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Contratos Civis 2022/2023

Contratos Civis – Aulas Teóricas

Aula dia 17/02/2023

Bibliografia: “Direito das Obrigações – Volume III”, do Dr. Menezes Leitão, 14º Edição
E Livro de Casos Práticos, da Dr. Sandra Passinhas

Contratos:
- Compra e venda – aquela que demorará mais tempo
- Doação
- Locação
- Empreitada – se houver tempo

Aula dia 24/02/2023

1. COMPRA E VENDA

1.1. Definição
A definição encontra-se no art.874º CC.
Normalmente, fala-se deste contrato a propósito da transmissão do direito de
propriedade mediante o pagamento de um preço, mas não é só esse o efeito
produzido. Esse é o efeito mais comum, mas a compra e venda não o implica, ou seja,
este não é o único efeito produzido pelo contrato de compra e venda.

Há um motivo pelo que, habitualmente, se associa tanto a transmissão da propriedade


à celebração do contrato de compra e venda. Assim é, pelo art.874ºCC, no qual o
legislador trata a propriedade como efeito deste contrato. Ele próprio destaca o direito
de propriedade.

Mais uma vez, salienta-se que não é só a transmissão de direitos reais que está em
causa neste contrato. Muitos outros direitos são transmitidos.
Por vezes, o contrato de compra e venda não implica uma aquisição derivada ou
translativa de um direito real que já existisse na esfera jurídica do vendedor.

Pode haver outro direito real a ser transmitido, como um direito de crédito, ou um
direito potestativo, ou mesmo uma posição contratual, uma situação jurídica concreta
(ex: venda de um jogador de futebol – é uma compra e venda, mas existe, apenas, a
transmissão de uma posição contratual; venda de informações).

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O próprio legislador não precisava, na norma, de destacar a transmissão da


propriedade. No entanto, este efeito é tão comum, que este sentiu necessidade de o
fazer.

A propósito deste contrato, realça-se que a sua grande importância prática,


principalmente, no que remete aos efeitos económicos que produz.
A sua frequência e a importância deste efeito, numa sociedade capitalista são
fundamentais, daí a importância deste contrato e daí o facto de constar em primeiro
lugar no CC.

Não só o contrato de compra e venda é frequente e importante, como as suas regras


são modelo para os restantes contratos onerosos de transmissão de bens –
art.939ºCC.

1.2. Classificação da Compra e Venda nas várias modalidades de negócio


jurídico
No manual, o Dr. Menezes Leitão qualifica este contrato com as várias modalidades do
negócio jurídico:
- Em primeiro lugar, perguntamos se podemos considerar a compra e venda
como um contrato nominado e típico? Sim. É típico, uma vez que está regulado no CC.
É nominado, visto que tem um nome, o que, efetivamente, se verifica.
Nem todos os contratos nominados são típicos. Estes critérios não são sinónimos (ex:
contrato de franquia).

- A compra e venda é um contrato formal ou não formal? É, primordialmente,


não formal, mas, existem casos, em que o é (ex: contratos relativos a coisas imóveis ou
coisa móveis sujeitas a registo– art.875ºCC).
Existem casos, em que as declarações de vontade têm que revestir determinada
forma, como, por exemplo, ser reduzido a escrito ou ter as assinaturas reconhecidas.
Se a compra e venda fosse formal, não era necessária a existência da regra geral do
art.875ºCC.

- A compra e venda é real quanto à constituição ou não? Sabemos se o negócio


é real quanto à constituição ou não, quando, para a perfeição do contrato, se basta as
declarações de vontade das partes ou se, para além destas, é necessária a prática de
um ato material, nomeadamente, o ato de entrega.
No caso da compra e venda, este é um contrato no qual bastam as declarações de
vontade das partes, para que este produza os seus efeitos. Ou seja, o contrato de
compra e venda não constitui um contrato real quanto à sua constituição – 879ºCC.
O ato material de entrega não é uma condição de eficácia do contrato.

- Quanto aos efeitos, como se considera o contrato de compra venda? Os


efeitos obrigacionais que a compra e venda produz são a obrigação de pagar o preço e
a obrigação de entregar a coisa – como consta do art.879º/b)/c) CC.. Porém, a compra

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e venda, produz também efeitos reais, nomeadamente, a transmissão da propriedade


– art.879º/a) CC.
Quanto aos efeitos, a compra e venda é, então, real e obrigacional.

- A compra e venda é um contrato gratuito ou oneroso? É um contrato


oneroso, uma vez que existe a necessidade de cada uma das partes atribuir à outra
uma vantagem patrimonial, à custa do seu património.
O sacrifício patrimonial do vendedor, nos casos habituais, é a perda do direito de
propriedade sobre a coisa vendida. Já o do comprador, será o pagamento do preço.

- A compra e venda é um contrato sinalagmático/bilateral? Sim, dado que dele


nascem obrigações para ambas as partes. É fonte de obrigação do comprador, pagar o
preço e do vendedor, entregar a coisa.
Além disso, existe a relação de que uma obrigação é motivo da outra.

- A compra e venda é um contrato comutativo ou aleatório? Segundo o Dr.


Menezes Leitão, temos que saber se a determinação do objeto da obrigação ou
obrigações ou a sua própria existência, depende ou não da aléa (acaso), ou se já está
determinado o “se” e o “quando” das obrigações. Portanto, a compra e venda será
comutativa, se ambas as partes, estiverem, à partida, com certeza, vinculadas à
realização das respetivas prestações, em termos, também, já determinados, ou se,
pelo contrário, o objeto da obrigação de qualquer um deles está sujeito à álea, tanto
no que toca à sua existência, como no que respeita à sua extensão.
Normalmente, a compra e venda é um contrato comutativo, porém, existem
situações em que a contra e venda é um contrato aleatório (ex: venda de frutos
pendentes – neste exemplo, a obrigação do comprador é certa, na sua existência, mas
essa obrigação não se estende ao vendedor).

- A compra e venda é de execução instantânea ou não? O Dr. Menezes Leitão


diz que sim, porque o tempo não influencia a sua natureza. Mas o Dr. Pinto Monteiro
não vê, aqui, grande razão.
A verdade é que existem casos em que a compra e venda não é de execução
instantânea, por acordo entre as partes. E isso, não influencia o objeto da obrigação,
mas influencia o modo como podem exigir o que lhes é devido.

1.3 Situações em que o Contrato de Compra e Venda é formal


A regra é de que este contrato não seja formal, mas existem exceções. O exemplo
maior será a compra e venda de coisas imóveis.

- Menezes Leitão diz que, ainda assim, nem sempre a compra e venda de imóveis está
sujeita à forma a que estamos habituados – decreto-lei nº263º-A/2007. Daqui consta
um procedimento especial, que implica que as partes do contrato apresentem um
pedido aos serviços de registo competentes, no qual escolhem um dos vários modelos
contratuais previstos nesse decreto-lei. Depois, os documentos que constituirão título
bastante para a constituição desse contrato, serão lavrados pelos serviços
responsáveis.

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- Existe, também, compra e venda de coisas móveis, que fogem há regra da falta de
forma. Ex: compra e venda de estabelecimento social; contratos celebrados fora do
estabelecimento comercial, quando o operador seja um consumidor.
Ex: A compra e venda de automóvel, que não está sujeita a forma, apesar de sujeita a
registo.

1.4. Efeitos do Contrato de Compra e Venda

Segundo o art.879ºCC, existem efeitos obrigacionais e efeitos reais.


Devemos ter em mente os três efeitos a que faz referência o artigo, começando pelo
direito real.

Em primeiro lugar, quanto ao efeito real, há um resultado económico que se pretende,


que é a transmissão de um direito da esfera de uma pessoa para a de outra e que, para
além desse direito, se transmita a posse sobre ela (caso se possa falar dela).
Por outro lado, ao comprador, quer-se que este entregue determinada quantia
monetária, ou seja, que pague um preço respetivo à alienação.

O legislador alcançou isto não só através da constituição de obrigações. Por um lado, é


alcançado através da imposição de obrigações, e, por outro, a propósito da
transmissão de direito, já que está em causa um efeito real.

No que toca aos efeitos reais do contrato de compra e venda, vigora, no nosso
ordenamento jurídico, o princípio da consensualidade. Um contrato de compra e
venda, no que toca a um direito real, produz, por si só, o efeito dessa transmissão, ou
seja, pelo mero consenso do comprador e do vendedor, opera a transmissão do direito
de propriedade.
Numa série de sistemas jurídicos europeus, isto ainda não é assim, nomeadamente em
Espanha.
A compra e venda é condição necessária e ao mesmo tempo suficiente para a
produção dos efeitos que o comprador e o vendedor pretendem.

Nota: No Direito Romano isto não era assim. A compra e venda era um contrato, mas
não produzia efeitos reais por si só. Ela era um título de aquisição, mas, a este, era
necessário acrescentar um outro negócio posterior – o modo de aquisição, que tinha
mais que um figurino, sendo o mais comum, a traditio, que transmitia, essa, a
propriedade.
Este sistema tem vantagens e desvantagens. Tem a vantagem de trazer uma certa
segurança, porque o comprador, ao tornar-se proprietário, torna-se consumidor. Por
outro lado, o facto de, só através do modo de aquisição se transmitir o direito de
propriedade, dá mais segurança a terceiros.

Tanto o nosso sistema, como o descrito acima, têm vantagens e desvantagens.

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O fenómeno de espiritualização da traditio – que passou a fundir-se com o contrato de


compra e venda. Isto aconteceu, primeiro, porque se começou a permitir a traditio
simbólica.
O grande passo foi dado com a admissão da traditio ficta (fictícia) – tudo se passava
como se ela tivesse lugar, muito embora não tivesse sido praticado qualquer ato
material. Existia acordo entre comprador e vendedor, no qual o vendedor abdicava
logo da propriedade.
No direito francês, começou por se permitir que, no contrato de compra e venda,
comprador e vendedor, acordassem numa cláusula, pela qual este último abdicasse,
no momento de celebração do contrato, da propriedade.
Outro passo importante, foi deixar que se exigisse esta cláusula pelo qual o vendedor
abdicasse da propriedade. Deixou de ser necessário que o comprador e o vendedor
previssem a ficção, para ela passar a ser presumida. Tudo se passava, como se a
entrega tivesse logo ocorrido no momento de celebração do contrato. Passou-se a
ficcionar que, no momento de celebração do contrato, se praticou o ato de entrega,
para efeitos de transmissão de propriedade.
Esta influência francesa, passou para o Código de Napoleão e, foi daí que entrou no
direito português e no direito italiano, como sistema do título.

Existem outros dois sistemas para além dos nossos, nomeadamente em Espanha, que
é o sistema do título e do modo. A transmissão da propriedade depende tanto do
título como do modo, ao contrário do nosso que depende, apenas, do título.
Ou seja, não basta que haja a celebração do contrato de compra e venda, é necessária
a prática posterior de um ato. Ao depender das duas coisas, isto significa que a sua
causa não é só a entrega. Não basta esta para que se produza o efeito real. Este filia-
se, também, na compra e venda.
Se existir um vício no título, não pode operar a entrega, isto é, não se pode produzir o
efeito real. Isto porque, apesar do efeito real depender, também, do modo, não deixa
de depender, igualmente, do título.

