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Lição nº 1 e 2
Tema: Introdução
Sumário: Noção
Terminologia
Fontes
Características

1. NOÇÃO

Direito real é o poder directo e imediato sobre uma coisa que a ordem jurídica atribui a

uma pessoa para satisfazer interesses jurídico-privados nos termos e limites legalmente
fixados.

De direitos reais pode falar-se numa acepção objectiva e numa acepção subjectiva. Na

primeira fala-se dos Direitos Reais como a disciplina material das coisas corpóreas, um

ramo de Direito subjectivo. Já na segunda, toma-se em consideração a posição subjectiva

de uma pessoa relativamente a uma coisa corpórea (a propriedade, o usufruto, a servidão

predial, etc.). Não está em causa o conjunto de normas unificado num ramo de Direito,

mas sim, as situações jurídicas reais, particularmente, os direitos subjectivos reais.

Assim, quando se diz que o direito real é um direito absoluto ou um direito inerente a

uma coisa, a expressão direito real vem utilizada numa acepção subjectiva, de posição

jurídica que cabe a alguém relativamente a uma coisa (corpórea), embora se possa fazer

menção em abstracto. Ao contrário, a afirmação, segundo a qual, Direitos reais constitui

um ramo do Direito privado, reporta-se à acepção objectiva da expressão, a Direitos Reais

enquanto ramo do Direito.

Contudo, os jurisconsultos romanos nunca definiram um conceito de direito real, assim


como nunca elaboraram uma noção de direito subjectivo 1. Dizemos direitos reais, pois o
objecto são as res, “coisas”.

1
Alguns autores modernos cuidam de explicar isso dizendo que os juristas romanos apenas consideraram como
instituições jurídicas as personae, as res e as actiones, enquanto os outros autores pretendem que esta asserção está
longe de se confirmar seguramente nas fontes.

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2. TERMINOLOGIA

Na terminologia dos interprétes da Idade Média, dizia-se iura in re (direitos sobre as

coisas). Por conseguinte, na locução direitos reais, este adjectivo “reais” deriva de res, e

não de rex (rei). Porque o direito real é aquele que recai imediatamente sobre a coisa, e é

oponível a todos, nomeadamente, a quem detenha a coisa.

Ao lado da denominação direito real, pode usar-se, em sinonímia, a expressação direito

das coisas2. Apesar destas observações, usaremos indiferentemente de direitos reais ou de

direito das coisas.

3. FONTES

O direito das coisas é um ramo do direito privado, em particular do Direito Civil

patrimonial. As suas normas encontram-se fundamentalmente, mas não exclusivamente,

no livro III do Código Civil (do artigo 1251.º ao artigo 1575.º). De fora deste livro, estão os

direitos reais de garantia (consignação de rendimentos, penhor, hipoteca, privilégios

cretiditórios especiais e o direito de retenção) que se encontram no livro II, Direito das

Obrigações (do artigo 656.º ao artigo 761.º).

Os direitos reais de aquisição encontram-se dispersos no Código Civil: contrato-promessa

e o pacto de preferência ambos com eficácia real no livro II (artigo 413.º e 421.º); o direito

de preferência do comproprietário e do dominus soli na venda ou dação em cumprimento

do direito de superfície, no livro III.

Existem outras matérias do direito das coisas que estão regulamentadas fora do Código
Civil. Assim, podemos encontrar os registos: Código do Registo Predial e legislação que se
ocupa do registo das coisas móveis (registáveis) e no registo comercial, o Código do
Notariado e as Normas Constitucionais.

2
A segunda se aplica, com maior propriedade, ao estatuto das coisas, normas que contêm a definição e classificação
de coisas.

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4. CARACTERÍSTICAS

A doutrina tem vindo a apontar as seguintes características dos direitos reais:

4.1. Eficácia absoluta

Os direitos reais são direitos de exclusão e a sua eficácia é erga omnes, no sentido de que

podem ser feitos valer potencialmente contra qualquer um; o proprietário só tem de

demonstrar a sua propriedade.

