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LIVRO SANTOS JUSTO + Orlando de Carvalho

Título I.
Caracterização

Capítulo I.
Introdução

1. Noção
Santos Justo define o direito real como o poder direto e imediato sobre uma coisa que a ordem
jurídica atribui a uma pessoa para satisfazer interesses jurídico-privados nos termos e limites
legalmente fixados. Trata-se de um poder de domínio ou de soberania que o seu titular exerce
direta e imediatamente sobre uma coisa certa e determinada sem a interferência de qualquer
pessoa, a quem corresponde uma obrigação de non facere

2. Terminologia
Podem ser utilizadas indiferentemente as expressões direitos reais e direitos das coisas, mas a
primeira está ligada à terminologia latina de coisa enquanto a segunda resulta da tradução
alemã que se aplica ao estatuto das coisas

Título II.
Características

5. Eficácia absoluta
Ao poder direto e imediato que o titular de um direito real tem sobre a coisa objeto do seu
direito corresponde a obrigação de todas as pessoas de o respeitarem, nada devendo fazer que
possa impedir ou dificultar o seu exercício. São, portanto, direitos de exclusão sendo a sua
eficácia erga omnes

6.Sequela
É o chamado direito de perseguição e direito de perseguimento, a sequela traduz-se em o
direito real seguir a coisa que constitui seu objeto. Está presente na ação de reivindicação que
permite ao titular de um direito real de gozo obter o reconhecimento do seu direito e a
restituição do que lhe pertence.

Se o direito real não envolver um contacto direito com a coisa: a sequela manifesta-se noutros
sentidos. Assim, tratando-se de:
A) hipoteca, a sequela traduz-se na possibilidade de o credor hipotecário fazer vender a
coisa, quer continue a pertencer ao proprietário que a constituiu, quer venha a
pertencer a um terceiro
B) direito “real” de aquisição, a sequela consiste na possibilidade de o seu titular adquirir
a coisa alienada por quem esteja obrigado a dar preferência e não cumpre a sua
obrigação

Como exceções à sequela, apontam-se duas situações:

a) a alienação de imóvel ou movel sujeito a registo precedida de negocio jurídico cujo


vicio justifica que seja declarada a sua invalidade. Declarado nulo ou anulado esse
negócio, os direitos adquiridos por terceiro de boa-fé e a titulo oneroso, sobre os
mesmos bens não são prejudicados desde que:
i) a ação de declaração de nulidade ou anulação não seja proposta dentro dos três
anos posteriores à conclusão do negocio
ii) o terceiro registe a sua aquisição antes do registo daquela ação ou do acordo entre
as partes acerca da invalidade do negocio.
b) A prioridade do registo: a sequela não existe quando a lei faz depender do registo a
eficácia do direito em relação a terceiros que adquiram um direito real total ou
parcialmente incompatível

O legislador consagra uma solução conciliatória que, todavia, não constitui uma exceção ao
direito de sequela: o proprietário pode exigir a coisa ao terceiro que, de boa-fé, a comprou a
comerciante que negoceie em coisa do mesmo ou semelhante género, desde que lhe restitua o
preço pago e goza do direito de regresso contra quem culposamente deu causa ao prejuízo.

7. Prevalência/ Preferência
Consiste na prioridade dos direitos reais sobre os direitos de crédito e sobre os direitos reais
constituídos posteriormente quando total ou parcialmente incompatíveis com o anterior. A
doutrina está dividida havendo quem recuse a prevalência como característica dos direitos
reais; quem a considere característica destes direitos; e quem entenda que só há prevalência
nos direitos reais de garantia sobre a mesma coisa. Esta ultima é a doutrina de Pinto Coelho
que diz então que não há preferência quando, sobre uma coisa, incidam direitos de natureza
diversa, direitos de natureza idêntica, mas de espécie diversa ou até direitos da mesma
natureza e espécie que não entrem em conflito. Seria por exemplo, o caso de A vender um
prédio a B e C sendo nula a segunda venda, o conflito entre B e C não existe, porque C não
adquiriu direito algum. Por isso a verdadeira preferência encontra-se só na zona dos direitos
reais de garantia.

Se a prevalência é característica dos direitos reais (pelo menos de garantia) não é exclusiva
destes direitos também se encontrando em alguns direitos de crédito, entre os quais:

1. O privilégio mobiliário geral: não incidindo sobre a coisa certa e determinada, mas
sobre o património do devedor, não se trata de um direito real, mas de crédito. Todavia
confere ao seu titular a prevalência sobre os credores comuns do devedor.
2. A concessão a diferentes pessoas, por contratos sucessivos, de direitos pessoais de
gozo incompatíveis: prevalece o direito mais antigo, sem prejuízo das regras do registo.

A prevalência também tem exceções, ou seja, nem sempre o direito real mais antigo prevalece
sobre o mais recente, entre estes:
a) A prioridade de registo: se a lei atribuir eficácia ao registo perante terceiros, o primeiro
adquirente, que não registou a sua aquisição, não prefere sobre o segundo adquirente
que tenha registado o seu direito
b) Os privilégios creditórios imobiliários: preferem sobre a consignação de rendimentos, a
hipoteca e o direito de retenção anteriormente constituídos.

8. Inerência
A inerência traduz a ligação intima dos direitos reais às coisas que constituem os seus objetos e
pelas quais passa a satisfação das necessidades dos seus titulares. Por isso, não se pode manter
um direito real se o seu objeto mudar: “não é juridicamente possível transferir o mesmo direito
real de uma coisa para outra”.

No entanto inerência não se confunde com imediação nem com o poder direto: nos direitos de
garantia, ao credor interessa que o seu crédito seja pago com o valor da coisa; e, nos direitos
“reais” de aquisição, o seu titular tem interesse em adquirir o direito sobre a coisa de cuja
preferência goza.

9.Outras Características
a) violação: A violação de direitos reais resulta de um comportamento positivo (ação)

b) aquisição por usucapião: considera-se que a maioria dos direitos reais de gozo é suscetível
de ser adquirida por usucapião.

c) permanência: há também quem considere que os direitos reais são permanentes, enquanto
os direitos de crédito são transitórios: à permanência daqueles opor-se-ia, portanto, a
transitoriedade destes. Esta característica deve ser rejeitada se permanência significar
perpetuidade ou estabilidade uma vez que há direitos reais temporários como o usufruto e no
que respeita à estabilidade há direitos que se extinguem pelo seu exercício como os direitos
reais de garantia e de aquisição.

10. Tutela Forte


As características dos direitos reais, especialmente a prevalência e a sequela, conferem-lhes
uma tutela particularmente forte por isso pra melhor proteção dos créditos pode recorrer-se À
venda com reserva de propriedade e ao leasing, sendo que este ultimo significa que em vez de
mutuar o dinheiro necessário à compra de uma coisa, uma empresa compra-a e cede o seu uso
ao cliente a clausula de, apos pagas determinadas prestações, transferir a propriedade para o
utente se optar por esta solução- reserva de propriedade para garantia do pagamento da
divida.

Capitulo III. Princípios estruturantes


11. Introdução
Os princípios dominantes na constituição dos direitos reais ou princípios constitucionais do
direito das coisas servem de apoio a qualquer ordenamento jurídico.

12. Principio da coisificação


Este princípio determina que o direito real deve versar sobre coisas e não sobre pessoas e bens
não coisificáveis. Porém, embora sejam coisas não só as físicas ou corpóreas, mas também as
coisas incorpóreas igualmente passiveis de verdadeira propriedade e outros direitos reais,
restringimos o objeto de direitos reais às coisas corpóreas segundo o art 1302 CC.

Além do principio da coisificação há um segundo principio que se liga ao conteúdo do direito e


que é o principio da atualidade ou da imediação: só há direito real em face de coisas presentes,
não em face de coisas simplesmente futura. É o que decorre da combinação do art 408/2 e 211
CC. Mas, por força do principio da compatibilidade e do principio da publicidade o principio da
imediação tem, por vezes, de ceder em ordem às cosias só relativamente futuras (existem, mas
ainda não estão no poder do alienante) - é o que sucede por força do instituto do registo ou
dos arts 243 e 291.

13.Principio da especialidade
O objeto dos direitos reais deve ser uma coisa certa e determinada, e, portanto, ter existência
atual. Em consequência, os direitos reais são únicos, no sentido de que o direito real que incide
sobre uma coisa não é o mesmo direito real que incide sobre outra coisa, embora porventura
igual; e se a transferência do direito real respeitar a cosia futura ou indeterminada o direito só
se transfere quando for adquirida pelo alienante ou determinada com conhecimento das
partes. Na medida em que o permita o “poder direto e imediato” pode haver exceções em
homenagem à boa-fé ou, pelo menos, à solidez da ordenação do domínio

14. Principio da totalidade da coisa


Em regra, o objeto de um direito real é uma coisa na sua totalidade. Assim, distinguimos:

1. Elementos componentes ou integrantes de uma coisa. Não se podem separar sem a


destruição da coisa a que pertencem ou sem que se torne incompleta ou impropria
para o uso a que se destina. Seguem o destino unitário da coisa que integram ou
constituem e se uma coisa autónoma for incorporada noutra, torna-se objeto do
mesmo direito de propriedade (ou outro direito real) que incida sobre esta.
Consequência deste principio: nulidade dos pactos de reserva do domínio na venda de
coisas que se destinem a ser integradas a estrutura imóvel porque, confundindo-se no
todo, deixam de poder ser individualizadas.
2. Coisas acessórias ou pertenças: são coisas moveis que, não constituindo partes
integrantes, estão afetadas por forma duradoura ao serviço de outra. Por isso, os
negócios que tenham por objeto a coisa principal não as abrangem, salvo declaração
em contrário (ex: frigorifico). Por outro lado, podem ser objeto de pacto de reserva do
domínio porque gozam de autonomia.

15. Principio da compatibilidade (ou da exclusão)


Só pode existir um direito real sobre determinada coisa na medida em que seja compatível
com outro direito real que a tenha por objeto. Com efeito, o poder direito e imediato sobre
uma coisa em que o direito real se traduz exclui a existência de outro poder direto e imediato
incompatível sobre a mesma coisa. Só assim não será quando esses poderes direitos e
imediatos forem compatíveis como acontece entre direitos reais de função diferente e com os
direitos reais em que a propriedade se restringe por força de outro direito menor sobre a
mesma coisa.
16. Principio da elasticidade
O direito sobre uma coisa tende a abranger o máximo de utilidades que proporciona, ou seja, a
expandir-se até ao máximo das faculdades que abstratamente contém, falando-se a este
propósito da estrutura elástica dos poderes.

17. Principio da transmissibilidade


Os direitos reais podem mudar de titular quer inter vivos quer mortis causa, mas esta
característica tem exceções:

1. Usufruto: não é transmissível mortis causa por que não pode exceder a vida do
usufrutuário. É alienável inter vivos, mas extingue-se quando o transmitente falecer
(não se transmite o direito de usufruto, mas o seu exercício)
2. Direito de uso e habitação: é intransmissível dado o seu caráter estritamente pessoal-
art 1484
3. Servidões prediais: constituindo um encargo imposto a um prédio a favor de outro não
são separáveis dos prédios a que pertencem, ativa ou passivamente, não se podem
então transmitir a servidão sem o prédio.
4. Direitos legais de preferência: não podem ser separados das situações objetivas a que
foram atribuídos e, por isso, só podem ser transmitidos quando acompanhem a
transmissão do direito a que estão ligados

Será valido quando A vende um prédio a B que se obriga a não o vender? A nossa doutrina
distingue as clausulas de inalienabilidade perpetuas e temporárias e considera que aquelas
são inadmissíveis e nulas por ofenderem o estatuto da propriedade e são validas embora
com simples eficácia obrigacional e se situem dentro de limites temporais razoáveis. Há
situações em que a lei permite a esta clausula ter efeitos reais como acontece com a
doação com a reserva de o doador dispor de alguma ou algumas coisas compreendidas na
doação e nas doações com substituição fideicomissária devendo sempre estas clausulas ser
registadas

18. Principio da causalidade

O princípio da causalidade opõe-se ao principio da abstração que funciona na Alemanha.


Para compreender este principio temos de conciliar dois interesses subjacentes ao
interesse de estabilidade ou estabilização que persiste à proteção dos direitos que
estudamos

Estabilização é a impossibilidade de contestação, o que implica regularidade da


conformação e indiscutibilidade dessa conformação. A uma ordenação consistente do
domínio não interessa uma firmeza deste que se funde em vicissitudes irregularmente
produzidas, mas também não há duvida de que à segurança em geral de terceiros não
interessa uma preocupação de regularidade que torne indecisa a produção dos efeitos em
jogo.

Há três sistemas em confronto que são o sistema do titulo e do modo, o sistema do titulo e
o sistema do modo.

No direito romano o titulo é o ato pelo qual se estabelece a vontade de atribuir e de


adquirir o direito real e o modo é o ato pelo qual se realizam efetivamente essa atribuição
e essa aquisição, tendo de existir ambos para que se produzisse o efeito real.
A Alemanha segue o sistema do modo em que a produção do efeito real não depende
senão da tradição ou entrega para as coisas móveis e para as imoveis da inscrição no
registo fundiário com o respetivo acordo de transmissão.

Em Portugal prevalece o sistema do titulo exigindo-se e bastando para que o direito sobre
a cosia se transmita a vontade dessa transferência. Ao interesse da regularidade sacrifica-
se em principio o interesse da indiscutibilidade, ficando a existência do próprio direito em
questão enquanto estiver em questão o próprio ato que o titula.

18. Principio da consensualidade


-art 408º, assim não é necessária a tradição da coisa para que se transfira um direito real
sobre moveis nem se exige outro ato para os imoveis: basta o contrato que traduz o
consenso das partes.

19. O principio da tipicidade


Não é possível constituir direitos reais diferentes dos tipificados pela lei nem modificar ou
modelar o respetivo conteúdo, salvo quando a lei o permite. Por isso, este principio deve
ser conciliado com os “tipos abertos” nos quais os particulares gozam de alguma liberdade
na fixação do seu conteúdo, mas sem nunca se chegar ao ponto de descaracterizar o tipo
de direito real rompendo com os seus traços essenciais e subvertendo-o.

Invocam-se diversos motivos para justificar o principio da tipicidade. Especialmente, refere-


se que impedindo a proliferação de direitos reais e a sua contitularidade afasta embaraços
à livre circulação de bens, permitindo a melhor exploração das coisas. Mas há também
quem entenda que, de iure constituindo, o sistema aberto seria preferível por atender
muito mais às necessidades reais e porque os inconvenientes que lhe são assinalados
podem ser prevenidos.

O principio do numerus clausus não impede que o legislador crie outros direitos reais.

Do principio da tipicidade decorre ainda a impossibilidade de, por analogia, se aplicarem


normas que fixam o regime de algum direito real a situações jurídicas não reais uma vez
que de outro modo se tornaria possível derrogar o principio.

Outro problema resulta do art 1306. Na primeira parte a lei não permite que sejam
constituídas restrições ou figuras parcelares do direito de propriedade e na segunda fala de
toda a restrição e converte o direito real atípico em direito de credito. Há quem entenda
(Oliveira Ascensão) que na expressão toda a restrição esta tem um sentido amplo,
compreendendo as duas hipóteses na primeira parte daquele artigo e também há (Antunes
Varela) quem considere que a lei distingue restrições e figuras parcelares e entenda que se
o negocio jurídico pretender:

a) Restringir o direito de propriedade, é nulo por contrariar a disposição legal imperativa


do 1306/1, porem a lei presume que as partes pretendiam criar um vinculo
obrigacional em substituição do direito real ~. Por isso, as restrições têm natureza
obrigacional, salvo se as partes a não quiserem.
b) Constituir uma figura parcelar do direito de propriedade não prevista na lei, o negocio
jurídico é nulo, mas não se afasta a possibilidade da sua conversão num direito real
legalmente previsto
O artigo 1306 é imperativo, a letra da lei sugere o seu caráter absoluto não ilidível por
vontade contraria das partes.

20. Principio da publicidade


A segurança e a certeza que o tráfico jurídico exige determinam que a situação jurídica das
coisas seja de conhecimento geral. Portanto é necessário dar-lhes publicidade o que se
pode fazer através de:

i) Formalismo negocial como sucede na escritura pública, embora não seja esta a sua
finalidade primordial
ii) Posse: além dos casos em que a entrega da coisa é necessária para que o direito
real se constitua a posse cumpre uma função de publicidade importante sobretudo
nas coisas moveis sujeitas a registo. O possuidor goza da presunção da titularidade
do direito o que oferece confiança aos terceiros.
iii) Registo predial: deriva da intenção deliberada de o Estado dar a conhecer ao
público a situação jurídica em que uma cosia imóvel se encontra.

Trata-se do principio de que o direito das cosias deve ser conhecido ou cognoscível das pessoas
que ele virtualmente afete, designadamente terceiros. É esta tutela de terceiros que preside
aos meios de publicidade estabelecidos por lei.

Capitulo V. Natureza jurídica


25. Teoria clássica ou realista
Segundo esta teoria o direito real consiste num poder direto e imediato sobre uma cosia
certa e determinada não havendo intermediário entre o titular e o objeto ao contrario do
que acontece nas obrigações. Esta teoria foi elaborada a partir da ação real. Com efeito, a
formula da ação de reivindicação que o pretor dirigia ao juiz apresentava a seguinte
estrutura:

1ª parte: Se te parecer que a coisa pertence a A e não lhe foi restituída

2ª parte: condena B a pagar a A o seu valor

Na primeira parte só existe o nome do proprietário sendo que o do demandado só aparece


na segunda parte, portanto estas escolas consideram que há uma relação entre o titular do
direito e a coisa

A critica destaca que o direito só existe pela relação entre os homens e a ideia de que há,
no direito real, uma relação entre uma pessoa e uma coisa só pode ter valor alegórico
sendo que o poder direito e imediato sobre a coisa é uma simples consequência jurídica do
poder geral de abstenção. Por outro lado, há direitos reais que não conferem qualquer
poder direito e imediato sobre a coisa.

26. Teoria personalista


Esta teoria considera que a intersubjetividade é um elemento essencial da relação jurídica
e por isso vê no direito real um poder de excluir as demais pessoas de qualquer ingerência
na coisa que constitui o seu objeto, desde que incompatível com o seu conteúdo.

A relação do homem com as coisas é substituída pela relação do homem com os homens
sujeitos a uma obrigação passiva universal. A critica destaca que esta teoria apresenta uma
visão jurídica que ignora o conteúdo do direito e sobrevaloriza o momento sancionatório: o
direito protege-se com a obrigação passiva universal, mas ficamos sem saber o que é esse
direito. Além disto a obrigação não tem um conteúdo patrimonial não podendo por isso
ser contrapartida de um direito real. Por outro lado, afirma-se ainda que ignora que o
direto real é a soberania do titular sobre a coisa sendo o dever geral de abstenção um
efeito essa soberania.

27. Teoria eclética ou mista


Esta teoria procura conciliara a teoria clássica e a personalista, por isso considera que há
nos direitos reais, dois lados ou faces: o interno, que se traduz no poder direto e imediato
sobre a coisa (plano funcional ou instrumental); e o externo, que se identifica com a
relação entre o titular desse direito e as demais pessoas (plano estrutural).

Há quem nesta teoria acentue a relação universal e por outro lado, ao contrario, quem
acentue os poderes sobre a coisa, sendo a universalidade reflexo da posição do titular.

Henrique mesquita defende a segunda orientação dizendo que a relação jurídica é uma
relação da vida ordenada pelo direito e, por isso, tanto pode consistir numa relação entre
pessoas como entre uma pessoa e um determinado objeto, assim Mesquita considera que
a relação real se caracteriza por um direito de domínio ou de soberania sobre a coisa que
incida e se essa soberania é atribuída a um titular então impõe-se aos restante o dever de
respeitar essa soberania.

Critica-se também esta teoria se dizendo que a harmonia procurada é apenas aparente e
que não pode haver faces num direito sendo que se o elemento externo conduz à noção de
relação absoluta o interno permite caracterizar cada direito real, mas não se vê como.
Apesar das criticas e atendendo às características dos direitos reais que permitem a
caracterização como um direito absoluto e como um poder direto e imediato entendemos
que esta doutrina é a que retrata com maior fidelidade o regime jurídico dos direitos reais.
O lado interno mostra um poder que incide imediatamente sobre uma coisa e o lado
externo revela que a tutela é absoluta

27. Características do direito das coisas

Também aqui há características que se ligam ao lado interno- ao facto de o direito das coisa
ser um poder direito e imediato- e características que se ligam ao lado externo- ao facto de
ele se impor à generalidade dos membros da comunidade jurídica ou de ter, como se diz,
relevância erga omnes

Desdobramento do poder direto e imediato é a independência do direito em face das


pretensões positivas a que possa dar origem. O direito dobre a pessoa dificilmente se
cumpre sem um conjunto de condições que implicam o empenhamento de todos e desde
logo do estado.
Característica do direito real que se liga ao lado externo é o direito de sequela: faculdade
de o titular perseguir o objeto onde quer que ele se encontre, nomeadamente
reivindicando-o de um terceiro adquirente, este direito decorre de se tratar de um direito
real estando assim ele mesmo sujeito aos limites dos direitos reais decaindo quando este
decai, ou por não uso, ou por usucapião ou por defesa de terceiros de boa-fé (art 243 e
291). Alem disso sofre a importante exceção do instituto do registo.

Outra característica do direito das coisas também ligada ao lado externo é o direitito de
preferência ou prevalência que é o facto de prevalecer sobre outro qualquer direito
relativo mesmo que constituindo anteriormente e outro direito real constituído
posteriormente (preferência temporal)

Título II

Registo

Capitulo 1

Caracterização

28. Função

O registo destina-se essencialmente a dar publicidade à situação dos prédios, tendo em vista a
segurança do comercio jurídico imobiliário. É feito por um serviço público em repartições
próprias e livros que contêm a história jurídica dos imóveis.

O sistema de registo que vigora entre nós é meramente declarativo, a única exceção é a
hipoteca por força do art 687 CC e 6 do Código de Registo Predial. Assim, o registo não é
imprescindível à constituição, modificação ou extinção dos direitos inerentes às coisas visando
apenas assegurar publicidade em face de terceiros. Inter partes a falta de registo não pode ser
invocada (art 6/1) como entre os herdeiros delas. O registo faz-se também a requerimento dos
interessados (art 4º) o que não obsta a que o registo seja obrigatório dando a não observância
desse dever lugar a um procedimento criminal (art 14 e ss).

Os terceiros para fins de registo são “as pessoas que do mesmo autor ou transmitente
adquiram direitos incompatíveis (total ou parcialmente) sobre o mesmo prédio”. Esta noção de
terceiros para efeitos de registo não se deve confundir com outras noções de terceiros como os
caso do arts 243 e 291 CC. Enquanto aqui terceiros são todos os que, integrando-se numa só
cadeia de transmissões vem a ser afetados por uma invalidade anterior ao próprio ato em que
foram intervenientes no registo são apenas aqueles que do mesmo causante recebem direitos
incompatíveis.

O jogo do instituto do registo só permite cobrir situações em que a causa de invalidade é


apenas a aquisição a non domino, sendo que quem adquire a non domino pode vir a
prevalecer sobre o primeiro adquirente se registar primeiro. Embora a disposição para este
primeiro adquirente fosse válida como sem o registo o ato era ineficaz em face de terceiros
essa disposição não prevalece sobre uma ulterior disposição que se submeta com precedência
a esse registo e não tenha outras causas de anulabilidade ou nulidade

30. Características

O registo é um sistema:
a) Público: está a cargo de serviços públicas (as Conservatórias de Registo predial) que
dependem de um serviço central (a Direção-Geral dos Registos e Notariado) integrado
na orgânica do Ministério da Justiça;
b) Real: os atos sujeitos a registo respeitam a prédios e não a pessoas titulares dos
direitos reais que os tenham por objeto.

31. Atos de registo

Os atos de registo podem agrupar-se em dois grupos.

1. Quanto ao conteúdo e função, temos a:


a) Descrição: identifica o prédio sob o aspeto físico, económico e fiscal, constituindo
como que um “retrato escrito” do prédio;
b) Inscrição: define a situação jurídica dos prédios, mediante extrato dos factos que
se lhes referem;
c) Averbamento: permite alterar, complementar ou retificar os elementos duna
descrição e inscrição
2. Quanto à eficácia, o registo pode ser:
a) Definitivo: satisfaz os requisitos legais e, por isso, produz, sem reservas, a sua
eficácia;
b) Provisório: ocorre quando alguma circunstancia impede que o registo seja
definitivo. O registo pode ser provisório:

i) Por dúvidas: tem lugar quando algum motivo impede o conservador de


lavrar o registo tal como foi pedido. Esta modalidade de registo provisório
converte-se em registo definitivo quando as duvidas sejam removidas;
ii) Por natureza: assenta em diversas razões legalmente consideradas. Para
poder ser convertido em registo definitivo é necessário que se verifique
um novo facto que afaste a causa da provisoriedade

O registo provisório caduca se no prazo de seis meses, salvo disposição em contrário, não for
convertido em definitivo ou renovado. Porém, a renovação não tem lugar no registo provisório
por dúvidas.

32. Princípios

O registo predial português obedece a vários princípios, entre os quais:

a) Principio da instância: salvo nos casos legalmente previstos do registo oficioso, o


registo efetua-se a pedido dos interessados. Ou seja, o registo é um serviço público,
mas depende da atuação dos particulares, a quem cabe o impulso inicial
b) Principio da legalidade: num alcance mais restrito os conservadores e demais
servidores das conservatórias estão subordinados à lei. No entanto este principio
também tem um conteúdo mais amplo que consiste no conservador, que desempenha
uma função para-judicial, “aparece-nos como um guardião da legalidade”. Assim:
1. Formalmente, deve verificar a regularidade formal dos atos apresentados a
registo e a legitimidade dos requerentes;
2. Substancialmente, deve pronunciar-se sobre a viabilidade do pedido de
registo, apreciando a validade substancial dos atos a registar.
A recusa do registo ou a sua realização como provisória pode ser impugnada pelo
requerente, servindo-se dos meios graciosos (reclamação e recurso hierárquico para o
presidente do Instituto dos Registos e do Notariado) e contencioso. Há ainda
responsabilidade civil e criminal em que incorre quem fizer registar um facto falso ou
juridicamente inexistente

c) Principio da legitimação: os factos de que resulta a transmissão de direitos ou


constituição de encargos sobre imóveis não podem ser titulados sem que os bens
estejam definitivamente inscritos a favor da pessoa de quem se adquire o direito ou
contra a qual se constitui o encargo.
Trata-se de um preceito que se dirige primariamente aos notários, cabendo às pessoas,
que intervêm no ato, a prova da existência do registo. Sem essa prova o notário deve
recusar a sua intervenção

d) Principio do trato sucessivo ou trato continuo: este principio, que assegura uma cadeia
ininterrupta de inscrições de alienações ou onerações referentes a certa coisa, oferece-
nos a historia da sua situação jurídica e proíbe que seja lavrado registo quando o trato
sucessivo estiver interrompido: “cada adquirente só pode inscrever o seu direito se o
receber de quem anteriormente já se figurava no registo”
e) Principio da prioridade: prevalece o direito primeiramente inscrito sobre os que, em
relação aos mesmos bens, lhes seguirem. Quanto aos registos na mesma data recorre-
se à ordem cronológica das apresentações.
Tratando-se de registo provisório depois convertido em definitivo, conserva a
prioridade que tinha enquanto registo provisório, o que mostra a importância deste.

33. Efeitos

Os efeitos do registo têm na sua base a fé publica r4egistal que se traduz na confiança que os
particulares têm em o registo corresponder à realidade substancial da situação jurídica dos
prédios.

Para proporcionar essa confiança, o registo definitivo oferece-lhes duas presunções (registais):
a de que o direito existe e a de que pertence a quem está inscrito como seu titular. Trata-se,
porém, de presunções ilidíveis.

No entanto quando a aquisição do direito ocorre por força do registo (aquisição tabular),
teremos uma presunção inilidível: sucede quando o direito real é inoponível a terceiro que, de
boa-fé, registou a sua aquisição a título oneroso antes do registo da ação de declaração de
invalidade substantiva ou de nulidade registal.

Quanto aos efeitos do registo fala-se de:

1. Registo enunciativo: é a função do registo que se limita a dar publicidade dos factos
registados. Observa-se que “nem a validade nem a eficácia do direito são afetados pela
existência ou inexistência do registo dos factos jurídicos” e ilustra-se com o registo da
usucapião que nada traz de novo à situação jurídica do adquirente
Todavia, o registo enunciativo nem sempre é absolutamente indiferente, podendo
determinar consequências jurídicas de outra ordem.
2. Registo consolidativo: e o registo que consolida ou confirma a posição jurídica de quem
registou a sua aquisição. Assim, se A vendeu um prédio a B que não registou a
aquisição a posição de B é precária. Se A vender posteriormente o mesmo prédio a C e
este registar a aquisição a sua posição prevalece embora tenha adquirido a non
domino. O risco corrido por B é afastado se registar a sua aquisição antes de C por isso
em relação a B fala-se de registo consolidativo.
3. Registo constitutivo: é o registo que interfere com a eficácia inter partes dos factos
jurídicos registados. Tem caráter excecional e constitui exemplo a hipoteca cuja eficácia
inter partes depende de registo
4. Registo aquisitivo: é o registo que protege a aquisição de um direito a non domino face
à lei substantiva- arts 291 CC e 5º do Código de Registo predial:

a) A vendeu um prédio a B e o negocio sofre de vicio substancial que o torna inválido.


A pesar disso B registou a aquisição e vendeu a C que está de boa-fé e só passando
3 anos A propõe a ação para declarar inválido o primeiro negocio- a posição de C
que adquiriu a non domínio não é afetada (art 291/1)
b) A vendeu um prédio a B que não registou a aquisição. Servindo-se da circunstancia
de o prédio continuar registado em seu nome vendeu a C que registou- a posição
de C que adquiriu a non domino é inatacável por força do art 5º do Registo predial

Introdução à posse

66. A posse e os Sistemas possessórios

Residualmente, a posse é o poder de facto exercido sobre uma coisa, poder que está
cronologicamente na origem de todo o domínio e que, mesmo quando este se autonomiza
dessa raiz, continua a ser psicologicamente o seu móbil. Rapidamente se percebeu que o
direito pode ser subtraído do poder de facto a que tende, que o poder jurídico não é
necessariamente poder empírico e que este, ao tornar-se autocéfalo, desenvolve uma força
jurígena que o levanta contra o poder jurídico simples, erodindo e virtualmente substituindo.
Daí que, além da origem cronológica e de meta psicológica do direito, a posse seja, não só a
sombra deste, sua projeção e inspiração, mas também uma contínua força de subversão e de
contestação do direito real.

A posse não é, mesmo residualmente, um poder de facto qualquer nem necessariamente um


poder de facto no sentido estrito da expressão: de contato físico com a coisa. Até porque a
coisa pode não ser física e é evidente que, não o sendo, o poder não o é também ponto além
disso, não há só posse de coisas como que empiricamente contactamos. A posse existe logo
que a coisa entra na nossa órbita de disponibilidade de facto a vírgula que sobre ela podemos
exercer, querendo, poderes empíricos. Por outra via, após implica intencionalidade ou
voluntariedade: não está na minha posse um objeto que deixaram no meu automóvel sem o
querer. Porque posso é sempre uma expressão de autoridade fática.

A posso desempenha um duplo papel: cobre desde logo a lacuna, suprindo a falta de direito e
permite o trânsito para um direito no virgula reconstituindo aquela ordenação. Donde os dois
problemas básicos que suscita como norma: o problema da tutela possessória e o problema da
posse como caminho para uma autêntica dominialidade. Enquanto situação de facto após tem
de ter certa tutela ou proteção. E tem-na em qualquer sistema jurídico pelo que se razão de ser
com essa tutela possessória ponto uma teoria vê na paz pública que desse modo se garante. As
brechas na ordenação dominial são causas de conflitos e a posse permite evitá-los. Mais
realisticamente, Heck nega essa razão publicística não só porque pouco coerente com os
interesses fundamentalmente individuais que presidem à regulamentação jurídico civil, mas
ainda porque intrinsecamente discutível. A posse é um bem porque permite a continuidade
patrimonial que lacuna do domínio interrompe, assegurando valores de organização que aliás
se perderiam.

Mas a posse não é apenas um bem que merece tutela. Na sua força jurígena, aspira ao direito,
tende a converter-se em direito. Daí que o ordenamento, não somente a proteja, como
reconheça como um caminho para autêntica dominialidade, reconstituindo, através dela, a
própria ordenação definitiva. É o fenómeno da usucapião. A usucapião é, computação, uma
forma de aquisição originária de direitos, designadamente do direito de propriedade onde
igual poderia vir o apoio, tratar-se a propósito desta última, o que já não sucede com a tutela
possessória que não sendo a tutela da posse como Faculdade contida no direito, mas da posse
como algo de autónomo, que não se Funda no direito real ou dele abstrai, não pode
obviamente reconduzir-se ao estudo do jus in res. Por fim, a usucapião requer que a posse
tenha certas características, que seja, de algum modo digna do direito a que se conduz. O que
nela se homenageia digamos é menos a posse em si do que o direito que a mesma indicia, que
a prefiguração do direito a que o título se possui. Donde a exigência, em qualquer sistema
possessório, de uma posse em nome próprio, de uma intenção de domínio e uma intenção que
não deixe dúvidas sobre a sua autenticidade. Ao invés, a tutela da posse tem em vista a
valorização do simples facto desta, do interesse que em si mesma representa, sem outra
ulterior caracterização. Por isso é que acerca da tutela é que divergem os 2 sistemas
possessórios que se defrontam nos ordenamentos de raiz continental europeia: o sistema
subjetivo e o sistema objetivo.

Ambos se baseiam na experiência de Roma, onde a posse era concebida como o poder de fato
exercido sobre uma coisa em termos de propriedade o pleno domínio.

Na época clássica a posse só podia incidir sobre coisas corpóreas suscetíveis de se tornarem
objeto de propriedade. No entanto a jurisprudência estendeu ao usufruto e virou avançando
um pouco mais, aplicou a certos direitos como a servidão predial, usufruto, uso, à habitação, a
enfiteuse e a superfície.

Na idade média, o instituto da posse foi ampliado com contributos germânicos e canónicos:
por força daqueles, a posse foi estendida ao status em que uma pessoa podia encontrar-se e
destacou-se o papel da aparência que justifica a necessidade da tradição ou da inscrição; por
efeito do direito canónico e enfatizou se a ideia da boa-fé.

Na idade moderna virou a escola culto a desenvolver o pensamento subjetivista da posse


através da doutrina do animus dominii. E já nos nossos dias deparamos com os contributos de
savigny e Ihering.

Em Portugal, a doutrina que antecedeu o código civil de Seabra não dispensava, na aquisição
da posse, o animus de possuir a coisa e a sua apreensão material, em particular Correia Telles
distingue a posse da detenção e Coelho da Rocha ensino aqui para cerca e da posse é
necessário primeiro a intenção ou vontade de possuir a coisa e em segundo é necessário que a
coisa não esteja excluída do comércio e esteja exatamente determinada. Depois, o código 1867
acolheu o sistema subjetivista. Na mesma linha subjetivista encontra-se a nossa doutrina
dominante.
Savigny deu, porém, particular ênfase a um momento espiritual ou intencional sobre o
momento factual ou empírico, ao animus sobre o corpus, defendendo que a posse romana
exigia não apenas um poder de facto sobre a coisa, mas que esse exercício fosse em termos de
pleno domínio. Chamou-se a esse sistema de posse sistema subjetivo por força de tal elemento
intencional. E esta espiritualização da posse opôs-se Ihering que entendia que a essência da
posse era o poder de facto sobre a coisa, poder que tinha, sem dúvida ser voluntário ou
intencional, mas sem uma intencionalidade específica.

O sistema subjetivo é prevalente na generalidade dos direitos modernos pois a lição de Savigny
encontrou-se com a tradição civilística francesa, fiel aos traços de uma possessio rei temporada
pela quasi possession, ou seja, de um jus possessionis que, além do poder de facto sobre a
coisa, implica uma intenção dominial em sentido amplo.

A tutela possessória, no sistema subjetivo só existe na posse e não na mera detenção ao passo
que no sistema objetivo existe para quem quer que exerce poderes de facto intencionalmente.
O direito português enquadra-se no sistema subjetivo, é o que resulta logo do artigo 1251.

Não existe corpus sem animus nem animus sem corpus. Há uma relação biunívoca. Corpus é o
exercício de poderes de facto que intende uma vontade de domínio, de poder jurídico real.
Animus é a intenção jurídico real, a vontade de agir como titulares em direito real, que se
exprime em certa atuação de facto.

É certo que, no nosso direito, há hoje excecionalmente situações de Mera detenção que
possam de defesa possessória. É o caso do locatário (1037/2), do comodatário (1133/2) e do
depositário (1188/2) aos quais é conferida essa defesa mesmo contra o locador o comodante e
o depositante ponto não já assim para outros detentores ainda que por título jurídico: para o
mandatário, para o administrador, para o gestor de negócios, designadamente

67. Noção de posse- 1251º

A posse e o exercício de poderes de facto sobre uma coisa em termos de um direito real.
Envolve, portanto, um elemento empírico -exercício de poderes de facto- e um elemento
psicológico-jurídico- em termos de um direito real. Ao primeiro é que se chama corpus e ao
segundo animus. O poder de facto é menos um contato com a coisa do que uma emissão desta
na zona de disponibilidade empírica do sujeito. Postula se uma certa estabilidade. Tudo
depende da afetação concreta do bem. O que importa é que se infira do próprio modo de
ativação ou de utilização. Já se viu que, no nosso sistema, após se distingue da mera detenção,
isto é, do exercício de poderes de facto sem animus possidendi: com simples animus detinendi
ou, como se diz o artigo 1253, sem intenção de agir como beneficiário do direito. Detentores
tanto são os que detêm por título jurídico viva designadamente, a título de um direito de
crédito (1253-c) como os que se aproveitam da tolerância (al b). Aos meros detentores chama-
se também possuidores precários ou possuidores em nome alheio.

O possuidor, ou possuidor em nome próprio, pode agir por força do direito real de que é titular,
caso em que a sua posse é uma projeção ou expressão de um jus in re existente. Tal posse não
é então uma posse autónoma, pois constitui uma faculdade jurídica secundária do direito
subjetivo ponto chama-se esta posse causal, porque tem causa no direito. Mas o possuidor
pode também agir sem direito real de mim, posto aja, mesmo assim, como Se Eu tivesse. Tem
então uma posse sem fundamento, sem causa, num direito de auto, uma posse autónoma a
que se chama posse formal. A esta posse formal ou autónoma que constitui um fenómeno
jurídico sui generis virgula fonte de consequências de direito que não logrou imputar-se não é
ali só ela. A posse em sentido técnico, isto é, posso formar um autónoma, não é evidentemente
um direito, embora seja fonte de consequências jurídicas e até direitos, se quisermos. É assim
uma situação de facto juridicamente relevante, como ocorre muitas outras no mundo jurídico.

Ao dizer-se que a posse é um direito subjetivo confunde-se a posse com o direito à posse, ou
seja, a posse como fenómeno juridicamente autónomo com a posse como Faculdade de direito
real os conteúdos faça parte, a posse com o direito à sua restituição ou a sua não turbação em
consequência da tutela que a mesma posse é conferida. Mas convém distinguir as coisas. Não
só porque não tem sentido falar-se de direito que é presunção de um direito (1268) ou de
direito que permite adquirir originariamente outro direito como usucapião, como um direito
que só beneficia da tutela quando de boa-fé (1269 e ss) o quanto pacífico e Público (1267,
1282, 1297, 1300)

65. Direitos em termos dos quais se pode possuir

Tem sido defendido que só se pode possuir em termos de direitos reais de gozo, não de
direitos reais de garantia nem de direitos reais de aquisição. O que estaria correto se o
poder fáctico ou empírico que a posse implica fosse necessariamente um poder de uso ou
de fruição do bem. Mas não é assim. Esse poder tem, decerto, de ser um poder de facto,
uma disponibilidade empírica sobre a coisa de que possa inferir-se uma vontade de ter a
título de uma margem maior ou menor disponibilidade jurídica ou real, mas não poder
fático de utilização e o fruição sensu strictu. Daí que só possa possuir se em termos de jura
in re que conferem poderes de facto sobre a coisa o que não ocorre apenas com os direitos
reais de gozo. Ocorre também com certos direitos reais de garantia, ou seja, com o direito
de penhor e o direito de retenção.

Onde não há posse evidentemente é na hipoteca, nos privilégios e NOS direitos de


aquisição ponto na consignação de rendimentos é possível estipular que os bens passem
para o credor (661/-b) mas, como a lei determina que o credor fica então equiparado ao
locatário é óbvio que a posse se exclui.

66. Função

A posse cumpre fundamentalmente 2 funções: protege o possuidor enquanto não houver


certeza sobre o verdadeiro titular do direito real cujo exercício corresponde, concedendo-lhe a
necessária tutela; e constitui um caminho de acesso a esse direito real. Por isso, considera-se
que a posse é um bem no presente e um sinal no futuro: um índice do próprio direito, para o
qual se encaminha.

No cumprimento destas funções, após afirma-se como um instituto que segundo alguns
autores assegura a paz jurídica quando há bebidas sobre o direito; segundo outros serve
valores de organização e de continuidade da coisa possuída na esfera do domínio em que se
encontra; e, ainda segundo outros, é também um valor de conhecimento, porque é
normalmente um sintoma de que se tem direito sobre as coisas. Orlando de Carvalho
considera que o regime do instituto possessório deve obedecer a 2 funções fundamentais:
assegurar a tutela a posse; e permitir que, através dela virou se atinge um domínio jurídico
autêntico

67. Estrutura
a. Doutrina subjetivista
Segundo esta doutrina foi formulada por Windscheid e Savigny a posse é integrada por 2
elementos: o corpus (elemento material, que consiste no domínio de facto sobre a coisa, ou
seja, no exercício efetivo de poderes materiais sobre ela ou na possibilidade física desse
exercício); e o animus possidendi (elemento psicológico consiste na intenção de exercer sobre
a coisa o direito correspondente àquele domínio de facto).

