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3
MARCONI, Marina de Andrade. Metodologia Científica: Para o curso de direito. 2. ed. São Paulo: Atlas,
2001. p. 48.
4
LAKATOS, Eva Maria; MARCONI, Marina de Andrade. Fundamentos de Metodologia Científica. 5. ed.
São Paulo: Atlas, 2013. p. 183.
13
configuração que influenciaram o Direito Penal em sentido amplo, alcançando o processo penal.
Em seguida, será realizada a análise de como se insere a colaboração premiada no âmbito das
ciências jurídico-criminais, e da própria dogmática jurídico-criminal, o que se sustentará,
sobretudo, em constatar a colaboração premiada como materialização do processo penal como
instrumento de política criminal.
Por último, adentrar-se-á em definitivo na análise da fundamentação político-criminal e
nos aspectos da dogmática jurídico-criminal substanciais a colaboração premiada, passando por
seu desenvolvimento legislativo no Brasil; pela inauguração de um procedimento de
colaboração premiada pela Lei n. 12.850/13; e pela análise crítica deste procedimento em
relação às garantias constitucionais do processo, além de outros previstos pela legislação penal.
14
1
ZAFFARONI, Eugênio Raúl; PIERANGELI, José Henrique. Manual de Direito Penal: parte geral. v. 1, 9 ed.
ver. e atual. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2011.
2
Ver mais em: RODRIGUES, Leo Peixoto; NEVES, Fabrício Monteiro. Niklas Luhmann: a sociedade como
sistema. Porto Alegre: Edipucrs, 2012.
3
Em poucas palavras, o sistema autopoiético é aquele que tem a capacidade de produzir a si próprio. Ver mais
em: LUHMANN, Niklas. La sociedad de la sociedad. Traducción de Javier Torres Nafarrati bajo el cuidado
conceptual de Dario Rodrigues Mansilla y estilístico de Marco Ornellas Esquinca y de Rafael Mesa Iturbide.
1 ed. en español. México: Herder, 2006.
15
Seja como for, a solução de um problema social por meio do Direito Penal tem lugar
em todo caso por meio do sistema jurídico enquanto sistema social parcial, e isso
significa que tem lugar dentro da sociedade. Portanto, é impossível separar o Direito
Penal da sociedade; o Direito Penal constitui um cartão de visitas da sociedade
4
LUHMANN, Niklas. In: RITTER, J. et al. (Org.). Histoisches wörterbuch der Philosophie, t. II, 1972 apud
JAKOBS, Gunther. Sociedade, norma e pessoa: teoria de um direito penal funcional: tradução de Maurício
Antônio Ribeiro Lopes. Barueri: Manole, 2003. p. 3.
5
JAKOBS, Gunther. op. cit., p. 4.
6
Ibid. p. 7.
16
7
JAKOBS, Gunther. Sociedade, norma e pessoa: teoria de um direito penal funcional: tradução de Maurício
Antônio Ribeiro Lopes. Barueri: Manole, 2003. p. 7.
8
Ibid. p. 8.
17
Por outro lado, cada vez mais sentida, em virtude da aceleração das mudanças sociais,
é a influência que a sociedade, institucionalizada em um determinado modelo de
estado, exerce na conformação concreta do respectivo modelo de Direito Penal. Isso
se evidencia desde as opções relacionadas aos concretos bens que serão revestidos da
dignidade penal, sendo por todos lados sentido o acréscimo ao catálogo dos bens
jurídicos objeto da proteção em virtude dos avanços experimentados na vida de
relação (informática, patrimônio genético, dentre outros), até às formas relevantes de
ofensa, sendo cada vez mais valorado não só o dano efetivo ao bem mas também a
sua exposição a perigo, característica certamente ampliada em decorrência das
mutações ocorridas na sociedade.
Constatado isso, o que se pretende com este tópico, e posteriormente com a análise do
Sistema Jurídico-Penal brasileiro, em especial na figura da colaboração premiada, não é discutir
a melhor ou mais justa e eficiente forma de Direito Penal, mas sim analisar as questões de
eficiência e justiça do Direito Penal dentro dos parâmetros constitucionalmente propostos pelo
Ordenamento Jurídico brasileiro, optante do modelo de Estado Democrático de Direito.