Na Alemanha, também existe um sistema diferente – o sistema do modo. No direito


alemão, um contrato de compra e venda, produz apenas efeitos obrigacionais. Ele
vincula as partes à realização de outro negócio, que é um negócio abstrato, que tem
implicado, um ato, por exemplo a entrega ou o registo.
Isto é diferente do direito espanhol, porque o direito real só depende do negócio
abstrato, não depende da compra e venda.
Então, se o contrato de compra e venda for nulo, isso não afeta a validade do negócio
abstrato posterior, que não deixa de operar os efeitos reais queridos.

O Dr. Menezes Leitão pergunta se não haverá casos, no direito português, em que se
possa considerar que a compra e venda, não é uma venda real, mas obrigatória, ou
seja, se há casos em que o nosso sistema não seja de título, mas sim de título e de
modo?

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O Dr. Menezes Leitão responde que não e o Dr. Pinto Monteiro concorda que
não existem exceções. Poderia pensar-se na existência de exceções em alguns casos,
como:
- situações em que a lei separa cronologicamente, a celebração do contrato e a
produção de efeitos reais;
- situações de reserva de propriedade;
Porém, Dr. Pinto Monteiro diz que não há exceção, visto que, em qualquer um destes
casos, o cumprimento da obrigação, não depende de uma prestação de dare. Basta
enterdermos, por exemplo, que numa compra e venda com reserva de propriedade, a
transmissão do direito de propriedade nada tem a ver com o cumprimento de uma
obrigação de entrega, como o é nos sistemas de título e modo.

Na matéria do direito real, o Dr. Antunes Varela fala-nos do registo. Tratando-se de


direito reais, que têm eficácia erga omnes, convém, que haja uma certa publicidade
relativa à sua constituição, etc... Existe um princípio de tipicidade dos direitos reais.

No nosso sistema, já sabemos, o registo tem um efeito, apenas, declarativo, ou seja,


não afasta a transmissão do direito real da compra e venda. No entanto, há casos em
que para que essa aquisição tenha efeitos relativamente a terceiros, é necessário o
registo.

No que toca aos efeitos obrigacionais - principalmente o dever de entrega e de


pagamento do preço.
No que diz respeito ao dever de entrega, interessam-nos, principalmente, três coisas:
- apesar do art.879ºCC ter proibido elementos essenciais, a verdade é que a
entrega, nem sempre, tem que ocorrer, porque, se o comprador já detiver a coisa, por
qualquer motivo, não é preciso que esta seja entregue.
- no caso da transmissão de bens incorpóreos (ex: venda de direitos de autor),
os bens não podem ser entregues.

Verdadeiramente, a obrigação de entrega da coisa, casos há, em que não é


constituída, porque, ou não é necessária (a entrega já ocorreu), ou porque não é
viável.

Há um ponto interessante, relativo ao art.882ºCC: o vendedor, se não entregar logo a


coisa vendida, tem o dever de velar pela sua conservação, porque, se a coisa a
entregar se deteriorar, já não se encontra no estado em que estava no momento da
venda. Isto articula-se com o art.796ºCC – que diz respeito às situações em que se
transmite o domínio jurídico sobre uma coisa por mero efeito do contrato, mas o
domínio factual só se transmite num momento posterior. Existe um período no qual o
comprador já é proprietário, mas ainda não tem domínio de facto sobre a coisa.

Se a coisa que continua na detenção do vendedor, se deteriorar ou perecer, o risco


corre por conta do comprador, pois este já é proprietário. Isto significa que, mesmo

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que a coisa seja destruída, o comprador tem que pagar o preço na mesma. Ele não se
pode defender, afirmando não ter que cumprir a obrigação de pagar o preço.

O art.882º confirma-nos que, se a entrega tiver lugar no momento posterior à


celebração do contrato de compra e venda, o vendedor deve preservar a coisa.

Ainda quanto à obrigação de entrega, qual é:


1 - O MOMENTO DA ENTREGA?
Aqui aplicam-se as regras genéricas das obrigações.
O Dr. Menezes Leitão diz que, ou a obrigação de entrega tem um prazo convencionado
ou não. Se não tiver, aplica-se o art.777ºCC. O comprador pode exigir a entrega, a
qualquer momento. A obrigação é exigível, pelo seu credor, a partir do momento da
sua constituição.
Porém, se a obrigação tiver um prazo, e se esse for, como habitualmente o são, ou
seja, a favor do devedor, isso significa que, só vencido esse prazo é que a entrega pode
ser exigida pelo credor.

Quid Iuris se não for entregue? Entra em mora, e há consequências jurídicas.

2 - O LUGAR DA ENTREGA?
Aqui, há uma regra supletiva – art.772ºCC. A regra geral é de que a obrigação deve ser
cumprida no domicílio do devedor.
Mas existem exceções, nomeadamente, no que diz respeito a coisas móveis, segundo a
qual a obrigação deve ser cumprida no local em que a coisa se encontrava ao tempo da
conclusão do negócio – art.773ºCC.

O outro principal efeito obrigacional é o dever de pagamento do preço.


O preço já tem que estar determinado no momento da celebração do contrato de
compra e venda? Um comprador está sempre obrigado a pagar um preço. Mas, esse
preço, a que todo o comprador está vinculado, não tem, necessariamente, que estar
determinado – art.883ºCC.
Se o preço não estiver determinado, seja pelas partes ou porque é fixado por uma
entidade pública, então, vale como preço contratual, o valor que o vendedor praticar
normalmente, ou o valor de mercado (que não tem que ser o preço que o vendedor,
habitualmente, praticaria).
Só vamos ao preço de mercado, se não possível determinar o preço habitual.
Se a coisa vendida não tiver mercado, o são casos muito raros, mas que têm solução,
então, o preço é fixado pelo tribunal.

- O MOMENTO E LUGAR DE PAGAR O PREÇO?


Art.885ºCC – diz que o preço deve ser pago no momento e lugar da entrega da coisa
vendida, salvo convenção em contrário.
Ora, uma coisa decorre da outra.

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O Dr. Menezes Leitão diz que esta regra presume que o direito relativo à coisa a
entregar já foi transmitido. Só faz sentido esta coincidência, se o domínio jurídico já
tiver sido transmitido.
Esta regra aplica-se, na medida em que o direito sobre aquela coisa, já tenha sido
transmitido.

Art.886ºCC – diz-nos que em certas circunstâncias, não é porque o comprador não


pagou o preço, que o devedor pode resolver o contrato. As vicissitudes que afetem
uma das obrigações, afetam a outra, pois são sinalagmáticas. Se não existisse este
artigo, então, a regra geral, permitiria à contraparte (ao vendedor) resolver o contrato,
em virtude do incumprimento do comprador.
Este artigo é necessário se o legislador quiser impedir o vendedor de resolver o
contrato, com base no incumprimento do comprador.
A ideia é de dificultar a reversão da situação de atribuição jurídica de direitos,
resultante da compra e venda, ou seja, evitar a fácil reversão da transmissão de um
direito de propriedade e garantir estabilidade, ainda que, em sacrifício, do interesse do
vendedor.

Porém, apesar deste rigor, há 3 casos, em que o art.886º não se aplica:


- se tiver havido convenção em sentido contrário;
- não ter ainda tido lugar a entrega da coisa vendida (mesmo que não tenha
havido convenção);
- se não se tiver transmitido, ainda, a propriedade sobre a coisa vendida.
Aquelas situações em que se celebrou o contrato de compra e venda, mas ainda não se
transmitiu a propriedade – art.409ºCC. Não faria sentido vedar a resolução do contrato
de compra e venda a quem, antecipadamente, não quis transmitir a propriedade ao
comprador, para que este pagasse o preço.

Aula dia 03/03/2023


1.5. Proibições de Venda
Vamos ver apenas três, que são as mais desenvolvidas. Quando falamos em proibições
de venda, falamos de situações muito díspares e que produzem consequências muito
diversas. A proibição tem a ver com a relação das partes entre si, ou a relação das
partes com o objeto negocial. Não está aqui em causa a falta de legitimidade ou a falta
de objeto negocial, nem um problema de incapacidade dos sujeitos.
Estão em causa contratos de compra e venda que seriam celebrados de forma sã, se
fossem celebrados entre pessoas diversas. Este é o problema comum a todas estas
modalidades.

1. Venda de Coisa ou Direito Litigioso: consagrada no art.876ºCC. Esta norma


remete para os arts.579º e ss.
Estão aqui em causa contratos em que o objeto, está a ser litigado. Mas isto
não basta, porque não há problema nenhum se eu vender um terreno em que
haja litígio judicial, a uma pessoa que não seja um juiz ou um magistrado do
MP, ou um funcionário do tribunal ou um mandatário judicial na área em que
estes exerçam a sua profissão.

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Para que haja uma proibição de venda, o comprador tem que ter estas
características.

Esta proibição também se aplica a juízos diferentes, uma vez que o que está em
causa é a área geográfica.

Verificados estes requisitos, seja diretamente ou por interposta pessoa (ex:


esposa), entende-se a compra e venda ser nula. Mas esta nulidade tem
características especificas, isto é, só pode ser invocada pelo vendedor e não
pelo comprador. Isto assim é pela razão de ser da proibição – a ideia de que
estes podem exercer influência sobre a coisa e sobre o processo, que esteja a
correr na jurisdição onde trabalham. Isto é o que o legislador verdadeiramente
quer.

2. Venda a Filhos ou Netos: art.877ºCC – os pais ou avós não podem vender a


filhos ou netos, caso os outros filhos ou netos não consentirem. Sem este
consentimento, a venda é nula. A razão de ser disto é uma questão de
Direito das Sucessões.
Uma parte do património do de cuius está destinada a certas pessoas. Tendo
ele vários filhos, uma parte do património será sempre dividido entre eles,
sendo, sempre, respeitadas as quotas legitimárias.
O legislador não impõe qualquer forma para o consentimento. O que importa é
que este seja prestado. Caso não o tenha sido, o filho ou neto que não
consentiu tem um prazo de um ano para arguir a nulidade do negócio.

Quanto aos netos, as coisas processam-se, de forma, ligeiramente, diferente.


Ex: o avô tem 6 netos. Se quiser vender a um deles, necessita do consentimento
dos outros netos, que sejam irmãos do neto ao qual quer vender, mas também
do consentimento da mãe ou do pai deles, na medida em que um deles seja
filho dele.

3. Venda entre Cônjuges: art.1714ºCC – não é possível alterar as convenções


antenupciais ou o regime de bens, depois do casamento.
Existe este princípio para proteção de terceiros, nomeadamente, na medida
em que estes sejam credores. É necessário que os terceiros saibam quem é
proprietário ou co-proprietário.
Convém que haja estabilidade das expectativas do credor em relação ao
património do devedor.
Se as compras e vendas forem simuladas podemos ir sempre pelo regime da
simulação. Porém, na prática, é mais difícil de provar. Desta forma, é mais fácil proibir
a compra e venda entre cônjuges, evitando-se, assim, que os mesmo reorganizem os
bens do património entre si, alcançando o mesmo objetivo que alcançariam com a
mudança do regime de bens. Outro motivo, segundo o Dr. Menezes Leitão é o
art.1755º, acerca das doações entre cônjuges. Através de uma compra e venda
simulada, os cônjuges poderiam estar a celebrar uma doação irrevogável simulada.
Fazem-no através de uma compra e venda simulada que esconde uma doação.

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Para proteção dos credores proíbe-se a alteração do regime de bens, seja por força da
lei ou de convenção entre os cônjuges.