É manifesto que, quer seja visto por um prisma estrutural, quer por um prisma de

oponibilidade, o direito real tem carácter absoluto, na medida em que não se estrutura

com base em qualquer relação jurídica, e por isso pode ser oposto erga omnes.

Como consequência do carácter absoluto do direito real resulta o facto de existir um dever

genérico de respeito desse direito por parte dos outros sujeitos, aos quais o titular do

direito pode sempre opor eficazmente o seu direito. Isto significa dizer que, os direitos

reais abstraem de qualquer relação, atribuindo ao titular um domínio reservado de

actuação, que todos os outros sujeitos têm de respeitar.

É neste sentido que se exprime que os direitos reais têm carácter absoluto, na medida

em que são oponíveis a qualquer pessoa que se pretenda ingerir no domínio reservado

ao seu titular.

 Nos direitos reais de gozo, a oponibilidade erga omnes resulta das acções reais,
como a acção de reivindicação, artigos 1311.º a 1315.º do CC, que podem ser
utilizadas para defesa do direito, independentemente da demonstração da
irregularidade da aquisição por parte do possuidor ou detentor da coisa.

 Nos direitos reais de garantia, a oponibilidade consiste na faculdade de satisfação


do crédito a partir dos rendimentos da coisa (consignação de rendimentos) ou do
produto da sua venda (restantes direitos de garantia) contra quem não tenha direito
preferente, artigo 604.º do CC.

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 Nos direitos reais de aquisição, como a promessa real ou as preferências reais, o

carácter absoluto resulta de a aquisição poder ser desencadeada

independentemente do actual titular do bem, artigo 410.º e seguintes do CC.

Esta característica é uma das razões determinantes do Princípio da tipicidade ou numerus

clausus, artigo 1306.º do CC, e dela deduzem-se outras, como a Sequela e a Prevalência.

4.2. Sequela

Também conhecida como direito de perseguição e direito de seguimento. A sequela

significa que o direito persegue a coisa, onde quer que ela se encontre, mesmo que tenha

sido transmitida para outra pessoa.

A sequela é a manifestação dinâmica da inerência, significando que o titular pode ir buscar

a coisa, independentemente de qual o seu actual possuidor ou detentor, mesmo que ela

venha a ser objecto de uma cadeia de transmissões.

Assim, quer a acção de reivindicação nos direitos reais de gozo, quer a execução nos

direitos reais de garantia, quer a aquisição nos direitos reais de aquisição, são sempre

possíveis, independentemente da quantidade de vezes que o bem tenha sido

transmitido para terceiro de boa fé. Pelo contrário, nos direitos de crédito, o credor não

pode atingir a coisa, a partir do momento em que ela sai do património do devedor.

A sequela é característica de todos direitos reais, e apenas destes. Haverá Sequela sempre

que o titular use de meios jurídicos para utilizar a coisa. Verificamos a Sequela na acção de

reivindicação que permite ao titular de um direito real de gozo3 obter o reconhecimento do

seu direito e a restituição do que lhe pertence, artigo 1311.º do CC, e pode manifestar-se

também através da acção confessória que constitui uma acção declarativa de simples

3
Os direitos reais de gozo conferem ao seu titular o poder ou faculdade de utilizar, total ou parcialmente, a coisa que
têm por objecto e, por vezes, também de se apropriar (total ou parcialmente) dos frutos produzidos.

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apreciação, artigo 4.º, n.º 2, al. a) do CPC. Em outros casos, podemos verificar a sequela da

seguinte forma:

1. Hipoteca, a sequela traduz-se na possibilidade de o credor hipotecário fazer vender

a coisa, quer continue a pertencer ao proprietário que a constitui, quer venha a

pertencer a um terceiro;

2. Direito real de aquisição, a sequela consiste na possibilidade de o seu titular

adquirir a coisa alienada por quem, num contrato-promessa com eficácia real,

artigo 413.º do CC, num pacto de preferência com eficácia real, artigo 421.º do CC

ou por força da lei, artigo 1380.º do CC, esteja vinculado a dar preferência e não

cumpre a sua obrigação.