Esta doutrina insere-se na linha que espiritualiza a posse com a acentuação da importância do
animus possidendi e a correspondente desvalorização do corpus: a posse é necessário o
animus, quanto ao corpus não se exige o exercício de atos efetivos de domínio sobre a coisa,
bastando a possibilidade de tais atos se exercerem.
De todo modo, o corpus e o animus não se podem entender como coisas separadas:
“funcionam numa espécie de interferência, de tal maneira que se pode falar numa relação
semelhante àquela que se verifica entre o corpo e o espírito- uma unidade psicológica”.

b. Doutrina objetivista

Considerando que a espiritualização da posse ligava uma noção conceitualista de direito que
aos direitos reais não interessam as intenções subjetivistas, Ihering defende um sistema
objetivista que atende não há intenção como que se exerce a posse, mas o próprio poder que
se exerce. Ihering Não suprime inteiramente o elemento intencional porque reconhece que
sem vontade não a posse. Simplesmente considera que este elemento está implicitamente
contido no poder de facto que se exerce sobre a coisa possuída ponto neste sentido, se o facto
de revelar objetivamente que alguém possui para outrem, não haverá posse, mas mera
detenção: teremos um detentor subordinado, não um possuidor.

Observam-se, no entanto, algumas divergências entre os defensores desta doutrina: enquanto


para alguns basta a simples possibilidade de agir sobre a coisa percebida, outros exigem a
prática de atos materiais. Mas entende-se que este poder de facto deve ter estabilidade,
embora não tenha necessariamente de ser contínuo: é compatível com intervalos razoáveis,
isto que se enquadrem dentro de uma utilização regular.

c. Posição do nosso código civil

a doutrina portuguesa está dividida, porém a escola de Coimbra segue a orientação


subjetivista.

Segundo Oliveira Ascensão as conceções objetivistas são ficciosas porque se baseiam na


referência a uma vontade, mas acabam por se bastar no momento objetivo, a causa ou o título
destacando o artigo 1290. Porém virgula propõe um entendimento que infirma o subjetivismo
virou sendo incompreensível que se fundamental se a posse nos meandros da intenção do
agente, esta dificuldade estará afastada se a intenção referida naquele preceito tiver o sentido
da declaração do agente sobre a própria posse. Por isso se alguém exerce os seus poderes e
não existe título nem declaração que esclareça o significado do exercício devemos concluir que
a posse porque há corpus sem que seja necessário deslindar o elemento animus.

Menezes cordeiro considera que à exceção do artigo 1253 não há referências ao animus nem a
qualquer outro elemento subjetivo sobretudo no artigo 1251 e 1263

Carvalho Fernandes observe que no artigo 1251 não se faz referência ao animus sendo antes
marcadamente objetivista a forma como o instituto nele é configurado. Considera que havendo
corpos em princípio a posse, salvo quando a atuação do possuidor revela uma vontade
segundo a qual eu acho sem animus possidendi
doutrina oposta é defendida por Pires de Lima Antunes Varela para quem embora o artigo
1251 não se refira ostensivamente elemento subjetivo deriva de outras disposições do código
especialmente do processo do artigo 1253 dizendo que o legislador não aceitou a teoria
objetivista da posse consagrado em alguns códigos estrangeiros pois para que haja posse é
preciso alguma coisa mais do que um simples poder de facto. Orlando Carvalho por sua vez
como referido supra esclarece que o sistema subjetivista é o adotado por nós, o que decorre
do artigo 1251 segundo o qual a posse é o poder que se manifesta quando alguém atua por
forma correspondente ao exercício do direito de propriedade ou de outro direito real: cá temos
o animus em sentido de possidendi.

Também Mota Pinto nota que entre nós está acolhida a posição subjetivista porque NOS
artigos 1000 251223 verifica-se que a possa dizer corpus e o animus: se falta o ânimo estamos
perante uma média tensão a posse precária. Henrique Mesquita considera que não pode pôr
sem dúvida que a nossa lei consagra a conceção subjetiva: possuidor é apenas aquele que
atuando por si ou por intermédio de outrem, além do corpus possessório tenha também o
animus possidendi.

Preferimos a doutrina defendida por quem considera que o nosso código consagra a orientação
subjetivista sem, todavia, recusar a existência de elementos objetivos.

68. Objeto

Passíveis de posse são todos os bens passíveis de domínio, ou seja, genericamente, todas as
coisas. Na possessio rei só o eram as coisas corpóreas e simples, mas a sensibilidade dominial
evoluiu e hoje o conceito de coisas estende-se às coisas incorpóreas e complexas.

Em relação aos direitos reais de garantia o problema é discutível, porém embora o código não
resolva expressamente há quem admita que não quis dar abrigo ao instituto da posse.
Refere-se por um lado que se trata de direitos acessórios direitos de crédito que dificilmente se
possam constituir independentemente dos direitos de que dependam. Por isso afirma-se que o
legislador individualizou para efeitos de usucapião os direitos reais de gozo deixando fora os
direitos reais de garantia.

Depois invoca-se o penhor e diz que se estivesse abrangido pelo conceito de posse seria
desnecessária a alínea d do artigo 670 que concede ao credor pignoratício as ações destinadas
à defesa da posse, mesmo contra o dono.

Há, no entanto, quem não recuse a posse correspondente aos direitos reais de garantia
suscetíveis de poderes de facto e, por isso, a admitem no penhor e no direito de retenção:
nestes casos, existe efetivamente um poder de facto sobre a coisa. No primeiro há um
desapossamento do devedor; no segundo a coisa não está nas mãos do credor.

Outro problema é o da posse poder recair em coisas de domínio Público. Há quem recuse
invocando que tais bens são res extra commercium e, portanto, não podem ser objeto de
direitos privados. Mas há igualmente quem diga a posse de certas coisas públicas apontando
os baldios e as águas originariamente públicas que se tornaram propriedade privada com base
numa espécie de ocupação denominada preocupação.

Também nos direitos reais de aquisição se considera que após está igualmente excluída, por se
tratar de direitos que se extinguem com o seu exercício e, portanto, não podem originar
situações de exercício duradouro que a posse pressupõe. Afastados os direitos reais de garantia
de aquisição ficam os direitos reais de gozo que constituem o campo de eleição da posse
embora nem todos e nem com a mesma amplitude: no primeiro caso, estão as servidões não
aparentes que apenas são suscetíveis de posse quando esta se funda em título provindo do
proprietário do prédio serviente ou de quem lhe transmitiu. No segundo, encontramos os
direitos reais limitados cujo âmbito fica aquém do direito de propriedade.

É certo que a partir da construção do artigo 1302 já se quis que os bens incorpóreos puros e o
próprio estabelecimento fossem insuscetíveis de posse, e assim limita-se a posse ou exercício
aparente do direito de propriedade ou de outros direitos reais que incidam sobre coisas
corpóreas. Mas esta conceção está errada

No que respeita ao estabelecimento mercantil, independentemente da sua determinação


precisa, que é aqui o seu grande problema, é visto universalmente como objeto de posse, de
tal sorte essa intuição do comércio se impôs ao nível do jurídico. Outra questão é de saber se a
Constituição de garantia sobre ele deve, nos habituais termos do penhor de coisas, implicar o
desapossamento do devedor e entende-se que não. Acrescente-se que o estabelecimento
constituindo um bem incorpóreo é um bem que assenta num lastro maior ou menor.

Mesmo para os bens incorpóreos puros como as obras de engenho ou as invenções a comum
doutrina de que não são suscetíveis de posse repousa a nosso ver numa noção grosseira de
poder empírico que se equipara ao poder físico numa conceção errónea do que são esses bens
como objetos do tráfico, senão também numa confusão entre posse e usucapião, que é apenas
um efeito falível da posse. Poder empírico não é necessariamente poder físico: é sim poder não
jurídico, isto é não simplesmente formal jurídico possível e só possível mediante a intervenção
reguladora da norma.

Diverso problema é o de saber se essa posse deverá poder conduzir à usucapião. O que não
parece defensável, tratando-se de obras de engenho invenções, contra o autor delas, pois o
que ele e premeia com reconhecimento exclusivo é justamente a autoria. Contra os seus
sucessores pelo menos inter vivos já a solução é duvidosa

69. Capacidade para adquirir a posse

Art 1266

Envolvendo a posse, como vimos, no sistema subjetivo, o animus possidendi, ou seja, a


vontade de agir como titular de um direito real, sem essa vontade não há posse e, portanto,
esta não se vem a adquirir. Todavia, de natureza fáctica da posse resulta que para a adquirir
pessoalmente não é necessário um especial amadurecimento da vontade, bastando que o
sujeito tenha a capacidade natural de entender e de querer suficiente para exercer os poderes
de facto sobre a coisa. Daí que a lei não exija a capacidade de exercício de direitos, ou
capacidade negocial, e fale apenas de “uso da razão”.

“Uso da razão” não é o mesmo que “razão”, compreendendo, na linguagem comum e não só,
um mínimo de capacidade de querer e de agir. As fórmulas são, por conseguinte, fungíveis,
salvas as diferenças a que em cada norma se submete essa “capacidade natural”.

De acordo com o 488/2 presume-se que não têm uso da razão os menores de 7 anos e os
maiores acompanhados, pelo que, em principio, só eles é que não poderão adquirir
pessoalmente posse. Trata-se, porém, de uma presunção ilidível.
A lei dispensa o uso da razão para as coisas suscetíveis de ocupação (art 1308) porque, quanto
a elas, a simples apreensão como operação jurídica, com fruste mediação da vontade do
sujeito verificados ou não certos requisitos ulteriores, é uma forma de aquisição da
propriedade.

Exceção à regra do uso da razão será também, na sucessão mortis causa, o caso em que a
aceitação, prescrita no art 2050, para “o domínio e posse dos bens da herança”, efetivamente
se dispense. Assim na hipótese do art 1890/3.

Claro que a aquisição da posse por intermédio de outrem é perfeitamente possível, como
consequência da admissibilidade de exercício da posse em nome alheio (art 1252/1 e 1253-c).
Será mesmo o modo normal de se suprir a incapacidade de aquisição dos 7 anos e dos
interditos por anomalia psíquica bem como das pessoas juridicas em sentido estrito.

70. Composse

Há composse quando a posse de uma coisa tem vários titulares. Pode existir em relação a
qualquer direito real suscetível de posse; e se este direito for divisível ou indivisível também a
composse o será. Não se trata de várias posses correspondentes ao mesmo direito real sobre
uma coisa, mas sim de uma posse com dois ou mais titulares porquê.

Em relação ao seu exercício, deve obedecer aos princípios que disciplinam a comunhão do
direito a que a posse corresponde.
E quanto à sua defesa, cada um dos eus compossuidores pode recorrer, contra terceiro, aos
meios que protegem a posse. Nas relações entre compossuidores não é permitido o exercício
da ação de manutenção, porque cada compossuidor tem a posse e, portanto, os seus atos
turbativos são incaracterísticos.

A usucapião por um dos compossuidores aproveita aos demais.

71. Natureza jurídica

Manuel Rodrigues dá-nos conta de duas grandes doutrinas sobre a natureza da posse.
Destacamo-las:

a) A posse é um facto: era a opinião mais vulgar, suportada em algumas fontes do direito
romano
b) A posse é um direito: é um direito subjetivo porque “há um poder, um interesse e uma
garantia jurídica”.

Manuel Rodrigues acolhe a ultima doutrina e considera que a posse é um direito real uma vez
que é um poder direto e imediato sobre as coisas e o seu titular tem a faculdade de exigir de
todos os indivíduos uma abstenção que lhe permite exercer os elementos constitutivos do
direito que exterioriza”.

Esta doutrina é também defendida por Mota Pinto, Henrique Mesquita e Carvalho Fernandes.

Mota Pinto diz que o regime revele que é um verdadeiro direito real, embora provisório. É um
direito real, porque a posse “confere um poder sobre uma coisa em face de todos os outros”.
Mas “é um direito provisório porque a sua proteção só se mantém, ou melhor, cessa, não
havendo anteriormente usucapião, perante a ação de reivindicação”.

Henrique Mesquita distingue dois planos: o físico e o jurídico. No primeiro, refere que “a posse
é um facto”. Simplesmente, “este facto é recebido pelo direito que lhe atribui diverso efeitos,
independentemente de qualquer indagação sobre a existência do direito real correspondente
aos poderes por este exercidos sobre certa coisa”. Por outro lado, “a posse figura na esfera
jurídica do possuidor como um valor patrimonial autónomo” que é negocial, transmissível por
via hereditária, suscetível de inscrição de inscrição no registo predial e “pode ser defendida
contra atos de turbação ou esbulho mesmo que provenham do titular do direito real possuído”.
Por isso, o autor refere que se trata de um direito subjetivo de natureza real, mas em que
existe algo de especifica: “a posse tem características diferentes das que normalmente reveste
o facto jurídico: enquanto em relação a qualquer outro direito subjetivo, o facto que lhe dá
origem apenas tem de existir no momento do surgimento do direito.

Carvalho Fernandes nota que “a posse não pode deixar de ser configurada como uma realidade
jurídica cuja qualificação como direito subjetivo representa a solução adequada” porque “há
um poder” ou seja “meios de agir atribuídos a certa pessoa em vista da realização de
interesses particularmente lícitos e mediante a afetação de um bem que, neste caso concreto,
é uma coisa”.

Posição diferente é defendida por Oliveira Ascensão e Menezes Cordeiro

Segundo Oliveira Ascensão a posse era, na vigência do Código de Seabra um verdadeiro direito
real: a ação de restituição da posse podia ser intentada “não só contra o esbulhador como
contra qualquer terceiro para quem o esbulhador houvesse transferido a coisa por qualquer
titulo. Porem no atual código esta ação “só pode ser exercida contra o esbulhador e herdeiros,
e ainda contra quem estiver na posse da cosia e tiver conhecimento do esbulho”. Ou seja: a
posse “perdeu a natureza de direito real”.

Menezes Cordeiro entende que “a posse pode ser um facto ou pode ser um direito, conforme o
modo por que seja tomada. Enquanto controlo material duma coisa, ao qual o Direito associa
múltiplos efeitos jurídicos, a posse é um facto jurídico”. Porém, porque “entre os efeitos
produzidos conta-se uma permissão de aproveitamento duma coisa”. Finalmente, interroga-se
se a posse será um direito real “quando seja tomada como direito subjetivo” e responde que
não é um verdadeiro direito real de gozo, mas quando muito um direito de gozo diferenciado”.

Até aqui observamos doutrinas para as quais a posse pode ser um direito real ou relativo.
Posição radicalmente oposta é defendida por Orlando de Carvalho que ensinava: a posse “é
meramente uma situação de facto juridicamente relevante, mas não é um direito”. Dizia ainda
que a posse era em certa medida um anti direito, a negação do direito.

Que dizer destas doutrinas? A posse é um poder que se exerce direta e imediatamente sobre
uma coisa corpórea certa e determinada; produz efeitos jurídicos, satisfazendo o interesse do
possuidor; e é tutelada pelo ordenamento jurídico, embora enquanto o possuidor não for
convencido na questão da titularidade do direito a que a sua posse corresponde. Por isso, e
sem afastar a verdade que existe em qualquer das teorias, parece-nos mais acertada a doutrina
que considera a posse um direito real de gozo, embora provisório

72. Caracteres da posse

A posse tem características que têm que ver com o nexo da posse com o direito em termos do
qual ela se possui, com consciência com que é adquirida, bem como com a pacificidade e a
cognoscibilidade com que se adquire e exerce.

Art 1258 e 1259


A identificação ou avaliação básica desses caracteres faz-se momento da aquisição da posse. Se
o ser a posse ou não titulada, e ser ou não de boa-fé, são características permanentes, ou seja,
insensíveis a qualquer mutação ulterior; o ser ou não ser pacifica e publica são características
não permanentes. Além disso, as duas primeiras características são características absolutas ao
passo que as segundas são relativas valendo, em principio, só em confronto do anterior
possuidor.

a. Posse titulada e posse não titulada

Art 1259/1 “diz-se titulada a posse fundada em qualquer modo legitimo de adquirir
independentemente quer do direito do transmitente quer da validade substancial do negocio
jurídico”.

Trata-se duma posse que tem a sua causa num negocio abstratamente idóneo para transferir a
propriedade ou outro direito real de fruição. Dispensa-se o direito do transmitente (aquisição a
non domino) e não é afastada por vícios de fundo que não exclua o animus de a adquirir como
o dolo, erro obstáculo, coação moral, etc.

À posse titulada contrapõe-se a posse não titulada ou mera posse que não se funda em
qualquer titulo legitimo de adquirir. O código utiliza indiferentemente as duas expressões.

“Modo legitimo de adquirir” o quê? A posse não, poi, ou a posse se adquire por modo
legalmente irrelevante, e não é posse relevante, ou toda a posse adquirida por modo
relevante, que é a única posse como fenómeno produtor de consequências juridicas, seria
titulada e não haveria posse sem titulo. Logo, o que se quer dizer é “qualquer modo legitimo
de adquirir” o direito em termos do qual se exerce o poder de facto. O que, contudo, num
sistema de titulo como o nosso só pode significar, não modo em sentido técnico, mas titulo.

“Legitimo”, no entanto, não quer dizer válido e muito menos procedente, se o fosse haveria
direito e posse causal, não a posse autónoma ou formal de que está a tratar a lei. Quer dizer
sim existente e suscetível em abstrato de atribuir ou constituir aquele direito.

O “fundada” da lei não significa que a posse proceda genericamente desse titulo que é causa
de atribuição do direito, mas não causa de atribuição ou aquisição da posse. Em si, a posse
procede de outro facto jurídico, que a transfere ou cria originariamente. O “fundada” na lei
significa apenas que a posse tem atrás de si, como causa legitimante da sua aquisição, um
titulus adquirendi do direito e, por isso, se diz titulada ou com titulo.

O resto do 1259/1: “independentemente quer do direito da transmitente, quer da validade


substancial do negocio jurídico”. Por um lado, é demasiado restrito e por outro demasiado
amplo.

É demasiado restrito porque sugere que o titulus adquirendi da primeira parte é só o negocio
jurídico quando não o é, é qualquer titulus adquirendi. O negocio jurídico, máxime o contrato
real quoad effectum, será o caso mais corrente, mas não o único. Quanto a ele, contudo, é que
valem as observações seguintes da lei: independência do titulo da posse em face do direito do
transmitente e da invalidade substancial do negocio em questão.

Mas há causa substancias de invalidade que excluem a posse e nem sequer se pode pôr o
problema do titulo. É o que acontece com a simulação absoluta (há quem entenda que o
adquirente não é possuidor porque não tinha qualquer animus de adquirir um direito real
sobre a coisa) e na simulação relativa, sempre que o negocio dissimulado, no caso desta ultima,
não é real quod effectum; e identicamente com a reserva mental conhecida do declaratário:
desde que se trate de reserva mental absoluta ou de reserva mental relativa em que o negocio
oculto não seja um negocio abstratamente translativo ou constitutivo de direitos reais.

Se, portanto, não pode dizer-se que todos os vícios substanciais do negocio titulo não relevam
para o titulo da posse, menos se poderá dizer que todos os vícios não formais são desse ponto
de vista indiferentes. Há casos patológicos do negocio jurídico que nada têm a ver com a forma
e que retiram o titulo da posse, posto não excluam esta ultima. É o que se passa com todas as
causas de inexistência do negocio jurídico desde a coação física às declarações não serias, em
geral a todos os casos de falta de vontade de ação, de falta de vontade ou consciência da
declaração ou falta completa de vontade de efeitos.

Tirando estes casos, porém, os vícios não formais do negocio ou títulus adquirendi não afetam
o titulo da posse. Assim, além da falta de direito ou de legitimidade do tradens, todas as causas
não formais de invalidade não referidas: sejam causas de nulidade, como a violação da lei, da
ordem publica ou dos bons costumes, certas incapacidades de gozo e quase todas as
indisponibilidades relativas.

Os vícios de forma é que determinam, sem duvida, a falta de titulo da posse, como se vê do art
1259/1 a contrario.

Em conclusão: para haver posse titulada são precisos dois requisitos. Um, positivo, e que é a
legitimação da posse através da existência de um titulus adquirendi do direito em termos do
qual se possui. Outro, negativo, e que é, sendo esse titulo um negocio jurídico, a não existência
de vícios formais nesse mesmo negocio

O art 1259 não trata dos requisitos que a lei estabelece para o titulus adquirendi não negocial.
Se este é a lei, pura e simplesmente, como no direito de retenção desde que a lei o determine
haverá direito e a posse é em principio causal. Se é uma operação jurídica tudo depende do
regime que a lei organiza.

O titulo da posse, como se diz no art 1259/2 “não se presume, devendo a sua existência ser
provada por aquele que a invoca”. Exclui-se assim o chamado titulo putativo. E se o possuidor
goza da presunção da titularidade do direito (1268/1) isso não equivale a presunção do titulo
da posse.

A distinção entre posse titulada e não titulada releva para vários efeitos: para efeitos das
presunções legais dos art 1254/2 e 1260/2 e 3; para efeito do art 1270/3 e; para efeito dos
prazos da usucapião (1294, 1296, 1298, 1299 e 1330/2)

b. Posse de boa-fé e posse de má-fé

Art 1260

O código presume de boa-fé a posse titulada e, de má-fé, a posse não titulada; e considera
sempre de má-fé a posse adquirida por violência, mesmo quando seja titulada.
A contrariu sensu, a posse de má-fé é aquela cujo possuidor conhece, quando a
adquire, que lesa o direito de outrem.
A referencia à ignorância do possuidor na posse de boa-fé suscita um problema: a boa-
fé é um conceito de natureza psicológica ou ética?
Há quem entenda que a lei não entra em indagações sobre a desculpabilidade ou
censurabilidade da ignorância, ou seja, contenta-se com um sentido meramente psicológico.
Por isso, possui de boa-fé quem ignora que está a lesar os direitos de outrem.

Mas há também quem considere que a boa-fé possessória é ética; não esta de boa-fé, mas de
má-fé, a pessoa que, com culpa, ignora que está a violar o direito de outrem. Ou seja, a boa-fé
exige o cumprimento de deveres de diligencia e de cuidado; por isso, se o possuidor os
descurou, está de má-fé.

O desconhecimento de que se lesa o direito de outrem resulta da convicção de que se está a


exercer um direito próprio, ignorando-se os vícios da aquisição, embora não se afasta a
possibilidade de o possuidor conhecer esses vícios e, todavia, estar de boa-fé.

Se a posse for adquirida por intermedio de um representante, a boa-fé deve apreciar-se na


pessoa deste, salvo se, na constituição da posse, tiver sido decisiva a vontade do representado
ou se estiver de má-fé.

O Dr. Orlando de carvalho considera que a posse é um conceito puramente psicológico e, logo,
puramente fáctico de boa-fé, residindo esta na pura ignorância, ou ignorância efetiva, de que
se lesam direitos alheios. Nenhum padrão ético-jurídico se tem de tomar.

Tal conceção puramente psicológico-empírica faz, porem, com que a prova seja extremamente
difícil recorrendo a lei a presunções (art 1260/2)

Quanto ao momento em que a boa-fé deve existir, é necessário atender ao da aquisição da


posse., sendo uma característica permanente. No entanto, a posse de boa-fé passa a má-fé a
partir do momento em que o possuidor tome consciência de que a sua posse lesa outrem. À
alteração superveniente atribuem-se excecionalmente consequências juridicas em dois pontos:
quanto ao regime dos frutos (arts 1270 e 1271) e, por extensão deste, ao regime dos encargos
81272) e em resultado da interrupção do prazo de usucapião nos termos dos arts 323 e ss do
código Civil.

A existência de boa fé é importante para vários efeitos: o prazo da usucapião é menor; o


possuidor só faz seus os frutos até ao dia em que souber que está a lesar, com a sua posse, ou
seja, até cessar a boa fé, o direito de outrem; o possuidor de má fé deve restituir os frutos até
ao termo da posse e responde, além disso, pelo valor dos frutos que um proprietário diligente
poderia ter obtido; o possuidor de boa fé pode levantar as benfeitorias voluptuárias se o
levantamento não causar detrimento da coisa, enquanto o possuidor de má fé as perde, em
qualquer caso.

Tal conceção puramente psicológico-empírica faz, porém, com que a prova da boa ou má-fé
seja extremamente difícil, pelo que a lei recorre a presunções: no artigo 1260/ 2, determina-se
que «a posse titulada se presume de boa-fé, e a não titulada de má-fé». Compreende-se este
recurso porque, se a existência de título não é suficiente, de per si, para fundamentar a boa-fé,
constitui, no entanto, um sério indício de que se julgou adquirir o direito e, por conseguinte, de
que a posse se julgou adquirir sem prejuízo para outrem. Aflora aqui a já assinalada ideia da
posse como «valor de conhecimento», que a justifica como caminho para uma autêntica
dominialidade.

Visto, contudo, o carácter falível dessa base, é evidente que as presunções do artigo 1260.0, 2,
são apenas juris tantum, ou seja, elidíveis mediante prova em contrário (como resulta, de
resto, do art. 350.9, 2). O que já não sucede com a presunção do artigo 1260/3 que é uma
presunção inelidível.

c. Posse pacifica e posse violenta

Art 1261

Quanto à coação moral o legislador remete para o art 255/3, mas quanto à coação física não se
remete para norma nenhuma. Conhece-se, porem, a tradicional e indiscutida doutrina da vis
absoluta ou vis compulsiva, em que a coação física é a que coloca o ato em situação de
absoluto automatismo, retirando-lhe qualquer liberdade de escolha com a leitura que os atuais
conhecimentos permitam fazer. Para o efeito concreto importa mais a noção do art 156/1 do
CP

A violência a que se refere o art 1261 tem de exercer-se sobre as pessoas, e não apenas sobre
as coisas que constituem um obstáculo à privação da posse. A ameaça pode respeitar a
pessoas ou bens, mas há-de exercer-se sobre a pessoa do coacto. A violência contra as coisas
só é relevante se com ela se pretende intimidar, direta ou indiretamente, a vitima da mesma,
não devendo, por isso, qualificar-se como tal os meros atos de destruição ou danificação
desprovidos de qualquer intuito de influenciar psicologicamente o possuidor. A doutrina
considera violenta a posse que foi obtida através de uma pressão especial e, por isso, entende
que a posse de quem furta uma coisa não é violenta, contrariamente ao que normalmente
sucede no roubo. Mas já se tem considerado violenta quando se corta a eletricidade e se
fecham os portões impedindo a passagem de carro.

A lei considera a posse como pacifica no momento da sua aquisição, mas o seu o carácter
pacifico ou violento pode projetar-se também durante o seu exercício: a posse é violenta
enquanto se mantiver a coação e passa a pacifica quando a violência cessa.

Exemplifiquemos. Em 1980, A doa a B, sob coação física, por escrito particular, um prédio
urbano, entrando B na posse do mesmo. Depois disso, B continua a ameaçar A, dizendo-lhe
que, se revela o que se passou, o «liquida», prolongando-se essas ameaças até 1984.
Entretanto, em 1982, B vende o prédio a C, também por escrito particular, e transmite-lhe a
posse. Pelo primeiro facto, B adquiriu a posse em termos de propriedade, pois tinha corpus e
animus, e posse violenta, porque obtida por coação física. Pelo segundo facto, C torna-se
igualmente possuidor em termos de propriedade, mas a sua posse é pacífica relativamente a B;
só que não pode esquecer-se que, relativamente a A, está sob violência até 1984, altura em
que cessam as amenas de B sobre o primeiro possuidor. Para caracterizamos esta situação
dúplice é que dizemos, não que a posse de C é violenta, mas que está sob violência. Sem esta
possibilidade, era ininteligível o disposto no artigo 1300/2, de que falaremos mais tarde. o
Além disso, a violência com que uma posse se adquiriu pode cessar e a lei dá relevo à sua
cessação. Trata-se, pois, de uma característica não permanente, que não marca de modo
indelével a situação possessória. É o que decorre dos artigos 1267/2, 1282, 1297. e 1300/1. A
determinação do momento em que a violência cessa é uma questão de facto, a averiguar de
acordo com as circunstâncias sub judice.

A distinção entre posse pacifica e violenta releva para vários efeitos: para a presunção legal do
art 1260/3; para, em matéria de tutela possessória, o art 1267/2, o 1279 e o 1282; em matéria
de usucapião para os arts 1297 e 1300. Alguns desses efeitos supõe a violência ou não
violência no momento da aquisição e só nele, sendo insensíveis a qualquer alteração sobre a
qualquer alteração sobrevinda ou à aquisição sob violência: é o caso dos arts 1260/3 e 1279.
Outros implicam e dão relevo a essa alteração sobrevinda: é o caso dos arts 1287/2,
1282,1297,1300/1.

d. Posse publica ou oculta

Art 1262- a contrario sensu considera-se oculta a posse que estes não podem conhecer.

O texto da lei é inexato enquanto sugere que o que importa para esta característica é o
momento do exercício, e não o momento da aquisição da posse. Claro que o que releva, desde
logo, é o momento da aquisição, não o do exercício ulterior. O que pode acontecer é que uma
posse, adquirida ocultamente, se exerça de forma pública; só que neste caso há alteração da
característica, sendo sempre erróneo dizer-se que se adquiriu publicamente. Nem se objete
que a simples característica aquando da aquisição é irrelevante. A mais de entre a aquisição e o
exercício sempre haver um maior ou menor espaço temporal (salvo se a própria forma de
aquisição pressupõe um certo exercício, como acontece na aquisição paulatina, mas neste caso
o conceito de publicidade não é. o do art. 1262.°) e de a posse, como se viu, não implicar atos
de utilização ou de gestão, mas apenas a entrada da coisa na esfera de disponibilidade
empírica do sujeito, a mais disto - que dá um indiscutível relevo ao carácter público ou oculto
da aquisição em si, nos casos de aquisição instantânea -, lembre-se que o artigo 1300.9, 2,
postula que o terceiro de boa fé adquiriu a posse publicamente, embora sob ocultação, e não
que ele próprio a adquiriu ocultamente, em termos idênticos aos que observámos quanto à
violência ou não violência. Aliás, o mesmo ocorre (a relevância do momento da aquisição é só
dele), para a posse tomada publicamente, com os artigos 1267/2, 1282, 1297 e 1300/1, ou
seja, com as demais normas em que esta característica justamente releva.

A publicidade, conforme resulta da lei, mede-se pelos padrões da cognoscibilidade («… de


modo a poder ser conhecida...»), não pelo efetivo conhecimento. À semelhança da «doutrina
da impressão do destinatário» que a lei acolhe em sede de declaração negocial (art. 236. °),
pode dizer-se que a posse é cognoscível se um interessado razoável (medianamente diligente e
sagaz), colocado na posição do real interessado, dela tivesse perceção. Claro que se há registo
do título aquisitivo do direito em termos do qual se possui (vitulus adquirendi), há um forte
indício de se publicita, outra coisa é a posse do bem. Do direito só decorre que se pode possuir
(que a posse, causal, é faculdade secundária do direito subjetivo); não decorre que
efetivamente se possua. O thema probandi, na averiguação de facto que sempre implica a
qualificação da posse como pública, é a cognoscibilidade da aquisição da posse em si mesma,
não constituindo o registo do titulus adquirendi do direito nenhuma presunção nesse sentido
(apenas um índice semiótico para o julgador).

O carácter oculto ou clandestino da posse pode resultar da própria natureza da forma de


aquisição, ou de factos praticados pelo agente para a encobrir. Há formas de aquisição da
posse que excluem a publicidade: é o caso da inversão do título de posse por oposição
implícita, ou seja, por ato inequívoco do detentor. Por outra via, para o encobrimento a que
nos referimos, não urge um particular animus celandi; basta o celans factum, o facto objetivo
da ocultação. Pelo que toca à clandestinidade do exercício, claro que é muito difícil, se não
impossível, fixar-se um critério seguro que permita concluir com rigor quando um facto é, em
si, público ou oculto, podendo um facto da mesma natureza ser público ou clandestino
consoante o lugar, o momento ou/e as condições em que se verificou. Os imóveis dificilmente
se prestam a uma posse oculta, sendo tão rara uma clandestinidade natural que se pode haver
como clássicos os exemplos apontados pela doutrina. Os móveis, ao invés, prestam-se mais
facilmente à ocultação. Mesmo assim há diferenças: não se oculta com igual facilidade um
automóvel ou um livro. Porém, ainda quando a natureza do objeto facilite a sonegação ou
dificulte o conhecimento da sua posse, nem por isso esta deixará de ser pública se for exercida
com a exteriorização correspondente à normal utilização da coisa. Quem possui um livro não
precisa, para que haja publicidade, de transformar a sua biblioteca numa biblioteca pública.
Basta que, na utilização do livro, se comporte, não de um modo especial, mas de acordo com
os usuais critérios empíricos, exibindo-o nas oportunidades próprias, sem fazer nenhuma
distinção em relação aos outros; em suma, comportando-se como naturalmente o faria quem
não tivesse qualquer intenção de o esconder.

O carácter ou oculto da posse é, como dissemos, também, uma característica relativa e não
permanente. Relativa porque a cognoscibilidade é apenas em confronto dos interessados, e
não das pessoas do círculo social onde a posse se localiza. Não é por isso necessário um
consenso público: basta que o interessado venha a saber, por qualquer meio, que o sujeito
possui a coisa, para que não logre opor-lhe, a partir de então, o carácter oculto da posse. A
cognoscibilidade absorve o conhecimento efetivo, mesmo que a este se chegue por processos
incomuns. Mas o carácter público ou oculto é ainda relativo porque, tal como o carácter
violento, pode oferecer uma dupla face: uma posse pode ter sido tomada publicamente, ser,
portanto, pública em relação ao Ex possuidor, e prolongar uma ocultação prévia, estar sob
ocultação. Se B se apodera indevidamente de um relógio de A, sem este saber nem poder
saber quem lho furtou, e B o leva para parte incerta, onde o vende a C, a posse de C é pública
em ordem a B, mas, relativamente a A, é oculta, ou melhor, é uma posse sob ocultação, não
podendo deixar de ligar-se-lhe os efeitos jurídicos correspondentes. Sem esta possibilidade era
ininteligível o disposto no artigo 1300/2. Além disso, esta característica é uma característica
não permanente. A clandestinidade da posse desaparece se esta vier a exercer-se de modo
público (o inverso é possível, mas irrelevante, porque, se a posse se adquiriu publicamente,
ainda que se exerça de modo clandestino, o ex-possuidor teve ensejo de a conhecer e é, por
conseguinte, pública em relação a ele: daí as formulações dos arts. 1267/ 2, 1282. ° e 1297).

A lei atribui efeitos, também aqui, a essa alteração superveniente, como se observa das
normas referidas, bem como do artigo 1300/2. Claro que a clandestinidade cessa já porque a
posse passa a exercer-se publicamente, já porque o atual possuidor a leva, de qualquer modo,
ao conhecimento dos interessados ou ela se lhes torna por qualquer modo cognoscível. A
distinção entre posse pública e oculta releva para fins de tutela possessória - artigos 1267/2 e
1282. (caducidade da ação de manutenção ou de restituição) - e para fins de usucapião -
artigos 1297° e 1300. De qualquer dessas normas decorre que, na posse que se adquiriu
publicamente, o carácter público subsiste mesmo que a posse se exerça depois a ocultas; na
adquirida ocultamente, é que a sobrevinda alteração tem relevo, sem prejuízo do que já se
disse para a posse sob ocultação (1300/ 2). Para o registo da mera posse também se exige
posse pública há, pelo menos, cinco anos (art. 1295/2).

e. Posse precária ou detenção

Art 1253

A doutrina observa que a figura do possuidor precário ou detentor corresponde à situação de


quem, tendo embora o corpus da posse, não exerce o poder de facto com o animus de exercer
o direito real que lhe corresponde. E nota que as categorias referidas naquelas alíneas nem
sempre correspondem a casos perfeitamente diferenciados, dizendo mesmo que “se referem
mais a aspetos do mesmo fenómeno (falta do animus possidendi”) do que a situações típicas
distintas”.
Na alínea a) cabem os casos de posse em nome alheio; na al. B), os atos de mera tolerância do
titular do direito; e na al c) são considerados detentores quantos possuem em nome alheio.

f. Outras modalidades

Além das espécies legalmente definidas, há outras de carater doutrinal. Destacamos a:

1. Posse causal: é a posse em que o possuidor é simultaneamente titular do direito real a


cujo exercício a posse corresponde. Não se trata de uma posse autónoma, é sim um
reflexo ou projeção de um direito real. É certo que, sendo a propriedade difícil de
prova, frequentemente o proprietário- possuidor invoca a posse e não o seu direito de
propriedade. Simplesmente, nesta hipótese a posse desmembra-se deste direito real,
surgindo como posse formal ou autentica.
2. Posse formal: é a posse autentica, autónoma, ou seja, aquela em que o titular não tem,
ou não invoca, a qualidade de titular de um direito real a que corresponda.
3. Posse efetiva: é a posse que implica um controlo material sobre a coisa. Há quem a
denomine de posse atual.
4. Posse não efetiva: é a posse que conserva por via puramente jurídica, sem controlo
corpóreo. É o caso da posse do esbulhado durante o ano subsequente ao esbulho; e a
posse que se transmite ao herdeiro e se mantem enquanto a herança não for aceita.
Há quem a denomine de posse ficta.
5. Posse imediata: é a posse que se exerce imediatamente, sem mediador
6. Posse mediata: é a posse que se exerce através de outrem

Capitulo III- Efeitos

81. Efeito probatório

A posse confere a presunção de titularidade do direito a cujo exercício corresponde. Trata-se


dum efeito com grande importância prática porque o titular de um direito real nem sempre
dispõe de elementos que lhe possibilitem a prova desse direito. E esta presunção permite-lhe
que, fazendo apenas a prova de que possui, obtenha a tutela possessória, cabendo ao terceiro
o ónus de impugnar aquela presunção. Diz-se, a propósito, que a situação do possuidor é, para
certos efeitos, mais vantajosa do que a do titular do direito.

Havendo concorrência de presunções fundadas em registo, prevalece a presunção fundada no


registo anterior ao inicio da posse. Não vigora no nosso código o principio a posse vale titulo
que é conhecido pela máxima en fait de meubles possession vaut titre.
Segundo este principio, quem, de boa-fé, adquire uma coisa movel, adquire a sua propriedade
ainda que o alienante não seja o proprietário ou não tenha poderes necessário para alienar.

Trata-se de um principio que consagra um dos efeitos mais fortes da posse de boa-fé, cuja
origem remonta ao demito alemão onde se impos a regra de que o proprietário da coisa não
pode reivindicar de quem, de boa-fé, os tenha adquirido a non domino.

O principio romano consagrava: nemo plus iuris ad alium transfere potest quam ipse haberet
segundo o qual só o proprietário podia transferir o seu direito de propriedade. A importância
desta regra foi nula em Portugal por força da nossa tradição jurídica. O código português
consagra uma solução conciliatória, sem afastar o direito de sequela reconhecido ao
proprietário: este pode reivindicar a coisa ao terceiro que, de boa-fé, a comprou a comerciante
que desenvolve a sua atividade comercial do mesmo ou semelhante género. Porem deve
restituir-lhe o preço, gozando, depois, do direito de regresso contra quem culposamente deu
causa ao prejuízo.

82. Frutos

Perguntar-se-á: durante a posse, a quem pertencem os frutos da coisa possuída? Dir-se-á que
se lhe não fossem reconhecidos quaisquer direitos o possuidor podia perder o seu interesse.

Importa, no entanto, distinguir:

1. Se o possuidor estiver de boa-fé, pertencem-lhe os frutos naturais colhidos e os frutos


civis até ao dia em que a boa-fé cessar, ou seja, em que souber que estar a lesar o
direito de outrem. Todavia se a boa-fé cessar quando os frutos ainda se encontram
pendentes, estes pertencem ao titular do direito sobre a coisa frutífera, embora seja
obrigado a indemnizar o possuidor das despesas Se, antes da colheita e de cessar a
boa-fé, o possuidor tiver alienado os frutos, a alienação subsiste. No entanto, o
produto da colheita pertence ao titular do direito, deduzida a indemnização das
despesas de produção ao possuidor.
2. Se o possuidor estiver de má-fé, deve restituir os frutos que a coisa produziu até ao
termo da posse e responde, também, pelo valor dos frutos que um proprietário
diligente poderia ter obtido.
Deve, no entanto, ser ressarcido das despesas de cultura não superiores ao valor dos
frutos, pois a má-fé, se não pode deixar de penalizar o possuidor, também não deve ser
fonte de locuptamento do proprietário à custa alheia.

83. Perda ou deterioração da coisa

O possuidor de boa-fé é responsável por perda ou deterioração da coisa se tiver procedido com
culpa. Dir-se-ia, a contrario sensum que o possuidor de má-fé responde mesmo que tenha
atuado sem culpa. Porém esta solução deve ser afastada se provar que a perda ou deterioração
se teriam igualmente verificado se a coisa se encontrasse em poder do titular de direito: trata-
se da doutrina consagrada em relação ao devedor em mora, havendo bom fundamento para
defender a sua aplicação ao possuidor de má-fé: aposto má é um facto ilícito que constitui em
mora o possuidor quanto à obrigação de restituir a coisa ao seu titular, independentemente de
interpelação.
Ao possuidor cabe, no entanto, o antes de fazer esta prova

84. Encargos

os encargos com coisa objeto de posse são pagos pelo titular do direito do possuidor, na
medida dos seus direitos sobre os frutos no período a que esses cargos respeitam.
Trata-se de despesas feitas não para evitar a perda, destruição ou deterioração da coisa
(benfeitorias necessárias), mas dos encargos normais que correspondem ou estão adstritos à
sua fruição.