1.6. Modalidades Específicas de Venda

1- Venda de Bens Futuros, Frutos Pendentes e Partes Componentes ou


Integrantes – habitualmente falamos de uma de duas coisas. A venda de bens futuros
pode dizer respeito a bens absolutamente futuros e bens relativamente futuros.
Os bens absolutamente futuros são aqueles que ainda não têm existência (ex: alguém
que vende o trigo da próxima colheita).
Os bens relativamente futuros, já existem, mas não na titularidade do vendedor.
Isto não é uma venda de bens alheios (em que alguém vende uma coisa que não é
sua). Aqui, tanto o comprador como o vendedor sabem que a coisa não se encontra na
titularidade de quem a vende. Há uma certeza quanto à inexistência do bem alienado
na esfera jurídica do vendedor.
Art.880ºCC – quando alguém vende um bem futuro, há uma certeza tanto do
comprador como do vendedor, de que este último não é titular do direito de
propriedade desta, ao mesmo tempo que se vincula a tornar-se titular do direito
transmitido, para que a transmissão, que não pôde ocorrer no momento de celebração
do contrato de compra e venda, possa ter lugar num momento posterior.
Um comprador adquire sempre o direito transmitido, do vendedor. Se o direito
pertencer a um terceiro, e por isso, o vendedor vincular-se a adquirir esse direito a
terceiro, o comprador adquire o direito do comprador.

A pessoa vende uma coisa que não é sua, como não sendo sua, efetivamente. Mas
vincula-se a adquirir a coisa, para a vender a outro.
Esta aquisição por parte do comprador, é automática. A partir do momento em que o
vendedor adquire o objeto da compra e venda, o comprador não precisa de fazer mais
nada.
O Dr. Menezes Leitão diz que é uma modalidade futura de venda obrigatória, porque
não basta a celebração do contrato de compra e venda, para se transmitir o direito.
O Dr. Pinto Monteiro não concorda com esta posição. Diz que, a venda obrigatória,
para poder receber essa denominação, tem que implicar o cumprimento de uma
obrigação de dare (dependente da entrega). Tem que ser a entrega do comprador ao
vendedor que tem efeito translativo. Mas isto não acontece nos casos da venda de
bens futuros. O comprador torna-se imediatamente tutelar, a partir do momento em
que o vendedor adquire o objeto da coisa. Aqui, não é a entrega que produz o efeito
real.

Art.880º/2CC – existem duas modalidades da venda de bens futuros. O que estas têm
em comum é que o comprador e o vendedor celebram o contrato de compra e venda
sabendo que a coisa não está na titularidade do vendedor.
A compra e venda é, essencialmente, um contrato cumutativo, mas pode ser aleatório.
A venda de bens futuros é um caso em que a compra e venda pode ser um contrato
aleatório, mas isto tem que ser convencionado entre as partes.

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Contratos Civis 2022/2023

Há casos em que o risco da não aquisição do direito a transmitir, por parte do


vendedor, corre, não por conta deste, mas por conta do comprador. o comprador tem
sempre que pagar o preço e o vendedor pode não entregar a coisa, por conta da álea
(ex: se a colheita das laranjas for má).

2 - Uma modalidade vizinha – art.881ºCC – venda de bens de existência ou titularidade


incerta. Enquanto a venda de bens futuros é, normalmente, cumutativa, esta é,
excecionalmente, aleatória, a não ser que seja convencionada como cumutativa.
A venda de bens de existência ou titularidade incerta não se deve confundir com a
venda de bens futuros, porque, nesta última, a coisa ou não existe de todo, ou não
existe na titularidade do vendedor. Na primeira, não sabemos, pode ou não existir,
pode ou não ser da titularidade do vendedor.

Também não podemos dizer que haja, aqui, uma venda de bens alheios. Nesta, o
comprador não tem qualquer certeza quanto à titularidade por parte do vendedor, do
direito a transmitir.
Também não podemos confundir com os problemas de negócios nulos por
impossibilidade física, porque, aí, a coisa vendida, a coisa é vendida na possibilidade de
existir. Isto não sucede na venda de bens de existência ou titularidade incerta, visto
que existe esta incerteza.

Ter natureza aleatória significa que o comprador se vincula a pagar o preço sempre,
quer se venha a apurar que a coisa existe e é da titularidade do vendedor, quer se
venha a apurar que ou a coisa não existe ou não pertence ao vendedor. É o comprador
que corre o risco da incerteza vir a ser apurada contra os seus interesses.
Ex: Dr. Menezes dá exemplo de alguém que vende um tesouro que pode ou não estar
enterrado num determinado terreno.

Dr. Menezes Leitão levanta a questão do momento em que o preço deve ser pago?
Nesta modalidade, não fazemos ideia se vai haver alguém a entregar ou não
(incerteza). Portanto, Dr. Menezes Leitão diz que deve ser pago logo no momento da
celebração do contrato. Não deve depender da entrega, porque essa é incerta. Só nos
casos em que é celebrada como cumutativa é que deve o preço ser pago no ato de
entrega.

3- Venda com Reserva de Propriedade – art.409ºCC. Habitualmente, a celebração do


contrato de compra venda, produz um efeito real. Porem, este artigo diz-nos que é
permitido excluir essa produção automática do efeito real, através de uma cláusula
que conserva, na esfera jurídica do vendedor (que lhe reserva), o direito que é objeto
do contrato de compra e venda, até que, determinado evento se verifique. Evento esse
que pode ser qualquer um, pese, embora, corresponda normalmente, ao cumprimento
parcial ou total da obrigação do comprador.
O interesse desta reserva de propriedade é o caso da venda a crédito ou com espera
de preço, em que o contrato de compra e venda é celebrado no momento, mas o
comprador se vincula a pagar o preço, posteriormente.
O problema do vendedor, aqui, é que o comprador só paga num momento futuro. Se o
vendedor não reservar a propriedade, o comprador torna-se proprietário e pode não

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Contratos Civis 2022/2023

cumprir a sua obrigação. O vendedor poderia fazer duas coisas: ou resolver o contrato
e aí, reavê o direito que transmitira para o comprador. Mas, segundo o art.886º, se já
houve entrega da coisa e não houve reserva da propriedade, o vendedor não pode
resolver o contrato. Ou recorrer à ação de cumprimento? Pode o devedor fazê-lo, mas
pode suceder que o comprador já nem seja proprietário da coisa ou então, que nem
tenha património para pagar ao credor/credores.
Então, o vendedor precavem-se deste risco, através da cláusula de reserva de
propriedade. Dr. Menezes Leitão levanta aqui uma questão. Pode a cláusula ser aposta
posteriormente à celebração do contrato? Não, porque não é possível produzir, à
posteri, o efeito da reserva de propriedade. O Dr. Pinto Monteiro concorda,
plenamente.
A posição do Dr. Menezes Cordeiro é a caracterização da venda com reserva de
propriedade, como sendo uma venda, cujo efeito translativo é diferido para um
momento posterior, muito embora, entretanto, antes desse momento posterior, já ser
transmitida, ao comprador, uma posição jurídica diversa do direito de propriedade,
que se deve caracterizar como uma expectativa real de aquisição.
No fundo faz duas coisas: verdadeiramente, a partir do momento, a compra e venda
transmite para o comprador a expectativa real de adquisição de um direito de
propriedade (logo de imediato) e, posteriormente, no momento convencionado, essa
expectativa real de aquisição, transmuta-se no próprio direito de propriedade. A partir
desse momento posterior, o comprador torna-se titular de um direito de propriedade,
em relação ao qual, até esse momento, só tinha expectativa de adquirir.

Existem características especificas tanto do direito real de propriedade do vendedor,


com reserva, como da expectativa real do comprador. O direito de propriedade que o
vendedor conserva, é vazio de poderes e, por outro lado, a expectativa real que o
comprador adquire é uma posição jurídica que inclui, também, poderes de gozo sobre
a coisa. Porque, na reserva de propriedade, é habitual, entregar a coisa ao comprador
logo no momento da celebração do contrato. A expectativa real do comprador é uma
expectativa real que inclui todas as notas características dos direitos reais: sequela,
preferência e os direitos de gozo.

A reserva de propriedade serve para garantir o vendedor, para que este possa resolver
o contrato, caso haja incumprimento. Esta é a única garantia – o poder de resolver o
contrato – que o vendedor tem neste contrato, visto que ele não tem nenhum
verdadeiro poder.
Por isso, o Dr. Menezes Cordeiro diz-nos que, em caso de perecimento ou destruição
da coisa vendida sob reserva de propriedade, este risco ocorre por conta do
comprador, o que não ocorreria na regra geral do art.796ºCC.
A propriedade que é conservada na esfera jurídica do vendedor é uma propriedade
conservada apenas com funções de garantia e, portanto, o risco assumido pelo
vendedor, deve respeitar, unicamente, a essa função. Já o risco da destruição ou
perecimento da coisa, deve ocorrer por conta do comprador, porque ele é titular de
poderes de gozo, ainda antes mesmo de se tornar proprietário da coisa.

Art.409º/2CC – tratando-se de coisa imóvel ou de coisa móvel sujeita a registo, a


cláusula de reserva de propriedade só produzirá efeitos em relação a terceiros, se for

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Contratos Civis 2022/2023

registada. À contrário senso, geralmente é entendido que isso significa que a cláusula
de reserva de propriedade, não se tratando de coisa móvel sujeita a registo, é sempre
oponível a terceiros. O legislador não nos diz concretamente isto, mas é a leitura que
retiramos da norma.
Isto gera um problema - ex: se A vende a B uma coisa móvel sujeita a registo e, antes
deste, B vende a C, o que C pode ter adquirido é a expectativa real de que B é o
proprietário. E, se B não cumprir a sua obrigação de pagar o preço, os poderes de
aquisição voltam à esfera jurídica de A. Aqui, não são protegidos terceiros de boa-fé. O
que C adquiriu é restituído à esfera jurídica de A.

4 - Venda a Prestações – art.934ºCC: muitas vezes, a aplicação do art.409º, concita


também a aplicação do art.934º. ex: A vende a B um automóvel, sob reserva de
propriedade e B tem que pagar a prestações. Feita a entrega da coisa, a falta do
pagamento de uma só prestação que não exceda 1/8 do preço, permite a resolução do
contrato.
Podemos dividir este artigo em duas partes. Pode o vendedor resolver contrato, numa
venda a prestações?

Há uma venda aprestações, pode o vendedor exigir ao comprador, quando este falte a
uma prestação, o vencimento antecipado das restantes, ou tem que esperar? O
vendedor só pode exigir uma parcela da totalidade a pagar, porque foi convencionado
que o comprador pagasse em parcelas diferidas no tempo.
Isto depende, claro, da confiança que o vendedor ainda possa ter na aptidão do
comprador para cumprir a sua obrigação nos termos temporalmente acordados. A
partir do momento em que ele falte ao cumprimento de uma parcela, poder-se-ia dizer
que o vendedor perde confiança na aptidão do comprador. Portanto, deve-se
considerar que o comprador perca o benefício do prazo. Daí que, a regra geral do
art.781º nos diga que o incumprimento de uma das parcelas, importa o vencimento
antecipado das restantes.
Porém, o art.934º diz algo diferente, este quer proteger o comprador. Este dá-nos uma
regra diferente para a venda a prestações: ou o comprador faltou a mais do que uma
prestação (mesmo que isso corresponda a menos de 1/8 do preço) e nesse caso
justifica-se a perda do benefício do prazo, ou, a prestação única a cujo pagamento ele
faltou, excedia 1/8 da totalidade do preço e aí, também se justifica a perda do
benefício do prazo.