9
JAKOBS, Gunther. Sociedade, norma e pessoa: teoria de um direito penal funcional: tradução de Maurício
Antônio Ribeiro Lopes. Barueri: Manole, 2003. p. 23-24.
10
FERNANDES, Fernando Andrade. Sobre uma opção jurídico-política e jurídico-metodológica de compreensão
das ciências jurídico-criminais. In: COSTA ANDRADE, Manuel da et al. (Org.). Liber Discipulorum para
Jorge de Figueiredo Dias. Coimbra: Editora Coimbra, 2003. p. 57-58.
18
O Estado Democrático de Direito não se resume à junção daquilo que se entende por
Estado Democrático e Estado de Direito, mas cria um novo conceito que supera estas
acepções.11 Tem como fundamento basilar, além do princípio da legalidade, a promoção da
dignidade da pessoa humana. Com o intento de não se estender sobre os aspectos do Estado
Democrático de Direito, toma-se aquilo que preceitua José Afonso da Silva na análise deste
modelo12:
11
SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. 35 ed. São Paulo: Malheiros, 2012.
12
Ibid. p. 119-120.
13
FERNANDES, Fernando Andrade. Sobre uma opção jurídico-política e jurídico-metodológica de compreensão
das ciências jurídico-criminais. In: COSTA ANDRADE, Manuel da et al. (Org.). Liber Discipulorum para
Jorge de Figueiredo Dias. Coimbra: Editora Coimbra, 2003. p. 64-65.
14
Ibid. p. 66.
19
15
TOLEDO. Francisco de Assis. Princípios básicos de direito penal: de acordo com a lei 7.209 de 11-07-1984
e com a Constituição Federal de 1988. 5 ed. São Paulo: Saraiva, 1994.
16
Ibid. p. 14-15.
20
a relação de contrariedade entre o fato e o ordenamento jurídico no seu todo. Que quer
isso dizer? Quer dizer que se, de um lado, nem todo fato ilícito reúne os elementos
necessários para subsumir-se a um fato típico penal, de outro, o crime deve ser sempre
um fato ilícito para o todo do direito. Eis aí o caráter fragmentário do direito penal:
dentre a multidão de fatos ilícitos possíveis, somente alguns – os mais graves – são
selecionados para serem alcançados pelas malhas do ordenamento penal. Todavia, na
construção do injusto típico penal, opera esse mesmo ordenamento autonomamente,
sem subalternidade a outros ramos do direito.
17
FERRAJOLI, Luigi. Direito e razão: teoria do garantismo penal. Prefácio da 1 ed. italiana, Norberto Bobbio.
3 ed. rev. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2010. p. 101.
18
Ibid. p. 103.
21
também fique impune.19 Nessa espécie de certeza promovida pelo minimalismo é que se faz o
princípio in dúbio pro reo. Nas palavras de Ferrajoli20:
A certeza, ainda que não absoluta, a que aspira um sistema penal de tipo garantista
não é no sentido de que resultem exatamente comprovados todos os fatos previstos
pela lei como delitos, mas que sejam punidos somente aqueles nos quais se tenha
comprovado a culpabilidade por sua comissão. Em todo caso, ambas as ‘certezas’ são
subjetivas e relativas, afetando ‘verdades’ igualmente opinativas e prováveis. Sua
diferença está apenas nos critérios opostos de sua obtenção. A certeza do direito penal
mínimo no sentido de que nenhum inocente seja punido é garantida pelo princípio do
in dúbio pro reo. É o fim perseguido nos processos regulares e suas garantias.
Expressa o sentido da presunção de não culpabilidade do acusado até prova em
contrário: é necessária a prova – quer dizer, a certeza, ainda que seja subjetiva – não
da inocência, mas da culpabilidade, não se tolerando a condenação, mas exigindo-se
a absolvição em caso de incerteza.
A título de anotação, cabe colocar que o princípio in dúbio pro reo, decorrente da relação
de certeza e incerteza idealizada pelo direito penal mínimo, é uma das garantias fundamentais
previstas na Carta Magna brasileira mais utilizada para contestar a colaboração premiada.
