárias a deficiência de vitamina A são a principal causa de cegueira em crianças
menores de 5 anos.
A vitamina A, uma vitamina lipossolúvel, pode ser encontrada na forma de retinol em ali
mentos de origem animal como leite, ovos e carnes, ou na forma de provitamina caroteno, em
verduras verde-escuras e frutas e vegetais amarelos. Após a ingestão, ela é transformada em
retinol, absorvida no intestino delgado e armazenada no fígado.4 O retinol é essencial para
o bom funcionamento das células fotorreceptoras da retina, assim como para a produção de
hemácias e a manutenção da integridade do epitélio ocular e dos tratos gastrintestinal, geni-
turinário e respiratório.10A deficiência de vitamina A causa alterações atróficas das superfícies
381
382 Doenças Externas Oculares e Córnea
C la ssific a ç ã o d e x e ro fta lm ia
Alterações retinianas
Apesar de a cegueira noturna ou nictalopia (XN) ser a manifestação mais comum e precoce da
xeroftalmia, encontra-se associada a deficiência sistêmica de vitamina A já moderada a grave.
Globalmente, a cegueira noturna afeta 5,2 milhões de crianças em idade pré-escolar e 9,8 mi
lhões de gestantes.12 Fundus xeroftálmico é uma alteração incomum, caracterizada por defei
tos focais do epitélio pigmentar da retina (EPR) na periferia retiniana.
Alterações conjuntivais
A xerose conjuntival (XI A) consiste em área seca, que cora com rosa-bengala, tipicamente en
contrada na região interpalpebral da conjuntiva bulbar temporal. Em casos mais avançados,
toda a conjuntiva bulbar pode estar envolvida. Podem ocorrer espessamento e perda da trans
parência conjuntival.
Manchas de Bitot (XIB) são placas perilímbicas acinzentadas, triangulares e de aspecto es
pumoso, localizadas na região interpalpebral da conjuntiva bulbar. Essas lesões são formadas
por epitélio conjuntival queratinizado, células inflamatórias e bactérias como Corynebacteria
xerosis, que metabolizam os debris epiteliais, dando o aspecto espumoso.10 Ocasionalmente,
manchas de Bitot podem ser encontradas em indivíduos desnutridos, porém com níveis nor
mais de vitamina A.
Alterações cornearias
A xerose corneana (X2) é caracterizada por instabilidade do filme lacrimal, ceratopatia ponte
ada superficial e queratinização corneana. Inicialmente é encontrada nos quadrantes nasais
inferiores, progredindo posteriormente para toda a superfície corneana. Se não tratada, evolui
Deficiências Nutricionais 383
para ulcerações corneanas, que inicialmente são pequenas e periféricas, localizadas na meta
de inferior da córnea. Podem evoluir com acometimento do eixo visual e infecção bacteriana
secundária.
Casos mais graves podem apresentar queratomalacia, necrose estromal corneana de co
loração acinzentada ou amarelada e bordas bem delimitadas. O tamanho dessas lesões pode
variar de 2 mm a toda a extensão da córnea (X3A e X3B). Dependendo da gravidade, pode
evoluir para cicatrização corneana (XS), descemetocele ou perfuração. Encontra-se frequen
temente associada a alteração sistêmica, como diarreia, infecção respiratória ou desnutrição
proteico-calórica.
O diagnóstico é clínico, porém pode ser confirmado por citologia de impressão, que reve
la perda de células caliciformes e células epiteliais irregulares e queratinizadas, características
de metaplasia escamosa, assim como pela dosagem sérica de vitamina A e proteína carregado
ra de retinol (RBP). Valores sistêmicos de retinol inferiores a 0,70 pmol/1 indicam deficiência de
vitamina A, enquanto valores abaixo de 0,35 pmol/1 revelam deficiência grave. Em gestantes e
lactantes, níveis séricos inferiores a 1,05 jumol/l já refletem baixa concentração dessa vitami
na.12A resposta terapêutica reforça o diagnóstico.
A prevenção é considerada uma medida essencial no controle da deficiência da vitamina
A. Em certas regiões das Américas Central e do Sul, o açúcar é fortificado com vitamina A há
3 décadas.12 Entretanto, ainda há poucos programas nacionais de prevenção em países em
desenvolvimento.
A xeroftalmia deve ser considerada uma emergência médica. A reposição de vitamina A re
duz a mortalidade infantil em 23 a 30% e os riscos de xeroftalmia em aproximadamente 90%.12
Em países de alto risco, suplementos de vitamina A (200.000 UI, via oral) devem ser administra
dos em crianças em fase pré-escolar (< 5 anos). Para crianças de 6 meses a 1 ano, uma dose de
100.000 UI de vitamina Avia oral é recomendada e para crianças menores de 6 meses, 50.000 UI.
A dose deve ser repetida no dia seguinte, e, novamente em 2 semanas.13 Administração paren-
teral pode ser indicada em crianças com desnutrição grave, anorexia e incapacidade de degluti
ção. Pacientes com lesão corneana grave ou síndrome de má absorção podem ser tratados com
vitamina A intramuscular (100.000 UI).4 Alguns países também adotaram a recomendação da
Organização Mundial da Saúde de suplementar lactantes com uma dose oral de 200.000 UI nas
primeiras 6 semanas pós-parto a fim de aumentar o conteúdo de vitamina A no leite materno.12
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DEFICIÊNCIA DE VITAMINA B
Vitamina B12
A vitamina BI 2 é uma substância hidrossolúvel, não sintetizada pelo organismo humano. Encontra-
se presente em alimentos de origem animal, como carnes e leite. Indivíduos idosos, vegetarianos
e aqueles que adotam baixa dieta proteica estão mais predispostos à deficiência dessa vitamina.
A deficiência de vitamina B I2 pode causar transtornos hematológicos e neurológicos.
Os sintomas neurológicos incluem fraqueza generalizada, parestesia, irritabilidade, apatia e
instabilidade emocional. A tríade fraqueza, glossite e parestesias é comumente observada. A
principal manifestação hematológica é uma anemia macrocítica com megaloblastose. Pode-se
observar também plaquetopenia. Os achados oftalmológicos incluem alteração bilateral da
visão de cores e um quadro de neuropatia óptica. O exame de potencial evocado visual (PEV)
revela latência prolongada do componente PI00, sem alterações da amplitude. O aumento da
latência melhora com a instituição do tratamento.
A dosagem sérica de vitamina B I2 é o teste mais comumente utilizado para o diagnósti
co, porém sua sensibilidade e especificidade ainda são questionáveis. Os níveis de vitamina
B I2 são considerados baixos quando inferiores a 200 pg/ml (148 pmol/1). Falsos aumentos são
causados por desordens mieloproliferativas, e valores falsamente diminuídos podem ser en
contrados em condições como a deficiência de folatos e na gravidez. Entretanto, apesar dessas
limitações, nenhum outro teste é universalmente aceito como substituto.
Vitamina B7
A vitamina B7, ou biotina, é uma substância hidrossolúvel, encontrada em carnes, peixes,
ovos e nozes. Sua deficiência pode ocorrer em indivíduos com alterações gastrintestinais,
alcoolismo crônico e em diálise. O quadro clínico inclui dermatite perioral, ataxia, alopecia,
conjuntivite e madarose dos cílios. Atrofia óptica foi relatada em um caso de deficiência de
biotinidase, uma importante enzima do ciclo da biotina, responsável pela conversão da bioci-
tina em biotina.
Deficiências Nutricionais 385
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DEFICIÊNCIA DE VITAMINA C
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DEFICIÊNCIA DE VITAMINA E
A vitamina E, encontrada em óleos vegetais, verduras escuras, cereais e nozes, possui pro
priedades antioxidantes. Nos olhos, a vitamina E possui papel na proteção da membrana dos
fotorreceptores contra lesões oxidativas. Populações de risco para deficiência dessa vitamina
incluem portadores de doença celíaca, fibrose cística, pancreatite, doenças hepáticas, entre
outras.
A deficiência de vitamina E causa sintomas neurológicos e musculares, envolvendo tanto
a musculatura esquelética quanto a cardíaca. Nos olhos, estudos experimentais demonstraram
que a deficiência de vitamina E é responsável por um quadro de acúmulo de lipofuscina no
epitélio pigmentar da retina e pela consequente perda de cones e bastonetes. A latência do
componente P I00 do PEV encontra-se prolongada nesses casos.
A suplementação com vitamina E faz parte da formulação recomendada pelo AREDS (Age-
Related Eye Disease Study Research Group) para a redução da progressão da degeneração ma
cular relacionada à idade (DMRI).
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Terapêutica de Doenças
Externas e da Córnea
Uso de Lentes de Contato no
Tratamento de Doenças da
Córnea
Uso de Lentes de Contato
no Tratamento de
Doenças da Córnea
MILTON RUIZ ALVES • FLAVIO FERNANDES VILLELA
O uso terapêutico das lentes de contato gelatinosas (LCG) adicionou uma nova dimensão no
tratamento de várias afecções corneais. Embora as LCG tenham sido desenvolvidas primaria
mente para a correção de erros refrativos, seu uso para proteção da superfície corneai, como
bandagem óptica, firmou-se como opção terapêutica muito útil. As LCG são confortáveis e
muito bem toleradas pela maioria das córneas alteradas.
Wichterle e Lim (1960) desenvolveram a primeira LCG. Quatro anos mais tarde, Rycroft
(1964) relatou o benefício do uso de LCG em pacientes com penfigoide ocular e síndrome de
Stevens-Jonhson. Rubem (1966) utilizou LCG em pacientes com penfigoide ocular. A partir de
1970, numerosos investigadores, entre eles Gasset e Kaufman (1960), Leibowitz e Rozenthal,
(1971) e Kara-José et cil. (1977), relataram várias indicações do uso terapêutico de LCG em do
enças corneais.
Um novo impulso aconteceu com o desenvolvimento de novos desenhos e materiais de
LCG para uso descartável ou de troca planejada, tornando mais seguras as adaptações com
objetivos terapêuticos.
EFEITOS TERAPÊUTICOS
O uso terapêutico das LCG, protegendo a superfície ocular, alivia a dor ocular originada das
terminações nervosas expostas ou do desconforto proveniente de trauma secundário a sutu
ras e filamentos. Alivia a dor no período pós-operatório de cirurgias que cursam inicialmente
com defeito epitelial (PRK, PTK, transplante de córnea etc.) Facilita a cicatrização epitelial pro
tegendo a superfície ocular alterada por erosões e defeitos epiteliais da ação palpebral; e, pelo
mesmo mecanismo, também impede o destacamento de células epiteliais em casos de erosão
recorrente. Sela pequenas perfurações corneais. Cobre a superfície irregular que ocorre após
a polimerização de adesivo tissular. Corrige pequenas quantidades de astigmatismo irregular,
393
394 Doenças Externas Oculares e Córnea
melhorando a qualidade visual. Pode atuar como veículo facilitador para penetração ocular de
medicações de uso tópico. Vários estudos avaliaram o papel da LCG de potencializar a libe
ração de fármacos como pilocarpina, acetazolamida e tobramicina, mas constataram falta de
previsibilidade nesse efeito. No entanto, essas pesquisas mostraram ser seguro o uso de medi
cações tópicas na presença de LCG, e que não era necessária sua remoção (Fig. 1).
SELEÇÃO DA LCG
Curva-base
Em casos de irregularidade corneal acentuada, ou quando não for possível determinar as cur
vas ceratométricas para a escolha da curva-base da lente de contato, pode-se utilizar as me-
Uso de Lentes de Contato no Tratamento de Doenças da Córnea
Poder dióptrico
Na escolha do poder dióptrico da LCG, deve-se levar em conta o erro refrativo do olho tratado
com o intuito de obter a melhor acuidade visual possível. Lentes positivas têm a espessura
central maior que lentes negativas, o que diminui a transmissibilidade aos gases (DK/L) nessas
lentes, fato que deve ser considerado quando do uso prolongado. Em pacientes com compro
metimento da acuidade visual, por perda de transparência ou irregularidades corneanas, len
tes de poder negativo devem ser preferidas pela razão descrita anteriormente.
Materiais
A escolha do material deve contemplar: hidratação, tendência à formação de depósitos e
transmissibilidade ao oxigênio.
Hidratação: materiais com alto teor aquoso (classes II e IV FDA) são mais suscetíveis em
provocar desconforto em pacientes com disfunção lacrimal, nos que trabalham em ambientes
com baixa umidade relativa ou naqueles com propensão à formação de depósitos.
Formação de depósitos: materiais com carga iônica (classes III e IV FDA) tendem a causar
mais depósitos nas lentes de contato.
Transmissibilidade: materiais da família HEMA com alta hidratação permitem maior trans
missibilidade ao oxigênio e adaptações prolongadas; os materiais de silicone-hidrogel, de bai
xa hidratação, permitem uso contínuo com segurança pela sua alta transmissibilidade.
INDICAÇÕES
Ceratopatia bolhosa
O uso terapêutico de LCG em pacientes com ceratopatia bolhosa provê significante conforto
e melhora visual. A ceratopatia bolhosa resulta do acúmulo de fluido e formação de bolhas
epiteliais, secundária à descompensação endotelial corneai por várias causas, entre elas a
distrofia endotelial de Fuchs e a ceratopatia bolhosa do afácico e do pseudofácico. As bolhas
epiteliais causam marcadas irregularidades na superfície corneai, induzindo astigmatismo ir
regular e diminuição da visão. As LCG provêm superfície refrativa lisa, corrigem pequeno as
tigmatismo irregular e melhoram a visão, especialmente nos estágios iniciais da ceratopatia
bolhosa. Com a progressão da ceratopatia bolhosa, as bolhas epiteliais coalecem formando
bolhas maiores que se rompem, resultando em defeitos epiteliais e exposição de terminações
nervosas que provocam desconforto e dor. A proteção dos nervos expostos pela LCG alivia a
dor. Caso um transplante de córnea esteja planejado para futuro próximo, deve-se escolher
LCG com alta transmissibilidade de oxigênio, como as de material de silicone-hidrogel, para
396 Doenças Externas Oculares e Córnea
evitar o desenvolvimento de neovascularização, que ocorre no uso de lentes com baixa trans-
missibilidade ou mais espessas.
F ig . 2 E ro sã o re c o rre n te d e c ó rn e a .
brana basal epitelial ao estroma anterior corneai. O crescimento celular nesses olhos pode ser
inibido por fatores humorais associados ao processo inflamatório. Quando as células epiteliais
se regeneram para fechar o defeito epitelial, essas células devem ser protegidas da ação do ro
çar palpebral durante o pestanejar. Também devem permanecer no local por tempo suficiente
para a formação dos complexos de ligação epitélio-membrana basal-Bowman-estroma corneai
anterior. Nessas circunstâncias, o uso terapêutico de LCG auxilia na cicatrização do defeito
epitelial. A preferência atual nesses casos é pelo uso das LCG de silicone-hidrogel.
A ceratite neurotrófica representa uma desordem corneai degenerativa causada pela dimi
nuição da sensibilidade corneai associada à rotura epitelial, dificuldade de cicatrização (levando
à ulceração, necrose e perfuração corneai), e tem como mecanismo patogenético lesão do nervo
trigêmeo. Pode ter como causas: infecção por herpes simples e herpes-zóster, queimadura quí
mica e procedimentos neurocirúrgicos (neuroma acústico, meningioma e aneurisma) e mesmo
doenças sistêmicas, como diabetes, esclerose múltipla e hanseníase. No estágio 1 da ceratite
neurotrófica (Fig. 3A), observam-se ceratopatia ponteada que apresenta coloração com rosa-
bengala e diminuição do tempo de rotura do filme lacrimal. No estágio 2, observa-se defeito
epitelial corneano (Fig. 3B).
A terapêutica da ceratite neurotrófica no estágio 1 inclui a suspensão de medicação tó
pica, avaliação de possíveis efeitos colaterais de medicações sistêmicas (neurolépticos, antip-
sicóticos, anti-histamínicos), uso de lágrimas artificiais sem preservantes e LCG terapêutica.
Quando o resultado não for satisfatório, suspende-se o uso de LCG e introduz-se colírio de
soro autólogo. Da mesma forma, se, no estágio 2, o uso da LCG não contribuir para a cica
trização do defeito epitelial e esta não tiver respondido ao uso do colírio de soro autólogo,
deve-se cobrir a área de defeito epitelial para promover cicatrização (tarsorrafia lateral, botox
para indução de ptose ou cobrir o defeito epitelial com membrana amniótica). No estágio 3,
quando já ocorre afinamento e necrose corneai, indica-se tarsorrafia (alternativas: recobrimen-
to conjuntival, transplante de córnea tectônico lamelar, uso de cola, transplante de membrana
amniótica). O uso de cola e de LCG está indicado em perfurações corneais pequenas menores
que 2 mm.
Ceratite filamentar
A ceratite filamentar está associada à sensação de corpo estranho, desconforto, dor e dimi
nuição da visão secundária a astigmatismo irregular. Filamentos finos de epitélio corneai são
ligados pela sua base à superfície corneai. São observados em ceratoconjuntivite seca, ceratite
límbica superior, edema corneai, seguindo cirurgia ocular e infecções virais da córnea. O trata
mento inclui a remoção mecânica dos filamentos, remoção mecânica mais aplicação de nitrato
de prata a 0,05% na sua base, uso tópico de N-acetilcisteína a 10% e uso terapêutico de LCG.
No uso de LCG, os filamentos desaparecem em 2 semanas, porém não de forma permanente.
Por isso, a LCG deve ser usada por longo tempo.
Ferimentos corneais
O uso de LCG é útil em casos de laceração e perfuração corneai, podendo inclusive selar pe
quenas perfurações corneais. O uso de LCG deve seguir a aplicação de adesivo tissular para
selar perfuração corneai. A LCG deve ser aplicada sobre a superfície irregular resultante da po-
r
limerização do adesivo para prover conforto ao paciente. E importante adaptar a LCG somente
após a polimerização da cola.
Entrópio, triquíase
O uso terapêutico da LCG é para proteger a córnea da ação do roçar dos cílios e da margem
palpebral. Nesses casos, deve-se optar por adaptação mais justa para evitar o deslocamento
da lente pelos cílios e margem palpebral.
Medicações concomitantes
Na presença de defeito epitelial, indica-se o uso de colírio de antibiótico (p. ex., ofloxacino a
0,3%) 1 gota, 3 a 4 vezes/dia. Em todas as adaptações terapêuticas, recomenda-se a instilação
de lágrimas artificiais sem conservantes. O uso de outras medicações concomitantes, como
anti-infecciosos, esteroides e cicloplégicos, embora possa comprometer a qualidade óptica
das lentes, muitas vezes é parte fundamental do tratamento proposto e ajuda a evitar o apare
cimento de novas complicações nesse olho. Deve-se evitar o uso tópico de anti-inflamatórios
não esteroides em olhos adaptados com LCG. A substituição da LCG deve respeitar o calen-
Uso de Lentes de Contato no Tratamento de Doenças da Córnea
dário de troca indicado pelo fabricante, de modo que o tempo de uso da lente escolhida seja
adequado à adaptação proposta.
COMPLICAÇÕES
As complicações com lentes terapêuticas são as mesmas causadas pelo uso de lentes de conta
to, somando-se ao fato a existência de doença ocular associada, o que demanda maior atenção
no acompanhamento desses casos, bem como retornos iniciais mais frequentes.
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o
«<
Suporte e Proteção
U"
Adesivos Teciduais
Adesivos teciduais são utilizados em oftalmologia em diversas situações, como nos afinamen-
tos, microperfurações e perfurações corneais de difícil resolução cirúrgica (lesões “estrela
das”); nas fístulas em ferida de ceratoplastia ou em ampolas conjuntivais nas trabeculectomias.
r
E excelente opção, principalmente nas lesões que acometem o eixo visual, quando se deseja
reduzir cicatrizes ou o astigmatismo induzido pelas suturas. Também são utilizados para a
adesão de tecidos, como no transplante de conjuntiva, com a finalidade de diminuir ou até de
evitar suturas, reduzindo tanto a incidência de complicações associadas à realização de pon
tos quanto o tempo cirúrgico. Outras indicações incluem aplicação para oclusão temporária
das pálpebras (tarsorrafia provisória) e dos pontos lacrimais.
Os adesivos podem constituir solução definitiva ou temporária, dependendo da sua indi
cação, das condições clínicas do paciente ou da disponibilidade de tecidos (p. ex., córnea para
transplante tectônico).
Muitas vezes, a aplicação desses adesivos visa manter a integridade ocular, principalmente
isolando o conteúdo intraocular do meio extraocular, prevenindo dessa forma o desenvolvi
mento de endoftalmite e outras complicações, como catarata, glaucoma etc. Uma segunda
intervenção pode ser realizada oportunamente com o objetivo de restabelecer a capacidade
funcional do olho, embora, em alguns casos, apenas a aplicação do adesivo é suficiente para
atingir essa finalidade, dispensando procedimentos adicionais.
Podem ser utilizados os adesivos derivados da fibrina e do cianoacrilato. Os derivados
da fibrina têm a vantagem de ser reabsorvidos progressivamente, sendo substituídos natural
mente por tecido fibroso. São pouco tóxicos e de superfície pouco áspera, não necessitando
de colocação de lentes de contato quando aplicados sobre a córnea. Os adesivos disponíveis
comercialmente são formados a partir de componentes humanos e bovinos do sangue peri
férico que imitam a cascata de coagulação (Fig. 1). Quando esses componentes são reconsti
tuídos momentos antes da aplicação, originam uma cola com pouca força tensora, útil para
403
404 Doenças Externas Oculares e Córnea
Solução de tromina e
cloreto de cálcio
Fator Xllla
Inibição
da fibrinólise
pela plasmina
de agulha de insulina, seringa e aplicador confeccionado com disco de plástico estéril aderi
do em haste de cotonete®. Alguns estudos demonstraram que os derivados do cianoacrilato
inibem a migração de células inflamatórias, retardando a necrose tecidual, e que têm alguma
ação bacteriostática. No entanto, causam desconforto devido ao atrito com a pálpebra, pois
sua superfície é rugosa, necessitando do uso de lente de contato com finalidade terapêutica
quando aplicado sobre a córnea.
O cianoacrilato deve permanecer no olho até que o processo cicatricial tenha termina
do, podendo ocorrer seu desprendimento espontâneo ou ser efetuada sua remoção quando
desejado (p. ex., na disponibilidade de tecido biológico para a realização de patch ou trans
plante tectônico de córnea) (Fig. 3). Sua toxicidade é inversamente proporcional ao número
de carbonos na cadeia alquil, sendo os mais tolerados os derivados isobutil, n-heptil e n-octil.
A forma n-butil cianoacrilato (conhecido como Histoacryl) encontra-se disponível comercial
mente. Devido à sua toxicidade, esses produtos não são utilizados em grande quantidade. Nos
afmamentos e perfurações corneais, são aplicados em lesões de até 2 mm. São bem tolerados
no estroma corneai, porém, quando injetados inadvertidamente na câmara anterior, podem
ocasionar falência endotelial e, em contato com a conjuntiva, podem desencadear dor intensa,
quemose e formação de simbléfaro.
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Transplante de
Córnea Tectônico
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INTRODUÇÃO
407
408 Doenças Externas Oculares e Córnea
trite reumatoide). Em outros, não. Deve-se ter em mente que a necrose corneai pode, even-
r
TRATAMENTO CIRÚRGICO
Ceratites infecciosas
A despeito do desenvolvimento de novos agentes antimicrobianos, algumas espécies de bacté
rias, fungos, parasitos e vírus permanecem não responsivas ao tratamento clínico. Na evolução
desses quadros, indica-se transplante de córnea quando há progressão do processo infeccioso/
inflamatório a despeito do tratamento clínico adequado ou havendo comprometimento da
integridade da córnea, com desenvolvimento de afilamento/perfuração e/ou extensão para a
esclera. O desenvolvimento de perfuração corneai aumenta consideravelmente os riscos de
endoftalmite, e o acometimento escleral acentua a morbidade ocular. Outros procedimentos
cirúrgicos, como a utilização de retalho conjuntival, transplante de membrana amniótica, uso
de adesivo tissular (cola de fibrina ou de cianoacrilato) associado a lente de contato terapêu
tica, e tarsorrafia também devem ser considerados.
A realização do transplante de córnea tectônico tem por objetivos remover completamen
te a infecção ou diminuir a quantidade de microrganismos na córnea. Nesse caso, haveria uma
ação mais eficaz dos antimicrobianos e melhora da resposta de defesa ocular.
Killingsworth et al. revisaram as indicações de 80 transplantes de córnea terapêuticos
realizados em um período de 9 anos: 26 por infecções bacterianas, 15 por infecções fúngi
cas, 11 por herpes simples, 4 por defeitos epiteliais persistentes, 12 por olho seco, 10 por
defeitos epiteliais crônicos não relacionados ao herpes simples e 2 por Acanthamoeba. Sony
r
et ai revisaram as indicações de 100 transplantes terapêuticos realizados na índia; a maioria
das indicações era decorrente de ceratite bacteriana e, em segundo lugar, ceratite fúngica.
Entre nós, Marinho et al. realizaram transplante de córnea “a quente” em 27 olhos. A principal
indicação foi ceratite infecciosa (88,8%) de etiologias micótica (51,8%), bacteriana (17,8%), her-
pética (11,1%) e Acanthamoeba (3,7%). A cura do processo ativo foi obtida em 81,4% dos casos.
As principais complicações foram descompensação da córnea por rejeição (55,5%), glaucoma
(29,6%), catarata (25,9%), phthisis bulbi (18,5%), endoftalmite (14,8%) e retransplante por recidiva
da infecção (11,1%). Santana et al. revisaram as indicações de 52 transplantes de córnea tera
pêuticos realizados na Fundação Altino Ventura (Recife). A ceratite infecciosa foi a principal
indicação (37,5%), havendo erradicação da doença que indicou o transplante em 80,8% dos
procedimentos.
410 Doenças Externas Oculares e Córnea
R
p ó s-c e ra tite b a c te ria n a .
V
F ig . 3 A s p e c to p ó s-o p e ra tó rio d e tra n s p la n te p e n e tra n te em
c e ra tite fú n g ic a .
uso rotineiro de esteroides no pós-operatório, para controle da inflamação, pode piorar o qua
dro infeccioso, causando recidiva do processo fúngico no botão do doador. Para controlar o
processo inflamatório, como alternativa alguns autores têm mostrado a eficácia do uso tópico
da ciclosporina a 0,5% no pós-operatório desses pacientes.
eletivo. E muito difícil identificar o momento de cura da infecção. No seguimento dos pacien
tes, a microscopia confocal pode revelar cistos de amebas que já foram eliminadas pela ação
da biguanida ou clorexidina, uma vez que esses agentes atuam primariamente na membrana
plasmática e organelas internas, permanecendo intacta e visível a parece celular externa dos
cistos. Cistos remanescentes viáveis de ameba podem permanecer na córnea por 20 meses,
em alguns casos. Awwad et al. realizaram transplante de córnea penetrante em 13 olhos com
ceratite por Acanthamoeba curada clinicamente (ausência de cistos na microscopia confocal)
após no mínimo 3 meses da interrupção da terapêutica médica, não ocorrendo recorrência da
lesão nem rejeição do transplante. Para esses autores, o período de 3 meses de descontinuida-
de terapêutica livre de recorrência é um fator seguro de resolução da infecção, especialmente
se nenhum cisto permanecer detectável pela microscopia confocal.
