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Direito das Coisas I 2022/2023

Direito das Coisas I – Aulas Práticas

Aula dia 16/03/2023

CASO PRÁTICO 1
1. O senhor A é proprietário do prédio rústico X, localizado na Lousã. Celebrou
com a sociedade de ... do Centro (AEC), um contrato, nos termos do qual, a
esta associação se concedia, pelo prazo de 30 anos, um “direito de usufruto”
sobre tal imóvel, para que os associados aí pudessem desenvolver as suas
atividades de observação e coleta de insetos.
Mais acordaram as partes que a AEC pagaria ao proprietário uma prestação anula, no
valor de 5.000€ e que, em caso algum, poderiam ser colhidos os frutos produzidos
pelas árvores ou permitir o acesso de qualquer outra pessoa, singular ou coletiva, ao
imóvel.
Há 3 meses, A vendeu o prédio X a C e este, agora, impede os membros da ACE de
nele entrarem. D, presidente da associação, consulta-o, para saber se pode reagir
contra esta situação. O que lhe responderia?
Foi constituído um direito de usufruto, para fazerem observação e coleta de insetos.
Entretanto, A vendeu o prédio a C e este não permite que os associados entrem no
imóvel. Logo, existe, aqui, um conflito.
Qual é a primeira coisa a fazer perante um conflito, n que diz respeito ao acesso e
utilização de uma coisa? Temos que qualificar os direitos para descobrir qual a
natureza jurídica do direito, pela qual descobrimos como resolver o conflito. Isto
porque os direitos reais gozam de eficácia absoluto, impõe a terceiros um dever geral
de abstenção. Ora, tendo em conta esta eficácia absoluta, conseguimos o critério de
coordenação e compatibilização dos direitos.
Dizemos, por hipótese, que, se tivéssemos aqui dois direitos reais, ambos com eficácia
absoluta, então, quando C recebe o direito de propriedade, está obrigado a um dever
geral de abstenção em relação ao direito real concedido. Ou seja, a coisa já está
onerada por um direito real anterior, o que significa que C está obrigado a respeitar o
direito real constituído a favor da associação – regra da prevalência, segundo a
doutrina clássica (da eficácia absoluta decorre a prevalência, logo, num conflito entre
diretos reais, vence sempre o primeiramente constituído e num conflito entre direito
real e direito de crédito, vence sempre o primeiro). Segundo a nossa posição, não faz
sentido autonomizarmos a prevalência, porque entendemos que a eficácia absoluta já
resolve este problema.
Guardamos a regra da preferência para os direitos reais de garantia (?).

Em relação ao caso prático, o direito de usufruto da associação é um direito real (de


gozo), dotado de eficácia absoluta. Temos que subsumir o direito concedido à
associação, aos vários tipos que encontramos na lei. O prédio pode ser usado, na

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Direito das Coisas I 2022/2023

condição de serem pagos os 5.000€ por ano, não podem entrar pessoas não
autorizadas. Esta situação é compatível com algum dos direitos reais? Não é porque as
partes lhe chamaram de “direito de usufruto”, que este o seja, verdadeiramente.
Então, olhamos para o art.1439ºCC, do qual consta a noção de direito de usufruto e
entendemos que, no caso em questão, não está em causa um verdadeiro direito de
usufruto, visto que os frutos não podem ser colhidos, o que significa que o titular deste
direito não tem, pelo menos, a fruição natural. Na noção de direito de usufruto, o
legislador diz-nos que este pressupõe a fruição temporária, mas plena, da coisa.
Além disso, a fruição não é apenas uma faculdade natural, pode ser civil (ex:
arrendamento). Neste contrato, nenhuma outra pessoa singular ou coletiva pode
entrar no imóvel, pelo que não, aqui, nem fruição natural e nem civil.
Ainda, relativamente à prestação anual, as partes tentam introduzir uma obrigação
real, no estatuto do direito real, estando a alterar, usando a liberdade contratual, a
conformação do conteúdo do direito. mas eles podem fazê-lo, porque o legislador o
permite. Caso não haja autorização do legislador, as partes não podem alterar a
conformação do conteúdo do direito.
Portanto, chegamos à conclusão de que este direito constituído a favor da associação
não é um direito de usufruto. Não havendo, no usufruto, nenhuma norma, que
autorize as partes a alterar o conteúdo do direito, tornando-o oneroso, então, mesmo
que estivesse em causa um direito de usufruto, esta estipulação contratual não
poderia ter efeito real, porque se estaria a constituir uma obrigação real atípica (o que
viola o princípio da taxatividade). Seria nulo por violação do princípio da taxatividade?
Não, pois, segundo o art.1306º/1, 1º parte, o legislador salva o negócio e diz que este
terá efeitos obrigacionais, através de uma presunção – presume que as partes teriam
querido que o negócio produzisse efeitos obrigacionais, caso tivessem previsto que
não produzisse efeitos reais.
Qual é o dano? Teríamos um direito de usufruto, ao qual teria sido acrescentada uma
obrigação real atípica. O que fazemos nesta situação é salvar o direito real (de
usufruto) e consideramos que a obrigação real atípica tem apenas efeitos
obrigacionais. Isto não quer dizer que a associação, se fosse titular de um direito de
usufruto, deixasse de ficar obrigada ao pagamento. Teríamos que construir uma
relação complexa.
Isto é muito importante por causa da transmissão do direito real. O direito de usufruto
é um direito transmissível. Enquanto o usufrutuário originário for vivo, podem existir
várias transmissões.

Desta forma, quando a AEC transmitisse o direito de usufruto a C, não se transmitia a


obrigação do pagamento dos 5.000€, visto que este tem apenas efeitos obrigacionais.

Já chegamos à conclusão de que o direito em causa não é um direito de usufruto. No


CC o direito que vem a seguir é o direito de uso – art.1484º. Este é um direito de se
servir de certa coisa alheia e de receber os respetivos frutos, na medida das
necessidades do titular e da sua família. Este também não é o direito em causa nesta
situação. Também não temos em causa o direito de habitação.
A seguir vem o direito de superfície, que tem várias modalidades – mas também não é
o que está em causa.

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A seguir temos as servidões reais. Uma servidão – art.1543º - é um encargo posto num
prédio, a favor de outro prédio, pertencente a dono diferente. Também não é o que
está em causa, embora houvesse aqui o encargo da entrada das pessoas (mas este não
é feito em benefício de outro prédio).
No CC não temos mais direitos de gozo, mas sabemos que existem mais dois: direito
real de habitação periódica (time-sharing) e direito real de habitação duradoura. Não
estão em causa, aqui, também.

Em conclusão, se o direito constituído a favor da associação não pode subsumir-se em


nenhum dos tipos legais, ele não é nenhum direito real. Se as partes tivessem intenção
de constituir um direito real, como parece que tiveram, pelo nome que lhe deram, a
vontade da associação era de ser titular de um direito real. Mas, se não é direito real, é
um direito de natureza obrigacional, como o legislador nos indicam no art.1306º/1CC.
Este negócio tem, apenas, eficácia inter partes, logo, é imponível a C, novo
proprietário.

Mas isto não significa que a associação não possa reagir. O que ela pode fazer é pedir
uma indemnização a A, porque este se colocou numa situação de incumprimento –
regime da responsabilidade civil (contratual).

NOTA: Nós aqui falamos da conjugação entre direitos reais e, para isso, é preciso falar
de um instituto muito importante que é o registo predial.

 Existe um caso muito semelhante a este, mas que é diferente. O caso é como
este: A é proprietário de um prédio, no qual estão plantadas macieiras e ele
vendeu a B, todas as maçãs que o prédio produzisse até ao final do ano.
Entretanto, A vendeu o prédio a C. Quando B se preparava para colher as
maçãs, C impede-o. B diz que comprou as maçãs, antes de C ter adquirido o
direito de propriedade. Como resolvemos isto?
O que aqui se passa, é que quando A e B celebraram a compra e venda das
maçãs, haveria a transmissão da propriedade, a obrigação de entrega e a
obrigação de pagamento do preço – art.879ºCC. Este artigo diz-nos que, no
direito português, o mesmo negócio jurídico pode produzir efeitos reais e
obrigacionais, basta o encontro de vontades para que se produzam os efeitos –
princípio da consensualidade (art.408º/1). Os direitos reais constituem-se,
modificam-se e extinguem-se, por mero efeito da vontade.
Para que haja a transmissão ou constituição de direito real, tem que haver
coisa. Os direitos reais incidem sempre sobre coisa certa, determinada e
autónoma.
Ora, no caso em questão, não encontramos uma coisa, certa, nem determinada
e muito menos autónoma. Portanto, temos uma compra e venda de bem futuro
e, sobre bens futuros não podem incidir direitos reais. Então, desta compra e
venda entre A e B não resultavam efeitos reais. Logo, desse contrato só
resultou a obrigação de A entregar a coisa e de B de pagar o preço. O efeito real

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Direito das Coisas I 2022/2023

de transmissão de propriedade fica em quiescência – fica num estado de


suspensão, fica à espera que apareça uma coisa suscetível de constituir objeto
de direito real (quando seja certa, determinada e autónoma). Neste caso, só
quando a maçã é colhida é que a coisa se torna certa, determinada e
autónoma. O património de B, que só tinha o direito de crédito à entrega, vai
substituindo este por direitos de propriedade, quando vai colhendo as maças –
art.408º/2, art.204º/1/c) e art.1344ºCC.