Portanto, observado o modelo de Estado Democrático de Direito, no qual se valoriza o
processo de libertação da pessoa humana das formas de opressão, tendo ainda como valor maior
a dignidade da pessoa humana, um modelo de Direito Penal coerente a estas diretrizes deve se
aproximar ao máximo do extremo do direito penal mínimo, assentando as limitações do poder
punitivo à ultima ratio.
Feita esta importante digressão relativa aos limites do Direito Penal no Estado
Democrático de Direito, continuando-se as ponderações da relação entre o Direito Penal e a
sociedade, cabe agora a análise da configuração atual da sociedade, para que depois se observe
seus efeitos sobre o Direito Penal.
Na sociedade contemporânea sobrevieram novas condições, as quais influenciaram
drasticamente na forma de viver do ser humano. Consequentemente, novas questões surgiram
no tocante ao sistema jurídico-penal.
A configuração atual da sociedade sofre os efeitos daquilo que se chama de
globalização. A globalização se dá em um fenômeno complexo de contornos ainda difusos. Há
dificuldades tanto na delimitação de um possível termo inicial, como na sua divisão em
19
FERRAJOLI, Luigi. Direito e razão: teoria do garantismo penal. Prefácio da 1 ed. italiana, Norberto Bobbio.
3 ed. rev. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2010. p. 103.
20
Ibid. p. 103.
22
processos, ou na dimensão do alcance de seus efeitos. O que se permite dizer, sem sombra de
dúvidas, é que os processos de globalização apresentam um caráter multifacetário, de
dimensões econômicas, sociais, tecnológicas, políticas, religiosas, culturais, e também, por
óbvio, jurídicas.21
Existem interpretações que estendem o delineamento dos contornos da globalização à
transição do próprio Feudalismo ao Capitalismo, nas expansões marítimas mercantilistas, por
volta dos séculos XIV e XV. Outros entendem que remonta ao Estado de Direito de inspiração
clássica, com a emergência dos ideais do princípio da soberania nacional, do
constitucionalismo, e da divisão de poderes.22 Também é inegável o impulsionamento de um
processo de globalização no período pós-Segunda Guerra, momento em que se começa uma
nova fase da cooperação internacional com a criação da Organização das Nações Unidas.
Entretanto, o processo de globalização que interessa a este estudo é aquele que vem
marcado pelo fim da Guerra Fria, caracterizado por um intenso desenvolvimento da tecnologia
e da Economia, aspectos cruciais à análise criminológica da colaboração premiada.
Com efeito, os impulsos causados pela corrida capitalista tiveram plena influência em
um desenvolvimento por vezes interligado da tecnologia e da Economia, havendo severas
críticas a uma chamada “nova desordem mundial”, causada por um processo de
recrudescimento do Estado em face do Mercado.23 Deixando de lado as lúcidas críticas a este
processo, cabe ater-se a ele naquilo que se refere aos seus efeitos no plano jurídico.
Salientando, o processo de globalização proveniente da sociedade contemporânea
acarretou o desenvolvimento (e quando se diz desenvolvimento, quer-se com isso referir-se à
expansão, sem carga negativa ou positiva) do Mercado de maneira transnacional. Tal dimensão
fez com que o Estado perdesse espaço para o Mercado, tendo este tomado um foco diferente
por parte das relações internacionais, e da governança global.
Na atual configuração da sociedade, o bom andamento do Mercado é considerado
fundamental para o bom andamento das relações humanas, tanto no âmbito nacional, como
internacional. Consequentemente, há uma maior preocupação com a regulação do Mercado,
com o objetivo de garantir esse bom andamento.
21
MASI, Carlo Valho; MORAIS, Voltaire de Lima. Globalização e o direito penal. Revista Liberdades. v. 18.
São Paulo, jan./abr. 2015. p. 17.
22
Ver mais em: FARIA, José Eduardo. Direito e globalização econômica: implicações e perspectivas. São
Paulo: Malheiros, 1996.
23
BAUMAN, Zigmunt. Globalização: as consequências humanas. Tradução: Marcos Penchel. Rio de Janeiro:
Editora Jorge Zahar, 1999.