TÉCNICA CIRÚRGICA
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Retalhos de Conjuntiva
Retalhos conjuntivais têm sido usados para o tratamento de doenças corneais desde os anos
1800. Gundersen, em 1958, modifica a técnica cirúrgica vigente, confeccionando um retalho
conjuntival para o recobrimento da córnea, a partir da separação entre a conjuntiva e a cáp
sula de Tenon. Esse significativo avanço marca o início da era moderna do uso de retalhos de
conjuntiva em Oftalmologia. O retalho de conjuntiva provê o local alterado de elementos faci-
litadores na resolução da inflamação e cicatrização corneai através de vasos sanguíneos con
juntivais carregados pelo procedimento. Nos últimos anos, houve declínio na indicação e uti
lização do retalho conjuntival em virtude de alternativas terapêuticas, como lentes de contato
terapêuticas confeccionadas com novos desenhos e materiais, associadas ou não à aplicação
de cola de fibrina de baixa velocidade de polimerização, o advento de técnicas de transplante
de epitélio cultivado para reconstrução de superfície ocular, e da maior facilidade de acesso
à membrana amniótica e aos tecidos corneais de Banco de Olhos. Contudo, o recobrimento
conjuntival ainda sobrevive como técnica cirúrgica de fácil realização e, principalmente, por
ser altamente efetiva na solução de inúmeros problemas corneais.
CLASSIFICAÇÃO
Dependendo da área que necessita cobertura, o recobrimento pode ser total (Gundersen) (Fig.
1) ou parcial. Os retalhos parciais podem ser classificados em mono (Fig. 2A) ou bipediculados
(Fig. 2B).
415
416 Doenças Externas Oculares e Córnea
Fig.1 R e ta lh o c o n ju n tiv a l to ta l.
INDICAÇÕES
Outra indicação de recobrimento conjuntival são as ceratites fúngicas periféricas não res-
ponsivas ao tratamento medicamentoso. Em infecção fúngica central, indica-se transplante de
córnea penetrante. Em casos de maior extensão da lesão micótica com envolvimento central e
periférico da córnea, está indicada a realização de recobrimento conjuntival total.
As ceratites virais por herpes-zóster e herpes simples podem causar inflamação corneai re
corrente e crônica, defeitos epiteliais persistentes e ulceração estromal. Nos casos em que
o tratamento medicamentoso fracassa e que cursa com morbidade prolongada, olho seco e
perda da sensibilidade corneai, o paciente se beneficia do recobrimento conjuntival. O retalho
conjuntival diminui o tempo de recuperação, e o transplante de córnea pode ser adiado até o
controle ou inativação da doença.
Na ceratite por Accinthamoeba, o emprego de recobrimento conjuntival é ineficaz para o
tratamento da infecção, que progride abaixo do retalho.
C e r a t o p a t i a b o lh o s a : Em olhos com bom potencial visual, o transplante penetrante de
córnea é o tratamento de escolha da ceratopatia bolhosa. Entretanto, em olhos com anorma
lidades do segmento posterior que limitam o potencial visual, o recobrimento conjuntival e o
transplante de membrana amniótica oferecem vantagens em relação ao tratamento prolonga
do com agentes hiperosmóticos ou lentes de contato terapêuticas, por serem mais convenien
tes, confortáveis e seguros.
D o r : O recobrimento conjuntival não deve ser usado para controle da dor em olho sem
visão, a menos que a dor seja causada por doença da superfície corneana. Por exemplo, a dor
decorrente da ceratopatia bolhosa pode ser aliviada com recobrimento conjuntival, porém a
dor associada a casos de glaucoma avançado em estágio final não é amenizada por esse trata
mento, devendo ser tratada por outros métodos.
A f i l a m e n t o c o r n e a n o : Afilamentos corneais marginais, secundários à úlcera de Mooren
ou doença do tecido colágeno-vascular, são mais bem resolvidos com ressecção conjuntival e
terapia imunossupressora sistêmica do que com realização de recobrimento conjuntival.
P e r fu r a ç ã o d e c ó r n e a : O recobrimento conjuntival não deve ser considerado como tra
tamento de perfuração corneai existente ou iminente, sendo contraindicado para impedir o
vazamento de humor aquoso e/ou tentativa de reformar a câmara anterior. Entretanto, quando
o transplante de córnea lamelar ou o penetrante não forem viáveis, ou não houver tecido doa
dor nem outros recursos disponíveis, em casos de perfuração corneai iminente, o retalho con
juntival pode ajudar a manter a integridade ocular e prevenir infecções. Nesses casos, pode-se
incluir a Tenon ao pedículo de retalhos parciais para fortalecer o suporte à córnea. A ulcera
ção corneai causada por exposição ou olho seco pode levar à perfuração. Um retalho corneai
lamelar ou de espessura total utilizado para selar a perfuração pode ter a mesma evolução da
córnea original, a menos que o transplante seja protegido por recobrimento conjuntival. Da
mesma forma, um patch corneai utilizado para tratar uma perfuração existente ou iminente
de origem herpética (ceratite virai por herpes simples ativa) terá maior êxito se coberto por
retalho conjuntival (Figs. 3A e B).
L e n t e e s c le r a l: O recobrimento conjuntival pode ser utilizado para preparar a superfície
ocular para a colocação de lente escleral cosmética em olho em processo de atrofia ou cego e
esteticamente desfigurado. Essa lente pode erodir o epitélio corneano. O recobrimento con
juntival cria uma superfície ocular mais tolerante à lente.
418 Doenças Externas Oculares e Córnea
AVALIAÇÃO PRÉ-OPERATÓRIA
A conjuntiva sujeita a confecção do retalho conjuntival deve ser examinada com atenção no
pré-operatório para determinar sua mobilidade. Para a avaliação, após a instilação de anesté
sico tópico com zaragatoa, mobiliza-se a conjuntiva. Uma conjuntiva muito aderida é difícil de
dissecar e pode ocorrer a formação de buracos.
ANESTESIA
Os retalhos conjuntivais podem ser realizados sob anestesia retrobulbar ou peribulbar e com
plementada com injeção de anestésico subconjuntival. Uma anestesia local adequada pode ser
difícil de obter em olhos inflamados, e, nesses olhos, a injeção periocular é mais efetiva que
a retrobulbar, porém pode ser necessária anestesia geral em crianças, em pacientes adultos
pouco colaborativos e em olhos muito inflamados.
TÉCNICA CIRÚRGICA
Mesmo apresentando diferenças entre si, as técnicas cirúrgicas para confecção de retalhos
conjuntivais parcial e total apresentam princípios cirúrgicos comuns que são compartilhados
nos dois tipos. O retalho deve consistir somente em conjuntiva e ser fino o suficiente para que
a córnea seja visível através dele. O retalho que apresenta cápsula de Tenon incluída fica muito
espesso e esteticamente inaceitável, o que aumenta a possibilidade de se retrair da córnea. O
retalho deve ser livre de tensão, para evitar sua retração ou rasgo. Nesses casos, incisões rela-
xantes podem ser feitas na conjuntiva, ao redor do retalho, para diminuir sua tensão, mesmo
com comprometimento da suplência vascular do retalho. O retalho deve ser livre de furos, de
vendo cobrir toda a área de afmamento corneano. O tecido corneano necrótico da área a ser
coberta pelo retalho deve ser removido completamente por ceratectomia superficial. A falha
nesse processo resulta em consumo do retalho pelo processo inflamatório necrótico.
Retalhos de Conjuntiva
desse leito com fio de mononáilon 10-0. As suturas são passadas primeiramente através do
retalho, seguindo a base da ceratectomia e saindo na superfície da córnea a aproximadamente
1 mm da borda do leito. As suturas devem ser feitas próximas umas da outras para evitar ten
são. Pelo fato dos retalhos parciais terem mais tendência de retrair do que o retalho total, a
inspeção do retalho é importante para identificar tensões e removê-las através de incisões na
conjuntiva periférica. Dessa forma se converte o retalho em capuz em bipediculado ou retalho
em ponte.
r
COMPLICAÇÕES
o retalho, geralmente resolve e não necessita ser drenada. O curativo ocular compressivo após
a cirurgia ajuda a prevenir a hemorragia subconjuntival.
Ptose: Pode ser desencadeada por inadequada separação da conjuntiva da cápsula de
Tenon na confecção do retalho conjuntival, ou, ainda, pela utilização de conjuntiva palpebral
em retalhos muito largos. Algum grau de ptose, usualmente mínimo e cosmeticamente insig
nificante, é notado na maioria dos pacientes com retalho conjuntival. Em casos acentuados,
podem ser necessários remoção do tecido cicatricial e reparo plástico.
Simbléfaro: Trata-se de complicação rara, geralmente associada à confecção de retalho
muito largo, constituído de tecidos conjuntivais palpebral e bulbar adjacentes, e deixados com
as superfícies não epitelizadas apostas uma à outra; ocorrem adesões entre elas. Para prevenir
essa complicação, a conjuntiva palpebral não deve ser usada. O simbléfaro pode ser corrigido
cirurgicamente, se necessário.
Transparência pobre: A desvantagem mais óbvia dos retalhos conjuntivais é a pouca trans
parência, especialmente nas primeiras semanas de pós-operatório. Esse problema dificulta o
monitoramento da córnea ou da inflamação da câmara anterior. Mesmo que o recobrimento
seja contraindicado para perfuração, a progressão da doença de base pode resultar em per
furação corneai, e pode não ser detectada abaixo do retalho. Retalhos parciais possibilitam
melhor visão no exame da câmara anterior que o retalho total.
Visão prejudicada: Embora o retalho conjuntival total prejudique a visão, na sua indicação
prepondera mais a manutenção da integridade do bulbo ocular que a manutenção mediata da
acuidade visual. Quando a lesão ocorre fora do eixo visual, pode-se indicar um retalho parcial,
que pode ser deixado indefinidamente, o que não ocorre geralmente com o retalho total.
Aparência estética: O retalho conjuntival total espesso, diferentemente do retalho total
fino, sempre modifica a aparência estética. Os pacientes devem ser bem orientados para acei
tar melhor o resultado; caso contrário, buscam-se outras opções terapêuticas, como a utiliza
ção de lentes de contato terapêuticas, transplante de membrana amniótica ou o uso de tecido
corneai de bancos de olhos.
Cicatrização: A utilização de conjuntiva bulbar superior pode, no futuro, criar dificuldades
ou diminuir o êxito de cirurgias filtrantes de glaucoma.
Vascularização ou opacificação: O êxito do transplante penetrante de córnea em olho
submetido a retalho conjuntival geralmente não é afetado pelo recobrimento e, sim, pelas
condições da córnea e doença de base que o indicaram. A remoção do retalho conjuntival e o
transplante de córnea podem ser realizados em um mesmo tempo cirúrgico, porém deve-se
esperar pela resolução da condição que levou à realização do retalho conjuntival.
RESULTADOS
O resultado visual esperado não é bom, uma vez que essas cirurgias são realizadas em super
fícies corneais muito irregulares e o epitélio que será formado terá fenótipo conjuntival, com
características diferentes do original. Porém, com a técnica adequada, a confecção de retalhos
finos e o passar dos anos, pode ocorrer afmamento do retalho, tornando-o quase transpa
rente. Dessa forma, em muitos casos, pode haver recuperação visual. Em algumas situações,
quando há resolução da doença primária e um bom prognóstico visual, o recobrimento con-
Retalhos de Conjuntiva
juntival pode ser removido e a recuperação visual pode ser obtida com a realização de trans
plante de córnea, com melhor prognóstico.
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Transplante Escleral
M IL T O N R U IZ A L V E S • S U Z A N A M A T A Y O S H I
A esclera é a maior estrutura da camada externa do olho, participando com mais de 80% dos
tecidos da parede ocular. Suas funções relacionam-se com a manutenção da forma do bulbo
ocular e proteção das estruturas intraoculares. Ao contrário da extensão anatômica, a esclera
recebe pouca atenção na literatura oftálmica. Afilamento, necrose e perfuração escleral são
eventos raros, mas, quando ocorrem, podem representar um problema significante. Entre as
dificuldades encontradas no controle está o fato de a lesão ser mais frequentemente o resul
tado de doença sistêmica em vez de representar apenas um evento isolado.
425
426 Doenças Externas Oculares e Córnea
Estudos angiográficos demonstram que a área de isquemia escleral ocorre nas adjacências da
região operada, existindo maior prevalência de doenças reumatológicas nesses pacientes (63 a
90%). A ENIC pode ser a primeira evidência de quadro vasculítico sistêmico. Os fios cirúrgicos,
o uso de quimiotripsina e a infecção local são considerados possíveis causas de inflamação
escleral. A isquemia local provocada pela cauterização de tecidos esclerais pode ter papel
importante na gênese da lesão escleral (Fig. 1). Em resumo, os fatores associados à necrose
escleral incluem cirurgias oculares múltiplas, isquemia local e doenças reumatológicas associa
das. Impõe-se frente a esses quadros a necessidade de maiores investigações para estabelecer
a fisiopatologia do trauma cirúrgico sobre a estrutura escleral.
A radiação ionizante beta é utilizada em oftalmologia, desde a década de 1950, como
terapêutica adjuvante à cirurgia do pterígio. A betaterapia no pós-operatório do pterígio, em
dose de 750 a 2.500 rads, inibe a proliferação epitelial, causando uma endarterite obliterante
que leva, consequentemente, a isquemia, inibição da proliferação de fibroblastos e de células
inflamatórias, além de reduzir a produção de colágeno e de tensão nas bordas da ferida. Ma-
cKenzie etal. (1991) coletaram dados de pacientes, 10 a 15 anos após serem submetidos a exé-
rese de pterígio e betaterapia, observando que 13% deles apresentavam escleromalacia e 4,5%
afinamento escleral grave. Nos olhos desses pacientes, os autores evidenciaram uma relativa
avascularidade da conjuntiva e esclera local, com áreas de afinamento, necrose e ulceração
escleral, inclusive com exposição de úvea. São relatados casos de escleroceratite infecciosa
relacionados a essas áreas de afilamento e úlceras esclerais (Fig. 2).
A mitomicina C (MMC) é um antibiótico alquilante isolado a partir do Streptomyces cciespi-
tosus, que seletivamente inibe a síntese do DNA, RNA e de proteínas. O envolvimento escleral
tem papel de destaque nas complicações associadas ao uso da MMC. Ulceração e necrose
escleral têm sido relatadas aparecendo de 2 meses a anos após o uso tópico da MMC, princi
palmente na forma de colírio.
F ig . 3 E s c le rite n e c ro s a n te em ca so d e a rtrite re u m a to id e .
O b s e rv e a e x p o s iç ã o da ú v e a .
CONDUTA
O tratamento cirúrgico pode não ser necessário em afinamentos e em necroses esclerais pe
quenas sem prolapso de úvea; no entanto, deve ser dada atenção para o controle de possíveis
doenças inflamatórias ou infecciosas. Perfurações esclerais requerem tratamento cirúrgico
para manter a integridade da parede ocular e evitar o risco de infecção potencialmente grave.
Nesses casos, pode-se utilizar enxerto de esclera, fáscia lata, periósteo ou dura-máter, e deve-
se recobrir o enxerto com conjuntiva. O enxerto está indicado quando o afinamento escleral
acomete mais de 66% da espessura escleral. Nos casos mais leves, apenas se recomenda reco-
brimento da área afetada com retalho conjuntival ou membrana amniótica.
TÉCNICA CIRÚRGICA
Emprega-se anestesia subconjuntival com bloqueio do músculo orbicular tipo Van Lint para
diminuir o blefarospasmo. Utiliza-se como anestésico o cloridrato de lidocaína a 2%, com
428 Doenças Externas Oculares e Córnea
tros materiais como pericárdio bovino (Tutoplast), membrana amniótica ou córnea, não têm a
necessidade de ser recobertos por conjuntiva. O uso do material sintético politetrafluoroetile-
no (Gore-Tex) não foi associado a bons resultados.
r
co de Órgãos para a sua realização. O enxerto se integra bem com os tecidos oculares, fato
devido a sua revascularização. Oferece uma ótima resistência, é de fácil manuseio, com boa
moldagem na área de enxertia.
A cirurgia em geral apresenta baixo índice de complicações; a principal é o deslizamento
de pequenas áreas do recobrimento conjuntival. Quando há desnível entre a córnea e a con
juntiva que recobre o enxerto, pode haver formação de dellen corneai; isto pode ser evitado
regularizando-se a espessura do enxerto escleral. Nos casos de utilização de enxerto de peri-
ósteo, a anti-sepsia rigorosa e antibioticoterapia profilática são importantes para evitar infec
ção óssea.
O êxito do tratamento da perfuração escleral requer avaliação cuidadosa do paciente, com
atenção à seleção adequada do material para reconstrução da parede ocular com vistas ao ta
manho e localização do defeito, natureza e controle da doença subjacente.
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Transplante de
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433
434 Doenças Externas Oculares e Córnea
Os mecanismos de ação sintetizados no Quadro 1 ajudam a explicar por que o TMA, ao ser
utilizado na superfície ocular, pode facilitar a epitelização, manter o fenótipo epitelial normal
da conjuntiva (com células caliciformes quando realizado na conjuntiva) e reduzir inflamação,
vascularização e cicatrização. De acordo com esses efeitos terapêuticos, o TMA pode ser in
dicado para a reconstrução da conjuntiva com a finalidade de substituir o estroma e produzir
uma membrana basal saudável para a proliferação e diferenciação epitelial.
O TMA pode ser indicado para a reconstrução da superfície da conjuntiva como uma al
ternativa ao enxerto conjuntival para a remoção de extensas lesões da conjuntiva, tais como
pterígio, neoplasia intraepitelial e tumores da conjuntiva, melanoma conjuntival, tecido cica
tricial, simbléfaro e conjuntivocálaze.
Mecanismos de ação
• Prolonga o período de vida e preserva a cap acid ad e das células g erm in ativas ep iteliais de pro d uzir colônias
• Prom ove a d iferenciação das células não calicifo rm es epiteliais
• Prom ove a d iferenciação das células calicifo rm es qu an d o co m b in ad as com fib ro blasto s co n ju n tivais
• Elim ina células inflam atórias pela ativid ad e antip ro tease
• Sup rim e o sistem a de sin alização de TGF-b e a d iferen ciação m iofib ro blástica dos fib ro blasto s norm ais
Com a utilização da membrana amniótica, a área a ser reconstruída pode ser extensa, com
retirada de todo o tecido isquêmico, permitindo que a borda conjuntival remanescente tenha
um epitélio e um estroma subconjuntival normais.
O TMA associado ao enxerto de esclera mostrou ser eficaz na restauração de perfuração
escleral em pacientes portadores da síndrome de Marfan. Também pode ser usada como en
xerto, substituindo o transplante autólogo de conjuntiva, em vazamento de bolhas filtrantes
pós-cirurgia antiglaucomatosa. Pode ser uma melhor alternativa ao enxerto de mucosa labial e
de conjuntiva em alguns casos de correção plástica de anormalidades nas pálpebras e recons
trução da cavidade orbitária.
Após o diagnóstico confirmado de deficiência das células germinativas do limbo, novas condu
tas, como o TMA e o transplante de células germinativas, podem ser indicadas. O TMA é indi
cado com a intenção de substituir o estroma e produzir uma membrana basal saudável para a
proliferação e diferenciação do epitélio da córnea, e o de limbo é para restaurar a população
de células germinativas (Figs. 1A-F).
Um dos principais avanços realizados pelo TMA foi o fato de a deficiência parcial das cé
lulas germinativas do limbo poder ser reconstruída por essa técnica sem o uso do transplante
de limbo. Inicialmente, esses resultados foram observados em experimentos com coelhos,
sugerindo que pacientes com deficiência parcial das células germinativas do limbo poderiam
ser tratados sem o uso prolongado de imunossupressão sistêmica.
Quando há deficiência total dessas células, está indicado o transplante de células germina
tivas do limbo. Nos casos unilaterais, pode ser utilizado o enxerto autólogo, podendo também
ser associado ao TMA. Já nos casos bilaterais, utiliza-se enxerto alógeno HLA-semelhante, ou
não. A imunossupressão sistêmica é necessária quando o limbo é proveniente de doador HLA
não semelhante. A dificuldade ainda encontrada nos pacientes que sofrem de deficiência das
células germinativas do limbo grave e profunda e que necessitam também de transplante de
córnea, é o fato de ocorrer frequentemente rejeição concomitante do enxerto da córnea.
A membrana amniótica, como enxerto, também pode ser utilizada para o tratamento de
doenças da superfície da córnea. Promove a cura de úlceras persistentes da córnea de etiolo
gias diferentes, incluindo a ceratopatia neurotrófica (Figs. 2A-D). Também auxilia no tratamen
to do afinamento da córnea e esclera de diferentes etiologias, descemetoceles e perfurações
não traumáticas da córnea.
Nos casos de ceratopatia em faixa, o transplante de membrana amniótica foi eficaz na res
tauração do epitélio da córnea, promovendo uma superfície ocular estável.
Um estudo multicêntrico realizado em cinco centros oftalmológicos mostrou que o trans
plante de membrana amniótica pode ser usado para tratar ceratopatia bolhosa sintomática
causada pela cirurgia de catarata ou insuficiência de transplante de córnea.
Posteriormente, outros trabalhos foram publicados mostrando a eficácia da reconstrução
da superfície da córnea e melhora dos sintomas na ceratopatia bolhosa, com o enxerto de
membrana amniótica (Figs. 3A-D).
Transplante de Membrana Amniótica
*
-
4
V.
3,5 m eses
E
Figs. I (A-D) C e ra tite n e u ro tró fic a p o r h e rp e s s im p le s . A. P ré -o p e ra tó rio . Bei. T M A no 6 0 e dia d e pré-
o p e ra tó rio . D. T M A ao s 3,5 m e se s d e p ó s-o p e ra tó rio .
Pré-operatòrio
A membrana amniótica também pode ser utilizada para o tratamento de doenças da superfície
da córnea como curativo, por um período curto ou prolongado. Experimentalmente, quando
usada como curativo por um período curto, essa membrana demonstrou ser capaz de reduzir
a opacidade da córnea após PRK ou PTK, efeito verificado em humanos.
O TMA mostrou ser eficaz em diminuir inflamação da conjuntiva e córnea, promover a
reepitelização e prevenir tecido cicatricial nas queimaduras químicas ou térmicas agudas mo
deradas da superfície ocular de coelhos e humanos.
Devido a essas ações, a membrana amniótica, como curativo, foi utilizada com sucesso na
fase aguda da síndrome de Stevens-Johnson e da necrólise epidérmica tóxica, e também para
suprimir inflamação indesejável em várias doenças da superfície ocular.
Novas pesquisas nessa área podem descobrir aplicações adicionais para o uso da membra
na amniótica como curativo.
LIMITAÇÕES
r
E necessário lembrar que a membrana amniótica não pode ser usada para tratamento de do
enças da superfície ocular caracterizadas pela perda total das células germinativas do epitélio
do limbo ou da conjuntiva.
As defesas da superfície ocular devem ser restauradas antes ou no decorrer da reconstru
ção da superfície ocular pelo transplante de membrana amniótica com ou sem o transplante
de células germinativas do limbo. Os principais tipos de tratamento para manutenção da lu
brificação e da integridade da superfície ocular são: lubrificantes artificiais ou autólogos e/ou
oclusão do ponto lacrimal para deficiência lacrimal aquosa grave, correção de anormalidades
de margem de pálpebra e de problemas que envolvem a implantação dos cílios, tarsorrafia que
diminui a área externa do olho exposto para evitar a exposição da superfície ocular.
440 Doenças Externas Oculares e Córnea
Pacientes com olhos secos graves, apresentando queratinização difusa e isquemia do es
tróina, são casos cuja resposta terapêutica é duvidosa, podendo contraindicar a cirurgia de
reconstrução da superfície ocular por transplante de membrana amniótica e de limbo.
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Transplante de
Células Germinativas
A superfície ocular normal é coberta pelo epitélio conjuntival e o corneai, cada qual com fe-
nótipos celulares correspondentes. A córnea é coberta por um epitélio escamoso estratifica
do com junções intercelulares firmemente aderidas, o que lhe confere uma superfície óptica
adequada. Por outro lado, o epitélio conjuntival contém células caliciformes que produzem a
camada mucosa do filme lacrimal. Esses fenótipos epiteliais são vitais na manutenção da inte
gridade da superfície ocular.
As células germinativas precursoras do epitélio corneai estão localizadas na camada basal
do epitélio límbico, nas chamadas paliçadas de Vogt, principalmente no limbo superior, en
quanto as células germinativas do epitélio conjuntival localizam-se no fundo-de-saco conjun
tival superior.
O crescimento epitelial corneai é centrípeto a partir do limbo, e depende da normalidade
dessas células germinativas.
Diversas são as afecções que provocam deficiência límbica, sendo as mais frequentes as
queimaduras alcalinas, síndrome de Stevens-Johnson, aniridia e múltiplas cirurgias de pterígio.
Nas deficiências límbicas parciais (de até 180°), o limbo não comprometido geralmente é
suficiente para repopular a superfície da córnea com epitélio corneai normal. Nas deficiência
límbicas maiores e totais, porém, o epitélio conjuntival representa a única fonte de regenera
ção epitelial.
O crescimento de epitélio conjuntival na superfície corneai leva a um retardo de epiteli-
zação, com erosões epiteliais recorrentes, úlceras tróficas e, até mesmo, perfuração, ou neo-
vascularização superficial e profunda, pannus corneai, conjuntivalização e queratinização da
superfície corneai.
O tratamento das deficiências límbicas grandes é geralmente cirúrgico, por meio de trans
plante de células germinativas límbicas, a partir do olho contralateral sadio (transplante autó-
logo), no casos de doenças unilaterais, ou a partir de doador cadáver (ceratolímbico), ou de
443
444 Doenças Externas Oculares e Córnea
cesso dos transplantes de limbo. E melhor realizar o transplante de limbo somente depois de
acalmado o processo inflamatório, seja com tratamento clínico ou com transplante de mem
brana amniótica.
Além disso, uma boa lubrificação da superfície corneai também é fundamental para o
crescimento do epitélio corneai, e as doenças que envolvem deficiência límbica apresentam
olho seco concomitante, geralmente de intensidade significativa. O uso de soro autólogo, fe
chamento dos canalículos lacrimais e o transplante de glândulas salivares também se fazem
necessários para melhorar o sucesso do transplante de limbo.
Finalmente, toda a reconstrução palpebral e dos fundos-de-saco, que geralmente também
estão comprometidos nessas afecções, deve ser realizada antes do transplante das células
germinativas.
Técnica cirúrgica
A técnica preconizada no olho doador é a retirada do limbo conjuntival, sem a realização de
ceratectomia periférica, conforme descrita por Pfister e por Kwitko et ai, detalhada a seguir:
1. Anestesia geral ou peribulbar no olho receptor.
2. Um ou dois retalhos de limbo doador são preparados inicialmente, dependendo da gravi
dade da doença de base. Um retalho de limbo conjuntival de 5 mm por 8 mm, incluindo
a área límbica, é dissecado a partir da conjuntiva para o limbo, com lâmina crescente e
tesoura delicada do tipo Vannas (Fig. 1). A extremidade límbica do retalho é cortada com
tesoura de Vannas, com ou sem ceratectomia superficial periférica (limbo ceratocon-
juntival ou conjuntival, respectivamente). O tecido é então removido e mantido com a
superfície epitelial para cima umedecida com solução salina balanceada, até que o leito
receptor seja preparado. Não há necessidade de sutura na região doadora.