Se tivermos um prédio rústico, o sujeito que é proprietário da superfície, ele também é


proprietário do subsolo e do espaço aéreo e, ainda, de tudo o que tiver implantação no
solo – princípio superfícies solo cedit (superfície cede em relação ao solo). Isto também
vale para as coisas móveis.

O sujeito A é proprietário, não só da arvore, como daquilo que tiver ligação


material ao que está implantado. Os frutos, enquanto presos nas macieiras, são
propriedade do proprietário do solo, ou seja, de A. Só serão propriedade de B,
quando houver separação, a colheita. Isto é uma compra e venda de bem
móvel futuro.

O art.408º/2 é uma exceção ao princípio da consensualidade? NÃO, é a


consagração das características que uma coisa tem que ter para ser objeto de
um direito real. Quanto muito, será uma condição, para que este princípio
produza os seus efeitos.

E se C vender os frutos que estão na árvore a D? se for relativa a maçãs que


estão no saco, a venda é nula, porque é um a venda de bem alheio. Quando
elas ainda estão na árvore, elas são de B e a ele devem ser entregues.

Aula dia 23/03/2023

2. Entretanto, D, dono de uma pedreira, depositou, numa parte do prédio de C,


três toneladas de gravilha. C, exige que D proceda à limpeza do terreno, mas
este recusa-se a fazê-lo, alegando que só retirará a gravilha, quando, para
tanto, for instado por A, que é quem se encontra inscrito no Registo Predial,
como titular do direito de propriedade.
Terá razão?
O A tinha constituído a favor da associação um direito que chegamos à conclusão ser
de crédito. vendeu o prédio a C e agora, D despeja entulho no prédio e diz que não
reconhecesse C como proprietário, porque A é quem está inscrito como titular do
direito de propriedade.
Dizer que entre nós vigora o princípio da consensualidade, é dizer que os negócios
juridicos produzem efeitos reais, por acordo das vontades. Basta a proposta encontra-
se com aceitação, para termos um negócio perfeito.
No direito português, os contratos tanto fazem surgir efeitos obrigacionais, como
efeitos reais – constituição, modificação, extinção de direitos reais.

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Direito das Coisas I 2022/2023

Este princípio vale para todos os direitos reais e não apenas, para a propriedade.
Todavia, o art.408º/1 acautela algumas exceções a este princípio. O art.879º mostra
um elenco dos efeitos essenciais da compra e venda. Se o contrato padecer de um
vício de nulidade, não há, nem obrigações e nem transmissão da propriedade, porque
a nulidade não produz quaisquer efeitos.

Os negócios jurídico-reais, quando têm por objeto imóveis, têm uma forma especifica:
escritura pública ou documento particular autenticado.
Mas, vale realçar que a forma não é uma exceção ao princípio da consensualidade, isto
porque, quando o legislador exige forma, isto significa que a vontade se tem que
expressar por um meio de comunicação específico. Mesmo quando a vontade tenha
de ser expressa, por imposição legislativa, de uma especial forma, ainda assim, os
efeitos reais se imputam à vontade e, por isso, não temos exceção ao princípio da
consensualidade.
É a vontade que tem este poder de produzir efeitos reais, só que esta vontade tem que
se expressar de forma específica – então esta é apenas uma exceção ao princípio da
liberdade de forma, segundo a qual a vontade se pode exteriorizar de qualquer forma -
art.219º.
Na escritura pública, quem poe a vontade das partes num papel, é o notário,
assegurando uma verdadeira imparcialidade entre os sujeitos que se apresentam
perante ele e que eles compreendem as consequências do ato que decidiram celebrar.

Até 2008, em Portugal a escritura pública era obrigatória. Mas, a partir de 2008, o
legislador entendeu que basta o escrito particular autenticado. Esta data é muito
importante por causa da posse!!
O legislador só não baixou o nível de exigência de forma, como, simultaneamente,
permitiu que a autenticação do documento escrito fosse feita por mais sujeitos que
não um notário: conservador; advogados; solicitadores; câmaras de comércio e
indústria.
A escritura pública só pode ser feita por um notário.

 A formalização dos contratos serve para assegurar a reflexão sobre os atos que
praticam e a sua importância. É uma forma de tutela dos sujeitos. A forma não
consiste numa forma de exercício de poderes do Estado. É sim, uma forma de
tutela dos sujeitos.

Ora, relativamente ao nosso caso, partindo do pressuposto que A e C, cumpriram a


forma imposta pelo legislador, então, C tornou-se proprietário do prédio, por força do
princípio da consensualidade – art.408º/1.
O direito de propriedade tem eficácia erga omnes, então, esta eficácia atinge D. D não
cumpre a sua obrigação passiva universal, segundo a qual ele se deve abster de se
imiscuir no direito real de C. Consequentemente, está obrigado a reparar a situação
que criou.
Como é que C vai reagir face à postura de D? A ação adequada para reagir a esta
situação é a ação negatória, que assim se chama, porque o primeiro pedido feito em

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Direito das Coisas I 2022/2023

tribunal é a inexistência de uma posição jurídica, na esfera jurídica do réu que


determine aquele comportamento. Em segundo lugar, pede-se ao tribunal que
condene o réu a restituir a situação material que havia antes da violação do direito de
propriedade.
Havendo receio de que, atos semelhantes venham a ser praticados, pede ao tribunal
que condene o réu a abster-se de comportamentos semelhantes, no futuro – função
preventiva da ação negatória.

Diferente da ação negatória, é a ação de reivindicação, que serve contra o esbulho –


posse ilegítima.

A ação negatória, como todas as ações reais, tem como causa de pedir o facto jurídico
do qual deriva o direito. isto significa que o autor terá de provar a titularidade do
direito, que pretende ver titulado.

O registo, nada tem a ver com aquisição de direitos reais, a não ser em casos
excecionais. Porque o registo, em Portugal, é meramente declarativo e não
constitutivo. O registo atua à posteriori e serve para dar oponibilidade aos direitos
reais, mas estes já a tinham porque têm eficácia erga omnes. Então dizemos que lhe
dão, porque o registo atua numa situação muito especifica, uns terceiros muito
específicos – aqueles que adquirem de um alguém comum, direitos reais totalmente
incompatíveis (ex: A vende a B um terreno e vende o mesmo terreno a C. Estes direitos
são totalmente incompatíveis. Então, se C registar primeiro, este será o proprietário.
Daí que haja aqui uma exceção ao princípio nemo plus iuris. Se o B tivesse registado o
direito, logo após a aquisição, então seria ele que seria o proprietário e C nunca teria
conseguido registar). A probabilidade destes casos acontecerem é cada vez menor,
porque, em Portugal, neste momento, o registo é obrigatório, sob pena de pagamento
de uma sanção pecuniária. O registo continua a ser declarativo, ainda que seja
obrigatório. Art.5º Código Registo Predial.

Uma outra exceção ao princípio da prevalência é o art.291ºCC – quando exista uma


cadeia de transmissões. (ex: A vendeu a B que vende a C e C regista, mas o negócio de
A e B padece de uma invalidade).

3. Imagine agora que, em janeiro de 2023, A vendeu o mesmo prédio a E, que,


imediatamente, registou o seu direito de propriedade.
Em fevereiro, E constituiu uma hipoteca a favor de F, para garantir o
cumprimento de um crédito com valor de 100.000€.
Hoje, E, pretende constituir uma outra hipoteca, sobre o mesmo prédio, a
favor do seu potencial credor, para garantir um crédito de 250.000€.
Tendo em conta que o prédio vale 350.000€ e que já foi celebrado com H, um
contrato-promessa de compra e venda, com o pagamento de um sinal no
valor de 5.000€ e com a entrega do imóvel, aconselharia G a aceitar o negócio
proposto por E?
Que riscos corre G a celebrar este negócio? Deve celebrá-lo? É válido?

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Direito das Coisas I 2022/2023

No contrato-promessa, promete-se que no futuro se celebre um contrato definitivo.

Em relação à constituição da hipoteca, só pode constituir uma hipoteca, o proprietário,


ou seja, quem tenha legitimidade. A hipoteca foi constituída a favor de F, mas, para
essa surgir, tem que haver registo – exceção ao princípio da consensualidade (não
basta o acordo de vontades). Não basta o título (acordo das vontades), é preciso um
modo (o registo).
Portanto, temos que remeter do art.408º/1 para o art.687º. Aqui, na hipoteca, o
registo é constitutivo.
O que é que se está a conceder ao titular do direito real? O poder, ao credor, de se
fazer pagar pelo valor da coisa, caso, no futuro, se venha a confirmar um
incumprimento do crédito garantido. A coisa transforma-se em dinheiro, através de
uma venda judicial, e com esse valor, entrega-se a parte reservada, no momento de
constituição da hipoteca, ao credor.
É, precisamente, por causa disto, que é possível constituir várias hipotecas sobre o
mesmo imóvel. O que pode acontecer é que o valor do bem não venha a ser suficiente
para o pagamento – art.713º.