Quanto à resolução do contrato, a fasquia é a mesma. A 2º parte do art.934º é mais


geral. Agora, a primeira parte aplica-se ao poder do vendedor resolver o contrato em
caso de incumprimento e cinze-se aos casos em que o contrato foi celebrado sob
reserva de propriedade.
O legislador diz-nos que o vendedor com reserva de propriedade pode resolver o
contrato, mas só se ou o vendedor faltar a mais que uma prestação, ou então, quando
o seu incumprimento ultrapasse 1/8 do preço.

A parte final do art.934ºCC pode ser entendido de várias formas. Há quem entenda
que possa ser afastado pela vontade das partes, que é o que o Dr. Pinto Monteiro
defende. Já o Dr. Menezes Leitão chega à conclusão oposta e diz que a norma não

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Contratos Civis 2022/2023

pode ser afastada no caso de uma convenção em contrário. Diz que a finalidade desta
norma é proteger o comprador, a parte mais fraca.
Mas isto não convence o Dr. Pinto Monteiro, visto que o comprador não deve ser
entendido como parte mais fraca. Esta ideia faria sentido se este artigo se aplicasse à
compra e venda a prestações em que o comprador é um consumidor. Mas isto não é
assim, porque a esta última se aplica o decreto-lei nº 133/2009.

Art.935ºCC – este artigo visa resolver um problema, que é o facto do vendedor voltar a
adquirir, no caso de incumprimento, a coisa, mas esta tem um valor inferior ao que
tinha. O que acontecia muitas vezes, além da cláusula de reserva de propriedade, é
que se estipulava uma cláusula penal, que correspondia ao preço convencionado.
O legislador achou isto abusivo e entendeu que o valor da cláusula penal deveria ser
limitado, estipulando, então, que, na venda a prestações, a cláusula penal não pode
ultrapassar metade do preço.

5 - Venda de Coisas Sujeitas a Pesagens, Contagem ou Medição – arts.887º a 891ºCC.


Obrigações Genéricas – ex: 20kg da próxima colheita de maças. Os 20kg não são
determinados – são obrigações definidas pela qualidade e género. É natural que nestes
casos, não me torne proprietário logo no momento da celebração do contrato. Só num
momento posterior, em que a obrigação passa a ser especifica, em que se pode
transmitir o direito de propriedade sobre as maçãs.
Isto é o que acontece na venda de coisas genéricas.
Nada disto acontece na venda de coisas sujeitas a pesagens, contagem ou medição,
porque, nesta venda, o que é vendido não é genérico, é específico. Ex: se o meu
vizinho tiver as maçãs num saco e eu disser que quero aquele saco, estou a cumprir
aquele saco específico.
Isto é importante, porque, na venda de coisa genérica, ainda não se sabe o que o
vendedor vai entregar.
Ao contrário do que acontece na venda de coisas sujeitas a pesagens, contagem ou
medição, na venda de coisas genéricas, há a indeterminação quanto à obrigação do
vendedor. A indeterminação pode surgir quanto àquilo que o comprador tem que
pagar, nos casos em que há uma descrição quanto ao peso ou número ou medida
daquilo que é vendido, que não corresponde à realidade.
O que acontece na venda de coisas sujeitas a pesagens, contagem ou medição é que o
vendedor vende uma coisa especifica, há uma descrição, e essa é incluída no contrato.

Caso não corresponda à medição, pesagem ou número estipulado no contrato, quid


iuris? Depende da forma como o preço tiver sido convencionado. O legislador divide o
problema em duas hipóteses: uma venda por medida, em que a medida é o mais
importante (a quantidade, peso) ou uma venda a corpo, em que a medida não é tão
importante.
Isto vai determinar as soluções legais.
Ex: vendo a C um terreno por 300.000€. No contrato é acordado que esse preço foi
achado à razão de 300€ por m2. Nesse caso, colocamos o acento tónico na forma de
cálculo de preço, ou seja, convencionamos uma medida de determinação do preço e o
preço global é o produto dessa fórmula, que assenta numa variável que pode ou não
corresponder à realidade.

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Contratos Civis 2022/2023

Vamos supor que, afinal, o terreno tinha 900m2. Neste caso, tem que existir uma
correção, isto porque a tónica assenta na medida.
É diferente se celebrasse o contrato, mas só estipulasse o valor global. Neste caso, C
compra o terreno por 300.000€, terreno esse que tem 1000m2. É fixado um preço
global e é esse que importa. Tem uma importância incidental e não principal. Isto não
significa que não haja lugar, a uma correção também, nos casos de venda a corpo.
Mas essa só é admitida se a discrepância ultrapassar 1/20, 5%.

Aula dia 10/03/2023

6 - Venda a Retro – art.927º e ss. É uma venda na qual se pode voltar atrás. É uma
venda em que ao vendedor é atribuída a faculdade de resolver o contrato. Neste caso,
o vendedor não reserva o direito de propriedade, ele transmite-o ao comprador, mas
pode voltar atrás, exercendo o direito de resolver o contrato que lhe é atribuído.
Porque é que alguém se sujeitaria a comprar uma coisa nestes termos? Qual é a
utilidade desta compra e venda? O comprador paga o preço e fica sujeito a que o
vendedor resolva, resolver o contrato, restituindo o preço que foi pago.
Esta figura, historicamente, servia como forma de obtenção de crédito a curto prazo. O
vendedor transmite o direito de propriedade, o comprador entrega o preço, depois, o
vendedor restitui o preço e mais um valor, para poder reaver a coisa – resolve o
contrato, desde que pagasse o preço de resolução.

O comprador, no fundo, estava a emprestar dinheiro ao vendedor, utilizando a coisa


vendida como garantia de que, ou o vendedor lhe restitua aquilo que o comprador lhe
tinha pago, ou, então, fazia sua, a coisa que tivesse sido vendida. A utilidade era esta,
mas o Dr. Pinto Monteiro não acha isto muito claro.
A coisa só é do comprador se o devedor não decidir querê-la de volta. O comprador só
recorreria a isso, caso retirasse daqui uma vantagem, caso contrário, não ganha nada
com isso.
A única forma disto compensar era estar acordado que, durante um período de tempo,
o vendedor pudesse voltar atrás, mas pagando um valor superior ao que o comprador
tenha pago – por isso, parecer uma espécie de crédito.

Caso, o vendedor não exercesse o seu direito de resolução, durante algum tempo, a
transmissão da propriedade torna-se definitiva.
O Dr. Menezes Leitão diz que esta venda a retro não se deve entender ela própria por
proibida. Defende que é uma figura que funciona como uma espécie de crédito. O
vendedor não tenha a obrigação de resolver o contrato, existe uma espécie de
alternativa.
O Dr. Menezes Leitão diz, no livro, que esta operação, hoje em dia, não faz grande
sentido, porque a sua operação não só se pode sustentar, além disso, hoje em dia, o
legislador proíbe que o comprador seja compensado pela sua prestação.
Ou seja, o legislador proíbe que o vendedor pague um preço de resolução superior ao
preço que o comprador pagou. Ao ser a venda a retro uma operação de
financiamento, ela não pode dar lucro. Está limitado o valor do preço de resolução, ao
valor que o comprador pagou ou menor.

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Contratos Civis 2022/2023

A venda a retro era proibida no Código de Seabra, por aparentar ser um pacto
comissório.

Art.932º - oponibilidade a terceiros. A cláusula a retro é oponível a terceiros, apenas


quando esteja em causa uma coisa imóvel ou um bem móvel sujeito a registo.

7 - Venda Sujeita a Contento e Venda Sujeita a Prova: em ambos os casos, está em


causa uma venda cuja produção de efeitos, depende do resultado de um teste.
Na venda sujeita a contento, o teste é de natureza subjetiva (depende de a coisa
vendida agradar ao comprador). Esta venda pode revestir-se de uma de duas
modalidades. Existem duas formas diferentes de a compra e venda depender do
resultado do teste subjetivo:
- na primeira modalidade- art.923º/1 CC, a venda só produz efeitos, só
se considera perfeita, se, no prazo que ao comprador foi dado para este inspecionar a
coisa vendida, ele, ou confirmar que a coisa lhe agrada, ou nada dizer, caso em que o
silêncio, produz os efeitos de aceitação.
Repare-se, até que o comprador confirme que a coisa é do seu agrado, ou, até que
este nada diga, dentro do prazo para se pronunciar, não se pode dizer existir um
contrato perfeito. É como se a aceitação do comprador só se tornasse perfeita, com a
aceitação expressa ou silente, de que a coisa vendida lhe agrada. É como se, nesse
período, não passasse de uma mera proposta por parte do vendedor. Só há compra e
venda eficaz, a partir do momento em que o comprador confirma que a coisa vendida
lhe agrada ou nada diz.
Durante esse tempo, o comprador tem na sua posse a coisa vendida, mas, não tem o
direito de propriedade. Quid iuris se a coisa perecer? De acordo com o art.796ºCC, a
responsabilidade corre por conta do proprietário, que é o vendedor.

- na segunda modalidade - diz-se que a venda produz efeitos, logo à


partida, mas existe um período de tempo, em que o comprador pode dizer que a coisa
não lhe agrada e resolver o contrato.
Aqui, a compra e venda produz efeitos automaticamente, o comprador torna-se
proprietário. Mas, se a coisa não lhe agradar, pode resolver o contrato e desfazer,
retroativamente os efeitos produzidos.
Porém, se durante aquele período, a coisa perecer nas mãos do comprador, o risco
corre por conta deste mesmo, uma vez que ele já é proprietário.

Na primeira modalidade, não se produzem efeitos logo à partida, ao contrário da


segunda modalidade.

Na venda sujeita a prova, o teste é de natureza objetiva. Nesta, em regra, o contrato


não produz efeitos, logo à partida, passando a produzi-los se o teste relativo à
presença de qualidades da coisa vendida para o fim a que é destinada, se revelar
positivo. A compra e venda sujeita a prova só produz efeitos se se vier a revelar no
teste a fazer para o efeito, que essa coisa tem certas qualidades.
Esse teste é feito de forma objetiva. Se tiver, a venda passa a produzir efeitos.

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Contratos Civis 2022/2023

Aqui, a única dificuldade está quanto à questão de saber se é uma condição suspensiva
ou não, segundo o Dr. Menezes Leitão. O legislador diz-nos, abertamente, que sim. O
Dr. Menezes Leitão, não concorda. Diz-nos que é uma modalidade especifica de venda
cujos efeitos finais estão dependentes de um teste. Ao Dr. Pinto Monteiro, isto parece,
de facto, uma condição suspensiva.

Alguns autores defendem que é uma condição suspensiva imprópria, visto que as
qualidades que resultarão confirmadas no teste, já existiam quando a coisa foi
vendida. É uma condição, porque depende de um resultado do teste, mas reporta-se a
qualidades contemporâneas e não futuras.
O Dr. Pinto Monteiro defende que é, de facto, uma condição suspensiva, mas nada
tem de imprópria.