85. Benfeitoras

No ajuste de contas final em que o possuidor é obrigado a ceder perante o titular do direito, ou
voluntariamente ou porque foi intentada com êxito uma ação de reivindicação, poe-se o
problema de saber se deve ser indemnizado ou se poderá levantar as benfeitorias feitas na
coisa possuída.
Porém, porque as benfeitorias podem ser diferentes, importa distinguir as que são necessárias,
uteis e voluptuárias:

1. benfeitorias necessárias- art 1273/1: o possuidor de boa ou má-fé tem direito a ser
indemnizado. Assim se evita o locupletamento injusto do titular do direito real sobre a
coisa benfeitorizada porque, sendo indispensáveis à subsistência da coisa, eram
despesas que o titular do direito teria de fazer. O crédito da indemnização pode ser
compensado com a responsabilidade do possuidor por deteriorações (1274);
2. benfeitorias úteis: o possuidor de boa ou má-fé pode levantá-las se o puder fazer sem
detrimento da coisa (1273/1); de contrário, o benfeitorizante terá direito a ser
indemnizado segundo as regras do enriquecimento sem causa (1273/2). Ao possuidor
pertence o ónus de provar que o levantamento dessas benfeitorias causa esse
detrimento. Entretanto, o possuidor de boa-fé goza do direito de retenção (754 e 756/a
e b). O crédito resultante dessas despesas pode ser compensado com a
responsabilidade do possuidor por deteriorações (1274)
3. Benfeitorias voluptuárias: o possuidor de boa-fé pode levantá-las se não casuar
detrimento da coisa; de contrario, nem as poderá levantar nem terá direito a qualquer
indemnização (1275/1). Por sua vez, o possuidor de má-fé nem as pode levantar nem
tem direito a indemnização (1275/2)

86. usucapião

86.1. Introdução

A usucapião permite que, verificados determinados requisitos o possuidor adquira a


titularidade de certos direitos reais de gozo

86.2. Breve referencia histórica

No direito romano aparece consagrado na lei das XII Tábuas que impos um tempo de usus
assaz breve: dois anos, nos fundi, e um ano nas restantes coisas. Não podiam ser usucapidas as
coisas furtadas, as coisas possuídas por violência, etc.
Depois a usucapião conheceu uma significativa evolução: Na época clássica exigia-se a justa
causa e a boa-fé do possuidor no inicio da posse. Foi introduzido um novo instituto que
penalizava o proprietário de um fundus providencial, impedindo que a sua reivindicação
tivesse êxito: quem tivesse a posse sem oposição do proprietário, mesmo sem justa causa e
sem boa-fé, durante dez ou vinte anos podia paralisar a reivindicação do proprietário com uma
exceptio denominada prescrição de longo tempo. Fundado na inação do proprietário e no
longum silentium que faz presumir a carência do direito, este instituto não produzia efeitos
aquisitivos, mas nem por isso deixava de proteger a posição do possuidor.

Na época pós-clássica passou a exigir-se a boa-fé e finalmente «, Justiniano concedeu ao


possuidor uma actio para reivindicar a coisa e, assim, a prescrição de longo tempo adquiriu
efeito aquisitivo. Ainda nesta época Constantino criou um novo instituto denominado
prescrição de longíssimo tempo e concedeu-o a quem tivesse a posse de um fundus durante,
pelo menos, quarenta anos, sem boa-fé e sem justa causa. O prazo foi depois encurtado para
trinta anos. Mais tarde, Justiniano exigiu a boa-fé do possuir e dispensou o titulo. Surgiu assim
a usucapião dita extraordinária ou trintenária que se conserva no Código de Seabra.
No direito português as sucessivas ordenações mandavam aplicar o direito romano como
direito subsidiário na integração das suas lacunas. Todavia, considerando que a usucapião
trintenária sem boa-fé implicava pecado por violar a ética cristã, recomendavam quem neste
caso, se recorresse ao direito canónico para o qual a usucapião só era possível se o possuidor
estivesse de boa-fé durante toda a posse.

86.3. Regime jurídico

O nosso código civil disciplina a usucapião, destacando-se a exigência de dois pressupostos: a


posse e o tempo; aquela deve ser publica e pacifica; o tempo, alem de depender do caráter
móvel ou imóvel da coisa possuída, depende também de outras características da posse: ser de
boa ou de má-fé; titulada ou não titulada; e estar ou não inscrita no registo.
Por outro lado, podem ser adquiridos por usucapião os direitos reais de gozo, excetuando as
servidões prediais não aparentes e o direito de uso e habitação.

À usucapião são aplicáveis certas regras relativas à prescrição, como as que se referem à
suspenso, interrupção da prescrição e recusa do conhecimento oficioso pelo julgador. Por fim,
os efeitos da usucapião retroagem-se à data do inicio da posse. Observando-se mais de perto o
regime jurídico, regista-se o afastamento da expressão prescrição positiva ou aquisitiva,
substituída por usucapião. E assinala-se a restrição a direitos reais de gozo, com as exceções já
referidas: as servidões prediais não aparentes e o direito de uso e habitação.
Incluem-se, nos direitos reais de gozo a nua propriedade porque o seu titular, além de
poder praticar diretamente sobre a coisa determinados atos materiais, exerce a sua posse por
intermédio do usufrutuário. E, se a coisa for possuída livre de quaisquer direitos ou encargos
que sobre ela incidam, adquirir-se-á exatamente como é possuída: é a denominada usucapião
libertatis.

Quanto à capacidade, “a usucapião aproveita a todos os que podem adquirir”. Os incapazes


podem adquirir por usucapião quer diretamente por si, que por intermédio de quem
legalmente os represente. Todavia, devem ter o “uso da razão”, ou seja, a consciência de que
estão a praticar atos materiais de posse. Os
detentores ou possuidores precários não podem adquirir para si, salvo se o titulo se achar
invertido. É uma consequência de a detenção não se considerar verdadeira posse. Mas os
detentores podem adquirir para a pessoa que representam.

Em relação aos prazos, distingue-se a posse de coisas imóveis e de coisas móveis. Quanto às
primeiras, urge considerar ainda:

-Existência de titulo de aquisição e registo: a posse deve durar dez e quinze anos
contados a partir da data do registo, respetivamente se o possuidor estiver de boa ou
de má-fé;

- Inexistência do titulo de aquisição, mas registo da mera posse: os prazos são de cinco
e dez anos, contados da data do registo, respetivamente se o possuidor estiver de boa
ou de má-fé;

- Inexistência de registo: os prazos são de quinze e vinte anos, contados desde o inicio
da posse, respetivamente se o possuidor estiver de boa ou má-fé.

Quanto aos bens do domínio provado do Estado, a usucapião só se cumpre quando tiver
decorrido o prazo fixado na alei civil acrescido de metade. Finalmente o Código dispõe que, na
posse obtida por violência ou ocultamente, os prazos de usucapião só começam a contar
quando a violência cessa ou a posse se torna publica: consagra-se o principio de que a
violência ou a posse tomada ocultamente impede a usucapião.

Em relação à usucapião de coisas móveis, importa distinguir:

-Móveis registáveis:

a) há titulo de aquisição e registo: os prazos de dois e quatro anos, contados desde o


inicio da posse, respetivamente se o possuidor estiver de boa-fé ou de má-fé

b) não há registo: o prazo é de dez anos, independentemente da boa ou da má-fé e da


existência do titulo do possuidor;

-Moveis não registáveis:

a) há titulo de aquisição: o prazo é de três anos desde o inicio da posse, se o possuidor


estiver de boa-fé.

b) independentemente da existência de título de aquisição e da boa-fé do possuidor: o


prazo é de 6 anos, contados desde o início da posse.

Mantém-se, nas coisas móveis, a proibição da usucapião na posse violenta ou oculta. Porém,
admite-se a possibilidade de antes da cessação da violência ou da ocultação, a coisa possuída
passar a terceiro de boa-fé: neste caso, o interessado pode adquirir direitos sobre ela,
decorridos quatro ou sete anos a partir da constituição da posse; consoante seja titulada ou
não titulada.
Trata-se dum caso especial que reclama uma solução de equidade.

Capitulo IV: Aquisição

87.Introdução

Eis uma matéria em que o dispositivo legal é particularmente incorreto e lacunoso, já quando
faz o elenco das formas de aquisição (art. 1263), já quando tenta definir algumas delas (arts.
1264.° e 1265). Pois justamente este é um dos pontos em que mais urge desprendermo-nos da
tradicional sistemática e terminologia jurídica, tendo em atenção os factos si e por si.

O elenco do art. 1263. ° não é, obviamente, taxativo nem se vislumbra qualquer razão para que
o fosse. Que o não é resulta da própria lei, visto não incluir formas de aquisição que esta
expressamente reconhece: o caso da sucessão por morte, reconhecido no art. 1255. °, e o caso
do esbulho, reconhecido nos arts. 1276. e segs. Nada obsta assim a que se admitam outras
formas de aquisição de poder empírico sobre uma coisa em termos de um direito real, algumas
desde há muito reconhecidas pela doutrina, como a traditio brevi manu, outras que importa
reconhecer porque praticamente possíveis e compatíveis com o nosso sistema possessório.

A aquisição originária decorre duma relação de facto entre o adquirente-possuidor e a coisa,


sem a intervenção do antigo possuidor; por isso, a posse do adquirente não está dependente
nem quanto à existência nem quanto à extensão da posse anterior. Trata-se dum poder ex
novo.
E a aquisição derivada caracteriza-se pela transferência da posse do anterior para o novo
possuidor. Por isso, além de um negócio jurídico, é também necessária a existência dos
elementos material (corpus) e intencional (animus). Porém, como a posse se adquire agora
com o consentimento do possuidor anterior, o ato material que integra o corpus não tem de
revestir necessariamente a mesma intensidade exigida na aquisição originária: basta uma
entrega simbólica da coisa e, em alguns casos, admite-se a transferência solo consensu.

A) Aquisição originária

Aquisição originária de posse é aquela em que a posse do adquirente surge ex novo na esfera
de disponibilidade empírica do sujeito, porque não depende geneticamente de uma posse
anterior; depende apenas do facto aquisitivo (que integram, como se sabe, um corpus e um
animus). Mesmo que uma posse anterior tenha existido (como acontece em todos os casos de
usurpação), a posse do adquirente não provém dela, não tem causa nela, mas adquire-se
contra ela ou apesar dela.

São formas de aquisição originária:

I - A ocupação;

II - a acessão;

III - a usurpação:

a) a prática reiterada ou aquisição paulatina (art. 1263- a));

b) a inversão do título de posse (arts. 1263- D), e 1265. °):

1 - Por oposição (explícita ou implícita);

2 - Por ato de terceiro;

e) o esbulho

I - A ocupação

É uma forma de aquisição da propriedade de coisas móveis sem dono, já porque nunca o
tiveram (res nullius), já porque foram abandonadas (res derelictae), já porque se perderam (res
desperditae), ou esconderam ou enterraram, não podendo sem mais determinar-se a quem
pertencem.

A sua apropriação dá-se pela simples operação jurídica de apresamento ou apreensão material,
o que significa que nesse ato a coisa entra na disponibilidade fáctica do sujeito. Se, porém, a
apreensão é tal que a coisa não se houve nem podia ter-se havido como sem dono, deu-se
verdadeira usurpação do domínio e aí a aquisição da posse não é a ocupação. Contudo, se se
verificava o inverso, a aquisição da posse é a ocupação, que constituindo um titulus adquirendi,
em abstrato, do direito, faz com que. a posse seja titulada: assim, como se disse, nos casos dos
arts. 1320/1, in fine, 1322/2, antes de decorridos os dois dias, e 1323/1, 2.ª parte, se e
enquanto não se anunciar o achado. Por força do art. 1266. °, a aquisição da posse por
ocupação dispensa o uso da razão, conforme já vimos. A fórmula da lei é infeliz porque parece
sugerir que o requisito da capacidade para a posse se dispensa para as coisas suscetíveis de
ocupação, e não só para a aquisição por ocupação da posse dessas coisas. Não é esse,
evidentemente, o sentido da lei.
O que se pretende dizer é que a ocupação dessas coisas dá posse independentemente de
animus relevante; e, mesmo assim, não porque se prescinda deste, mas porque este está como
que in re ipsa. Por esse motivo é que, contra o que poderia inferir-se da norma, a não exigência
de prova de animus nos parece valer, na ocupação, mesmo para os não menores de 7 anos
nem os maiores acompanhados. As coisas imóveis são insuscetíveis de ocupação, pois as que
não tenham dono conhecido revertem automaticamente para o património do Estado, ainda
que sobre elas não se exerça um efetivo domínio (art. 1341345. ° Código Civil).

II- A acessão

É também uma forma de aquisição do direito de propriedade, tanto sobre móveis como sobre
imóveis, e que decorre da adjunção, por obra da natureza ou por obra do homem, de uma
coisa (objeto enriquecedor) a outra coisa (objeto enriquecido). Na acessão natural, a entrada
do bem adjunto na área de disponibilidade empírica do sujeito depende de o objeto
enriquecido, que é propriedade daquele, estar na sua posse, estar já na sua disponibilidade
fáctica. Na acessão industrial, uma vez que esta implica indústria humana, o adjuntor exerce
sempre poder de ficto sobre as coisas ou, pelo menos, sobre o objeto enriquecido (quando a
adjunção é fundamentalmente de obra, como na especificação), pelo que, mesmo que a
propriedade não se adquira por não preenchimento dos requisitos legais, se interceder a
intenção de apropriação haverá corpus e animus e, por isso, posse. Claro que, como já se
frisou, só existe acessão se o adjuntor não souber que o objeto é alheio ou que o seu dono não
autoriza a adjunção Não existindo acessão verdadeira, haverá usurpação e a posse formal que
se verifique não terá fonte naquela.

III - A usurpação

Abrangemos aqui todas as formas de aquisição originária de posse contra a vontade ao


possuidor. O que não tem apenas um interesse sistemático. As regras da defesa da posse, a
partir do art. 1267/2, inclusive, aplicam- se a todos esses modos de privação da posse de
outrem, ainda que a lei só aluda ao esbulho. Mas convém que o termo esbulho se reserve para
a usurpação que não configura um processo específico, ao invés dos dois primeiros fenómenos
de que falamos a seguir.

a) Prática reiterada ou aquisição paulatina

É o fenómeno previsto no art. 1263- a): Aquisição da posse Trata-se de um dos modos mais
antigos de se adquirir a posse sobre os bens, ou, para utilizarmos a terminologia dos tipos, de
um dos mais longínquos Urbilden ou arquétipos da aquisição possessória.

1) Prática de atos materiais. Recorde-se tudo o que antes se disse acerca do corpus na posse,
ou seja, do respetivo elemento empírico. É o exercício de atos suscetíveis de integrarem esse
corpus que aqui se exige. Trata-se, pois, de atos que exprimam essa factualidade, esse poder
de facto, o que não significa, como já vimos, necessariamente atos materiais ou físicos e sem
que se esqueça que a posse e antes uma relação estancial do que uma relação de contacto
corpóreo ou semelhante.

O que se exclui, como também se acentuou, são simples manifestações de um poder formal-
jurídico, só exequíveis ou possíveis através da intervenção reguladora da norma. Anote-se,
todavia, que, se não se excluem atos que traduzem poderes de direito desde que traduzam
igualmente poderes de facto, excluem-se, porém, atos que traduzem poderes de facto que não
constituem manifestações de autoridade empírica sobre a coisa ou que apenas a implicam
intencionalmente (não efetiva e atualmente). Assim, atos de disposição da titularidade da
coisa, ou de poderes jurídicos sobre ela, desde que prescindam atualmente dessa coisa.

2) Reiteração. Esta forma de aquisição não é instantânea, mas paulatina, pelo que não basta
um ato para a posse se adquirir. Exige-se uma repetição ou reiteração, o que não significa
atuação ininterrupta ou continua ou sequer uma periodicidade determinada.
Competirá ao tribunal, em cada caso, aplicar regras prudentemente elásticas na avaliação da
natureza, intensidade e frequência da acumulação significativa dos atos necessários ao
surgimento da relação possessória.
Assim, deve atender-se, desde logo, ao carácter móvel ou imóvel e, dentro dos móveis,
corpóreo ou incorpóreo, do objeto discutido, já que os atos significantes não têm naturalmente
a mesma natureza num objeto material e num objeto imaterial e, dentro dos objetos materiais,
a mesma complexidade num bem móvel e num bem imóvel. Enquanto para um móvel basta,
em regra, a simples apreensão empírica, para um imóvel requer-se que se torne ostensivo o
senhorio sobre ele, pois ex natura implica mais que o homem se aproxime da coisa do que a
coisa do homem, exigindo um certo grau de desfrute da coisa, o desenvolvimento de uma
relação ativa com ela, não bastando, em princípio, a possibilidade permanente de acesso, até
porque, muitas vezes, outras pessoas beneficiarão dessa possibilidade. Além do carácter do
objeto, releva naturalmente o conteúdo do direito em cujos termos se visa possuir.

A prática reiterada não tem de ser necessariamente contínua. Não só admite a existência de
intervalos regulares de harmonia com o ritmo da normal utilização do bem, mas é compatível
com interrupções do contacto com o objeto provocadas por circunstâncias anormais
transitoriamente impeditivas dele - desde que não imputáveis a ato humano intencionalmente
constituinte de um poder empírico antagónico ou conflituante com o que através dessa prática
visa apossar-se da coisa.

Reiteração também não é repetição dos mesmos atos. Tudo depende do licere do direito a cuja
imagem se conforma. Nos direitos menos densos, como os direitos de servidão, a identidade
será de regra, ao passo que nos direitos mais densos, designadamente no de pleno domínio, a
regra será a diversidade ou a complexidade. Quanto
à frequência dos atos significativos, importa referir ainda que, mau grado a variação das
circunstâncias do caso concreto, o momento da aquisição da posse, que é o que consideramos
aqui, é mais exigente que o da sua mera continuação, pela necessidade que o adquirente
sempre tem de afirmar a inequivocidade de seu poder empírico sobre a coisa, a sua maior
possibilidade atual de exercer sobre ela, de modo privativo ou exclusivo, poderes de facto,
perante todos os que nesse momento aspirariam a um papel congénere. Sendo óbvio que o
exercício de poderes empíricos sobre a coisa é tanto mais imprescindível quanto mais a
situação da mesma faça presumir tentativas de turbação ou de substituição, por parte de
outros, desse «círculo de poder» privativo ou exclusivo.

Com efeito, ao invés das formas de aquisição instantânea, a aquisição paulatina pressupõe que
esse requisito se implica na prática necessária para a própria aquisição da qualidade de
possuidor. Não é, por conseguinte, só uma característica da posse: é característica da própria
factualidade em que a posse se funda. Daí que haja que ser tida em conta - e factualmente
comprovada - antes e para efeitos da aquisição da mesma posse.
3) Publicidade. Não se trata do conceito, já referido, do art. 1262.0, ou seja, de uma das
características da posse (posse pública ou oculta).

Do que se trata aqui é de que a prática de poderes empíricos sobre a coisa se processe
publicamente; à luz de quantos participam no círculo social em que o domínio se exerce. Com
efeito, é segundo o consenso público (ou o ponto de vista dominante no tráfico - «Verkehrsan-
schauung») aí estabelecido que se há-de afirmar e creditar o exercício dos poderes empíricos
sobre a coisa.

Normalmente, a publicidade nesse círculo de interesses preenche e absorve a publicidade-


cognoscibilidade em face dos interessados do art. 1262. °, isto é, em face das pessoas contra
quem a nova posse se adquire, pois estas pertencerão, em regra, a esse círculo social. Mas não
tem de ser assim. Pense-se num proprietário-emigrante, há muito deslocado daquela zona
geográfica: um prédio seu pode estar a ser fruído como próprio, ou atravessado como se
houvesse um direito próprio, por outra pessoa, essa fruição ou atravessamento processar-se
com pleno conhecimento das pessoas que ali habitam, e, todavia, o dono ausente nunca vir a
conhecer ou a dever conhecer o que ocorre com o prédio.

Por último, advirta-se que o consenso público a que se refere o art. 1263. °, a), não implica que
se crie a convicção de que o exercente é o titular do direito que os poderes empíricos inculcam.

4) Correspondência dos poderes de facto ao exercício do direito. Sendo, aquisição paulatina


uma forma de aquisição da posse que assenta, digamos, numa pré-posse, numa verdadeira
experiência pré-possessória, tem de específico, como vimos, não só uma prefiguração de
corpus - a prática reiterada de atos empíricos uma intenção de direito, a intenção de exercer
um direito real. É o que põe em evidência o trecho com que termina a al. a) do art. 1263º.

Como se frisou, animus e corpus estão numa relação biunívoca: não há animus sem corpus
nem corpus sem animus, pois nem um se reduz à mera factualidade externa nem o outro à
mera intencionalidade interna. O facto «intende» o direito e a intenção de direito reflete-se no
facto. Esta interdependência um pouco subtil não é fácil de traduzir-se numa fórmula da lei e o
art. 1263.9, al. a), in fine, não é mais canhestro do que o art. 1251.0 Com a atenuante de não
estar, como este, a definir a posse, mas apenas a pôr as notas mais salientes de uma sua forma
de aquisição. Ainda que até por isto por estar a definir uma forma de aquisição - se ver que é
do animus que fala. Porque no momento aquisitivo é que a posse se revela, máxime
adquirindo-se porque de algum modo pré-existe: e pré-existe como posse, ou seja, como
poder de facto sobre uma coisa em termos de um direito real.

b) Inversão do título de posse

É o fenómeno previsto nos arts. 1263, al. d), e 1265.°. A lei não o define, como se observa,
limitando-se a referir as suas modalidades (art. 1265.), de forma, como veremos, não muito
correta. Em qualquer delas, contudo, trata-se da conversão de uma detenção em posse por ato
do próprio detentor. Alguém que exerce poderes de facto sobre uma coisa com simples animus
detinendi (detentor ou possuidor precário) converte a sua detenção em verdadeira posse,
passando a agir com animus possidendi ou verdadeiro animus.

Trata-se de um processo fundamentalmente psicológico (conversão de animus em animus, ou


substituição de um animus por outro), ainda que com referência jurídica (direito obrigacional,
ou mera tolerância, ou inércia de titular - direito real) e, obviamente, em condições de ser
sindicável. Em resumo: trata-se da substituição psicológica da razão a cujo título se exercem
esses poderes, ou, com alguma elipse (e alguma incorreção), do título pelo qual se possui
(rectius: do título pelo qual se atua, antes detendo e depois possuindo).

É uma forma de aquisição originária e instantânea de posse. Originária porque a posse


antecedente apenas precede, mas não causa, a posse do inversor que, ao invés, se adquire
apesar dela e contra ela. Instantânea porque se adquire uno actu, quer dizer, no preciso
momento em que se verifica o processo de inversão. Este tem, como vimos, dois pressupostos:
que o inversor já esteja antes numa situação de detenção - que exerça sobre a coisa uma
autoridade empírica que lhe permita modificar a razão pela qual atua e atuar, em termos dessa
nova razão, sobre a mesma coisa (seja uma mera detenção fundada em título jurídico, ou em
simples tolerância ou em ato facultativo); que passe a agir (ou melhor: que o seu processo
psicológico configure um agir) em termos de um direito real, ou de um direito real mais denso
do que aquele em termos do qual agia, e essa intenção seja não só inequívoca como sindicável.
Na verdade, o inversor pode já ter antes um jus in re, ou possuir em termos de um jus in re, e
praticar a inversão. Basta que o direito em cujos termos atua, atribuindo-lhe embora poderes
de facto, não seja o direito de propriedade.

Por exemplo: tenha um direito de usufruto, ou aja em termos de usufruto, sobre uma coisa;
inverterá se quiser exercer em termos de proprietário. Dir-se-á que aqui falha o pressuposto da
mera detenção, visto já possuir em termos de usufruto. Só que se esquece que o direito de
usufruto, se lhe atribui uma autoridade empírica praticamente plena, não lhe atribui uma
plena autoridade jurídica; ora na margem de autoridade empírica não coberta pela autoridade
jurídica, ele tem apenas uma detenção, não tem uma posse. Estas observações possibilitam-
nos acentuar um aspeto que é essencial para a caracterização desta figura. É que só há
inversão quando alguém tem - e na medida em que tem -, como antes se disse, uma
autoridade empírica sobre a coisa que lhe permita, não só modificar a razão pela qual atua,
mas atuar, em termos dessa nova razão sobre a referida coisa.

Este fenómeno, como se diz no 1265, pode assumir duas modalidades:

1) Oposição do detentor ao possuidor

Ressalvando que oposição do detentor ao possuidor há em qualquer das modalidades da


inversão do título de posse, a nomenclatura da lei justifica-se, mesmo, assim, porquanto aqui
há apenas a oposição pura e simples. Oposição que pode dar-se aos mais variados propósitos,
mas que tem de assumir um carácter inequívoco de arrogação de uma posição real (de um jus
in re), ou de uma posição real mais densa do que aquela de que já se vinha usufruindo - o
propósito sério de a fazer valer e de a exercer consequentemente. Não que haja de aguardar-se
um comportamento futuro conforme, pois trata-se de uma aquisição instantânea. O que se
acentua é que tem de ser uma oposição séria (não um ato lúdico) e traduzindo um propósito
inequívoco de se fazer valer.

Essa oposição pode ser explícita ou implícita distinção que declaração de vontade (e não se
esqueça que a oposição é, no fundo, um ato declarativo).

a) Oposição explícita

É uma oposição formal, por meios notificativos diretos e levada ao conhecimento do possuidor.
Em regra, acompanhará atos que confirmam a sua seriedade, o propósito de se traduzir na
prática efetiva da utilização ou disposição empírica da coisa, mas atos que não têm outra
essencialidade além dessa: de serem índice ou confirmação da seriedade do propósito. A
declaração é que é importante, e só ela, até porque na sua ausência os atos complementares
seriam equívocos.

É o caso do arrendatário que não permite o exame da coisa locada ou se recusa ao pagamento
da renda, como o do mandatário, depositário ou comodatário que não devolve a coisa, extinta
a relação, etc. Sem a declaração de oposição esses atos poderiam constituir atos de mero
incumprimento. A declaração é que os qualifica, embora eles traduzam a seriedade do
propósito contraditório.
A declaração tem de ser levada ao conhecimento do possuidor (ainda que com funcionamento
da teoria da receção), e não apenas para que a posse do inversor seja pública, mas para que a
própria inversão se verifique e, por conseguinte, se adquira a posse. O que resulta da ideia de
comportamento declarativo ou notificativo -notum facere: levar a alguém o conhecimento de
alguma coisa. Só que a notificação não tem de ser individualizada e muito menos presencial.

Pode, nomeadamente, ser feita através de uma circular que se remete a um círculo mais ou
menos alargado de pessoas, incluso o possuidor ou o seu representante. Também não tem de
exigir-se, contra o que diziam os antigos, que a contradictio (oposição) não seja repelida pelo
possuidor. Claro que se a oposição for repelida eficazmente, a posse adquirida por inversão
vem a perder-se, sendo o titular da posse usurpada restituído a ela. Mas os efeitos da aquisição
originária de Posse, designadamente para a contagem do ano da al. d) do n.° 1 do art. 1267.9,
bem como do ano do art. 1282. °, não podem deixar de produzir-se imediatamente.

B) Oposição implícita

É, dissemos, uma possibilidade que não foi considerada pela doutrina, que, por isso mesmo,
nunca conseguiu explicar de modo bastante a seguinte facto: A, arrendatário ou usufrutuário
do prédio ×, vende, próprio nomine, esse prédio a B. Como é que B se torna possuidor, se a
coisa lhe vier a ser entregue? Por aquisição derivada? Impossível, pois A não tinha posse uti
dominus e não faz oposição explícita ao verdadeiro possuidor, adquirindo-a originariamente.
Por aquisição originária?

Como, se B não era detentor e, portanto, não podia inverter coisa nenhuma, além de ser visível
que B não pode possuir mais do que A e, por consequência, sem nexo de derivação? O
problema resolve-se naturalmente se esta possibilidade for reconhecida.

Há, oposição implícita se através de um ato inequívoco o detentor revelar que se arroga uma
posição jurídica real, ou uma posição mais densa do que aquela de que já desfruta. Não há,
pois, declaração nenhuma, no sentido de uma declaração por meios notificativos diretos.

Há, porém, um ou vários factos concludentes e até, ao invés do que se exige na declaração de
vontade tácita (em que basta uma concludência probabilisticamente segura), factos
absolutamente concludentes. Esses factos podem ser factos empíricos - v. g, a aposição de
marca ou cunho próprio -, como factos jurídicos e factos judiciários. É o caso da alienação da
coisa por quem não está legitimado para isso, mas se assume como dono dela, ou de quem
transige judicialmente sobre a propriedade, ou o usufruto, ou um direito de servidão, em
condições idênticas às anteriores. Claro que se houver apenas abuso ou falta de representação,
não haverá inversão do título de posse.
Aqui, se o nexo de implicação da intento no facto é decisivo, já não assim o conhecimento
direto. Contrariamente à oposição explícita, em que a posse é naturalmente pública (pelo
menos para o ex-possuidor), a oposição implícita pode dar origem a uma posse clandestina,
com as consequências que se conhecem.

Nestes termos, o dilema de há pouco fica resolvido: no instante em que vende, A inverte por
oposição implícita o título de posse e, por isso, B adquire derivadamente dele. E a única
explicação compatível com os Ectos e com as necessidades de regime. O ser a posse de A uma
posse instantânea não tem nada de absurdo.

2) Inversão por ato de terceiro

Trata-se de uma oposição (e oposição implícita) provocada. Um terceiro, isto é, um sujeito


estranho à relação possessória - à relação entre o possuidor e o detentor do bem em causa - e,
por conseguinte, alguém que não tem posse, arrogando-se por qualquer motivo, ou sem ele, a
titularidade da coisa (a sua propriedade ou outro jus in re que o legitime abstratamente ao ato
que pratica), transfere ou constitui um direito real em benefício do referido detentor, que, ao
participar em tal transferência ou constituição, assume essa posição real, colocando-se numa
atitude antagónica e usurpadora da posição do possuidor: breviter dictu, da sua posse. A
inversão dá-se justamente no momento em que o detentor participa no ato atributivo, pois
nesse momento substitui ipso facto o seu animus detinendi por animus possidendi, arrogando-
se uma posição real que não tinha (já porque não a tinha de todo em todo, já porque a não
tinha naquela medida). Como se observa, uma oposição por ato inequívoco ou implícito, que,
em confronto com a que descrevemos atrás, só tem de especial ter sido provocada pelo ato do
terceiro (e oferecer-se, assim, digamos, como uma oposição a montante, e não como uma
oposição a jusante, como nos exemplos que se deram daquela mesma oposição).

Vejam-se os seguintes exemplos:

Em 1976, A dá de arrendamento o prédio x a B, entregando-lhe o mesmo prédio. A continua


como possuidor próprio nomine, pois, B é mero possuidor alieno nomine, isto é, mero
detentor.

C, que é alheio a essa relação e que, portanto, não tem posse nenhuma, aliena o prédio, em
1980, a B, que, ao participar na alienação (ao comprar ou ao aceitar a doação ou o legado),
inverte a razão pela qual agia sobre a coisa, inverte o título de posse, passando a possuidor em
termos de propriedade.
Mutatis mutandis se passam as coisas se A, em 1976, constituir um usufruto em benefício de B,
entregando-lhe o prédio x, objeto do negócio. A constituição é, porém, nula, porque não
obedeceu à forma exigida por lei: escritura pública. B, todavia, fica como possuidor em termos
de usufruto, continuando A como possuidor em termos de propriedade - da nua propriedade
ou propriedade da raiz -, em ordem à qual B é mero detentor, ou possuidor nomine alieno.
Quando

C, alheio a esta relação A-B e, por conseguinte, não possuidor do prédio, aliena este a B,
provoca a compra ou aceitação de B, ou seja, a sua inversão do título de posse, substituindo o
seu animus possidendi em termos de usufruto, e logo o seu animus detinendi em termos de
nua propriedade, por animus possidendi em termos de propriedade plena, em termos de
pleno domínio.

Advirta-se que o terceiro, se é alheio à relação possessória e, portanto, não tem posse, pode
eventualmente ter o direito real com que se legitima abstratamente, incluso o direito de
propriedade. O iter da posse não coincide, nem tem de coincidir, com o iter do direito. Veja-se
a seguinte hipótese:

Com a entrega do prédio x a B, em consequência da venda, B passou a possuidor próprio


nomine em termos de propriedade. Quando arrenda o prédio a C, este fica possuidor em nome
de B, ou seja, mero detentor, estabelecendo-se a relação possessória B C. A, que permanece o
proprietário, visto que o ato AB é nulo por vício de forma, perdeu, contudo, a posse, ficando
alheio à relação possessória. Ao doar a C, desencadeia no detentor a inversão do título de
posse, pois C, ao aceitar, opõe-se implicitamente ao seu possuidor B, usurpando a posse dele.
O que acontece mesmo que o ato AC, a doação, obedeça a escritura pública e, por
conseguinte, C adquira o direito. Uma coisa é ter o direito, outra ter a posse. E do que se trata
aqui é da aquisição da posse, não da aquisição do direito. O próprio. A tendo transferido a
posse para B em consequência de negócio nulo, para a readquirir tem de mover os
mecanismos de direito, designadamente a ação de nulidade, e, obtido ganho de causa, a
execução da sentença.

Advirta-se ainda que o direito que o terceiro atribui ao detentor, se tem de caber, como é
óbvio, no direito com que o terceiro se titula, não tem de ser o mesmo jus in re. O excesso de
um em relação ao outro é possessoriamente irrelevante, pois nem a eventual invocação do
direito mais denso, por parte do terceiro, acarreta qualquer consequência possessória para ele
- essa arrogação, como já se frisou, não havendo autoridade empírica sobre a coisa, não
constitui oposição - nem o excesso, em fase do jus in reatribuído, lhe confere qualquer poder
de facto sobre o bem (e pela mesma razão que se aduziu). Aliás, o terceiro nem tem de invocar
qualquer qualidade

- O que tem é de proceder de modo a não a excluir in limine, sob pena de o seu ato não poder
desencadear seriamente a inversão do título de posse.

A posição do terceiro, conforme temos insistido, é a de não possuidor por nenhum título e,
obviamente, também a de não detentor. Por isso, a fórmula da lei no art. 1265.9, in fine - por
ato de terceiro capaz de transferir a posse» é manifestamente errónea. Se o terceiro, por
definição, não tem posse, o seu ato, por definição, não é capaz de transferir posse alguma.

De resto, se houvesse transferência de posse, tratar-se-ia, por parte do detentor, de uma


aquisição derivada da mesma, e não da aquisição originária que é a inversão do título de posse.
O que a lei quer dizer - isso sim é «por ato de terceiro capaz, em abstrato, de atribuir o direito
real», visto que, se não houver um negócio real quad effectum, a mutação psicológica de
animus não se verifica e, por conseguinte, não há aquisição de posse (ou de posse em termos
de um mais denso jus in re) por parte do detentor, Mais uma vez a lei exprime uma incorreta
perspetiva do facto, confundindo-o com o direito, como acontece no art. 1259/ 1.

O ato do terceiro tem de ser um ato abstratamente capaz de atribuir (transferir ou constituir)
um direito real que confira poderes de facto sobre a coisa, tem de ser um negócio translativo-
real ou real-obrigatório, um negócio real quoad effectum - e um negócio existente, um negócio
que não sofra de nenhuma das causas de inexistência do ponto de vista jurídico: de falta de
vontade de ação, ou de vontade ou de consciência da declaração, ou de falta total de vontade
negocial ou de vontade de efeitos (como na coação física, nas declarações jocosas, no contrato
sob nome de outrem e no dissenso total ou manifesto). A razão é esta: é que a inversão por ato
de terceiro supõe um ato que provoque ou faça deflagrar a mutação psicológica no detentor, o
que não acontece quando o ato é juridicamente inexistente (porque não há declaração de
vontade em sentido estrito) ou quando, existindo, não é um meio abstratamente idóneo para a
atribuição de um jus in re. Se o terceiro atribui ao detentor um direito obrigacional simples,
ainda que mais sólido do que o que titulava a sua detenção (arrendamento feito a um
comodatário), não haverá efeito inversor nenhum, nem sequer a inversão subjetiva que a
alguns pode afigurar-se plausível deixar o detentor de se considerar ligado ao possuidor, para
passar a ligar-se ao terceiro.

O ato do terceiro, como vimos, enquanto arrogação de titularidade sobre a coisa, não lhe
confere posse alguma o mesmo acontecendo com a adesão do detentor ao ato obrigacional,
adesão que é insuscetível de conferir ao terceiro uma posse que ele não tinha. Se, em
consequência, o detentor passar a tratar o terceiro como possuidor (pagando-lhe rendas,
prestando-lhe contas, etc.), o que pratica são violações da relação que o liga ao possuidor em
cujo nome possui, fazendo o terceiro eventualmente cúmplice dessas violações.

O ato do terceiro faz deflagrar o processo psicológico de inversão na medida e só na medida


em que o detentor o assume seriamente. Por isso, se for um ato absolutamente simulado ou
com reserva mental absoluta conhecida do declaratário-detentor, não desencadeia a inversão
do título de posse. O mesmo sucede se for relativamente simulado ou com reserva mental
relativa, desde que o ato dissimulado ou reservado não constitua um negócio real quoad
efectum. Para que o processo se desencadeie, não é preciso, porém, que seja um ato válido.
Uma vez que tenha a seriedade bastante para o detentor crer que o terceiro se vincula, é
suscetível de provocar a inversão do título de posse. É aqui que entra a necessidade, atrás
referida, de que o terceiro não desminta, in limine, a sua legitimidade para o praticar. Se a
desmente, o detentor não pode tomar a sua declaração senão como declaração jocosa ou não
séria. Observa-se assim que o ato do terceiro, na inversão do título de posse, não causa ou
funda, verdadeiramente, a posse do inversor. Apenas a desencadeia. A aquisição de posse está
na mutação psicológica do ânimo de quem inverte, pelo que se trata de uma aquisição
originária, sendo a posse que dela resulta independente, no plano jurídico-genético, de
qualquer posse anterior: da do possuidor espoliado, contra a qual se adquire, e da que haja
tido, porventura, o atual terceiro, se alguma vez a teve. Depende tão-só do facto aquisitivo, ou
seja, da medida empírica do jus in re que o inversor assume e que logicamente coincidirá com
a do direito que o terceiro lhe atribui. Por outra via, é uma aquisição instantânea. Se o inversor
não se conforma depois com o animus revelado na inversão, a posse dele pode ser mais ou
menos efémera, mas a inversão produziu-se com o relevo que já salientámos acerca da
oposição. A exigência de um como que prazo de viabilidade não tem aqui sentido, salvo para
efeitos probatórios da própria verificação da inversão (interesse dos comportamentos
ulteriores enquanto indícios ex post).

De se tratar de um ato meramente desencadeante, e não fundante, da aquisição da posse,


deriva que o ato do terceiro nunca titula a posse do inversor, para fins do art. 1259. ° A posse
do inversor é sempre não titulada, porque a inversão não é um meio abstratamente idóneo de
aquisição de direito real, não é um titulus adquirendi. De resto, é o que acontece com toda a
oposição, explícita ou implícita, do detentor ao possuidor. Mesmo no caso extremo, a que há
pouco nos referimos, de o terceiro ser o verdadeiro dominus (ou o titular do direito real que se
arroga) e transferir o domínio (ou esse direito) para o detentor. A posse ex interversione é
sempre usurpação e, por isso, sem título. Para conseguir uma posse com título o detentor teria
de discutir o direito, de provar que adquiriu este último e, consequentemente, de usar dos
meios legais para se fazer restituir. Com o que a sua posse seria uma posse causal, e não a
posse formal da inversão do título de posse. Urge esclarecer ainda um ponto. Disse-se acima
que o terceiro, por definição, não é possuidor a nenhum título. Isto só é exato com certa
precisão. Suponhamos esta hipótese:

Depois do usufruto, como sabemos, A ficou possuidor da raiz e B possuidor em termos de


usufruto e detentor (possuidor em nome de A) em termos de raiz. Com o arrendamento, C
torna-se detentor (possuidor em nome de B e, através deste, em nome de A). A sua relação
possessória E assim bifurcada: B C, quanto ao usufruto, e A- C, quanto raiz. Ao vender sem
reservas o prédio a C, A transfere-lhe derivadamente (traditio brevi manu, como estudaremos
em seguida) a sua posse em termos de raiz, mas, quanto ao usufruto, provoca-o a uma
inversão do título de posse relativamente a B. A, portanto, funciona como um terceiro e,
todavia, tinha posse na altura da inversão. A frase «não é possuidor a nenhum título» só tem
assim sentido relativamente à margem de poderes de domínio com que a inversão contende, à
margem de poderes em jogo na relação possessória entre o inversor e o possuidor que a
inversão defrauda: no exemplo, os poderes de usufruto, a relação B -C. E por isto: se B é o
possuidor nesses termos, A não o é de maneira nenhuma - nem causal, nem formal, nem em
nome próprio nem em nome alheio. Noutros termos, ou seja, noutra margem de poderes,
pode sê-lo. Há que ter isto em atenção porque as relações possessórias bifurcadas (e até tri ou
polifurcadas) são muito frequentes.

c) Esbulho

Como já, se disse, visa-se aqui a usurpação da posse de outrem - privação ilícita da posse de
outrem contra a vontade do possuidor - não enquadrável nas formas específicas de usurpação
já referidas: na aquisição paulatina e na inversão do título de posse. É, por conseguinte, uma
noção residual, que engloba todos os casos de usurpação não especificamente previstos. É
justamente esse carácter residual que obriga à acentuação da ideia de ilicitude, pois, se a
usurpação é sempre privação ilícita (o termo português só recolheu esse cambiante do étimo
latino), O reconhecimento pela lei da prática reiterada e da inversão do título de posse dá a
essas formas um estatuto legal, para efeitos possessórios, que se não pode desconhecer. O que
também acontece com o esbulho nos arts. 1276.° e segs. -o seu estatuto não é apenas
negativo, apenas uma fronteira da legalidade possível, mas igualmente positivo: taxatividade e
caducidade dos meios de defesa, possibilidade, pelo art. 1267.o, 1, d), de a posse do usurpador
vir a prevalecer, o que lhe confere a indiscutível categoria de uma forma reconhecida de
aquisição originária -, mas, como nele entram todas as privações contra voluntatem não
específicas, se não se excluíssem as privações lícitas (expropriações, nacionalizares, apreensões
judiciais, as próprias restituições por força da ação direta do art. 1277.°), criaríamos um
conceito que, era vez de ajudar à clarificação dos regimes, seria causa de confusão e dislogia.