O que acontece é que o legislador não colocou limites ao nº de hipotecas a constituir


sobre um bem, quanto mais colocar limites quando ao valor. O credor é que tem que
saber o risco que corre, ele é que tem que resolver esse problema. Um bem só vale
aquilo que alguém estiver disponível a dar por ele.
Certo é que quanto maior for o risco do crédito, maior é o juro.

Quando o legislador permite a constituição de várias hipotecas sobre o mesmo bem, o


problema é ordenar estes direitos reais de garantia. Então, o legislador ordena as
hipotecas, colocando umas em preferência sobre as outras, através da data de registo.
A hipoteca primeiramente constituída, prevalece sobre as outras.
Se a coisa não tiver forças suficientes para responder ao crédito, aí, os credores
hipotecários, tornam-se em credores comuns (e vão ao património do devedor).

Portanto, relativamente ao caso, E é proprietário do bem X e tem legitimidade para o


hipotecar. F já tem uma hipoteca constituída a ser favor, pelo valor de 100.000€.
Portanto, para G, não há problema nenhum na constituição da segunda hipoteca, ela é
válida. Agora, este negócio pode não ser agradável, porque a coisa vale 350.000€, mas
nas vendas judiciais nunca se consegue este valor, não temos a certeza de que se vão
conseguir os 350.000€ e, assim, vai haver dinheiro para pagar a F (visto que, no
mercado, raramente se garante que este valor do imóvel se mantém), mas não para
pagar a G. Isto porque as hipotecas são ordenadas em favor da sua constituição.

Não conseguimos garantir os 350.000€, o tribunal não o conseguiria fazer.

Existe ainda, outro problema. Embora as hipotecas tenham que ser registadas, para se
considerarem verdadeiramente constituídas, a verdade é que o ordenamento jurídico
português, conhece das hipotecas que estão fragilizadas. Porque, acima das hipotecas,
tem que se pagar a outros credores – crédito que possam ser constituídos após a
hipoteca, mas em que estes credores têm preferência sobre os credores hipotecários,

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Direito das Coisas I 2022/2023

porque são dotados de garantias reais. Fala-se aqui, de uma exceção à preferência
hipotecária. Estas exceções introduzem risco no nosso sistema de crédito, porque mais
do que essa preferência, elas não conhecem da mesma publicidade que as hipotecas.
Estas exceções (privilégios creditórios) são:
- as taxas de justiça – devidas por causa da execução de um imóvel.

- aqueles que garantem os impostos sobre imóveis (art.744º). Estes impostos, a


dívida, têm preferência, são dotados de privilégio creditório – art.751º.

- direito de retenção. Quando E celebra a compra e venda com H, o proprietário


é E, ele apenas se obriga à celebração do contrato translativo do direito de
propriedade no futuro (contrato-promessa). H adquire o imóvel com a hipoteca, mas
não pode dizer que a desconhecia porque esta é sempre registada. O que ele pode
dizer é que o imóvel não tem as mesmas características.
Para G, o cumprimento do contrato-promessa é indiferente – a hipoteca vai atrás da
coisa e não da pessoa.

Então, o nosso problema está no incumprimento do contrato promessa. Se ele não for
cumprido pelo promitente vendedor, H tem o direito a pedir uma indemnização a E,
pelo incumprimento, que será, normalmente, o dobro do sinal, que é mais fácil de
calcular.
Este crédito à indemnização, resultante do incumprimento do contrato-promessa, é
um crédito regular. Mas, sempre que haja a traditio, o legislador, concede ao
comprador um direito de retenção. Até ao momento em que foi declarado o
incumprimento do contrato-promessa, H esteve autorizado a utilizar o imóvel. Quando
H declara não cumprido o contrato-promessa e exige a indemnização, ele pode ou
entregar a coisa e depois esperar o sinal em dobro ou recusar-se à obrigação de
entrega da coisa, decorrente do incumprimento do contrato-promessa (retém a coisa
como titular de um direito real de garantia). Este direito de retenção tem preferência
sobre a hipoteca.

Nota: caso de inversão do tipo de posse pela oposição do detentor do direito – art.1265º.

Aula dia 30/03/2023

CASO PRÁTICO 2
Em janeiro de 2023, B comprou a A a “Quinta das Amoreiras”, tendo,
imediatamente, iniciado as obras de adaptação do imóvel à instalação de uma casa
de repouso.
Para tanto, vendeu a C, alguns dos pinheiros, plantados numa parte do terreno,
ficado, porém, acordado, que apenas seriam recolhidos em abril de 2023.
Também vendeu a D um automóvel velho que encontrou debaixo de uma pilha de
lenha na garagem e vendeu a E uma antena parabólica, que se encontra instalada no
telhado da casa principal, bem como uma roçadora que era usada por A para limpar
o pinhal.

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Direito das Coisas I 2022/2023

Súbita e inesperadamente, B recusasse a cumprir todos estes negócios juridicos. Se


C, D e E o consultassem, o que lhes responderia?
O objetivo deste caso prático é definirmos momentos de transferência da propriedade.
Para sabermos qual o momento de transferência de propriedade, temos que saber a
coisa em causa, porque cada coisa tem uma história de vida. Temos o pinhal (prédio
urbano), a roçadeira e o automóvel. A antena parabólica, ainda é parte integrante da
casa.
Dependendo do nº de coisas que identificarmos, entendemos os momentos de
transmissão de propriedade.
Os direitos reais incidem sempre sobre coisa certa, determinada e autónoma. Temos
que ir acrescentando algumas condições que vêm restringir este conceito. Portanto, a
coisa é um objeto que possa ser objeto de relações jurídicas, impessoal, suscetível de
apropriação exclusiva e útil. A autonomia também é considerada uma condição para
podermos falar de coisa. Para a coisa ser objeto de direitos reais, têm ainda que ser
certa e determinada.
O art.202º apresenta um conceito que é considerado demasiado amplo, pela doutrina,
daí que se exijam as características acima expostas.
Logo, dizemos que uma coia não tem autonomia, quando tiver uma ligação material
com carácter de permanência à coisa principal (não tem autonomia).
Por isso, quando olhamos para o prédio da quinta, existe um espaço à volta onde estão
os pinheiros, mas este e os edifícios estão incorporados no solo. A mesma coisa
acontece com a antena, que tem um carácter de ligação permanente com a casa
principal.
A quinta, tal como olhamos para ela, é um prédio urbano. A lista do art.204º é taxativa.
Tudo aquilo que não constar desta lista é bem móvel, uma vez que ela consagra todos
os bens imóveis.
A antena parabólica é uma parte integrante – art.204º/3. É uma coisa que é móvel,
mas na verdade não é móvel, porque não é autónoma. As partes integrantes deixam
de ser parte e passam a ser coisa, no momento da separação – art.408º/2. Neste artigo
não existe nenhuma exceção ao princípio da consensualidade. Este artigo, juntamente
com outros, permite-nos afirmar que os direitos reais, têm como princípios
orientadores o princípio da especificação e (?). Quando A aliena a quinta, ele aliena
tudo, incluindo as partes integrantes.

NOTA: As partes componentes distinguem-se das partes integrantes. Estas fazem parte da
estrutura da coisa, de modo tal, que, se forem separadas da cisa principal, esta última perde a
sua utilidade. Ex: tijolos, portas, janelas.

As partes integrantes – art.204º/3 - podem ser vendidas, porém, os efeitos reais do


contrato de compra e venda só se vão dar quando se der a autonomização da parte
integrante (quando passar a ser coisa). Enquanto esta autonomização não acontece, o
contrato de compra e venda, apenas origina efeitos obrigacionais.

A antena parabólica, nos termos do art.408º/2, apenas de torna coisa com a


separação, porque é parte integrante. O problema é que esta não foi vendida, mas
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Direito das Coisas I 2022/2023

sim, doada. A doação de coisa móvel, não funciona como a compra e venda –
art.947º/2. Este artigo diz-nos que a doação de coisa móvel tem que ser celebrada por
escrito, caso contrário, ela tem que ser entregue (nesta existe uma exceção ao
princípio da consensualidade, porque é preciso o acordo das partes e o ato material de
entrega). O legislador dá duas alternativas.
B doou a E a antena parabólica. Caso a doação tenha sido feita por escrito e B já
tivesse separado a antena do telhado, então, o proprietário é E. Caso a doação não
tiver sido feita por escrito e, mesmo que a coisa já tenha sido separada, aí a coisa
pertence a B, porque ainda não houve traditio. Portanto, é não adquire o direito de
propriedade sobre a coisa.

Relativamente à roçadeira, esta é uma coisa acessória – art.210º (coisas móveis que
não constituem partes integrantes, mas que estão afetadas de forma duradoura ao
serviço de uma coisa. Não há ligação material, mas sim uma ligação funcional).
Tudo o que tenha ligação funcional e não tenha ligação material à coisa principal é
coisa acessória.
Tem que haver vontade das partes, no sentido de associar à coisa principal a
propriedade sobre as coisas acessórias – art.210º/2. O que quer dizer que, se na
alienação da quinta a favor de B, nada tiver sido dito, em relação à roçadeira, esta
seria propriedade de B.
A roçadeira foi doada por B a E, mas ela não pertencia a B, porque nada foi dito na
alienação do imóvel. logo, a doação é nula. Não fosse este vício de invalidade
substancial, haveria ainda que ponderar a exceção ao princípio da consensualidade,
nos termos do qual, não tendo sido a atuação celebrada por escrito, o direito de
propriedade só se transmitiria com a traditio.