3. No olho receptor, realizam-se peritomia 360° e remoção do epitélio corneai ou da
conjuntivalização corneai, se presente (Fig. 2). O retalho de limbo conjuntival é posi
cionado adjacente à região límbica do olho receptor com cola biológica de fibrina ou
suturado com mononáilon® 10-0, nas suturas que envolvem a córnea, e vicryl® 8-0, nas
suturas conjuntivais (Fig. 3).
4. A rotina pós-operatória inclui no olho receptor: a) lente de contato terapêutica ou
oclusão até a total reepitelização corneana ou patch com membrana amniótica; b) as
sociação de antibiótico-corticoide tópico a cada 3 horas; c) lágrima artificial sem con
servante ou soro autólogo de hora/hora até a completa resolução do defeito epitelial.
5. O olho doador recebe associação de antibiótico-corticoide tópico de 3/3 horas e lágri
mas artificiais por pelo menos 1 semana ou até a total cicatrização.
Essa técnica cirúrgica, descrita primeiramente por Nakamura et al. em 2004, propõe uma al
ternativa de tratamento às doenças bilaterais da superfície ocular utilizando como fonte de
células-tronco um tecido cultivado a partir da mucosa oral do próprio paciente. Trata-se de
Transplante de Células Germinativas
um procedimento autólogo com a grande vantagem de não induzir rejeição e não necessitar
imunossupressão sistêmica.
Procedimento cirúrgico
Após remoção do tecido conjuntivalizado sobre a córnea e limbo, é realizada uma aplicação
de mitomicina C a 0,04% sobre a superfície ocular por 5 minutos, seguida de extensa irrigação
com soro fisiológico. A membrana amniótica com o epitélio oral cultivado é então colada ou
suturada sobre a córnea do paciente com mononáilon 10-0. Uma lente de contato terapêutica
pode ser utilizada no final da cirurgia para proteção do tecido transplantado.
Bons resultados também são descritos com a fabricação e cultivo de folhetos de células
epiteliais também a partir de biópsias da mucosa oral que podem ser transferidos para a su
perfície ocular sem suturas e sem a necessidade de um carreador como a membrana amnió
tica.
As células epiteliais cultivadas in vitro, a partir da mucosa oral, demonstraram ter caracte
rísticas histológicas semelhantes àquelas das células epiteliais corneais, como, por exemplo,
positividade à queratina 3 e 12.
Os resultados apresentados são bastante favoráveis, porém séries maiores de casos com
seguimento em longo prazo vão realmente determinar o papel dessa técnica no tratamento
das doenças da superfície ocular.
O transplante alógeno de limbo pode ter como fonte das células germinativas limbo de cadá
ver (transplante ceratolímbico) ou de doador vivo (transplante limbicoconjuntival).
Os transplantes de doador cadáver têm a vantagem de promover um aporte maior de cé
lulas germinativas ao receptor, formando uma barreira mais efetiva à nova conjuntivalização
corneai. Têm, no entanto, o grande inconveniente de representar uma carga antigênica muito
grande, com potencial risco de rejeição. Os transplantes de doador vivo com compatibilidade
HLA têm êxito discretamente inferior, porém com menor necessidade de imunossupressão
sistêmica.
O êxito de qualquer transplante de limbo no primeiro ano de pós-operatório costuma ser
bom, com estabilização da superfície corneai na maioria dos casos.
Um dos grandes problemas, entretanto, é a estabilidade desses resultados em longo prazo.
A perda da transparência corneai e a piora na vascularização corneai ocorrem principalmente
nos casos mais graves (grupo IIc da classificação proposta por Holland, Gomes e Shwartz), de
monstrando talvez rejeição tardia e/ou exaustão da capacidade das células-tronco em manter a
448 Doenças Externas Oculares e Córnea
Há duas diferentes maneiras de preparar o tecido doador de limbo conjuntival a partir de do
adores vivos:
1. Limbo ceratoconjuntival: técnica descrita por Kenyon e Tseng, na qual é realizada uma
ceratectomia superficial periférica para o preparo da retirada do limbo (Fig. 4). Diver
sos estudos clínicos relataram bons resultados com o transplante de limbo efetuado
com essa técnica. A retirada de limbo corneai, entretanto, não está isenta de compli
cações ao olho doador. Estudos experimentais em coelhos concluíram que a retirada
total do limbo, ou mesmo a remoção cirúrgica parcial da zona límbica, pode induzir a
deficiência límbica importante, causando defeitos epiteliais persistentes, vasculariza
ção e conjuntivalização da superfície corneai.
2. Limbiconjuntival: técnica similar à descrita por Kenyon e Tseng, exceto pelo fato de
não ser realizada, nos olhos doadores, a ceratectomia periférica descrita pelos autores
(Fig. 1).
Essa técnica torna o procedimento mais simples e seguro para o olho doador. Utiliza como
fonte doadora a conjuntiva perilímbica, que inclui as paliçadas de Vogt, onde se localizam as
células germinativas e que, provavelmente, são transplantadas em número suficiente para es
timular a proliferação e diferenciação de epitélio corneano normal.
Como os resultados do transplante de limbo com ou sem a ceratectomia periférica nos
olhos doadores são semelhantes, acredita-se que a remoção do limbo conjuntival, sem a cera
tectomia, deva ser a técnica de escolha, pois oferece aos olhos receptores a mesma possibili
dade de êxito, sem aumentar, nos olhos doadores, o risco de dano corneai iatrogênico.
A utilização do doador vivo possibilita que, além do limbo, também seja levado tecido
conjuntival saudável, ao contrário do doador cadáver. Isto é muito importante, principalmente
nos casos de queimaduras químicas nos quais a conjuntiva receptora está geralmente bastante
comprometida. Além disso, a técnica cirúrgica do transplante de limbo com doador vivo é mais
fácil de ser executada do que a do transplante de limbo com doador cadáver.
E P re p a ro do e n x e rto d e lim b o (d o a d o r v iv o ), co m a c e ra
te c to m ia p e rifé ric a .
Transplante de Células Germinativas
Técnica cirúrgica
Idêntica à do transplante autólogo limbiconjuntival descrita anteriormente.
Recomenda-se que doador-receptor sejam ABO compatíveis e grupos HLA Classes I e II
o mais compatíveis possível, para se tentar diminuir a necessidade de imunossupressão sis
têmica. Existe menor incidência de rejeição do enxerto nos pares doador-receptor com com
patibilidade HLA Classes I e II de 75% ou mais. Além disso, deve-se realizar no doador testes
sorológicos para AIDS, hepatites B e C.
Técnica cirúrgica
As técnicas descritas variam basicamente no modo de preparo do tecido doador e no número
de enxertos utilizados. Todas as técnicas exigem bloqueio peribulbar ou anestesia geral, pois
são procedimentos trabalhosos e demorados. As técnicas mais utilizadas são:
crescentes preparadas são posicionadas no limbo e suturadas com mononáilon 10-0 de modo
que não fique nenhum espaço de limbo sem tecido doador; esse detalhe ajuda a prevenir a
invasão de tecido conjuntival vascularizado sobre a córnea.
Técnica de Tsubota
Esse autor utiliza apenas um anel corneoescleral doador, e este é colocado inteiro sobre o lim
bo receptor (Fig. 6). Tsubota, no passado, utilizava o botão central trepanado para realizar um
transplante penetrante logo após a fixação do limbo alógeno. No entanto, altas taxas de rejei
ção do transplante de córnea, apesar do uso de ciclosporina oral, desencorajaram a utilização
simultânea desses procedimentos. Tsubota preconiza o transplante de membrana amniótica,
com a face epitelial voltada para cima, logo após a peritomia 360° e ceratectomia superficial,
cobrindo toda superfície ocular possível. A membrana amniótica pode facilitar a epitelização
e reduzir a inflamação e a fibrose. O anel corneoescleral inteiro, previamente preparado e afi
nado, é suturado sobre a membrana amniótica.
T é c n ic a d e T su b o ta para o tra n s p la n te a lo g ê n ic o d e
lim b o - d o a d o r c a d á v e r.
Técnica de Sundmacher
Outros autores descreveram uma técnica mais simples pela qual a inclusão do epitélio límbico
é realizada a partir de uma trepanação excêntrica do botão corneano doador. Nessa técnica,
o transplante de córnea leva em 1/3 de sua circunferência o tecido límbico do mesmo doador
(Fig. 7). Na série relatada, apesar da utilização de ciclosporina sistêmica, houve cerca de 50%
de taxa de rejeição nos transplantes.
Transplante de Células Germinativas
Os resultados clínicos são promissores, com êxito semelhante aos transplantes convencio
nais de células germinativas.
452 Doenças Externas Oculares e Córnea
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Pterígio
DEFINIÇÃO
A palavra pterígio vem do grego pteron (asa), como referência ao formato do tecido fibrovas-
cular neoformado que delamina centrípeta e superficialmente a córnea e traciona a conjuntiva
bulbar. Essa neoformação triangular ou trapezoidal habitualmente se dispõe ao longo do eixo
horizontal da fenda interpalpebral e, com maior frequência, no limbo medial. O pterígio se
divide em três partes: cabeça (parte corneai), corpo (parte conjuntival) e pescoço, que une as
duas primeiras. Na cabeça, distingue-se uma orla avascular, semitransparente e gelatinosa: a
zona “pelúcida”; proximalmente a ela, existe outra faixa, não transparente, esbranquiçada e
vascularizada: a zona “opaca” do pterígio. O corpo corresponde à porção mais vascularizada,
espessa e proximal do pterígio e que pode atingir a carúncula e “plica” semilunar. A vascula
rização normal da conjuntiva está substancialmente modificada no “corpo” do pterígio e sa
lienta a impressão visual de tração da conjuntiva em direção à área pupilar da córnea (Fig. 1).
EPIDEMIOLOGIA E ETIOPATOGENIA
455
456 Doenças Externas Oculares e Córnea
HISTÓRIA NATURAL
Por razões desconhecidas, o crescimento do pterígio pode parar em qualquer fase de sua evo
lução. A lesão pode permanecer quiescente pelo resto da vida ou voltar a crescer em qualquer
tempo. Os pterígios, na fase atrófica, apresentam uma linha arqueada de depósito de ferro na
frente da cabeça (linha de Stocker). O pterígio, em fase de crescimento ativo, pode alcançar
a metade correspondente da pupila sem ultrapassá-la. A maioria dos pterígios origina-se na
conjuntiva bulbar nasal. Ambos os olhos são comumente envolvidos, mas frequentemente de
forma assimétrica.
O crescimento do pterígio sobre a córnea, além de causar sintomas (sensação de corpo
estranho, ardor, irritação e lacrimejamento), pode desencadear astigmatismo irregular e con
sequente alteração visual. O efeito do pterígio sobre a curvatura corneai consiste em aplana-
mento da metade nasal corneana em casos de pterígio nasal. O aplanamento causa alteração
do valor da refração no meridiano horizontal em média de 1 a 2,5 D, ou seja, um astigmatismo
hipermetrópico com a regra. O eixo do astigmatismo positivo, necessário para corrigir esse
astigmatismo, geralmente é perpendicular ao eixo do pterígio, entre 75° e 90° para o olho di
reito e entre 90° e 105° para o olho esquerdo.
Pterígio
MORFOLOGIA
Os pterígios são classificados em três tipos. O pterígio tipo I apresenta o corpo bem definido
e a cabeça avança sobre a córnea menos que 2 mm. 0 pterígio tipo II (primário ou recorrente)
estende-se sobre a córnea por cerca de 2 a 4 mm, podendo induzir astigmatismo e redução
de acuidade visual. O pterígio tipo III (primário ou recorrente) avança sobre a córnea por mais
de 4 mm, entrando na zona óptica e causando redução de acuidade visual. Geralmente está
associado a extensa fibrose subconjuntival, algumas vezes levando à limitação de motilidade
ocular extrínseca e diplopia.
O maior desafio associado ao tratamento cirúrgico do pterígio é a sua recorrência, que
pode ser conjuntival e corneana. A maioria dos estudos refere-se à recorrência corneana, evi
denciada pelo crescimento de tecido fibrovascular sobre a córnea. Nela estão excluídas as
persistências de vasos e de cicatriz corneana que podem restar mesmo com adequada remo
ção do pterígio. Uma forma de graduar a recorrência considera que, na recorrência grau 1, a
aparência no local de excisão do pterígio é normal; no grau 2, há presença de vasos episclerais
finos estendendo-se até o limbo; no grau 3, adicionalmente, há a presença de tecido fibroso
no local de excisão do pterígio; e, no grau 4, existe crescimento de tecido fibrovascular sobre
a córnea. O seguimento de no mínimo 1 ano é necessário para identificar adequadamente a
maioria das recorrências.
CONDUTA
pode-se utilizar a membrana amniótica e, sobre ela, fixar um ou mais fragmentos de conjun
tiva que contribuem para a epitelização mais precoce dessa área. Durante a cirurgia, após a
remoção do tecido fibroso hiperplásico, são feitas duas aplicações de 0,1 ml de acetonida de
triancinolona (20 mg/ml) em áreas de conjuntiva normal adjacentes às margens do tecido fi-
brovascular excisado. Da mesma forma no pós-operatório, se áreas de marcada proliferação
fibrovascular ou vasos conjuntivais congestos são notadas próximos ou na área de ressecção
do pterígio, nova aplicação subconjuntival de 0,1 ml de acetonida de triancinolona (20 mg/ml)
é feita. A aplicação da medicação ocorre em conjuntiva normal adjacente à margem da área de
proliferação fibrovascular ou de neovasos congestos.
TRANSPLANTE DE CONJUNTIVA
Para maior segurança no uso perioperatório da MMC, com o objetivo de evitar o contato do
fármaco com a área corneana desepitelizada durante a ressecção da cabeça do pterígio, a ci
rurgia inicia-se pela realização de peritomia límbica (Fig. 3A). Em seguida, o plano límbico é
aprofundado e o pescoço do pterígio é incisado com tesoura de Wescott, separando-se, assim,
a cabeça do corpo do pterígio. A seguir, separa-se o corpo do pterígio da episclera subjacente,
da conjuntiva, da Tenon e das expansões musculares, para permitir sua ressecção. O sangra-
mento é controlado com diatermia parcimoniosa. A seguir, uma esponja de celulose embebi
da com VIMC a 0,02% é aplicada durante 3 minutos sobre a área de esclera exposta (Fig. 3B).
Após a remoção da esponja, essa área deve ser irrigada com no mínimo 60 ml de BSS ou de
solução fisiológica de cloreto de sódio (Fig. 3C). Nesse tempo, resseca-se a cabeça do pterígio
com bisturi lâmina 15, realizando-se a dissecção com profundidade mínima necessária para a
obtenção de completa excisão. Finalmente, a área de esclera exposta é coberta deslizando-se
um retalho conjuntival superior, que deve ser suturado com pontos separados com vicryl 8-0
(Fig. 3D). Após oclusão por 24 horas, instila-se colírio contendo associação de antibiótico de
amplo espectro e dexametasona; 1 gota de 6/6 horas durante 3 a 4 semanas.
460 Doenças Externas Oculares e Córnea
COLA DE FIBRINA
A cola de fibrina (Tisseel) tem sido usada na cirurgia do pterígio como alternativa ao emprego
de suturas para fixação da conjuntiva ou membrana amniótica transplantada. O uso do adesivo
tissular encurta significativamente o tempo cirúrgico e promove maior conforto pós-opera
tório. Alguns autores sugerem que a adesão imediata do enxerto e a redução da inflamação
pós-operatória pode inibir a proliferação de fibroblastos e reduzir a taxa de recorrência. Com
a utilização da cola de fibrina, o deslocamento ou perda do tecido enxertado ocorre muito es
poradicamente. Dificuldades na popularização do uso da cola de fibrina estão relacionadas ao
custo e ao risco potencial de transmissão de infecção. A taxa de recorrência do pterígio primá
rio com a utilização de cola de fibrina varia de cerca de 5 a 25%. Mais estudos são necessários
para avaliar a eficácia no longo prazo da cola de fibrina em reduzir recorrências.
CERATOPLASTIA LAMELAR
A ceratoplastia lamelar tem sido usada na cirurgia do pterígio para atuar como barreira contra
a recorrência, substituindo o tecido corneai alterado e restaurando a espessura local afetada
pela excisão do pterígio. As taxas de recorrência com essa técnica variam de 6 a 100%, pare
cendo não oferecer nenhuma vantagem adicional na prevenção da recorrência. A principal li
mitação está no risco de rejeição do tecido transplantado e no risco potencial de transmissão
de infecção, além de aumentar a complexidade do procedimento.
Quando se fala sobre cirurgia do pterígio, costuma-se dizer que o número de técnicas cirúr
gicas rivaliza com o número de cirurgiões: excisão simples - esclera exposta, fechamento
462 Doenças Externas Oculares e Córnea
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Transplante de
Córnea Penetrante
J O S É A N T O N IO A L M E ID A M IL A N I
CONCEITOS BÁSICOS
Imunobiologia do transplante
A ntígenos de histocom patibilidade
E possível que um enxerto seja rejeitado mesmo quando o doador e receptor são compa
tíveis no sistema HLA. Há outros antígenos de histocompatibilidade menores, como sistema
ABO, antígenos Lewis, antígenos ligados ao sexo e os sistemas de monócitos e endotelial. Um
estudo multicêntrico de enxertos com alto risco de rejeição não encontrou diferença na inci
dência de rejeição com o uso da compatibilidade ao sistema HLA.
465
466 Doenças Externas Oculares e Córnea
A córnea apresenta rejeição com menor frequência do que outros tecidos ou órgão transplanta
do, originando o conceito de “privilégio imunológico da córnea” e de que os enxertos de córnea
estariam relativamente protegidos de destruição pelo sistema imune. Esse “privilégio imuno
lógico” é o resultado de um relativo isolamento ao sistema imune, devido à ausência de vasos
linfáticos e vascularização na córnea em seu estado normal. Quando há vascularização do leito
receptor, o enxerto é rejeitado com maior frequência do que no leito corneal avascular.
A avascularidade da córnea limita o acesso do sistema imune ao segmento anterior do
olho. A ausência de vasos linfáticos previne o acesso de antígenos e células apresentadoras de
antígenos (APC) aos reservatórios de células T (linfonodos). A pequena expressão dos antíge
nos MHC (major histocompatibility complex) pela córnea restringe os alvos da resposta imune. A
expressão ocular de fatores imunomoduladores TGF-(3, a-MSH inibem a ativação das células
T e do complemento. A expressão de CD95 (Fas) pode induzir a apoptose das células T Fas +
estimuladas.
No transplante penetrante de córnea, o endotélio transplantado induz uma tolerância
imunológica por meio do desvio imune associado à câmara anterior (anterior chamber-associa
ted immune deviation-ACAID) que envolve o desenvolvimento de células T supressoras.
Há liberação de antígenos das células endoteliais doadoras no humor aquoso que, pre
sumivelmente, são reconhecidos pelas células dendríticas da íris e corpo ciliar; essas células
apresentadoras de antígenos entram na circulação venosa através do canal de Schlemm e veias
aquosas e induzem a formação de células T reguladoras no baço.
Córnea de criança menor que 12 meses resulta em alto astigmatismo ou miopia no pós-
operatório, e córnea acima de 70 anos de idade tende a ter uma contagem de células endote-
liais menor que a desejável.
ABORDAGEM CLÍNICO-CIRÚRGICA
O termo ceratoplastia parcial penetrante (CPP) comumente é usado para a troca cirúrgica de
r
uma porção da córnea receptora por uma de um olho doador. E um transplante homólogo
quando o doador é outra pessoa, e autólogo quando é da mesma pessoa (olho contralateral ou
do mesmo olho). Várias melhorias no instrumental de microcirurgia, material de sutura, meio
de preservação e controle médico do pós-operatório (fármacos anti-inflamatórios e imunossu-
pressores) permitiram obter resultados progressivamente melhores e expandir consideravel
mente as indicações do transplante de córnea.
A principal indicação para CPP é baixa acuidade visual secundária à opacidade corneai.
Outras indicações são: tratamento de afilamento ou perfuração corneai, alívio da dor, remoção
de foco infeccioso ou neoplasia e cosmética.
Todos os oftalmologistas devem estar familiarizados com as complicações pós-operató
rias da CPP, pois estas requerem intervenção imediata para salvarem o enxerto e nem sempre
há disponibilidade de se ter contato com o cirurgião que operou.
Avaliação pré-operatória
O cirurgião de córnea deve ter uma perfeita compreensão da doença que irá tratar e as dificul
dades que encontrará no pós-operatório para obter um bom resultado no tratamento.
Da mesma maneira, deve compreender as expectativas do doente em relação à cirurgia e
se as mesmas são realísticas.
O doente deve ser informado da necessidade de seguimento prolongado, do uso de medi
cação e seus efeitos colaterais, da possibilidade de rejeição, sobre a retirada dos pontos e do
tempo para conseguir uma boa acuidade visual, da eventual necessidade do uso de lentes de
contato, óculos e da ocorrência de anisometropia.
r
do para a trepanação ser vertical e bem centrada na córnea (Figs. IA e B). O restante do anel
doador e meio de preservação são enviados para cultura.
Enquanto aguarda para ser suturado ao leito receptor, o botão doador deve ser recoberto
com o meio de preservação para evitar lesão endotelial.
O botão doador também pode ser trepanado de um olho doador inteiro pelo lado epite-
lial, segurando-se o olho doador com uma gaze ao nível do equador com a mão esquerda e
mantendo o olho com uma PIO ao redor de 30 mmHg, faz-se a desepitelização com gaze e a
trepanação da face epitelial para a endotelial com um trépano, fazendo-o girar de 180° para a
direita e esquerda e, se necessário, completa-se a trepanação com tesoura de córnea, após ter
penetrado a câmara anterior (Figs. 2A-D).
Usualmente, trepana-se o botão doador com um diâmetro de 0,25 a 0,50 mm maior que o
leito receptor. Essa diferença de tamanho reduz o glaucoma pós-operatório, facilita a sutura a
prova de vazamento do aquoso, previne a formação de sinequia anterior, previne o aplanamento
da córnea pela sutura e leva mais células endoteliais para o olho receptor. Em casos especiais em
que se deseja uma córnea mais plana para corrigir também erro refracional (em casos de cera-
tocone), pode-se utilizar botão doador do mesmo tamanho que o leito receptor, porém a sutura
a prova de vazamento do aquoso será mais difícil do que quando há disparidade de tamanho.
Sutura
O botão doador é suturado com mononáilon 10-0 com, no mínimo, 4 pontos separados e
diametralmente opostos. Deve-se ter o máximo de cuidado na colocação desses pontos para
Transplante de Córnea Penetrante
evitar que haja rotação do enxerto em relação ao leito receptor e que as suturas sejam diame
tralmente opostas, evitando, assim, que ocorram distorções do botão doador e indução de
astigmatismo no pós-operatório (Fig. 3D).
A sutura pode ser completada com pontos separados, sutura contínua ou combinação das
duas (Figs. 3E e F).
r
E importante que, durante a sutura, os pontos sejam simétricos e a tensão adequada para
reduzir a indução de astigmatismo. Pode-se utilizar de ceratoscopia perioperatória para auxi
liar no controle do astigmatismo.
Vazamento de aquoso pela incisão, pequenos vazamentos que não causem atalamia fre
quentemente fecham espontaneamente e podem ser tratados com observação, curativo
oclusivo, lente de contato terapêutica e, se persistirem por mais de 3 dias, é aconselhável
suturar o local do vazamento. Sempre ao final da cirurgia, deve-se testar a incisão para a
presença de vazamentos.
Câmara anterior rasa e olho hipotônico e sem Seidel podem ser causados por inibição do
corpo ciliar ou descolamento de coroide. Trata-se com repouso, curativo oclusivo, ciclople-
gia, caso haja persistência ou atalamia. Deve-se reformar a câmara anterior com solução
salina balanceada e drenagem do descolamento de coroide.
Câmara anterior rasa com hipertensão ocular - devemos pensar em bloqueio pupilar ou
glaucoma maligno; o tratamento é realizado com cicloplegia, manitol endovenoso, inibidor
da anidrase carbônica de uso tópico ou por via oral e, eventualmente, com iridectomia pe
riférica, aspiração do vítreo e reformando a câmara anterior.
r
íris aderida à incisão - deve-se procurar a causa (deiscência da sutura ou aumento da pres
são da câmara posterior), tratá-la e liberar a sinequia por meio de uma paracentese límbica,
e, com o uso de viscoelástico e uma espátula, desfazê-la.
Defeito epitelial persistente - defeito epitelial é comum após ceratoplastia, porém deve
fechar em 14 dias. Após esse período podem ocorrer ulceração ou opacidade do estroma
corneai. Devem-se avaliar doenças da superfície ocular (olho seco, exposição, rosácea, ble
farite, triquíase, toxicidade medicamentosa) e tratá-las adequadamente. Pode ser útil o uso
de lubrificantes sem preservativo, oclusão da pálpebra, oclusão do ponto lacrimal, lente de
contato terapêutica ou tarsorrafia.
Defeito endotelial primário - ocorre por má seleção do doador ou traumatismo excessivo
durante a cirurgia. O enxerto está edemaciado desde o primeiro dia de pós-operatório sem
sinais de inflamação. Pode-se aguardar algumas semanas por uma resolução espontânea do
edema e, então, considerar um retransplante.
Glaucoma, aumento da PIO - pode ocorrer a qualquer tempo após a ceratoplastia, e pode
ser causado por: a) glaucoma que tenha passado despercebido no pré-operatório; b) seque
las inflamatórias que produzem sinequias no seio camerular; c) sutura demasiado apertada
que possa produzir compressão do ângulo ou vazamento do aquoso pela incisão, com per
da da câmara anterior e aderência iridocorneal; d) glaucoma cortisônico. Devemos reconhe
cer e tratar rapidamente um aumento da PIO, em olho operado de ceratoplastia, para evitar
dano às células endoteliais; o tratamento é feito, inicialmente, com terapêutica clínica e, se
não é suficiente, com terapêutica cirúrgica (cirurgia filtrante).
Catarata - pode ser causada pelo uso de corticosteroides no pós-operatório (geralmente
opacidade subcapsular posterior), ou preexistente e agravada pelo traumatismo cirúrgico.
Endoftalmite - após ceratoplastia, pode ocorrer por contaminação intraoperatória, con
taminação do botão doador ou invasão pós-operatória de microrganismos. O tratamento
com antibioticoterapia precoce e intensiva pode salvar alguns olhos, porém o prognóstico
é reservado.
Recorrência da doença primária - as recidivas das ceratites bacteriana, fúngica, virai ou por
ameba, assim como a distrofia, podem ocorrer no botão doador, e o tratamento é direcio-
Transplante de Córnea Penetrante
nado para o agente causador nas infecções recorrentes, podendo ser necessário o retrans-
plante na recidiva da distrofia corneai se ocupar o eixo visual.
Complicações relacionadas à sutura:
• Excessivamente apertada.