De todo o modo, se a exclusão das privações lícitas, a mais das especificamente previstas, nos
permite definir o âmbito do esbulho como forma de aquisição originária de posse ou como
modalidade residual de usurpação, não é a essa forma e só a ela que a lei se refere quando fala
de esbulho nos arts. 1267.9, 2, e 1276. ° e segs. O esbulho da lei abrange, como já atrás se
disse, toda e qualquer forma de usurpação - e, por isso, das formas descritas, a aquisição
paulatina, a inversão do título de posse, bem como as formas aparentes de ocupação e de
acessão que se ofereçam como usurpatórias, além, evidentemente, do esbulho em sentido
estrito da nossa terminologia-, pois não teria sentido que as privações ilícitas não fossem
igualmente reguladas e sancionadas. De resto, é essa ideia abrangente ou englobante que
resulta da sistemática da lei, que, no art. 1263.°, ao indicar as formas de aquisição de posse,
não inclui o esbulho, que, todavia, bem conhecia (isso acontece também com a sucessão
mortis causa, mas aqui a razão pode ter sido ser a sucessão havida como mera continuação de
uma posse anterior, sem autonomia, digamos, entre as modalidades aquisitivas) e, nos artigos
em que do esbulho se fala, não define este nem pouco nem muito. O que inculca que o
esbulho se viu como uma característica geral que virtualmente afeta várias formas de aquisição
e até fenómenos não especificamente previstos (esbulho em sentido estrito), desde que
portadores da mesma sintomatologia.
No esbulho propriamente dito, ou como forma autónoma, entrarão, pois, todas as privações
ilícitas da posse de outrem, contra a vontade do possuidor, não especificamente previstas na
lei. Não serão ilícitas as privações com consentimento prévio do possuidor - que já não seriam
usurpatórias, por haver esse mesmo consentimento («consentienti non fit injuria») - ou as que
traduzem o exercício de um direito («feci, sed jure feci»). Por outro lado, só há aquisição de
posse por esbulho se houver animus e corpus, como se sabe, nos termos a que repetidamente
se aludiu. Só se houver animus spoliandi por parte do esbulhador, intenção de ficar com a
posse de outrem, de ficar com a coisa em termos de um direito real (animus possidendi),
privando outrem dessa mesma posição. E se a tal intenção corresponder uma autoridade
empírica que «intende» essa autoridade jurídica, um domínio fáctico da coisa, uma entrada
desta na órbita de disponibilidade fáctica do sujeito, a constituição dessa relação estancial. Se
por muito ou pouco tempo não interessa para a aquisição da posse por esbulho, que, além de
uma aquisição originária, é uma aquisição instantânea de posse. Claro que, como toda a posse
originária, a posse do esbulhador não tem de coincidir com a posse do esbulhado. Pode ser
menor em termos de área de incidência, como maior ou menor em termos de conteúdo. Tudo
depende do facto aquisitivo, devendo salientar-se que no esbulho, em que não há gestos pré-
configurados, a avaliação da factualidade que o exprime é particularmente relevante.

A generalidade, se não a totalidade, dos esbulhos em sentido estrito, preenche tipos legais de
crime, quer do direito penal geral - o furto, o roubo, a burla, o abuso de confiança, a usurpação
de coisas imóveis, quer do direito penal especial - a usurpação ou a contrafação, em matéria de
direito da propriedade industrial. De resto, o próprio esbulho em sentido amplo pode caber aí,
como a aquisição paulatina na usurpação de imóveis e a inversão do título de posse no abuso
de confiança. Todavia, não é necessária essa ilicitude criminal para que haja usurpação ou
esbulho lato sensu e se desencadeiem as consequências da defesa da posse.

Deixando para mais tarde para o estudo da tutela possessória - o problema dessa defesa,
falemos ainda do esbulho como forma de aquisição.

A posse que ele cria originariamente surge como uma posse antagónica da posse do esbulhado
(o que, de resto, é comum a todas as formas de usurpação), integrando, nessa medida, a
previsão do art. 1267, 1, d), do Código Civil. Durante um ano, a lei permite, porém, que o
esbulhado reaja pelos meios de defesa da posse e, se for restituído a esta, a usurpação tem-se
como não acontecida e a posse que se usurpou como nunca interrompida (art. 1283.9). Este
efeito, como o facto de, verificando-se o esbulho, a posição da vítima ser suscetível de defesa
durante um ano, levou, dado o princípio (e o facto) de sobre a mesma coisa e com a mesma
densidade não poderem incidir duas posses antagónicas («duorum in solidum dominium vel
possessio esse non potest»), a que se entendesse que o esbulhado não perdia a posse e, por
conseguinte, o esbulhador não a adquiria a não ser esse ano volvido. O que é um resquício
daquela conceção medieval a que já nos referimos e que distinguia uma possessio animo ou
possessio civilis e uma possessio corpore ou possessio naturalis. O esbulhado ficaria
justamente com essa possessio.

Secção II: Aquisição derivada

90. Tradição material e tradição simbólica

Na tradição material, “há uma atividade exterior que se traduz nos atos de entregar e receber;
na tradição simbólica, tudo se passa a nível da comunicação humana, sem direta interferência
no controlo material da coisa”. De acordo com a tradição romana, a tradição simbólica pode
ocorrer por:

1. Traditio longa manu: a coisa não é materialmente entregue, mas é posta à disposição
do adquirente através da sua indicação à distancia;
2. Tradição breve mani: realiza a conversão da detenção em posse por acordo entre o
detentor e o possuidor. Esta traditio tem a grande vantagem de, encontrando-se
alguém na posição de detentor de coisa que pertence a outrem, não ser necessário
que volte às mãos deste para depois a entregar àquele.
3. Traditio ficta: consiste na entrega de um símbolo ou realização de um ato que simboliza
a coisa cuja posse se transfere

91. Constituto possessório

O constituto possessório é uma forma de aquisição da posse solo consensu, ou seja, sem
necessidade de ato (material ou simbólico) de entrega da coisa. Como se tem observado, a
posse é atribuída sem a detenção.

O Código Civil considera duas espécies:

a) o titular do direito real e possuidor transmite o seu direito a outrem e reserva, para
si, a detenção: a causa possessionis do alienante torna-se causa detentionis;
b) o possuidor transfere o seu direito a outra pessoa, mantendo-se o seu detentor: v.g.,
o proprietário-possuidor vende a coisa depositada e pretende-se que o deposito
continue; ou um prédio arrendado é vendido, mantendo-se o arrendamento

92.Sucessão mortis causa

Segundo o nosso Código Civil por morte do possuidor a posse continua nos seus sucessores
desde o momento da morte, independentemente da apreensão material da coisa".

Com base neste preceito de que a posse continua nos sucessores independentemente da
apreensão material, considera-se que a lei ficciona não só o corpus, mas também o animus,
vencendo, assim, um hiato na posse: há uma sucessão na posse sem interrupção.

Esta solução é um efeito da noção de sucessão por morte e, por isso, retiram-se várias
consequências: a posse continua nos herdeiros; o sucessor não precisa de praticar qualquer ato
material de apreensão ou de utilização da coisa, podendo até ignorar que a posse existe; a
posse continua com os seus caracteres; e a continuação da posse não é prejudicada pelo facto
de o sucessor não ter tido, se facto, a posse da coisa durante o período entre a abertura da
sucessão e aceitação da herança. Tem-se
suscitado um problema: o legatário sucede também na posse? Apoiados na letra da lei Pires de
Lima e Antunes Varela consideram que “não há nenhuma limitação a fazer no domínio da
sucessão mortis causa”: a “posse continua sempre no chamado à sucessão de bens” seja
herdeiro ou legatário.
Porém, há quem entenda que, diferentemente da herança em que, aceitando-a, o herdeiro
“terá de fatalmente arcar com direitos e deveres” não podendo “aceitar a sucessão e recusar a
posse que lhe for legada. E “quando aceite a posse, poderá ter, ou não, a boa ou má-fé da
posse em causa, ao passo que, perante o herdeiro, a posse se mantém, de boa ou de má-fé,
consoante a qualidade que assumisse na esfera jurídica do seu antecessor”. Por isso não se
poderá falar de sucessão na posse por parte do legatário

93. Acessão

A acessão da posse é a faculdade de, para efeitos designadamente de usucapião, o possuidor


juntar à sua posse do seu antecessor. Porém, se a posse deste for de natureza diferente da
posse do sucessor, a acessão só ocorrerá dentro dos limites daquela que tiver menor âmbito;
por isso, o possuidor na qualidade de usufrutuário pode somar à sua posse a anterior do
proprietário; e, tratando-se de posses de boa e de má-fé, a posse considerada deve ser a de
má-fé, por ter menor âmbito.
Há, no entanto, uma divergência doutrinal: será necessário que haja um verdadeiro ato
translativo da posse, formalmente válido?

A resposta afirmativa foi dada por Manuel Rodrigues e é seguida por Pires de Lima e Antunes
Varela. Segundo Manuel Rodrigues, cuja opinião influenciou a nossa jurisprudência mesmo na
vigência do atual código civil, a acessão de posses está sujeita a certas regras: é facultativa; as 2
posses devem ser contínuas e homogéneas; E deve haver um vínculo jurídico entre o novo e o
antigo possuidor, vínculo este que pode revestir várias modalidades: pode ser um negócio
jurídico, mas pode ser uma expropriação, uma execução, etc. E sustenta que este vínculo deve
ser válido.

Esta doutrina foi acolhida por Pires de Lima e Antunes Varela que virou depois de referir a
natureza facultativa, a continuidade e a homogeneidade, consideram também que é necessário
que “haja uma relação jurídica entre os 2 possuidores” que deve ser “formalmente válida”.

Nesses cordeiro entendo que a afirmação de Manuel Rodrigues “choca pela falta de
fundamentação e não tem qualquer paralelo em doutrinas estrangeiras que sejam do nosso
conhecimento”. E considera que “a Transmissão da posse deve ser válida”, mas “não é preciso
qualquer contrato válido: basta a tradição ou o constituto”; se “o código civil vigente admite a
usucapião baseada em posse não titulada e de má-fé, nestes casos nunca poderia haver
acessão na posse seria um espantoso retrocesso histórico que não se pode ter por admitido”

sem procurarmos diminuir a força destes argumentos, iremos, no entanto, que o direito
romano considerou a acessio possessionis com grande rigor, exigindo que o anterior e o atual
possuidor realizassem um negócio jurídico real. Identifica-se, portanto, com a doutrina Manuel
Rodrigues

Capitulo V. Conservação

94. Conservação

Art 1257

A doutrina observa que “para a conservação da posse não é necessária a mesma energia que
para aquisição, que é um ato de conquista”. A, no entanto, uma dificuldade: a posse vir
corresponde ao exercício de direitos reais que se distinguem por não uso decorrido certo
prazo, mantém-se mesmo depois de tais direitos se extinguirem? Se se mantiver, observa-se
que poderá suceder que o titular de um desses direitos reais que se extinguiu por não uso goza
ainda da faculdade de defender pela posse.

A solução do problema está ligada à conceção de posse dois-pontos subjetivista objetivista.


Segundo a doutrina de savigny, “o possuidor pode tranquilamente deixar na mata ou em pleno
campo os objetos que lá depôs” pois,” enquanto tiver a possibilidade de ir buscá-los, conserva
a posse”. Mas segundo a doutrina de Ihering “a posse, sendo o exercício normal do direito de
propriedade, desaparece logo que ele deixe de existir”.

Manuel Rodrigues entende que foi a doutrina de Savigny que o nosso código consagrou, mas
observa que “não é aplicável a posse dos direitos reais, suscetíveis de se extinguirem pelo não
uso: só em relação ao direito de propriedade a posse mantém enquanto houver a possibilidade
de repetir o ato de apreensão”.

Esta doutrina parece ter sido acolhida por Menezes cordeiro, para quem, sendo ou podendo
ser os direitos reais de gozo sensíveis ao não uso, “seria totalmente inesperado que,
extinguindo-se o correspondente direito real, a posse prosseguir-se: esta é, pois, sensível ao
não uso, nos precisos termos em que o sejam os correspondentes direitos reais”.

Oliveira Ascensão perfilha também esta doutrina referindo que “haverá que aproximar da
posse não use, como causa de extinção dos direitos reais. Se os direitos reais de gozo se
extinguem por não uso virou por maioria de razão a posse, porque fundada numa aparência de
exercício, se deverá extinguir quando o poder de gozo não é exercido”.

E Orlando de Carvalho considera, no mesmo sentido, que “não há que conservar a posse de
um direito à posse a título de um direito para novas possibilidades que esse mesmo direito
tem”. Por isso, “se alguém está a possuir em termos (de um direito real que se extingue pelo
não uso) não pode dizer-se que a posse conserva para além do não uso que extinguirá o
mesmo direito”. Só não se extinga posse uti dominus: “pode continuar indefinidamente mesmo
não se usando efetivamente a coisa, enquanto se mantiver a possibilidade de uso”.

Contra esta doutrina largamente dominante, Pires de Lima Antunes Varela consideram que “a
no raciocínio de Manuel Rodrigues certa confusão em ter a posse do direito real e o próprio
direito real”. Entendem que “bem andou legislador em não fazer distinção entre posse direito
de propriedade e posse de qualquer outro direito real”. E conclui defendendo que, em muitos
casos, o possuidor pode defender a sua posse antes de ser declarada a extinção do direito real.

Capitulo VI. Tutela

95. Introdução

A posse constitui um bem no presente e um bem para o futuro, satisfazendo 2 interesses


fundamentais: um de organização (ligado à continuidade da coisa possuída na esfera do
domínio em que se encontra); o outro, de conhecimento (ligada à presunção de dominialidade
que se prende ao facto da posse).

Portanto, deve ser protegida para poder cumprir a sua função. Trata-se, porém e, de uma
tutela rápida e provisória e, por isso, o possuidor não tem necessidade de fazer a prova do
direito sobre a coisa possuída de que se afirma titular: basta lhe provar que possui. Este é aliás,
um aspeto que confere grande importância à posse, justificando que a ele recorram, com
frequência, os próprios titulares de direitos reais quer para obter a tutela rápida dos seus
direitos quer para evitar as dificuldades da sua prova que os juristas medievais chamavam
diabólica. Não se aposta também a possibilidade de o possuidor recorrer a meios de tutela
privada (autotutela): a ação direta e a legítima defesa. Isso não recorrer à autotutela ou não for
possível, goza da tutela judicial da posse. É indiferente que o ato perturbador o esbulhador
tenha natureza material ou jurídica e seja de curta ou longa duração. Por outro lado, entende-
se que só a ameaça ou violação da posse quando esses factos se dirigiam à Constituição de
uma posse contrária e, portanto, traduza um animus spoliandi ou turbando.

A violação deve ser ilegítima; por isso, a ação possessória não procederá se o demandado
alegar e provar que praticou o facto com o consentimento do possuidor ou ao abrigo do
direito. Finalmente, importa referir 2 teorias sobre a fundamentação da tutela possessória:
segundo uma vírgula a proteção da posse apoia-se na necessidade de manter a paz social,
evitando a violência e o esbulho; a outra baseia-se no fato do possuidor ter, via de regra,
direito de possuir.

Secção II. Autotutela

96. A ação direta

A ação direta é o recurso à força para evitar a inutilização prática de um direito no caso de ser
impossível recorrer aos meios coercivos normais. Pode consistir na apropriação, distribuição ou
de distribuição de uma coisa, na eliminação da resistência irregularmente oposta ao exercício
do direito ou noutro caso análogo. E o agente não pode exceder o necessário para evitar o
prejuízo nem sacrificar interesses superiores aos que visa realizar. Bem se compreende,
portanto, que seja concedido, ao possuidor, a possibilidade de recorrer ação direta para
manter-se ou restituir-se, por sua própria força e autoridade.

97. Legítima defesa

embora o nosso código civil só refira expressamente a licitude do recurso à ação direta, deve
entender-se que permite igualmente legítima defesa, NOS termos genéricos em que se
encontra definida no art 337. Haja em vista que permite afastar uma agressão atual ou
iminente ilícita contra a pessoa o patrimônio do agente ou de terceiro e, por isso, a sua recusa
na tutela da posse seria incompreensível. Ademais trata-se de uma figura de autotutela no
âmbito geral.

Secção III. Ações possessórias

98. A ação de prevenção

O possuidor, que tiver justo receio de ser perturbado ou esbulhado por outrem, pode requerer
que este seja intimado para se abster de lhe fazer agravo, sob pena de multa e
responsabilidade pelo prejuízo que causar. A doutrina refere que o receio de turbação ou
esbulho deve ser séria: não basta uma simples apreensão ou receio mais ou menos vale um, e
deve apoiar-se em razões objetivas. Tais atos devem ser materiais; tratando-se de atos
judiciais, a reação ao para através de embargos de terceiro com função preventiva.

99. Ação de manutenção

O nosso Código consagra esta ação, permitindo que o possuidor perturbado seja mantido na
posse enquanto não for convencido na questão da titularidade do direito. Porém, se a posse
não tiver mais de 1 ano, só pode ser mantido contra quem não tiver melhor posse. E considera
melhor posse a que for titulada; na falta de título, a mais antiga; E, se tiverem igual
antiguidade, a Posse atual. Estamos perante um ato de simples perturbação: O possuidor não
chega a ser esbulhado. O ato de turbação pode caracterizar-se por 3 elementos: 1.ato material
(não jurídico) que diminui virou altera ou modifica o gozo o modo de o exercer; 2. Pertence ao
contrário à posse; E conservação da posse. Tem legitimidade para instaurar a ação de
manutenção da posse perturbada os seus herdeiros, mas apenas contra o perturbador ponto
daqui resulta que nenhum terceiro embora prejudicado pela turvação pode defender a posse
de outrem e quando a lei faculta o exercício das ações possessórias primeiro detentores, estes
defendem a sua posso precária ponto em relação à legitimidade passiva, só perturbador deve
ser demandado, mas deve considerar se perturba não só quem executa materialmente o ato,
autor material, mas também quem o ordena, autor moral. A ação de manutenção caduca se
não for intentada dentro de 1 ano subsequente ao facto da turbação. Este prazo relativamente
curto justifica-se não só pela necessidade de se esclarecer rapidamente uma situação duvidosa
cuja prova o decurso do tempo pode tornar mais difícil, mas também pela presunção de que
desiste da sua pretensão o possuidor que não reage prontamente contra o perturbador. A
partir de que momento deve contar-se esse prazo? Trata-se de uma questão que pode suscitar
dificuldades quando estejamos perante uma série de atos perturbadores da posse. Intenso que
se estes atos são isolados, desconexos, cada um deles constitui um facto novo e, portanto, o
prazo de proposição da ação corre autonomamente em relação a cada um deles; se, pelo
contrário, os atos de turbação são complementares uns dos outros, por se dirigirem ao mesmo
fim, e se deles resultar a Constituição de uma posse contrária, o prazo deverá contar-se a partir
do primeiro ato. Importa referir, finalmente, a possibilidade de o possuidor perturbado
recorrer ao procedimento cautelar comum.

100. Ação de restituição

Esta ação está prevista lá da ação de manutenção e como nesta o possuidor esbulhado será
restituído enquanto não for convencido na questão da titularidade do direito. Do mesmo
modo, se a posse não tiver mais de 1 ano, o possuidor só pode ser restituído contra quem não
tiver melhor posse. E considera-se melhor posse a que for titulada; na falta de titulo, a mais
antiga; E, se tiverem igual antiguidade, após atual. Estamos agora perante uma hipótese de
esbulho que supõe a privação total ou parcelar da posse, embora não seja essencial que os
bulha dor tenha o animus spoliandi. Todavia, a distinção entre a perturbação e o esbulho nem
sempre é fácil na prática e “isso explica o desvio de certas regras processuais que presidem ao
pedido e se projetam NOS limites da sentença”: se o possuidor tiver recorrido à ação de
manutenção em vez da ação de restituição e vice-versa, o juiz não deixará de condenar “no que
ao caso convier de acordo com a situação verificada”.

Quanto à legitimidade Ativa a ação de restituição da posse pode ser intentada pelos molhada
os seus herdeiros não só contra os ganhadores ou os seus herdeiros, mas ainda contra quem
esteja na posse da coisa e tenha conhecimento do esbulho ponto a legitimidade passiva do
terceiro de má-fé justifica-se por ser impossível, em muitos casos, reaver a coisa das mãos do
esbulhador. Uma última observação: falando a lei interesseiro que “esteja na posse da coisa e
tenha conhecimento do esbulho”, a ação de restituição não pode ser intentada contra o mero
detentor que possua nome do esbulhador.

Descrição da posse caduca se não for intentada dentro do ano subsequente ao esbulho ao
conhecimento dele quando praticado a ocultas. À justificação dada na ação de manutenção
junta-se outra: se o esbulhado não reage prontamente contra autor do esbulho é porque
reconhece a posse de outrem. Tratando-se de esbulho sucessivos, prazo deve contar-se a partir
do último: há um novo facto, com o seu prazo próprio. O possuidor esbulhado pode também
recorrer ao procedimento cautelar comum.

101. A ação de restituição havendo esbulho violento

se o esbulho for violento, o nosso código dispõe que “o possuidor tem o direito de ser
restituído provisoriamente a sua posse, sem audiência do esbulhador”.
Estamos perante um procedimento cautelar que dispensa audição do esbulhador. O código de
processo civil exige apenas que o possuidor esbulhado violentamente alegue os factos que
constituem a posse, o esbulho a violência e determina que o juiz ordenará a restituição, sem
citação em audiência do esbulhador. Há, portanto, 3 requisitos desta providência cautelar: após
vírgulas bulho, a violência. Doutrina observa que a violência pode ser exercida sobre pessoas e
coisas ponto o ónus da prova compete ao requerente do procedimento NOS termos gerais,
ainda que seja simplesmente sumária: para que a providência seja decretada basta que a
existência do direito seja uma probabilidade séria. Quanto à caducidade deste expediente, a lei
não refere expressamente, mas parece razoável que se aplique o prazo previsto na ação de
restituição da posse: .1 ano, a contar da cessação da violência por que virou enquanto existir, a
violência pode impedir também um exercício da ação; por isso deve esperar-se que o
esbulhado esteja em condições normais para poder reagir o que normalmente só acontece
quando a violência cessar

102. Embargos de terceiro

o nosso código permite que o possuidor, cuja posse for ofendida por penhora ou diligência
ordenada judicialmente, possa defendê-la mediante embargos de terceiro, NOS termos
definidos na lei de processo. Nesta linha, código de processo civil concede, a quem não for
parte da causa, a faculdade de fazer valer o seu direito o vosso incompatível com o ato judicial
de apreensão ou entrega da coisa possuída.

Os embargos são processados por apenso à causa em que haja sido ordenado de facto ofensivo
direito do embargante; e o terceiro pode embargar no prazo de 30 dias subsequentes à data da
diligência ou do conhecimento da ofensa, mas nunca depois de os bens terem sido
judicialmente vendidos ou adjudicados. Uma vez recebidos, os seus efeitos são suspensão dos
termos do processo em que se inserem; e a restituição provisória da posse se o embargante a
houver requerido. E a sentença de mérito proferida nos embargos constitui, nos termos gerais,
caso julgado quanto à existência e titularidade do direito invocado. Podem também ser
deduzidos embargos a título preventivo, antes de realizada, mas depois de ordenada, a
diligência que se pretende embargar. Portanto, os embargos de terceiro podem cumprir uma
função dupla os pontos a restituição, quando o embargante já tenha sido privado da posse; E
prevenção, onde a diligência legal perturbadora esteja em marcha.

Só os terceiros (pessoas que não tenham intervindo no processo ou no ato jurídico de que
maneira exigências judicial nem representam quem foi condenado no processo ok no ato se
obrigou) têm legitimidade para embargar a diligência judicial.

103. Defesa da composse

Art 1286

a doutrina observa que se um dos compossuidores viram a que demanda isoladamente um


terceiro defendendo a posse comum, de cair na ação, a sentença não produzirá efeito de caso
julgado em relação aos demais compossuidores. E o afastamento entre compossuidores, da
ação de manutenção justifica-se “se qualquer dos compossuidores pode exercer, em relação a
coisa vira usados materialmente correspondentes ao direito possuí, usados turbo ativos são em
caracter incaracterísticos”. Diferente é o caso do esbulho quanto à ação de restituição: “o
exclusivismo de um dos compossuidores, conseguido através do esbulho, afeta a posição
jurídica e os direitos dos restantes.
104. Efeitos

se as ações de manutenção e restituição da posse forem julgadas procedentes, “é havido como


nunca perturbado ou esbulhado o que foi mantido na sua posse ou ela Foi restituído
judicialmente” - art 1284. E a restituição da posse é feita à custa do esbulhador e no lugar do
esbulho. Esta disposição é muito importante, sobretudo para efeitos da usucapião, pelo facto
de se contar O Tempo decorrido entre a turbação e o esbulho e a sentença que manteve a
posse ou restituiu. Ademais, não se considerando possuidor, os bulha dor não tem direito aos
frutos e as regras especiais sobre benfeitorias são substituídas pelas da acessão. Por outro
lado, vir pelo possuidor mantido ou restituído tenho direito a ser indemnizado do prejuízo que
tenha sofrido em consequência de turbação ou do esbulho. Esta indemnização obedece ao
regime Geral das obrigações de indemnização; por isso perturbador o esbulhador deve
reconstituir a situação que existiria se não tivesse ocorrido a turbação ou esbulho. Entretanto a
caducidade da ação de manutenção ou de restituição impede o possuidor de pedir, com base
na então da próxima, a indenização dos danos que tenha sofrido- arts 562 e ss

capítulo VII. Perda

105. introdução

o nosso código civil in mera várias formas de extinção da posse virou embora tal enumeração
não seja considerada taxativa. Menezes cordeiro apontou outras: expropriação por utilidade
pública, um não uso e o esbulho seguido de posse do terceiro de boa-fé. Quanto à
expropriação por utilidade pública, constituindo uma forma de extinção dos diversos direitos
reais, “seria totalmente estranho que virou desaparecendo estes, continuasse a posse”. Em
relação ao não uso, “seria totalmente inesperado que virou extinguindo-se o correspondente
direito real, a posse prosseguir-se”: a posse” é, pois, sensível ao não uso NOS precisos termos
em que sejam os correspondentes direitos reais”. E não podendo a ação de restituição ser
intentada contra terceiros de boa-fé que tenham a posse da coisa, o esbulho seguido da posse
de terceiro de boa-fé extingue a posse do esbulhado: e outra forma de extinção. Seguiremos a
enumeração que o código civil oferece.

106. Abandono

o abandono é definido como “a sensação voluntária do controlo possessório sobre a coisa”.


Pressupõe, portanto, um ato material intencional de rejeição da coisa do direito; por isso,
abandonar a coisa possuída, desaparecem os 2 elementos constitutivos da posse: o corpus e o
animus.

Em consequência do abandono, o apossamento por terceiros não constitui esbulho. Por outro
lado, faz cessar a responsabilidade e os encargos respeitantes do possuidor de má-fé, sem
prejuízo das regras da responsabilidade civil. Há, no entanto, um problema que divide a
doutrina: será possível a perda da posse por abandono da coisa se não for possível renunciar
legalmente ao direito a que corresponde?

Pires de Lima e Antunes Varela respondem negativamente: a posso manter-se-á enquanto um


terceiro não constituir a posse de ano e dia. Porém Menezes cordeiro virou para quem aquela
posição não se apoia em nenhum argumento, entende que a Renúncia ao direito de
propriedade, mesmo imobiliária, é sempre possível. Por um lado, porque dispõe de cobertura
constitucional; E, por outro, porque a posse, sendo ou podendo ser fonte de encargos não
pode manter-se contra a vontade do titular que não queira conservar o controlo material.
Art 1267/1-a)

107. Perda ou destruição da coisa

1267/1-B)

em segundo lugar vírgula o código refere a perda destruição material da coisa ou a sua
colocação fora do comércio. A doutrina observa que “a perda da coisa é a sua saída fortuita do
poder do possuidor”; por isso, falta de elemento intencional de rejeição que existe no
abandono. No entanto, impõe-se uma interpretação restritiva: não perde a posse quem se
esqueça de um objeto, enquanto puder encontrá-lo. Se, dias depois, for encontrado por
terceiro, cometerá esbulho se recusar a sua entrega ao possuidor. Por isso, a posse só se
extingue quando a perda sobrevevenha uma nova posse, por mais de 1 ano, incompatível com
a anterior; ou quando seja manifestamente impossível recuperar a coisa. Quanto à destruição,
entende-se que deve ser total pois, de outro modo, posso irá continuar sobre o que, dela,
resultar.

108. Cedência

1067/1-C)

a cedência traduza perda da posse para o cedente; por isso, constitui, em rigor, a outra face da
tradição material ou simbólica. Há quem entenda que “não está dependente de quaisquer
regras formais de validade, operando com a mera entrega da coisa, agradeço ao material, ou
concretização das competentes operações vira boa noite tradição simbólica”. Mas há
igualmente quem considera que a lei supõe a celebração de um negócio jurídico pelo qual o
possuidor transfere a sua posse, acompanhado de tradição material ou simbólica da coisa.

109. Posso de outrem por mais de 1 ano

perde a posse de quem, mesmo contra a sua vontade, permite que um terceiro pessoa por
mais de 1 ano. O Tempo da nova posse é contado desde o seu início (se for tomada
publicamente) ou desde o conhecimento do esbulhado (se foi tomada ocultamente) ou a partir
da cessação da violência (se foi adquirida por violência). Consagra-se, sim, o velho princípio do
direito Franco da posse de 1 ano e dia; decorrido este prazo, o antigo possuidor não pode ser
mantido ou restituído contra o novo possuidor; E as ações de manutenção e restituição da
posse de caducam se não forem intentadas dentro do ano subsequente ao facto da turbação
ou do esbulho ou ao seu conhecimento quando tenha sido praticado a ocultas.

Titulo II. Propriedade

Capitulo I. Caracterização

11. Noção

Art 1035- Embora não se trate de definição de propriedade, a critica observa, por um lado, que
o gozo não é especifico da propriedade; e, por outro, que pode haver proprietários sem o uso e
a fruição e também sem o direto de disposição.

Como advertiu José Tavares, “o conceito geral do direito de propriedade pertence à categoria
das noções juridicas instintivas”. Observa-se que “tudo depende da situação histórica
considerada” e entende-se que é fundamental a delimitação negativa: “é possível determinar,
com precisão, o que o proprietário não pode fazer”, mas o que +ode fazer “só poderia ser
exemplificado”.
Apesar das dificuldades assinaladas, não faltam definições de propriedade propostas
por alguns autores. Assim, Oliveira Ascensão define-a como “o direito real que outorga a
universalidade dos poderes que á cosia se podem referir”.
Menezes Cordeiro fala-nos de “afetação jurídica-privada de uma coisa corpórea, em
termos plenos e exclusivos, aos fins de pessoas individualmente consideradas” ou, ainda, de
“permissão normativa, plena e exclusiva, de aproveitamento de uma coisa corpórea”.
E carvalho Fernandes considera que o direito de propriedade pode definir-se como “o
direito real máximo, mediante o qual é assegurada a certa pessoa, com exclusividade, a
generalidade dos poderes de aproveitamento global das utilidades de certa coisa”.

111. Objeto

Arts 1302, 1303 e 1344- estas disposições inspiram-se na doutrina de Ihering e que a
propriedade se entende até onde houver interesse prático, recusando a doutrina clássica
segundo a qual a propriedade abrange o solo em toda a sua profundidade e altura, que os
glosadores resumiram na célebre frase “até aos astros e às profundezas”.

112. Características

Partindo da referencia do Código civil aos poderes do proprietário sob a epigrafe conteúdo do
direito de propriedade, a doutrina apresenta algumas notas através das quais procura
caracterizar a propriedade. Referimos a:

1. a indeterminação: o proprietário tem poderes indeterminados, ao contrario dos


direitos reais limitados que têm um conteúdo preciso, determinado pela lei ou fixado
pelos particulares em casos excecionalmente permitidos.
2. Exclusividade: sobre a mesma coisa só pode haver um direito de propriedade
3. Elasticidade: extinto um direito real que a limite, a propriedade reconstitui-se
plenamente. Este efeito, resultante da sua força expansiva ou atrativa é produzido
automaticamente logo que cessem os ónus ou direitos reais que a comprimem ou
reduzem.

113. Referencia histórica

113.1. Tempos pré-romanos

A origem da propriedade não é conhecida e, na ausência de fontes, não faltam as teorias mais
diversas que não passam de simples hipóteses insuscetíveis de confirmação. Assim, Max Kaser
considera mesmo que inicialmente o direito de propriedade não existiu: só a posse.

113.2. Direito romano

Caracterizada, nos primeiros tempos, pela confinidade, absorvência, imunidade e


perpetuidade, a propriedade romana revestia duas formas:

1. Propriedade civil: pertencia a cidadãos romanos e a latinos e estrangeiros


contemplados com ius commercii e tinha por objeto coisas móveis ou imoveis situadas
em Itália;
2. Propriedade bonitária: era a propriedade protegida pelo direito pretório. Tratava-se
duma verdadeira posse que, obedecendo a determinados requisitos, o pretor protegia
enquanto não decorresse o prazo necessário para que, através da usucapião, se
transformasse em propriedade civil.

O conteúdo da propriedade romana era expresso na formula uti (usar ou obter alguma
utilidade sem alterar nem consumir a res), frui (desfrutar ou recolher frutos periódicos),
habere (obter e dispor) e possidere (possuir). E era limitado por interesses públicos, por
motivos religiosos e morais e por interesses privados.

113.3. Direito medieval

As escolas medievais preocuparam-se com a definição da propriedade e procuraram extraí-


las dos textos do direito romano. Os contratos agrícolas constituíram uma das traves-
mestras da vida económica e social medieva, merecendo especial referencia a enfiteuse já
largamente praticada no direito romano por força da qual a propriedade se desmembrava
nos domínios direto e útil, que passam a pertencer, respetivamente, ao senhorio e ao
enfiteuta.

113.4. Direito moderno

Com o desenvolvimento do comercio surgiu a classe burguesa que atacou o regime feudal
derrubando-o em 1789. Entre nós o código de Seabra apresenta uma noção eminentemente
filosófica afastando-se do código civil francês: “Diz-se direito da propriedade a faculdade, que o
homem tem, de aplicar à conservação da sua existência, e ao melhoramento da sua condição,
tudo quanto para esse fim legitimamente adquiriu, e de que, portanto, pode dispor
livremente”.

114. Natureza jurídica

A complexidade que o seu regime reveste e justifica a falta de definição favorece também
entendimentos diferentes sobre a natureza jurídica ou essência Porém, destacamos as duas
doutrinas principais. Segundo a teoria da pertença, mais antiga e considerada a mais intuitiva,
a propriedade traduz a ideia do meu por oposição ao que e de outros. Consiste na relação de
subordinação de uma coisa face ao proprietário. Porém, esta ideia de pertença não explica a
diferença que separa a propriedade dos restantes direitos reais e, portanto, não se considera
satisfatória. Mas importa referir que não lhe é estranha a própria terminologia que deriva de
proprius: a coisa pertence absoluta e exclusivamente ao proprietário; e que a ligação entre o
direito de propriedade e o seu objeto é tão íntima, que "é comum, na linguagem vulgar e até
na linguagem jurídica, designar o direito pelo objeto, ou o objeto pelo direito". Mais recente é
a teoria do senhorio atribuída à Pandectista, mas que parece ter sido acolhida já no Código de
Napoleão, segundo a qual a propriedade é o direito real mais extenso que o ordenamento
jurídico permite sobre uma coisa. Apoia-se na indeterminação dos poderes atribuídos ao
proprietário que, por virtude da sua vastidão, é impossível enumerar exaustivamente. Critica-
se, no entanto, por ignorar, v.g., que o usufrutuário “tem muitos mais poderes sobre a coisa
que o nu proprietário”, questionando-se: “quem tem o senhoria da cosia?”; por, podendo
reportar-se a coisas muito diferentes, oferecer aos seus beneficiários vantagens
substancialmente diversas; por desconhecer a existência de limitações, etc.

Entre nós, é dominante a doutrina que não se afasta da teoria do senhorio.


Assim, Mota Pinto destaca, como uma das notas que caracterizam a propriedade, os
poderes indeterminados do proprietário, referindo que “no direito de propriedade, o titular
tem, em principio, todos os poderes”.
Henrique Mesquita refere que “dentro dos limites traçados pela ordem jurídica, o dominus tem
o monopólio das vantagens que a coisa é suscetível de proporcionar € embora as restrições e
vinculações a que a lei sujeita a propriedade (especialmente a propriedade sobre imóveis)
sejam cada dia mais intensas, e la é ainda hoje uma plena in re potestas”
Oliveira Ascensão considera que “ a propriedade tem vocação para o gozo” e “este pode em
concreto faltar sem que em nada se toque a essência do direito: a propriedade fica então
reduzida a um elemento qualitativo a que podemos também nós chamar raiz: mas como
poderes foram concedidos como universalidade, eles automaticamente se expandem quando a
restrição desaparecer”.
Carvalho Fernandes entende que “a essência da propriedade na sua aptidão para
abarcar a generalidade dos poderes que permitam o total aproveitamento da utilidade de uma
coisa, o que lhe dá caráter de exclusividade”. E considera que “não deixa de haver propriedade
ainda quando alguns desses poderes são destacados e atribuídos a outrem, pois a tendência
para a universalidade se mantém”. Por isso, “extinto o direito limitativo ou onerado, a
propriedade expande-se e retoma o seu conteúdo pleno”

Capitulo II. Modalidades

116. Propriedade perpetua

A propriedade perpétua caracteriza-se por não cessar pelo decurso de um prazo. Refere-se
também que não se extingue pelo não uso, considerando-se que “não usar a propriedade é
ainda uma forma de a usar”; e que “o proprietário tem tais poeres, que pode querer estar
inativo, e esta possibilidade cabe dentro do conteúdo do seu direito”.
Estamos perante a propriedade-regra admitindo-se então exceções que caracterizam a
propriedade temporária

117. Propriedade temporária

Art 1307/2

A doutrina apresenta, como exemplos, a propriedade do fiduciário que é um verdadeiro


proprietário a termo: o seu direito termina com a sua morte; o direito de superfície quando, no
respetivo titulo constitutivo, se tenha convencionado que, ao fim de certo tempo, a
propriedade da obra ou das arvores reverte para o dono do solo, etc.
Sendo a propriedade temporária apenas admitida nos casos que a lei prevê, a sua
constituição, fora destes casos, é nula, sem prejuízo, no entanto, da possibilidade da sua
conversão noutro direito real se se verificarem os requisitos legais necessários

118. Propriedade resolúvel

A propriedade resolúvel é a propriedade constituída sob condição resolutiva. O nosso Código


admite-a sem o caracter de excepcionalidade (1307/1). A doutrina refere alguns exemplos: a
propriedade dos bens deferidos aos sucessores do ausente, com base na sua morte presumida,
que lhe será devolvida se regressar ou dele houver noticias- art 119- bem como o caso do
1650/1 em que a propriedade regressa se o cônjuge beneficiário não respeitar o prazo
internupcial; 1760/1-b em que a propriedade de bens doados regressa ao doador em caso de
divorcio e 927 e ss (ver se ainda é assim- reforma do livro de família)
Em certo sentido, a propriedade resolúvel também é temporária: o proprietário que adquiriu
sob condição resolutiva perde a propriedade com a verificação da condição acordada. Por isso,
há quem observe que “também há propriedade temporária na propriedade resolúvel”. No
entanto, a excepcionalidade da propriedade temporária e a não restrição à constituição da
propriedade resolúvel justificam que as não confundamos: aquela está sujeita a um temo; esta,
a condição resolutiva.

Capitulo III. Limitações legais

A propriedade nunca foi ilimitada, mesmo no direito romano era limitada por motivos de
interesse publico, religioso e privado. A nossa constituição embora não a mencione
expressamente, não deixa de reconhecer implicitamente a função social como limite imanente
ao direito de propriedade privada em várias regras e princípios constitucionais. Também o
Código Civil reconhece à propriedade uma função social que observamos na figura do abuso do
direito e nas diversas restrições ou limitações que representam obrigações de non facere e de
facere do proprietário

Secção I. Por interesse Público

120. Expropriação

A expropriação está igualmente prevista no art 62/2 da CRP e no mesmo sentido vai o art 1308
do CC. Dos numerosos preceitos que se ocupam da expropriação, é possível retirar duas regras
fundamentais: 1ª- a indemnização não visa compensar o beneficio alcançado pelo
expropriante, mas ressarcir o prejuízo causado ao expropriado; 2ª- este prejuízo mede-se pelo
valor real e corrente dos bens expropriados e não pelas despesas que eventualmente haja de
suportar para obter a substituição da coisa expropriada por outra equivalente.

A utilidade publica invocada condiciona o regime da expropriação em dois sentidos: exclui a


possibilidade de haver expropriação sem o reconhecimento e declaração da utilidade publica;
e, se os bens não forem afetados a essa utilidade publica, a expropriação perde a sua razão de
ser e, em consequência, o expropriado goza do direito de reversão: a faculdade de recuperar o
seu direito sobre um bem expropriado.
Questiona-se a natureza jurídica da expropriação. Classicamente equiparada a uma venda
forçada, entende-se, hoje, que se trata dum instituto de direito publico, divergindo a doutrina
sobre se o beneficiário adquire o direito a titulo derivado ou originário: se “o direito do
expropriante, uma vez constituído, em nada padece dos vícios de que podia enfermar o direito
anterior”, parece mais certa a posição que sustenta tratar-se de um direito que se constitui ex
novo.