Em relação ao carro, este é uma coisa móvel – art.205º (tudo o que não for imóvel, é
bem móvel). O carro pertence a A, porque a venda é nula, uma vez que se trata de
venda de bem alheio.

Os pinheiros (é igual ao caso dos frutos). É uma compra e venda de bem móvel futuro.
Os pinheiros não são entendidos como bens imóveis, por isso, não seria precisa a
escritura pública. Até serem colhidos, são considerados partes integrantes. Só no
momento da colheita é que se transmite a propriedade.

Aula dia 13/04/2023


CASO PRÁTICO 3 - Posse
A é proprietário do prédio rústico X. Em 2005, viajou para os Estados Unidos, para
poder realizar o “sonho americano”. B, seu vizinho e amigo, sempre acreditou que A
nunca mais regressaria a Portugal, tendo começado a utilizar o prédio X, onde neste
momento se encontra um próspero pomar, explorado por C, a quem B deu de
arrendamento o prédio, em 2017.
Há cerca de 2 meses, A regressou, pobre e desiludido ao país e vendo o estado em
que se encontra o prédio, decidiu reivindicá-lo de C.
a) Poderá fazê-lo?
Em primeiro lugar, devemos dirigir-nos no art.311º, que nos diz que o proprietário
pode pedir o reconhecimento do seu direito e a restituição da coisa.

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Direito das Coisas I 2022/2023

Aqui, interessa-nos particularmente o proprietário, pelo que temos que saber se A


ainda é proprietário. Chegamos à conclusão que sim, porque a propriedade não se
extingue pelo não uso (o proprietário tanto tem o poder de usar como de não usar).
Não existe prazo para intentar, precisamente porque o direito não prescreve –
art.1213º.
A tem legitimidade processual ativa e vai dirigir ao tribunal o pedido de
reconhecimento do direito de propriedade e, em segundo lugar, consequentemente,
que lhe seja restituída a coisa.
A causa de pedir das ações reais é o facto jurídico do qual deriva o direito que se
pretende defender. Quer isto dizer que quem intenta a ação de revindicação tem que
fazer prova da titularidade do direito. como se faz a prova do direito de propriedade?
Não pode ser através da escritura pública, uma vez que ela não prova a propriedade. A
escritura só prova que aquelas partes produziram aquelas vontades para determinados
efeitos juridicos. Aqui, teríamos que percorrer toda uma cadeia de transmissão, de
maneira a encontrar o proprietário originário. Ora, esta prova é tão difícil que se
chama a prova diabólica.
Por isso, devemos arranjar uma forma de contornar a prova diabólica. Dizendo que ele
adquiriu originariamente e que a cadeia de transmissões começa com ele – invoca que
só interessa a sua situação. Realça-se que isto não é uma mentira, porque para o
direito o que é importante é que se comprove a titularidade do direito. mas é preciso
que o autor esteja em condições de poder invocar a aquisição originária.
Outra forma de contornar a prova diabólica é invocar a presunção oferecida pelo
registo. Como presunção que é, inverte o ónus da prova e passa a ser a outra parte
quem tem que provar – art.7ºCódigo RP.

Outra presunção, é oferecida pela posse. A posse oferece ao possuidor a titularidade


do direito – art.1268º/1. Porém, é preciso provar que se é possuidor.
A posse constitui-se de dois elementos, sendo que nós adotamos uma perspetiva
subjetivista:
- corpus – domínio de facto sobre a coisa, que se expressa através da prática de
atos materiais sobre a coisa.
- animus – intenção do sujeito que exerce o corpus de se comportar como
titular de um direito real. Por isso, dizemos que o animus é uma intencionalidade
específica.

Quando não existe animus e existe apenas corpus, o que existe é uma detenção.
Detentores são aqueles que exercem poderes de facto sobre a coisa sem intenção de
se comportarem como titulares de um direito real.

Existem pelos menos 3 tipos de relação entre o titular e coisa:


- a titularidade do direito;
- a posse;
- a detenção.

Quando olhamos para o nosso caso, vemos que A é titular de um direito real. B é
possuidor, porque tem corpus e tem animus do direito real de propriedade. C é o

11
Direito das Coisas I 2022/2023

detentor, visto que tem corpus, mas não tem animus, não age com intencionalidade de
se comportar como titular do direito real.

Porque é que A não é possuidor? A não tem corpus e nem animus. A perdeu a posse
quando, segundo o art.1267º/1/d), quando se constitui uma posse contrária que dure
mais do que 1 ano.
B adquiriu a posse quando começou a cultivar o prédio. A posse mais antiga cede
perante a mais nova.
A perdeu a posse. B ficou com a posse e C é o possuidor.

(Para o Dr. Mota Pinto, a posse é um direito real provisório, porque destina-se a
desaparecer. Que posse é que tem que desaparecer? A posse formal – aquela que não
é acompanhada pela titularidade de um direito e que se contrapõe à posse causal –
aquela que é acompanhada da titularidade do direito.)

A posse está no B e o direito de propriedade está no A. a posse formal é aquela que


interessa. O objetivo do legislador é a posse, enquanto formal, desapareça, porque é
uma perturbação do sistema. O tribunal vai decidir que a posse tem que ser restituída
a quem é titular do direito.

Outra coisa diferente pode acontecer. A pode intentar uma ação de reivindicação e B
pode dizer que já é possuidor há tantos anos, que quer ser reconhecido como titular
do direito – usucapião. As duas linhas vão novamente convergir, mas agora, no
património de B.

Por isso, estas são as principais razoes que levam a doutrina a dizer que a posse é um
direito real provisório, ou porque se vai atribuir a posse ao antigo titular do direito, ou
porque se vai atribuí-la ao possuidor.

A posse causal também tem a sua utilidade, mas aquela cujos efeitos mais interessam
ao direito, é a posse formal.

Quanto à ação de reivindicação, A ainda pode intentá-la, porque ainda é titular do


direito de propriedade. Ele pode intentá-la, contra B, possuidor ou C, detentor. A tem
que fazer prova do direito ou pela prova diabólica ou pela presunção do registo.

 Se a ação fosse intentada contra B, como é que este se pode defender? Se B


invocar apenas a sua posição de possuidor, vai, necessariamente, perder a ação
e ser condenado à restituição da coisa.
Só se B provasse a aquisição posterior de um direito de propriedade – aquisição
originária por usucapião. A usucapião é o efeito aquisitivo da posse, prevista no
art.1287º
Realça-se que não é qualquer posse que permite a invocação da usucapião. A posse
tem que ser sempre pública e pacífica

12
Direito das Coisas I 2022/2023

Vejamos que, no art.1287º, o legislador atribui ao possuidor a faculdade de adquirir


por usucapião, o que é muito importante, porque a usucapião tem que ser invocada
(ela não funciona automaticamente).
Invocada a usucapião, o art.303º diz-nos que o tribunal não pode, oficiosamente,
declarar a aquisição por usucapião, ela tem que ser invocada.

Em Portugal já não é possível invocar a usucapião, judicialmente, para que não se


intentam ações de reivindicação para pedir ao tribunal que declare a usucapião.

A posse tem que ser pública e pacífica. Mas, para efeitos de contagem de tempo,
temos que saber que o tempo da posse necessário varia em função de outras
características, por exemplo, se ela está de boa ou má-fé. Art.1259º.
Não precisamos apenas de saber se a posse é pública ou pacifica, temos que saber se
ela é de boa ou má-fé.
Temos que ter em conta 4 características, que funcionam em pares – arts.1258º e ss. :
- boa ou má-fé – art.1260º
- pacífica ou violenta – art.1261º
- pública ou oculta – art.1262º.

Só que, para caracterizarmos a posse temos que saber de que modo foi adquirida.
Pode ser adquirida de forma originária ou derivada.
A posse é adquirida originariamente, se for estabelecida entre o adquirente possuidor
e a coisa, uma relação direta que não depende da intervenção do anterior possuidor.
A posse é adquirida derivadamente se houver um ato de tradição do anterior
possuidor para o adquirente possuidor.
A posse é adquirida derivadamente, quando existe uma transmissão da posse, do
anterior adquirente, para o novo.

Nós afirmamos que um sujeito é possuidor a partir do momento em que este exerce o
corpus e o animus, mas precisamos de saber o modo de aquisição da posse, porque,
em função deste, são retirados efeitos e consequências jurídicas diferentes, conforme
o modo de aquisição da posse.

No nosso caso, B adquiriu a posse originariamente, porque não houve nenhum ato de
transmissão da posse de A para B – aquisição paulatina da posse (prática reiterada com
publicidade de atos materiais que corresponde ao exercício de direitos reais –
art.1263º/a)).