23
24
Ainda que seja contestável e controverso utilizar-se deste termo, visto a intensa e complexa relação entre o
desenvolvimento tecnológico e o econômico, o que se pretende significar é que os efeitos que serão comentados
não serão relacionados analiticamente por, no trabalho realizado, influenciarem de diferentes formas na
utilização do instituto da colaboração premiada.
25
Ver o primeiro ponto deste trabalho, sobre “a relação entre a transformação da sociedade e do direito penal”.
26
BECK, Ulrich. Sociedade de risco. Tradução: Sebastião Nascimento. 2. ed. São Paulo: Editora 34, 2011.
24
27
FERNANDES, Paulo Silva. O direito penal no amanhecer do século XXI: breves questões à luz do paradigma
da “sociedade do risco”. Revista Sub Judice: Justiça e Sociedade. n. 19. dez. 2001. p. 111-127. p. 113.
25
Observemos aquilo que dispõe o artigo 4º, incisos I e II, da Lei n. 8.137/90, alterados
pela Lei n. 12.529/11, sobre um dos crimes contra a ordem econômica:
Atentando-se aos dispositivos, vê-se que ambos os tipos penais criados falam em
acordos de empresas, o que já expressa a complexidade do sujeito ativo. No que toca à
dificuldade investigativa da persecução penal, nota-se que, além de não haver um resultado
puramente naturalístico a ser conferido, os elementos do tipo são de difícil, senão impossível,
constatação por meio de uma única modalidade de prova. Ademais, raramente há evidências
eminentemente físicas desses acordos.
Além da consequente complexidade de verificação das condutas nucleares desses novos
tipos penais, a execução desses delitos é realizada de forma altamente clandestina. O
desenvolvimento tecnológico permitiu que tanto essas novas condutas penalmente tipificadas,
como as já estabelecidas em outras épocas, fossem praticadas de outras formas, e com um
elevado grau de clandestinidade.
Com efeito, o mundo virtual é um campo que demonstra claramente esses novos meios
de se cometer determinados crimes propiciados pelo desenvolvimento tecnológico. É possível
que se cometa crimes a milhares de quilômetros de distância de onde se dê o resultado
naturalístico, ou até mesmo de onde se dê a própria execução da conduta. Muito além disso,
hoje se permite que o delito ocorra em um espaço eminentemente virtual, situação de extrema
complexidade nunca prevista pelo Direito Penal Clássico.
Relacionado à questão do Mercado, o desenvolvimento tecnológico permitiu, ainda, a
evolução de um mercado produtor de bens e serviços eminentemente ilegais, de forma a
coexistir com o mercado legal, onde o crime também adquire essa grande capacidade de
diversificação, de forma a explorar campos distintos como a prostituição, o tráfico de pessoas,
drogas, armas veículos, e depois se transportar aos bens e serviços legais por meio da lavagem
dos ativos.28
Mais simples do que as questões relativas aos crimes no espaço virtual e as questões
econômicas, o desenvolvimento tecnológico influencia propriamente no espaço físico,
28
CALLEGARI, André Luís. Direito penal econômico e lavagem de dinheiro: aspectos criminológicos. Porto
Alegre: Livraria do Advogado, 2003. p. 91.
27
29
Ver mais em: RIO DE JANEIRO. Poder Judiciário do Estado do Rio de Janeiro. Juíza ordena bloqueio do
WhatsApp em todo o país. 19 jul. 2016. Disponível em: <http://www.tjrj.jus.br/web/guest/home/-
/noticias/visualizar/36201?p_p_state=maximized>. Acesso em: 26 ago. 2016.
28
30
BALTAZAR JUNIOR, José Paulo. Crime organização e proibição de insuficiência. Porto Alegre: Livraria
do Advogado, 2010. p. 124.
31
BECK, Francis Rafael. Perspectivas de controle ao crime organizado e crítica à flexibilização das
garantias. São Paulo: IBCCrim, 2004.
32
Ibid.
33
Ibid.
34
BRASIL. Decreto Lei n. 5.015, de 12 de março de 2004. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-2006/2004/decreto/d5015.htm>. Acesso em: 29 ago. 2016.