Podemos encontrar algumas excepções:

a) A alienação de imóvel precedida de negócio jurídico cujo vício justifica que seja

declarada a sua invalidade. Declarado nulo ou anulado esse negócio, os direitos

adquiridos por terceiro, de boa-fé e a título oneroso, sobre os mesmos bens não são

prejudicados, desde que: artigo 291.º, n.º 2 e 291.º, n.º 1 do CC. 4

b) A prioridade do registo, a sequela também não existe quando a lei faz depender do

registo a eficácia do direito em relação a terceiros que adquiram um direito real

total ou parcialmente incompatível, artigo 8.º e 9.º do Código do Registo Predial.

4.3. Prevalência

A prevalência significa que o direito real que primeiro se constituir prevalece sobre todos

os direitos reais de constituição ou registo posterior, bem como sobre todos os direitos de

crédito que se venham a constituir.

4
Esta solução traduz um compromisso entre os interesses que justificam a invalidade do negócio e os legítimos
interesses de terceiros e do tráfico.

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Consiste na prioridade dos direitos reais sobre os direitos de crédito e sobre os direitos

reais constituído posteriormente quando total ou parcialmente incompatíveis com o

anterior: prior in tempore, potior in iure, artigo 407.º do CC.

Se a prevalência é característica dos direitos reais, pelo menos os de garantia, não é

exclusiva destes direitos, também se encontra em alguns direitos de crédito:

1. O privilégio mobilário geral: não incidindo sobre coisa certa e determinada, mas

sobre o património do devedor, não se trata de um direito real, mas de crédito,

artigo 735.º, n.º 2 do CC, confere ao seu titular a prevalência sobre os credores

comuns do devedor, artigo 733.º do CC. Se o seu titular for o Estado ou Autarquia

Local para garantia de créditos resultantes de determinados impostos, esse

privilégio atribui ao credor a preferência mesmo sobre privilégios mobiliários

especiais que são direitos reais, artigo 736.º, 747.º, n.º 1, al. a) do CC.

2. A concessão a diferentes pessoas, por contratos sucessivos, de direitos pessoais de

gozo incompatíveis: prevalece o direito mais antigo, sem prejuízo das regras

próprias do registo, artigo 407.º do CC.

A prevalência tem algumas excepções:

1. Prioridade do registo: se a lei atribuir eficácia ao registo perante terceiros, o

primeiro adquirente, que não registou a sua aquisição, não prefere sobre o segundo

adquirente que tenha registado o seu direito, artigo 8.º e 9.º do Código do Registo

Predial.

2. Os privilégios creditórios imobiliários: preferem sobre a consignação de

rendimentos, a hipoteca e o direito de retenção anteriormente constituídos, artigo

751.º do CC. Não há excepção à prevalência nos privilégios creditórios mobiliários

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especiais: não preferem sobre um direito real de garantia anteriormente constituído,

artigo 750.º do CC.

4.4. Inerência

Traduz a ligação íntima dos direitos reais às coisas que constituem os seus objectos e pelas

quais passa a satisfação das necessidades dos seus titulares. Não é juridicamente possível

transferir o mesmo direito real de uma coisa para outra.

Verifica-se nas possibilidades, conferidas ao proprietário, de reinvidicar a coisa das mãos

de qualquer terceiro, artigo 1311.º, n.º 1 do CC, ao credor hipotecário de se pagar pelo

valor de certos imóveis, artigo 686.º do CC, ou ao titular de promessa real, de adquirir a

coisa onde ela estiver, artigo 413.º. esssa ligação é expressa pela ideia de inerência.

A inerência não se confunde com imediação nem com o poder directo: nos direitos de

garantia, ao credor interessa que o seu crédito seja pago com o valor da coisa e, nos

direitos reais de aquisição, o seu titular tem interesse em adquirir o direito sobre a coisa de

cuja preferência goza.

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