Posse titulada: é a posse que se funda num título, em abstrato, idóneo, à aquisição do
direito real, nos termos do qual se possui. Quer isto dizer que, depois de termos
identificado o direito real, nos termos do qual se possui (no nosso caso, direito de
propriedade), vamos verificar se existe um modo de aquisição desse direito real, que
corresponda ao modo de aquisição da posse. Vamos ver se esse direito real, nos
termos do qual se possuir, pode ser adquirido da mesma forma que se adquiriu a
posse.
Como falamos de direito de propriedade, recorremos ao art.1316º - regime jurídico do
direito de propriedade -, que nos mostra que a posse de B não é titulada (a usucapião

13
Direito das Coisas I 2022/2023

é uma consequência da posse e não um modo de aquisição!!!), porque a aquisição


paulatina não é um modo, em abstrato, idóneo, à aquisição do direito real, nos termos
do qual se possui. Como não encontramos no art.1316º, o modo de aquisição que seja
equivalente à aquisição paulatina, a posse de B é não titulada. O B adquiriu
originariamente, por aquisição paulatina, mas como não se pode adquirir o direito de
propriedade, por aquisição paulatina, a posse de B é não titulada.

Posse não titulada: esta presume-se, sempre, de má-fé. Ou seja, a posse de B presume-
se de má-fé, mas, realce-se, que esta presunção é ilidível. Se se conseguir afastar esta
presunção, provando a boa-fé, o prazo deixa de ser de 20 anos, para passar a ser de
15, para a aquisição por usucapião.
Como se afasta a presunção de má-fé? Provando, – art.1260º - que o possuidor
ignorava no momento da aquisição que estava a lesar direito de outrem.

Chegamos à conclusão que B tem uma posse não titulada, porque o modo de aquisição
da sua posse não tem correspondência nos modos de aquisição do direito, nos termos
do qual possui – que é o direito de propriedade.

Não há dúvida nenhuma que a usucapião funciona apenas para os direitos reais de
gozo, à exceção do uso e de habitação. Pressupostos de funcionamento da usucapião:
posse, pública e pacífica; tempo; e invocação, porque ela não funciona
autonomamente.

A posse de B é pacifica ou violenta? É pacífica, porque foi adquirida sem violência.

A posse de B é pública ou oculta? No art.1262º o legislador diz que a posse pública é a


que se exerce de modo a ser conhecida pelos interessados. É possível que a posse
tenha sido adquirida por aquisição paulatina, mas ser oculta. A publicidade que é
requerida pelo art.1263º/a) é um exercício feito à vista de todos. A publicidade a que
se refere o art.1263º á a posse que lhe é exercível ser cognoscível, pelos interessados
(anteriores possuidores, neste caso, A).
Dr. Orlando de Carvalho diz que, relativamente a bens imóveis, é praticamente
impossível que a posse seja exercida de modo oculto. Teoricamente é possível, mas, na
prática é, quase impossível.

Portanto, a posse de B é não titulada, presume-se de má-fé e é pública.


Assim sendo, temos, na esfera jurídica de B, uma posse pública e pacífica, que se
presume de má-fé e que, portanto, permite a aquisição do direito de propriedade,
passados 20 anos, ou seja, em 2025. Então, B tem que provar, para a usucapião, que
está de boa-fé, de maneira a que este prazo reduza para 15 anos. E se o fizesse,
poderia já invocar a aquisição do direito de propriedade, por usucapião – e aí, pelos
efeitos retroativos, b seria considerado proprietário, desde 2005.

Perante a ação de reivindicação intentada por A, como C se poderia defender?

14
Direito das Coisas I 2022/2023

A posse pode ser exercida por intermédio de outrem, que, neste caso é C, o
arrendatário, que é um mero detentor – art.1253º/a). a detenção, de 2017 até cá, não
perturba a posse de B.
Art.303º, 2º parte – sendo C representante do possuidor, ele pode invocar a aquisição
por usucapião, em nome e benefício de B, na ação de reivindicação.

Aula dia 19/04/2023

Se o C invocasse a aquisição por usucapião do direito de propriedade, ele estava a


tornar-se possuidor.

a) Se fosse consultado por C, que conselho lhe daria?

CASO PRÁTICO 4 – Obrigações Reais


A é usufrutuário de uma vivenda, que pertence, em propriedade, a B. Numa das
visitas deste último ao imóvel, reparou que uma das paredes da cozinha apresenta
manchas de gordura, pelo que requereu a A que procedesse às necessárias
reparações. O usufrutuário recusa-se, contudo, a fazê-lo, invocando que recebeu a
vivenda em tal estado do anterior usufrutuário, C.
Se fosse consultado por A, que conselho lhe daria?

B é proprietário e constituiu um direto de usufruto em favor de C. C transpassou o


usufruto a favor de A e, agora, o proprietário do imóvel que é objeto do usufruto,
precisa de reparações, mas A considera que não deve ser ele a proceder às devidas
reparações, porque a coisa já lhe foi “entregue” assim.
Quem está obrigado à reparação? Art.1472º - nos termos deste artigo, quem está
obrigado a proceder às reparações é A. Este artigo consagra uma obrigação real –
dever de conteúdo positivo que onera o titular de um direito real, pelo simples facto
de o ser.
Um dos problemas colocado pelo regime jurídico das obrigações reais, que são
verdadeiras obrigações, é que elas conhecem desvios ao regime geral do Direito das
Obrigações, porque estão embutidas no Direito Real – estão abrangidas pelo princípio
da taxatividade (o que não quer dizer que a fonte da obrigação real seja, sempre, a lei,
pois pode ser o contrato, a vontade, desde que a lei o autorize; o
incumprimento/desrespeito pelas restrições ao direito de propriedade - ex: caso das
janelas). Outro aspeto em que estas se distinguem das obrigações ordinários, é o facto
delas poderem ser ambulatórias.
O problema que temos que resolver é o de saber quem é o devedor de uma obrigação
real já constituída, tendo havido transmissão do direito, depois da constituição.
Depois, temos outro problema – o que é que acontece quando a hipótese normativa
se concretiza, enquanto um determinado sujeito era titular de um direito real, mas,
antes do cumprimento, houve transmissão do direito real? Exigimos a A ou a C? O
problema da ambulatoriedade só se coloca quando já se constituiu a obrigação, mas

15
Direito das Coisas I 2022/2023

ela ainda não foi cumprida, e houve, entretanto, transmissão do direito real que
sustenta a obrigação, no nosso caso, o direito de usufruto.
Há quem diga que todas as obrigações são ambulatórias e que, uma vez constituídas
seguem o titular do direito real. Mas, nós não seguimos esta posição, seguimos a
posição do Dr. Henrique Mesquita, que diz que devemos encontrar regras de cada tipo
de obrigação. Dr. Henrique Mesquita concluiu que as obrigações de facere, devem ser
consideradas ambulatórias, ou seja, seguem o direito, já as obrigações de dare, serão,
por princípio, não ambulatórias, cristalizam-se na esfera jurídica do sujeito que for
titular do direito real, no momento da sua constituição, mas se o estado em que a
coisa se encontra revelar a necessidade do cumprimento dessa obrigação de dare, elas
são ambulatórias.

(imaginemos que A tinha constituído a favor de B, um direito de superfície e


acordaram que todos os anos, B tem que pagar a A, 5.000€, a 31 de dezembro, a título
de cânone superficiário. Em fevereiro, B transmitiu o seu direito a C, sem ter pago a
quantia referente ao ano anterior.
A vem ter com C e diz que B ficou a dever a quantia e que C teria que pagar. A
obrigação de pagar os 5.000€ constituiu-se no momento em que foi acordado com A e
B – obrigação de dare. Portanto, quem teria que pagar era B, na posição do Dr.
Henrique Mesquita.
Neste caso, C teria que pagar o cânone de superfície? O direito que vai ser transmitido
para C foi o direito que foi moldado em relação à vontade de A e B. Portanto, pelo
art.1530º, o legislador permite que se conforme o estatuto do direito real. Quando B
transmite a C, ele transmite a esfera com tudo o que está dentro. Logo, quando C
recebe o direito real, recebe a obrigação de pagar o cânone superficiário. Este
problema é um problema e taxatividade aberta e não de ambulatoriedade.)

Então, no nosso caso, quem tem poder direito e imediato sobre a coisa é A, o que já
não acontece com C. Portanto, Dr. Henrique Mesquita diz que quem deve pagar é A,
porque está em causa uma obrigação de facere.

Aula dia 04/05/2023


CASO PRÁTICO
Em março de 1980, A, que emigrou para o Brasil nos anos 60 do século passado,
comprou um prédio localizado no centro de Lisboa e comprou 4 apartamentos,
entregando a sal administração ao sobrinho B. Quando há cerca de 2 meses C, rico e
único herdeiro de A, falecido em janeiro de 2023, se deslocou a Portugal, verificou
que B tinha vendido os 4 apartamentos, razão pela qual intentou contra todos os que
nele habitam, ações de reivindicação.
Se fosse consultado pelos réus e sabendo que duas das frações foram alienadas em
2005 e outras duas em 2007, que conselhos lhe daria? (vamos supor que o prédio
está sujeito ao regime de propriedade horizontal).