• Frouxa (resultado da contração da cicatriz, quebra do fio ou erosão do tecido pela su
tura).
• Abscesso infeccioso (sutura exposta, frouxa ou rota).
• Infiltrado não infeccioso.
• Vascularização da sutura.
• Conjuntivite papilar gigante por ponto exposto.
A rejeição do enxerto homólogo raramente ocorre antes de 2 semanas e pode ocorrer tardia-
mente após anos de um enxerto bem-sucedido. São fatores de risco a vascularização do leito
receptor e receptores jovens. Todas as camadas da córnea são suscetíveis de sofrer rejeição,
como já foi demonstrado por Khodadoust. Se um episódio de rejeição é diagnosticado preco
cemente e adequadamente tratado, é possível que o enxerto permaneça transparente.
A rejeição pode assumir três formas clínicas, que podem ocorrer isoladas ou em
combinação:
Rejeição epitelial: pode ocorrer no período pós-operatório precoce (1 a 13 meses), pois as
células epiteliais do doador são substituídas pelas do receptor; a sua importância reside no
fato de preceder a rejeição endotelial. Apresenta-se como uma linha epitelial elevada que
avança centripetamente no botão doador.
476 Doenças Externas Oculares e Córnea
Tratam ento
r
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Transplante de
Córnea em Crianças
M A R IA E M ÍL IA X A V IE R D O S S A N T O S A R A Ú J O
INTRODUÇÃO
INDICAÇÕES
em 62,8% dos pacientes. Diferente das indicações na índia, onde opacidade corneai adquirida
(infecciosa) ocorreu em 77,3% e, na Nova Zelândia, 84%.
479
480 Doenças Externas Oculares e Córnea
Nos EUA, cerca de 2% (n = 600) dos transplantes realizados a cada ano são em crianças;
do total de 400 transplantes feitos na população pediátrica, 55% dos olhos tinham opacidade
congênita e 45% adquirida.
Quando a opacidade corneai é bilateral, não há dúvida quanto à indicação do transplante,
se a criança tem potencial de visão. Os casos unilaterais devem ser avaliados individualmente.
Nas opacidades adquiridas, a criança teve estímulo visual antes do evento, o que teoricamente
aumenta as chances de recuperação visual. Na opacidade congênita unilateral vai depender
da doença, potencial visual, envolvimento do segmento posterior, associação com glaucoma,
idade da primeira avaliação oftalmológica etc., para ser decidida a intervenção.
Devido ao risco anestésico e à complexidade técnica, a idade indicada para realizar o
transplante é controversa, e o tempo ideal, segundo alguns autores, seria entre 8 e 12 sema
nas. O tempo entre a cirurgia dos dois olhos, nas opacidades bilaterais, varia de 1 a 6 semanas,
embora na nossa prática aguardamos em média 3 meses.
Por motivos didáticos, as opacidades corneais são classificadas em congênitas e adqui
ridas, traumáticas e não traumáticas. As principais opacidades congênitas indicadas para
transplante são:
Peters
A anomalia de Peters é uma malformação congênita do segmento anterior causada por anorma
lidade na migração das células da crista neural que originam o estroma e o endotélio corneai.
Aproximadamente 80% dos casos são bilaterais, mas frequentemente assimétricos.
r
Esclerocórnea
r
E um tipo de disgenesia causada por anormalidade na migração das células da crista neural,
que ocorre provavelmente na sétima semana de gestação. A herança autossômica dominante
ou recessiva é descrita, assim como aparecimento esporádico.
Clinicamente, é uma opacidade difusa da córnea com o centro menos denso, ou periférica.
r
crista neural. E caracterizada por edema de córnea difuso, com aspecto de “vidro fosco”, bila
teral e geralmente simétrico, com apresentação ao nascimento ou mais tardiamente.
Segundo o padrão de herança, dois tipos são descritos: o autossômico recessivo ou o do
minante. O recessivo apresenta-se com edema ao nascimento, geralmente não progressivo, e
nistagmo devido à acentuada baixa acuidade visual. O tipo autossômico dominante apresenta
epífora e fotofobia, e subsequente edema corneai progressivo, geralmente no primeiro ou
segundo ano de vida.
GLAUCOMA CONGÊNITO
câmara anterior. A incidência varia de 1:1.250 a 1:22.000. E bilateral em 75% dos casos e tem
predileção pelo sexo masculino. Para os casos familiais, a doença é transmitida por herança
autossômica recessiva com penetração variável, embora um grande número apresente forma
esporádica.
O paciente apresenta a tríade clássica de epífora, fotofobia e blefarospasmo. A elevada
pressão ocular causa edema corneai e roturas da membrana de Descemet (estrias de Haab). Se
a pressão não for controlada no período de 6 meses, ocorrem aumento do diâmetro corneai e
do bulbo ocular (buftalmo) e escavação do nervo óptico. O edema corneai geralmente regride
com o tratamento, sendo incomum a indicação para transplante de córnea.
A sobrevivência de transplante em glaucoma congênito varia de 0 a 100%. No estudo reali
zado na UNIFESP, 44,5% dos enxertos sobreviveram no seguimento médio de 2 anos. Esse grupo
é de prognóstico mais reservado por serem olhos com cirurgias prévias de glaucoma, buftalmo,
crianças com menos de 7 anos e glaucoma avançado. Diferente de trabalho anterior em adultos,
os enxertos com tubo de drenagem tiveram sobrevivência maior que o grupo sem tubo. Pacien
tes com glaucoma sem controle devem ter o transplante de córnea contraindicado.
Transplante de córnea em crianças com glaucoma congênito deve ser indicado em acome
timento corneai bilateral com baixa acuidade visual grave, e o controle do glaucoma é funda
mental para a sobrevivência do enxerto.
482 Doenças Externas Oculares e Córnea
DOENÇAS METABÓLICAS
TUMORES
Dermoide epibulbar
r
E um tumor classificado como coristoma por conter elementos celulares não encontrados nor
malmente no local de origem, que aparecem nas regiões limbar e temporal da conjuntiva. Está
presente ao nascimento e tem pouco ou nenhum potencial para crescimento.
O dermoide limbar é um tumor sólido, bem definido, constituído de estroma com coláge-
no denso interceptado por folículos pilosos, glândulas sebáceas e sudoríparas e coberto por
r
Avaliação pré-operatória
A avaliação pré-operatória inclui anamnese completa, precisando a idade de início da doença,
identificação de doenças na gravidez, doenças familiares e parentesco entre os pais.
A acuidade visual é de fundamental importância, visto que o ganho visual pós-operatório,
principalmente nas opacidades congênitas, é limitado. O reflexo pupilar, a resposta ao estí
mulo luminoso, o reflexo de “fixar e seguir” objetos e a presença de estrabismo auxiliam na
avaliação visual. Pode ser pesquisada através do olhar preferencial, com cartões de acuidade
de Teller (CAT), a partir de 2 meses a 3 anos de idade. Após essa idade, com os optótipos de
Snellen. O potencial visual evocado é indicado quando não for possível avaliar a presença de
percepção luminosa.
O exame oftalmológico muitas vezes requer narcose para avaliar o segmento anterior,
medir o diâmetro corneai para diagnóstico de microcórnea e aferir a pressão ocular. Difícil-
Transplante de Córnea em Crianças
TRATAMENTO CIRÚRGICO
Na legislação brasileira, a criança menor de 7 anos, com opacidade de córnea bilateral, tem
prioridade na inscrição para aguardar o tecido, ou seja, não entra na fila de espera normal. A
córnea usada deve ter uma densidade elevada de células endoteliais devido ao tempo estima
do de vida da criança e às complicações pós-operatórias mais frequentes.
A cirurgia é realizada sob anestesia geral, mantendo em plano profundo para evitar o risco
de reagir o olho estando aberto.
Diminuir a pressão ocular com massagem ocular, baroftalmo e cantotomia lateral, se ne
cessário. Manitol endovenoso é usado em pacientes com glaucoma associado.
Como a esclera é elástica, um suporte (anel de Flieringa) deve ser fixado na episclera com
vicryl 6-0 ou 7-0, para evitar o colapso do bulbo e extrusão espontânea do cristalino.
O diâmetro do botão corneai receptor é variável; após a medida do diâmetro da córnea
receptora, o diâmetro escolhido deve manter 1,5 a 2,0 mm de rima corneana receptora. No
estudo multicêntrico de Dana et aL, o diâmetro médio de 161 transplantes realizados foi de
7,1 mm. Não há necessidade de diminuir o tamanho do enxerto se o diâmetro corneai for
normal, visto que, ao reduzir de 8,0 para 6,0 mm, há uma perda de 45% de células endoteliais
transplantadas. A diferença entre o botão doador e receptor deve ser = 0,5 mm para melhor
coaptação das bordas e cicatrização e diminuir os riscos de sinequias anteriores.
r
E importante usar viscoelástico na câmara anterior para diminuir a perda endotelial e man
ter o diafragma iridocristaliniano afastado da córnea.
Os procedimentos cirúrgicos necessários devem ser realizados com precisão, como sine-
quiálise, pupiloplastia e facectomia (lensectomia), se o cristalino estiver envolvido.
A sutura deve ser realizada com pontos separados e com número de pontos necessários
para uma boa coaptação das bordas; preconizam-se 24 pontos devido ao elevado risco de
trauma e deiscência da sutura. Dexametasona e antibiótico (gentamicina) subconjuntival são
usados no final da cirurgia.
484 Doenças Externas Oculares e Córnea
CUIDADO PÓS-OPERATÓRIO
COMPLICAÇÕES
para cultura e antibiograma, bem como instilação de colírios fortificados (cefalosporina e ami-
noglicosídeo).
A incidência de glaucoma pós-transplante em criança varia de 4 a 9%. O risco de aumento
da pressão ocular (PO) pós-transplante pediátrico pode ser devido a deformidades congênitas
no ângulo, formação de sinequias anteriores periféricas, além do uso prolongado de corticoi-
de. Pacientes com glaucoma congênito prévio, mesmo com a PIO controlada previamente,
evoluem com hipertensão ocular no pós-operatório em 100% dos casos. No estudo de Dana et
a/., 20% das crianças tinham glaucoma antes do transplante, 29% necessitaram de tratamento
para aumento da PIO no pós e 15% de cirurgia filtrante.
Outras complicações descritas são deiscência de sutura (2 a 10%), catarata (2 a 8%), des
colamento de retina (3 a 5%), perda espontânea do cristalino (1 a 2%), endoftalmite (1 a 2%) e
phthisis bulbi (4 a 13%).
RESULTADOS
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Transplantes Lamelares
e o Uso do La ser de
Femtossegundo
LUÍS FELIPE LYNCH • LUCIENE BARBOSA DE SOUSA
Definição: Transplante lamelar é todo aquele em que há uma troca parcial de tecido corneano.
Podem ser anteriores ou posteriores.
Diversas classificações existem para as várias técnicas realizadas e, provavelmente, novas
classificações devem surgir, visto que se trata de técnicas que vêm sendo modificadas a cada
dia. Apresentamos aqui as que são mais didáticas e facilitam o entendimento.
Classificação de John-Malbran para transplantes lamelares anteriores. Leva em considera
ção a profundidade do estróina trocado.
Essa classificação engloba os tipos mais comuns de transplantes lamelares anteriores rea
lizados atualmente em nosso meio. Como exemplo de SALK e MALK, temos o FAALK (Femtose-
concl Assistecl Anterior Lamelar Keratoplasty), que é um transplante sem sutura realizado quando
há opacidades corneanas do estroma superficial; pode ser feito de até 200 pm, por isso pode
ser classificado como SALK e MALK. Como exemplo de DALK, temos a grande maioria dos
transplantes lamelares realizados manualmente ou com diversas técnicas de dissecção profun
da, mas que não separam a Descemet do estroma. Como exemplo de TALK, temos a transplan
te lamelar anterior com a técnica da “fí/g bubble”, onde é separada a Descemet do estroma.
No dia a dia, entende-se como DALK a maioria de técnicas que retiram a maior parte do es
troma, podendo ou não retirá-lo por completo. Nos próximos anos, com a maior popularização
das diversas técnicas, classificações mais apropriadas e de fácil entendimento devem surgir.
489
490 Doenças Externas Oculares e Córnea
A troca da córnea doente por uma córnea sadia é descrita desde a antiguidade com relatos na
Grécia antiga sobre tal possibilidade; entretanto, séculos foram necessários para que isso se
tornasse uma realidade. Em meados de 1800, começaram os estudos que tornaram possível
essa realidade, sendo os transplantes lamelares os primeiros a serem estudados. Em 1824,
Reisinger utilizou o termo ceratoplastia para transplantes em animais. Em 1839, Kónigshofer
foi pioneiro da ideia de ceratoplastias lamelares homólogas e heterólogas em animais. Muehl-
bauer tenta, um ano após, fazer um transplante lamelar triangular em um paciente utilizando
córnea doada de ovelha; embora sem sucesso, descreveu a técnica utilizada para transplante
lamelar deixando as camadas posteriores da córnea.
Passado esse período inicial, em 1878 foi inventado por Arthur Von Hippel o trépano me
cânico circular, o que veio a modificar a técnica utilizada, e, finalmente, em 1888 o próprio
Arthur Von Hippel fez o primeiro transplante lamelar de córnea com sucesso. Embora tenha
sido pioneiro com a técnica descrita e bem-sucedido com os resultados iniciais obtidos, a sua
técnica laboriosa foi colocada de lado pela maioria dos cirurgiões.
Em 1905, Edward Zirm fez a primeira ceratoplastia penetrante com sucesso em um pa
ciente. Nos anos decorrentes, a ceratoplastia penetrante deixou de ser uma cirurgia quase
experimental para se tornar uma prática cada vez mais presente no arsenal de opções da ci
rurgia oftalmológica, havendo um predomínio do transplante penetrante sobre a ceratoplastia
lamelar em virtude da facilidade da técnica cirúrgica e dos melhores resultados visuais.
Nos anos seguintes, as evoluções da técnica cirúrgica, do material utilizado, dos microscó
pios cirúrgicos e do conhecimento sobre a imunobiologia dos transplantes levaram a melhoras
cada vez mais significativas nos resultados dos transplantes penetrantes, com popularização
mundial da técnica e consagração do transplante penetrante.
Transplantes Lamelares e o Uso do Loser de Femtossegundo
Enquanto isso, a ceratoplastia lamelar era colocada em plano secundário e, embora nomes
consagrados, como Paton (criador do primeiro banco de olhos dos Estados Unidos em 1940),
publicassem artigos relatando sua importância, a dificuldade técnica e a menor acuidade visual
final ainda eram grandes empecilhos para sua realização.
técnica através de incisão superior. E apenas em 1998 que se lançam as diretrizes que fazem
a técnica evoluir ao que temos nos dias atuais. Gerrit Melles descreve a técnica de transplante
lamelar posterior utilizando ar para adesão do botão doador e a chama de “PLK - Posterior La
mellar Keratolasty” . Essa técnica consiste na dissecção manual de camadas profundas do estró
ina do paciente receptor e doador e troca de ambas através de incisão limboescleral. Em 2000,
Mark Terry, modificando a técnica proposta inicialmente por Melles, faz o primeiro transplante
endotelial nos Estados Unidos e o denomina “DLEK - Deep Lamellar Endothelial Keratoplasty” .
Alguns anos depois, modificações nos levam para incisões menores de 5 mm e começam
a surgir diferentes técnicas para inserção do botão doado, porém a necessidade de dissecção
da córnea doada e receptora tornam a cirurgia tecnicamente difícil e de pouca aceitação. Foi
a partir de 2004, quando se iniciou a realização do stripping ou arrancamento da membrana
de Descemet do receptor e colocação do botão doado sob o estróina receptor, que a técnica
começou a ganhar adeptos, uma vez que a dificuldade diminuía significativamente quando
não se fazia necessária a dissecção do estroma do receptor. Em 2005, a cirurgia é renomeada
por Price para DSEK Descemet’s Stripping Endotelial Keratoplasty e, em 2006, Gorovoy descreve
a utilização de microcerátomo na preparação do botão doador, facilitando ainda mais o pro-
492 Doenças Externas Oculares e Córnea
cesso cirúrgico e nomeando a técnica para DSAEK Descemet’s Stripping Automated Endothelial
Keratoplasty, a qual é a técnica atualmente predominante.
Em 2006 foi descrita por Melles uma nova técnica, pela qual apenas a membrana de Desce-
met e endotélio são trocados, a chamada DMEK Descemet Membrane Endothelial Keratoplasty. Essa
técnica permite uma melhor recuperação da acuidade visual e menores índices de descolamento
do botão, entretanto apresenta dificuldade na execução e elevada possibilidade de perda da cór
nea doada na preparação do botão, o que a torna de difícil aceitação pela maioria dos cirurgiões.
Novas variações da técnica vêm sendo publicadas, e é possível que, nos próximos anos, variantes
da mesma venham a mudar o cenário das técnicas de transplantes endoteliais.
Com a melhora da técnica cirúrgica, as antigas desvantagens dos transplantes lamelares foram
gradativamente diminuindo. Estudos recentes mostram que a acuidade visual final pode ser
semelhante na maioria dos pacientes, tanto para transplantes anteriores como posteriores.
Atualmente, as inúmeras vantagens vêm tornando os transplantes lamelares a primeira opção
da maioria dos cirurgiões, quando possíveis.
■ Vantagens dos transplantes lamelares anteriores em relação ao transplante penetrante.
• Menos chances de complicações cirúrgicas intraoperatórias:
- Hemorragias expulsivas.
- Manipulação da íris e cristalino.
• Menos chances de complicações cirúrgicas pós-operatórias:
- Endoftalmite.
- Hifema.
- Sinequias anteriores e glaucoma.
Diminuição dos índices de rejeição:
- Aumento das taxas de sobrevida do transplante.
• Manutenção da integridade do globo ocular:
- Maior resistência do globo a esforços físicos.
- Maior resistência a traumas.
Vantagens dos transplantes lamelares posteriores em relação ao transplante penetrante.
Menos chances de complicações cirúrgicas intraoperatórias:
- Hemorragias expulsivas
Mantêm topografia inicial do paciente:
- Possibilitam melhor cálculo de LIO em procedimentos combinados.
• Menos chances de complicações cirúrgicas pós-operatórias:
- Infecções.
- Complicações relacionadas à incisão.
- Complicações relacionadas à sutura.
- Olho seco.
• Ausência de pontos do transplante.
• Diminuição dos índices de rejeição:
- Aumento das taxas de sobrevida do transplante.
• Manutenção da integridade do globo ocular:
- Maior resistência do globo a esforços físicos.
Maior resistência a traumas.
• Reabilitação visual mais rápida e sem necessidade de uso de lentes de contato.
Desvantagens dos transplantes lamelares anteriores em relação ao transplante penetrante.
Técnica mais laboriosa, com aumento do tempo cirúrgico.
• Alterações da interface doador-receptor.
Transplantes Lamelares e o Uso do Laser de Femtossegundo
e rápida recuperação visual podem permitir dar alta ao paciente em poucas semanas, pratica
mente mantendo o grau de correção usado anteriormente.
As vantagens de ambas as técnicas têm obrigado muitos cirurgiões a realizá-las por exi
gência dos próprios pacientes, que buscam as melhores opções para seus casos e têm acesso
a informação de diversas formas. Cabe ao médico mostrar as vantagens de ambas, assim como
as limitações, para que o paciente não desenvolva expectativas excessivas e o resultado final
seja satisfatório para ambos, médico e paciente.
Foge ao objetivo deste capítulo descrever a técnica de modo detalhado; assim, a descrição
seguinte tem como objetivo introduzir de modo simplificado os conceitos básicos, permitin
do ao oftalmologista entender as diferentes variáveis que são relacionadas aos processos de
transplantes lamelares.
pós-operatório, a Descemet do receptor pode ser retirada sem que seja necessária a troca da
córnea, tornando-se o transplante um transplante penetrante convencional. Estudos futuros
devem responder essa questão.
As complicações específicas dos transplantes lamelares anteriores são decorrentes da in
terface que permanece ao final do transplante. Líquido nessa interface pode gerar a presença
de dupla-câmara, a qual pode ser resolvida com colocação de bolha de gás de 0,6 mm de C3F8
(10 a 15%) ou retirada da Descemet do receptor, transformando o transplante em um trans
plante penetrante, desde que se tenha deixado o endotélio, como descrito antes. Presença de
clebris na interface pode ser minimizada com limpeza cuidadosa da interface antes da realiza
ção da sutura do botão doador; entretanto, quando presentes, não interferem na visão. Irre
gularidades na interface, especialmente quando o estroma residual é espesso, podem limitar
a visão, sendo necessário novo transplante, o qual pode ser um novo lamelar ou penetrante.
Neovascularização na interface vem sendo descrita em alguns casos, e acredita-se que seja
decorrente de um processo de rejeição das camadas profundas de estroma; normalmente são
localizadas e não necessitam de tratamento. Nos casos que apresentam crescimento acelera
do, uma opção é a aplicação de antiangiogênicos, o que vem apresentando bons resultados.
A interface também pode ser sítio de crescimento epitelial e infecções que, por vezes, podem
ser de difícil tratamento, pois as lesões ficam “escondidas” e o acesso da medicação e do sis
tema de defesa do organismo é limitado.
O la se r de femtossegundo
A interação entre a matéria e o laser resulta em uma série de eventos físicos que são usados de
modo controlado em diversas áreas da Medicina, especialmente Oftalmologia. O que ocorre,
de um modo simples, é o aquecimento de moléculas pelo laser com troca de elétrons que avan
çam, resultando em aquecimento e vaporização das mesmas, formação e expansão de plasma,
formação de cavidades e liberação de ondas de choque. Tudo isso em frações de segundo.
Quando o tecido vaporiza, temos o chamado optical breakdown.
Quando se usa um laser com pulso de longa duração, a energia necessária para efetuar a
quebra do tecido é muito grande, o que acaba por danificar o tecido adjacente, como ocorre
com o YAG laser nas capsulotomias posteriores. Quando se utiliza lasers de pulso ultracurto,
Transplantes Lamelares e o Uso do Laser de Femtossegundo
é possível atingir a vaporização do tecido com pequenas energias, o que minimiza os efeitos
indesejáveis. Atualmente são utilizados em Oftalmologia diversos lasers, sendo os efeitos mais
esperados a fotocoagulação utilizado na retina, fotodisrupção utilizado no YAG lasers e a foto-
ablação utilizada em cirurgia refrativa. Os lasers atuais são em sua maioria lasers de pulsos da
ordem de nanossegundos, ou seja, um pulso dura 10'9 segundos. Os lasers de femtossegundo
trazem um novo conceito ao oftalmologista: a fotodissecção. Isso ocorre, pois os pulsos são
na ordem de 10 15 segundos, ou seja, um milionésimo de um bilionésimo de segundo.
Com pulsos tão rápidos, a energia necessária para a realização da interação /aser-tecido com
formação do optical breakclown é muito menor, o que traz dois benefícios diretos. O primeiro é
a possibilidade da utilização de mais pulsos seguidos, ou seja, utilização de frequências mais
elevadas, tornando os processos mais rápidos. O segundo benefício é a diminuição dos efeitos
colaterais no tecido adjacente. Assim, um laser de femtossegundo pode ser aplicado em alta fre
quência, ocasionar a vaporização rápida do tecido no local onde ele é aplicado e deixar o tecido
adjacente praticamente intacto, criando, no caso da córnea, um espaço virtual entre as camadas
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por onde o laser passou. E a denominada femtodissecção ou fotodissecção por laser.
A utilização em Oftalmologia é variada. Feito inicialmente para cirurgia refrativa, foram
rapidamente surgindo novas possibilidades de indicações em cirurgias de glaucoma, correção
de presbiopia, cirurgia de catarata, biópsias corneanas e correção de astigmatismo, entre ou
tras. As indicações que o tornaram parte do dia a dia do cirurgião de córnea, além da cirurgia
refrativa, foram a formação de túneis para anéis intraestromais e o transplante de córnea.
Cinco tecnologias de laser femtossegundo estão disponíveis atualmente no mercado: o
IntraLase® (Abbott Medicai Optics), o Visumax® (Cari Zeiss Meditec), o Femto LDV® (Ziemer),
o Perfect Vision 20/10® (Technolas) e o Wavelight® (Alcon). Esses lasers de femtossegundo são
distintos em relação à tecnologia e segmentam o mercado com propostas diferentes.
O desenho das incisões é variável, entretanto três formatos são mais utilizados no dia a
dia. A incisão em sombreiro (top-hat), cogumelo (mushroom) e em zigue-zague.
O top-hat permite que quantidades maiores de endotélio sejam trocados e o transplante
“encaixe” na córnea doada, permitindo uma segurança adicional no transplante. Utilizado es
pecialmente em doenças nas quais o endotélio é doente.
500 Doenças Externas Oculares e Córnea
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Zigue-zague parcial
O mushroom permite que seja deixada no doador maior quantidade de endotélio, o que
pode ser benéfico quando o endotélio é saudável, como nos ceratocones.
O zigue-zague permite uma incisão que traz maior resistência e melhor cicatrização por ter
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maior quantidade de tecido em contato. E usada por muitos cirurgiões como incisão padrão.
O zigue-zague parcial é semelhante ao convencional, mas é utilizado na confecção da inci
são lateral para transplantes lamelares anteriores; o laser constrói a incisão lateral e o cirurgião
continua a dissecção posterior conforme desejar, bib bubble, dissecção manual etc. Permite que
seja realizada uma técnica lamelar com a incisão lateral de melhor qualidade.
Por ter sido idealizado para cortes superficiais na córnea, ou seja, para LASIK, os la
sers de femtossegundo ainda não são eficientes no corte do estróina posterior, a interface
posterior que permanece em casos de transplantes lamelares anteriores e posteriores se
apresenta ligeiramente rugosa quando o laser de femtossegundo é utilizado para cortar
profundamente. Assim, nos lamelares anteriores, o laser de femtossegundo é utilizado na
realização da incisão lateral; no transplante lamelar posterior, prefere-se o microcerátomo
na confecção do flap profundo, pois a superfície permanece mais suave, não sendo utilizado
o laser de femtossegundo nessa cirurgia. Com a popularização dos lasers de femtossegundo,
os fabricantes estão aprimorando os softwares dos equipamentos, e, em alguns anos, novas
versões devem corrigir esses detalhes.
Por ser um equipamento de custo elevado e a técnica recente, muitos cirurgiões co
locam essas vantagens em segundo plano e ainda aguardam estudos em longo prazo que
confirmem os benefícios. Mas a cada dia que passa aumenta o número de cirurgiões que
preferem a técnica com o laser de femtossegundo, assim como o número de pacientes que
solicitam a técnica.
CONCLUSÃO
Os avanços nas técnicas cirúrgicas vêm revolucionando a cirurgia corneana nos últimos anos,
e os transplantes lamelares, tanto anteriores quanto posteriores, a cada dia vão se tornar mais
frequentes e exigidos pelo pacientes, o que mudará a rotina dos cirurgiões de córnea em todo
o país. O laser de femtossegundo a cada dia vem oferecendo mais opções e vantagens aos ci
rurgiões de córnea e aos pacientes; com o avanço dos softwares e a diminuição do custo dos
equipamentos, a tendência é a popularização dos procedimentos.