121. Requisição

Art 62/2 CRP (“só… justa indemnização”) e 1309 CC

A requisição pode incidir sobre coisas moveis e imoveis e difere da expropriação pela diferente
eficácia: enquanto esta extingue todos os direitos reais sobre a coisa expropriada, a requisição
só atribui à entidade requisitante o direito a usar a coisa para o fim previsto durante o tempo
determinado. A doutrina definia a requisição como um ato administrativo pelo qual um órgão
competente impõe a um particular, verificando-se as circunstancias previstas na lei e mediante
indemnização, a obrigação de prestar serviços, ceder coisas móveis ou semoventes ou
consentir na utilização temporária de quaisquer bens necessários à realização do interesse
público e não convenha procurar no mercado.
E distingue a requisição da expropriação por utilidade pública: ambas podem incidir sobre
coisas móveis ou imoveis, mas, enquanto a expropriação envolve, segundo parece, uma
aquisição originária do domínio, a requisição apenas atribui à entidade requisitante um direito
de uso da coisa, que deve ser exercido de harmonia com o fim previsto.

122. Outras situações em que a propriedade é limitada por interesse público

1. fracionamento e emparcelamento de prédios rústicos: art 1376/1. Na base desta imposição


estão interesses económicos e sociais: os primeiros, porque o fracionamento de prédios em
tamanho pequeno é um dos fatores que justificam a sua fraca produtividade; os outros porque
as reduzidas dimensões dos prédios podem favorecer a conflitualidade entre os vizinhos. Em
sintonia com esta proibição, os proprietários de terrenos confinantes, de área inferior à
unidade de cultura gozam reciprocamente do direito de preferência nos casos de venda e
dação em cumprimento

2. atravessadouros: art 1384

3. Art 1305-A

Secção II: Por interesse privado

123. Fumos, ruídos e factos semelhantes

Art 1346

A doutrina entende que as emissões devem provir de prédios vizinhos, não necessariamente
contíguos; e considera que o prejuízo substancial deve ser aferido pelo fim a que o imóvel se
encontra afetado e não pelas condições especiais em que o seu proprietário porventura se
encontre.
Depois, em relação à não utilização normal do prédio de que emanam aqueles elementos,
entende que o uso normal depende do destino económico desse prédio que deve ser
apreciado também objetivamente, sem prejuízo das condições e dos usos locais. Por isso, são
ilícitas as emissões desnecessárias, seja qual for o dano que causem aos prédio vizinhos: tais
emissões ou traduzem o uso anormal do prédio de que emanam ou envolvem um abuso do
direito. Há, no entanto, um problema: os requisitos que a lei exige (prejuízo substancial para o
imóvel; não resultem da utilização normal do prédio de que emanam) funcionam em
alternativa (o titular pode opor-se desde que se verifique qualquer um deles) ou
conjuntamente? A letra da lei favorece a primeira orientação. Mas há quem considere mais
razoável o segundo regime, questionando se um proprietário pode opor-se a uma emissão que
não lhe cause prejuízo, só porque não corresponde ao uso normal do prédio vizinho.

124. Instalações prejudiciais

São previstas duas situações, determinando-se que:

1. Art 1347/1
2. Art 1347/2
3. Art 1347/3
A doutrina considera que na ratio desta proibição está o receio fundado de que as obras,
instalações ou depósitos tenham efeitos nocivos não permitidos por lei. E nota que, para evitar
omissões difíceis de resolver, o Código não refere o tipo de obra, afastando-se do Código de
Seabra que refere cloacas, fossas, canos de despejo, chaminés, fogões, fornos ou outras
matérias corrosivas ou obras que produzam infiltrações nocivas.
Importa ter presente, por um lado, que a referencia a efeitos nocivos não permitidos
por lei afasta da proibição legal as obras que, embora possam prejudicar os vizinhos são
legalmente permitidas; e, por outro lado, há efeitos nocivos que só indiretamente atingem o
prédio, desvalorizando-o em maior ou menor medida. Entende-se também que o receio a que
se refere o texto legal deve ser apreciado objetivamente, não merecendo proteção os espíritos
demasiadamente temerosa. E finalmente, observa-se que a referencia legal em qualquer dos
casos mostra que a lei não exige a culpa na produção do dano.

125. Escavações

Art 1348

126. Passagem forçada momentânea

Art 1349

A doutrina considera que a redação legal “se para reparar algum edifício ou construção” não é
muito feliz. Por isso, para evitar que se fale em “reparar uma construção”, sugere uma
interpretação extensiva que consagre a expressão “se para reparar ou levantar algum edifício
ou construção”. Observa-se que a utilização do prédio alheio deve ser indispensável; e que a
circunstancia de o proprietário vizinho estar obrigado a consentir o acesso ao seu prédio
justifica a possibilidade de se exercer a ação direta. Finalmente, nota-se que a obrigação de
indemnizar os danos causados não depende da culpa do lesante: estamos perante um caso de
indemnização por factos ilícitos

127. Ruina de construção

Art 1350

Esta limitação pressupõe que as ameaças provenham de edifício ou outra obra; e que o receio
do proprietário seja fundado, sendo irrelevante o excesso de temor. Entende-se que não
compete ao vizinho ameaçado indicar as providencias mais adequadas para evitar o perigo: o
proprietário do prédio em ruina pode escolher a que mais lhe convenha, de entre as varias
possíveis.

128. Escoamento natural das águas

Art 1351.

Estas normas não abrangem apenas a agua pluvial, mas todas as correntes, qualquer que seja a
sua origem. E compreende a terra e entulhos que correm naturalmente e não quaisquer outras
substancias que se juntem às águas por obra do homem e as tornem nocivas. A doutrina
considera que não é suposta, como necessária, a contiguidade dos prédios: exige-se
unicamente que um seja superior em relação ao outro, para que se possa verificar o decurso
natural. E refere que alem do direito à indemnização dos danos decorrentes do escoamento
das águas em termos diferentes dos prescritos, o proprietário do prédio inferior ou superior
pode ainda obter a destruição de obras que, respetivamente, alterem o curso natural ou
estorvem ilicitamente o seu escoamento, como prevenção de danos futuros.
129. Obras defensivas das águas

O nosso código civil prevê as seguintes hipóteses:

a) 1352/1
b) 1353/2

E determina que art 1353/3.

A doutrina está dividida: há quem entenda que o proprietário tem o direito e não a obrigação
de reparar e só quando não queira usar desse direito, os terceiros podem intervir. Ou seja, por
um lado, está sujeito a uma obrigação de prestação alternativa: fazer os reparos ou tolerar que
outrem os faça; por outro, é titular do direito potestativo de escolher entre estas prestações
disjuntivas. Mas há também quem entenda que esse proprietário tem a obrigação de fazer as
obras e, se o não fizer, os interessados poderão fazê-las. Em abono da primeira orientação
parece estar a letra da lei: o proprietário pode optar por ou reparar ou deixar reparar. E a favor
da segunda invoca-se o facto de ninguém melhor do que esse proprietário dever verificar a
iminência do desastre e a necessidade das obras; por isso, deve fazê-las, podendo os vizinhos
intervir se não o fizer.
A diferença destas soluções aparentemente idênticas é posta em destaque por
Menezes cordeiro: seguindo a segunda orientação, se o proprietário não cumprir
culposamente a sua obrigação de fazer as obras e reparos é “responsável pelo suplemento de
despesas que essa inércia possa acarretar para os vizinhos e pelos demais danos que daí
possam advir”.

130. Construções e edificações

O proprietário que, no seu prédio, levante edifício ou outra construção, não pode:

a) 1360/1
b) 1360/2

A ratio destas disposições é evitar que o prédio vizinho seja facilmente objeto da indiscrição de
estranhos e devassado com o arremesso de objetos. Se o proprietário vizinho não exigir que as
situações desconformes sejam eliminadas pode sofrer consequências muito gravosas,
decorrentes da constituição duma servidão de vistas que, alem de atribuir ao dono do prédio o
direito de ver o que se passa no prédio alheio, impede o vizinho de levantar edifício ou outra
construção sem deixar, entre as duas construções, uma zona de metro e meio. Porem estas
restrições não se aplicam nos casos do 1361 e 1363.

Importa referir duas situações que a lei não resolve:

a) A abertura de frestas, seteiras ou óculos para luz e ar sem as condições legalmente


fixadas pode conduzir à aquisição de servidão por usucapião? Há quem responda
afirmativamente, embora considere que o direito daí decorrente seja, tão-só, o de
manter estas aberturas em condições diferentes das legais. Por isso, o proprietário
vizinho não pode exigir que tais aberturas sejam reduzidas aos limites legais, mas já lhe
é permitido levantar, a todo o tempo, edifício ou contramuro que as vede;
b) Podem os vizinhos constituir uma servidão que afaste a construção de casa ou
contramura que vede aquelas aberturas? Também aqui a resposta é afirmativa,
invocando-se que a proibição legal não é prescrita por motivos de interesse e ordem
pública.
Ver art 1364

131. Estilicídio

Art 1365. Na ratio justificativa do intervalo de meio metro entre a beira e o prédio vizinho
está a necessidade de as aguas caírem diretamente no prédio onde se faça a construção, só
depois atingido naturalmente os prédios inferiores. Porem, esta obrigação legal de
suportar o escoamento das aguas pluviais só existe quando caiam gota a gota nos prédios
inferiores

132. Plantação de arvores e arbustos

O dono de um prédio pode plantar arvores e arbustos até à sua linha divisória. Todavia, ao
proprietário do prédio vizinho é concedida a faculdade prevista no art 1366/1. O nosso
código afastou-se de outras legislações que admitem a possibilidade de semear ou plantar
arvores respeitando uma distancia da linha divisória que ora varia consoante o maior ou
menor plante das plantas ora é fixada entre dois e um metro segundo a cultura. A doutrina
observa ainda que o vizinho prejudicado com as árvores não tem o direito de pedir uma
indemnização ao seu dono, porque pode evitar os danos exercendo a faculdade que a lei
lhes concede. E, embora a lei não refira, considera-se que os ramos e raízes cortadas
pertencem ao dono da arvore: são partes componentes. Há, no entanto, alguns problemas
que importa apreciar. Destacamos:

a) Se o dono das arvores as amarrar a esteios que inclina sobre o prédio vizinho ou
existam neste prédio, poderá adquirir, por via possessória, um direito de servidão
predial? Entende-se que sim, embora pratique um facto ilícito: a inclinação sobre o
prédio vizinho não é efeito do crescimento natural das plantas;
b) Se, durante várias anos, o proprietário do prédio vizinho não pedir que o dono das
arvores corte as raízes, o tronco e os ramos que se infiltraram sobre o seu prédio nem
os cortar, se o dono não o fizer dentro de três dias, este adquire, por usucapião, a
servidão predial que lhe permite defender a manutenção das raízes, tronco e ramos na
situação referida? A resposta é negativa, primeiro o dono da arvore não tem o animus
possidendi não tendo a posse que lhe permita usucapir, depois porque aquela
faculdade que a lei confere ao proprietário do prédio invadido pelas raízes ou sobre o
qual propendem o tronco ou os ramos não prescreve.
c) O proprietário do prédio invadido pelas raízes, tronco ou ramos de arvore alheia pode
obrigar o dono a fazer os cortes? A resposta tem sido negativa, mas observa-se que
nem sempre é a solução mais razoável. Defende-se que lhe seja concedido o direito de
impor ao sono das arvores a prática dos atos necessários para evitar esses danos,
embora se reconheça que se trata duma situação excecional: não se aplica quando o
vizinho tem a possibilidade de cortar. De contrario, se este pudesse exigir que o dono
das arvores os cortasse, cair-se-ia na impossibilidade de fazer plantações junto da linha
divisória; e o autor da plantação ficaria sempre sujeito ao risco de incorrer em
responsabilidade para com o vizinho.

133. Apanha de frutos

Art 1367

134. Árvores ou arbustos situados na linha divisória


Art 1368 e 1369 (esta presunção é ilidível)

134/A. Paredes e muros de meação

Art 1370,1371, 1372, 1373, 1374 e 1375

Estamos perante um direito potestativo constitutivo duma nova relação jurídica


(compropriedade) outorgado para evitar que o proprietário do prédio vizinho interessado em
fazer uma construção seja obrigado a recuar para edificar parede ou muro junto ao do vizinho,
com eventual sacrifício da dimensão da obra a construir. Importa, no entanto, ressalvar que,
havendo uma servidão sobre a parede ou muro cuja comunhão forçada foi adquirida, o seu
exercício não pode ser impedido ou perturbado.

135. Direito de tapagem

Art 1353

É também um preceito do direito romano que se concretizava através da actio finium


regundorum: havendo duvidas, fixava as estremas do prédio. A doutrina entende que a
referencia legal ao proprietário não significa que os titulares de um direito real limitado não
possam tomar a iniciativa de pedir a demarcação, embora não disponham de legitimidade para
o fazerem só por si “devem provocar pelos meios processuais próprios, a intervenção do
proprietário na lide”.

Art 1356- não taxativo

Embora não seja fácil admitir que a vedação ou tapagem possa constituir um abuso do direito
de propriedade porque o autor da vedação está a exercer um direito, não se afasta totalmente
esta possibilidade: será o caso v.g., de o proprietário não ter interesse sério e procurar apenas
fazer a obra na horta do vizinho ou prejudicar de outro modo as cultuas do seu prédio.

O código civil ocupa-se de várias situações:

a) Valas- Art 1357. Evitar que as valas ou regueiras provoquem o desmoronamento ou


deslocações de terro do prédio vizinho;
b) Sebes vivas: 1359/1. Evitar que se plantem sebes e o dono as vá aparando por dentro,
fazendo-as avançar sobre o terreno vizinho e usurpando o seu terreno

136. Limitações convencionais

Art 1306.

Importa distinguir: ou tais limitações são permitidas pela lei, como sucede nas figuras dotadas
de flexibilidade ou elasticidade que se configuram como tipos e nada obsta à sua constituição
no âmbito legalmente consagrado; ou, contrariando o direito de propriedade, são nulas, mas,
por efeito de convenção legal, produzem efeitos obrigacionais; ou podem ser convertidas
noutro direito real legalmente admitido.

Capitulo IV. Aquisição

Secção I. Aquisição originária

Subsecção I. Ocupação.
138. caracterização

A ocupação consiste na apropriação ou tomada de posse de uma coisa que não tem ou deixou
de ter dono. O nosso Código Civil dedica-lhe uma secção especifica, mas observa-se que
“sobuma aparente uniformidade, trata como ocupação realidades que não podem ser
consideradas como tal”.

Art 1318

A doutrina exige alguns requisitos ou elementos:

1. Pessoal: o ocupante deve ser uma pessoa com capacidade de gozo bastante, embora
não se exija a capacidade de exercício;
2. Real: a coisa ocupável deve ser res nullius que, em sentido amplo, compreende as
coisas que nunca tiveram dono ou, porque abandonadas, deixaram de o ter; deve ser
móvel visto que os imoveis sem dono conhecido pertencem ao Estado; e deve ser
suscetível de apropriação privada.
3. Formal: é a tomada de posse da coisa. Porem, a doutrina diverge sobre a exigência do
animus occupandi. Há quem o não exija porque “iria frontalmente contra a lei
portuguesa que permite a ocupação por parte de pessoas que não tenham
discernimento”; e que não o dispense e, por isso, recuse a possibilidade de aquisição
por ocupação a quem não tem o uso da razão, “visto faltar-lhe uma vontade
juridicamente relevante”.

Tem-se questionado a natureza jurídica do abandono, mas parece mais acertada a doutrina
que o considera um ato jurídico; por isso, quando a analogia das situações justifique, serão de
aplicar, ex vi o art 295 as normas dos negócios jurídicos.

139. Caça e pesca

Art 1319- a propriedade é adquirida por apreensão

140. Animais selvagens com guarida própria

São uma categoria intermédia nem são animais selvagens nem domésticos. O nosso código
prevê a hipótese de se mudarem para guarida de outro dono e distingue:

1. 1320/1
2. 1320/1
3. 1320/2

141. Animais ferozes fugidos

Art 1321- estamos perante uma situação quiçá violenta para o proprietário que os não
abandonou e não tendo sido abandonados não se deviam considerar res nullius. Todavia
justifica-se porque sendo ferozes é necessária a rápida captura.

Só será licita quando estiver em condições de fazer mal e não quando se encontra impedido de
qualquer ato agressivo.

142. enxames de abelhas

Art 1322
A doutrina observa que a ocupação só pode funcionar se o dono não capturar o enxame no
prazo de dois dias que se conta a partir da fuga das abelhas; entende que a não captura
funciona presunção de abandono, tornando-se o enxame res nullius.

143. Animais e coisa móveis perdidas

Art 1323, deve quando possível recorrer aos meios de identificação acessíveis através de
médico veterinário.

144. Tesouro

É a coisa móvel valiosa escondida em tempo imemorial, que deixou de ter dono.

Art 1324.

A doutrina observa que o tesouro se distingue da coisa perdida ou abandonada por a coisa
descoberta ter sido escondida ou enterrada. Por outro lado, não sendo produzido
periodicamente, não se confunde com os frutos e, por isso, se for descoberto pelo
usufrutuário, este é apenas havido como achador, cabendo ao proprietário metade.

Subsecção II. Acessão

145. caracterização

Art 1325- duas espécies: natural e industrial

Art 1326

Trata-se de um efeito do principio de que o direito de propriedade tem, em si, a virtualidade de


absorver tudo o que, por força da natureza ou por ação do homem, se incorporar na coisa que
constitui o objeto. E pode justificar-se invocando razoes de ordem prática: o legislador preferiu
não destruir as coisas com a sua separação: e, por isso, atribui a uma só pessoa a propriedade
do todo constituído pelas coisas unidas.

146. Acessão natural

146.1. Aluvião

Art 1328º.

A doutrina acentua, na aluvião, um acrescento impercetível de um prédio por ação das aguas e
reconhece que a acessão opera aqui imediata e automaticamente: o dono do terreno
acrescentando adquire a propriedade sobre as coisas que se lhe uniram, à medida que a
incorporação se vai produzindo, independentemente da sua vontade.

146.2. Avulsão

Art 1329- a existência deste prazo justificava-se, no direito romano, pela necessidade de
distinguir o mero contacto da união orgânica: a acessão só se verificava quando, no terreno
acrescentado, germinasse a mesma vegetação ou as árvores estendessem as suas raízes

146.3. Mudança de leito

Art 1330º

Não se trata de verdadeira acessão: nem o dono do terreno ocupado perde a sua propriedade;
nem o proprietário do terreno confinante com o rio adquire a propriedade do leito
abandonado. O leito abandonado pelas aguas de um rio que seguem outra direção acede aos
proprietários dos terrenos situados nas duas margens, cabendo a cada fundis o terreno situado
entre uma linha média e duas linhas perpendiculares a essa linha que se estendem a partir dos
limites desse fundus. E a propriedade do terreno ocupado pelo novo leito extingue-se, embora,
no direito romano regressasse ao antigo proprietário se o rio voltasse ao leito permitido.

146.4. Formação de ilhas e mouchões

art 1331. Esta solução justifica-se pelo facto de o leito dos rios ser propriedade privada. Mas,
por isso, não se trata de acessão.

Diferente é a solução do direito romano: a propriedade das insulae in flumine natae é atribuída
aos donos dos terrenos situados nas duas margens: a cada um pertence a parte localizada
entre uma linha mediana traçada imaginariamente na ilha e duas linhas perpendiculares que
assinalavam os limites do seu terreno.

146.5. Lagos e Lagoas

Art 1332. Não há, também aqui, lugar para a acessão.

147. Acessão industrial mobiliária

147.2. União ou confusão de boa-fé

Esta figura ocorre quando alguém, de boa-fé, une ou confunde objeto seu com objeto alheio e
a separação não é possível ou implica prejuízo para alguma das partes. O nosso código
estabelece o seguinte regime:

1. 1333/4
2. 1333/1
3. 1333/2
4. 1333/3

A doutrina observa que se a separação for possível, não há acessão porque uma das coisas não
chega a ser absorvida pela outra, mas considera-se que o conceito de separação é económico
ou jurídico e não simplesmente mecânico ou material: afasta-se a separação se causar prejuízo
aos donos.
E considera que a boa-fé consiste na ignorância de que se lesa, com a confuso, o direito de
outrem

147.2. União ou confusão de má-fé

Esta união ou confusão ocorre quando alguém, de má-fé, une ou confunde uma coisa sua com
outra alheia. O regime do CC está no 1334:

1. Se as coisas puderem separar-se sem detrimento, a coisa alheia deve ser restituída ao
seu dono, sem prejuízo de indemnização por dano sofrido;
2. Se não poderem ser deparadas em detrimento:
a) O dono da coisa unida ou confundida pode ficar com ambas as coisas adjuntas,
pagando ao autor da união ou confusão do valor calculado segundo as regras do
enriquecimento sem causa;
b) Se não quiser ficar com a coisa adjunta, o autor da união ou confusão deve restituir
o valor da coisa unida ou confundida e indemnizar o seu dono.
A doutrina considera que age de má-fé quem sabe, na data da união ou confusão, que lesa o
direito de outem; e refere que os danos a indemnizar ao dono da coisa unida ou confundida
podem resultar da privação ou impossibilidade de uso da coisa.

147.3. confusão casual

A confusão casual tem lugar quando a adjunção ou confusão se realiza casualmente e as coisas
adjuntas ou confundidas não se podem separar sem detrimento de alguma. O seu regime
jurídico está no 1335, sendo o seguinte:

1. Se o dono da coisa mais valiosa quiser, fará suas as coisas adjuntas ou confundidas,
pagando o justo valar da outra;
2. Se não quiser, direito idêntico assiste ao dono da coisa menos valiosa;
3. Se nenhum dos proprietários quiser ficar com as coisa, será vendida e o preço
repartido entre eles
4. Se ambas as coisas forem de valor igual segue-se o regime do 133/2 e 3.

A doutrina considera que o vocábulo casualmente deve ser interpretado em termos hábeis:
não é casual a confusão causada exclusivamente pelas forças da natureza, porque a acessão
seria natural e não industrial. Casual é a acessão industrial que, embora derivada de facto do
homem e não apenas das forças da natureza, não foi querida pelo seu autor. Também aqui só
há acessão se a separação das coisas adjuntas ou confundidas não for possível sem detrimento.

147.4. Especificação de boa-fé

A especificação de boa-fé tem lugar quando alguém, ignorando que lesa o direito de outrem,
transforma, com o seu trabalho, uma coisa móvel alheia. Dessa transformação resulta uma
coisa nova com individualidade económica.

Em linhas gerais se a coisa não puder ser restituída à sua forma primitiva ou não o puder ser
sem perda do valor criado, o CC atende aos valores da matéria e da coisa transformada, ou
sejam adquire a matéria. Em qualquer dos casos, quem ficar com a coisa transformada deve
indemnizar o outro.

Remissão para 1340/4

147.5. Especificação de má-fé

A especificação de má-fé ocorre quando alguém, sabendo que lesa o direito de outrem,
transforma uma coisa alheia noutra. O nosso código determina que:

1. A coisa transformada deve ser restituída ao seu dono no estado em que se encontrar;
2. Ademais, o especificador deve também indemnizar os danos causados ao dono da
coisa transformada;
3. O autor da especificação só tem direito a exigir ao dono da coisa transformada o que
exceder em um terço o aumento do valor que a especificação provocou.

A doutrina refere que a limitação do direito do especificador ao valor que excede um terço do
aumento produzido pela especificação traduz uma espécie de sanção contra a má-fé com que
agiu.

148. Acessão industrial imobiliária

148.1. Obras, sementeiras ou plantações com materiais alheios


Art 1339

A doutrina observa que não se admite, em caso nenhum, a destruição da obra, sementeira ou
plantação. E nota que a referencia ao pagamento do valor dos materiais, sementes ou plantas
supõe o caso normal de já não terem interesse para o lesado por ter passado. Por isso, se este
tempo ainda não decorreu, entende que o autor da acessão não está inibido de entregar, em
vez do seu valor, outros materiais, sementes ou plantas da mesma espécie, qualidade e
quantidade.

148.2. Obras, sementeiras ou plantações feitas de boa-fé em terreno alheio

Art 1340

A doutrina entende que, tratando-se de obras, deve haver uma ligação material, definitiva e
permanente ao prédio que torne impossível a separação sem alteração da substancia. Há, no
entanto, um problema que suscita divergências: se o valor do terreno for superior, o seu
proprietário adquire ou pode adquirir a obra, sementeira ou plantação? E se, pelo contrario, o
valor dos materiais, sementes ou plantas for superior, o autor da incorporação adquire ou pode
adquirir o terreno?

Apoiando-se na letra da lei Pires de Lima e Antunes Varela consideram que se trata de uma
aquisição automática e imperativa. Referem que o legislador é claro e entendem que “ se a
aquisição não se verificasse automaticamente não deixaria de ter regulado também – como fez
nos arts 1333/4 e 1335/ 1 e 2 – as consequências de o beneficiário da acessão não pretender
adquirir a propriedade dos bens que acederam à coisa (e) tal omissão é sinal seguro de que o
legislador optou, nos arts 1339 e 1340 por uma solução unitária e imperativa – a aquisição
automática ou imediata- e não por soluções alternativas dependentes da vontade dos titulares
ou de um dos titulares dos interesses em conflito”.

Esta opinião é contestada por Oliveira Ascensão para quem “de vários lugares da lei portuguesa
resulta o caracter facultativo da acessão”. Invoca os arts 1333/1, 1339 e 1340, que estabelecem
“o caracter sinalagmático da aquisição e do pagamento, reciprocidade que seria quebrada se
fossemos admitir as teses da aquisição automática, pois então em contrapartida da aquisição
apenas haveria uma obrigação de indemnizar”; o art 1343 que “mais explicitamente estabelece
que o sujeito pode adquirir pagando o que confirma o carater potestativo da aquisição”: e
outras disposições “ainda mais categóricas: são aquelas que subordinam a aquisição à licitação
(arts 1333/2, 1340/2) ou que preveem que o beneficiário não queira adquirir ( 1333/3, 1334,
1335 e 1341)”. E conclui afirmando que “não admira que seja esta a solução legal, pois são
muito numerosos os interesses que falam em favor duma aquisição potestativa”.

Cotejando os argumentos parece-nos que os invocados por Oliveira Ascensão são mais fortes.
Sobretudo, a aquisição automática traduziria uma violência: a obrigatoriedade de alguém
adquirir o direito de propriedade do terreno ou dos materiais, sementes ou plantas, sem se lhe
perguntar se pode pagar. A nossa jurisprudência tem acolhido, com alguma continuidade, a
orientação potestativa.

148.3. Obras sementeiras ou plantações feitas de má-fé em terreno alheio

Trata-se de uma hipótese em que tudo é alheio, estabelecendo o Código o regime no art 1342.
Quanto ao autor da incorporação, se estiver de má-fé, a sua responsabilidade é solidária com a
do dono dos materiais, sementes ou plantas e o valor do enriquecimento é dividido em
proporção do valor dos materiais, sementes ou plantas e da mão de obra. Se estiver de boa-fé,
conserva integralmente o direito de indemnização correspondente ao seu trabalho.

148.4. Prolongamento de edifício por terreno alheio

Art 1343

A doutrina refere que estamos perante a figura da acessão invertida: é o construtor, e não o
proprietário do terreno, quem adquire a parcela ocupada. E nota que é titular de um direito
potestativo: pode ou não a adquiris. Depois deve trata-se de um edifício, embora a sua noção
deva ser a mais ampla possível: não é necessário que seja um prédio para habitação. Quanto à
posição do dominus soli deve opor-se no prazo de três meses. A sua ignorância é irrelevante
porque qualquer proprietário tem o dever de vigiar os bens que lhe pertencem. Finalmente
importa referir que o termo legal parcela traduz a ideia de que só poderá ser ocupada uma
pequena parte do terreno. Se se tratar da maior parte da construção, dever-se-á recorrer ao
regime geral da acessão fixado no art 1340.

Subsecção III. Usucapião

Remissão

Secção II. Aquisição derivada

150. Contrato

Art 1316 e 408/1- esta solução foi introduzida pelo código de Seabra, antes o contrato produzia
apenas efeitos obrigacionais.

151. Sucessão por morte

Art 1316 e 2024

152. Outros modos de aquisição

Art 1316 (arts 1551/1, 1560/4, 1567/4, 1411, 1472)

Capitulo V. Tutela

Secção I. Meios extrajudiciais

154. Ação direta

Art 1314 (remissão para o 336- formas)

155. Legitima defesa

Art 337

156. Outros meios

1. art 1356 a 1359

2. 1320/1

3. art 1322
4. Art 1349/1

5. art 1349/2

6. Art1352/2

7. Art 1352/2

8. Art 1366/1

9. Art 1367

Secção II. Meios judiciais

Art 1311

A ação de reivindicação é uma ação declarativa de condenação que o proprietário pode


instaurar contra quem tenha posse ou detenção da coisa que lhe pertence, para pedir o
reconhecimento do seu direito de propriedade e a restituição da coisa reivindicada. Perante
esta ação o demandado só pode evitar a restituição da coisa, provando que: esta lhe pertence
por um dos títulos legalmente admitidos; tem sobre ela um direito real que justifique a sua
posse; ou detém-na por virtude de um direito pessoal de gozo que a lei tutela. Por outro lado,
sendo uma ação real, a ação de reivindicação está sujeita a registo, sem o qual não produz
efeitos em relação a terceiros.

Ao proprietário cabe o ónus de provar o seu direito de propriedade e que a coisa se encontra
na posse ou é detida pelo demandado. Não basta, no entanto, provar que adquiriu a
propriedade do alienante; deve também provar que este a adquiriu, o que implica a
necessidade de provar as aquisições dos sucessivos alienantes até à aquisição originária de um
deles- prova diabólica. Com efeito, nos termos do CPC, a causa de pedir nas ações reais sé o
facto jurídico de que esse direito deriva e, portanto, deve ser provado pelo demandante.
Esta situação é facilitada provando que a propriedade foi adquirida de forma originária, como a
ocupação, a acessão e sobretudo a usucapião que destrói quaisquer direitos em contrario; e
pelo registo, cujo titular goza da presunção de proprietário invertendo o ónus da prova a quem
caberá a dificuldade de provar a inexatidão deste documento

No entanto, para afastar estas dificuldades os proprietários recorrer frequentemente à tutela


possessória porque se lhes basta provar a posse, prova esta que a lei facilita: provando o
corpus presume-se a existência do animus possidendi- art 1252/2. E provada a posse goza da
presunção de que é proprietário- art 1268/1-, cabendo ao demandado o ónus de a ilidir (art
344).
Finalmente, importa referir que a ação de reivindicação não prescreve pelo decurso do
tempo, sem prejuízo dos direitos adquiridos por usucapião (art 1313). É uma consequência
logica da perpetuidade do direito de propriedade.

158. Ação confessória

Esta ação permite ao proprietário obter o reconhecimento do direito da propriedade que se


tornou por algum motivo, duvidoso.

159. Ação negatória


É uma ação que permite ao proprietário de uma coisa obter o reconhecimento de que não
existe o direito sobre ela que o demandado invoca

160. Ação de prevenção contra danos

Para prevenir danos á cosia que lhes pertence o proprietário pode instigar uma ação contar o
dono do prédio vizinho, pode evitar as atuações dos seguintes arts:

Art 1346, 1347 e 1348

Capitulo VI. Extinção

161. Expropriação

A expropriação implica a extinção do direito de propriedade sobre o imóvel em que recaia e


constitui “um direito a favor da pessoa que tem a seu cargo a prossecução do fim de utilidade
publica que se deve ter em vista”.

Já foi referida no âmbito das limitações

162. Perda da coisa

A propriedade extingue-se também com a perda absoluta ou total da coisa porque poe em
causa a sua afetação jurídica. Não devemos confundi-la com a deterioração, a menos que que
seja tao profunda que torne impossível o exercício do direito de propriedade. A perda
restringe-se naturalmente a coisas móveis que, tornando-se res nullius, são suscetíveis de
ocupação. Importa advertir qua há quem, em vez de perda da coisa, prefira falar de destruição
porque “perda tem, no direito das coisas, um significado técnico preciso que é bom não
confundir”. Todavia a destruição deve ser radical.

163. Impossibilidade definitiva de exercício

O direito de propriedade extingue-se por impossibilidade definitiva do seu exercício. É uma


exigência da função social a que a propriedade está sujeita. A doutrina invoca, como exemplos,
o que se passa com o tesouro: apos vinte anos de impossibilidade de exercício, por não se
saber onde se encontra o objeto precioso, cessa a propriedade da coisa escondida; com os
bens contidos num navio afundado, ainda que se conheça o local onde se encontra: ao fim de
vinte anos, o direito de propriedade extingue-se, e com o terreno submerso pelo avanço do
mar: o direito de propriedade perde-se ao fim de vinte anos.

164. Abandono

Art 1318- coisas móveis; nas coisas imóveis aponta-se, como único preceito em que a
propriedade se extingue por abandono o domínio sobre as águas originariamente publicas- art
1386/1-d), e) e f) - cuja consequência é a sua reversão ao domínio publico.
Quanto à natureza jurídica do abandono, sustenta-se que se trata de um negocio jurídico
unilateral não recipiendo.

165. Renuncia

Art 1305.
Admitida em relação a cosias móveis, a nossa doutrina está dividida sobre a possibilidade de
incidir também sobre os imoveis. Há quem, partindo do 1305 e do facto de a propriedade ser
um direito subjetivo e não uma função ou encargo, considere que as coisas imoveis são
suscetíveis de renuncia: trata-se, aliás, da ultima defesa que “resta ao particular perante o
avolumar das exigências legais”. Acolhendo esta doutrina, entende-se que “a renuncia de coisa
imóvel que, por isso, fique sem dono, provoca a sua aquisição automática por parte do Estado”.
Mas há também quem, considerando que esta posição é inteiramente razoável de iure
contituendo, entenda que, no plano do direito constituído, “a interpretação sistemática da lei
não fornece apoio para a livre renunciabilidade do domínio sobre imoveis”.

Há ainda quem distinga a renuncia abdicativa e a renuncia liberatória de uma obrigação


propter rem: a propriedade sobre imoveis pode extinguir-se por renuncia liberatória. Invoca-se
como exemplo a faculdade de o proprietário de prédio serviente, que se obrigou a custear asa
obras necessárias à servidão que o onera, renunciar ao seu direito de propriedade em
beneficio do proprietário do prédio dominante. E, finalmente, quem entenda que, neste caso, a
obrigação real se extingue, mas a propriedade só se transfere se o proprietário do prédio
dominante aceitar a renuncia; de contrario, o direito de propriedade mantém-se no ex-
devedor.

166. Caducidade

É uma forma de extinção de direitos reais temporários. Por isso, se não suscita duvidas em
relação ao direito de usufruto e de uso e habitação, o direito de propriedade levanta algumas
dificuldades. No entanto sendo a propriedade temporária admitida pela lei nos casos previstos
a caducidade extingue-a nos casos do 2286 e 962.

167. Não uso

Art 298/3. Sustenta-se, a propósito, que o não uso constitui uma forma de uso, mas poder-se-á
igualmente dizer que não se justiça a manutenção de um direito que deixou de ser exercido.
Refere-se o caso do direito sobre águas particulares do art 1397.

168. Outras modalidades

168.1. Contrato

Art 1316 e 1317-a)

168.2. Usucapião

Extingue-se o direito de proprietário que o possuidor adquire

168.3. Acessão

Extingue-se o direito sobre a coisa unida e incorporada noutra

Falta a Propriedade de Imóveis- não está no livro!

Titulo IV. Compropriedade

Capitulo I. Caracterização

177. Noção legal


Art 1403

178. Breve referencia histórica

Em Roma a compropriedade era um instituto largamente usado e podia ser constituída


voluntária ou não voluntariamente. Cada consorte podia dispor da coisa comum dentro dos
limites da sua quota e não podiam realizar atos jurídicos que modificassem ou alterassem o
direito dos outros, sem o seu consentimento. Quanto aos atos materiais podiam praticá-los
enquanto os outros não o proibissem. Este regime pode caracterizar-se como individualista e
tolerante que na época justinianeia foi substituído pela exigência da adesão prévia, expressa e
unanime dos comproprietários.

179. Figuras próximas

179.1. Comunhão de direitos

É um instituto que engloba todos os casos em que um direito patrimonial pertence em


contitularidade a dois ou mais sujeitos. As regras da compropriedade são aqui aplicadas com as
devidas alterações.

179.2. comunhão de mão comum/ propriedade coletiva

Distinguem-se desde logo porque o direito dos contitulares não incide diretamente sobre cada
um dos elementos que constituem o património, mas sobre este concebido com um todo
unitário. Por isso, os membros da comunhão individualmente considerados não são titulares
de direitos específicos sobre cada um dos bens que integram o património global e, portanto,
não podem dispor desses bens nem os onerar, salvo quando o possam fazer na qualidade de
administradores.

São exemplos desta figura o património comum dos cônjuges, o património das sociedades não
personalizadas e a comunhão hereditária.

179.3. Sociedade Civil

Art 980º. A sociedade é constituída por duas ou mais pessoas que contribuem com bens ou
serviços; exercem uma atividade económica em comum de carater lucrativo; e devem repartir
os lucros obtidos. A compropriedade aproxima-se em muitos aspetos deste regime como a
existência, uso e administração de bens comuns. Todavia, alem de a sociedade civil não
envolver necessariamente uma comunhão e poder ficar privada de bens importa atender ao
escopo para que a sociedade se constitui.

179.4. Concurso de direitos reais sobre a mesma coisa

O concurso de direitos reais ocorre quando, sobre a mesma coisa, incidem dois ou mais
distintos: v.g. quando o mesmo prédio é objeto de um direito de propriedade e de um
usufruto; de um direito de propriedade e de uma servidão; etc. Nestes casos não há
compropriedade porque os direitos constituídos sobre a mesma coisa a favor de diferentes
titulares não são qualitativamente iguais.

179.5. Propriedade horizontal

Art 1429-A

É também denominada condomínio, caracteriza-se pela existência de direitos que incidem


sobre coisas comuns e sobre frações distintas e autónomas do mesmo prédio: em relação
àquelas, os condomínios são comproprietários; em relação a estas, cada condómino é
proprietário exclusivo da sua fração- art 1420.

180. Constituição

A compropriedade pode ser constituída por:

1. Negocio jurídico inter vivos ou mortis causa


2. Disposição legal. Como:

a) 1358/1
b) 1359/2
c) 1368
d) 1324
e) 1318
f) 1286 e 1287

3. Decisão judicial como o 1370

181. Natureza jurídica

A doutrina está dividida quanto à natureza da compropriedade. Destacamos algumas teorias:

1. Teoria da divisão ideal da coisa (clássica ou tradicional): cada comproprietário é titular


de um direito, pleno e exclusivo, de proprietário sobre uma quota ideal ou intelectual
da coisa. Defendida por Manuel Rodrigues e Mota Pinto (!!!) que se apoiam em
elementos literais e no teor dos preceitos reguladores (1408 e 1412), esta teoria tem
sido criticada, nomeadamente, por a propriedade não poder ter por objeto coisas
ideais ou abstratas, por a coisa (concreta) ficar sem dono; e porque a lei concede, a
cada consorte, o poder de uso e de administração sobre toda a coisa.

2. Teoria da pluralidade de direitos de propriedade: a compropriedade é constituída por


uma pluralidade de direitos de propriedade iguais sobre toda a coisa e o direito de
cada consorte é limitado pela concorrência dos direitos qualitativamente iguais dos
outros. Esta teoria é defendida por Menezes Cordeiro e Carvalho Fernandes e apoia-se
na letra da lei (1405/1). É criticada nomeadamente por, tendo o direito de propriedade
por vocação garantir plenamente todas as utilidades que a coisa pode prestar, ser
logicamente inconcebível que, sobre a mesma coisa, concorram outros direitos da
mesma natureza; e, com exceção do poder de uso, os outros poderes compreendidos
no direito de propriedade só poderem ser exercidos com a colaboração dos demais
consortes.

3. Teoria personalista: a compropriedade é um domínio que tem por titularidade a


coletividade dos consortes elevada a pessoa jurídica. Por isso, isoladamente
considerado, qualquer dos comproprietários não tem nenhum direito autónomo.
Defendida por Branca e Dosseto, esta teoria tem sido criticada por não ser necessário
recorrerão expediente artificial de converter a pluralidade dos consortes numa unidade
subjetiva abstrata; e por não se adaptar aos amplos poderes individuais do uso,
administração, alienação e transmissão que a lei atribui a cada comproprietário.
4. Teoria da comunhão num único direito: a compropriedade é um único direito de
propriedade, com a particularidade de ter vários titulares, a cada um dos quais
pertence uma quota ideal. É perfilhada por Henrique Mesquita que a considera mais
adequada às soluções legais e ao próprio conceito de compropriedade consagrado no
art 1403. Há, no entanto, quem a critique nomeadamente por não expressar as
diferenças de regime que a separam da comunhão de mão comum; e por lei falar
também em direitos qualitativamente iguais dos consertes.

Capitulo II. Regime jurídico

182. poderes de exercício isolado

Isoladamente, cada comproprietário pode:

1. Usar a coisa comum: art 1406


A doutrina observa que se consagra aqui o principio da solidariedade: a cada
comproprietário é licito servir-se da coisa comum, seja qual for a sua quota, podendo
utilizá-la totalmente ou em parte. No entanto, este principio tem carater supletivo: em
primeiro lugar, é necessário respeitar o que tiver sido acordado entre os interessados.
E refere também que o fim a que a coisa se destina não é o fim abstrato ou típico das
coisas da mesma natureza, mas concretamente determinado pela sua afetação que
pode resultar da lei, do titulo, do acordo das partes ou da sua efetiva aplicação.
Todavia, entende-se que nada impede que um comproprietário use a coisa comum
para fim diferente do seu fim usual, desde que não prejudique esta utilização.
Depois, considera-se que a proibição da utilização da coisa para fim diferente daquele a
que se destina impede a inovação a qualquer comproprietário. Finalmente, em relação
à outra restrição legal de não privar os outros consortes do uso a que igualmente têm
direito, entende-se que, na avaliação deste limite, se projetam as eventuais diferenças
quantitativas do direito de cada comproprietário.