Aula dia 17/03/2023

1.7. Perturbações Típicas do Contrato de Compra e Venda

 Venda de Bens Alheios: o Dr. Menezes Leitão diz-nos que para a venda de bens
alheios – arts.882º e ss. só contam bens alheios que sejam vendidos como
próprios e sejam presentes, específicos e fora do âmbito das relações
comerciais. Ou seja, é nulo todo o contrato de compra e venda pelo qual se
vende um bem alheio.
O bem transmitido tem que ser alheio, e, para isso, tem que faltar legitimidade ao
vendedor. Tratando-se da transmissão de um direito de propriedade, a legitimidade
cabe ao proprietário. No fundo, é necessário que falte legitimidade ao vendedor, por
este não ser titular do direito transmitido.
há um caso excecional em que se permite ao vendedor vender alguma coisa que não é
dele. E o Estado também o pode fazer através de uma venda executiva.
Existem ainda outros casos, para além destes: art.291º - proteção de terceiros de boa-
fé.

Verdadeiramente, na venda de bens alheios, o carácter alheio, resulta da falta de


legitimidade do vendedor. Mas não basta que o bem seja alheio para que se possa
afirmar que esse contrato de compra e venda é nulo – art.892º. é necessário que o
bem vendido, para além de ser alheio, seja, também, um bem presente, ou seja, não
se pode tratar de uma coisa futura (se eu vender um bem que é alheio, mas essa coisa
é futura, este contrato não é nulo. Isto resulta, por um lado, do regime de coisas
absolutamente futuras; se a coisa for relativamente futura, o art.893º determina que
seja aplicado a este negócio o regime da venda de bens futuros).
A venda de bens alheios fica sujeita ao regime da venda de bens futuros, por força do
art.893ºCC, caso as partes o convencionem como tal.

Não basta que o bem seja alheio, ele tem que ser presente. Mas, isto ainda não basta.
Poderia estar em causa a venda de bens alheio presentes, mas em que o bem alheio

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Contratos Civis 2022/2023

não é uma coisa genérica, tem que ser específica. Dr. Menezes Leitão diz que, neste
caso, não faz sentido que o contrato seja nulo, nos termos do art.892ºCC.
Ex: Se eu vender 20kg de maçãs da colheita do meu vizinho, não está sujeito ao
art.892º? O Dr. Pinto Monteiro diz que não faz sentido que seja, pois, neste caso, não
estou a transmitir nenhum direito de propriedade. Não existe um direito real sobre
maças não especificadas. Não há nada a transmitir. Não se vai dizer ser nulo, porque
esta resulta do princípio nemo plus iuris.
Neste caso, num contrato de compra e venda de um bem que é alheio, mas é genérico,
não se pode transmitir nada. Não há qualquer direito, por isso, seria impossível que ele
estivesse a tentar transmitir.

O bem alheio, tem de ser, para além de presente, específico. Além disso, tem que
estar fora do âmbito das relações comerciais, em que a venda de bem alheio é
permitida – art.467º/2 Código Comercial.

O vendedor tem que vender o bem alheio sendo específico e próprio. Se ele o vender
como alheio, já o contrato de compra e venda não será nulo, porque o art.904º o
preceitua. Ex: venda feita por um representante sem poderes. Neste caso, o
representante vende uma coisa alheia e que representa como não sendo sua, não está
sujeito, no âmbito desse contrato à nulidade do art.892ºCC, podendo, desde logo, o
representado, sem poderes, até querer chamar a si os efeitos daquele negócio,
ratificando o contrato.

De uma forma ou de outra, a imposição da presença destas cinco notas, resulta da lei.

Verificados estes requisitos, temos que ver quais os efeitos. A sanção/efeito, será a
nulidade -art.893ºCC. esta solução, que provem do CC francês é questionável, segundo
Menezes Cordeiro, porque esta nulidade tem muitas coisas que não são características
da nulidade, desde logo, no que toca à legitimidade para a arguir. Na venda de bens
alheio há fortes limitações, no que toca a quem pode invocar a nulidade da venda –
existem 4 possibilidades: o comprador e o vendedor e a boa-fé e má-fé.
- vendedor e comprador de boa-fé – aqui, só o comprador pode arguir a
anulabilidade, independentemente do comprador estar ou não de boa-fé.

- vendedor e comprador de má-fé – aqui, Menezes Cordeiro entende que


ambos possam invocar a nulidade do contrato.

- vendedor de boa-fé e comprador de má-fé – art.892º diz que só o


comprador poderá arguir a nulidade;

- vendedor de má-fé e comprador de boa-fé - art.892º diz que só o


vendedor poderá arguir a nulidade.

Esta nulidade, visa, como qualquer outra, a ausência de produção de efeitos, mas
pretende-se proteger, principalmente, as partes do contrato, e, principalmente, se
estiverem de boa-fé.

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Contratos Civis 2022/2023

Isto já nos mostra como esta nulidade já é inversa à solução regra, quanto a quem a
pode invocar.
Outra particularidade desta nulidade – art.894º. Em princípio, sendo um negócio
jurídico nulo, nos termos do art.289º, cada um dos sujeitos te que restituir o que tenha
recebido do outro. O que significaria, na venda de bens alheios, que o comprador
poderia sempre exigir a restituição do preço. Mas esta não é a solução seguida.
O art.894º diz-nos que, sendo nula a venda de bens alheios, o comprador de boa-fé,
pode exigir que o preço lhe seja restituído (mas só se estiver de boa-fé; se estiver de
má-fé, só se pode valer do enriquecimento sem causa). Isto é um desvio claro ao
art.289º.
A parte final do art.894º/1 diz que o comprador pode exigir, se estiver de boa-fé, não
só a restituição integral do preço, como pode fazê-lo ainda que, ele próprio, não esteja
em condições de restituir ao vendedor aquilo que dele recebeu, porque a coisa pode
ter perecido.

A obrigação de restituição, no âmbito da venda de bens alheios, é bem diferente da


nulidade do art.289ºCC.

O contrato de compra e venda de bens alheio pode ser convalidado – art.895ºCC. a


venda de bens alheios é nula, mas pode sê-lo, apena, temporariamente, porque, se o
vendedor adquirir o direito que não era seu e que vendera ao comprador,
automaticamente, sem ser necessário mais nada, opera a transferência do direito que
o vendedor adquiriu ao verdadeiro proprietário, a favor do comprador. Ou seja, a
venda pode deixar de ser nula, porque o bem deixa de ser alheio. Consequentemente,
o motivo para que o contrato fosse nulo, deixou de existir.
Porém, não só isto não se compagina bem com as regras gerais de nulidade, como há
casos em que a convalidação não pode operar – art.896º. ex: pedido judicial de
declaração de nulidade do contrato, formulado por um dos contraentes contra o outro
(desde que o seja, por alguém com legitimidade); restituição do preço ou pagamento
da indemnização em todo ou e parte com aceitação do credor (?). Todas estas têm em
comum o facto de a convalidação só fazer sentido enquanto se possa configurar a
nulidade como temporária.

A obrigação de convalidação não é uma característica típica do regime da nulidade.


Nos casos em que o comprador está de boa-fé, não só o contrato pode ser
convalidado, como até o deve mesmo ser.

Para além da nulidade ser um dos efeitos da venda de bens alheios, apara além e se
impor a obrigação de convalidação, nos casos em que o comprador está de boa-fé –
art.897º, pode ainda haver lugar a uma indemnização – arts.898º e ss.
 Indemnização em caso de dolo – esta só pode ser, em caso de dolo,
aquelas situações em que um está de boa-fé e outro de má-fé. Esta
indemnização pode ser pedida pelo comprador ou pelo vendedor.
Quando falamos aqui de má-fé, falamos dela como sinonimo de dolo enquanto
astucia, utlizada por um dos declarantes para, produzir, no espírito do outro, um erro.
Aqui existe dolo, enquanto vício da vontade – art.253ºCC. ou seja, estamos a falar de

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Contratos Civis 2022/2023

uma situação e que uma das partes representou erroneamente que o bem não era
alheio porque a outra a isso o induziu.
Normalmente, o dolo provirá do vendedor, mas é perfeitamente possível, o contrário.
A indemnização típica, normalmente cumulável com o dolo, está no art.227º. é
justamente essa, a solução que o Dr. Menezes Leitão vê no art.899º.

 Mas, pode haver casos em que não haja dolo de ninguém e o


comprador esteja de boa-fé. Diz-nos o art.899º que o comprador pode
exigir do vendedor uma indemnização, ainda que não haja nenhum dolo
– espécie de responsabilização objetiva. Há aqui, no fundo, uma
indemnização imposta ao vendedor sem culpa sua. Isto tem a ver, um
pouco, com as origens da venda de bens alheios enquanto garantia de
que o comprador poderá gozar da posse pacifica da coisa vendida,
responsabilizando o vendedor, independentemente de culpa, nos casos
de, contra o comprador, um terceiro poder dirigir uma pretensão de
natureza real.
Como qualquer forma de responsabilização objetiva, esta impõe um limite à
indemnização. Esta deve compreender apenas os danos emergentes que não resultem
de despesas voluptuais. O vendedor não é responsável por todos os danos, só pelos
danos emergentes que não resultem de despesas voluptuais.

 Art.900º - indemnização pela não convalidação da venda. Nos casos em


que o comprador esteja de boa-fé, ele pode, também, em acréscimo á
indemnização que já lhe é atribuição, exigir a indemnização deste artigo.
Pode suceder que, ao fazê-lo, o comprador esteja a pedir uma
indemnização pelos mesmos danos, com base em factos diferentes.
Nestes casos, o legislador diz-nos que, não se pode pedir duas vezes a
mesma indemnização pelos mesmos danos, embora, a indemnização
desses danos, possa ser pedida por uma via ou por outra – não pode
existir esta cumulação, na medida em que o prejuízo seja comum.
Nestes casos de sobreposição de danos, o legislador diz que o cúmulo deve ser ao nível
dos fundamentos. Posso pedir com base em qualquer um ou ambos os fundamentos,
mas apenas, uma vez.

Art.902º - nulidade parcial do contrato. Pode suceder que aquilo que é vendido seja,
apenas em parte alheia. Este artigo visa regular essas situações, de forma a que se
possa manter a validade daquilo que foi vendido pela mesma pessoa, as não é alheio.
Ou seja, manter a validade da parte que, daquilo que é vendido, não seja alheio.
Ex1: alguém vende uma coisa quando é titular de parte material dela. O vendedor
vende uma coleção de quadros, mas, só alguns sãos seus. Esta coisa vendida é
parcialmente alheia.

Ex2: casos em que o vendedor vende uma só coisa quando é titular de uma quota
abstrata sobre ela. É o que sucede nos casos de compropriedade. A e B, irmão são
comproprietários de um terreno e A vende a C. O Dr. Menezes Leitão diz que, esta
situação, não pode ser abrangida pelo art.902º, porque o legislador já resolver esse

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Contratos Civis 2022/2023

problema em sentido diverso, no art.1408º/2 – esta norma preceitua a nulidade total


do contrato, ao contrário do art.902º, que prevê a nulidade parcial.

 Venda de Bens Onerados: qual é a patologia nesta venda? Art.905º diz que o
problema em causa não é a transmissão de um direito alheio, mas sim um
direito que está sujeito a ónus ou limitações. Isto quer dizer que o direito não
tem o conteúdo que o comprador representara que ele tivesse.
É em relação aos poderes que o conteúdo não tem o alcance que o comprador
representara que ele tivesse. O comprador representou que o direito que lhe é
transmitido contivesse poderes que, na realidade não tem. Ex: A vende a B um
apartamento. Quando lhe é entregue, B percebe que ele estava arrendado a X.
isto significa que os poderes de gozo foram cedidos a um terceiro, o
arrendatário, o que significa que quando B, o comprador, celebrou com A, a
compra e venda, B representou que o direito de propriedade sobre aquele
apartamento tinha uma extensão, que, na realidade não tinha, porque, parte
dos poderes foram transferidos ao arrendatário.
Não existe nenhum vício quanto ao objeto, àquilo que é vendido. A patologia
refere-se ao direito sobre o objeto.
No que toca ao contrato de locação, o comprador não pode despejar o
arrendatário que lá está.
Segundo o art.905º, o contrato é anulável por erro ou dolo, porque o
comprador respresentou, erroneamente, um certo conjunto de poderes
inerentes ao direito, quando, na realidade, esse direito está comprimido por
ónus, limitações ou encargos.