Estamos passando por uma fase de transição na cirurgia de córnea; fazendo uma analogia
com o que ocorreu com a cirurgia de catarata, estamos entrando na facoemulsificação e dei
xando a extracapsular para trás.
Opacidade anterior
I I
I I
I I
I I
Resultado final
BIBLIOGRAFIA
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Anel Intraestromal
DESCRIÇÃO GERAL
503
504 Doenças Externas Oculares e Córnea
permite remoção e substituição por anéis de espessuras diferentes, para melhora do resultado
refracional e possibilidade de tratamento com excimer laser para ametropia residual ou após a
remoção do anel.
Existem basicamente dois tipos de anéis para implante intraestromal, ambos fabricados
em polimetilmetacrilato (PMMA):
Os anéis com formato hexagonal, fabricados pela empresa americana Addition Technology
e denominado “Intacs” .
Os anéis brasileiros com formato triangular, denominados “Anel de Ferrara®”, “Keraring”
e Cornealring®, comercializados, respectivamente, pelas empresas brasileiras Ferrara Oph-
thalmics e Mediphacos e Visiontech.
Intacs Addition Technology, Inc. (Fremont, CA, USA): consiste em um par de segmentos se
micirculares de PMMA, com um comprimento de arco de 150°, uma base hexagonal e uma
seção longitudinal cônica. Cada segmento tem um diâmetro externo de 8,10 mm e um di
âmetro interno de 6,77 mm. O efeito refrativo é modulado por sua espessura, que varia de
250 a 450 /jm. Recentemente, um novo desenho do Intacs (Intacs SK, Addition Technology)
foi produzido; tem um diâmetro interno de 6,0 mm e uma seção transversal oval. Há duas
espessuras disponíveis: 400 /jm (para ceratometrias de 57 a 62 D e cilindro <5,0 D) e 450
/jm (para ceratometrias >62 D e cilindro >5,0 D).
Ferrara Ring Segment (Ferrara Ophthalmics, Belo Horizonte, Brasil): esses segmentos são
feitos de PMMA Perspex CQ. Estão disponíveis em dois diâmetros, 6,0 mm para miopia até
-7,0 D e 5,0 mm para alta miopia. Sua espessura varia de 150 a 350 jL/m, com mudança a
cada 50 /L/m. Os diâmetros interno e externo são de 4,4 mm e 5,4 mm, respectivamente,
para 5,0 mm de zona óptica, e de 5,4 mm e 6,4 mm, respectivamente, para 6,0 mm de zona
óptica. Tem uma base triangular com um constante de 600 /jm. Os segmentos têm 90°,
120°, 150°, 160°, 210° ou 240° de arco, com um orifício em cada extremidade
Keraring (Mediphacos, Belo Horizonte, Brasil): são feitos de PMMA Perspex CQ e caracte
rizados por uma base triangular de 600 /jm. Os diâmetros apicais são de 5,0 mm ou 6,0
mm e com espessura variando de 150 a 350 /jm, com mudança a cada 50 /vm. Possuem
comprimento de arco variável (90°, 120°, 150°, 160°, 210° e 335°) com um orifício em cada
extremidade. Há dois modelos, o SI5 (que utiliza zona óptica de implantação de 5,0 mm) e
o SI6 (que utiliza zona óptica de implantação de 5,5 ou 6,0 mm). Os anéis de arco de 335°
são implantados em bolsão construído com auxílio do laser de fentossegundo em zona óp
tica de 5 ou 6 mm.
Recentemente tem sido produzido segmentos de anel com espessura variável entre as
duas extremidades, quais sejam 150 e 200 /jm e 200 e 250 /vm tanto para inserção em sentido
horário como em sentido anti-horário.
Corneai Ring (Visiontech, Belo Horizonte, Brasil): são feitos de PMMA e caracterizados por
uma secção transversal fusiforme. Possuem um diâmetro interno de 4,7 mm e a espessura
Anel Intraestromal 505
varia de 150 a 350 ji/m, com mudança a cada 50 yL/m. Têm um comprimento de arco de 155°
(comprimento padrão) e 220° (segmento especial) com um orifício em cada extremidade.
INDICAÇÕES E CONTRAINDICAÇÕES
CONTRAINDICAÇÕES
Recente estudo que analisa o perfil topográfico, de elevação anterior com diferenciais pré e
pós-operatórios, em olhos com ceratocone, que se submeteram ao implante de anel intra-
estromal, demonstra as modificações ocorridas na curvatura e na elevação anterior e sugere
mecanismo de ação desses implantes.
Os mapas ceratométricos axiais (sagitais) (Fig. 1) mostram que o efeito de encurvar tende
a acontecer nas zonas centrais mais planas. Por outro lado, maiores aplanamentos tendem a
acontecer nas zonas mais curvas. A Figura 1 mostra mais claramente o aplanamento da zona
óptica central, como se fosse uma ilha central, circundado por uma zona anular, mais curva,
exatamente onde foram implantados os segmentos de anel.
F ig . 2 O p a d rã o d e s c rito p o d e se r c la ra m e n te o b s e rv a d o n o s m a p a s ta n g e n c ia is a n te rio re s (e s q u e rd a ). As
lin h a s b ra n c a s re p re s e n ta m o p e rfil d e ca d a m e rid ia n o , e as lin h a s p re ta s re p re s e n ta m os s e g m e n to s
im p la n ta d o s . U m e fe ito d e o rifíc io e s te n o p e ic o ó p tic o (d ire ita ) seria p ro d u z id o q u a n d o u m a ilh a c e n tra l de
m e lh o r v isã o c o n s e g u is s e fo c a r os raio s c e n tra is e u m a zo n a m a is p e rifé ric a , em fo rm a d e h alo , d is p e rs a ria os
raio s p e rifé ric o s p e lo e fe ito p ris m á tic o d o s s e g m e n to s d e a n e l.
Aprendemos com Barraquer que, toda vez que se adiciona tecido na periferia da córnea, con
segue-se aplanamento da mesma e, portanto, diminuição da miopia. Essa diminuição é tanto maior
quanto maior é a adição de tecido, em outras palavras, quando se adiciona tecido em uma área
com grande curvatura corneana, produz-se diminuição da curvatura com diminuição da miopia.
Desde os primeiros estudos experimentais para avaliação do efeito do implante de seg
mentos de anéis na córnea, procura-se estabelecer a relação entre o tamanho dos segmentos
(tanto em espessura quanto em extensão) e o efeito produzido por eles na córnea (diminuição
de curvatura (K) e da refração (D)).
Vários nomogramas foram propostos e continuam sendo avaliados para esse fim.
Alguns conceitos são importantes para acompanhar o raciocínio e conseguir tirar o me
lhor proveito dos nomogramas existentes.
Ao analisarmos um mapa topográfico axial, devemos conseguir identificar seus elementos
(Fig. 3).
Dos mais de 6.000 pontos avaliados quando um mapa topográfico é constituído, a cerato-
metria simulada central (Sim K) é o valor médio mais curvo e o valor médio mais plano, que o
topógrafo calcula, dos 3 mm centrais da córnea. Em astigmatismos irregulares, como no cera-
tocone, esses valores na maioria das vezes não exprimem a ordem de grandeza da curvatura
corneana. O valor ceratométrico mais interessante então seria a ceratometria máxima ou (Km
Max), que pode ser obtida colocando-se o cursor do topógrafo na área mais vermelha ou, sim
plesmente, avaliando-se a escala de referência.
508 Doenças Externas Oculares e Córnea
Meridiano vertical
Meridiano horizontal
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Anel Intraestromal 511
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512 Doenças Externas Oculares e Córnea
La ser de femtossegundo
Com a possibilidade de utilização dos lasers de femtossegundo em cirurgias oftalmológicas, a
indicação dos implantes de anel intraestromal cresceu, pois o procedimento tornou-se muito
mais simples com uma curva de aprendizado da cirurgia bem menor. O túnel é confeccionado
pelo laser de femtossegundo (laser infravermelho ultrarrápido 10 15 de segundo) com um com
primento de onda de 1.053 nm. O feixe de laser de 3 fjm de diâmetro é opticamente focado na
profundidade estromal predeterminada no equipamento. Esse feixe gera cavidades, microbo-
lhas de dióxido de carbono e vapor de água pelo mecanismo de fotodisrrupção. A intercone-
xão dessas bolhas forma um plano de dissecção. A incisão radial também é confeccionada com
o laser de femtossegundo, sem a necessidade de incisões manuais.
As cirurgias de implante dos segmentos do anel intraestromal são muito rápidas; são rea
lizadas sob anestesia tópica e, em alguns casos, sob sedação leve.
Técnica m ecânica
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RESULTADOS
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Os resultados que serão apresentados fazem parte de uma série de 87 pacientes porta
dores de ceratocone, tratados com implante corneano de anel intraestromal e acompanhados
nos últimos 4 anos. O Gráfico 1 demonstra os valores de acuidade visual sem correção no pré
e pós-operatório desses pacientes.
Com relação à diminuição dos valores ceratométricos, observamos que a mudança é tanto
maior quanto maiores os valores iniciais, ou seja, nos ceratocones grau IV a diminuição dos
valores ceratométricos é mais acentuada que nos cones graus III e II. A mudança média de
valores ceratométricos do pré para o pós-operatório desses olhos foi de 5,8 dioptrias quando
todos os olhos foram avaliados conjuntamente.
■ Pré
COMPLICAÇÕES
As complicações pós-operatórias precoces são aquelas observadas nos primeiros dias pós-
cirurgia e incluem:
Defeito epitelial/ceratite
Incisão aberta e com dificuldade de fechamento
Migração do segmento
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Reajuste 20 9
Nessa série, ocorreu infecção em 6% dos casos, número considerado alto para um procedi
mento cirúrgico eletivo. E 50% deles foram tratados com esquemas terapêuticos de antibióti
cos fortificados, com retirada do segmento acometido e até injeção intratúnel do antibiótico.
Cinquenta por cento dos casos obtiveram resolução favorável, e dois deles tiveram os segmen
tos reimplantados.
Os outros 50% submeteram-se ao transplante de córnea penetrante óptico, após melhora
da infecção aguda e cicatrização corneana.
A Tabela II lista algumas séries de casos de implante de anel intraestromal para tratamento
de ceratocone descritos na literatura, o número de casos de infecção de cada série e o número
total de casos complicados.
516 Doenças Externas Oculares e Córnea
Sartori, 2005 87 6 6 13
A extrusão foi a mais frequente das complicações e pode estar relacionada à implantação
superficial dos segmentos. Existe inflamação de tecido corneano subjacente às extremidades
do segmento, com necrose, consumo importante de tecido, afinamento e risco de perfuração.
Na eminência de perfuração, o segmento deve ser retirado, o tecido cicatrizado e, posterior
mente, procede-se à avaliação para possível reimplante.
Devemos diferenciar a extrusão dos segmentos com a migração ou deslocamento dos
r
mesmos. E muito comum observar que houve rotação, migração ou deslocamento dos seg
mentos em direção à incisão nos primeiros dias de pós-operatório. Se a migração for tamanha
que a extremidade do segmento posicione-se na ferida cirúrgica, com possibilidade de abertu
ra da mesma, deve-se reposicioná-lo para evitar deiscência da incisão, abertura com risco de
infecção e, mesmo, efeito anatômico inadequado.
Os pacientes referem que conseguem perceber, muitas vezes, a sombra dos anéis princi
palmente em ambientes escuros e em penumbra, porém não se queixam de “halos” ou “glare”
com a frequência que se esperaria pelo fato de serem segmentos implantados em zona óptica
de 5 mm centrais da córnea.
Com a introdução de uma nova modalidade de tratamento, o Crosslinking do Colágeno da
Córnea (CXL), que visa promover ligações covalentes entre as fibras de colágeno da córnea,
por meio da instilação de colírio de vitamina B, a riboflavina, que sendo fotossensível, será
irradiada com luz ultravioleta em um comprimento de onda de 370 nm. A riboflavina fotos
sensível será excitada produzindo radicais livres de oxigênio que reage com várias moléculas,
induzindo ligações químicas covalentes e pontes entre grupos aminos das fibrilas de colágeno
corneano (reação fotoquímica tipo II).
A riboflavina, vitamina B2 (peso molecular de 376,37 g/mol), é um fotossintetizador não
tóxico, solúvel em água, e penetra facilmente no estroma corneano na ausência de epitélio.
O objetivo é fortalecer a córnea impedindo que haja progressão do ceratocone. Vários
estudos têm sido realizados no sentido de elucidar; associações de técnicas, como o implante
de anel intraestromal, que visa regularizar as córneas irregulares e o CXL, e a discussão sempre
está na possibilidade de associação ou não das duas técnicas.
Se as técnicas devem ser associadas, se concomitantes ou de forma sequencial, se primei
ro uma, depois a outra, ou em qual sequência ideal, isto ainda não está totalmente estabele
cido, e mais estudos clínicos não necessários para determinação do melhor caminho a seguir.
Anel Intraestromal 517
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9.
O excimer laser pode ser usado em remoção controlada de tecido corneai anormal, especial
mente no tratamento de irregularidades superficiais e/ou na remoção de opacidades estromais
anteriores.
O PTK corresponde à ablação de tecido corneai alterado com o excimer laser para suavizar irre
gularidades e remover opacidades para melhorar a transparência corneai.
A interação fotoquímica /aser-tecido, chamada de fotodecomposição ablativa, permite re
moção acurada de tecido. Nessa técnica, a remoção de tecido da superfície corneai pela rotura
e quebra das ligações das moléculas orgânicas não causa alteração óptica.
A profundidade e forma da fotodecomposição ablativa do excimer laser podem ser con
troladas com acurácia aferida em micra. Comparado com métodos mecânicos, o PTK permite
remoção mais acurada do tecido alterado, proporcionando uma base relativamente suave para
reepitelização com indução de mínima cicatrização.
O uso do excimer laser em cirurgias corneais também reduz o risco envolvido no manuseio
de botões corneais de doadores.
Segurança
A radiação do excimer laser com comprimento de onda de 193 nm é considerada dentro dos
limites de segurança para o uso de luz ultravioleta em cirurgia corneai. Os tecidos adjacentes
sofrem mínima influência e não apresentam alteração térmica aparente. As lamelas do estró
ina adjacente não mostram evidências de desorganização. Porém, existe evidência de perda
celular endotelial, que pode ser decorrente do choque de ondas; entretanto, se o estroma não
519
Doenças Externas Oculares e Córnea
ablado tiver espessura maior que 40 jum, o endotélio permanece intacto. As únicas células
afetadas pela radiação ou pelo processo de cicatrização são geralmente as expostas à energia
do laser.
A possibilidade de alteração do DNA e efeitos colaterais térmicos no tecido que circunda
o tratamento é tema controverso; a radiação de 193 nm é potencialmente menos mutagênica
do que a radiação de comprimentos de onda maiores.
Precisão
A cicatrização após o PTK se diferencia da cirurgia clássica, pois existe uma visível barreira
entre o tecido envolvido na cicatrização e estruturas celulares adjacentes. O processo de re-
epitelização até a cicatrização completa está associado a um pequeno grau de reorganização
tecidual.
Os cirurgiões de córnea têm no laser um excelente instrumento para a remoção de opaci
dades estromais anteriores. Pacientes tratados com êxito podem adiar ou evitar procedimen
tos cirúrgicos mais invasivos, como transplantes corneais penetrantes ou lamelares.
Indicações do PTK
R edução de acuidade visual p o r op acidades no terço a n terior da córnea
Ablações terapêuticas com excimer laser têm sido usadas com êxito na esterilização de cultu
ras de microrganismos, ceratite microbiana experimental e em casos de ceratopatia cristalina
infecciosa. Essa indicação não tem sido utilizada com frequência devido ao risco de dissemi
nação do microrganismo durante o tratamento.
Em revisão de 271 casos consecutivos atendidos em 17 centros nos EUA, observou-se que
55% dos pacientes tratados com PTK o foram por cicatrizes corneais ou leucomas, 39% por
distrofias corneais e 5% por irregularidades na superfície corneai.
Contraindicações
O PTK é contraindicado em pacientes imunodeprimidos, ou com uveíte incontrolada, blefarite
intensa, lagoftalmo ou olho seco. Um terço da espessura total da córnea deve ser o máximo a
ser removido com o PTK. Não se deve obter no pós-operatório córnea com espessura inferior
a 250 /jm.
O PTK pode induzir a desvio hipermetrópico significante. Assim, pacientes emetropes
ou hipermetropes podem não se qualificar como candidatos ideais ao PTK, ou, pelo menos,
devem ser muito bem orientados quanto à possibilidade de mudança do erro refrativo no pós-
operatório.
Avaliação pré-operatória
A acuidade visual, sem correção e com a melhor correção, deve ser avaliada. O potencial visual
pode ser conferido por meio de buraco estenopeico, lente de contato rígida ou com o me
didor de potencial visual (PAM). O exame do segmento anterior, com a lâmpada de fenda e a
avaliação do polo posterior, sob midríase, deve ser realizado, assim como medida da pressão
intraocular, ceratometria, topografia computadorizada e a paquimetria ultrassónica. A profun
didade do tratamento desejado deve ser avaliada com o exame de biomicroscopia ultrassóni
ca (UBM) ou com a tomografia de coerência óptica de segmento anterior, porque conseguem
medir a profundidade dos tecidos corneais alterados.
Procedimento cirúrgico
O laser é calibrado antes de cada procedimento para garantir um ótimo funcionamento.
O procedimento é realizado sob anestesia tópica com colírio de proparacaína a 0,5%.
Utiliza-se campo cirúrgico de plástico para o isolamento dos cílios. Coloca-se blefarostato. O
paciente deve fixar o olhar em uma luz guia piscante no microscópio cirúrgico.
Máscara
Após a remoção do epitélio, um fluido mascarador (modulador de superfície) deve ser aplicado
sobre o estroma para ajudar a regularizar a superfície estromal, para diminuir as áreas de irre
Doenças Externas Oculares e Córnea
gularidades mais profundas (vales) expondo as áreas mais proeminentes (picos) ao laser. O flui
do nos vales previne a ablação do tecido abaixo dele, enquanto os picos são ablados. Um flui
do altamente viscoso não consegue cobrir uniformemente uma superfície irregular, cobrindo
tanto os vales quanto parcialmente os picos. Um fluido com baixa viscosidade tem a tendência
de sair rapidamente, expondo tanto os vales quanto os picos. Kornmehl et al. reportaram bons
resultados usando Tears Naturale II, uma solução de viscosidade moderada e alta absorção ao
laser de 193 nm. Gartry et ai reportaram que o HPMC a \% é um agente mascarador melhor
do que o HPMC a 2 U o álcool polivinílico. Stark et al. utilizaram uma combinação de 1:2 de
metilcelulose a \% e Tears Naturalle II. Além de essa combinação criar uma superfície corneai
regular e suave, também pode reduzir a quantidade de indução hipermetrópica.
Ablação estromal
Durante a ablação estromal, é criada uma zona de transição de 0,5 mm de largura entre a su
perfície estromal normal e a profundidade de ablação final. A curva, em formato de S, da zona
de transição aumenta gradualmente no topo da ablação, e diminui gradualmente no fundo da
ablação. A zona de transição tem a função de suavizar e uniformizar a reepitelização sobre a
área de ablação. Esse procedimento é conhecido como ablação suave padrão. Stark et al. des
creveram a técnica de ablação suave modificada, em que o cirurgião, na tentativa de diminuir o
aplanamento central, move o olho do paciente sob o laser de uma maneira circular, tratando de
forma circunferencial uma zona de ablação de 20 jum de profundidade com um spot de 2 mm
de diâmetro. Essa modificação da periferia da ablação cria um padrão de ablação em formato
de anel na periferia do PTK, e o resultado do contorno corneai simula uma lente convexa (po
sitiva). Uma redução da indução hipermetrópica foi descrita com essa técnica. Posteriormen
te, essa técnica foi abandonada, pois era impossível predizer a profundidade final da ablação.
Quando opacidades corneais ou irregularidades são associadas a erros refrativos miópicos,
uma combinação de PTK e PRK deve ser considerada. Depois de permitir uma indução hiper
metrópica de aproximadamente 1,00 D para cada 20 pm de estróina ablado, o erro refrativo
residual pode ser tratado com PRK.
Resultados
Resultados pós-operatórios publicados estão resumidos no Quadro 1.
Chamon et ai observaram uma correlação positiva entre ablação do estróina e quantidade
de desvio hipermetrópico. Campos et al. observaram que o desvio hipermetrópico diminuía
entre 6 meses e 1 ano de pós-operatório.
A taxa de êxito do PTK em pacientes com distrofia granular ou lattice recorrentes é muito
alta e similar à das distrofias primárias de Reis-Bückler, nas quais os depósitos estão limitados
à camada de Bowman. Os resultados do PTK em distrofia granular são encorajadores, mesmo
que apresentem depósitos hialinos residuais, provavelmente porque a maior parte do haze
entre os depósitos granulares é ablada (Figs. IA e B).
QUADRO 1 R e su m o d e d o is e s tu d o s re p re s e n ta tiv o s d e P T K
A cuid ad e visual
A maior parte dos pacientes com erosão corneai recorrente responde bem ao debridamen-
to epitelial manual, porém casos mais avançados podem ser beneficiados do uso do PTK com
excimer laser para ablar de 5 a 10 pm da camada de Bowman. A profundidade do tratamento
nesses casos é relativamente mínima. Sher et al. reportaram taxa de êxito moderada (33 a 62%)
para o tratamento de cicatrizes corneais superficiais com o PTK. Isto pode ser devido à possi
bilidade de a cicatriz ser ablada de maneira diferente do estroma adjacente normal e este não
poder beneficiar-se da ablação com o laser (ao contrário das distrofias). Diferenças nas taxas
de ablação de estroma normal e tecido cicatricial de longa data e presença de tecido calcifi
cado ou cartilaginoso podem levar o PTK ao insucesso ou induzir astigmatismo irregular pós-
operatório. Na maior parte das vezes, se o PTK for realizado em pacientes bem indicados, eles
podem cicatrizar relativamente rápido, com poucas mas controláveis complicações. Alguns
pacientes queixam-se de dor moderada a intensa após a cirurgia, e alguns têm um processo de
cicatrização demorado. Existe uma taxa mínima de presença de haze após o PTK, mas o efei
to mais indesejável é o aplanamento central da córnea. Outras complicações pós-operatórias
incluem desvio hipermetrópico, erosões recorrentes, perda de células endoteliais, úlceras cor
neais, defeitos epiteliais persistentes e infecções.
Dor no pós-operatório pode ser intensa durante as primeiras 24 a 48 horas. Após 36 ho
ras, a dor diminui significantemente e desaparece com a epitelização corneai. O desconforto e
dor podem ser minimizados com o uso de cicloplégicos, compressas frias, analgésicos e lente
de contato terapêutica.
Se ocorrerem complicações ou se o olho não melhorar significantemente após o PTK, o
paciente pode necessitar de tratamento mais invasivo, como o transplante corneai.
O desvio hipermetrópico é o principal efeito colateral do PTK. E pode ser mandatório o
uso de lentes de contato para a reabilitação visual. Gartry et ai postularam quatro mecanismos
potenciais para o desvio hipermetrópico em alguns pacientes: (1) irradiação constante do laser
pode resultar em ablação maior no centro se a anormalidade corneai afilar progressivamente
em direção ao eixo visual; (2) a remoção de porções de lamelas corneais pode levar a uma con
tração centrífuga e a aplanamento central; (3) o espraiamento centrífugo de produtos da abla
ção (“fumaça”) pode produzir maior proteção progressiva do estroma em direção à periferia da
zona de ablação; (4) o ângulo oblíquo da radiação incide mais periférico na córnea, o que leva
à diminuição de densidade de energia quando se aproxima da periferia da zona de ablação.
Ceratectomia Fototerapêutica com Excim er Laser (PTK)
Histopatologia
A remoção precisa do estroma corneai superficial resulta em uma superfície suave, com cicatri-
zação mínima, reformação do complexo da membrana basal e restabelecimento da membrana
basal. Após a cirurgia com o excimer laser, o olho passa por dois estágios rápidos de cicatriza-
ção. O primeiro estágio é o de reepitelização, que em geral ocorre na primeira semana. O se
gundo estágio é o ancoramento do novo epitélio ao estroma. Os hemidesmossomos e a lâmina
basal se reformam em uma semana.
A cicatrização estromal só vai ocorrer após a formação do novo epitélio corneai. Imedia
tamente após a cirurgia, uma pseudomembrana se forma. Agindo como barreira protetora, a
pseudomembrana direciona células epiteliais hiperplásicas a migrarem e a preencherem a le
são, criando uma superfície epitelial suave. A hiperplasia epitelial possibilita que novas células
epiteliais migratórias cubram a lesão, e que isto, junto com o depósito de colágeno estromal
novo, restaure as lesões rasas com o contorno original da superfície corneai. Geralmente, a
hiperplasia acontece nas aparentes irregularidades estromais; quanto mais profunda a lesão,
mais espesso se torna o epitélio para preencher e regularizar a lesão da superfície.
Após a reepitelização, desenvolve-se uma zona hipercelular abaixo do epitélio, e tecido
conjuntivo é sintetizado. Aumenta o número de ceratócitos nas margens das lesões e no estro
ma anterior, retornando ao normal em algumas semanas. A desorganização tecidual é mínima
e o número de fibroblastos aumenta.
Ceratectomias profundas podem levar mais tempo para cicatrizar, e a sua reformulação
pode ser incompleta. Uma depressão residual pode persistir por 6 meses ou mais.
O tecido cicatricial se torna transparente após vários meses, mas, após a cirurgia, a córnea
pode permanecer com haze. A cicatrização pode contribuir com o haze. Ele pode ser o resulta
do de depósito de fibras de colágeno novo, as quais refratam a luz que entra no olho. O trata
mento pós-operatório com esteroides reduz notavelmente a espessura da camada subepitelial
de colágeno e a concentração de haze, retardando assim a cicatrização. O haze geralmente
diminui com o tempo, após a cirurgia.
Quando a ablação é mais próxima que 40 pm da membrana de Descemet, ocorre perda de
células endoteliais. São evidentes a vacuolização endotelial, a redução de densidade e o deslo
camento de materiais de células endoteliais para a membrana de Descemet. Mesmo quando a
membrana de Descemet não está lesionada, pode ocorrer perda endotelial. A perda de células
endoteliais pode estar relacionada a inúmeros fatores, como fluorescência, alto pulso de ener
gia, ressonância induzida na parte posterior da córnea, ondas acústicas ou ondas de choque. A
perda de células endoteliais é uma preocupação das aplicações cirúrgicas. Não existem evidên
cias de perda ou deslocamento de células endoteliais se a ablação permanece 40 pm acima da
membrana de Descemet; entretanto, taxas de repetição maiores do que 40 hz podem causar
lesões irreversíveis à córnea, endotélio e membrana de Descemet.
Doenças Externas Oculares e Córnea
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Ceratoprótese
J O S É Á L V A R O P E R E IR A G O M E S • L Ú C IO D A N T A S
M A R ÍL IA C A V A L C A N T E A R A Ú J O • P A U L O G A L V Ã O N E T O • P A U L O S C H O R
INTRODUÇÃO
Os primeiros estudos do uso de prótese óptica para substituição de tecido corneano opacifi-
cado iniciaram-se no século XVIII e tiveram maior impacto décadas mais tarde, quando Nuss-
baum iniciou experimentos em animais e publicou o primeiro teste em humanos, utilizando
um implante corneano de cristal de quartzo.