2. Dispor ou onerar a sua quota: Art 1408/1 e 1409/1 e 3


Estamos perante um direito de preferência legal dotado de eficácia real – art 1409 e
1410- destinado a satisfazer duas finalidades: fomentar a propriedade exclusiva de
uma só pessoa que facilita a exploração mais equilibrada e pacifica dos bens; e impedir
que entre, na comunhão, um terceiro considerado indesejável. Por isso, este direito de
preferência só vale contra estranhos à comunhão. Não funciona, porem, em relação à
permuta por se entender que a coisa adquirida pode ter, para o comproprietário
alienante, um interesse diferente da prestação pecuniária dos outros consortes. Para
que os comproprietários possam exercer o seu direito de preferência, o consorte, que
pretenda vender ou dar em cumprimento a sua quota, deve comunicar-lhes o seu
projeto de alienação- art 1409/2. Se violar tem o dever de informar segundo o art
1410, este prazo não pode ser alterado por via negocial, porque implicaria a
modificação de um direito real que a lei fixa taxativamente. Entre os elementos que
devem ser comunicados aos comproprietários destacam-se o preço, as condições de
pagamento e a pessoa do adquirente.
E quanto à exigência do deposito prévio, entende-se que constitui uma garantia para o
alienante “pondo-o a coberto do risco de perder o contrato com o adquirente e não vir
a celebrá-lo com preferente, por este se desinteressar, entretanto, da sua realização ou
não dispor dos meios necessários para este efeito”. O preferente deve depositar o
montante da contraprestação que o adquirente pagou ao alienante e as despesas
inerentes à aquisição; por isso, a palavra preço não reveste o seu sentido rigoroso ou
técnico.
Importa ainda analisar:

a) O comproprietário vende a sua quota a um dos consortes, sem informar os


restantes: os consortes não notificados só poderão exigir uma indemnização ao ex-
comproprietário por inobservância da obrigação de os informar. Não se verificam
os pressupostos do exercício da ação da preferência, porque a venda da quota não
se fez a estranhos;
b) O comproprietário interessado na venda da sua quota comunica o seu projeto de
venda ou dação em cumprimento aos restantes comproprietários. Estes não
declaram, no prazo legalmente fixado que pretendem preferir, mas vêm a
conhecer, mais tarde, que a alienação foi feita a pessoa diversa ou em condições
diferentes das referidas na notificação; entende-se que os consortes poderão
recorrer à ação de preferência, tudo se devendo passar como se a notificação não
tiver sido feita;
c) A quota fi vendida com dissimulação do preço real: se o consorte quiser preferir
em relação ao preço que julga ter sido realmente fixado, deve instaurar a ação e
simulação e pode exercer o seu direito de preferência no prazo de seis meses a
contar do transito em julgado da decisão judicial que fixar o elemento essencial da
alienação: o preço.

Finalmente observa-se que o direito de preferência não se aplica na comunhão forçada como
do caso do 1370 e 1371

183. Poderes de exercício maioritário

Estes poderes incidem sobre a administração de coisa comum. O código manda aplicar ao
comproprietários o disposto no art 985 no 1407. A doutrina observa que, na formação da
maioria dos consortes, o nosso Código atende conjuntamente a dois fatores: “não prescinde do
elemento pessoal, para evitar que a minoria dos comproprietários se imponha à vontade da
maioria”, mas “exige, ao mesmo tempo que a maioria represente, pelo menos, metade do
valor total das quotas”. Ou seja, para que se forme a maioria dos consortes, este devem
constituir conjuntamente a maioria pessoal e patrimonial. Embora a disposição legal só fale de
administração a doutrina considera que compreende os atos de fruição, conservação,
beneficiação e alienação de frutos.

184. Poderes de exercício unânime

Estes poderes incidem sobre a disposição ou oneração da coisa comum ou de parte


especificada. Tais poderes envolvem todos os atos que não caibam no conceito de gestão
normal. Em relação à disposição ou oneração da coisa comum ou de parte especificada por
um dos comproprietários sem o consentimento dos restantes, importa distinguir duas espécies
de relações que se estabelecem entre:

1. O comproprietário disponente ou alienante e os restantes comproprietários: este ato é


ineficaz em relação a estes. Por isso, qualquer dos consortes pode reivindicar a coisa
comum das mãos do comprador
2. O comproprietário disponente ou alienante e o terceiro adquirente: se essa disposição
ou oneração foi feita como:
a) Coisa alheia, o ato de disposição ou alienação fica sujeito ao regime da venda de
coisa futura;
b) Coisa própria, o negocio é nulo por falta de legitimidade do alienante. Porem, a
nulidade não segue o regime geral: o vendedor não a pode invocar ao comprador
de boa-fé nem o comprador doloso, ao vendedor de boa-fé.

Não se afasta, porem, a possibilidade de a alienação da coisa comum ou de parte especifica da


coisa comum serem reduzidas e convertidas na correspondente quota alienada. Assim, se for
alienada:

a) Uma parte especifica da coisa por valor não superior ao da quota do comproprietário
alienante, esta alienação poderá converter-se em alienação da quota;
b) A coisa comum ou um aparte especifica por valor superior ao da quota, poderá haver
lugar, sucessivamente, à redução e conversão: o negocio será reduzido ao valor da
quota e, depois, convertido em alienação ou oneração da quota.

185. Encargos

Art 1405/1. Consagra-se, assim, o principio da comparticipação nas vantagens e encargos, em


termos proporcionais às quotas. É, no entanto, uma disposição supletiva; se, v.g., a um dos
comproprietários for atribuído o uso exclusivo da coisa comum, não só é possível estabelecer
regras diferentes, como ainda, na sua falta, as circunstancias do caso podem impor que a
repartição das despesas seja feita segundo um critério diferente até ao limite de as pôr
plenamente a cargo de quem beneficia desse uso.
Porem, qualquer dos comproprietários pode renunciar ao seu direito para se eximir das suas
obrigações relativas à sua participação nas despesas necessárias à conservação ou fruição da
coisa comum. A validade da renuncia depende, no entanto, do consentimento dos outros
quando a despesa tenha sido anteriormente aprovada pelo interessado é revogável sempre
que as despesas previstas não se venham a realizar. Ademais, está sujeita à forma prescrita
para a doação e aproveita a todos os consortes na proporção das respetivas quotas. Esses
encargos são considerados obrigações reais podendo revestir caráter ambulatório.

186. Extinção

Art 1412

A compropriedade extingue-se quando qualquer dos consortes ou terceiro adquire a


propriedade da totalidade da coisa; ou quando esta seja dividida, se for possível, em frações
atribuídas em propriedade plena aos comproprietários ou terceiros.

A extinção pode resultar de negocio inter vivos ou mortis causa e até da usucapião: necessário
é que concentrem a propriedade da coisa comum numa só pessoa que tanto pode ser um dos
comproprietários ou terceiro. A própria lei, que olha para a comunhão com certo desfavor
facilita a sua extinção, atribuindo a cada consorte o direito potestativo de, em qualquer
momento fazer cessar a indivisão. Só assim não sucederá se os comproprietários tiverem
convencionado assim não sucederá se os comproprietários tiveres convencionado que a coisa
comum se conserve indivisa, mas, mesmo assim, o prazo fixado para a indivisão não pode
exceder cinco anos, embora os consortes possam renovar.
Art 1413 e 939

Titulo V. propriedade horizontal

Capitulo I. Caracterização

187. Introdução

DL 81/2020

188. Noção

O nosso Código Civil não define a propriedade horizontal, mas nada impede que a possamos
definir, sobretudo com base em algumas disposições (arts 1414, 1415 e 1420) que mostram um
conjunto de poderes, incindivelmente ligados, sobre cada uma das frações autónomas e sobre
as partes comuns do mesmo edifício. A doutrina observa que cada fração é objeto de um
direito de propriedade; e as partes comuns, de um direito de compropriedade. E estes direitos
apresentam-se de tal modo unidos que não é possível aliená-los separadamente nem se pode
renunciar ao direito às partes comuns para libertação dos encargos correspondentes. E aponta
os seguintes requisitos: a) existência de frações num edifício, que constituam unidades
independentes; b) separação e isolamento das frações autónomas; c) disposição de saída
própria para cada fração; d) pertença de duas ou mais frações a proprietários diferentes.

190. Objeto. Requisitos

Na propriedade horizontal há duas espécies de objetos:

1. As frações de um edifício, que devem constituir unidades independentes, distintas e


isoladas entre si, com saída própria para uma parte comum ou para a via publica. Cada
fração autónoma é objeto de um direito de propriedade exclusivo e deve ser
individualizada com letra distinta;
2. As partes comuns do edifício, que pertencem, em compropriedade, a cada condómino.
O código distingue duas espécies:
a) As necessariamente comuns: são o solo, alicerces, colunas, pilares e paredes
mestras e as restantes partes que constituem a estrutura do edifício- art 1421/1-a;
art 1421/1-b); art 1421/1-c); 1421/1-d)
A doutrina refere que se trata duma enumeração imperativa, embora nada obste a
que algumas partes comuns possam ser afetadas a alguns condóminos ou mesmo
a um só
b) As presumivelmente comuns: 1421/2-a); 1421/2-b); 1421/2-c); 1421/2-d); 1421/2-
e).
Trata-se, no entanto, duma presunção relativa e, portanto, suscetível de ser ilidida
quando se prove que esses elementos foram atribuídos, por titulo constitutivo a
um ou alguns condóminos ou adquiridos através de atos possessórios. Finalmente
o regime da propriedade horizontal “pode ser aplicado, com as necessárias
adaptações, a conjuntos de edifícios contíguos funcionalmente ligados entre si pela
existência de partes comuns afetadas ao uso de todas ou algumas unidades ou
frações que os compõe”. Cabe neste preceito “um conjunto de moradias
geminadas de um só piso também”.
A falta dos requisitos legalmente exigidos ao objeto da propriedade horizontal é
sancionada com a nulidade prevista no art 1416/1 e 2.
A doutrina observa que estamos perante uma aplicação da figura da conversão
legal. Quanto à legitimidade, assinala uma especialidade em relação ao regime
regra: a nulidade não pode ser declarada oficiosamente pelo tribunal. E na
hipótese de os requisitos legais faltarem apenas em relação ao regime regra: a
nulidade não pode ser declarada oficiosamente pelo tribunal. E na hipótese de os
requisitos legais faltarem apenas em relação a algumas frações, entende que a
sanção referida só deve atingir as frações irregularmente constituídas; portanto,
em relação a elas, vigorará o regime da compropriedade enquanto as
regularmente constituídas ficam sujeitas ao regime da propriedade horizontal

191. Natureza jurídica

A natureza jurídica da propriedade horizontal é muito controversa, afirmando-se mesmo que


“o esforço empregado na investigação ainda não conseguiu explicação que a todos se
impusesse”. Importa, no entanto, destacar algumas teorias que suscitam a preferência dos
civilistas.

a) Teoria da pessoa coletiva: observando que há uma organização adequada às exigências


mínimas da personificação coletiva, entende que a propriedade horizontal é uma
pessoa coletiva distinta das pessoas singulares que a integram em cada momento. Em
relação ao nosso direito é considerada inaceitável porque a assembleia dos
condóminos só tem funções administrativas restritas às partes comuns do edifício que
em nada prejudicam o direito de cada condómino sobre a sua fração autónoma. Por
outro lado, seria necessário que o edifício fosse dotado de autonomia patrimonial,
situação que não se verifica: as dividas são dos condóminos e não do condomínio.
b) Teoria da superfície: os proprietários de apartamentos têm um direito real de
superfície sobre o terreno onde o edifício foi construído. Também esta teoria +e
inaceitável: no nosso direito, o terreno não é alheio; faz parte das coisas comuns que
pertencem aos condóminos em compropriedade
c) Teoria da servidão: a propriedade horizontal é um conjunto de servidões que se
distribuem em cadeia. Assim, o proprietário ou proprietários do rés-do-chão têm o
domínio do solo; o proprietário do primeiro andar, um direito de servidão sobre o solo
e assim sucessivamente até ao ultimo andar, cujo dono é proprietário da cobertura do
edifício. Esta teoria não satisfaz. Desde logo, porque, segundo o nosso direito, os
condóminos são comproprietários do terreno e das restantes partes comuns do
edifício;
d) Teoria da sociedade entre os condóminos: a propriedade horizontal reconduz-se a um
caso de sociedade entre os condóminos.

Critica-se esta teoria por faltarem, na propriedade horizontal, os elementos essenciais


ao conceito de sociedade: não há o exercício em comum de uma atividade económica nem a
afectio societais;

e) teoria da propriedade especial: a propriedade horizontal e constituída por propriedades


separadas, embora em prédios coletivos.

Trata-se duma propriedade especializada pelo facto de recair sobre parte de uma coisa e
envolver acessoriamente uma comunhão sobre as outras partes do prédio.
Defendida por Oliveira Ascensão tem-se dito que "esta análise só peca por não ter retirado dos
seus pontos de partida rodas as consequências que comporta"; e ignora que a propriedade
horizontal constitui um direito novo, embora moldado a partir de figuras preexistentes;

f) A teoria da compropriedade: a propriedade horizontal é um tipo particular de


compropriedade em que aos consortes são atribuídos direitos de uso especiais sobre certas
partes do prédio. A crítica refere que esta doutrina é insustentável porque enquanto na
compropriedade os consortes são contitulares de um direito único sobre todo o prédio, na
propriedade horizontal há partes do edifício que pertencem exclusivamente a proprietários
singulares ao lado de outras que pertencem a todos em regime de comunhão;

g) teoria de um novo direito real de gozo: a propriedade horizontal é um direito real de gozo
constituído por uma justaposição dos direitos de propriedade singular (sobre as frações) e de
comunhão (sobre as partes comuns). Por isso, os particulares estão sujeitos ao princípio do
numerus clausus. Defendida por Pires de Lima e Antunes Varela, MENEZES CORDEIRO,
CARVALHO FERNANDES e Sandra PASSINHAS, esta teoria é favorecida pelo regime jurídico
consagrado no nosso Código: coexistem, num mesmo edifício, propriedades distintas
individualizadas ao lado da compropriedade de certos elementos forçosamente comuns; o
direito sobre as frações autónomas está sujeito a restrições que não existem na propriedade
em geral (art 1422/2); e, quanto às partes comuns, o seu estatuto revela uma estabilidade que
o afasta da compropriedade em vários aspetos ( arts 1420/2 e 1423)

Capitulo II. Constituição. Modificação

192. Constituição

Art 1417 e 1418

Impõe-se imediatamente uma referência ao título constitutivo: o que é e qual a sua natureza.
A doutrina considera-o uma declaração unilateral através da qual o proprietário do edifício
exprime a vontade de sujeitar o imóvel ao regime da propriedade horizontal, extinguindo o seu
direito de propriedade normal e constituindo um direito real novo: a propriedade horizontal. E
entende que se trata dum ato de mera administração porque não envolve a alienação de
qualquer fração do imóvel. Simplesmente, porque a propriedade horizontal pressupõe uma
pluralidade de condóminos, aquela declaração unilateral fica sujeita a condição suspensiva de
alienação de alguma das frações autónomas do edifício.

Refira-se, ainda, que o título constitutivo pode ser elaborado em qualquer momento: quando o
edifício já está construído, em fase de construção e mesmo quando só esteja projetado. Há,
aliás, grande vantagem que assim possa ser porque se permite ao construtor a obtenção dos
meios de financiamento necessários à construção.
Todavia, antes da alienação de qualquer das frações, ou seja, antes de haver, pelo menos, dois
condóminos, o título constitutivo não deixa de produzir alguns efeitos. Assim, se, v. g., o
proprietário do edifício tiver necessidade de constituir alguma garantia real, poderá onerar
apenas uma ou algumas das frações. E pode criar uma relação de usufruto ou arrendar uma ou
mais frações de que resulta o direito de o locatário preferir na venda da fração arrendada.
Em relação à nulidade do título constitutivo que não cumpra as exigências legais acima
referidas, a doutrina entende que é necessário considerar algumas situações:

1. se o fim fixado no projeto não coincidir com o fim referido no titulo constitutivo, estaremos
perante a nulidade parcial do título; por isso, eliminada a finalidade constante do título,
prevalece o fim fixado no projeto aprovado pela entidade pública competente;

2. se as frações não foram devidamente individualizadas, deve admitir-se a possibilidade da


conversão em compropriedade, desde que se verifiquem os requisitos legais;

3. se o valor de cada fração não foi fixado, o título constitutivo pode ser completado em
documento autêntico. Por isso, a nulidade só prevalece se o recurso a este meio não ocorrer.

Quanto à pluralidade dos condóminos, já vimos que, segundo a lei, pode resultar de:

a) negócio jurídico inter vivos: em regra, trata-se do contrato de compra e venda, mas pode
resultar também de doação, partilha extrajudicial, permuta, dação em cumprimento. No
entanto, a lei notarial não permite que as respetivas escrituras sejam lavradas sem a exibição
de documento comprovativo da inscrição do título constitutivo no registo predial;

b) negócio jurídico mortis causa: o proprietário de um edifício composto de várias frações


autónomas pode deixá-las, em testamento, a diversas pessoas. Com a morte do testador, surge
a propriedade horizontal;

c)usucapião: ocorre quando a pluralidade de condóminos assenta numa situação possessória;

d)decisão judicial: tem lugar em sentença proferida em ação de divisão de coisa comum ou em
processo de inventário, desde que o prédio tenha os requisitos legalmente exigidos;

e) direito de superfície: pode também levar à constituição da propriedade horizontal. Sucederá


quando alguém adquire o direito de construir sobre edifício alheio. Alteado este, pode existir
uma situação de propriedade horizontal entre o construtor e o dono das frações autónomas já
existentes no prédio.

193. Modificação

Art 1419

Art 1416/1

Art 1420/1 e 2

A doutrina observa que, sendo proprietário exclusivo da sua fração, o respetivo condómino
goza da faculdade de dispor livremente dela. Na falta de convenção em contrário e se a divisão
material e jurídica for possível, pode mesmo subdividi-la em novas frações autónomas e
constituir sobre cada uma delas um direito de propriedade independente. Ademais, entre as
várias frações autónomas podem constituir-se relações jurídicas de natureza real, como se se
tratasse de imóveis independentes. Assinalam-se, no entanto, limitações decorrentes da
natureza das coisas: v. g., um condómino não tem a faculdade de demolir a sua fração porque,
relativamente às partes comuns, não pode exceder os poderes de comproprietário.
A lei impõe ainda a incindibilidade entre o direito de propriedade sobre cada fração e o direito
de compropriedade em relação às partes comuns. Por isso, não é possível alienar aquele sem
este e vice-versa. No entanto, a doutrina entende que esta proibição só se aplica quanto à
alienação isolada ou separada, porque, em conjunto, os condóminos podem alienar as partes
comuns do edifício, exceptuadas as que o são imperativamente por força da lei -1421/1

195. Limitações

Art 1422

É especialmente vedado:

1. prejudicar a segurança, a linha arquitetónica ou o arranjo estético do edifício, quer com


obras novas quer por falta de reparação. No entanto, se não prejudicarem a segurança, as
obras relacionadas com a linha arquitetónica ou o arranjo estético podem ser realizadas
mediante autorização da assembleia dos condóminos, aprovada por maioria representativa de
dois terços do valor total do prédio. A doutrina chama a atenção para o facto de as limitações à
estética do edifício só se aplicarem aos elementos da fração autónoma visíveis do exterior.

2. destinar a sua fração a usos ofensivos dos bons costumes

3. dar-lhe uso diverso do fim a que é destinada. O destino não tem que ser o mesmo para
todas as frações. Porém, se o título constitutivo afetar as frações a determinado fim, os
condóminos não as podem destinar a fins diferentes.

4. praticar quaisquer atos ou atividades que tenham sido proibidos no título constitutivo ou,
posteriormente, por deliberação da assembleia de condóminos aprovada sem oposição

Quanto à sanção correspondente à violação destas proibições, deve atender-se à natureza da


violação. Assim, poderá haver lugar à destruição da obra realizada; à realização coerciva da
obra necessária; à indenização de danos causados pelo condómino; etc.

Finalmente, não devemos ignorar também as limitações derivadas das relações de vizinhança
(arts 1346, 1347,1349, 1360) e do regime de compropriedade sobre as partes comuns (art
1406/1).

196. Direitos de preferência e de divisão

Art 1423 -Esta disposição justifica-se pela necessidade de manter a propriedade horizontal. Por
um lado, há vantagens sociais, económicas e políticas que justificam a existência das várias
frações. Por outro, o direito de compropriedade dos condóminos sobre as partes comuns do
edifício é um puro acessório da propriedade exclusiva que recai sobre cada fração. No entanto,
se os condóminos quiserem dividir as partes não imperativamente comuns ou atribuí-las em
exclusivo a um ou alguns ou em compropriedade a alguns, podem fazê-lo mediante
modificação do título constitutivo, observando as exigências do art. 1415 - art 1419

197. Encargos

197.1. Regime regra

Art 1424

A doutrina observa que a responsabilidade dos condóminos por estas despesas é ex lege e, por
isso, subsiste mesmo que resultem de facto que seja imputável apenas a um deles ou a
terceiro, embora lhes seja lícito demandar o autor do dano de acordo com os princípios gerais
da responsabilidade civil

Nota-se também que o nosso Código não adotou a regra da utilidade na distribuição das
despesas, mas da destinação objetiva das coisas comuns: o que interessa é o uso que cada
condómino pode fazer dessas coisas, medido, em princípio, pelo valor relativo da sua fração, e
não o uso que efetivamente faça delas. Por isso, a responsabilidade pelas despesas de
conservação subsistirá mesmo em relação aos condóminos que, podendo utilizar as suas
frações, não se servem delas e, portanto, também das partes comuns do prédio. Nada obsta,
porém, a que os condóminos possam acordar diferentemente.

Finalmente, se as coisas comuns proporcionarem receitas, deverão ser repartidas pelos


condóminos na proporção do valor relativo das suas frações, se não lhes for dada outra
afetação - art 1405/1

197.2. Inovações

Art 1425 e 1426

A doutrina observa que da remissão para o art. 1424. resulta que se a inovação servir
exclusivamente certa zona do prédio, só entre os condóminos das respetivas frações se fará, na
proporção dos seus valores, a repartição dos encargos.

197.3. Reparações indispensáveis e urgentes

Art 1427.

Importa referir que estas reparações devem ser feitas pelo administrador como órgão
executivo das deliberações da assembleia dos condóminos ou como zelador dos bens comuns.
Essas despesas serão repartidas segundo os critérios estabelecidos no art. 1424. °

197.4. Destruição do edifício

Se o edifício for destruído, importa distinguir. Se a destruição:

1. for total ou de parte que "represente, pelo menos, três quartos do seu valor, qualquer dos
condóminos tem o direito de exigir a venda do terreno e dos materiais, pela forma que a
assembleia vier “designar" (art 1428/1);

2. atingir uma parte menor, a assembleia pode deliberar, pela maioria do número dos
condóminos e do capital investido no edifício, a (sua) reconstrução" (1428/2).

O Código determina ainda que se os condóminos não quiserem "participar nas despesas da
reconstrução, podem ser obrigados a alienar os seus direitos a outros condóminos, segundo o
valor entre eles acordado ou fixado judicialmente" (1428/3). Neste caso, permite ao alienante
a escolha do condómino ou condóminos "a quem a transmissão deve ser feita" (1428/4).
A doutrina nota que a faculdade de qualquer dos condóminos se opor à reconstrução do
prédio se a sua destruição for total ou de parte representativa, pelo menos, de três quartos do
seu valor constitui um regime contrário ao da compropriedade, caracterizado pelo direito de
exigir a divisão do terreno e dos materiais. Com aquela solução pretende-se proteger cada um
dos condóminos contra imposições da maioria, que envolvam um encargo excessivo ou
inoportuno.
No entanto, porque não está em causa nenhum interesse público, o título constitutivo pode
consagrar solução diferente.

Do mesmo modo, se a destruição do edifício for imputável a algum dos condóminos ou a


terceiro e o responsável for obrigado a reparar o dano, não há fundamento, em princípio, para
a oposição dos condóminos à reconstrução, a menos que o responsável careça dos meios
necessários. Finalmente, observa-se que a faculdade de o alienante escolher o condómino ou
condóminos não configura um direito de preferência, mas uma simples faculdade de adquirir;
por isso, enquanto os condóminos interessados na reconstrução não declararem que
pretendem exercer essa faculdade, os discordantes podem alienar os seus direitos a terceiros

197.5. Seguro obrigatório

Art 1429

A obrigatoriedade do seguro contra o risco de incêndio compreende-se facilmente: facilita a


reconstrução do prédio e, por isso, satisfaz o interesse de todos os condóminos

197.6. Fundo comum de reserva

Art 4 DL 268/94

É obrigatória a constituição de um fundo comum de reserva para custear as despesas de


conservação do edifício ou conjunto de edifícios. E cada condómino deve contribuir com uma
quantia correspondente a, pelo menos, 10% da sua quota-parte nas restantes despesas do
condomínio.

É, no entanto, um valor pequeno, já criticado como uma "piedosa intenção do legislador".

198. Administração das partes comuns

198.1. Introdução

Há, na propriedade horizontal, dois órgãos administrativos: a assembleia de condóminos, que


desempenha uma função deliberativa; e o administrador, que cumpre uma tarefa executiva
(1430/1).

Em relação à assembleia dos condóminos, cada condómino tem tantos votos quantas as
unidades inteiras que couberem na percentagem ou permilagem referidas no art. 1418. °
(1430/2).

Trata-se, no entendimento da doutrina, de uma organização própria, mais acentuada do que a


da compropriedade e muito próxima da das sociedades.
Sem a preocupação de sermos exaustivos, ocupar-nos-emos separadamente dos poderes e do
funcionamento desses órgãos.

198.2. Assembleia dos condóminos

Art 1430/1, 1431, 1432


Quanto à votação, importa distinguir:

a) salvo disposição especial, a regra é a de que são tomadas por maioria dos votos
representativos do capital investido (quórum inicial) (1432/3);

b)"se não comparecer o número de condóminos suficiente para se constituir essa maioria e
não tiver sido fixada outra data, considera-se convocada nova reunião para uma semana
depois, na mesma hora e local". Neste caso, a assembleia "pode deliberar por maioria de votos
dos condóminos presentes, desde que representem, pelo menos, um quarto do valor total do
prédio" (quórum subsidiário) (1432/4);

c) se a unanimidade dos condóminos for exigida, as deliberações «podem ser aprovadas por
unanimidade dos condóminos presentes, desde que representem, pelo menos, dois terços do
capital investido, sob condição de aprovação da deliberação pelos condóminos ausentes"
(1432/5). Neste caso, “as deliberações têm de (lhes) ser comunicadas, por carta registada com
aviso de receção, no prazo de 30 dias" (1432/6). Após a receção desta carta, gozam de 90 dias
"para comunicar, por escrito, à assembleia de condóminos o seu assentimento ou a sua
discordância" (1432/7). E o seu silêncio "deve ser considerado como aprovação da deliberação"
(1432/8).

São obrigatoriamente lavradas atas, redigidas e assinadas por quem tenha servido de
presidente e subscritas por todos os condóminos participante. E as deliberações consignadas
em ata vinculam os condóminos e os terceiros titulares de direitos relativos às frações (art 1/2
DL 268/94). A ata que tiver deliberado o montante das contribuições devidas ao condomínio
ou quaisquer despesas necessárias à conservação e fruição das partes comuns e ao pagamento
de serviços de interesse comum constitui título executivo contra o condómino que deixar de
pagar, no prazo estabelecido, a sua quota-parte (art 6/1 DL 268/94).

O Código determina que "as deliberações da assembleia contrárias à lei ou a regulamentos


anteriormente aprovados são anuláveis a requerimento de qualquer dos condóminos que as
não tenha aprovado" (1433/1).

Porém, no prazo de 10 dias pode ser exigida ao administrador a convocação de uma


assembleia extraordinária que terá lugar no prazo de 20 dias, para revogar as deliberações
inválidas ou ineficazes (1433/2).

Quanto ao direito de propor a ação de anulação, "caduca no prazo de 20 dias contados sobre a
deliberação da assembleia extraordinária ou, caso esta não tenha sido solicitada, no prazo de
60 dias sobre a data da deliberação" (1433/4). Pode também "ser requerida a suspensão das
deliberações nos termos da lei de processo" (1433/5).

E "a representação judiciária dos condóminos contra quem são pro. postas as ações compete
ao administrador ou à pessoa que a assembleia designar para esse efeito" (1433/6).

No entanto, nem todas as deliberações são anuláveis. A doutrina considera que se a


assembleia infringir normas de interesse e ordem pública, essas deliberações devem
considerar-se nulas e, como tais, impugnáveis a todo o tempo por qualquer interessado
porque, "se assim não fosse, estaria na mão dos condóminos derrogar os preceitos em causa:
bastaria que, após a aprovação da deliberação, nenhum deles a impugnasse no prazo referido
no art. 1433., n.º 4".
E se a assembleia se pronunciar sobre assuntos de que não tem competência a deliberação
deve considerar-se ineficaz.

Finalmente, a assembleia pode estabelecer a obrigatoriedade da celebração de compromissos


arbitrais para a resolução de litígios entre condóminos ou entre estes e o administrador e fixar
penas pecuniárias para a inobservância das disposições do Código Civil, das deliberações da
assembleia ou das decisões do administrador (1434/1). No entanto, “montante das penas
aplicáveis em cada ano nunca excederá a quarta parte do rendimento coletável anual da fração
do infrator" (1434/2).

198.3. Administrador

Arts 1430/1, 1435, 1432/3, 1437 e 1438

As funções do administrador estão nos arts 1436, 1346-f) - carater meramente exemplificativo

Titulo VI. Usufruto

Capitulo I. Caracterização

199. Noção

Art 1439

201. Características

Da definição legal de usufruto resulta que é um direito:

1. real de gozo: o usufrutuário "pode usar, fruir e administrar a coisa ou direito como faria um
bom pai de família", embora deva respeitar o seu destino económico (1446). Pode também
trespassar a outrem o exercício do seu direito e onerá-lo, salvo as restrições impostas pelo
título constitutivo ou pela lei, mas "responde pelos danos que as coisas padecerem por culpa
da pessoa que o substituir" (1444/2). A propósito da cedência do usufruto, referida na lei como
trespasse a terceiro (1444), deve referir-se que só pode ser efetuada por negócio inter vivos,
porque o usufruto extingue-se com a morte do cedente (1443 e 1476/1-a).

2. não exclusivo: o usufruto implica a existência de outro direito real sobre a mesma coisa. Esta
característica permite compreender boa parte das obrigações do usufrutuário e distinguir
claramente o usufruto do direito de propriedade.

3. limitado: o usufrutuário não pode alterar a forma ou substância da coisa usufruída e deve
também respeitar o seu destino económico. Todavia, esta impossibilidade deve ser entendida
em termos hábeis porque se o usufruto tiver por objeto coisas consumíveis, o seu uso implica,
pela própria natureza das coisas, o seu desaparecimento.

4. temporário: o usufruto não pode exceder a vida do usufrutuário, quando se trate de pessoa
física; e a sua duração máxima é de 30 anos, se for constituído a favor de pessoa coletiva
(1443). Havendo prazo estipulado, extingue-se no seu termo, exceto se o usufrutuário morrer
antes.
Esta característica tem a sua ratio na finalidade essencialmente pessoal (intuitu personae) do
usufruto que justifica também que se for trespassado (1444), o usufruto se extinga com a
morte do cedente e não do adquirente.

A doutrina observa ainda duas razões que determinaram a lei a negar ao usufruto carácter
perpétuo: a falta de estímulo para a conveniente exploração económica dos bens; e o
obstáculo à sua circulação;

5. sobre objeto alheio: a lei refere expressamente que o usufruto pode incidir sobre uma coisa
ou direito alheio (1439). Ora, segundo o princípio da coisificação, os direitos reais devem versar
sobre coisas e, por isso, a possibilidade de o usufruto incidir sobre um direito suscita algumas
dificuldades. Assim, considerando que a função económico-social originária do usufruto era
proporcionar alimentos ao seu beneficiário mediante a fruição de certa coisa, há quem
entenda que esta função pode ser cumprida pela fruição de direitos de crédito, ações de
sociedade, partes sociais, direitos de autor, etc. Mas há também quem se interrogue se o
usufruto de um direito de crédito é ainda um direito real. E, enquanto alguns consideram que
se trata de um usufruto irregular, outros entendem que esse usufruto não recai sobre esse
direito, mas sobre o seu objeto: a prestação. E, em consequência, considerem que se trata não
de um direito real, mas de um direito de crédito sob o nomen iuris de usufruto.

202. Modalidades

Art 1441

Podemos, portanto, distinguir as seguintes modalidades de usufruto em atenção à pessoa ou


pessoas titulares:

a) usufruto concedido a uma pessoa: é a hipótese mais vulgar e corrente

b) usufruto concedido a duas ou mais pessoas. Pode ser:

1. simultâneo: é o usufruto atribuído ao mesmo tempo. Estamos perante uma situação de


contitularidade. Se não for estabelecido um prazo certo de duração, o usufruto só se extingue
com a morte do último usufrutuário que, entretanto, goza do direito de acrescer;

2. sucessivo: é o usufruto atribuído sucessivamente a diferentes pessoas. Neste caso, os


usufrutuários entram na sua titularidade segundo a ordem indicada no título e depois de
cessar o direito do usufrutuário precedente. Não havendo prazo certo, o usufruto extingue-se
com a morte do último usufrutuário.

Há, no entanto, uma exigência legal: as pessoas contempladas com o usufruto devem existir ao
tempo em que o direito do primeiro usufrutuário se torne efetivo.

A doutrina observa que se trata duma conditio uris da constituição do usufruto e nota que
deve entender-se como momento decisivo daquela existência não a data do título, mas o
tempo em que o direito do primeiro usufrutuário se torne efetivo; por isso, se o título do
usufruto for um testamento, não interessa a data em que foi feito, mas o tempo em que a
sucessão é aberta.

Pergunta-se: e se, nesse momento, um (ou mais) dos beneficiários ainda não nasceu, mas já
estiver concebido (nasciturus)? Se a favor de um indivíduo ainda não concebido, não se pode
constituir usufruto, entende-se que a ratio da lei não exclui que se possa deixar um usufruto a
quem, já concebido, ainda não nasceu. Ademais, esta possibilidade não alarga
incomportavelmente o prazo do usufruto e, por outro lado, a situação de pendência do
usufruto não é muito dilatada

203. Natureza jurídica

A doutrina encontra-se dividida sobre a natureza jurídica do direito de usufruto. Destacamos as


teorias principais:

1. teoria do desmembramento (ou parcelamento) da propriedade: segundo esta doutrina, que


deriva da civilística francesa (para a qual os direitos reais diferentes da propriedade privada
nada mais seriam do que parcelas ou frações do domínio), o usufruto constitui um
desmembramento ou parcelamento da propriedade.
O Código de Seabra parece não a ter ignorado, quando fala de propriedade imperfeita (2187),
onde inclui o usufruto (2189).
A crítica destaca que a propriedade "tem traços qualititativos específicos que não podem ser
divididos"; que "os outros direitos nada mais fazem do que onerar ou limitar o direito de
propriedade"; e que, "se coexistirem sobre essa coisa vários direitos de propriedade, restringir-
se-ão todos uns aos outros”.

2. teoria da propriedade temporária: esta doutrina considera que o nu-proprietário e o


usufrutuário são proprietários da coisa, mas com faculdades diferentes, avultando a
temporalidade do usufrutuário.
A crítica considera esta ideia inaceitável porque o regime legal não lhe corresponde: "a
propriedade, por força da elasticidade, oneram a coisa. Pelo contrário, o usufruto não pode
tornar-se propriedade plena com a extinção do direito correspondente (a chamada
propriedade nua) pois nada na lei o permite supor. Antes, a lei (1468 e 1471, etc.) contrapõe o
usufrutuário ao proprietário, traduzindo que se está perante um direito menor”.

3. teoria de um direito real autónomo: esta doutrina considera que o usufruto é um direito real
autónomo que onera a propriedade. Foi elaborada pela Pandectística alemã e está consagrada
no Código Civil Alemão. E observa-se que é uma doutrina "de índole mais científica" (1440).
É a doutrina que suscita a nossa adesão, atento o regime jurídico que, entre nós, o usufruto
apresenta.

CAPÍTULO II. Constituição

204. Introdução

O nosso Código determina que "o usufruto pode ser constituído por contrato, testamento,
usucapião ou disposição da lei" (art 1440). Importa, por isso, fazer uma referência a esses
modos ou títulos pelos quais o usufruto se pode constituir.

205. Contrato

Através de contrato, a aquisição do usufruto pode realizar-se por duas vias:

a) constituição per translationem: o proprietário constitui o usufruto a favor de determinada


pessoa (contraparte ou terceiro), ficando com a nua propriedade;

b) constituição per deductionem: o proprietário cede a nua propriedade sobre uma coisa e
reserva, para si (ou para terceiro) o direto de usufruto.
Esta distinção é importante porque o usufrutuário está dispensado da prestação de caução se o
usufruto tiver sido constituído per deductionem (1469/1).

A doutrina observa que a doação é o contrato mais frequentemente realizado, mas nada obsta
a que a constituição se realize por contrato oneroso.

206. Testamento

O testamento pode ser utilizado para constituir um usufruto sobre a universalidade da herança,
uma quota dela, coisas ou direitos determinados.

A lei qualifica como legatário o usufrutuário, ainda que o seu direito incida sobre a totalidade
do património (2030/4).

207. Usucapião

Este modo de aquisição do usufruto assinala o reconhecimento da doutrina considerada mais


razoável e decorre naturalmente dos termos amplos em que é definido o âmbito da usucapião:
"a posse do direito de propriedade ou de outros direitos reais de gozo" (1287).

Com efeito, considerando que a posse é equívoca (a posse do usufrutuário é idêntica à do


proprietário: ambas se traduzem no uso da coisa e na recolha dos seus frutos) e sendo
impossível distingui-las, houve quem entendesse que o usufruto não se podia adquirir por
usucapião.

Porém, esta posição negativa era dificilmente defensável, porque o elemento subjetivo (animus
possidendi) permitia distinguir as duas situações possessórias; e, por isso, bem andou o nosso
legislador em admitir a constituição do usufruto por usucapião.

Admite-se também a possibilidade de a nua propriedade ser adquirida por usucapião, porque a
posse pode ser exercida por intermédio de outrem (1252/1). Assim, o proprietário da raiz pode
exercer a posse por intermédio do usufrutuário que é possuidor em nome próprio quanto ao
direito de usufruto e, simultaneamente, possuidor em nome alheio em relação ao direito de
nua propriedade.

208. Disposição da lei

Tradicionalmente, destacavam-se o usufruto dos pais sobre os bens do filho menor legítimo e o
usufruto do cônjuge sobrevivo quando a sucessão legítima fosse deferida aos irmãos ou
sobrinhos do de cuius legal. Porém, a reforma de 1977 suprimiu estes casos de usufruto legal.

Capitulo III. Regime jurídico

Secção I. Regime geral

209. Caracterização

Art 1445

A doutrina observa que ao título constitutivo do usufruto é atribuída uma notória flexibilidade
ou elasticidade, embora haja que respeitar a estrutura básica do direito definido no art. 1439
sob pena de se violar a regra básica da tipicidade dos direitos reais (1306).

É, assim, possível estabelecer uma variedade de poderes, de caso para caso, excluir uma ou
outra utilidade, com um limite: o usufruto não pode incidir sobre a fruição de uma só utilidade.
Por isso, fala-se de um tipo (relativamente aberto e considera-se que nem todas as disposições
legais têm carácter supletivo: algumas são efetivamente imperativas. Se o título não
determinar os direitos e obrigações do usufrutuário, aplicar-se-ão as normas supletivas que
definem o conteúdo do usufruto. Destacamos:

1. O art. 1446. ° dispõe que "o usufrutuário pode usar, fruir e administrar a coisa ou o direito
como faria um bom pai de família, respeitando o seu destino económico"
A doutrina observa que a expressão bom pai de família é intencionalmente imprecisa: concede
a necessária flexibilidade na apreciação contenciosa para que a decisão judicial se possa
amoldar à extrema variedade das situações reais. E nota também que a necessidade de
respeitar o destino económico não repete o conceito romanista de não alterar a forma ou
substância da coisa ou direito (1439): v. g., se o usufrutuário transforma uma casa de habitação
num estabulo, armazém ou garagem, pode não alterar a forma ou substância, mas desrespeita
o seu destino económico.

2. O art. 1447. ° determina que "o usufrutuário, ao começar o usufruto, não é obrigado a
abonar ao proprietário despesa alguma feita". Mas "findo o usufruto, o proprietário é obrigado
a indemnizar aquele das despesas de cultura, sementes ou matérias-primas e, de um modo
geral, de todas as despesas de produção feitas pelo usufrutuário, até ao valor dos frutos que
vierem a ser colhidos"
Esta disposição legal é uma consequência da regra tradicional do nosso direito segundo a qual
é o momento da perceção (colheita) que assinala o direito à aquisição dos frutos naturais.
Compreende-se, portanto, que o usufrutuário e o proprietário tenham direito aos frutos
colhidos, respetivamente, durante a vigência do usufruto e depois da sua extinção.
Porém, há um tratamento discriminatório que provém da legislação anterior e se afasta do
sistema de reciprocidade adotado por alguns Códigos: o usufrutuário não é obrigado a abonar,
ao proprietário, as despesas de produção que este fez antes da constituição do usufruto; mas o
proprietário é obrigado a ressarci-lo dessas despesas relacionadas com os frutos que, depois da
extinção do usufruto, vier a colher.