Esta matéria não se confunde com a venda de coisa defeituosa.

No entanto, não são quaisquer ónus ou limitações. O art.905º diz-nos que são
aqueles que excedam os limites normais. Existem normas que se impõe a todos os
direitos e que os comprimem.
Existem ónus ou limitações que são expetáveis e por isso, não faz sentido,
nesses, proteger o comprador.

Nota: a venda de coisa defeituosa remete para o regime da venda de bens


onerados, porque o problema é o mesmo, só que afeta elementos diferentes, daí a
adjacência entre estas duas vendas.

É importante compreender que este contrato é anulável e não nulo.

Se, na venda de bens alheios, falávamos da possível ou necessária convalidação do


contrato, na venda de bens onerados, falamos da sua eventual convalescença –
art.906º e ss.
Aqui, o legislador diz-nos que, em virtude de uma representação errónea acerca da
extensão do direito adquirido pelo comprado, o contrato é anulável, porem, pode

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Contratos Civis 2022/2023

deixar de o ser, se o vício desaparecer, porque se deixa de justificar que se possam


destruir os efeitos deste contrato através da sua anulação.
Se os ónus forem expurgados, a representação errónea deixou de o ser.

Porém, do mesmo modo que há factos que impedem a convalidação, também há


situações que impedem a sanação da anulabilidade no âmbito da venda de bens
onerados – art.906º/2 (este parece a alínea a) do art.896º/1).
Não pode haver sanação da anulabilidade se o comprador já tiver pedido a anulação
da compra e venda, porque já manifestou a ausência de interesse na produção dos
efeitos da venda de bens onerados.

Também à semelhança da venda de bens alheios, pode aqui haver uma obrigação de
sanar o vício. Aqui pode haver uma obrigação de expurgar os encargos/ónus. Essa
obrigação, funcionalmente equivalente à convalidação, está prevista no art.907º.

Notas: existe uma uniformidade de tratamento das perturbações típicas do contrato


de compra e venda. Existe alguma comparabilidade. Também aqui, na venda de bens
onerados, como sucede na venda de bens alheios, temos três normas que regulam a
obrigação de indemnização sempre que se verifique esta perturbação do contrato de
compra e venda.
Na venda de bens onerados, quanto à indemnização, em caso de:
- dolo: art.908º - a indemnização deve indemnizar o prejuízo que este não teria
caso o contrato não tivesse sido celebrado (interesse contratual negativo).

- art.909º - em que se pressupõe não ter havido dolo do vendedor, mas um


mero erro do comprador. este artigo diz-nos que nos casos de anulação fundada nesse
simples erro, o vendedor é obrigado a indemnizar o comprador, ainda que não tenha
havido culpa da sua parte (responsabilização objetiva do vendedor). Mas, apenas
relativamente aos danos emergentes do contrato e não os lucros cessantes. Nos
termos do art.908º todos os danos são indemnizáveis, não há qualquer limitação no
que toca ao objeto dos danos, o que não acontece no art.909º.
Por um lado, o vendedor é responsável independentemente de culpa sua e, por outro
lado, o legislador limita essa responsabilização.
Este artigo funciona como uma garantia para o vendedor.

- art.910º - prevê a responsabilidade do vendedor por não ter cumprido a


obrigação de expurgar os ónus. Este artigo replica o art.900º.
No entanto, quando estudamos o erro, uma das características de relevância é a sua
essencialidade. O erro pode ser essencial ou incidental, mas só pode suscitar a
anulabilidade do negócio jurídico, se o erro for essencial.
O erro é essencial na medida em que o declarante, caso não houvesse incorrido na
representação errónea, não teria celebrado o negócio (se se poder afirmar que, sem
ele, o declarante/comprador, nunca teria celerado o negócio jurídico). O erro essencial
releva para tomada de decisão da emissão da declaração e vontade.

22
Contratos Civis 2022/2023

O erro é incidental se se puder afirmar que, sem ele, o declarante teria emitido a
declaração de vontade, mas apenas o teria feito, em termos diferentes. Ou seja, o erro
do comprador será incidental se, sem ele, ele tivesse comprado a coisa onerada, na
mesma, mas por um preço inferior.
Por isso, se o erro for incidental, nunca poderíamos atribuir ao comprador o poder de
anular o contrato de compra e venda. Isto não faria sentido, porque ele iria querer
sempre a validade do contrato, mas tê-la-ia querido em termos diversos.

- art.911º - não faria sentido o legislador dizer que poderia, na mesma, desfazer
a compra e venda, quando, o erro é incidental, porque ele queria sempre comprar e
queria sempre que o contrato produzisse efeitos, coisa que a anulabilidade rejeita. A
solução teria que ser apenas a redução do preço a pagar por ele (porque se a coisa
está onerada, ela vale menos).

Aula dia 24/03/2023

 Venda de Coisa Defeituosa:


O art.913º - remete para a secção procedente que é a venda de bens onerados. Tudo
aquilo que não esteja explicitamente previsto nos arts.913º e ss. aplica-se o regime de
bens onerados o que é importante em caso de incumprimento, em caso de dolo, de
erro.

Quando falamos da venda de bens onerados, dissemos que ela se trata de um vício
não daquilo que é vendido/transmitido, mas, antes, vícios dos poderes que incidem
sobre essa coisa (ex: alguém que adquire uma casa que está arrendada sem o saber).
Quando falamos da venda de coisa defeituosa, falamos de um vício da própria coisa,
ao contrário da venda de bens onerados, em que o vício respeita aos poderes. Não há
qualquer vício respeitante ao direito sobre a coisa transmitida, mas antes sobre a
própria coisa (ex: adquirir um relógio de parede que não dá as horas e eu julguei que
era porque faltavam pilhas, mas foi porque havia um problema mecânico).

É esta a distinção entre a venda de bens onerados e a venda de coisa defeituosa.

Dito isto, há uma crítica muito grande feita ao regime do art.913º e ss., que diz que
este trata a venda de bens onerosos como um vício da vontade e não um problema de
execução contratual. Esta é uma grande crítica, que resulta e está associada ao facto
do nosso CC, no âmbito da venda de coisa defeituosa, tratar de forma diferente a
mesma realidade de venda de coisa defeituosa, dependendo do momento em que
surge o vício. Há um regime para a venda de coisa defeituosa, nos casos em que o vício
é contemporâneo no momento de celebração da compra e venda e um regime para os
casos em que o vício é superveniente.
O regime da venda de coisa defeituosa no momento em que o vício já existe no
momento da celebração (erro da vontade) – art.913 e ss.
O regime de vício superveniente (problema de incumprimento) – art.918º e ss.

23
Contratos Civis 2022/2023

Isto leva a uma critica de Menezes Leitão, que nos diz que isto tudo depende de alguns
acasos da prática. O Dr. Pinto Monteiro concorda com esta crítica.
Se o mesmo comprador se dirigir a uma ourivesaria e encomendar um anel com
determinadas características e lhe entregarem um anel com um risco, já é tratado
como um vício superveniente, porque não se pode considerar um problema de
formação da vontade, porque não há divergência entre aquilo que o comprador
representa e o que acontece – art.918º.
Esta pequena divergência, que pode surgir na prática, pode gerar a aplicação de
regimes diversos.

 O que é um defeito? Quando estamos perante uma situação de venda


de coisa defeituosa? Uma coisa defeituosa, segundo o legislador, não é
bem definido. O defeito pode ser uma de duas coisas:
o vício;
o falta de qualidades.
Para o Dr. Pinto Monteiro, a distinção entre estas duas não existe, até porque o
esclarecimento feito pelo Dr. Menezes Cordeiro tem muitas falhas. A distinção é
artificial, segundo o Dr. Pinto Monteiro.
Isto são apenas tentativas e categoricamente aquilo que mais não é que uma falta de
determinadas vantagens/utilidades que consideravam inerentes a uma coisa.

Sempre que falamos de coisa defeituosa, falamos de falta de algo respeitante à coisa
que é transmitida. Essa falta é uma falta de determinadas utilidades. É isto que se
entende por defeito.
O legislador tenta falar de defeito como vício ou falta de qualidades, mas o defeito é
todo ele uma falta de qualidades.

O art.913º exige que o defeito se repercuta de determinada forma, provocando certas


patologias. O defeito, para ser relevante, tem que ter determinadas consequências.
São possíveis 3 situações:
1. Termos um defeito que provoca a desvalorização da coisa. O defeito
desvaloriza a coisa.
Aqui, falamos de um critério objetivo. Este vício não pode ser insignificante,
para que a desvalorização releve.

2. O defeito torna a coisa inapta à realização do fim a que se destina.


Este critério é de índole subjetiva. Em primeiro lugar. O fim que releva para que
a aferíramos se a coisa é apta ao fim é de índole subjetiva. É o fim que o
comprador pretendia dar-lhe. Mas fim, subjetivo, é preciso que tenha sido
especificado pelo comprador e que fosse conhecido e aceite pelo vendedor,
ainda que de forma tácita.

3. O defeito provoca a falta de correspondência com as qualidades


asseguradas pelo vendedor.
Nesta, temos também um citério de índole objetiva, apesar de bastar uma
expressa garantia de qualidades do vendedor.

24
Contratos Civis 2022/2023

Portanto, aplicamos o art.913º e ss. sempre, que, tenhamos um defeito e, depois, que
o defeito se repercuta numa das três formas acima.

Aula dia 31/03/2023


Não temos apenas um regime de compra e venda defeituosa. Um dos regimes está
presente no CC, outro está num decreto-lei avulso (que revogou outro).
A diferença é que existem duas relações que se podem estabelecer quanto à venda de
bens de consumo.

A primeira relação é uma relação de profissional para profissional. Esta relação é a tal
que é titulada pelo CC.

A segunda relação é uma relação de profissional para consumidor. Está vem regulado
no decreto-lei nº

Na compra e venda de coisas defeituosas, temos uma coisa que terá um defeito e, este
não surge depois da compra e venda ele pode é revelar-se depois da compra e venda.
À data da venda a coisa já tem o defeito, mas este pode apenas revelar-se depois.
Quando o defeito na coisa, ocorre depois da celebração do contrato, poderá existir o
regime de cumprimento defeituoso, se for imputável ao vendedor, ou, caso não seja
imputável ao vendedor, aplicamos as regras atinentes ao risco.

- se for imputável ao vendedor Regime do cumprimento defeituoso


- se não for imputável ao vendedor Regras sobre o risco (comprador, em
regra)

No art.913º temos as situações em que as coisas são defeituosas:


- vício – este é um conceito subjetivo
- falta de qualidade – este é um conceito objetivo.

O artigo consagra 4 vícios diferentes:


1. Vícios que desvalorizam a coisa
2. Vícios que impeçam a realização do fim a que a coisa é destinada
3. Falta de qualidades asseguradas pelo vendedor
4. Falta de qualidades necessárias à realização de um determinado fim.