Na metade do século XX, paralelamente ao desenvolvimento das lentes intraoculares de
polimetilmetacrilato (PMMA), iniciou-se a confecção das próteses corneanas com esse mate
rial. O problema que ainda se apresentava era a retenção das próteses, pois existe a tendência
natural dos tecidos de revestimento em expelir corpos estranhos, mesmo aqueles compostos
por material conhecidamente inerte, como o PMMA. Na década de 1960, tentou-se superar
esse problema com o uso de suportes orgânicos, como osso (osteoceratopróteses) ou den
te (osteo-odontoceratopróteses). No entanto, existem limitações, seja do próprio receptor,
como ausência de dentes unirradiculares ou eventual necrose segmentar, seja inerentes à téc
nica, pela dificuldade de obtenção e confecção do conjunto óptico-háptico. Algumas dessas
dificuldades também foram observadas com as ceratopróteses que utilizavam fixação mecâ
nica de periósteo.
Apesar do desenvolvimento da técnica e dos materiais da ceratoprótese, muitas tentativas
clínicas têm tido sucesso limitado devido à complexidade do procedimento, biocompatibili-
dade e complicações intra e pós-operatórias. Simultaneamente, desenvolveram-se novos pro
cedimentos para reconstrução da superfície ocular, como o transplante de limbo, membrana
amniótica e técnicas lamelares de transplante de córnea, que resolveram parte dos casos de
baixa de visão por opacidade corneana superficial. Por esses motivos, a ceratoprótese ficou
reservada para casos nos quais outras terapias reconstrutivas da superfície ocular não foram
bem-sucedidas ou não puderam ser utilizadas.
528 Doenças Externas Oculares e Córnea
INDICAÇÕES
As ceratopróteses são compostas basicamente por uma porção óptica e uma porção háptica,
que têm como objetivo ancorar a prótese na sua posição definitiva em contato com a córnea
e a esclera (Fig. 2).
A ceratoprótese de Dohlman-Doane é uma das ceratopróteses de PMMA mais utilizadas.
Dois tipos estão disponíveis comercialmente:
1. Tipo I: consiste em um prato duplo que é usado em olhos que têm produção do filme
lacrimal suficiente para manter lubrificada a superfície ocular anterior.
2. Tipo II: desenho similar com um cilindro adicional anterior que se torna saliente atra
vés das pálpebras permanentemente fechadas, sendo usada para olhos secos em está
gio terminal (Fig. 3).
C e ra to p ró te s e s d e D o h lm a n -D o a n e . T ip o I (e s q u e rd a ): u sa d a em o lh o s co m boa lu b rific a ç ã o . T ip o II
(d ire ita ): u sa d a em o lh o s se co s em e s tá g io te rm in a l.
Devido aos problemas de integração entre a porção háptica e a córnea receptora, iniciou-se
a procura por materiais biocompatíveis. Pintucci et al. realizaram estudos utilizando uma ce
ratoprótese de PMMA com háptica de dácron. Os autores observaram que havia crescimento
de tecido do hospedeiro em direção aos poros existentes na háptica de dácron. Os resultados
favoráveis desses estudos sugeriram que a biocolonização da háptica com células do próprio
hospedeiro poderia melhorar a ancoragem da prótese no olho e reduzir a incidência de com
plicações. Legeais et ai testaram uma nova geração de próteses compostas por uma óptica de
polidimetilsiloxano (PDMS) recoberto por polivinilpirrolidona (PVP) com háptica de politetra-
fluoretileno (PTFE). A utilização do PDMS, por ser um composto flexível, permitiria a realiza
ção de medidas estimadas da pressão intraocular através da tonometria de aplanação (Fig. 4).
O mesmo não pode ser realizado nas próteses de PMMA devido à sua consistência sólida. Além
disso, o PTFE é muito resistente e pode ter o tamanho dos poros controlado para facilitar a
colonização celular.
A ceratoprótese de Chirila (AlphaCor™) foi primeiramente estudada por Hicks et a i, na
Austrália. Essa ceratoprótese apresenta um centro óptico e uma háptica porosa anular, ambos
feitos de PHEMA-poli (2-hidroxietilmetacrilato). Algumas limitações foram observadas, tais
como resistência mecânica ideal que predispõe ao rompimento das suturas, possibilidade de
deposição de cálcio dentro do material de PHEMA e a dependência do recobrimento conjun-
tival para manter a integridade da superfície ocular (tipo I). Em decorrência da consistência
Fig. 6 C e ra to p ró te s e b io c o lo n iz á v e l.
PROGNÓSTICO
A maior parte das ceratopróteses apresenta bom prognóstico nos casos de falência de trans
plante de córnea. Porém, o prognóstico continua limitado em casos que constam com olho
seco grave, principalmente na SSJ, que apresenta alto índice de endoftalmite (Fig. 8). Nesses
casos, a osteo-odontoceratoprótese ainda parece apresentar os melhores resultados em longo
prazo.
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Falência Tp de córnea
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0 6 12 18 24 30
S e g u im e n to (m e s e s )
COMPLICAÇÕES
F ig . 9 E x p u ls ã o d e c e ra to p ró te s e p ó s -e n d o fta lm ite .
CONCLUSÕES
Apesar dos recentes avanços tecnológicos, o uso da ceratoprótese ainda apresenta limitações
decorrentes do custo e de dificuldades intra e pós-operatórias. Esperamos que novas gerações
de ceratopróteses, advindas da cooperação dos setores de bioengenharia e oftalmologia, pos
sam melhorar os resultados desse procedimento para que esses dispositivos sejam utilizados
em maior escala e com mais segurança para recuperar a visão de pacientes portadores de do
enças graves da superfície ocular.
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E X C IM E R L A S E R
Há mais de 20 anos, o excimer laser é empregado dentro da Oftalmologia. O início data da dé
cada de 1970 quando foi gerada a primeira emissão de luz por meio da ativação de xenônio
líquido e o aparelho foi utilizado na fabricação de computadores. Após esse passo elementar,
grandes modificações ocorreram no aperfeiçoamento dessas máquinas, quando foi descober
ta a sua aplicabilidade sobre tecidos biológicos, culminando com a sua introdução dentro da
cirurgia refrativa em 1988, com a realização do primeiro PRK (Photorefractive Keratectomy) nos
Estados Unidos.
O feixe de luz é gerado pela ativação de complexos de gases nobres, e não por um tipo
apenas de gás como no início. Primeiramente, os gases são excitados por meio de uma descar
ga elétrica, o que altera a configuração atômica, pois os elétrons são retirados de sua posição
natural. Quando os elétrons retornam ao seu posicionamento original, fótons são gerados e a
energia acaba encontrando o mesmo direcionamento e fase (princípio da coerência), gerando
o que chamamos de LASER (Light Amplification by Stimulated Emission ofRacliation).
r
E bem estabelecido que o comprimento de onda de 193 nm, obtido pela combinação ga
sosa argônio-fluor, é o que apresenta melhor resultado em termos de retirada de tecido cor-
neano com menor lesão tecidual adjacente. A emissão ocorre no espectro da luz ultravioleta e
possui pulsos da ordem de nanossegundos, gerando o mais poderoso feixe de luz nessa classe
de lasers, que é invisível ao olho humano.
Os gases nobres mais empregados na gênese dos pulsos de luz dentro da família dos exci
mer lasers são: ArF (193 nm), KrF (248 nm) e XeCl (308 nm), os dois últimos com comprimentos
de onda reconhecidamente mutagênicos, constituindo, assim, outro motivo para o emprego
clínico do primeiro.
As duas primeiras gerações de excimer lasers usadas na prática clínica possuíam feixe de
laser amplo (broad beam), gerando um feixe de aproximadamente 6 mm de diâmetro para apli
538 Doenças Externas Oculares e Córnea
cação com maior intensidade ablativa no centro. Em seguida, surgiu o laser em fenda (scanning
slit) e, posteriormente, o feixe foi redefinido com a introdução do laser com feixe estreito
(narrow/small beam), também conhecido como varredura em ponto (flyingspot) em que diversas
miras com pequeno diâmetro de exposição (aproximadamente de 0,8 a 2 mm) giram alter
nadamente aplicando os pulsos. Dessa forma, aumentou-se a capacidade do excimer laser de
gerar uma ablação mais precisa e personalizada.
Ablando pequeníssimas áreas da córnea por vez, torna-se possível a criação de superfí
cies corneais asféricas, com menor ou sem nenhuma degrau entre a zona óptica e a zona de
transição da ablação. Com tratamentos assim, as chances de complicações como ilha central
e espalhamento de luz/glare são evitadas ou diminuídas, uma vez que a alternância dos pulsos
permite uma ablação corneai mais regular, com melhor eficiência dos pulsos subsequentes. Al
gumas plataformas nos dias de hoje apresentam padrões de ablação com tendência a se man
ter maior tecido na área de transição para a periferia corneana (tissue saving), mas esse tipo de
abordagem tem mostrado uma maior indução de aberrações de alta ordem no pós-operatório,
todavia sem alteração na sensibilidade ao contraste.
Através da ablação pelo excimer laser, precisas quantidades de tecido corneai são retiradas,
minimamente influenciando térmica ou mecanicamente o leito corneai residual adjacente.
Correções miópicas tendem a alterar o formato corneai normalmente prolado (centro mais
curvo que a periferia) para o oblado (curvatura central mais plana em relação à periferia), o
que inversamente ocorre nas correções hipermetrópicas. O pulso gerado pelo laser provoca
a decomposição fotoablativa com quebra das moléculas do tecido-alvo, e os fragmentos são
expelidos à velocidade supersônica (1.000 a 3.000 m/s) já que a energia liberada por pulso
medida em mj/cm2 (fluência = energia/área) é extremamente alta. A uma fluência de 100 a 250
mj/cm2, normalmente empregada por esses lasers, aproximadamente 0,1 a 0,5 jum de tecido
corneai é removido por pulso.
Esse processo difere da fotocoagulação causada pelo laser de argônio e do processo de
Breakdown gerado pelos lasers sólidos, que serão abordados adiante.
Além da correção de erros refrativos, como miopia, hipermetropia e astigmatismo, os
excimer lasers prestam-se ao tratamento de uma variedade de distrofias corneais, cicatri
zes superficiais, erosões epiteliais recorrentes, degenerações e irregularidades corneais
por meio da modalidade PTK (Phototherapeutic Keratectomy) em que o laser é utilizado para
suavizar a superfície corneai, tornando-a melhor opticamente e/ou regularizando a super
fície.
No PTK, geralmente se utilizam ablações com limite de até 100 mjli (incluindo a porção
epitelial, que tem de 40 a 50 mjLi), embora alguns autores admitam ablações mais profundas
Alguns lasers procuram corrigir a indução hipermetrópica do PTK, que é gerada não apenas
pelo consumo de tecido corneai, como também pelo desvio hipermetrópico provocado bio-
mecanicamente pela ablação.
LA SER DE FEMTOSSEGUNDO
O uso dos lasers sólidos em cirurgia do segmento anterior já se consolidou dentro do meio
oftalmológico em decorrência dos benefícios apresentados pelo equipamento.
Loser em Cirurgia de Córnea
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Ceratectomia Fotorrefrativa
com Excim er La ser (PRK)
INTRODUÇÃO
A maior extensão epitelial submetida à lesão cirúrgica leva à maior liberação de fatores pró-in
flamatórios epiteliais, principalmente IL-1, TNF-a, sistemas ligantes FAS, FMO-2 e 4, FCE, FCP
e TGF. Mediante dano à membrana basal epitelial, fatores de crescimento epitelial disparam a
produção de fibronectina para cobrir a área defeituosa, a qual servirá como uma matriz tem-
541
542 Doenças Externas Oculares e Córnea
porária para a adesão das células epiteliais. Além disso, outras citocinas, integrinas, lamininas
e fibronectinas influenciam no mecanismo de adesão das células epiteliais. Consequentemen
te, é observada uma intensa ativação celular, com alta taxa de apoptose e necrose de ceratóci-
tos, bem como proliferação de fibroblastos e diferenciação de miofibroblastos.
Além disso, observam-se também alta produção de fibras de colágeno desorganizadas e
outros materiais extracelulares, resultando em diferentes graus de opacidade corneai. A dife
renciação de fibroblastos em miofibroblastos pode ser bastante significativa após PRK, princi
palmente após a correção de elevados graus de miopia. Os miofibroblastos representam uma
variação fenotípica dos ceratócitos, caracterizados por alto poder contrátil e menor transpa
rência, sendo diretamente responsáveis pela opacidade corneai.
A resposta cicatricial pós-PRK é geralmente caracterizada por maior hiperplasia epitelial e
remodelação estromal. A hiperplasia epitelial resulta de uma tentativa de restaurar a confor
mação original da córnea, bem como de restabelecer a regularidade de sua superfície. A remo
delação estromal ocorre como uma consequência do tumover de ceratócitos e a consequente
produção e reorganização da matriz extracelular. A formação de hcize corneai é mais comum
após PRK e está diretamente relacionada à quantidade e profundidade de tecido estromal fo-
toablado (Fig. 1). Outros fatores, como regularidade final do leito estromal ablado e tempo de
fechamento do defeito epitelial, podem também repercutir no grau de opacificação corneai.
Na maioria das vezes, o grau de opacificação corneai tende a diminuir com o passar do tem
po. Geralmente, em um período de 12 meses, observa-se significativa melhora no nível de
opacidade corneai, embora, em muitos casos, não ocorra total desaparecimento da opacida
de. Acredita-se que muitas dessas células desapareçam por processo de apoptose ou necrose
celular. Entretanto, Maltseva et cil. demonstraram a reversibilidade fenotípica dos ceratócitos,
provando que os miofibroblastos não são uma diferenciação terminal.
Entretanto, a resposta cicatricial pós-PRK depende também de várias características indi
viduais, incluindo fatores genéticos e diferentes graus de sensibilidade estromal às citocinas
e fatores de crescimento. Além disso, variações técnicas e diferentes quantidades de tecido
ablado e diferentes níveis de irregularidades superficiais repercutirão diretamente na intensi
dade da resposta pós-operatória.
F ig . 1 A s p e c to d e haze c o rn e a i p ó s-P R K .
Ceratectomia Fotorrefrativa com Excim er Laser (PRK) 543
INDICAÇÕES DE PRK
A técnica de PRK sempre foi considerada uma ótima alternativa para o LASIK, especialmente
em casos de baixa e moderada miopia, acompanhados ou não de baixo astigmatismo. Os re
sultados obtidos com o PRK nessas situações sempre se mostraram equiparáveis com os resul
tados obtidos com o LASIK. Entre as principais vantagens do PRK, encontram-se a ausência de
complicações relacionadas à criação da lamela corneai e, principalmente, a maior preservação
das propriedades biomecânicas da córnea, resultando em um provável menor risco de ectasia
corneana iatrogênica. Além disso, existem situações especiais em que o PRK é considerado a
técnica de escolha, tais como:
Córneas finas (sem alterações topográficas), para preservar mais estróina residual.
Córneas curvas e planas (porém regulares e simétricas), pelo risco de complicações relacio
nadas ao disco corneai.
Alterações tróficas epiteliais (como distrofias ou olho seco moderado).
Atividades profissionais de risco (como serviço militar, esportistas profissionais e pratican
tes de artes marciais).
Diâmetro pupilar aumentado.
Limitações anatômicas (como órbita muito profunda e fissura palpebral estreita).
A técnica de PRK é caracterizada por uma resposta cicatricial exacerbada, envolvendo uma
maior hiperplasia epitelial, maior remodelação estromal e maior risco de formação de mio-
fibroblastos. Clinicamente, tais fenômenos celulares são representados por um acentuado
desconforto pós-operatório, uma recuperação da visão mais lenta e um risco iminente de
opacificação do estroma corneai. Nos primeiros 3 dias, a dor, fotossensibilidade, hiperemia
conjuntival e edema palpebral são frequentemente observados. A partir daí, as queixas do pa
ciente relacionam-se a uma lenta recuperação da visão, acompanhada por moderada flutuação
refracional que pode durar até 4 semanas. Após o primeiro mês, a maior preocupação envolve
o possível risco de opacificação subepitelial. A somatória de todos esses pontos negativos
faz com que a maioria dos cirurgiões continue optando pelo LASIK como técnica de escolha.
Entretanto, quando bem orientados e medicados, a maioria dos pacientes tende a tolerar tais
inconvenientes em favor de uma maior segurança peri e pós-operatória.
PRK PERSONALIZADO
plataformas. 0 avanço da tecnologia do excimer laser com a presença de flying spots menores
que 1,0 mm, sistemas de rastreamento ocular, compensação da energia na periferia corneana
e controle ciclotorsional contribui para a otimização dos resultados, mesmo com ablações
convencionais. Isto justifica a maior semelhança entre os resultados personalizados e conven
cionais quando utilizadas plataformas de excimer laser mais recentes e modernas.
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LASEK e Epi-LASIK
547
548 Doenças Externas Oculares e Córnea
Para a criação do disco epitelial na técnica Butterfly LASEK, utiliza-se um anel de 9,5 mm
preenchido com álcool a 20% que permanece em contato com o epitélio corneai de 30 a 60
segundos. Em seguida, irriga-se a córnea com solução salina balanceada (BSS) e realiza-se, com
esponja de merocel seca, desepitelização em faixa no sentido vertical para afastar o epitélio
em duas abas (Figs. 1A e B). Finalmente, é feita a umidificação da superfície da camada de Bow-
man e, depois, a aplicação do laser. O álcool causa uma clivagem entre as camadas da lâmina
densa e da lâmina lúcida na membrana basal epitelial, sugerindo dano à membrana basal, o
r
que poderia contribuir para encurtar a viabilidade das células epiteliais basais pós-LASEK. E
possível inferir que a permanência de tecido epitelial não viável sobre o leito estromal após a
fotoablação poderia, inclusive, contribuir para um processo mais lento e heterogêneo de ree-
pitelização e de recuperação visual.
Apesar de vários estudos terem comparado as técnicas do PRK e do LASEK, até recente
mente ainda não havia consenso sobre qual era realmente melhor. Com o LASEK, a AV é dis
cretamente melhor no primeiro dia de pós-operatório em comparação com PRK; no entanto,
alguns estudos mostram que, após o primeiro dia de pós-operatório, ocorre mais desconfor
to e a recuperação visual é mais lenta do que a obtida com o PRK. Em 2008, Ghanem et ai
publicaram os resultados de um estudo prospectivo, randomizado, mascarado, contralateral
comparando as técnicas do PRK e do LASEK. Concluiu-se que o LASEK não apresenta benefí
cios em relação ao PRK em nenhum aspecto pesquisado, especialmente na recuperação visual,
dor pós-operatória e formação de opacificação corneana. Uma metanálise publicada em 2010
comparando as duas técnicas também obteve a mesma conclusão em relação aos resultados
clínicos, porém observou que o LASEK leva a menor formação de opacificação corneai nos
primeiros 3 meses após a cirurgia, o que não ocorre após 6 meses.
Com o objetivo de criar uma lamela epitelial que permanecesse viável e que pudesse se
fixar com êxito no leito estromal após a fotoablação, foi desenvolvido o Epi-LASIK (epipolis em
grego = superficial). Nessa técnica, um microcerátomo modificado (epicerátomo), semelhante
ao utilizado no LASIK, realiza um disco epitelial (Fig. 2A-D). O disco é levantado para aplicação
do laser e, então, cuidadosamente reposicionado com espátula romba e esponja de merocel,
para evitar que se rasgue ou perfure. O epicerátomo utiliza uma lâmina romba, de metal ou
PMMA, que disseca o epitélio corneai, preservando a camada de Bowman. Essa técnica foi des
crita por Pallikaris et ai em 2003, na tentativa de reunir os benefícios do LASIK e PRK.
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Ceratomileusis com
Excim er La ser in Situ (LASIK)
551
Doenças Externas Oculares e Córnea
MICROCERÁTOMOS
O primeiro microcerátomo, desenvolvido por Barraquer em 1958, possuía uma cabeça com
aplanador e lâmina de corte com ângulo de ataque de 0o, que deslizava manualmente ao longo
de um anel sem guia e sem sucção, sustentado por um cabo. Em 1962, agora mais acurado, o
microcerátomo tinha ângulo de corte de 26°, anel de sucção e guias de “rabo-de-andorinha”
entre o anel de sucção e a plataforma. Entre 1980 e 1983, Barraquer, Krumeich e Swinger de
senvolveram o microcerátomo BKS 1000. Ruiz, entre 1983 e 1986, desenvolveu o microceráto
mo automatizado, que proporcionou uma velocidade constante de passagem sobre a córnea e
uma espessura mais uniforme da ceratectomia, além de superfícies estromais mais lisas. Esse
microcerátomo percorria um trilho com engrenagens posicionadas na parte superior do anel
de sucção. Estava criado o Automated Corneai Shaper® (ACS), (fabricado pela Hansa of Miami®,
FL, EUA e distribuído pela Chiron Vision Corporation® of Irvine, Califórnia, EUA), que se tornou
o microcerátomo mais utilizado no mundo.
Atualmente o microcerátomo mais empregado em LASIK, no Brasil e no mundo, é o Han-
satome® (Figs. 1A-H).
Atualmente, ainda há a preocupação de construir microcerátomos mais acurados, com
resultados reprodutíveis, seguros, fáceis de usar, baratos, duráveis e com melhor qualidade de
corte. O grande número de microcerátomos disponíveis no mercado ilustra o fato de que o
microcerátomo ideal ainda não foi criado. Os fabricantes de microcerátomos continuam a ofe
recer versões novas e melhoradas dos equipamentos, visando obter melhores resultados; en
tretanto, não se sabe se essas mudanças e inovações resultam em melhora clínica significativa.
Há várias implicações clínicas relacionadas ao uso dos microcerátomos. Os microceráto
mos que tendem a cortar lamelas corneais pediculadas mais finas são mais propensos a pro
duzir lamelas perfuradas ou buttonholes, lamelas incompletas e lamelas livres. Por outro lado,
lamelas corneais pediculadas mais espessas proporcionam leito estromal residual mais fino,
limitando a quantidade de ablação que pode ser realizada com segurança.
Uma revisão da literatura sugere que a média da espessura real das lamelas corneais pe
diculadas não corresponde à previsibilidade informada pelos fabricantes de microcerátomos
para seus aparelhos. Lamelas corneais pediculadas podem ser produzidas de maneira a deixar
tanto o estroma posterior da lamela quanto o do leito residual com maior ou menor grau de
regularidade, o que pode influenciar na qualidade da acuidade visual. Do mesmo modo, os
microcerátomos podem deixar maior ou menor número de partículas na interface, danificar
em maior ou menor grau o epitélio corneai, alterar as aberrações ópticas do olho e contribuir,
em maior ou menor intensidade, para a resposta cicatricial corneai (aumentando seu índice de
opacificação), e assim interferir no resultado final pós-operatório.
A qualidade da ceratectomia lamelar feita pelo microcerátomo depende de vários fatores.
Entre os principais, podemos destacar: qualidade da lâmina, angulação da lâmina em relação
à superfície corneai (ângulo de ataque), velocidade e regularidade de corte, nível da pressão
ocular durante o corte, distância entre a lâmina e a plataforma de aplanação, velocidade de
oscilação da lâmina e mecanismo de corte.
As complicações relacionadas ao emprego do microcerátomo em LASIK são objeto de
inúmeros estudos. Existe uma curva de aprendizado em que a incidência de complicações
diminui ao longo do tempo. As complicações mais frequentes em LASIK estão relacionadas
Ceratomileusis com Excim er Laser in Situ (LASIK)
F ig s . 1 (A -H ) M ic ro c e rá to m o H ansatom e® . A . A n e l d e s u c ç ã o co m c re m a lh e ira . B . D e ta lh e d o p in h ã o do
a n e l d e su c ç ã o . C, P e rfil d o n ú c le o da c a b e ç a d o a p a re lh o , lad o d ire ito "R ". D, P la ta fo rm a d e s u p o rte da lâ m in a
co m fix a ç ã o ao n ú c le o da c a b e ç a do a p a re lh o . I. D e ta lh e da e n g re n a g e m c o n ju g a d a no in te rio r d o n ú c le o
da c a b e ç a d o a p a re lh o . F D e ta lh e d o m o to r e x c ê n tric o , q u e se e n c a ix a na c a b e ç a d o a p a re lh o . 3. D e ta lh e do
e n c a ix e da c a b e ç a co m o a n e l d e su c ç ã o , i. L a m e la p e d ic u la d a c o rn e a i se n d o c o n fe c c io n a d a p e lo m ic ro c e
rá to m o . N o ta-se o e n c a ix e da c a b e ç a d o a p a re lh o co m o p in h ã o e c re m a lh e ira do a n e l d e su c ç ã o .
ao microcerátomo, e as principais são: lamela incompleta (relatos entre 0,3 e 1,2%), dobras
na lamela, crescimento epitelial na interface (relatos entre 0,92 e 9%), lamela livre, lamela fina
ou irregular (relatos entre 0,3 e 0,75%), lamela com buraco (ou buttonhole, relatos entre 0,2 e
0,56%), deslocamento da lamela (relatos entre 0 e 1,5%), disfunção lacrimal (relatos até 33%),
554 Doenças Externas Oculares e Córnea
partículas na interface, infecções (1:5.000 casos), ceratite lamelar difusa (relatos entre 0e 5^) e
ectasias corneais. A redução da sensibilidade corneai e a síndrome de disfunção lacrimal após
LASIK ocorrem com maior intensidade em olhos em que foram operados com microcerátomos
que produzem lamela corneai com pedículo superior. A inervação corneai provém dos nervos
posteriores corneais longos que penetram na córnea às 3 e 9 horas. Lamelas corneais com
pedículo superior cortam os dois braços do plexo nervoso, e lamelas corneais com pedículo
nasal cortam apenas o braço temporal. A posição do pedículo da lamela corneai pode afetar o
resultado refrativo. Uma média de 0,24 D de astigmatismo induzido a favor da regra foi asso
ciada a lamelas corneais com pedículo superior.
A ectasia corneai após LASIK é uma complicação rara; entretanto, a quantidade de rela
tos aumenta a cada ano. Até o final de 2003, havia 26 casos de ectasia, secundários ao LASIK,
descritos na literatura. A espessura mínima segura do leito estromal residual ainda não é co
nhecida para evitar esse tipo de complicação. Baseado em relatos de casos e considerações
biomecânicas, recomenda-se, no mínimo, 250 jum de espessura estromal posterior residual;
entretanto, alguns autores recomendam 300 pm. Adicionalmente a esse mínimo de leito estro
mal residual, outros autores indicam que o estroma residual deve ser, no mínimo, maior que
a metade da espessura corneai total pré-operatória. Além de uma espessura corneai mínima
para o leito estromal residual, outros fatores de risco foram relatados para a ocorrência des
sa complicação, tais como diâmetro da zona óptica de tratamento, ceratocone, degeneração
marginal pelúcida, índice de asfericidade, quantidade de ablação, paquimetria pré-operatória
e pressão ocular pré e pós-operatória.