Dir-se-á que a primeira solução se baseia numa presunção de vontade: "a lei presume que a
vontade do instituidor se manifestaria no sentido de pretender que o beneficiário do usufruto
passe, logo após a instituição, a colher os frutos da coisa"; e que a segunda se justifica "pelo
intuito de evitar um locupletamento do proprietário da raiz à custa do usufrutuário" além de
este regime afastar "o inconveniente de, no último ano do usufruto, o usufrutuário se quedar
numa atitude de inércia".

Secção II. Regime especial

210. Frutos alienados antes da colheita

O art. 1448. dispõe que se os frutos tiverem sido alienados antes da colheita que só deve
ocorrer depois da extinção do usufruto, a alienação subsiste, mas o produto da alienação
pertence ao proprietário que deve indemnizar o usufrutuário das despesas de produção.

Também esta disposição legal se compreende: deriva do princípio de que a titularidade dos
frutos se determina no momento da colheita; evita o locupletamento do proprietário à custa
do usufrutuário; e contribui para evitar a inércia deste.

211. Acessões

O art. 1449. determina que "o usufruto abrange as coisas acrescidas e todos os direitos
inerentes à coisa usufruída"
Esta solução justifica-se: se a acessão amplia a coisa objeto de propriedade, é natural que o
usufruto se amplie também.

212. Benfeitorias úteis e voluptuárias

O usufrutuário tem a faculdade de fazer estas benfeitorias na coisa usufruída desde que não
altere a sua forma ou substância nem o seu destino económico (1450/1). E aplica-se-lhe o que
o Código prescreve relativamente ao possuidor de boa-fé (1450/2). A expressão legal "que bem
lhe parecer" impede o proprietário de se opor "a que o usufrutuário introduza melhoramentos
na coisa usufruída, desde que as obras não excedam os limites dos seus poderes: não alterem a
forma ou a substancia da coisa nem o seu destino económico.

213. Coisas consumíveis

O usufrutuário pode servir-se das coisas consumíveis ou aliená-las. No entanto, findo o


usufruto é obrigado a restituir o seu valor, se tive. rem sido estimadas; ou outras do mesmo
género, qualidade e quantidade ou o seu valor, na conjuntura que findar o usufruto, se não
foram estimadas (1451/1).

Determina-se ainda que "o usufruto de coisas consumíveis não importa transferência da
propriedade para o usufrutuário" (1451/2).

Trata-se duma disposição importante que resolve dois problemas: o risco pelo perecimento da
coisa antes de ser consumida onera o proprietário da raiz; e, conservando este a propriedade,
poderá defender o seu direito real contra os credores do usufrutuário.

114. Coisas deterioráveis

Art 1452/2

A doutrina observa que todas as coisas são deterioráveis em maior ou menor escala. Por isso,
importa ter em atenção o grau e a causa de deterioração.

215. Perecimento natural de árvores e arbustos

Estas árvores e arbustos pertencem ao usufrutuário. Mas, se forem frutíferos, deve plantar
igual número de pés ou, se a renovação por plantas do mesmo género for impossível ou
prejudicial, deve substituir a sua cultura por outra igualmente útil para o proprietário (1453).

Esta solução resulta do entendimento de que as árvores ou arbustos que morrem lentamente
são frutos da terra.

216. Perecimento acidental de árvores e arbustos

Estas árvores e arbustos pertencem ao proprietário. Todavia, o usufrutuário pode aplicá-las nas
reparações que seja obrigado a fazer ou exigir que o proprietário as retire, desocupando o
prédio (1454). Estamos perante uma solução que se afasta da anterior por se considerar que as
árvores e arbustos que perecem acidentalmente constituem capital e não frutos do prédio.

217. Matas e árvores de corte

Nos cortes de árvores de matas ou isoladas destinadas à produção de madeira ou lenha, o


usufrutuário "deve observar a ordem e as partes usadas pelo proprietário ou, na sua falta, os
usos da terra" (1455/1).
E se a fruição normal for prejudicada consideravelmente por ciclone, incêndio, requisição do
Estado ou outras causas análogas, o proprietário deve compensar o usufrutuário até ao limite
dos juros do valor das árvores mortas ou da importância recebida" (1455/2).

Estão em causa árvores destinadas a cortes em regra periódicos que revestem a natureza de
frutos. E o dever de o usufrutuário obedecer à ordem e praxes do proprietário ou dos usos da
terra tem em vista evitar que a ânsia de lucro o leve a fazer uma exploração abusiva da mata.

218. Plantas e viveiros

O usufrutuário deve conformar-se, no arranque destas plantas, com a ordem e praxes do


proprietário e, na sua falta, com o uso da terra quanto ao tempo e modo quer do arranque
quer da retancha do viveiro (1456).

Também esta solução se justifica pelo motivo que determina a disposição anterior.

219. Exploração de minas

O nosso Código distingue o usufruto sobre a concessão mineira e sobre os terrenos onde haja
explorações mineiras. No primeiro caso, determina que o usufrutuário "deve conformar-se, na
exploração das minas, com as praxes seguidas pelo respetivo titular" (1457/1).

No segundo, "tem direito às quantias devidas ao proprietário do solo, quer a título de renda,
quer por qualquer outro título, em proporção do tempo que durar o usufruto" (1457/2).

Na primeira hipótese, a doutrina observa que a solução legal evita a ânsia do lucro do
usufrutuário que o leve a cansar excessivamente a mina. E quanto à segunda, considera que o
direito atribuído ao usufrutuário constitui um fruto civil (212/2) e, por isso, integra-se no seu
direito de perceção dos frutos.

220. Exploração de pedreiras

O usufrutuário não pode abrir pedreiras sem o consentimento do proprietário (1458/1); pode
explorar as pedreiras que se encontrem em exploração no começo do usufruto, mas deve
conformar-se com as praxes observadas pelo proprietário (1458/1); e pode extrair pedra do
solo para reparações ou obras a que seja obrigado (1458/2).

A doutrina observa que a primeira disposição compreende-se porque "a extração de pedra,
principalmente quando feita em regime de exploração industrial, modifica a fisionomia do
terreno e altera a substância da coisa"; a segunda apoia-se na presunção de que houve, na
constituição do usufruto, "a intenção de assegurar ao usufrutuário a continuidade da
exploração anterior"; e a última "justifica-se pela lógica e bom senso: sendo (aquele) obrigado
a realizar obras em benefício do prédio", deve poder "socorrer-se dos elementos do solo para
cumprir (esse) encargo"

221. Exploração de águas

O usufrutuário "pode, em benefício do prédio usufruído, procurar águas subterrâneas por meio
de poços, minas ou outras escavações" (1458/1). E quanto a essas obras (benfeitorias) é
equiparado ao possuidor de boa-fé (1459/2).

Observa-se aqui uma exceção ao princípio de que o usufrutuário não pode alterar a forma ou
substância da coisa. Mas justifica-se por tais obras beneficiarem o prédio.

222. Constituição de servidões


Se as servidões forem ativas, o usufrutuário "goza dos mesmos direitos do proprietário"
(1460/1); se forem passivas, não pode "constituir encargos que ultrapassem a duração do
usufruto" (1460/1).

Por sua vez, o proprietário "não pode constituir servidões sem consentimento do usufrutuário,
desde que delas resulte diminuição do valor do usufruto" (1460/2).

A primeira solução justifica-se porque as servidões ativas valorizam o prédio e, se


desagradarem ao proprietário, pode renunciar a elas depois de o usufruto se extinguir (1476/1-
e). Quanto às servidões passivas, constituem encargos e, por isso, bem se compreende que não
ultrapassem a duração do usufruto. E em relação ao proprietário, a constituição duma servidão
pode implicar diminuição do usufruto e, por isso, exige-se o consentimento do usufrutuário.

223. Tesouros

O usufrutuário que, na coisa usufruída, descobrir algum tesouro, é considerado achador em


propriedade alheia (1461).

Na base desta solução está o entendimento de que os tesouros não são frutos; por isso, não
pertencem ao usufrutuário.

224. Universalidade de animais

Art 1462

A doutrina refere que "à finalidade essencial da manutenção do conjunto dos animais não
interessa apenas o número deles, mas também as demais condições essenciais à conservação e
propagação do conjunto (a proporção entre os animais de cada sexo, a eliminação ou
separação dos animais envelhecidos ou inutilizados, etc.)"

225. Rendas vitalícias

O usufrutuário "tem direito a perceber as prestações correspondentes à duração do usufruto,


sem ser obrigado a qualquer restituição" (1463).

Esta solução não corresponde rigorosamente ao princípio de que o capital pertence ao


proprietário e as rendas, ao usufrutuário. Com efeito, correspondendo a renda vitalícia não só
a certo capital, mas também à sua amortização periódica (1238), "parece que, em bom rigor, o
usufrutuário deveria deduzir, nas prestações recebidas, a parte correspondente à amortização
do capital, para restituir o seu somatório no fim do usufruto".

Porém, a disposição legal justifica-se quer por não ser fácil distinguir a parte correspondente à
amortização do capital e a relativa à renda quer por traduzir a vontade usual dos contraentes.

226. Capitais postos a juro

Art 1464/1 e 2

Esta solução respeita a separação capital - rendimento: só este pertence ao usufrutuário. O


proprietário pode dispor do capital desde que não prejudique o usufrutuário; por isso, devem
estar de acordo que pode ser judicialmente suprido.

227. Dinheiro e capitais levantados

O usufrutuário tem "a faculdade de administrar esses valores como bem lhe parecer, desde
que preste a devida caução”. Porém, "corre por sua conta o risco da perda da soma usufruída"
(1465/1). Se não quiser usar desta faculdade, o investimento das somas far-se-á nos termos do
art. 1464. °, n.º 2: é necessário o acordo do proprietário e do usufrutuário e o consentimento
pode ser suprido judicialmente (1465/2).

228. Prémios e outras atividades aleatórias

A fruição de prémios e outras atividades aleatórias pertence ao usufrutuário. Estão em causa


títulos de crédito e a ratio desta solução é a mesma: "a raiz ou o casco dos bens pertence ao
proprietário; a sua fruição, ao usufrutuário"

A doutrina distingue ainda: "se o prémio consistir na atribuição gratuita de certo número de
ações, estas engrossarão o capital do proprietário, mas os respetivos dividendos, enquanto o
usufruto se mantiver, competirão ao usufrutuário. Se o prémio consistir numa prestação
suscetível de uma única utilização, "deve equiparar-se aos frutos e, portanto, ser atribuído
exclusivamente ao usufrutuário".

229. Títulos de participação

O usufrutuário tem direito aos lucros distribuídos correspondentes à duração do usufruto; a


votar nas assembleias gerais, salvo se as deliberações importarem alteração dos estatutos ou a
dissolução da sociedade (1467/2); e a usufruir os valores que, no ato de liquidação da
sociedade, caibam à parte social sobre que o usufruto incide (1467/1).

A doutrina destaca os assuntos discutidos nas assembleias gerais: se respeitarem à


administração da sociedade, o direito de voto cabe nos poderes normais de fruição do
usufrutuário; se em causa estiver a alteração dos estatutos ou a dissolução, o voto conjunto
dos dois titulares justifica-se por poder haver alteração da substância da coisa ou do seu
destino económico.

Secção III Obrigações Do usufrutuário

230. Relação de bens e prestação de caução

O usufrutuário deve fazer uma relação de bens onde conste o seu estado e, se houver móveis,
o seu valor (1468-a); e se o proprietário exigir, deve prestar caução através da qual garanta: a
restituição dos bens ou, tratando-se de bens consumíveis, o seu valor; a reparação das
deteriorações devidas a culpa do usufrutuário; e o pagamento de qualquer outra indemnização
devida ao proprietário (1468-b). A prestação de caução não é exigível se o usufruto tiver sido
constituído per deductionem (1469). E, porque não está em causa um interesse público, o
título constitutivo também pode dispensá-la.

Porém, o usufrutuário pode recusar prestar a caução. Nesta hipótese, o proprietário pode
exigir que: os imóveis sejam arrendados ou postos em administração; os móveis sejam
vendidos ou lhe sejam entregues; os capitais e a importância das vendas sejam dadas a juros
ou utilizadas na aquisição de títulos de crédito nominativos; os títulos ao portador sejam
convertidos em nominativos ou depositados num terceiro; e sejam adotadas outras medidas
adequadas (1470/1). Se o usufrutuário não concordar quanto ao destino dos bens, o tribunal
decidirá (1470/2).

A doutrina refere o carácter meramente exemplificativo daquela enumeração legal como, aliás,
se deduz da letra da lei: "o proprietário tem a faculdade de exigir (...) que se adotem outras
medidas adequadas"; e nota que a falta de caução priva o usufrutuário da posse dos bens, mas
não do direito aos seus frutos. E considera ainda que não se trata de sanções, mas de medidas
coativas destinadas a acautelar o interesse do proprietário na conservação e futura restituição
dos bens; por isso, se o usufrutuário, embora tardiamente, prestar caução, essas medidas
cessarão

231. Obras, melhoramentos e plantações

O proprietário pode fazê-las, desde que não diminuam o valor do usufruto: ao usufrutuário
corresponde uma obrigação de tolerância (pati) (1471/1). Todavia, o usufrutuário não é
obrigado a pagar os juros da soma paga pelo proprietário ou outra indemnização. Mas se
aumentarem o rendimento líquido da coisa usufruída, o aumento pertence ao proprietário
(1471/2).

232. Reparações ordinárias

O usufrutuário deve fazer as reparações ordinárias indispensáveis à conservação da coisa. E


deve pagar as despesas de administração (1472/1). Todavia, pode eximir-se a esses encargos
renunciando ao usufruto (1472/2).

A falta dessas reparações pode dar lugar à execução específica das obras necessárias; à
obrigação de realizar as reparações extraordinárias a que tenha dado causa (1473/1); ou à
indemnização dos danos a que dê causa a negligência do usufrutuário.

233. Reparações extraordinárias

Estas reparações são da responsabilidade do proprietário, exceto se se tornarem necessárias


por má administração do usufrutuário (1473/1).

No entanto, este deve informar aquele, em tempo oportuno. Se, depois de avisado, o
proprietário não as fizer e revestirem utilidade real, o usufrutuário pode fazê-las e exigir ao
proprietário o pagamento das correspondentes despesas ou do valor que tiverem no fim do
usufruto se este valor foi inferior ao custo (1473/2).

234. Impostos

O titular do usufruto no momento do vencimento, deve pagar os impostos e outros encargos


anuais que incidam sobre o rendimento dos bens usufruídos (1474). No entanto, os impostos
que incidam sobre o capital são da responsabilidade do proprietário. E nada impede que os
impostos e outros encargos sejam repartidos entre os interessados no respetivo título
constitutivo, sem prejuízo das regras que disciplinam a relação tributária: perante o Estado, se
o imposto atingir determinado rendimento, quem responde é o usufrutuário.

235. Informações

O usufrutuário é obrigado a informar o proprietário de qualquer facto de terceiro de que tenha


notícia, sempre que possa lesar os direitos daquele, sob pena de responder pelos danos que
venha a sofrer (1475).

O aviso da prática desse facto não dispensa o usufrutuário de tomar outras providências que as
circunstâncias imponham para a defesa do direito do proprietário, de acordo com o modelo
diligência do bom pai de família (1446).

CAPÍTULO IV. Extinção


Secção I. Regime geral

236. Morte do usufrutuário ou decurso do tempo

O usufruto extingue-se com a morte do usufrutuário ou pelo decurso do tempo durante o qual
o usufruto foi constituído (1476/1-a). É uma manifestação do carácter pessoal do usufruto.

Se o usufruto for concedido a alguém até uma terceira pessoa completar certa idade, importa
distinguir: se não foi constituído em atenção à existência desse terceiro, o usufruto durará até
ao momento fixado, ainda que esta pessoa faleça antes; se foi concedido em atenção à
existência do terceiro, cessa se falecer antes da idade assinalada (1477).

237. Reunião do usufruto e propriedade na mesma pessoa

Se, na mesma pessoa, se reunirem os direitos de usufruto e de propriedade, o usufruto cessa.


Trata-se duma espécie de confusão, vocábulo utilizado no Código de Seabra e substituído, no
atual, pela palavra reunião do usufruto e da propriedade na mesma pessoa (1476/1-b).

238. Não exercício durante vinte anos

O usufruto extingue-se pelo não exercício durante vinte anos, qualquer que seja o motivo:
também aqui o Código atual se afastou do Código de 1867, substituindo prescrição por não
exercício (1476/1-c). Deste modo, não valem as causas de suspensão e de interrupção próprias
da prescrição.

A doutrina observa que a reação contra o usufrutuário se justifica pelos interesses privado e
público em fazer cessar as limitações da propriedade: importa que as coisas proporcionem a
maior utilidade possível em proveito quer do proprietário quer da coletividade.

239. Perda total da coisa

Se a coisa, objeto do usufruto, desaparece totalmente, o usufruto extingue-se (1476/1-d). Se a


perda for parcial, o usufruto continua na parte restante (1478/1); e se a coisa se transformar
noutra (rei mutatio) que tenha mais valor, embora com outra finalidade económica, o usufruto
continua na coisa transformada (1478/2).

240. Renúncia

O usufruto extingue-se se o usufrutuário renunciar, sem necessidade de aceitação do


proprietário (1476/2). Trata se, portanto, dum negócio jurídico unilateral: uma demissão do
direito, um ato abdicativo e não um ato de transmissão

Secção II. Regime especial

241. Destruição do edifício

Se o prédio urbano for destruído por qualquer causa, o usufrutuário tem o direito de desfrutar
o solo e os materiais restantes (1479/1).

No entanto, o proprietário da raiz pode reconstruí-lo, ocupando o solo e os materiais, desde


que pague ao usufrutuário, durante o usufruto, os juros correspondentes ao valor do solo e dos
materiais (1479/2).
O mesmo regime vigora se o usufruto incidir sobre algum prédio rústico de que faça parte o
edifício (1479/3).

Esta solução justifica-se pela necessidade de reconstruir o prédio para que não fique inútil nem
improdutivo o solo ocupado pelo edifício destruído. Ao mesmo tempo, evita-se o sacrifício do
usufrutuário com os juros referidos.

242. Indemnizações

Se a coisa se perdeu, deteriorou ou diminuiu de valor e houver lugar a indemnização ao


proprietário, o usufruto passa a incidir sobre esta (1480/1). Tratando-se de expropriação ou
requisição, passa a ter por objeto a indemnização correspondente (1480/2).

Importa referir, no entanto, que esta solução legal assenta no pressuposto de que há uma
indemnização se houver reconstituição natural ou reintegração específica, o usufruto
continuará sobre a coisa restaurada ou reparada

243. Seguro da coisa destruída

Se o usufrutuário fez seguro da coisa ou pagou os prémios de seguro já feito, o "usufruto


transfere-se para a indenização devida pelo segurador" (1481/1). No entanto, se se tratar de
edifício, o proprietário pode reconstruí-lo, transferindo-se o usufruto para o novo edifício.
Neste caso, se o preço pago na reconstrução for superior à indemnização recebida, o direito do
usufrutuário será proporcional à indemnização (1481/2). Se os prémios forem pagos pelo
proprietário, a indemnização que lhe for devida pertence-lhe por inteiro (1481/3).

244. Mau uso

Se o usufrutuário fizer mau uso da coisa usufruída, o usufruto não se extingue. Mas se o abuso
for consideravelmente prejudicial ao proprietário, este pode exigir que a coisa lhe seja
entregue ou se tomem as providências necessárias previstas no art. 1470. Se a coisa for
entregue ao proprietário, é obrigado "a pagar anualmente ao usufrutuário o produto líquido
dela, depois de deduzidas as despesas e o prémio que pela sua indemnização lhe for arbitrado"
(1482).

A doutrina observa que, diferentemente de alguns Códigos estrangeiros, o nosso legislador


absteve-se de fazer uma referência exemplificativa aos atos de mau uso para não coartar a
necessária liberdade de apreciação do tribunal em face das circunstâncias concretas da
situação.

Secção III. Efeito

245. Restituição

Findo o usufruto, o usufrutuário "deve restituir a coisa ao proprietário, sem prejuízo do


disposto para as coisas consumíveis e salvo o direito de retenção nos casos em que possa ser
invocado" (1483 e 754 e ss).

A doutrina refere que, terminado o usufruto, o proprietário pode demandar o usufrutuário ou


sucessores com a ação de reivindicação (1311); que a propriedade recupera imediatamente,
ipso iure, a sua plenitude; e que o usufrutuário tem a obrigação positiva de entregar a coisa ao
proprietário.
Há, no entanto, que ressalvar as coisas consumíveis: o usufrutuário é obrigado a restituir o seu
valor se tiverem sido estimadas ou a entregar outras do mesmo género, qualidade e
quantidade ou o seu valor na conjuntura em que findar o usufruto (1451).

A esta exceção, juntam-se outras relacionadas com: o dever de restituição, no estado em que
se encontrarem, das coisas deterioráveis pelo uso (1452); a não restituição das rendas vitalícias
que tenham findado antes da cessação do usufruto; etc. (1463).

Titulo VII. Uso e habitação

246. Noção

1484 e 1486

248. Características

Como o usufruto, o direito de uso e habitação é um direito real de gozo, não exclusivo, limitado
e temporário, que tem por objeto uma coisa alheia. Todavia, é limitado à satisfação das
necessidades do titular e da sua família.

E também um direito estritamente pessoal (intuitu personae) e, por isso, intransmissível (1488)
e insuscetível de ser onerado com qualquer garantia real.

Em relação às necessidades pessoais, são fixadas segundo a condição social do usuário ou


morador usuário (1486). E quanto ao Âmbito da família, compreende "o cônjuge não separado
judicialmente de pessoas e bens, os filhos solteiros, outros parentes a quem sejam devidos
alimentos e as pessoas que, convivendo com o respetivo titular, se encontram ao seu serviço
ou ao serviço das pessoas designadas" (1487).

A doutrina justifica a exclusão dos filhos casados por, em regra, se instalarem em habitação
própria e viverem autonomamente, integrados noutro núcleo familiar. E quanto a outros
parentes, entende-se que abrange as pessoas ligadas ao usuário ou familiares por contrato de
prestação de serviços domésticos e as que de qualquer modo e sem contrato daquela espécie,
lhes prestam assistência ou companhia designadamente nos casos de doença ou invalidez.

249. Constituição

O nosso Código determina que os direitos de uso e de habitação se constituem "pelos mesmos
modos que o usufruto, sem prejuízo do disposto na alínea b) do artigo 1293 (1485).

Ou seja, podem ser constituídos por contrato, testamento, disposição da lei, mas não por
usucapião (1440).

Em relação à aquisição vi legis, importa considerar algumas alterações introduzidas pelo


Decreto-Lei n.º 496/77, de 25 de novembro, pela Lei n.º 6/2001, de 11 de maio, pela Lei n.º
7/2001, de 11 de maio e pela Lei n.º 48/2018, de 14 de agosto de 2018. Assim:

a) o Decreto-Lei n.º 496/77 aditou três novos artigos ao Código Civil: 2103. °-A, 2103. °-B e
2103. °-C.

O primeiro determina que "cônjuge sobrevivo tem direito a ser encabeçado, no momento da
partilha, no direito de habitação da casa de morada da família e no direito de uso do respetivo
recheio," No entanto, o seu direito caduca se não habitar a casa por prazo superior a um ano.
O segundo dispõe que "se a casa de morada da família não fizer parte da herança, observar-se-
á, com as necessárias adaptações, o disposto no artigo anterior relativamente ao recheio"
E o terceiro define recheio como "o mobiliário e demais objetos ou utensílios destinados ao
cómodo, serviço e ornamentação da casa" A doutrina observa que o direito de habitação
relativo à casa de morada da família e o direito de uso sobre o recheio só poderão constituir-se,
como direitos reais de gozo sobre coisa alheia, se a casa ou recheio vierem a caber em
propriedade a outro herdeiro

b) a Lei n.º 6/2001 instituiu o regime jurídico de proteção das pessoas que vivam em economia
comum há mais de dois anos. E determina que "em caso de morte da pessoa proprietária da
casa de morada comum, as pessoas que com ela tenham vivido em economia comum há mais
de dois anos (nas condições previstas nesta lei) têm um direito real de habitação sobre a
mesma, pelo prazo de cinco anos e, no mesmo prazo, direito de preferência na sua venda".
Mas mantém a exceção já consagrada na Lei n.º 135/90, a que acrescenta outra: a
sobrevivência de descendentes menores que, não coabitando com o falecido, demonstrem ter
absoluta carência de casa para habitação própria"

c) a Lei n.º 7/2001 instituiu o regime jurídico de pessoas que, independentemente do sexo,
vivam em união de facto há mais de dois anos. E determina que na hipótese de união de facto,
à morte do proprietário de casa de morada "o membro sobrevivo tem direito real de habitação
pelo prazo de cinco anos sobre a mesma e, no mesmo prazo, direito de preferência na sua
venda". Há uma exceção: esse direito cessa "caso ao falecido sobrevivam descendentes com
menos de um ano de idade ou com ele convivessem há mais de testamentária em contrário”
um ano e pretendam habitar a casa, ou no caso de disposição testamentaria em contrario”.

d) a Lei n.º 48/2018, de 14 de agosto, que reconheceu a possibilidade de renúncia recíproca à


condição de herdeiro legitimário na convenção antenupcial, introduziu, no Código Civil, o artigo
n° 1707.°-A, nos termos do qual: se a casa de morada for propriedade do falecido, o cônjuge
sobrevivo pode permanecer nela, durante cinco anos, como titular de um direito real de
habitação e de um direito de uso do recheio (n.º 3), tempo que pode excecionalmente ser
prorrogado pelo tribunal, por motivos de equidade, designadamente a especial carência
daquele cônjuge (n.º 4), caducando estes direitos se o interessado não habitar a casa por mais
de um ano se a ausência não lhe for imputável (n.º 6). E, se o cônjuge sobrevivo tiver
completado 65 anos de idade à data da abertura da sucessão, aquele direito de habitação é
vitalício (n.º 10).

250. Regime jurídico

O Código determina que os direitos de uso e de habitação "são igualmente regulados pelo
título constitutivo; na falta ou insuficiência deste, observar-se-ão as disposições seguintes"
(1485).

E dispõe ainda que são aplicáveis aos direitos de uso e de habitação as disposições que
regulam o usufruto, quando conformes à natureza daqueles direitos" (1490). Assim, o usuário
ou morador usuário pode:

1. usar, respeitando o destino económico. Porém, está-lhe vedado o gozo indireto que
fundamentalmente se traduz no poder de dispor (trespassar, locar e onerar) (1488).
2. fruir, mas com um limite: "na medida das necessidades quer do titular, quer da sua família"
(1484/1). Quanto às obrigações, deve: relacionar os bens e prestar caução, se lhe for exigida
(1468 e ss); efetuar as reparações ordinárias, pagar as despesas de administração e os
impostos e outros encargos anuais que incidam sobre o rendimento da coisa, na proporção da
sua fruição (1489); avisar o proprietário da prática ou ameaça de atos lesivos da coisa por parte
de terceiro (1475); agir, de modo geral, como um bom pai de família (1446); restituir a coisa,
findo o seu direito (1483); e está sujeito, mutatis mutandis, às providências descritas no art.
1482. se fizer mau uso da coisa objeto do seu direito. Há, no entanto, importantes diferenças
em relação ao direito de usufruto: além da limitação da fruição à satisfação das necessidades
pessoais e familiares, o direito de uso e habitação é intransmissível e não pode ser onerado
(1488). Ou seja, é um direito pessoalíssimo.

251. Extinção

O direito de uso e de habitação extingue-se pelos mesmos modos que o usufruto (1485).
Há também quem entenda que este direito se extingue se cessar a necessidade pessoal que
justificou a sua constituição

252. Natureza jurídica

Valem aqui as referências às diversas teorias sobre a natureza jurídica do usufruto. Mas, como
PUGLIESE observou, o direito de uso e de habitação não é apenas um minus em relação ao
usufruto, mas também um aliud. É, com efeito, um direito real sobre coisa alheia mais limitado
e com características próprias que lhe conferem autonomia como direito real de gozo menor.

Titulo VIII direito de superfície

Capitulo I. Caracterização

253. Noção

Art 1528

Art 1530/1 e 1536/1-a

O titular deste direito denomina-se superficiário; o dono do solo, proprietário ou fundeiro; e a


coisa implantada, implante.
A doutrina considera aquela noção insatisfatória e entende que é necessário recorrer a outros
preceitos legais para "descobrir a verdadeira noção do instituto".

255. Objeto

A doutrina considera que "a determinação do objeto do direito de superfície deve ser feita em
dois momentos".

No primeiro, este direito incide sobre solo alheio e compreende a parte necessária à
construção e aquela que, embora não necessária, “tenha utilidade para o uso da obra (1525/1).
Pode também incidir sob solo (1525/2) e sobre edifício alheios (1526).

No segundo, incide sobre a obra ou plantações feitas ou adquiridas. Quanto à obra, não tem
necessariamente que ser um edifício; e em relação a plantações, afastam-se os vegetais cujo
ciclo produtivo se esgota numa colheita anual: o direito de superfície só se justifica para
plantações destinadas a perdurar por um período mais ou menos longo (1536/1-a e b).
Quanto ao direito de construir sobre edifício alheio (direito de sobrelevação) está sujeito às
limitações impostas à constituição da propriedade horizontal; e, levantado o edifício, são-lhe
aplicáveis as regras desta propriedade, tornando-se o construtor condómino das partes
referidas no art. 1421. ° (1526)

256. Natureza jurídica

A natureza jurídica do direito de superfície continua a dividir a doutrina. Destacamos alguns


Autores: Segundo PIRES DE LIMA e ANTUNES VARELA, a posição do superficiário é complexa,
sendo necessário distinguir duas faces: em relação à obra ou plantação, é ou virá a ser o seu
proprietário; e quanto ao terreno ou solo em que ficam implantadas, estamos perante um
direito real de gozo autónomo.

OLIVEIRA ASCENSÃO analisa a situação do fundeiro e verifica que há um só elemento


constante: a propriedade do solo. Tem, ainda, dois outros direitos reais que só surgem quando
o implante se estabelece: o direito real de aquisição (que, todavia, só existe na superfície
temporária) e o direito de preferência. E pode ter também o direito de perceber o cânon
enfitêutico, que tem as características gerais do ónus real. Quanto à situação do superficiário, é
composta por dois direitos reais: o direito de implantar a coisa em terreno alheio (direito de
implante) e o direito de propriedade, quando a coisa estiver implantada. Verifica que nenhum
destes direitos é constante: "há casos em que o superficiário não tem o direito de implante, e
há casos em que o superficiário não tem em concreto o direito de propriedade". Porém, como
"o elemento fulcral nestas situações não está nos direitos parcelares, que tanto podem surgir
como desaparecer, mas sim no direito de conjunto em que todos se integram" e verificando
que "esse direito de conjunto é sempre idêntico, para além da variação dos seus elementos",
OLIVEIRA ASCENSÃO conclui que o direito de superfície é um "direito real composto".

MENEZES CORDEIRO recusa que o direito de superfície sobre o implante seja um direito de
propriedade porque nem é exclusivo nem pleno: é, sim, um direito real complexo uma vez que,
no seu conteúdo, há faculdades que, noutros direitos reais, a lei autonomiza como direitos
reais. E o mesmo sucede com o direito do fundeiro.

E CARVALHO FERNANDES observa dois momentos: no primeiro, em que ao superficiário é


reconhecida a faculdade de, sem interferência do fundeiro, fazer o implante em terreno alheio,
o superficiário é titular dum direito potestativo dirigido à aquisição de um direito real, tudo
apontando para um direito real de aquisição; no segundo, quando a obra ou plantação já está
feita, os poderes do superficiário moldam-se aos do proprietário. Todavia, porque lhe falta a
exclusividade, entende que o direito de superfície é um direito real a se, próximo da
propriedade, "o que legitima a possibilidade de às suas normas se recorrer, enquanto regime
subsidiário, para integrar o tratamento jurídico do direito do superficiário sobre a obra ou a
plantação"

Capitulo II. Constituição

257. Introdução

O Código determina que o direito de superfície pode ser constituído por contrato, testamento,
usucapião e pode resultar da alienação de obra ou árvores já existentes, separadamente da
propriedade do solo (1528). Neste caso, admite-se o desmembramento ou parcelamento do
objeto inicial do domínio do alienante.
Importa ainda referir que "a constituição do direito de superfície importa a constituição das
servidões necessárias ao uso e fruição da obra ou das árvores" (1529/1). Mas "a constituição
coerciva da servidão de passagem sobre prédio de terceiro só é possível se, à data da
constituição do direito de superfície, já era encravado o prédio sobre que este direito recaía"
(1529/2). Trata-se duma norma jurídica que é simples corolário desta ideia geral: "o
reconhecimento de um direito envolve a atribuição dos meios indispensáveis ao seu gozo
normal"

258. Contrato

O contrato pode revestir os mais variados tipos (compra e venda, doação, sociedade, contrato
inominado, etc.). Formalmente, deve constar de escritura pública ou de documento particular
autenticado e ser registado.

259. Testamento

O testamento permite que o direito de superfície nasça de várias combinações: legado a certa
pessoa do direito de construir ou plantar e legado do solo a outra; legado a alguém do direito
de construir e devolução do direito sobre o solo aos herdeiros; etc.

260. Usucapião

A doutrina chama a atenção para duas hipóteses. Se a propriedade superficiária já estiver


constituída a favor de alguém, não há dificuldade sobre a possibilidade de um terceiro a
adquirir por usucapião: basta que tenha a posse com os necessários requisitos.
Mas se o direito de superfície ainda não estiver constituído, em causa está a aquisição do
direito de construir ou plantar apenas em relação ao futuro e, por isso, não falta quem recuse a
possibilidade de se adquirir por usucapião.
Todavia, a lei admite a usucapião sem nenhuma limitação e, como a doutrina observa, "bem
pode suceder que a pessoa construa ou plante, na convicção simultânea de ter o direito de
fazê-lo e de respeitar o direito de propriedade de outrem sobre o terreno”.

Capitulo III regime jurídico

261. Regime geral

O direito de superfície (como o direito de propriedade do solo) é transmissível por ato inter
vivos e mortis causa (1534). Todavia, o proprietário do solo goza, em último lugar, do direito de
preferência na venda ou dação em cumprimento do direito de superfície (1535/1).

O direito de preferência compreende-se porque, constituindo o direito de construir ou plantar


em terreno alheio, bem como o de aí manter obra ou árvores uma restrição à propriedade do
solo, proporciona a recuperação da sua plenitude.

E a admissibilidade da transmissão consagra implicitamente a possibilidade de oneração quer


do direito de superfície quer da propriedade do solo.

262. Posição do fundeiro

O proprietário do solo tem a faculdade de:

1. usar e fruir a superfície, mas não pode impedir nem tornar mais onerosa a construção ou
plantação (1532).
Por isso, se impedir a construção ou plantação, o superficiário pode exigir-lhe que destrua as
obras ou elimine as situações que tornam mais oneroso o exercício do seu direito; e o
pagamento dos encargos que venha a suportar a mais

2. usar e fruir o subsolo, embora seja responsável pelo prejuízo causado ao superficiário em
consequência da sua exploração (1533). O fundeiro não deve construir ou fazer escavações
que afetem a estabilidade da propriedade superficiária ou prejudiquem o direito do
superficiário.

3. receber, em dinheiro, uma prestação única ou certa prestação anual, que pode ser perpétua
ou temporária (1530). Se a prestação for única, o preço devido pelo superficiário é objeto de
uma obrigação autónoma, sujeita, em princípio, ao regime do preço no contrato de compra e
venda, negócio paradigmático dos contratos onerosos de alienação ou oneração de bens (939).
Se for anual, o dever de a pagar constitui uma obrigação real (propter rem ou ob rem) a cargo,
portanto, de quem for titular do direito de superfície na data do seu vencimento.
Quanto ao tempo e lugar do cumprimento das prestações, o art. 1531., n.º 1, remete para os
arts. 1505.° e 1506. ° que foram revogados. Continua, no entanto, a entender-se que o seu
regime continua a aplicar-se ao direito de superfície.
Havendo mora no cumprimento, o proprietário do solo tem o direito de exigir o triplo das
prestações em dívida (1531/2).

263. Posição do superficiário

O superficiário tem a faculdade de:

1. fazer construções ou plantações no terreno do fundeiro (no solo ou subsolo, consoante os


casos) (1524);

2. construir sobre edifício alheio, observados os requisitos e limitações impostas à constituição


da propriedade horizontal (1526);

3. gozar a obra ou plantação feita: a sua situação jurídica "é moldada pelos direitos do
proprietário, com as limitações decorrentes do uso e fruição do solo ou do subsolo
reconhecidos ao proprietário”;

4. dispor da obra construída ou árvores plantadas: esta faculdade envolve a alienabilidade do


direito de superfície e de o limitar ou onerar através da constituição de direitos reais de gozo
ou de garantia

5. reconstruir a obra ou renovar a plantação, no caso de destruição;

6. utilizar as servidões necessárias ao uso e fruição da obra ou das árvores, sobre a restante
parte do prédio do fundeiro (1529/1);

7. ser indemnizado por caducidade do seu direito, segundo as regras do enriquecimento sem
causa (1538/2); ou por expropriação do prédio (1542)

Em relação, às obrigações, o superficiário deve:

1. pagar a prestação convencionada no título constitutivo do direito de superfície (1530/1), que


é sempre em dinheiro (1530/3). Como já se referiu, a prestação pode ser única ou anual e esta,
perpétua ou temporária (1530/1 e 2);
2.dar preferência ao fundeiro na venda ou dação em cumprimento do direito de superfície
(1535/1). Por isso, deve dar-lhe conhecimento do projeto de alienação e das cláusulas do
respetivo contrato

3.responder pelas deteriorações da obra ou plantações, quando haja culpa da sua parte e não
houver lugar à indemnização prevista no art. 1538. °, n.2 (1538/3)

CAPÍTULO IV. Extinção

264. Causas Segundo o nosso Código, o direito de superfície extingue-se:

a) se o superficiário não concluir a obra ou não fizer a plantação no prazo fixado, ou, na falta de
fixação, dentro do prazo de dez anos (1536/1-a). Esta limitação temporal justifica-se por o
superficiário não revelar interesse atendível e "não ser conveniente manter indefinidamente
uma restrição ao direito de propriedade, sem haver, da parte do beneficiário, um interesse
atendível justificativo, por não existir obra ou árvore de que possa usar ou fruir”. Se a obra ou
plantação apenas tiver sido iniciada, entende-se que é indispensável a sua conclusão (1536);

b) se, destruída a obra ou as árvores, o superficiário não reconstruir a obra ou não renovar a
plantação dentro dos mesmo prazos a contar da destruição (1536/1-b). Também neste caso
não bastará o simples início da reconstrução da obra ou renovação da plantação.

c)pelo decurso do prazo, se foi constituído por certo tempo (1536/1-c);

d)pela reunião, na mesma pessoa, dos direitos de superfície e de propriedade (1536/1-d)

e) pelo desaparecimento ou inutilização do solo (1536/1-e);

f) pela expropriação por utilidade pública (2075).

Também se permite que no título constitutivo se estipule que o direito de superfície se extinga
em consequência da destruição da obra ou das árvores ou da verificação de qualquer condição
resolutiva (1536/2).

A doutrina observa que a renúncia não figura como causa extintiva da superfície porque, sendo
o superficiário proprietário da obra ou plantação, não se justifica a admissibilidade de um
modo de extinção próprio dos direitos sobre coisa alheia

Importa referir ainda que a falta de pagamento das prestações anuais durante vinte anos
extingue a obrigação de as pagar, aplicando-se as regras da prescrição. No entanto, o
superficiário não adquire a propriedade do solo, salvo se beneficiar da usucapião (1537).

265. Efeitos

Importa distinguir os seguintes efeitos:

1. extinção pelo decurso do prazo: o proprietário do solo adquire a propriedade da obra ou das
árvores. No entanto, salvo estipulação em contrário, o superficiário tem direito a uma
indemnização calculada segundo as regras do enriquecimento sem causa. Se não houver lugar
a esta indemnização, o superficiário responde pelas deteriorações da obra ou das plantações
quando haja culpa da sua parte (1538).

A doutrina observa que não havendo interesse público que impeça, as partes podem estipular
que a obra seja demolida e os materiais arrecadados pelo superficiário
2. direitos reais de gozo ou de garantia constituídos sobre o direito de superfície: se este direito
se extinguir pelo decurso do prazo fixado, aqueles direitos extinguir-se-ão igualmente. Porém,
se o superficiário for indemnizado (1538/2), aqueles direitos transferem-se sobre a
indemnização (1539). Esta solução justifica-se pela ideia de que na constituição desses direitos
reais se teve em atenção o prazo de duração do direito de superfície

3. direitos reais constituídos pelo proprietário: estendem-se à obra e às árvores adquiridas nos
termos do art. 1538. (1540). A ratio desta solução consiste no facto de, ao constituírem uma
garantia ou direito real de gozo sobre o solo, as partes terem normalmente em vista tudo o que
vier a acrescer a esse terreno em virtude da extinção do direito de superfície por efeito do
decurso do prazo fixado

4. permanência dos direitos reais: se o direito de superfície for perpétuo ou, sendo temporário,
se extinguir antes do decurso do prazo, os direitos reais constituídos sobre a superfície ou
sobre o solo continuam a onerar separadamente as duas parcelas, como se não tivesse havido
extinção (1541).

5. extinção por expropriação (por utilidade pública): a cada um dos titulares cabe a parte da
indemnização que corresponder ao valor do respetivo direito (1542).

Titulo IX servidões prediais

266. Noção

Art 1543

A partir desta definição, a doutrina observa que a servidão predial: 1. é um encargo (constitui
uma restrição ou limitação ao direito de propriedade sobre o prédio dito serviente); 2. recai
sobre um prédio (é uma restrição ao gozo do prédio serviente, inibindo o seu proprietário de
praticar os atos que possam prejudicar o exercício da servidão); 3. beneficia outro prédio dito
dominante; 4. os prédios (serviente e dominante) devem pertencer a donos diferentes.