Para que seja aplicado o regime de venda de bens defeituosos, são necessários dois
pressupostos:
- tem que existir um defeito – são os vícios da coisa e a falta de qualidades asseguradas
ou necessárias.

- a existência de determinadas repercussões que, esse efeito, terá no âmbito do


contrato. Este pressuposto diz que se torna necessários que os defeitos se repercutam,
num programa contratual, ou seja, temos que ter uma situação que desencadeie uma
das seguintes situações:

25
Contratos Civis 2022/2023

- desvalorize a coisa;
- situação de não correspondência com o que foi assegurado pelo
vendedor;
- uma inaptidão para o fim a que a coisa se destina.

Efeitos:
Encontram-se no art.913º, segunda parte, que nos diz que quanto à venda de bens
defeituosos, devemos remeter para a venda de bens onerados. Quando o regime de
bens defeituosos não diga nada em contrário, aplicamos o regime dos bens onerados.
Desta forma, aplica-se à venda de coisa defeituosa, as soluções da anulação do
contrato por erro ou por dolo e também a redução do preço.

A obrigação de convalescença é substituída pela obrigação de reparação ou


substituição da coisa.

Quanto à anulação do contrato, por erro ou por dolo.


No caso de erro, é necessário que o declaratário conheça ou devesse conhecer a
essencialidade do elemento sobre o qual incidiu o erro (arts.243º e 291º).
O contrato é anulável por dolo (arts.253º e 254º). O dolo corresponde à utilização de
artifícios ou sugestões que induzam ou mantenham o declaratário em erro.

Outro efeito da compra e venda de coisas defeituosas é a reparação ou substituição da


coisa – art.914º. Este artigo consagra uma primazia da solução da reparação da coisa
face à sua substituição, pelo que, sem prejuízo dos demais requisitos, só se pode
proceder à substituição quando a coisa não é suscetível de reparação. O fundamento
destas obrigações é a garantia prestada pelo vendedor pela qual resulta, tacitamente,
a inexistência de qualquer defeito na coisa vendida.
Logo, se se apurar algum defeito tem que reparar ou substituir, salvo se houver
conhecimento da falta do defeito da coisa – art.914º, in fine.

Outro efeito, são as indemnizações. As indemnizações que podem existir são:


- indemnização por erro – na qual se aplica o regime dos bens onerados, mas, a
indemnização não será devida se o vendedor desconhecia sem culpa o vício ou a falta
de qualidade, de que a coisa padece – art.915º.

-indemnização por dolo – na qual se aplica o regime dos bens onerados.

- indemnização por não cumprimento da obrigação de reparação ou substituição –


aqui aplica-se o art.910º, por remissão (ex vi) do art.913º.

Prazo para o exercício dos direitos:


Quanto aos prazos, rege o art.916ºCC.
Neste artigo consta que o comprador deve denunciar ao vendedor o vício ou a falta de
qualidade da coisa, com a exceção de o vendedor ter utilizado dolo. O CC estabelece
um ónus do comprador. Caberá a este provar ter cumprido o ónus da denúncia.
A lei não sujeita a denúncia a qualquer forma especial. Portanto, vigora o princípio da
liberdade de forma – art.219º.

26
Contratos Civis 2022/2023

Quanto aos prazos de denúncia:


- no que diz respeito a bens móveis, temos o prazo de 30 dias após o defeito ser
conhecido e dentro de 6 meses após a entrega da coisa.

- quanto a bens imóveis, temos o prazo de 1 ano depois de conhecido o defeito


e dentro de 5 anos após a entrega da coisa.

Estes prazos são cumulativos.


Para além destes prazos, ainda existe um outro – art.917º: a ação de anulação do
contrato deve ser instaurada no prazo de 6 meses depois da denúncia. A partir do
momento e que existe denúncia, há o prazo de 6 meses para propor a ação de
anulação.

 Ex: vamos imaginar que as partes estabelecem uma cláusula que diz
“este veículo será vendido no estado em que se encontra”. Se formos
comprar e tiver sido feita uma declaração por parte do vendedor que
diga isto, esta é válida e o vendedor será desresponsabilizado – art.912º
ex vi 913º.

Este regime, em termos amplos, é aquele que consta do CC.


Isto são as situações de profissional – profissional.

Quanto à relação profissional – comprador, o legislador entendeu que o regime


previsto no CC era excessivo e, portanto, consagra um novo regime para proteger a
parte mais fraca, o consumidor.
Este regime estava consagrado no decreto-lei nº67/2003. No entanto, surgiram as
diretivas da EU 2019/771 e 2019/770, que fala sobre bens digitais. O regime que
vigorava não contava com uma proteção quanto os bens digitais. Estas duas diretivas
tinham que ser transpostas para o ordenamento jurídico português e, no âmbito da
sua transposição, houve uma mudança de regime quanto à compra e venda em
relações de consumo. Por isso foi instituído um decreto-lei que revogou o anterior:
decreto-lei nº84/2021, de 18 e outubro.

No art.54º deste decreto-lei consta que o decreto-lei nº67/2003, é revogado. Mas,


temos que saber o seu âmbito de aplicação. O âmbito de aplicação deste decreto-lei
novo, está presento no seu art.3º, que nos diz que é aplicável aos contratos de compra
e venda celebrados entre consumidores e profissionais. Diz-nos também que é
aplicável aos bens fornecidos no âmbito de um contrato de empreitada ou de noutra
prestação de serviços.

É discutível a aplicação deste decreto-lei quando um bem é adquirido, ao mesmo


tempo, quer para fins pessoais, quer para fins profissionais. Mas, parece que a
aplicação profissional do bem, mesmo que esta não seja exclusiva, vai afastar a
aplicação deste regime.

27
Contratos Civis 2022/2023

Este decreto-lei consagra um princípio da conformidade dos bens com o contrato –


art.5º. Nos arts.6º e 7º, temos os requisitos subjetivos e objetivos de conformidade.
No art.8º existem elementos adicionais, porque este diz respeito a bens digitais.

Art.12º - o profissional (vendedor) é responsável por qualquer falta de conformidade


que se manifeste no prazo de 3 anos a contar da entrega da coisa.

Art.13º - este artigo é uma das novidades. Este artigo fala de ónus da prova e diz-nos
que a falta de conformidade que se manifeste no prazo de 2 anos a contar da entrega
do bem, é presumida à data da entrega do bem.
Art.14º - também fala de ónus da prova, relativamente a bens digitais. É a transposição
direta da diretiva. Em princípio, os bens digitais não são tão tratados, porque não é tão
usual.

Art.15º - é muito importante, visto que fala dos meios de ressarcimento em caso de
falta de conformidade. Diz-nos que, em caso de falta de conformidade, o consumidor
tem direito à reposição da conformidade, através da reparação ou substituição do
bem. Para além disso, tem direito à redução proporcional do preço ou á resolução do
contrato.
O pedido de resolução ou de redução do preço só podem ser exercidos se as duas
primeiras opções, ou seja, se a reparação ou substituição do bem, não forem
efetuadas.
O consumidor pode sempre optar pela reparação ou pela substituição do bem.
Não haverá escolha na situação em que o meio escolhido para a reposição da
conformidade for impossível ou se, em comparação com outro meio, impuser ao
profissional, custos desproporcionados – esta é a exceção.

Existe uma situação em que o profissional pode recusar repor a conformidade dos
bens – art.15º/3: caso seja impossível ou caso os custos para o profissional sejam
desproporcionados.

Art.17º - caducidade do direito de ação. Segundo este artigo, os direitos atribuídos ao


consumidor, vão caducar 2 anos desde a data de comunicação da falta de
conformidade.
Este artigo consagra, portanto, um regime alargado.
Os artigos seguintes falam sobre cada meio de tutela a que o consumidor tem direito.

Arts. 22º e ss. Entramos, aqui, numa secção que tem a ver com a compra e venda de
bens imóveis. No art.22º/1 fala-se do princípio da conformidade, segundo o vendedor
deve entregar ao comprador os bens imóveis conformes ao contrato.
O art.23º é muito importante, porque consagra prazos diferentes, que têm que ser
cumpridos. O profissional responde perante o consumidor por qualquer falta de
conformidade, quando o bem imóvel lhe é entregue e se manifeste nos seguintes
prazos: 10 anos em relação a faltas de conformidade, relativamente a elementos
estruturais; ou 5 anos relativamente às restantes faltas de conformidade.

28
Contratos Civis 2022/2023

O art.24º fala sobre os direitos do consumidor – a reparação ou substituição, a


redução proporcional do preço e a redução do contrato.

O art.25º fala da caducidade do direito de ação. Segundo este artigo. Os direitos


atribuídos ao consumidor caducam no prazo de 3 anos a contar da data da
comunicação da falta de conformidade.

O art.26 trata do regime aplicável ao conhecimento ou fornecimento de serviços


digitais. Em princípio, como referido antes, não vai ser muito abordado.

Concluindo, este regime protege muito mais o consumidor, porque alarga muito os
prazos de denúncia e de caducidade da ação e também é o regime que é importante
em termos de ónus da prova, visto que o inverte em algumas situações.

Aula dia 21/04/2023


2. Doação

2.1. Conceito
Art.940º - o Dr. Menezes Leitão faz duas referências a este contrato. Uma delas é que
vai ser mencionada agora.

A doação é um contrato, mas, apesar disso, há casos em que isso não sucede. Aliás,
nem sempre o foi.
O facto de ser considerado um contrato, é, de certo modo, uma opção legislativa.
Consideramo-la como tal, porque há a ideia de que uma pessoa não pode impor um
benefício a outra, porque o outro pode não querer recebê-lo, devido a múltiplos
motivos.
É natural que se exija uma declaração de vontade do beneficiário para que a doação
produza efeitos jurídicos. Por esse motivo, podemos concluir que a doação é um
contrato. Mas diz-nos Menezes Leitão, que não é assim em todos os casos. Casos há
em que a doação não é um negócio bilateral, mas antes, um negócio unilateral, porque
se prescinde da vontade – casos em que o donatário é um menor ou maior
acompanhado, ou seja, pessoa sem capacidade de exercício.
Nestes casos, se a doação for pura (sem encargos), o legislador preceitua que não seja
necessária a aceitação. Não é necessário que o donatário declare coisa alguma.

2.2. Elementos Constitutivos do Contrato de Doação

Estão presentes no art.940º e são eles:


1. Uma atribuição patrimonial geradora de enriquecimento.
A única coisa que Menezes Leitão nos diz aqui é que este enriquecimento pode
assumir qualquer forma e distingue-se do enriquecimento que nós temos em conta no
âmbito do enriquecimento sem causa. Eles não correspondem necessariamente.
Embora sejam conceitos parecidos, são usados com significado diferente.
Dr. Menezes Leitão não nos diz muito sobre esta distinção. Mas deixa a ideia de que,
quanto ao enriquecimento no âmbito da doação, não é necessário tomarmos em

29
Contratos Civis 2022/2023

conta, elementos como a poupança que o donatário teria realizado ou que não teve de
suportar, em virtude da atribuição patrimonial e também não é necessário considerar
o facto do donatário poder ter obtido este enriquecimento, por outra via.

O enriquecimento real – ex:. se eu um dia receber em minha casa uma caixa de


charutos. O enriquecimento real é o valor da caixa de charutos.
O enriquecimento patrimonial – a forma como recebi os charutos, aumentou o meu
património.
Os valores destes enriquecimentos não têm que coincidir.