LA SERS DE FEMTOSSEGUNDO
O tempo em que o tecido é exposto ao laser é tão curto, que praticamente não há aque
cimento tecidual. Entretanto, há diferenças quanto à quantidade de energia aplicada, à taxa
de repetição dos tiros de laser e ao diâmetro e distribuição dos spots de laser na córnea. Em
recente revisão dos modelos comercialmente disponíveis de lasers de femtossegundo, Lubats-
chowski (2008) classificou-os em dois grupos: grupo de alta energia e baixa frequência de tiro
(IntraLase e Perfect Vision), e grupo de baixa energia e alta frequência de tiro (LDV e Visumax).
Existe relação entre quantidade de energia e frequência de tiros necessários à formação do
disco corneai. Quanto menor a taxa de repetição, maior será a energia necessária em cada dis
paro. Quanto mais energia em cada disparo, maior formação de bolhas intraestromais e menor a
acurácia do laser, pois a cavidade é maior. A quantidade total de energia utilizada para a confec
ção da lamela depende também do tempo total necessário para a conclusão da tarefa. As princi
pais vantagens de utilizar os lasers de femtossegundo são: 1) maior qualidade de corte (precisão,
acurácia e reprodutibilidade), especialmente em cortes profundos, em que os microcerátomos
são menos ainda reprodutíveis e possuem pior qualidade de corte, possibilitando melhor acuida
de visual; 2) menor influência do cirurgião; 3) recuperação visual mais rápida; 4) maior precisão
na obtenção de tamanhos e formatos adequados de lamelas; 5) possibilidade de confecção de
cortes especiais nas bordas das lamelas; 6) possibilidade de criar duas lamelas doadoras, uma
anterior e outra endotelial, com maior qualidade de corte a partir de uma córnea doadora; 7)
possibilidade de confecção de lamelas mais finas, provavelmente influenciando menos na biome-
cânica corneana. Atualmente é a maneira de obter lamelas corneanas com a melhor qualidade de
corte possível. As desvantagens são o elevado custo e a curva de aprendizado. Como o IntraLase
é o mais antigo dos lasers de femtossegundo no LASIK, há maior quantidade de dados com esse
tipo de laser. Ele começou com frequência de tiro de 6 kHz, depois foi aumentando para 10kHz,
15 kHz, 30kHz, 60 kHz e, ultimamente, está disponível em 150 kHz. Com a introdução do mode
lo de 60 kHz, a quantidade total de energia aplicada na córnea foi significativamente diminuída,
assim, a taxa de complicações e inflamação foi minimizada. Adicionalmente, com uma menor
energia utilizada em relação aos primeiros modelos, uma maior taxa de repetição proporcionou
maior proximidade e alinhamento entre os spots aplicados à córnea, fazendo com que houvesse
maior qualidade de corte. Melhorias ópticas dos novos modelos do IntraLase associado a essa
evolução ajudaram a diminuir a distância entre as fotodisrupções epiteliais na borda do disco
corneano, diminuindo a inflamação e epitelização da interface; esta também é influenciada pelo
ângulo de corte da borda do disco.
Em geral, os lasers de femtossegundo utilizam menor nível de pressão para criação do dis
co corneano do que os microcerátomos. Também há maior repetibilidade, precisão e acurácia
que os microcerátomos.
Os principais lasers de femtossegundo disponíveis atualmente são apresentados a seguir.
Ultima versão do primeiro laser de femtossegundo para utilização na córnea. Aprovado pelo
FDA, CE e ANVISA, é o que realiza corte em maiores angulações nas bordas do disco. Está em
desenvolvimento para realizar alguns passos cirúrgicos na facectomia. Possibilita a observação
do corte e a centralização do tratamento. O vácuo é realizado de maneira manual. Tem 150
kHz de taxa de repetição, com espaço entre eles de aproximadamente 3 pm.
Doenças Externas Oculares e Córnea
Technolas perfect Vision 520F (Bausch & Lomb and 20/10 Perfect Vision)
Anteriormente chamado de Femtec, mudou de nome quando a 20/10 Perfect Vision se asso
ciou à Bausch & Lomb em abril de 2009 (Fig. 3). Não necessita de um aplanamento corneano
como outros aparelhos ou microcerátomos, possibilitando o uso de menor energia de sucção
e conforto para o paciente. Essa característica de aplicação do laser na córnea curva permite
melhor arquitetura do túnel estromal para implante de segmentos de anel estromal, porém
influencia negativamente na regularidade da espessura do disco corneano entre o centro e a
periferia. Esse laser de 80 kHz, além de realizar o disco no LASIK, está sendo desenvolvido para
a realização dos seguintes procedimentos: a) realização da remodelagem corneana intraes-
tromal com consequente correção dos erros refracionais, sem a necessidade de realizar disco
(INTRACOR), aprovado no CE; b) realização de alguns passos cirúrgicos na cirurgia da catara
ta, como: incisão, capsulorehxis, fragmentação do núcleo do cristalino (CUSTOLENS). Não está
aprovado atualmente pelo FDA, nem ANVISA.
Fig.4 V is u m a x (Z e iss).
quitetura do túnel estromal para implante de segmentos de anel estromal, porém influencia
negativamente na regularidade da espessura do disco corneai entre o centro e a periferia. O
modelo mais recente tem 500 kHz de taxa de repetição. Assim como o IntraLase, há a pos
sibilidade da alteração do ângulo de corte do laser. Além de criar o disco corneai, na Europa
esse laser está sendo utilizado para a cirurgia chamada extração lenticular pelo femtossegundo
(Femtoseconcl lenticule extraction ou FLEx), cirurgia em que há a criação de uma lente estromal
intracorneana e, depois, a criação do disco, para que o cirurgião a remova, corrigindo as ame-
tropias. Esse laser não foi ainda aprovado no FDA e ANVISA. Estudos preliminares do FLEx para
r
Fig. 5 LD V (Z ie m e r).
558 Doenças Externas Oculares e Córnea
toabladas ou não separadas. Há mais área corneai recebendo o tratamento. Esse laser é o mais
“portátil” dos descritos. Também está em desenvolvimento a sua utilização em alguns passos
cirúrgicos na cirurgia da catarata e na criação de lentes intraestromais.
Ahn et ai (2011) comparou três tipos de lasers de femtossegundo e um microcerátomo na
confecção de disco corneai, analisando a morfologia, precisão e acurácia. Os autores tiveram
o cuidado de obter quatro grupos homogêneos considerando-se idade, kl e 1<2. O grupo cha
mado de Femtoseconcl 1 foi realizado com modelo IntraLase de 60 kHz com energia 0,65 mj,
separação entre os spots de 7 pm e ângulo de corte na borda do disco setado em 70°. O grupo
Femtosecond 2 foi realizado com o modelo Visumax de 200 kHz com energia programada de
0,30 mj, e a separação entre os spots foi de 1,5 pm. O grupo chamado Femtoseconcl 3 foi realiza
do com o modelo LDV de 1 MHz, e sobreposição dos spots em 0,7 mm. Todos os cortes tiveram
a programação de corte de 110 pm. O pedículo foi superior em todos os cortes. O microce
rátomo utilizado foi o modelo M2 (Moria) com programação de corte de 130 pm. As medidas
horizontal e vertical da espessura do disco corneai em 7 diferentes regiões da córnea foram
realizadas em 2 scans axiais com o OCT RTVue Fourier Domain OCT system (Optvue, Inc.), que
tem resolução de profundidade de 5 pm e 26.000 scans axiais por segundo. O ângulo de corte
também foi aferido nas posições de 0o, 90°, 180° e 270° nos dois scans realizados. As duas me
didas chamadas Interface referem-se às medidas das bordas do disco corneai. Os resultados da
previsibilidade dos cortes (medida da espessura realizada - medida da espessura programada)
nos quatro grupos nas 7 regiões estudadas estão representados na Figura 6.
Fs 200 (Alcon)
O Fs 200 é o laser de femtossegundo da Alcon® (Fig. 7). Assim como o LDV® e IntraLase®, é
aprovado pela ANVISA e FDA. Esse laser pode confeccionar discos corneais para Lasik, túneis
para implante de anel intraestromal e cortes no eixo z para transplantes penetrantes. Da mes
ma forma que o IntraLase® e o LDV®, (Tabela II) há a possibilidade de personalizar as bordas do
corte (cogumelo, top hat, zigue-zague). Esse aparelho trabalha com duplo vácuo para o corte.
O primeiro vácuo é dado pelo anel de sucção ao ser posicionado no paciente. O segundo vá
cuo é dado após a correta aplanação da córnea pela cabeça do laser; que é baixada por meio de
joystick. A composição da Alcon® geralmente o traz com o Allegretto de 500 Hz, que também
pode ser adquirido separadamente.
Esse laser faz corte z em diferentes formatos (top hat, cogumelo, zigue-zague), assim
como o IntraLase® e FS 200®. Em breve, o modelo Z6 Power Plus, equipado com OCT, será
utilizado na facectomia para confeccionar as incisões, capsulorexis e a quebra do crista
lino.
Fig. 7 Fs 2 0 0 (A lc o n ).
560 Doenças Externas Oculares e Córnea
Taxa de 15 kHz 30 kHz 60 kHz 150 kHz 80 kHz 208 kHz 200 kHz 300 kHz
repetição
Energia do 1,5-2,5 \i\ 0,8-1,2 jul 0,8-1,2 jllI 0,5-1,3 jul 4,6 jul 10-20 nJ 40-420 0,3-1,5 jul
pulso nJ
C o m p rim ento 1053 1053 1053 1053 1053 1045 1048 1053
de onda (nm )
TÉCNICA CIRÚRGICA
O procedimento é realizado sob anestesia tópica com colírio de proparacaína a 0,5%. O uso
de campo cirúrgico de plástico aderente para isolamento dos cílios é útil e evita que os mes
mos dificultem posteriormente a passagem do microcerátomo. Coloca-se um blefarostato que
permita boa abertura palpebral para facilitar a colocação do anel de sucção. Marca-se a córnea
com linhas assimétricas feitas da pupila ao limbo com tinta de violeta de genciana, o que pos
sibilita a reposição correta do disco corneai em casos de deslocamento ou de corte completo.
Coloca-se o anel de sucção, controlando-se a pressão ocular. Para que o corte ocorra na espes
sura desejada, a pressão ocular deve ser maior que 65 mmHg, e por isso deve ser medida com
o tonômetro de aplanação que acompanha o kit do microcerátomo.
O passo crucial da cirurgia corresponde ao momento do corte do disco, já que, nesse mo
mento, podem ocorrer complicações graves. Se o microcerátomo parar ou perder sucção duran
te o corte do disco, obtém-se um corte incompleto e, nesse caso, o disco deve ser reposicionado
e nova intervenção programada para cerca de 90 dias. O disco completo permite realizar a fo-
toablação estromal programada; terminada a ablação, deve ser reposicionado, guiando-se pelas
marcas de referência epiteliais. Uma vez realizado o corte do disco, retira-se o anel de sucção, e,
com uma espátula, o disco é reclinado para o lado nasal ou o superior, se o corte tiver sido feito
horizontal ou vertical. Para controlar a centralização da ablação, pede-se ao paciente que mante
nha o olhar na luz de fixação. O dispositivo eye tracking é ativado nesse momento. O excimer laser
é aplicado no leito estromal, de acordo com a programação prévia, e esse tratamento resultará
r
em diminuição de espessura do leito estromal. E totalmente imprescindível que a espessura
remanescente do leito estromal fique superior a 250 pm; caso contrário, pode-se desencadear
quadros graves de ectasia corneai. Após a fotoablação, a reposição do disco é feita com espátula
e realizada com manobra suave e uniforme para evitar a formação de dobras. Durante essa ma
nobra, a interface é irrigada com solução salina balanceada para a remoção de qualquer elemen
Ceratomileusis com Excim er Loser in Situ (LASIK) 561
to estranho. Com esponja, as margens do disco são secadas e o olho é deixado exposto à luz do
microscópio durante 3 a 4 minutos, para que o disco obtenha suficiente adesão pela desidrata
ção. Em seguida, retira-se o blefarostato e observa-se se o movimento palpebral do piscar não
desloca o disco. Ao final, utiliza-se uma concha de plástico para a proteção do olho e prescreve-
se o uso tópico de antibiótico e corticosteroide por 1 semana. A realização desse procedimento
com segurança exige treinamento do cirurgião, o que pode ser conseguido realizando-se cortes
de disco em cirurgia experimental, empregando-se, para tal, olho de porco.
Uma seleção criteriosa dos candidatos deve ser feita no exame oftálmico pré-operatório.
r
E importante que os candidatos sejam informados dos riscos potenciais e que suas motivações
e expectativas sejam discutidas. Geralmente são selecionadas pessoas com idades superiores
a 18 anos e com, pelo menos, 2 anos de estabilidade refracional.
No uso dos lasers de femtossegundo, a técnica cirúrgica é alterada de acordo com o mo
delo utilizado (há modelos em que o paciente precisa ser deslocado de uma maca, onde é
confeccionado o flap, para outra, onde será aplicado o excimer) ou pela curva de aprendizado
no manuseio do aparelho. Em geral, o disco corneano é mais liso que nos microcerátomos au
tomatizados. No modelo IntraLase, em que há mais dados na literatura, a formação de pontes
na interface é relatada, necessitando uma maior cuidado no levantamento do disco.
Em caso de uso do laser de femtossegundo para a confecção da lamela corneai, as seguin
tes observações são necessárias:
Primeiro, programa-se no aparelho a espessura e formato desejado da lamela. Geralmen
te, é necessário ativar o laser passando um código de barra que acompanha a embalagem das
partes descartáveis, comumente relacionadas ao vácuo imposto ao olho a ser operado. Após
a montagem do kit descartável e anestesia tópica dos olhos, posiciona-se ou o anel de vácuo,
em alguns aparelhos, ou a cabeça do aparelho, em outros modelos em que já vem acoplada
ao módulo de vácuo para apreensão do olho. Em alguns aparelhos, o nível de vácuo é produ
zido e monitorado de maneira digital e objetiva na tela do aparelho, após o acionamento do
vácuo, ou de maneira manual e não objetiva em outros tipos de lasers. Após o nível de vácuo
ser atingindo, há a liberação para a aplicação do laser quando o cirurgião desejar nos modelos
em que o módulo de vácuo já é acoplado à cabeça do laser (a aplanação da córnea se deu na
hora do posicionamento da cabeça no olho), ou baixa-se, por meio de um joystick, a cabeça do
laser, que fará a aplanação da córnea e aplicação do laser. Há tipos de laser de femtossegundo
em que a aplanação da córnea é mínima e imperceptível. Antes da aplicação do laser, deve-se
checar rapidamente a centralização do tratamento, que em geral é feito na tela do aparelho,
podendo modificá-la. Após o término da aplicação do laser, o vácuo é liberado automaticamen
te, ou manualmente, nos modelos em que o vácuo se dá com ajuda manual. Assim, levanta-se
a lamela para a aplicacão do excimer.
Atualmente, a tendência, baseada nos limites aprovados, tem sido indicar o LASIK no tra
tamento de miopias até -10,00 D, astigmatismos até 6,00 D e hipermetropias até +6,00 D.
MIOPIA
Assim como nos outros procedimentos refrativos, a acurácia e precisão do LASIK dependem
r
do grau de miopia tratada. E maior nas miopias baixas e moderadas. Um estudo mostrou que
562 Doenças Externas Oculares e Córnea
98% dos olhos com equivalente esférico (EE) de -3,61 D, seguidos por 12 meses após o LASIK,
encontravam-se com ±1,00 D do alvo e 93% obtiveram AVsc de 20/40, ou melhor. Outro estu
do mostrou que 63% dos olhos portadores de alta miopia com ou sem astigmatismo (miopia >
-6,00 D e astigmatismo entre 0 e -4,50 D) após 1 mês do LASIK encontravam-se com ± 1,00 D
de EE da emetropia e que 71% obtiveram AVsc de 20/40 ou melhor. Dados preliminares obtidos
de tratamento personalizado mostraram-se muito satisfatórios, com alto grau de eficiência e
segurança. Mais de 90% dos olhos conseguiram AVsc de 20/20 e 71% AVsc de 20/16. Ressalta-
se que, para 47% dos pacientes, a AVsc pós-operatória foi melhor que a AVcc pré-operatória.
HIPERMETROPIA
Foi bem demonstrado que níveis baixos e moderados de hipermetropia, astigmatismo hiper-
metrópico simples e astigmatismo hipermetrópico composto são corrigidos com eficácia e
segurança pelo LASIK.
A ablação para correção de hipermetropia leva ao encurvamento da córnea central, tornan
do a superfície anterior central mais prolada. Essas mudanças na curvatura corneai relacionadas
com o LASIK para hipermetropia (H-LASIK) associam-se com regressão da correção via hiperpla-
sia epitelial e/ou remodelamento estromal. A utilização de zonas de ablação maiores está asso
ciada a menor regressão e maior estabilidade do efeito refrativo. Pacientes com olho seco devem
ser alertados sobre a possibilidade de desenvolverem epiteliopatia neurotrófíca induzida pelo
LASIK (LINE), causada pelo corte dos nervos corneais e pelo encurvamento corneai.
O H-LASIK é mais efetivo no tratamento de EE de hipermetropia entre +1,00 D e +6,00
D, com ou sem astigmatismo. Um estudo mostrou que hipermetropia primária (EE de +1,73 ±
0,70 D) obteve 1 ano após o LASIK o EE de -0,18 ± 1,08 D. Outro estudo em que a hiperme
tropia foi classificada como baixa (+1,00 D a +2,00 D), moderada (+2,01 D a +3,00 D) e alta
(acima de +3,01 D) mostrou, 1 ano após o LASIK, que 94% dos pacientes com hipermetropia
alta apresentavam refração com ±1 D da emetropia. Outro estudo mostrou boa previsibili
dade na redução do EE com H-LASIK para tratamento de hipermetropia secundária após RK.
Nesse estudo, 88% dos olhos estavam ±1 D da emetropia, 95% obtiveram AVsc de 20/40, ou
melhor. Estudos com seguimento maior são necessários para confirmar a estabilidade refrativa
nesses olhos.
Os resultados preliminares com o tratamento personalizado não se mostraram vantajosos
em relação ao tratamento-padrão em todos os grupos avaliados.
ASTIGMATISMO
LASIK após RK
Muitos estudos têm mostrado que o LASIK é seguro e efetivo no tratamento tanto de miopia
r
residual quanto de hipermetropia induzida pela RK. E necessário haver estabilização do erro re
frativo, suspensão do uso de LC por no mínimo 4 a 6 semanas e cuidadosa revisão das incisões
da RK, uma vez que a presença de cistos de inclusão epitelial aumenta o risco de epitelização
da interface, e esses pacientes devem ser evitados. Recomenda-se o uso de plataforma de 180
j L t m para confeccionar o disco (se a espessura corneai permitir), manipulação cuidadosa do disco
para não abrir as incisões e seguimento frequente do paciente no pós-operatório pelo maior
•\
LASIK pós-faco
Alguns estudos têm mostrado a eficácia e segurança do LASIK na correção de erro refrativo
r
residual após a facectomia. E prudente esperar ao menos 3 meses da facectomia para esse
tipo de correção.
COMPLICAÇÕES
rio de LASIK geralmente transcorre de forma bastante confortável. Em uma evolução normal,
apenas algum lacrimejamento, sensação de corpo estranho e sensibilidade à luz ocorrem. Es
ses são pequenos problemas que se resolvem rapidamente.
Qualquer dor mais intensa, que persista apesar do uso de analgésico comum, como dipi-
rona ou acetaminofeno, requer exame à lâmpada de fenda. A ocorrência de dor geralmente
está relacionada com erosão do epitélio, defeito ou deslocamento do disco ou, ainda, posição
defeituosa. Esses problemas são mais comuns nas reoperações. As complicações mais comuns
no pós-operatório de LASIK são as seguintes:
Erosão do epitélio: Nos casos em que ocorre erosão do epitélio, deve ser feita a reposição
ou a retirada da parte lesionada e colocada lente de contato gelatinosa terapêutica, que per
manecerá no olho durante 24 a 48 horas, até que ocorra a reepitelização. Devido ao aumento
do risco de infecção, deve ser feito o uso tópico de antibióticos.
Deslocamento do disco: O deslocamento ocorre mais comumente nas primeiras 24 horas
de pós-operatório, antes do crescimento do epitélio sobre o local do corte da lamela. Exis
tem várias causas potenciais. Uma das mais comuns é o tempo de espera insuficiente para a
aderência do disco. O tempo recomendado varia de 1 a 5 minutos. Aguardar 2 a 3 minutos
tem sido uma conduta que reduz consideravelmente a possibilidade de deslocamento. Seria
conveniente manter o centro da córnea úmido e a periferia seca para facilitar a aderência e
ainda fazer o teste da estria antes de retirar o blefarostato. Outras causas são as utilizações de
curativo após a cirurgia, comprimindo e causando distorção do disco, o ato de coçar o olho, o
toque da pálpebra superior contra a borda do disco, quando o corte é horizontal, exoftalmo,
lagoftalmo, piscar incompleto, disfunção do filme lacrimal, irrigação excessiva da interface,
hidratação do estróina e aderência ruim do disco. Mesmo com boa aderência, se a superfície
seca, a fricção da pálpebra contra o disco pode provocar o seu deslocamento. O uso de lente
de contato terapêutica durante as primeiras 24 horas, evitando o toque direto da pálpebra
contra a borda do disco, pode ser útil na prevenção dessa complicação, assim como a apli
cação de colírios umidificantes e câmara úmida, mantendo a superfície corneai umidificada,
diminuindo o atrito da pálpebra contra a córnea.
Em caso de deslocamento, a reposição do disco deve ser feita o mais rapidamente pos
sível, evitando a formação de estrias. Quando não se consegue a aderência satisfatória, pode
ser necessário suturar o disco.
Perda do disco: Essa é uma complicação rara na atualidade, porém ainda pode ocorrer
quando se obtém um disco livre durante a cirurgia. Uma falha mecânica do microcerátomo,
uma córnea grande e plana, com ceratometria abaixo de 41,00 D e perda da sucção durante a
passagem do microcerátomo podem causar a ocorrência de disco livre. A rotura do pedículo
pelo paciente, ao coçar o olho, também pode ser uma causa. Um astigmatismo irregular inten
so ou uma mudança imprevisível na refração podem ocorrer.
Descentralização do disco: A movimentação do olho antes de atingir o nível de vácuo ne
cessário à apreensão pode ser uma causa desse tipo de complicação. Outra causa importante é
a descentração do anel de vácuo. No caso de uso do laser de femtossegundo, a não observação
do olho do paciente, durante posicionamento do aparelho e/ou no momento de aplicação do
laser, também é causa desse tipo de descentração.
Corpo estranho na interface: Material estranho, como fragmentos de metal, fiapos, partí
culas de lipídios, muco e talco, pode estar presente na interface. Geralmente, esses materiais
566 Doenças Externas Oculares e Córnea
primeiro mês. Portanto, é possível ocorrer sensação de olho seco já nos primeiros dias de pós-
operatório, embora seja mais comum após a primeira semana. Na técnica de LASIK são corta
dos nervos corneais e terminações nervosas são destruídas pela fotoablação no leito estromal,
causando diminuição temporária da sensibilidade, que, por sua vez, determina redução da se
creção lacrimal basal e reflexa e da frequência do piscar. A mudança na asfericidade da córnea
determina instabilidade do filme lacrimal e redução do tempo de rotura do filme lacrimal. A di
minuição da sensibilidade corneai persiste por 3 a 6 meses, mas os sintomas podem demorar
mais tempo para desaparecerem. O tratamento é feito por meio da reposição lacrimal ou mes
mo pela oclusão temporária dos pontos lacrimais. Pacientes com teste de Schirmer abaixo de
10 mm e secreção basal abaixo de 5 mm têm um risco maior de apresentar sintomas de olho
seco, após a cirurgia, e devem ser avaliados com cautela quanto à indicação do procedimento.
No uso do laser de femtossegundo, há relatos de menor incidência de olho seco, descre
vendo como principais causas possíveis o menor dano aos nervos corneanos pelo disco mais
fino e/ou as células limbares pelo anel de fixação do laser.
Crescimento epitelial na interface: O crescimento epitelial na interface geralmente é per
cebido algumas semanas após a operação. Ocorre em 2 a 3% das reoperações para correção de
miopia e em cerca de \% após o procedimento primário (Fig. 9).
Na correção da hipermetropia, como o diâmetro da zona de ablação é maior e, às vezes,
chega até a borda do disco, há maior ocorrência de crescimento de epitélio na interface. Na
maioria dos casos, o epitélio está localizado próximo à borda do disco, não interfere na visão
e não requer tratamento. Quando o epitélio está localizado mais centralmente, ele pode cau
sar astigmatismo irregular e interferir na acuidade visual. Eventualmente, os pacientes podem
queixar-se de dor, que seria decorrente da irritação dos nervos corneais na interface. O risco
de crescimento epitelial é maior nos casos de reoperações em que irregularidades da borda
do disco podem ocorrer durante a sua confecção. Para diminuir esse risco, as bordas do leito
estromal devem ser cuidadosamente limpas antes da reposição do disco. O tratamento consis
te em levantar o disco, fazendo antes a remoção do epitélio junto à sua borda, com espátula
ou pinça. A seguir, deve ser realizado um debridamento do leito estromal e também da face
interna do disco. Utiliza-se esponja de merocel que é passada sobre a superfície somente uma
vez e, então, descartada, para evitar a reintrodução do epitélio na interface. Em raros casos, o
crescimento é agressivo, podendo ocorrer necrose, e a sua remoção deve ser imediata. O cres
cimento epitelial pode ser minimizado ou prevenido evitando o toque, no leito estromal, de
instrumentos que estiveram em contato com o epitélio. A irrigação sob o disco diminui essa
possibilidade, embora isso também possa introduzir células epiteliais na interface. Dois estu
dos relatam uma menor incidência de epitelização na interface com o laser de femtossegundo.
Ceratite infecciosa: O defeito epitelial quando se utiliza a técnica de LASIK, ao contrário
do que acontece em PRK, ocorre apenas no local do corte, e a reepitelização ocorre, geral
mente, nas primeiras 24 horas. Esse fato faz com que a ceratite infecciosa pós-LASIK seja rara,
cerca de 1 caso para cada 5.000 procedimentos, havendo, entretanto, certa divergência entre
os estudos publicados.
Atuam como fatores predisponentes blefarite, olho seco, uso de lentes de contato e ma
quiagem no pré-operatório, além do uso de lentes de contato no pós-operatório. A lente
de contato reduz o efeito da lavagem da superfície corneai pela lágrima e a renovação dos
componentes de defesa, como lisozima e leucócitos. A utilização de corticosteroide também
predispõe à infecção. Dor, hiperemia ocular, fotofobia, lacrimejamento e diminuição da acui-
dade visual estão entre as primeiras queixas do portador de infecção. A biomicroscopia são
observados defeito epitelial, reação de câmara anterior, infiltrados esbranquiçados ou branco-
amarelados e edema de córnea. No caso de infecção por bactérias Gram-positivas, geralmente
se observam úlcera ou infiltração única. Quando se trata de fungos ou micobactérias, são co
muns as lesões satélites ao foco infeccioso primário, podendo ocorrer hipópio. Infecções que
surgem na primeira semana de pós-operatório são causadas, mais comumente, por Streptococ
cus sp. e, após a segunda semana, mais frequentemente por bactérias filamentosas (Mycobac
terium sp. e Nocarclia sp.) e fungos.
