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EXERCÍCIOS PARA A TERCEIRA AULA

Exercício n.º 13. Aprecie os pontos de convergência entre os direitos


obrigacionais e os direitos reais em cada um dos seguintes exemplos:

A. António pretende comprar uma moradia a Bruno pelo preço de 300.000 euros,
procurando, para tal, obter financiamento junto de uma instituição de crédito. Nessa
sede, consegue a celebração de um contrato de crédito à habitação, obtendo, assim,
financiamento na medida de 80 por cento do valor do imóvel adquirido, mas, para tal, a
instituição de crédito exigiu, entre outras garantias, a constituição de uma hipoteca sobre
a moradia.

B. Marta pretende comprar um apartamento a Patrícia pelo preço de 150.000


euros, celebrando, para esse fim, um contrato-promessa com eficácia real, seguindo os
necessários requisitos de forma, e entregando-lhe, desde logo, a quantia de 30.000
euros, a título de adiantamento do preço.

Sugestão de leitura. Direito das Obrigações, 12.ª edição, MÁRIO JÚLIO DE


ALMEIDA COSTA, Coimbra, Almedina, páginas 127 a 134.

Resposta de exemplo. Por diversas vezes, e em diferentes disciplinas, os alunos


analisam os pontos distintivos dos direito reais e dos direitos obrigacionais, uns
absolutos, os outros relativos, eficazes erga omnes ou inter partes. A análise é
importante, naturalmente, mas corre-se o risco de criar, nos alunos, a convicção de que
as duas categorias de direitos são diametralmente opostas, quando, na verdade,
convergem em diversos aspectos - como se entenderá, há utilidade em distinguir o que é
parecido, sendo menos necessário distinguir o que é completamente diferente. Para quê
distinguir uma tangerina de um comboio? O estabelecimento de diferenças faz falta
quando dois conceitos são parecidos, e é por isso que o fazemos nestes ramos jurídicos.
Vemos, no enunciado disposto acima, dois casos diferentes. Possamos observá-
los com a atenção merecida:

A. Podemos falar da constituição de dois direitos reais, um direito real de


propriedade sobre o imóvel (nos termos dos Artigos 1302.º e 1305.º do Código Civil,
adquirido por efeito do contrato de compra e venda, nos termos do Artigo 879.º do
Código Civil), e um direito real de garantia, também incidente sobre o imóvel,
correspondente à hipoteca (nos termos do Artigo 686.º e seguintes do Código Civil).

B. De novo, um direito de propriedade sobre um imóvel, de acordo com as


normas que já vimos acima, e, ademais, um contrato-promessa com eficácia real, nos
termos dos Artigos 410.º e 413.º do Código Civil.

Que pontos de convergência com os direitos obrigacionais podemos encontrar


nos direitos reais descritos? Desde logo, o facto de todos eles terem origem contratual
(Artigo 1316.º do Código Civil para a propriedade, Artigo 712.º do Código Civil para a
hipoteca e os artigos já indicados para o contrato-promessa com eficácia real), de terem
como objecto direitos patrimoniais e de regularem relações económicas, conforme é
frequente que suceda no direito das obrigações, tendo-se constituído, claro está, por
vontade das partes. Estes dois ramos jurídicos surgem juntos com grande frequência,
sendo importante recordar que, apesar de todas as distinções que os compartimentam,
têm proximidade dogmática e sobretudo prática. Não nos esqueçamos desses factos.

Exercício n.º 14. Aprecie as diversas relações obrigacionais estabelecidas no


seguinte exemplo:

Júlio precisa de comprar um telemóvel novo, aproveitando o lançamento do


novo SaiPhone 15 Pro Max para adquirir um equipamento desse tipo. Nesse sentido,
dirige-se à Torten, loja de produtos electrónicos da sua proximidade, e indica a um dos
funcionários o interesse no telemóvel em apreço, em cor branca e com a opção de 512
gigabytes de memória. Chocado ao tomar conhecimento do preço do equipamento, Júlio
explica que não consegue pagar a totalidade do valor, sendo-lhe sugerido, pelo
funcionário, que se dirija ao balcão de financiamento. Júlio acha isso uma excelente
ideia, e assim faz, celebrando um contrato de crédito ao consumo pela totalidade do
preço do telemóvel, decidindo, por fim, e perante sugestão deste outro funcionário,
celebrar um contrato de seguro contra danos e roubos sobre o seu novo SaiPhone. Antes
de sair da loja, Júlio, que ainda não tinha gasto dinheiro suficiente para se sentir
satisfeito, dirigiu-se à banca da TEO, a operadora de telecomunicações com quem tem
já um contrato de serviços de telecomunicação celebrado, e decide mudar para um
tarifário diferente, que lhe permita o uso de mais dados móveis. Para terminar em
beleza, Júlio, já a caminho do carro, e usando o seu novo telemóvel, subscreve um
serviço de streaming de música, para poder ouvir as cantigas de que tanto gosta
enquanto conduz.

Sugestão de leitura. Direito das Obrigações, 12.ª edição, MÁRIO JÚLIO DE


ALMEIDA COSTA, Coimbra, Almedina, páginas 134 a 145.

Resposta de exemplo. A realidade fáctica não se coaduna com a análise


puramente compartimentada do conhecimento científico. No que ao caso importa, o
entendimento do tecido económico depende de perspectivas diversas, mormente, da
Economia e do Direito, aqui na veia do direito das obrigações.
Já sabemos que são cinco as fontes das obrigações, correspondentes, então, (1)
aos contratos, (2) aos negócios jurídicos unilaterais, (3) à responsabilidade civil, (4) ao
enriquecimento sem causa e (5) à gestão de negócios. Destas cinco fontes, duas
assumem uma posição hipertrófica, facto reconhecido aos contratos e à responsabilidade
civil - os contratos como principal elemento gerador de riqueza, a responsabilidade civil
como instituto de reposição da justiça patrimonial (na orientação de MÁRIO JÚLIO DE
ALMEIDA COSTA).
A situação descrita confronta-nos com a celebração de cinco contratos
diferentes, a saber:

1. O contrato de compra e venda do telemóvel.


2. O contrato de crédito ao consumo que financiou essa compra e venda.
3. O contrato de seguro contra danos e roubos.
4. O contrato de fornecimento de serviços de telecomunicações.
5. O contrato de subscrição de serviços de streaming de música.

Não nos cabe desenvolver isto agora, dado que o ano lectivo ainda decorrerá
bastante, permitindo-nos explorar esta questão, mas três destes contratos até se
encontram numa designada situação de união de contratos, em que três deles
estabelecem uma interdependência directa, sem que, todavia, algum deles chegue a
perder a sua individualidade - refiro-me, concretamente, aos contratos de compra e
venda, crédito ao consumo e seguro, unidos por um nexo funcional. Cada um deles
existe na dependência do outro (Júlio não compraria o telemóvel sem o financiamento, e
só celebrou o contrato de seguro porque adquiriu o aparelho), mas todos eles são
perfeitamente individualizáveis, ou seja, não se esbateram as suas fronteiras
caracterizadoras.
O Direito não se torna, neste casamento com outras ciências, numa ferramenta
de simples obtenção de notas de eficiência (embora também considere essa dimensão),
mas cuida, isso sim, de as regular e de lhes oferecer institutos operacionais. No caso em
apreço, ficará evidente como o direito das obrigações é terreno fértil para a actividade
económica, para que os sujeitos jurídicos e económicos conformem a sua conduta e
estabeleçam relações entre si. Resulta, destas breves linhas, que o bom entendimento
dos fenómenos fácticos nasce sempre da perspectiva multidisciplinar.

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