268. Natureza jurídica

As servidões prediais são direitos reais sobre a coisa alheia que gozam de estatuto autónomo

Capitulo II. Caracterização

269. Inseparabilidade

Art 1545

A doutrina observa que "não é necessário que o encargo seja, por natureza, inseparável do
prédio dominante: basta que deste não possa ser separado por vontade das partes ou por
disposição da lei" E nota que este princípio é um mero corolário da ideia de que a servidão há-
de ser gozada através do prédio dominante e, por isso, não pode ser cedida
independentemente do prédio a que respeita. Por isso, se uma servidão de passagem se
deslocar de um prédio para outro, a antiga servidão extingue-se e constitui-se uma nova.

Depois, distingue situações que podem configurar ora um direito real (servidão predial) ora
uma relação obrigacional. Assim, o direito de utilizar os pastos situados em prédio alheio: se os
animais fizerem parte da exploração situada no prédio contíguo, é um direito de servidão,
porque proporciona uma vantagem a este prédio; mas será uma situação meramente
obrigacional o direito de um indivíduo fazer pastar quaisquer animais em prédio alheio.

Também o direito de colher madeira ou barro em prédio alheio será uma servidão predial se se
restringir as quantidades de matéria-prima necessárias para a edificação de construções que se
ergam no prédio dominante; mas tratar-se-á de um direito de crédito se a madeira se destinar
não a um prédio dominante, mas à satisfação de necessidades individuais.

E o direito de passear em prédio alheio poderá ser um direito real ou de crédito: se for um
direito individual, será de crédito; se pertencer a um colégio, clínica ou hotel, respetivamente
para os seus alunos, doentes e hóspedes passearem, teremos um direito real (servidão) a favor
desse colégio, clínica ou hotel

270. Indivisibilidade

Art 1546

A doutrina observa que a divisão de um prédio não importa a multiplicação de servidões, tudo
se passando, em relação ao objeto e exercício da servidão, como se não tivesse havido divisão.

Por isso, se o quintal para onde deitam as janelas alheias ou se escoa a água da servidão de
estilicídio for dividido entre várias pessoas, apenas ficarão oneradas com o encargo, após essa
divisão, a parcela ou parcelas para onde deitam as vistas ou corre a água do prédio dominante

Do mesmo modo, tratando-se de servidão de passagem através dum prédio que se fraciona em
duas metades, só a que é objeto da passagem permanece onerada com a servidão; e se essa
servidão se exercer indistintamente sobre uma ou outra parte, cada uma continuará sujeita ao
encargo nos mesmos termos em que estava antes da divisão

E o mesmo sucede com o prédio dominante: se for dividido v. g., um prédio urbano que
beneficia duma servidão de vistas, só a fração onde a janela se localiza ficará, pela própria
natureza das coisas, com direito à servidão

271. Conteúdo atípico

O Código determina que "podem ser objeto da servidão quaisquer utilidades, ainda que
futuras ou eventuais, suscetíveis de ser gozadas por intermédio do prédio dominante, mesmo
que não aumentem o seu valor" (1544).

A doutrina observa que a utilidade que a servidão proporciona consiste numa vantagem que,
as mais das vezes, aumenta o valor económico do prédio dominante. Todavia, não é essencial
que assim seja: as vantagens podem ser de mera comodidade, como será o caso, v. g., da
obrigação que o dono do prédio serviente assume de construir apenas num determinado estilo
para não contrastar com o estilo do prédio dominante; ou de uma servidão de vistas ou de não
edificação constituída com o fim exclusivo de tornar mais ameno ou aprazível o prédio
dominante.

E sobre a possibilidade de as utilidades serem futuras ou eventuais refere que nada impede, v.
g. que se constitui uma servidão de passagem para o caso de se abrir uma rua junto do prédio
serviente, uma servidão de vistas para o caso de se construir determinado prédio; ou uma
servidão de aqueduto para o momento em que se puser a funcionar determinado
estabelecimento industrial

272. Ligação objetiva


A servidão tem necessariamente de incidir sobre um prédio em benefício de outro. Por isso, se
se tratar da fruição de utilidades em benefício pessoal, e não por intermédio de um prédio
dominante, estaremos perante uma relação obrigacional

Capitulo III. Constituição

273. Introdução

Art 1547

274. Contrato

O contrato pode ter carácter oneroso ou gratuito. Todavia, se incidir sobre coisa imóvel, o
contrato deve constar de escritura pública ou de documento particular autenticado. E, para
produzir efeitos em relação a terceiros, deve ser registado.

Ademais, pode tratar-se dum contrato exclusivamente destinado à sua constituição, como de
contrato determinado por outra finalidade principal e até dum contrato a favor de terceiro.

275. Testamento

Ocorre quando o testador constitui a servidão sobre prédio da herança, seja a favor de prédio
legado a terceiro, seja a favor de prédio que pertence a terceiro

276. Usucapião

A usucapião permite adquirir todas as servidões, excetuando as não aparentes (1293).


Esta proibição justifica-se por dificultar as boas relações de vizinhança: os vizinhos podiam
recear que situações de mera condescendência ou os equidade se convertessem em situações
jurídicas de carácter irremovível.

Por outro lado, a ausência de sinais visíveis pode justificar a ignorância e, portanto, a inação do
proprietário vizinho.

277. Destinação do pai de família

Art 1549

A doutrina ensina que a separação de domínios pode dar-se por qualquer título negocial ou
por outro titulo de transmissão; e exemplificam os sinais visíveis e permanentes com o rego, na
ser. vidão de aqueduto; a poça ou açude, na de presa; a janela, na de vistas, etc.

278. Lei

As servidões legais podem ser constituídas por negócio jurídico, sentença judicial e decisão
administrativa, mas, em bom rigor, não constituem, ainda, verdadeiras servidões: são direitos
potestativos de cujo exercício resulta um direito real de servidão independentemente da
vontade do dono do prédio serviente

CAPÍTULO IV. Modalidades

279. Servidões voluntárias e legais

As servidões voluntárias são as constituídas por negócio jurídico ou ato voluntário; as legais são
aquelas cuja vida percorre dois momentos sucessivos: no primeiro, o seu titular tem um direito
potestativo que lhe confere a faculdade de constituir uma servidão sobre determinado prédio,
independentemente da vontade do seu dono; no segundo, exercido este direito, a servidão
legal converte-se numa verdadeira servidão

280. Especial referência às servidões legais

280.1. Servidões de passagem

1550/1 e 2

A doutrina observa que esta servidão legal só recai sobre prédios rústicos e não urbanos, por
"se entender que a solução oposta colidiria com a intimidade de que deve rodear-se a
habitação ou domicílio ou com as exigências próprias do exercício da atividade instalada no
prédio”. Há, no entanto, algumas situações que reclamam disciplina específica. Assim:

a) possibilidade de afastamento da servidão: concede-se ao proprietário de quinta murada,


quintal, jardim ou terreiro adjacente a prédio urbano a faculdade de se subtrair ao encargo de
ceder passagem, adquirindo o prédio encravado pelo seu justo valor (1551/1). E prevê-se a
fixação judicial do preço na falta de acordo e a licitação entre dois ou mais proprietários
interessados (1551/2);

b) encrave voluntário: se o encrave do prédio for provocado, sem justo motivo, pelo seu
proprietário, a servidão só pode ser constituída mediante o pagamento de indemnização
agravada, fixada de harmonia com a sua culpa até ao dobro da que normalmente seria devida
(1552);

c) lugar da constituição da servidão: deve ser o que menor prejuízo e menos inconvenientes
causar ao prédio ou prédios onerados (1553);

d)indemnização: pertence ao proprietário do prédio (ou prédios) onerado(s) e corresponde ao


prejuízo sofrido (1554);

e) direito de preferência: o proprietário do prédio serviente tem o direito de preferência na


venda ou dação em cumprimento do prédio dominante (1555). Este direito traduz uma
compensação do encargo imposto ao seu titular

f) servidões de passagem para aproveitamento de águas: podem ser constituídas quando, para
gastos domésticos, se torne necessário O acesso a fontes, poços e reservatórios públicos e
correntes de domínio público (1556).

280.2. Servidões de água

Também aqui há situações diferentes que importa considerar:

a) aproveitamento de água para gastos domésticos: se não for possível, sem excessivo
incómodo ou dispêndio, a obtenção de água para gastos domésticos, os proprietários vizinhos
podem ser compelidos a permitir, mediante indemnização, que sejam aproveitadas as águas
sobrantes das suas nascentes ou reservatórios, na medida do indispensável. Estão isentos da
servidão os prédios urbanos e os referidos no art. 1551. °, n.º 1 (1557)

b) aproveitamento de águas para fins agrícolas: concede-se ao proprietário, que não tenha
nem possa obter, sem excessivo incómodo ou dispêndio, água suficiente para irrigar o seu
prédio, a faculdade de aproveitar as águas dos prédios vizinhos, que estejam sem utilização,
pagando o seu justo valor (1558/1).
c) servidão de presa: os proprietários e donos de estabelecimentos industriais, que tenham
direito ao uso de águas particulares existentes em prédio alheio, podem fazer, neste prédio, as
obras necessárias ao represamento e derivação da água, mediante o pagamento da
indemnização do prejuízo que causarem

d) servidão de presa para o aproveitamento de águas públicas: esta servidão só pode ser
imposta coercivamente quando: 1. os proprietários ou donos de estabelecimentos industriais,
sitos na margem de uma corrente não navegável nem flutuável, só possam aproveitar a água a
que tenham direito fazendo represa, açude ou obra semelhante que vá travar no prédio
fronteiro (1560/1-a); 2. a água tenha sido objeto de concessão (1560/1-b).

Porém, não estão sujeitas à servidão as casas de habitação nem os quintais, jardins ou terreiros
que lhes sejam contíguos; e, tratando-se de concessão de utilidade pública, a sujeição ao
encargo destes prédios depende da prova, no respetivo processo administrativo, da
impossibilidade material ou económica de executar as obras sem a sua utilização (1560/2)

e) servidão de aqueduto: em proveito da agricultura ou da industria ou para gastos domésticos,


a todos é permitido encanar, subterraneamente ou a descoberto, as águas particulares a que
tenham direito, através de prédios rústicos alheios, que não sejam quintais, jardins ou terreiros
contíguos a casas de habitação, mediante indemnização do prejuízo que a obra causar. As
quintas muradas só estão sujeitas ao encargo quando o aqueduto seja construído
subterraneamente (1561/1). Porém, o dono do prédio serviente tem, a todo o tempo, o direito
de ser indemnizado pelo prejuízo que venha a resultar de infiltração ou erupção das águas ou
da deterioração das obras feitas para a sua condução (1561/2). Determina-se ainda que a
natureza, direção e forma do aqueduto serão as mais convenientes para o prédio dominante e
as menos onerosas para o prédio serviente (1561/3). Finalmente se a água do aqueduto não
for toda necessária ao seu proprietário, o proprietário do prédio serviente pode, a todo o
tempo, ter parte no excedente, contanto que indemnize e pague, ainda, proporcionalmente, a
despesa feita com a condução até ao ponto em pretende derivá-la (1561/4)

f) servidão de aqueduto para o aproveitamento de águas públicas: só é admitida no caso de


haver concessão da água (1562/1);

g) servidão de escoamento: permite-se a constituição forçada desta servidão, precedendo


indenização do prejuízo nas seguintes situações: 1. quando, por obra do homem, e para fins
agrícolas ou industriais, nasçam águas em algum prédio ou para ele sejam conduzidas de outro
prédio; 2. quando se pretenda dar direção definida a águas que seguiam o seu curso natural; 3.
em relação às águas provenientes de gaivagem, canos falsos, valas, guarda-matos, alorcas ou
qualquer outro modo de enxugo de prédios; 4. quando haja concessão de águas públicas,
relativamente às sobejas (1563/1).
A doutrina observa que nem sempre se pode falar em servidão de escoamento: se as águas
correm, naturalmente e sem obra do homem, de um prédio superior para outro inferior
(1351), haverá uma simples limitação do direito de propriedade que decorre imediatamente da
lei e não um encargo excecional. A servidão de escoa mento pressupõe a realização de obras
que desviem o curso natural das águas ou provoquem a derivação de águas que tenderiam a
ficar estagnadas no prédio dominante.

281. Servidões aparentes e não aparentes

As servidões aparentes e não aparentes distinguem-se por só aquelas se revelarem por obras
ou sinais exteriores que, além de visíveis, devem ser permanentes (1548/2).
A visibilidade destina-se a garantir a não clandestinidade e a permanência da obra ou de sinais
torna seguro que não se trata de ato praticado a título precário, mas dum encargo preciso,
estável e duradouro, próprio duma servidão.

Esta classificação é particularmente importante para efeito de usucapião: só é admissível nas


servidões aparentes (1548/2).

282. Servidões positivas, negativas e desvinculativas

As servidões positivas traduzem-se na permissão de atos sobre o prédio serviente. É paradigma


a servidão de passagem. As servidões negativas impõem uma abstenção ao dono do prédio
serviente. Constitui exemplo a servidão de vistas ou de não edificar (altius non tollendi).

E as servidões desvinculativas libertam o prédio dominante de restrições legais. Serve de


exemplo a proibição de emissão de fumos sobre o prédio alheio (1346). Se o dono do prédio
onde se pretende fazer determinada instalação e o dono do prédio vizinho acordarem em este
tolerar a emissão de fumos para o seu prédio provenientes daquele, estamos parente uma
servidão desvinculativa: o prédio dominante é desvinculado de uma restrição legal.

Capitulo V. Regime jurídico

283. Modo de exercício

Art 1564

Estamos perante um tipo de direito real relativamente aberto: as partes podem fixar o seu
conteúdo, desde que não o descaracterizem, violando o princípio da tipicidade

284. Extensão

O direito de servidão "compreende tudo o que é necessário para o seu uso e conservação"
(1565/1). E "em caso de dúvida quanto à extensão ou modo de exercício, entender-se-á
constituída a servidão por forma a satisfazer as necessidades normais e previsíveis do prédio
dominante com o menor prejuízo para o prédio serviente" (1565/2).

A doutrina observa que a lei se limitou a enunciar um princípio genérico em vez de discriminar
as faculdades ou poderes (adminicula servitutis ou, mas impropriamente, servidões acessórias)
que acompanham o direito principal: v. g., o direito de limpar o aqueduto, de passar no prédio
serviente para fazer as reparações, etc. Estas faculdades devem considerar-se compreendidas
na servidão, salvo se foram excluídas no título.

285. Obras no prédio serviente

O proprietário do prédio dominante pode "fazer obras no prédio serviente, dentro dos poderes
que lhe são conferidos no artigo (1565. °), desde que não torne mais onerosa a servidão"
(1566/1).

E determina-se que “as obras devem ser feitas no tempo e pela forma que sejam mais
convenientes para o proprietário do prédio serviente" (1566/2).

A doutrina observa que não há o dever de indemnizar o incómodo que as obras causem ao
proprietário do prédio serviente, desde que: não modifiquem o conteúdo da servidão; não a
tornem mais onerosa para o dono deste prédio; e desde que a sua execução decorra no tempo
e forma que lhe sejam mais convenientes. Por isso, se os trabalhos causarem menor dano no
intervalo entre a colheita dos frutos e a nova sementeira ou em qualquer outra época do ano, é
nessa altura que a obra deve ser feita desde que não sacrifique o funcionamento normal da
servidão.

286. Encargos das obras O Código contempla várias possibilidades:

a) em regra, as obras devem ser feitas à custa do proprietário de prédio dominante, mas pode
acordar-se diferentemente (1567/1);

b) se forem vários os prédios dominantes, os seus proprietários devem contribuir, na proporção


da parte que obtiverem nas vantagens da servidão, para as despesas e só poderão eximir-se do
encargo renunciando à servidão em proveito dos outros (1567/2);

c)também o proprietário do prédio serviente deve contribuir, se auferir utilidades da servidão


(1568/3);

d)se o proprietário do prédio serviente se obrigou a custear as obras, só pode eximir-se deste
encargo renunciando ao seu direito de propriedade em benefício do proprietário do prédio
dominante, mas a renúncia pode limitar-se à parte do prédio onerada com a servidão (1568/4);

e) se o proprietário do prédio dominante não aceitar a renúncia, nem por isso fica dispensado
de custear as obras (1568/4).

A doutrina observa que a regra consagrada na al. a) corresponde à orientação mais justa e
criteriosa. Todavia, porque não há interesse de ordem pública que a sustente, as partes podem
afastá-la, convencionando outro regime

287. Mudança de servidão

Também aqui há várias possibilidades:

a) o proprietário do prédio serviente "não pode estorvar o uso da servidão" (1568/1);

b), porém, "pode, a todo o tempo, exigir a mudança dela para sítio diferente ao primitivamente
assinado, ou para outro prédio, se a mudança lhe for conveniente e não prejudicar os
interesses do proprietário do prédio dominante, contanto que o faça à sua custa" (1568/2);

c) a servidão pode ser mudada para prédio de terceiro, com o seu consentimento (1568/2);

d)a mudança pode também ser pedida pelo proprietário do prédio dominante se "lhe advierem
vantagens e com ela não for prejudicado o proprietário do prédio serviente" (1568/2);

e) a pedido de qualquer dos proprietários "o modo e o tempo de exercício da servidão serão
igualmente alterados" desde que "se verifiquem os requisitos referidos nos números
anteriores" (1568/3);

f) finalmente, "as faculdades conferidas neste artigo não são renunciáveis nem podem ser
limitadas por negócio jurídico" (1568/4).

A doutrina observa que "não estorva o exercício duma servidão de passagem ou de outro tipo
que confira acessoriamente (como adminiculum servitutis) o direito de ingresso no prédio
onerado, o proprietário serviente que veda o seu prédio, desde que o proprietário dominante
continue a poder entrar nele sem dificuldade e não sejam alterados o lugar e o modo de
exercício da servidão". Também a possibilidade de a servidão ser mudada para prédio de
terceiro constitui uma derrogação do princípio de que as servidões são inseparáveis dos
prédios (1545).

Ainda quanto à mudança da servidão, entende-se que deve mostrar-se conveniente ao dono
do prédio serviente e não deve prejudicar os interesses do proprietário do prédio dominante:
estes devem ser dignos de ponderação e não meros caprichos ou pura comodidade.
E em relação à alteração do tempo e do modo, constitui exemplo de alteração do tempo, a
transferência, v. g., do aproveitamento da água, que se encontra em prédio alheio, de certo dia
da semana para outro dia; e há alteração do modo quando, v. g., se pretende passar com
tratores ou outros veículos automóveis numa servidão de passagem constituída para o trânsito
de veículos de tração animal

Capitulo VI. Extinção

288. Reunião dos dois prédios, dominante e serviente, no domínio da mesma pessoa

Art 1569/1-a

Trata-se duma causa de extinção que confirma o antigo princípio romanista do neminem res
sua servit

289. Não uso

A servidão extingue-se também "pelo não uso durante vinte anos, qualquer que seja o motivo"
(1569/1-b).

Na base desta causa extintiva está "uma atitude hostil contra os direitos reais limitados, que
não estejam a desempenhar uma função socialmente útil, ou a ideia de que "só devem ser
impostos encargos, se existirem necessidades que os justifiquem"; ou ainda "uma presunção
de desnecessidade" e ainda "uma sanção da inércia do (seu) titular".

Convirá referir que ao não uso são inaplicáveis as regras da suspensão e da interrupção da
prescrição. O que fundamentalmente interessa à extinção da servidão é a situação objetiva do
não uso, "independentemente das circunstâncias pessoais que possam estar por detrás dele"

O não uso "conta-se a partir do momento em que as servidões deixaram de ser usadas".
Tratando-se de servidões para cujo exercício não é necessário o facto do homem, "o prazo
corre desde a verificação de algum facto que impeça o seu exercício"

Se as servidões forem exercidas com intervalos de tempo, " prazo corre desde o dia em que
poderiam exercer-se e não foi retomado o seu exercício". E "se o prédio dominante pertencer a
vários proprietários, o uso que um deles fizer da servidão impede a extinção relativamente aos
demais" (1570).

Finalmente, "a impossibilidade de exercer a servidão não importa a sua extinção enquanto não
decorrer o prazo (de vinte anos)" (1571).

Se o exercício for parcial, "a servidão não deixa de considerar-se exercida por inteiro" (1572). E
"o exercício da servidão em época diferente da fixada no título não impede a sua extinção pelo
não uso, sem prejuízo da possibilidade de aquisição de uma nova servidão por usucapião
(1573)

290. Usucapio libertatis


A servidão extingue-se igualmente "pela aquisição, por usucapião, da liberdade do prédio"
(1569/1-c).

Esta hipótese, a que a doutrina chama usucapião libertatis, ocorre quando haja, da parte do
proprietário do prédio serviente, oposição ao exercício da servidão (1574).
Trata-se "grosso modo de uma aquisição, por usucapião, por parte do proprietário, da parte do
conteúdo do seu direito de que estava privado pelo facto da existência da servidão"

291. Renúncia

A renúncia é outra causa de extinção duma servidão (1569/1-d) e “não requer aceitação do
proprietário do prédio serviente" (1569/5).

292. Remição

A remição pode ocorrer com a servidão de aproveitamento de águas para gastos domésticos
(1557) e para fins agrícolas (1558): podem ser remidas judicialmente, mostrando o proprietário
do prédio serviente que pretende fazer da água um aproveitamento justificado. Porém, a
remição não pode ser exigida antes de terem decorrido dez anos sobre a constituição da
servidão (1569).

293. Servidões constituídas pelo usufrutuário

As servidões ativas "não se extinguem pela cessação do usufruto" (1575); as passivas não
podem ultrapassar a duração do usufruto (1460/1).

Na ratio daquele preceito encontra-se o benefício que tais servidões proporcionam ao prédio
dominante.

294. Desnecessidade

O Código dispõe que "as servidões constituídas por usucapião serão inicialmente declaradas
extintas, a requerimento do proprietário do prédio serviente, desde que se mostrem
desnecessárias ao prédio dominante" (1569/2). E determina que "o disposto no número
anterior é aplicável às servidões legais, qualquer que tenha sido o título da sua constituição"; e
"tendo havido indemnização, será esta restituída, no todo ou em parte, conforme as
circunstâncias" (1569/3).

A doutrina observa uma diferença de tratamento das servidões constituídas por usucapião e
das servidões legais em relação às servidões voluntárias: "resultando estas últimas de um
acordo, este deve ser respeitado, acrescendo ainda que será difícil determinar-se quais as
necessidades exatas que se pretenderam satisfazer por essa forma". Por outro lado, a lei
"permite que se criem por acordo servidões que não são estritamente necessárias, de modo
que elas não podem extinguir-se por desnecessidade"

Titulo X. Habitação periódica

Capitulo I. Caracterização

295. Noção

Embora a legislação que criou, alterou e atualmente disciplina o direito real de habitação
periódica não contenha a sua noção, podemos defini-lo como “o direito de usar, por um ou
mais períodos certos, em cada ano, para fins habitacionais, uma unidade de alojamento
integrada num empreendimento turístico, mediante o pagamento de uma prestação periódica
ao proprietário do empreendimento ou a quem o administre"

Na sua génese está um projeto de HENRIQUE MESQUITA, a quem se pode atribuir a sua
paternidade. E como ratio inspiradora encontra-se uma prática social concebida e fomentada
pelas empresas imobiliárias do sector turístico que se desenvolveu nas duas últimas décadas
em vários países da Europa e da América.

A lei chama proprietário ao dono do empreendimento em que se insere o direito real de


habitação periódica e não atribui designação especial ao adquirente deste direito, referindo-o
simplesmente como titular. CARVALHO FERNANDES designa-o utente, por considerar que a
faculdade mais relevante do seu direito é a de uso.

Uma referência se impõe: sempre que não houver outra indicação, os artigos invocados
pertencem ao Decreto-Lei n.º 275/93, de 5 de agosto, alterado pelos Decretos-Leis nos 180/99,
de 22 de maio, c. 22/2002. de 31 de janeiro, 76-A/2006, de 29 de março, 116/2008, de 4 de
julho e 37/2011, de 10 de março, que o republica.

296. Objeto

Nos termos do art. 1. °, "sobre as unidades de alojamento integradas em hotéis-apartamentos,


aldeamentos turísticos e apartamentos turísticos podem constituir-se direitos reais de
habitação periódica limitados a um período certo de tempo em cada ano.

Depois, o art. 4. ° determina as condições que se devem observar na exploração de um


empreendimento sujeito ao regime do direito de habitação periódica. Transcrevemos as suas
alíneas, onde se requer que:

a)"as unidades de alojamento, além de serem independentes, sejam distintas e isoladas entre
si, com saída própria para uma parte comum do empreendimento ou para a via pública";

b)"sobre pelo menos 30% das unidades de alojamento afetas à exploração turística, não sejam
constituídos direitos reais de habitação periódica...";

c) “o empreendimento turístico onde se situem as unidades de alojamento sujeitas ao regime


de direitos reais de habitação periódica deve abranger a totalidade de um ou mais imóveis,
exceto no caso dos hotéis-apartamentos e dos apartamentos turísticos, em que apenas têm de
ocupar a maioria das unidades de alojamento de um ou mais edifícios, no mínimo de 10, que
formem um conjunto urbanístico coerente";

d)"as unidades de alojamento dos hotéis-apartamentos e dos apartamentos turísticos devem


ser contíguas e funcionalmente independentes";

e) “as unidades de alojamento referidas na alínea c) devem ter um único proprietário e,


quando o prédio estiver submetido ao regime da propriedade horizontal, o respetivo título
constitutivo deve garantir a utilização das instalações e equipamentos de uso comum por parte
dos titulares de direitos reais de habitação periódica";

f) “o proprietário das unidades de alojamento referidas na alínea c) pode ser um


estabelecimento individual de responsabilidade limitada, uma cooperativa ou uma sociedade
comercial";

g) “quando exista cessão de exploração do empreendimento turístico, haja um único


cessionário que preencha os requisitos previstos na alínea anterior"
Em conclusão, dir-se-á, com CARVALHO FERNANDES, que o direito real de habitação periódica
"tem necessariamente por objeto uma unidade habitacional autónoma, integrada num dos
empreendimentos enumerados no art. 1. °: hotéis-apartamentos, aldeamentos turísticos e
apartamentos turísticos". E observa-se que os seus requisitos ora o aproximam da propriedade
horizontal (há unidades de alojamento independentes, distintas e isoladas entre si, com saída
própria para parte comum do edifício ou do empreendimento ou para a via pública) ora o
afastam (v. g., o edifício pode ter apenas uma unidade habitacional, pois o elemento essencial
daquele direito é o fracionamento do tempo de utilização)

297. Duração

Sensível às críticas dirigidas ao art. 1. do Decreto-Lei n.º 355/81 e à nova redação dada pelo
Decreto-Lei n.º 368/83, de 4 de outubro, que estabeleceu a duração semanal do direito de
habitação periódica, o art. 3. ° determina que:

1. na falta de indicação em contrário, este direito é perpétuo, embora possa ser fixado um
limite de duração não inferior a 1 ano, a contar da data da sua constituição ou da data da
respetiva abertura ao público, quando o empreendimento estiver ainda em construção;

2. a sua utilização é limitada a um período de tempo determinado ou determinável em cada


ano.

E determina ainda que:

3. todos os períodos de tempo devem ter a mesma duração, sem prejuízo do disposto no
número anterior;

4. o último período de tempo de cada ano pode terminar no ano civil subsequente ao do seu
início;

5. o proprietário de cada unidade de alojamento deve reservar, para reparações, conservação e


limpeza e outros fins comuns ao empreendimento, um período de tempo de 7 dias seguidos
por ano.

Em conclusão, o direito de habitação periódica pode ser perpétuo ou temporário, embora,


neste caso, a sua duração não possa ser inferior a 1 ano. E o seu exercício é limitado a um
período de tempo determinado ou determinável em cada ano

Observando estas disposições, a doutrina nota que "não é o direito que é periódico, mas a
habitação: o direito permanece, embora latente; o seu exercício efetivo (o uso de morada) é
que tem uma duração temporal limitada em cada ano civil"

298. Natureza jurídica

A doutrina observa que o direito real de habitação periódica apresenta notórias afinidades com
outros direitos reais.

Assim, com o usufruto e o direito de habitação, embora se afaste porque, não se constituindo
intuitu personae, é livremente transmissível quer por ato inter vivos quer por sucessão mortis
causa. Pode também revestir natureza perpétua, ainda que "abranja, em função do carácter
sazonal das necessidades de lazer e de recreio, um período certo de tempo em cada ano"

São igualmente vários os pontos de contacto com a propriedade horizontal: os utentes têm
poderes sobre as partes comuns do empreendimento turístico em que as unidades se
integram; e há uma assembleia de utentes com funções específicas em que participam os
utentes. Porém, há aspetos importantes que afastam os direitos reais de habitação periódica
da propriedade horizontal: v. g., o direito real de habitação periódica recai sobre coisa alheia;
há uma parte do empreendimento sobre a qual não se podem constituir aqueles direitos; e o
empreendimento tem um proprietário com funções específicas

Por isso, a doutrina considera que estamos perante um direito real de gozo sobre coisa alheia,
de natureza perpétua ou temporária, facilmente negociável

Capitulo II. Constituição. Modificação. Transmissão

299. Constituição

A lei determina que o direito real de habitação periódica é constituído por escritura pública ou
documento particular autenticado (art 6/1) que é instruído com cópia da certidão referida no
n.º 3 do artigo anterior (art 6/2).

Importa seguir as seguintes fases:

1. o proprietário das unidades de alojamento interessado na constituição do direito real de


habitação periódica deve apresentar, por via informática, ao Turismo de Portugal, I. P., a
declaração de comunicação prévia, acompanhada dos elementos referidos no art. 5., n.º 2;

2. a o ato de constituição é instruído com cópia da certidão referida no art. 5. °, n.º 3 (2236);

3.ª o ato de constituição do direito real de habitação periódica terá, como parte integrante, o
conteúdo desta certidão;

4. o título de constituição deve ser inscrito no registo predial

A doutrina observa que "a escritura pública (ou o documento particular autenticado) é, em
parte, uma declaração informativa (sobre a classificação do imóvel ou conjunto e a composição
de um e outro) e também, noutra parte, um negócio constitutivo unilateral de divisão do uso
do imóvel em parcelas habitacionais que passam a revestir, cada uma de per si, a natureza de
um verdadeiro direito; portanto, os direitos de habitação periódica ficam constituídos por mero
efeito da escritura. Todavia, a alienação ulterior destes direitos é um evento que desencadeia a
aplicação das normas instituídas pelo Decreto-Lei n.º 275193, de 5 de agosto, alterado pelos
Decretos-Leis n.ºs 180199, de 22 de maio, 22/2002, de 31 de Janeiro (e 37/2011, de 10 de
Março), que pressupõem necessariamente uma dualidade de sujeitos: o proprietário do imóvel
ou do conjunto de imóveis, por um lado, e o titular do direito de habitação periódica, por
outro"

300. Modificação

A lei determina que o título de constituição do direito real de habitação periódica pode ser
modificado por escritura pública ou documento particular autenticado, havendo acordo dos
titulares cuja posição seja afetada (art 7/1). Em caso de recusa injustificada, a aprovação da
modificação pode ser judicialmente suprida (art 7/2). E exige que o projeto, devidamente
instruído nos termos do art. 5., n.º 2, seja apresentado à Turismo de Portugal, I. P., que emitirá
uma certidão (art 5 e 6).

Trata-se duma exigência consequente com o formalismo imposto na constituição do direito real
de habitação periódica.
301. Transmissão

A lei determina, para cada direito real de habitação periódica, a emissão, pela Conservatória do
Registo Predial competente, de um certificado predial que titule o direito e legitime a sua
transmissão ou oneração (art 10).

Este certificado, cujos requisitos estão legalmente fixados (art 11), é utilizado na oneração ou
transmissão por ato inter vivos dos direi tos reais de habitação periódica: as partes devem aí
declarar esse ato, com reconhecimento presencial das assinaturas do constituinte do ónus ou
do alienante; e está sujeito a registo (art 12/1).

Tratando-se de transmissão onerosa, deve ser indicado o seu valor. E, se for mortis causa, deve
ser igualmente inscrita no certificado predial (art 11/2 e 3).

O certificado predial, que corresponde à caderneta predial do proprietário do imóvel, satisfaz


uma dupla função: documenta o direito do portador e facilita a sua transmissão ou oneração
mais expedita, sem subordinação ao formalismo clássico da escritura pública. E não prejudica a
segurança do comércio, porque a alienação ou oneração do direito não produz efeitos em
relação a terceiros enquanto não for inscrita no registo predial

A lei dispõe que "a transmissão de direitos reais de habitação periódica implica a cessão dos
direitos e obrigações do respetivo titular em face do proprietário do empreendimento ou do
cessionário da exploração, sem necessidade de concordância deste, considerando-se não
escritas quaisquer cláusulas em contrário" (12/4)

Esta disposição justifica-se por não se tratar dum direito constituído intuitu personae e se
pretender estimular os investimentos afetados a fins turísticos

Finalmente, prevê-se a realização de contratos-promessa de transmissão de direitos reais de


habitação periódica, devendo observar-se alguns requisitos (17 e 18). E consagra-se o direito
de o promitente-adquirente pedir a sua resolução no prazo de 14 dias seguidos, a contar da
data da celebração do contrato de transmissão do direito real de habitação periódica, da data
em que lhe é entregue o contrato de transmissão ou da data da entrega do formulário de
resolução, consoante a que for posterior. Todavia, o direito de resolução caduca no prazo de 14
dias seguidos ou de 94 dias seguidos, respetivamente, se o vendedor não preencher e fornecer
ao adquirente o formulário de resolução do contrato ou se o contrato não contiver os
elementos referidos no art. 111. ° n.º 2. O legislador consagrou uma prática corrente e os
requisitos rigorosos que estabeleceu destinam-se a evitar fraudes

Capitulo III Regime Jurídico

302. Direitos e obrigações do utente

O titular do direito real de habitação periódica goza da faculdade de (21/1):

1. habitar a unidade de alojamento pelo período a que respeita o seu direito;

2. usar as instalações e equipamentos de uso comum do empreendimento e beneficiar dos


serviços prestados pelo titular do empreendimento;

3. exigir, em caso de impossibilidade de utilização da unidade de alojamento devida a situações


de força maior ou caso fortuito motivado por circunstâncias anormais e imprevisíveis, cujas
consequências não poderiam ter sido evitadas, que o proprietário ou cessionário lhe faculte
alojamento alternativo num empreendimento sujeito ao regime do direito real de habitação
periódica, de categoria idêntica ou superior, num local próximo do empreendimento objeto do
contrato;

4. ceder o exercício das suas faculdades.

Por sua vez, deve:

1. agir, no exercício do seu direito, como um bom pai de família (21/2);

2. não utilizar a unidade de alojamento e as partes de uso comum para fins diferentes dos
previstos (21/2);

3. não praticar atos proibidos pelo título constitutivo ou pelo regulamento do empreendimento
(21/2);

4. comunicar, por escrito, a cedência do exercício das suas faculdades ao responsável pela
gestão do empreendimento (21/2);

5. pagar anualmente, ao proprietário das unidades de alojamento, a prestação pecuniária


indicada no título constitutivo (21/3).

Esta prestação periódica destina-se a compensar aquele proprietário das despesas com os
serviços de utilização e exploração turística, contribuições e impostos e quaisquer outras
previstas no título constitutivo e a remunerar a sua gestão (22/2). O seu valor pode variar
consoante a época do ano a que o direito real de habitação periódica se reporta, mas deve ser
proporcional à fruição do empreendimento (2259). E a percentagem da prestação destinada a
remunerar a gestão não pode ultrapassar 20% do valor total (2260).

O crédito por prestações ou indemnizações devidas pelo utente e respetivos juros moratórios
goza do privilégio creditório imobiliário (sobre o correspondente direito real de habitação
periódica), graduável após os mencionados nos arts. 746. e 748. ° do Código Civil e os previstos
em legislação especial em vigor em 22 de maio de 1999, data do Decreto-Lei n.º 180/99 (23/1).

É atribuído ao contrato ou à certidão do registo predial e às atas da assembleia força executiva


(23/2). O proprietário das unidades de alojamento pode opor-se ao exercício do direito do
utente em falta, até dois meses antes do início do período correspondente (23/3). E pode,
neste caso, afetar a unidade de alojamento à exploração turística durante aquele período,
considerando-se integralmente liquidada a prestação periódica devida (23/4).

A prestação pode ser alterada por proposta da entidade encarregada da auditoria das contas
do empreendimento, sempre que se revele excessiva ou insuficiente relativamente às despesas
e retribuição da gestão. Porém, a alteração deve ser aprovada por maioria dos votos dos
titulares presentes em assembleia convocada para o efeito (24/1).

6.permitir o acesso do proprietário do empreendimento a sua unidade de alojamento para


proceder a sua conservação e limpeza.

7. pagar as reparações decorrentes de deteriorações que lhe sejam imputáveis ou a quem


cedeu o uso do seu direito e não resultem do seu exercício normal (27/2).

303. Direitos e obrigações do proprietário

O proprietário goza da faculdade de:


1. ceder a exploração do empreendimento a outra entidade que, todavia, deve ser do tipo das
que podem assumir a qualidade de proprietário (4/1-g);

2. receber, de cada utente, a respetiva prestação periódica pecuniária (22);

3. fazer inovações, nas unidades de alojamento, autorizadas pelos utentes em assembleia geral
(28).

E, quanto às obrigações, destacamos a de:

1. não constituir outros direitos reais sobre as mesmas unidades de alojamento (2/1);

2. entregar gratuitamente, a qualquer pessoa que o solicite, um documento informativo que,


de forma clara e precisa, descreva o empreendimento turístico e os direitos e obrigações
decorrentes do contrato (9/1);

3. prestar caução que garanta: a possibilidade do início do gozo do direito pelo adquirente na
data prevista no contrato (15-a); a expurgação de hipotecas ou outros ónus oponíveis ao
adquirente do direito (15-b); a devolução da totalidade das quantias entregues pelo adquirente
por conta da aquisição desse direito, atualizada de acordo com o índice anual dos preços do
consumidor, no caso de o empreendimento turístico não abrir ao público (15-c); e a devolução
da totalidade das quantias entregues pelo adquirente, se exercer o direito à resolução do
contrato nos termos do art. 16., n 3 e 4 (15-d).

4. administrar e conservar as unidades de alojamento (incluindo equipamento e recheio) e as


instalações e equipamento de uso comum do empreendimento (25/1);

5. manter as unidades de alojamento em estado de conservação e limpeza compatível com os


fins a que se destinam e com a classificação do empreendimento (26/1);

6. fazer as reparações indispensáveis ao exercício normal do direito do utente, em momento e


condições que minimizem o sacrifício desse direito (27/1);

7. fazer as obras que constituam inovações nas unidades de alojamento, com o consentimento
dos titulares a prestar em assembleia geral (28);

8. pagar as contribuições, taxas, impostos e quaisquer outros encargos anuais que incidam
sobre a propriedade (29);

9. afetar à constituição de um fundo de reserva uma percentagem não inferior a 4% do valor


total das prestações periódica pagas pelos utentes (2282);

10. prestar caução de boa administração e conservação do empreendimento a favor dos


utentes (31/1);

11. prestar anualmente contas da utilização das prestações periódicas pagas pelos utentes e
das dotações do fundo de reserva e elaborar relatório de gestão (32/1);

12. elaborar um programa de administração e conservação, para o ano seguinte, da parte


sujeita ao regime de direito real de habitação periódica (33/1).

304. Assembleia de utentes

Os titulares de direitos reais de habitação periódica do mesmo empreendimento turístico


reúnem-se em assembleia geral (34/1) com funções específicas, como: eleger o presidente;
pronunciar-se sobre o relatório de gestão e contas; apreciar o programa de administração e
conservação do empreendimento; eleger o revisor oficial de contas; aprovar a alteração da
prestação periódica; e deliberar sobre outros assuntos de interesse dos utentes (34/1),
incluindo a destituição da administração do empreendimento (34/2).

CAPÍTULO IV EXTINÇÃO

305. Extinção

Além das causas comuns à generalidade dos direitos reais o direito real de habitação periódica
extingue-se também por resolução.

Com efeito, o seu titular pode resolver o contrato de aquisição sem indicar o motivo e sem
quaisquer encargos, no prazo de 14 dias seguidos a contar da data da celebração do contrato
de transmissão do direito real de habitação periódica ou da data em que lhe é entregue o
contrato de transmissão ou da data da entrega do formulário de resolução, consoante a que for
posterior (16/1).

A declaração de resolução deve ser comunicada ao vendedor em papel ou noutro suporte


duradouro e com aviso de receção e enviada até ao termo daquele prazo (16/2). O direito de
resolução caduca no prazo de 14 dias seguidos ou de 94 dias seguidos, respetivamente, se o
vendedor não preencher e fornecer ao adquirente o formulário de resolução do contrato ou se
este não contiver os elementos referidos no art. 11. °, n.º 2 (16/3).

Resolvido o contrato, o vendedor deve restituir ao adquirente as quantias recebidas até à data
da sua resolução (16/4).

Merece ainda uma referência especial a renúncia (abdicativa): é uma declaração unilateral feita
no certificado predial, devendo a assinatura do renunciante ser reconhecida presencialmente
(42/1). Deve ser notificada ao proprietário do empreendimento e à Turismo de Portugal, I. P. e
registada nos termos gerais (42/2); e produz efeitos seis meses após estas notificações (42/3).
Trata-se de um regime que beneficia o proprietário, possibilitando-lhe nova alienação do
direito renunciado

Note-se que a renúncia não afasta a resolução cujo regime é mais favorável ao adquirente:
além de não suportar quaisquer encargos por causa da resolução, resolvido o contrato tem
direito à restituição, pelo alienante, das quantias recebidas até à data da resolução.

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