O tratamento de ceratite infecciosa deve ser iniciado assim que ocorrer a suspeita e ime
diatamente após a coleta de material para cultura e antibiograma. A pesquisa de fungos, bac
térias e parasitos é um procedimento obrigatório. O material deve ser coletado da área de
infiltrado, levantando-se o disco quando necessário. Nesse caso, deve-se coletar material do
disco e do leito estromal. O tratamento pode ser iniciado com quinolona de quarta geração
(gatifloxacino ou moxifloxacino) ou com a associação de antibióticos fortificados (cefalotina
50 mg/ml e tobramicina 14 mg/ ml ou amicacina mais tobramicina), instilados a cada hora, até
se obterem os resultados dos exames laboratoriais. O tratamento oral e tópico com claritro-
micina (500 mg VO 2 vezes/dia) é empregado no controle de infecções por micobactérias. Em
alguns casos, pode ser necessária a amputação do disco.
Considerando a gravidade de uma infecção de córnea, medidas preventivas precisam ser
tomadas para prevenir essa complicação. Se o paciente apresenta blefarite, ela tem que ser
tratada antes da cirurgia. Nos casos de disfunção lacrimal, é necessário verificar a resposta ao
tratamento antes de submeter o paciente à operação. A utilização de iodopovidona colírio a
5%, 30 a 60 minutos antes da cirurgia, pode ser eficiente na prevenção de infecção, assim como
cuidados de antissepsia e assepsia. No pós-operatório, deve ser prescrito antibiótico tópico,
recomendando-se ao paciente não deixar entrar água no olho durante os primeiros dias, não
usar piscinas, banheiras de hidromassagem, saunas e evitar situações e locais onde haja um
risco maior de exposição a agentes infectantes, durante as primeiras semanas.
Ceratite lamelar difusa (DLK): Trata-se de reação inflamatória, não infecciosa, que ocorre
na interface da cirurgia de LASIK. A causa é desconhecida. O aspecto difuso, a ausência de
um foco único, a boa resposta ao tratamento com corticosteroide sugerem um processo não
infeccioso. Uma reação tóxica ou alérgica parece ser a causa mais provável. A complicação
seria desencadeada por antígenos ou toxinas introduzidas na interface ao tempo da cirurgia,
Ceratomileusis com Excim er Laser in Situ (LASIK) 569
podendo ser secreção das glândulas meibomianas, antígenos Gram-negativos, associados com
água estagnada nos sistemas de limpeza e desinfecção, material acumulado dentro de cânulas,
antisséptico, ferrugem da lâmina ou do microcerátomo. A DLK pode, entretanto, ocorrer nas
reoperações sem a utilização do microcerátomo. O lipopolissacarídeo (endotoxina) liberado
com a morte de bactérias é extremamente tóxico para o estroma corneai. A ceratite lamelar
difusa surge entre o primeiro e o sexto dias após a cirurgia.
O diagnóstico é feito pela história e o exame clínico. O paciente pode apresentar diminui
ção da acuidade visual e fotofobia, mas, na maioria dos casos, não apresenta sintomatologia
nos primeiros estágios. Lineberger classificou a DLK da seguinte forma:
Estádio 1: observa-se, à biomicroscopia, infiltrado de aspecto granular difuso, na periferia
da interface, sem comprometer o eixo visual. Muitas vezes não é diagnosticado. Ocorre cerca
de 1 caso para cada 25 a 50 olhos operados.
Estádio 2: mais frequente após 2 a 3 dias de pós-operatório. O infiltrado migra para o
centro, comprometendo o eixo visual, e origina o aspecto que recebeu o nome de síndrome
das areias do Saara.
Estádio 3: o infiltrado é mais denso no centro com relativo clareamento da periferia, po
dendo, entretanto, ser intenso no centro e na periferia. Não há hiperemia associada nem rea
ção de câmara anterior. A acuidade visual está diminuída. Ocorre 1 caso para cada 500 olhos
operados (Fig. 10).
Estádio 4: é o estádio final da DLK não tratada ou tratada de forma inadequada. A ceratite
é intensa, com necrose e cicatrização permanente. O acúmulo de células inflamatórias na re
gião central e a liberação de colagenases e outras enzimas proteolíticas promovem o consumo
de tecido estromal, levando à hipermetropia induzida, astigmatismo irregular e baixa da acui
dade visual corrigida. Ocorre 1 caso para cada 5.000 olhos operados.
Os estádios 1 e 2 respondem bem ao tratamento intensivo feito com corticosteroide tópi
co. Os estádios 3 e 4 geralmente requerem o levantamento da lamela e irrigação da interface
seguida de tratamento intensivo com corticoide tópico. O esteroide é ministrado a cada hora,
durante 1 semana, reduzindo-se gradualmente a dose.
A limpeza rigorosa do microcerátomo e todos os instrumentos cirúrgicos, evitando-se a
reutilização de cânulas e lâminas, pode ajudar a prevenir a ocorrência da ceratite lamelar da
interface.
Ectasia corneai: A ectasia corneai que ocorre após a cirurgia de LASIK é uma complicação
pouco comum, que usualmente surge de 1 a 12 meses após o procedimento cirúrgico. A maio-
ria dos casos ocorre em pacientes míopes, que foram submetidos à correção acima de -8,00
D, com espessura corneai final menor que 400 jum e estroma posterior abaixo de 250 pm. En
tretanto, exceções têm sido relatadas. Em um estudo retrospectivo de 10 olhos de 7 pacientes
que desenvolveram ectasia pós-LASIK, todos os pacientes apresentavam ou formas frustras
de ceratocone (88%) ou estroma posterior residual abaixo de 250 pm. Geralmente, a ectasia
manifesta-se com regressão do efeito cirúrgico, perda da melhor acuidade visual corrigida e
astigmatismo irregular. A topografia mostra a existência de astigmatismo irregular com encur-
vamento inferior da córnea. O Orbscan evidencia ectasia no mapa de elevação posterior, coin
cidindo com a área mais fina, no mapa de paquimetria. O melhor recurso para esses pacientes
é a adaptação de lente de contato rígida gás-permeável. Porém, alguns podem necessitar de
transplante de córnea. A prevenção dessa complicação consiste em não operar pacientes com
qualquer forma de ceratocone ou com afilamento corneai. A ocorrência de ectasia pode ser
evitada respeitando-se um mínimo de 250 pm de estroma posterior e uma espessura corneai
mínima de 410 pm após o LASIK. Knorz e Vossmerbaeumer (2008) compararam a adesão do
disco corneai em LASIK com microcerátomo e laser de femtossegundo. Relataram que a adesão
é maior nos discos realizados com laser, diminuindo as chances de deslocamento do disco e
possivelmente de ectasia.
Cicatrização: A morte celular estromal no LASIK com laser de femtossegundo se dá por
necrose, diferentemente da apoptose observada no emprego do microcerátomo. A necrose
celular gera inflamação. Também já foi demonstrado correlação direta entre a quantidade de
energia utilizada pelo laser de femtossegundo e a morte celular estromal e a inflamação. Num
estudo comparativo entre a confecção de disco corneai com o IntraLase de 15 kHz, 30 kHz, 60
kHz e o microcerátomo Hansatome, foi demonstrado haver maior inflamação e necrose celular
com o laser de 15 kHz frente aos outros grupos. Também não houve diferença significativa na
intensidade da morte celular e presença de inflamação no centro da córnea entre o laser de 60
kHz e o microcerátomo na confecção do disco corneano.
Três novas complicações surgiram com o advento do laser de femtossegundo: camada de
bolhas opaca (opaque bubble layerou OBL), síndrome de sensibilidade luminosa transitória (tran-
sient light-sensitivity syndrome ou TLSS) e halos coloridos ou em arco-íris (rainbow glare).
As OBL não são descritas quando da utilização de lasers de femtossegundo de baixa ener
gia. São mais descritas com o IntraLase, também pela maior experiência e dados na literatu
ra. A fotodisrupção com o laser cria bolhas de gás carbônico e água que podem levantar um
pouco o disco corneai e até perfurar discos mais finos. Essa camada de bolhas pode também
interferir na eficácia do eye-tracking durante a aplicação do excimer laser. Também há relatos da
presença dessas bolhas na câmara anterior.
A síndrome de sensibilidade luminosa transitória é mais frequente no uso dos lasers de
r
femtossegundo de 6 e 15 kHz, sendo raramente observada nos lasers de 30 e 60 kHz. E descri
ta como um aumento a sensibilidade luminosa após LASIK com laser de femtossegundo sem
intercorrência, após 2 a 6 semanas da cirurgia, apesar de boa acuidade visual e exame normal
à biomicroscopia. Apesar de ter etiologia desconhecida, é relacionada à inflamação. Algumas
hipóteses foram levantadas, tais como migração de citocinas da interface para a íris e esclera
e depósitos de clebris necróticos ou subprodutos das bolhas de gás; ativação de ceratócitos na
interface. O tratamento recomendado é a utilização de corticosteroides tópicos com maior
intensidade, podendo ser necessária a complementação oral também.
Ceratomileusis com Excim er Loser in Situ (LASIK) 571
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Personalização na
Cirurgia Refrativa
MÉTODOS DE MEDIDA
O poder do sistema óptico humano pode ser medido pela caracterização de cada interface ou
dioptro, como a face anterior da córnea, face posterior, humor aquoso, e assim por diante,
■\
ou pela consequência que essas interfaces em conjunto causam à luz que penetra o olho. A
medida da sua consequência, chamamos de refratometria, e ao ajuste cognitivo, refratometria
subjetiva. Tínhamos, como já citado, somente 3 grandezas para definir a refração do paciente:
seu componente esférico (míope ou hipermetrope), seu componente cilíndrico (astigmatismo)
e o eixo desse componente cilíndrico (eixo do astigmatismo), e tais componentes eram defi
nidos por interpolações (aproximações) matemáticas a partir de um sistema óptico que geral
mente apresenta irregularidades finas, ou detalhes, que são as aberrações de alta ordem. Com
o auxílio da computação, as aproximações e interpolações não precisaram mais ser realizadas,
e os sistemas puderam ser avaliados em toda a sua complexidade e extensão, pois os com
putadores permitiram verificar e apresentar superfícies complexas. Um dos primeiros usos
dessa tecnologia computacional foi a videoceratografia corneana computadorizada, também
chamada topografia corneana. A análise pormenorizada do reflexo dos anéis de Plácido pela
superfície anterior da córnea produz um mapa onde é possível a localização de áreas ou pon
tos mais curvos e mais planos da córnea, e a reconstrução da forma da mesma, de um modo
mais real do que com a aproximação das esferas e cilindros. Tal mapa não é igual em dois indi
víduos, sendo, portanto, personalizado. A mesma determinação de um dioptro é possível para
a face posterior da córnea, por meio da análise de fendas de luz, cuja obtenção é baseada no
princípio de Scheimplug. Porém, para a reconstrução de toda a refração, ou poder dioptrico
ocular, precisaríamos saber a forma e posição de todos os dioptros (ou pelo menos dos mais
importantes), e ainda não conseguimos a imagem e análise das faces do cristalino, e nem da
posição acurada da retina, em relação à linha de visão. Utilizamos, então, a consequência da
luz ao penetrar no olho humano, capturando o desvio da luz retilínea em cada ponto da pu
pila de entrada do paciente, ou em sua retina. A partir desses desvios, montam-se os mapas
de uma superfície refrativa, onde não mais observamos esferas e cilindros, mas a posição dos
raios em cada ponto. Temos novamente um mapa individualizado, onde a refração de todo
o sistema é personalizada. A esse método denominamos aberrometria ocular, ou análise de
frentes de onda.
POSSIBILIDADES DE CORREÇÃO
Resultados atuais
Futuro
é multifacetada, e até que haja um grande número de pacientes tratados (milhares) por um
tempo longo (anos), nossas respostas são limitadas, e os estudos devem seguir seu caráter
experimental. A utilização rotineira da tecnologia é responsabilidade da sociedade e de seus
órgãos de controle, como a ANVISA. Um campo onde a personalização deve avançar certamen
te é o das lentes intraoculares (LIO), por se tratar de próteses que podem ser fabricadas extra-
corporeamente, com total imobilização e grande precisão. Na fase de fabricação, as LIO não
respondem ao ambiente orgânico do corpo humano, e, sendo inertes, podem ser moldadas
ou injetadas de acordo com quase todas as especificações que oferecermos aos tornos mecâ
nicos computadorizados. Já podemos ter LIO bifocais e tóricas; também já podemos ter LIO
irregulares e prismáticas, para casos especiais, ou específicos, ou individuais. A tecnologia do
diagnóstico já permite tal individualização, e a fabricação pode seguir tal padrão, porém uma
grande barreira é o custo da fabricação em pequena escala dessas próteses. O ganho do capital
na produção em larga escala, espetacularmente explorado até hoje, deve abrir um pequeno
(por hora) espaço para a produção individual. Esse pode ser um dos futuros esperados. Melho
ra na gestão de produtos oculares de modo a possibilitar, sem um aumento extraordinário de
custos, a entrega de soluções individuais. Outra fronteira a ser observada é a que aposta em
próteses com capacidade de adaptação própria (inteligência?), que podem responder a estí
mulos externos, como luz ou forças mecânicas, e se adaptar, ou ser moldada posteriormente,
às necessidades dos pacientes. Todos esses resultados dependem de investimento e condições
culturais favoráveis à inovação, e esse parece ser o maior desafio nacional. Criar, desenvolver,
testar e exportar produtos de alto valor agregado.
do
Crosslinking
Colágeno Corneano
INTRODUÇÃO
Crosslinking (CXL) do colágeno corneano é nome de uma técnica inovadora no tratamento de
doenças progressivas da córnea que levam à ectasia primária, como no caso do ceratocone e
Degeneração Marginal Pelúcida, e secundárias, como na ectasia pós-cirurgia refrativa, espe
cialmente após o excimer laser intraestromal associado à Ceratomileusis.
Consiste na irradiação, com luz ultravioleta A (370 nm), da córnea embebida com solução
de riboflavina a 0 , l ^ , agente fotossensível que produz radicais livres de 0 2 quando irradiado
pela luz UVA. Estes, quando presentes no estroma corneano, induzem a formação de novas
ligações covalentes inter e intrafibras de colágeno do estroma anterior da córnea, pois são es
pécies reativas, que conectam duas cadeias proteicas de colágeno, semelhante ao que ocorre
na fotopolimerização de polímeros.
Além desse efeito de novas ligações covalentes, o crosslinking do colágeno corneano pro
duz efeitos bioquímicos relevantes: a reorganização das fibras de colágeno anteriores, a maior
resistência às enzimas proteolíticas do estroma corneano, aumento no diâmetro da fibra de
colágeno corneano (já demonstrado em modelos animais) e a apoptose dos ceratócitos na pro
fundidade de 250 a 300 micra do estroma corneano. Todas essas alterações podem modificar
a biomecânica da córnea, já que aumentam sua rigidez e resistência.
Sabe-se que a riboflavina (ou vitamina B I2) tem duas importantes funções: ela absorve a
luz UVA e atua como agente fotossensível para a geração de espécies reativas de oxigênio (0-),
a partir dos quais se desenrolam os efeitos bioquímicos do CXL. A riboflavina atua também
como barreira à penetração da luz UVA, protegendo as estruturas mais internas do olho dos
possíveis efeitos deletérios da irradiação: lesão ao endotélio corneano, catarata, retinopatia,
maculopatia etc.
Recentemente, foi publicado estudo utilizando two-photon microscopy (TPM), técnica não
invasiva que utiliza a autofluorescência dos tecidos, e foi capaz, em modelos experimentais de
577
Doenças Externas Oculares e Córnea
INDICAÇÕES
Degenerações ectásicas
C eratocone
Ectasia Pós-LASIK
A ectasia pós-LASIK (laser-asslstecl in situ kercitomileusis), é uma complicação rara, mas bastante
temida do LASIK, cujas causas ainda não estão completamente estabelecidas. Evidentemente,
a prevenção da ectasia é a melhor estratégia, e deve-se ter especial atenção para reconhecer
córneas “de risco”, no pré-operatório das cirurgias refrativas.
Há autores que propõem a elevação do disco de córnea, que então é suturado utilizando
pontos contínuos e ininterruptos de náilon 10-0, na tentativa de regularizar a curvatura cor
neana.
Estudos de literatura recentes mostraram que o crosslinking do colágeno corneano pode
interromper e, em alguns casos, parcialmente reverter a progressão da ectasia iatrogênica
após o LASIK, provavelmente decorrente do aumento da estabilidade biomecânica da córnea
obtida após o procedimento.
CERATOPATIA BOLHOSA
Ceratopatia bolhosa é séria complicação dos procedimentos cirúrgicos intraoculares, e consi
derada a principal indicação de ceratoplastia em todo o mundo.
Na teoria, o CXL representa uma alternativa para minimizar a dor ocular através da redu
ção da formação de micro e macrobolhas, decorrente da melhora do edema da córnea doente.
No entanto, publicações recentes mostraram que os pacientes tratados apresentaram melhora
580 Doenças Externas Oculares e Córnea
do edema de córnea, dor ocular e da transparência corneana logo após o procedimento; po
rém, o efeito é temporário, com recorrência do quadro dentro de 6 meses.
Aparentemente, o CXL pode beneficiar olhos que ainda não estão clinicamente descom-
pensados, mas já apresentam comprometimento endotelial. Isso porque estudo utilizando
imunofluorescência confocal mostrou efeito reduzido do crosslinking do colágeno nos casos
mais avançados e com fibrose estromal, justificando o achado clínico dos demais estudos, que
apontaram efeito reduzido e recorrência mais precoce nos casos mais avançados.
Ainda assim, o CXL com riboflavina tem a vantagem da ausência de cicatrizes na superfície
da córnea, ao contrário dos métodos conservadores tradicionais, como micropuntura ou cau
terização, permitindo técnicas cirúrgicas que preservam a superfície anterior, se for necessária
abordagem cirúrgica futura. Além disso, pode ser considerado opção temporária e paliativa para
reduzir o edema de córnea e dor ocular, retardando a indicação cirúrgica nos casos mais brandos
da doença.
CERATITE INFECCIOSA
A ideia de aplicação do CXL nos casos de ceratite infecciosa baseia-se no seu efeito tóxico con
tra os patógenos, além de maior resistência às colagenases especialmente na metade anterior
da córnea, que foi demonstrado em modelos experimentais, já que a atividade colegenolítica
aumentada é o mecanismo mais importante na úlcera de córnea.
Relato de série de casos mostrou que o CXL pode ser benéfico no tratamento de casos
difíceis de ceratite infecciosa, já que houve melhora dos sintomas dos pacientes tratados, con
trole do melting corneano e epitelização corneana.
Recentemente publicado um relato de caso de paciente em melting corneano devido à úl
cera de córnea por Pseudomonas cieruginosa mostrou efeito benéfico do CXL, em que o melting
corneano foi controlado e a lesão, cicatrizada após o procedimento.
Apesar disso, estudos in vitro controlados foram pouco animadores quanto ao uso do
CXL para tratamento de ceratites infeciosas, de etiologia bacteriana, herpética e por Acan-
thamoeba.
CONTRAINDICAÇÕES
PRÉ-OPERATÓRIO
TÉCNICA CIRÚRGICA
O tratamento deve ser realizado sob condições de assepsia e antissepsia, em sala cirúrgica.
Inicia-se o procedimento com a instilação colírio de proximetacaína a l^ e pilocarpina a 2%(2
vezes), seguido de assepsia e desepitelização corneana nos 8 mm centrais da córnea. Procede-
se então à embebição da córnea com solução de riboflavina a 0,1%, que é instilada a cada 5
minutos, por 30 minutos. Inicia-se então a irradiação da córnea com luz UVA (370 mn), irradi-
ância de 3 mW/cm2, por 30 minutos, estando a fonte emissora a 45 mm do ápice da córnea.
Durante a irradiação, deve-se reinstilar colírio de riboflavina a cada 5 minutos e de proxime
tacaína a 1% a cada 15 min.
Doenças Externas Oculares e Córnea
Após finalizado o tratamento, coloca-se lente de contato terapêutica, que deve permane
cer até a completa reepitelização da córnea.
Todos os passos do procedimento são igualmente importantes. Estudos mostraram que a
não remoção do epitélio (hidrofóbico) impede a difusão completa e homogênea da riboflavina
(hidrossolúvel) pelo estroma corneano, diminuindo o efeito bioquímico em aproximadamente
um quinto daquele obtido pelo método tradicional.
Kapasi et al. sugere, em seu estudo, que o CXL em que a remoção epitelial utiliza o excimer laser
(PTK CXL) parece ser superior ao CXL com remoção epitelial mecânica em termos de resultados
visuais. Isso porque o laser, além de remover o epitélio, regulariza a superfície irregular da córnea
ectásica, já que, ao remover tecido em uma espessura constante, retira pouco tecido estromal do
ápice do cone juntamente com o epitélio, regularizando a superfície anterior da córnea.
Em outro estudo, Wollensak et al. concluíram que, sem riboflavina, a absorção da luz UVA
seria reduzida na córnea em apenas 30%, com 50% da absorção pelo cristalino, ratificando a
importância da riboflavina no procedimento.
PÓS-OPERATÓRIO
No pós-operatório, como já dito, coloca-se lente de contato terapêutica, que deve permanecer
até a completa reepitelização da córnea, mínimo de 3 a 5 dias.
Crosslinking do Colágeno Corneano
O paciente deve fazer uso de antibiótico tópico (moxifloxacino ou gatifloxacino a 0,3%) até
o fechamento do epitélio (cerca de 5 dias), esteroide tópico (fluormetolona a 0,1%) por 3 se
manas, AINE tópico (cetrolaco de trometamina) por apenas 2 dias e analgésico oral (dipirona,
paracetamol), os dois últimos para alívio da dor.
A frequência de visitas de pós-operatório depende de cada cirurgião, mas geralmente o
paciente é visto no primeiro e sétimo dias de pós-operatório, 1, 3, 6 e 12 meses após o tra
tamento.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O crosslinking do colágeno corneano é procedimento seguro, com baixo risco de complicações,
cada vez mais utilizado em oftalmologia. Já está bem estabelecido, na literatura mundial, o
benefício de seu uso para a estabilização de ectasias corneanas em progressão, sendo op
ção válida para a redução das indicações de transplantes de córnea. Associar o CXL a outros
procedimentos ceratorrefrativos, como anel intraestromal e ceratectomia fotorrefrativa, deve
584 Doenças Externas Oculares e Córnea
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índice Alfabético
Números em itálico são referentes às figuras. Os números em negrito indicam onde os assuntos são abor
dados mais extensamente.
A Amiodarona
depósitos corneanos por, 103
Ablação estromal, 522
Anaeróbios
Abrasão corneai, 338
pesquisa de, 45
Acanthcimoeba sp, 70
Anel intraestromal, 161, 503-518
ceratite por, 75, 102, 159
características, 504
achados clínicos, 159
complicações, 514
diagnóstico, 160
contraindicações, 505
sintomas, 159
cultura de, 53 descrição geral, 503
infecções por, 411 indicações, 505
núcleo da, 71 mecanismo de ação, 506
pesquisa de, 52 nomograma, 506
r
587
Doenças Externas Oculares e Córnea
Mineral função, 93
alterações do metabolismo, 304 óptica, 93
Miopia, 561 Parinaud
Mitomicina C, 426 síndrome oculoglandular de, 128
como terapia adjuvante, 459 Penfigoide ocular cicatricial, 184
Molusco contagioso, 135 diagnóstico, 186
apresentação clínica, 135 diferencial, 186
patogênese, 135 etiopatogenia, 184
tratamento, 135 introdução, 184
Mooren quadro clínico, 184
úlcera de, 201-203 tratamento, 186
Mucolipidose, 299 Pentacam, 110
achados clínicos, 299 técnica de, 110
avaliação laboratorial, 299 Peters
Mucopolissacaridose, 295 anomalia de, 292,293, 480
achados clínicos, 295 Placa ceratótica, 312
definição, 295 Plácido
patogênese, 295 disco de, 110
Polimorfonucleares, 17
N Proteínas
Nanoftalmo, 288 alterações do metabolismo das, 302
definição, 288 Pterígio, 455-463
sintomas, 288 ceratoplastia lamelar, 461
Necrose escleral, 426 cola de fibrina, 461
Neoplasia intiaepitelial, 313 conduta, 457
Nevo, 317 definição, 455
Nomograma, 506 epidemiologia e etiopatogenia, 455
história natural, 456
morfologia, 457
taxa de recorrência, 461
Ocridine Orange transplante de conjuntiva, 458
coloração de, 43 transplante de membrana amniótica, 460
Olho uso de mitomicina C, 459
estrutura e função da região externa do, 5-12
seco, 219
Q
classificação do, 219
Orbscan Queratinização, 24
aparelho, 113
princípio do, 112 R
função, 94 T
Retroiluminação, 82
Tecido conjuntivo
Rosa-bengala
subepitelial, 14
corante, 84
Tecido linfoide, 16
teste de, 85
Tenon
Rosácea, 189, 265-267
cápsula de, 8
características, 265
Terrien
diagnóstico, 190 degeneração marginal de, 376
diferencial, 266 Teste
fisiopatologia, 189 de Schirmer, 2/5
introdução, 189 Tetraciclina
sinais e sintomas, 190 e derivados, 235
tratamento, 190 Thygeson
RTVUE ceratite superficial de, 269-272
sistema, 112 diagnóstico diferencial, 271
epidemiologia, 269
S etiopatogenia, 269
Schirmer introdução, 269
quadro clínico, 270
teste de, 2/5
tratamento, 271
Segmento anterior
Tirosinemia, 301
angiografia fluorescente do, 113
Toluidina
desenvolvimento embriológico do, 6
azul de, 85
disgenesias do, 480
corante, 85
ecografia do, 113
Tomografia
propedêutica do
de coerência óptica (OCT), 111
tomografia e biomicroscopia ultrassónica,
princípios da, 111
109-114
do segmento anterior, 109
Seidel
Topografia corneana, 95
teste de, 84
Tracoma, 25, 73, 168
Síndrome
diagnóstico, 169
da imunodeficiência adquirida
processo cicatricial no, 28
portadores de, 60 Transplante de células germinativas, 443-454
de Sjogren, 225-236 Transplante de conjuntiva, 458
critérios diagnósticos, 228 Transplante de córnea em crianças, 479-487
epidemiologia, 226 complicações, 484
quadro clínico, 226 cuidado pós-operatório, 484
manifestações, 226-228 doenças metabólicas, 482
introdução, 225 indicações, 479
tratamento, 229 introdução, 479
oculoglandular de Parinaud, 128 resultados, 485
Sistema Scheimpflug tratamento cirúrgico, 483
conceitos do, 109 tumores, 482
Soro autólogo, 234 Transplante de córnea penetrante, 465-478
Sundmacher abordagem clínico-cirúrgica, 467
técnica de, 450 conceitos básicos, 465
Superfície ocular Transplante de córnea tectônico, 407-413
estudo da, 213-217 introdução, 407
imunologia da, 13-22 perfurações, 407, 409
tipos de reação de hipersensibilidade, 19 técnica cirúrgica, 412
lubrificantes e outras medicações para a, 231 tratamento cirúrgico, 408
Doenças Externas Oculares e Córnea