C tem legitimidade processual ativa? Sim. O direito real de propriedade está em C,


porque este o recebeu de A, por sucessão mortis causa. Sendo ele proprietário, pode

16
Direito das Coisas I 2022/2023

intentar a ação – arts.1316º e 1317ºCC e art.1311ºCC. os pedidos da ação de


reivindicação são o reconhecimento do direito de propriedade e a restituição da coisa.
Naturalmente, isto significa que os constituintes são os sujeitos que celebraram
contrato com B.
Na ação de reivindicação foi convocado o direitito de propriedade e C, para o provar
tem que provar o facto aquisitivo do direito, tem que provar como obteve a
propriedade – pode fazê-lo através, ou da prova derivada (prova diabólica – cadeia de
sucessões até encontrarmos uma aquisição originária) ou através da invocação da
aquisição originária. C pode provar que adquiriu ele próprio o direito de propriedade
por usucapião? Não, mas pode provar que o pai assim o tinha adquirido e ele como
herdeiro, o adquiriu posteriormente. C pode fazer isto ou pode ter a ser favor, as
presunções, que invertem o ónus da prova. Pode ser: a presunção oferecida pelo
registo e a presunção oferecida pela posse. C não poderia usar a seu favor a presunção
oferecida pela posse. C poderia ter recebido a posse de A. A traditio é ficta na
transmissão mortis causa, porque se finge a tradição, isto porque, ela, na realidade,
não ocorre, não há uma transmissão da posse do de cuius para os herdeiros. O que
acontece é que a pose do de cuius continua nos herdeiros. Então, a posse dos
herdeiros, é exatamente a mesma posse do de cuius. A posse adquiriu-se, portanto, no
momento em que o de cuius adquiriu a posse. C seria possuidor, o problema é que A já
não era possuidor, então C não pode ter recebido por herança, a posse de A.

O art.1267º consagra as causas da perda da posse. O B não teve posse suficiente para
a enquadrarmos na alínea b) deste artigo e ele perdeu a posse por cedência – alínea c).
Portanto, isto quer dizer que temos dificuldade de encontrar, no A, o modo de perda
da posse. A só perdeu a posse em relação às duas primeiras frações em 2006, mais um
dia e das outras duas em 2008, mais um dia – alínea d).

Quanto à posse de B, esta é uma posse não titulada, porque não se funda num título
em abstrato idóneo à aquisição do direito de propriedade. Sendo não titulado,
presume-se de má-fé. é uma posse pacifica, porque foi adquirida sem coação. É uma
posse oculta, visto que não é exercida de maneira a ser conhecida pelos interessados.
A aquisição destes factos é uma aquisição derivada por aquisição real, não sabemos se
houve apenas uma simbologia de entrega.

As posses de X e Y são posses não tituladas, aparentemente, porque sabemos que a


invalidade formal é relevante – art.1259º. Para que este negócio jurídico fosse
formalmente válido, em termos formais, teria que haver escritura pública ou escrito
particular autenticado, mas o notário teria que verificar se havia legitimidade para
alienar. B não poderia aparecer como proprietário no Registo, por isso é muito
provável que esta forma não tenha sido cumprida.
Não sendo cumprida a forma, existindo vício formal, a posse é não titulada e, por isso,
presume-se de má-fé. É uma posse pacifica e é pública em relação a B, mas pode ser
oculta em relação a A (mas Orlando de Carvalho diz que é muito difícil haver posses
ocultas sobre imóveis).
Então, vamos defendê-los através da aquisição por usucapião. De 2005, para 2023,
passaram 18 anos, que, para os nossos constituintes, que se presumem e má-fé, tem

17
Direito das Coisas I 2022/2023

que se elidir essa presunção (provando que não estavam a lesar direito de outrem),
para que o tempo de aquisição por usucapião, seja reduzido para 15 anos. Caso não
consigam elidir não podem invocar a usucapião, porque aí o prazo seria de 20 anos.

Em relação a Z e W, tudo acima se repete. A única diferença é o tempo. Passaram 16


anos, portanto, a solução é exatamente a mesma.

A aquisição do direito de propriedade por usucapião tem efeitos retrativos, portanto,


se conseguissem elidir a presunção, X e Y seriam proprietários desde 2005 e Z e W
seria proprietários desde 2007.
CASO PRÁTICO
1. Em junho de 2010, A doou ao seu grande amigo B por escrito particular o
prédio rústico, onde estavam plantadas dezenas de sobreiros. Dois anos
depois B decidiu vender o prédio a C, o negócio foi formalizado por
documento escrito, mantendo-se, porém, o primeiro como arrendatário.
D filho de A, falecido em abril deste ano, não tomou conhecimento da celebração e
decidiu intentar uma ação de restituição contra B, terá sucesso na sua pretensão?

Neste caso esta em causa uma ação de reivindicação presente no art.1278ºCC.

2. Imagine agora que D intenta contra C uma ação de reivindicação, o réu


consulta-o para saber como pode agir, preocupando o facto de já ter vendido
a B a propriedade dos sobreiros, além de que tinha também levantado um
murro.
B tem legitimidade para intentar a ação de reivindicação, porque recebeu este direito
por sucessão.
B para provar a titularidade do direito, teria que provar através da prova diabólica – a
cadeia de transmissões ou então, invocar a aquisição originária. Neste caso, B deverá
provar através da invocação da aquisição originária, provando que lhe foi doado.
Há uma união entre uma coisa que pertence a um sujeito e coisas que não pertencem
a ninguém ou que pertencem a um direito, sendo que esta união é feita pelas forças da
natureza ou por trabalho humano. Ex: sujeito que transforma as uvas que pertencem a
outro, em vinho. Na ação industrial imobiliária, o caso mais vulgar é o do sujeito que
usa materiais próprios para construir em terreno alheio. Depois é preciso definir a
quem pertence este novo bem que aparece.
O legislador diz que será adquirida a propriedade, por quem trabalhou, se a nova
unidade tiver valor superior à anterior.
A propriedade adquire-se originariamente não apenas por usucapião, mas, também
por acessão.
Quando vai fazer a volta à necessidade de provar o facto jurídico, há que usar as
presunções, que invertem o ónus da prova: presunção oferecida pelo registo e
presunção oferecida pela posse.
Acontece que, neste caso, o B não pode usar da presunção oferecida pela posse, uma
vez que ele não tem corpus (não exerce poderes de facto sobre a coisa), mas não é isso
que é relevante, porque há uma forma de aquisição derivada da posse – transmissão
mortis causa – que dispensa o corpus. O legislador diz-nos que com a morte do

18
Direito das Coisas I 2022/2023

possuidor, este é, automaticamente, substituído pelos herdeiros, mas vãos ficcionar


que ele transmitiu a posse aos herdeiros. A posse de B é a posse de A, retroagindo-se à
data em que este último a adquiriu. Segundo Orlando de Carvalho, existem duas
grandes categorias de tradição: real e ficta.
A não é possuidor, porque o deixou de ser quando fez a tradição, ou seja, quando
transmitiu a posse. A perdeu a posse por cedência – art.1267º/c).
A não pode transmitir a posse a B por morte, então ...

B é um detentor, porque ele transmitiu a posse a C. ele transmitiu a posse, mas


manteve a detenção.

C é, então, possuidor, que adquiriu derivadamente do B, por constituto sucessório, ou


seja, é uma posse que é não titulada, por força do vício formal. É uma posse pública e
pacífica. C tem, portanto, legitimidade processual ativa e tem que responder à ação
intentada por B. O que ele não pode fazer neste caso em particular é invocar a
usucapião, porque, como adquiriu a posse em 2012, mesmo que ele elidisse a
presunção, só poderia adquirir por usucapião, em 2027 (com a redução). Então, o fim
desta ação de reivindicação, vai ser que D ganha a ação.
Vence sempre a titularidade do direito.
C como não pode invocar a aquisição por usucapião, porque não tem tempo, tem que
rescindir a coisa ao seu legitimo proprietário e também o que tenha surgido dos frutos.
C tem interesse em elidir a presunção de má-fé para ter direito a uma indemnização,
provando que estava de boa-fé.

O legislador inventou um instrumento facilitador da usucapião. Ele permite a acessão


de posses – art.1256ºCC. permite que se juntem posses umas às outras, para facilitar o
tempo de usucapião. Se o negócio tivesse tido lugar em 2008 e B tivesse 4 anos e
posse e C tivesse 11 anos de posse, então o legislador permite que estas duas se
juntem. Mas existem regras: as posses têm que ter sido adquiridas derivadamente; a
ação vai funcionar na posse com menor âmbito, ou seja, por um lado temos que
analisar o direito real nos termos do qual se possuiu e, depois, temos que que olhar
para as características da posse – na qual também funciona o critério do maior âmbito
(a posse de má-fé, apaga a posse de boa-fé e, portanto, o prazo aumenta.) No caso,
tínhamos as presunções de má-fé de B e de C, por isso, B teria que ser chamado ao
processo, mas que fosse elidida a presunção, e as posses pudessem ser juntas.

CASO PRÁTICO
Em 2010, A vendeu a B, por escritura particular, um prédio de habitação. 10 anos
depois, B deu de arrendamento a C. Poucos meses depois, C é convencido por D de
que é este o verdadeiro proprietário do bem, celebrando, então, com ele, um
contrato de compra e venda.

19
Direito das Coisas I 2022/2023

Logo de seguida, C vendeu a E. Há cerca de 2 meses, A apercebeu-se da nulidade do


negócio celebrado com B e decide, então, doar, por escritura pública, a moradia a F.
Este intentou uma ação de reivindicação contra E que o consulta para saber se e
como pode reagir.
Que lhe responderia, considerando que o seu constituinte realizou benfeitorias no
imóvel?
A vendeu a B, em 2010. B arrendou a C em 2020. D vendeu a C. Logo a seguir, C
vendeu a E.
Entretanto, E apercebe-se da situação da moradia a F, que intenta contra este uma
ação de reivindicação.
F tem legitimidade para intentar a ação de reivindicação, porque a propriedade está
em F. ele vai intentá-la contra quem é possuidor, ou seja, E. E adquiriu a posse por
aquisição derivada, de C, que a tinha adquirido de B. C estava a exercer a posse em
representação de B. C era detentor, mas tornou-se possuidor quando adquiriu a posse.
C, em termos do direito real, possui o direito de propriedade. Então, adquiriu a posse
por inversão do título da posse por ato de terceiro – porque houve um terceiro que
apareceu e celebrou um negócio que provocou a mutação do animus.
Relativamente à posse de C, temos que ver se nos modos de aquisição do direito
encontramos correspondência no modo de aquisição da posse. A posse foi adquirida
por inversão e não se pode adquirir o direito real por inversão, logo, a posse é não
titulada. C comportava-se como arrendatário e começou a comportar-se como
proprietário, por um ato de terceiro.

(na inversão do título da posse pro ato de terceiro, tem que aparecer um terceiro que
não é possuidor e que celebre com o possuidor um ato apto a ...).

Na intenção do C, o engano foi o gatilho para começar a comportar-se como


proprietário.
A inversão do título da posse é sempre um processo psicológico que se passa no
interior do sujeito e, por isso, é sempre uma aquisição originária.

(Na aquisição derivada não lidamos com a consensualidade, é sempre necessário um


ato de empossessamento.)

E adquiriu derivadamente por tradição real, uma aquisição derivada. É uma posse não
titulada, porque há vicio de forma e, por isso presume-se de má-fé. É uma posse
pacífica e, pública, pelo menos em relação a B. E adquiriu há pouco tempo a sua posse,
por isso não valeria a pena invocar a sua usucapião. Acessão também não pode haver,
porque a posse de C era originária.
Então, deveria devolver o bem a F, mas podia tentar provar a sua posição através do
regime jurídico das benfeitorias da posse – art.1273º e ss. Este regime das benfeitorias
da posse, depende das benfeitorias que foram feitas: se são úteis, necessárias ou
voluptuárias. Neste caso, não nos é dito que benfeitorias foram feitas.
Para saber, temos que recorrer ao art.216ºCC.

20
Direito das Coisas I 2022/2023

Aula dia 11/05/2023

CASO PRÁTICO
A e B são comproprietários de um apartamento, localizado no centro da cidade de
Coimbra. Dois andares abaixo, vive C, que adotou, há cerca de 3 meses, um cão que
passa o dia sozinho na varanda. C não tem os cuidados necessários para assegurar a
higiene do espaço, de modo que e com particular intensidade nas últimas semanas,
A e B foram obrigados a dormir na sala, já que o cheiro nauseabundo, os impede de
usar o quarto da moradia.
Desesperados cm esta situação, A e B consultam-no para saber se e como podem
reagir. Que lhes responderia?
Temos aqui uma situação de conflito de vizinhança no âmbito da propriedade
horizontal. Se nós tivermos uma situação em que o proprietário de um prédio rústico
constrói neste prédio, um edifício e dividiu-o em frações, em apartamentos. Na
construção, está apenas uma única coisa, uma vez que os direitos incidem sobre coisa
certa, determinada e autónoma. Então, o proprietário, não pode vender uma fração a
A, porque não podemos ter mais que um direito de propriedade sobre a mesma coisa.
Para ele poder vender cada apartamento a uma pessoa diferente, tem que fazer de
cada um uma coisa certa, determinada e autónoma – isto é, sujeitando-os ao regime
da propriedade horizontal.
Quando o legislador se refere a negócio jurídico – art.1417ºCC, ele refere-se a um
negócio jurídico unilateral – a autonomização não é material, como no caso dos frutos,
mas sim jurídica, segundo Mota Pinto.
Então, passou a haver 6 direitos de propriedade horizontal, dos quais o proprietário
pode fazer o que quiser, nomeadamente vender. Naturalmente, este problema não se
coloca se o proprietário quisesse fazer apenas um contrato de arredamento.

Realce-se que é possível haver propriedade horizontal, vertical – umas ao lado das
outras.

Na nossa situação, temos um A e um B, que são titulares do direito de propriedade


horizontal sobre uma fração e temos um C que é titular de um direito de propriedade
horizontal abaixo. Na fração de C, há um cão, que não tem os mínimos cuidados
sanitários necessários.
O direito de propriedade imobiliária incide sobre uma superfície demarcada e abrange
os espaços aéreo e do subsolo.
O legislador, vai intervir no direito de propriedade, restringindo-o, muitas vezes
obrigado a que o direito de propriedade de um determinado sujeito se alargue ou
restrinja, para além dos seus limites.
A primeira restrição, consta no art.1346ºCC, em que o legislador determina que o
proprietário de um imóvel pode opor-se à produção de fumos, ruídos, desde que não
resultem do uso normal.
Os condóminos, nas relações entre si, estão sujeitos às restrições impostas aos
proprietários singulares, nomeadamente, as que se destinem a evitar conflitos de
vizinhança.

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Direito das Coisas I 2022/2023

Os titulares de prédios vizinhos, estão obrigados a suportar os fumos, ruídos, que


provenham de determinado imóvel, mas desde que estes correspondam ao uso
normal ou desde que conformem um prejuízo substancial para o prédio vizinho.
Como é que sabemos se é uma utilização anormal ou prejuízo? Olhando para o destino
económico do prédio. Temos que fazer uma avaliação sobre a afetação do uso,
perguntando-nos se o destino económico do imóvel, ficou substancialmente afetado
ou não. Não vamos verificar se houve um prejuízo especial para o proprietário.

A e B podem reagir, porque as emissões que provem do prédio de C são ilícitas. E como
podem reagir? Pelos mesmos meios de tutela da propriedade: ações de prevenção
contra danos; ação confessória (permitir pedir ao tribunal que declare a existência de
um direito que por alguma razão se tornou objeto de dúvida); ação negatória; ação de
reivindicação. Só a ação de reivindicação está prevista no CC no art.1311ºCC.
A ação negatória serve para reagir contra posse e detenção ilegítimas.
Eos pedidos que caracterizam a ação negatória, são o que declare a inexistência na
esfera jurídica do réu de um direito que permita atuar no direito real. Pede-se também
que seja reconstituída a ... material tal como existia antes. Havendo justo receio de
que se venham a repetir, no futuro, atos semelhantes, pode pedir-se também que o
tribunal condene o réu a, no futuro, não reincidir nestes atos.
Esta seria a ação indicada a intentar na defesa de A e de B.

A compropriedade não é um direito real autónomo (não é diferente do direito real de


propriedade), como o direito de propriedade horizontal.
Embora, o legislador tenha a tendência de falar do condomínio como proprietário da
fração, chegamos à conclusão que a propriedade horizontal é muito mais que estas
figuras – ela não é apenas uma junção entre o direito de propriedade e uma
compropriedade.
Na compropriedade, temos vários sujeitos, chamados de proprietários, mas que
exercem sobre uma mesma coisa.
A teoria da pluralidade de direitos de propriedade não é defendida, é, alias, afastada
pela Escola de Coimbra. Consideramos que esta construção tem a falha maior de
admitir vários direitos de propriedade sobre a mesma coisa.
A Escola de Coimbra divide-se em duas, uma defendida por Mota Pinto e outra
defendida pelas Dras. Mónica Jardim e Margarida Costa Andrade, e criada pelo Dr.
Henrique Mesquita.

O legislador parece tender para a teoria da comunhão, mas aqui, não defendemos
isso.
Os direitos dos comproprietários podem ser quantitativamente diferentes.

CASO PRÁTICO
Tendo decidido casa, em julho de 2023, A e B compraram uma casa em conjunto,
tendo a escritura pública sido lavrada em fevereiro deste ano. Porém, B decidiu
cancelar o casamento e, em abril, aproveitando o facto de A estar ausente do país,
vendeu a casa a C, que, neste momento, até já habita o imóvel.
Poderá A intentar uma ação de preferência contra B e C?
nós devemos atentar que a alienação de quota e de coisa estão sujeitas a regras

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Direito das Coisas I 2022/2023

diferentes. Em princípio, o comproprietário pode dispor da sua quota na comunhão.


Em relação à quota, cada um dos comproprietários tem um direito exclusivo sobre ela.
Mas, o legislador acautela que os comproprietários têm o direito de preferência em
relação a terceiros estranhos. Embora, atribua o direito de fazerem com a quota o que
bem entenderem, não deixa de proteger os outros proprietários. O objetivo é que não
entre um estranho no consórcio da compropriedade, porque haveria maior potencial
de conflito.

Na nossa situação, o objeto da alienação de B não foi a quota mas a coisa. Aqui, o
regime é diferente – art.1408º/1CC. O comproprietário não pode fazer o que entender
para alienação do bem, os comproprietários têm que atuar em uníssono.
B alienou toda a coisa, sendo esta proibida, evidentemente. Mas o legislador refere-se
a “parte ...” porque é mais tendencial que os comproprietários alienem uma coisa que
entendem corresponde à sua quota parte. Se houver alienação da coisa ou de parte
especificada, o negócio é nulo. Para os restantes consortes, o negócio é como se não
existisse.

Não fz sentido intentar uma ação de preferência nesta situação, porque o negócio é
nulo, muito menos, sendo ele comproprietário do imóvel.
O que A pode fazer, é intentar uma ação de reivindicação, já que C já vivia no imóvel –
precisamente para recuperar o domínio de facto sobre a coisa, pois C tem um direito
de propriedade ilícito.

CASO PRÁTICO
1. A, B e C, adquiriram um automóvel para as suas deslocações quotidianas na
cidade de Coimbra. Acordaram ainda, na divisão da utilização do automóvel,
por turnos, de 3 meses. Enquanto decorria o seu turno, A decidiu inscrever-se
numa prova de perícia automóvel. B e C, pretendem impedi-lo de usar o carro
nessas condições.
Poderão fazê-lo?

2. Imagine agora, que A, para assegurar que o automóvel passava na inspeção,


contratou um mecânico, para a realização das reparações necessárias. Estas
feitas, A envia uma mensagem a B e C, requerendo que cada um pagasse a
sua parte.
B e C recusam-se, porém, a fazê-lo, alegando que, não só nunca autorizaram
as reparações, como nem sequer lhes foi pedido o consentimento ou
comunicada a decisão de A. Terão razão?

3. A solução seria a mesma se A tivesse pintado o carro de azul e branco, em


homenagem ao Futebol Clube do Porto.

Neste caso, temos três problemas diferentes: um que tem a ver com o uso
comum; outro a ver com a administração ordinária; e outro de um ato de
administração extraordinária.

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Direito das Coisas I 2022/2023

Temos que perceber que partes do regime jurídico da compropriedade, vamos


aplicar.

Usar a coisa comum e administrar a coisa comum são duas coisas diferentes.

Quanto ao uso, o acordo de divisão do uso da coisa é plenamente válido. O


legislador é muito generoso na liberdade de definição do conteúdo. O
legislador oferece uma sugestão de regime jurídico, mas admite que os
consortes organizem os seus interesses de forma diferente.
Quanto ao uso da coisa comum – art.1406º - retiramos a ideia de que o regime
é supletivo. Quando falamos de bens em que é difícil fazer o uso material, é
mais comum fazer o uso por turnos.
Aqui, temos uma situação em que a divisão do uso da coisa é feita pro turnos e,
A não quer privar o uso dos restantes, ele quer utilizar o automóvel no seu
turno. O problema é saber se usa a coisa para fim diferente a que ela se
destina, tendo em conta que os proprietários acordaram que a coisa seria
usada para fazer as deslocações quotidianas. A não quer utilizar o automóvel
para esses efeitos, mas sim para perícia automóvel.
Aqui o objetivo é chamar a atenção para a maneira como a doutrina e
jurisprudência entendem o fim a que se destina. A doutrina também tem
adiantado que é preciso atender o tipo de utilização que se permite ou proíbe.
O que se diz é que não se pode usar a coisa de modo tal a que se prejudique o
fim a que se destine.
Não devemos levar à letra a ideia de fim a que a coisa de destina.

Neste caso, A quer utilizar o carro para fazer perícias automóveis. Ora, isto
prejudica o fim a que a coisa se destina? Pode ou não (são aceitáveis várias
respostas).

Aula dia 18/05/2023


CASO PRÁTICO
A comprou com o irmão, B, um apartamento e decidiu transformá-lo numa espécie
de loft deitando abaixo quase todas as paredes internas da habitação, enquanto B
residia no estrangeiro.
Tendo este regressado, ficou horrorizado com a decisão do irmão, logo porque viu
frustrado o seu direito de viver com a sua família, no apartamento.
B quer obrigar A a colocar o apartamento nas condições originárias, mas A recusa-se
a fazê-lo, alegado que o irmão lhe disse que seria ele quem tomaria conta do
apartamento, adiantando ainda que B lhe deve metade dos 70.000€ que gastou nas
obras.
Quid Iuris?

Neste caso, temos três problemas distintos de compropriedade: um relacionado com o


uso da coisa; outro relaciona com as obras; outro relacionado com a divisão das
despesas.
Quanto ao uso, B tinha a intenção de, regressando a Portugal, viver no apartamento
com a família. Este projeto de B só seria exequível se obtivesse o acordo de A –

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Direito das Coisas I 2022/2023

art.1406ºCC, porque este artigo nos diz eu todos os comproprietários têm direito a
usar a coisa, desde que não a usem com a fim diferente daquele a que a coisa se
destina e não impeça a utilização por parte dos outros consortes. Ora, o projeto de B
impedia que A usasse o apartamento.
Mas o art.1406º (norma supletiva) porém, nada impede os consortes de disciplinar o
uso da coisa de forma diferente da que sugere o artigo. O legislador concede um
grande espaço de abertura no direito de propriedade titulado em comunhão. O
legislador sugere uma forma de compatibilização dos interesses dos consortes.
Sendo certo que, tudo o que implica alteração do estatuto da compropriedade, tem
que passar, necessariamente, pelo acordo de todos os consortes, mesmo que desse
acordo resulte que só um deles vai usar o bem – teoria da comunhão (todos têm que
concordar com a decisão da mudança de regime jurídico).
Portanto, este pré-problema é fácil de resolver. B não pode utilizar o apartamento
para viver com a sua família, a não ser que, com B concordo com tal.

Mas o problema aqui, é das obras. A decidiu fazer uma transformação radical do bem
comum. Até quando, o facto de A ser administrador seria relevante? Os
comproprietários podem decidir que apenas um deles seja administrador do bem.
portanto, não há problema em decidir que A seja administrador. Mas, sendo ele
administrador não cabem sobre eles as competências desta mudança radical do bem,
porque não cabe na administração ordinária do bem (é administração extraordinária
tudo o que vá para alem do uso e fruição do bem). Ora, temos aqui um ato de
administração extraordinária – art.1024º: Dr. Henrique Mesquita analisando a
compropriedade, chegou à conclusão que este instituto serve para proporcionar a
vários sujeitos a possibilidade de usufruírem, normalmente, do bem, mas sempre no
entendimento que haveria uma utilização normal do bem. Daí que, mesmo sendo
todos administradores, pode apenas um deles tomar a decisão relativamente a atos de
administração ordinária.
Logo, isto nos impele quando chamarmos à decisão, todos os comproprietários. Tudo o
que vá para além do ordinário, implica que todos os consortes se pronunciem sobre o
assunto. A administração extraordinária cabe nos poderes de exercício unânime.
O Dr. Henrique Mesquita encontrou fundamento legal no art.1024º, relativo ao
arrendamento. O nº2 diz que, quando. Objeto do concreto seja um prédio indiviso,
todos os consortes têm que se pronunciar sobre o negócio de arrendamento, por
escrito, antes ou depois do negócio, sob pena deste ser válido. Portanto, no âmbito da
compropriedade, for celebrado um contrato de arrendamento por menos de 6 anos,
temos um ato de administração ordinária cujo regime escapa ao art.1407º. Se o
arrendamento for por mais de 6 anos, é um ato de administração extraordinária e
também todos os consortes se têm que pronunciar.
Então, se para os atos de administração ordinária todos se têm que pronunciar, Dr.
Henrique Mesquita entendeu que, por maioria de razão, nos atos de administração
extraordinária, tem que haver o consentimento de todos os consortes.

Relativamente ao caso prático, o ato de A é de administração extraordinário, o que


indica que só seria válido, com o consentimento de B. A decisão de A é inválida e ele
fica obrigado à reposição do bem tal como existia no momento anterior.

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Naturalmente, sendo o ato de A ilícito, B não tem que participar nas despesas. Não se
aplica, aqui, a regra de que os comproprietários participam na medida das suas quotas,
nos encargos.

CASO PRÁTICO
A é proprietário de um prédio rústico e decidiu, nele, elevar um edifício de 5 andares,
com um apartamento por piso.
Terminadas as obras e para auxiliar o seu amigo B, que passava dificuldades
financeiras, A, por escrito particular, declarou constituir um direito de usufruto sobre
o primeiro andar.
Quando, porém, se dirigiram ao notário, para autenticar o documento, este recusou-
se a fazê-lo, afirmando que, o primeiro andar não é coisa suscetível de constituir
objeto de um direito real.
Terá razão? Que conselho daria a A?
A pretendia constituir um direito de usufruto a favor de B. Era necessário autenticar
por escrito particular o direito de usufruto? Era, porque se trata de um negócio jurídico
real quanto aos seus efeitos, que tem por objeto um imóvel. No entanto, temos um
problema – o notário não autenticou, porque não havia coisa suscetível de constituir
direito real. Ora, o notário tem razão - está em causa um prédio urbano, mesmo que,
materialmente, o edifício corresponda a um objeto de propriedade horizontal. É
necessário que o titular do direito de propriedade quer substituir o direito de
propriedade ordinário, por tantos direitos de propriedade horizontal, quantas frações
pretenda edificar – temos que ter coisa certa, determinada e autónoma.
Portanto, é o proprietário que decide qual regime jurídico quer ver dominado a
construção.
Portanto, este usufruto é impossível.

Que conselho daríamos a A? Que constituísse a propriedade horizontal, pois assim,


cada um dos apartamentos poderia passar a fração – coisa certa, determinada e
autónoma.

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