O Dr. Menezes Leitão diz que a ideia de poupança de despesa, associada à ideia de
enriquecimento patrimonial e que releva no âmbito do enriquecimento sem causa,
não é a ideia de enriquecimento, aqui, empregue. O que interessa é a atribuição
patrimonial em si (enriquecimento real) e não a forma como se repercutiu no
património (enriquecimento patrimonial).
Tudo aquilo que é concreto e importante no enriquecimento sem causa, aqui é
desnecessário.

Na doação, o enriquecimento será, primordialmente, um enriquecimento real. Ex:. O


que interessa é o valor dos charutos em si. Se valessem 200€, o valor do
enriquecimento é de 200€.

2. Uma diminuição do património do doador


É necessário que a atribuição tenha sido feita à custa de uma diminuição do
património do doador. É necessário que o doador tenha empobrecido.
O enriquecimento do donatário tem de ter resultado, simultaneamente, no
empobrecimento do património do doador.

A propósito deste elemento, Menezes Leitão confronta-o com os requisitos do


enriquecimento sem causa. Ele pergunta se este enriquecimento do donatário à custa
do doador é semelhante àquilo que falamos no enriquecimento sem causa? No âmbito
do enriquecimento sem causa não é necessário que haja um empobrecimento da
pessoa à custa de quem se enriquece. Na doação é o contrário, é preciso que o
enriquecimento do donatário seja acompanhado de um empobrecimento do doador.
Por isso, há uma série de exemplos, dados por Menezes Leitão que, em princípio,
consideraríamos enriquecimento, no âmbito do enriquecimento sem causa, mas que
não consideramos no âmbito da doação.
Ex: um comodato não é uma doação. Ou seja, vou de Erasmus, se emprestar durante 9
meses, o meu automóvel a um amigo meu, essa cedência gratuita do gozo do
automóvel, nunca poderia ser configurada como uma doação. Porque, segundo
Menezes Leitão, nestes casos, não há, propriamente um empobrecimento da pessoa
quem empresta o veículo. Claro que posso opor dizendo que o facto de eu emprestar o
automóvel não diminui o meu património atual, mas, não o alugo, então, também não
posso obter rendimento.

Desta ideia de empobrecimento do doador, excluímos as situações em que a


atribuição patrimonial o impede de auferir determinadas vantagens a que ele ainda

30
Contratos Civis 2022/2023

não tinha direito no momento em que a atribuição é realizada, mas que poderia vir a
ter.
Este empobrecimento de que aqui se fala, respeita ao património da pessoa que
realiza a atribuição patrimonial, única e exclusivamente, no momento em que ela é
feita.
Esta renúncia a que o património se expanda é irrelevante.

3. Tem que existir um espírito de liberalidade.


Este conceito é central no contrato de doação.
Quando se fala de espírito de liberalidade, muitas vezes, fala-se em espontaneidade,
mas, verdadeiramente, aquilo que se quer dizer, é, a intenção do doador de realizar ou
atribuir, diretamente, ao donatário, um benefício que provoque o seu enriquecimento.
Esta é a definição dada por Menezes Leitão.

Por que motivo é que uma pessoa realiza uma atribuição patrimonial que a
empobrece, que não tenha espírito de liberalidade? Pode haver, na realidade, muitas
situações em que alguém realiza uma atribuição e gera um enriquecimento, mas sem
intenção de provocar esse enriquecimento.
A intenção de provocar esse enriquecimento é o centro do espírito de liberalidade e
essa intenção tem que ser espontânea, ainda que não tenha que ser altruísta.
Mas, em todos estes casos, seja qual for a intenção por trás da liberalidade, tem que
haver a intenção de gerar o enriquecimento.

Mas há casos em que isso não sucede. Ex: Menezes Leitão dá o exemplo da prestação
de garantia, embora o Dr. Pinto Monteiro não o considere acertado.

Existem vários motivos pelos quais uma pessoa pode fazer uma atribuição patrimonial,
sendo ela espontânea.

Mas há casos em que falta esta intenção – art.940º:


- renúncia a direitos – ex: uma pessoa pode não pretender poupar algo a alguém, só
quer apenas renunciar um direito, ou seja, a pessoa pretende extinguir um direito
próprio, sem consideração de como isso se vai repercutir na esfera de outrem;

Existe uma exceção a esta regra – art.863º/2 (caso específico de remissão – que é uma
forma de extinção de obrigações). A remissão é aquilo a que na gíria, chamamos de
perdão. Esse é o único caso de renúncia de direito em que a renúncia configura uma
doação, porque resulta de um negócio entre credor e devedor, onde esteja
demonstrado o espírito de liberalidade.

- repúdio de herança – ao repudiar uma herança, quem repudia, tem como finalidade,
não suceder. A intenção de quem repudia a herança é não querer herdar. Não há
espírito de liberalidade, porque as consequências para as outras pessoas, não são
vistas e achadas para que tenha lugar o repúdio da herança.

31
Contratos Civis 2022/2023

Também aqui há uma exceção – casos em que há um repúdio da herança em benefício


de outro. Estes casos são tratados como uma aceitação de uma herança que depois é
alienada a favor de alguém.

- quando haja donativos conformes aos usos sociais – ex:. gorjetas. Isto não é uma
doação porque alta o espírito de liberalidade. Não há a intenção de enriquecer a
pessoa espontaneamente. Estou a enriquecer alguém porque esse alguém me prestou
um serviço e, não tenho obrigação de o fazer, mas faço porque, socialmente, posso.
Portanto, não há um animus donandi, há um animus solvendi. Realizo esta atribuição,
não por vontade, mas por dever.
O donativo não é espontâneo, mas é socialmente expectável que o faça.

2.3. Contrato de Doação em Função das Várias Modalidades de Negócio Jurídico

2.3.1. Classificação do Contrato de Doação

É um contrato nominado? Sim.

É um contrato típico? Sim, está previsto e regulado na lei.

É um contrato formal ou não? A doação é, primordialmente, um contrato formal,


porque a doação de coisa imóvel está sujeita a escritura pública ou documento
particular autenticado e, ao contrário do que sucede na compra e venda de coisas
móveis, na doação, exige-se forma, ainda que seja apenas um documento particular.
Mas, nem sempre. Só se exige forma, na doação de coisas móveis, se a celebração do
contrato não for acompanhada da entrega da coisa doada.
A doação é muitas vezes, um contrato formal. Por isso, Menezes Leitão a descreve
como primordialmente formal.

É um contrato real quanto à constituição ou não? A doação é um contrato cuja


perfeição basta o acordo, o consenso, ou é um contrato, para cuja perfeição é
necessário, também, a realização de um ato contemporânea ou anterior aquele
consenso? Se eu doar uma coisa imóvel, basta que respeite a forma legalmente
exigida. Se se tratar de coisa móvel, se eu formalizar a doação, basta o consenso, mas,
se não formalizar, terei de entregar a coisa.
Nos casos de coisa móvel não formalizada, a doação é um contrato real quanto à sua
constituição.
O mesmo é dizer que, se doarmos uma coisa móvel, não formalizada, é necessário que
o consenso, não formalizado, seja acompanhado da prática de um ato material.

Quanto aos efeitos, como qualificar a doação? A doação produz efeitos reais e
obrigacionais, em certos casos. Ex: eu dei uma quinta a alguém. Produz o efeito real de
transmissão da propriedade e o efeito obrigacional de eu entregar a coisa.
Mas, há casos em que a doação ou só produz efeitos reais ou só produz efeitos
obrigacionais.
Ex1:. doação sobre bens incorpóreos.

32
Contratos Civis 2022/2023

Ex2:. Ou então, vamos imaginar. A quinta que eu doei, já estava na posse do meu
amigo, aí, nasce um efeito real de transmissão da propriedade, mas, não nasce a
obrigação de entrega – aqui é um caso em que só produz efeitos reais.

Ex3:. a assunção de uma obrigação. O doador assume uma dívida do donatário. O


doador assume a obrigação do donatário. Existe um enriquecimento. Além disso, ao
assumir a obrigação, o doador empobrecer. Houve, também, uma intenção, suposta,
de atribuir um benefício do donatário.
Neste caso, existem efeitos, puramente obrigacionais.

Ex4:. art.863º/2 – perdão de dívida. Também é uma doação. O credor da obrigação


remitida é o doador; o devedor é o donatário. O donatário enriquece, porque estava
vinculado a cumprir uma obrigação e agora já não está. O credor viu o seu património
empobrecido. Existe, também, o espírito de liberalidade.

É um contrato gratuito ou oneroso? O Dr. Menezes Leitão parece entender que a


doação tenha que ser um contrato, integralmente, gratuito. Dr. Pinto Monteiro não
concorda.
Há uma figura que vamos ver – a doação modal – em que há um encargo que é
imposto ao donatário, seja em benefício do doador, de terceiro ou do donatário. Ex:.
doei um prédio urbano a alguém, mas a pessoa fica com o encargo de me dar todos os
meses uma renda. Em todas estas situações a doação não é pura, ela impõe que o
donatário faça alguma coisa, que é judicialmente exigível e que, se não feita, pode
atribuir ao doador, o poder de desfazer a doação.
Falamos de um encargo que é tratado, pelo legislador, como um dever.

Para que um contrato seja gratuito, temos que poder dizer que só há atribuições
patrimoniais a cargo de uma das partes. Nas doações puras, isso, efetivamente,
acontece. Mas, as dúvidas surgem nas doações modais, porque, aqui, também há uma
atribuição patrimonial imposta a outra parte, que corresponde ao modo, ao encargo.
Não se pode dizer que a pessoa que tem como encargo pagar uma renda mensal, a
quem lhe doou um prédio, não veja isso como um encargo.

O Dr. Menezes Leitão apresenta como argumento o facto de, na doação modal, o valor
do encargo, estar limitado ao valor daquilo que é doado.
Mas isso, não quer dizer que a doação não seja, ainda, onerosa. Uma doação modal,
que imponha um encargo ao donatário, não deixa de impor um encargo que tem valor
patrimonial.

Por isso, devemos entender que a doação tem que ser sempre parcialmente gratuita,
mas não tem que ser sempre, integralmente gratuita.

É um contrato sinalagmático ou não? O Dr. Menezes Leitão entende que não. O Dr.
Pinto Monteiro concorda que até possa não ser sinalagmático, mas não concorda em
dizer que a doação é um contrato unilateral. Também existem deveres impostos ao
donatário, não impõe obrigações a apenas uma das partes.

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Ao Dr. Pinto Monteiro não parece que a doação seja sempre um contrato unilateral.
Pode ser bilateral, ou bilateral imperfeita.

É um contrato que é fonte de obrigações com prestação instantânea ou que pode


também ser fonte de obrigações com prestação duradoura? Dr. Menezes Leitão diz
que pode ser as duas coisas. Pode ser de execução instantânea ou duradoura na
modalidade de prestações reiteradas ou contrato sucessivo, porque o legislador prevê,
expressamente, a possibilidade da doação ter por objeto prestações periódicas.
Ex: o doador pode doar ao donatário, 100000€ (prestação instantânea), mas também
pode decidir doar 1000€ todos os meses (prestação duradoura reiterada).
Dr. Pinto Monteiro, neste aspeto, concorda plenamente.

2.4. Restrições ao Objeto da Doação

 Segundo ao art.942º, a doação não pode abranger bens futuros.


Porquê? Por dois motivos: um deles, é uma questão de
consciencialização – ideia de que é fácil darmos aquilo que ainda não é
nosso. Dito de outra forma, é difícil eu doar uma coisa que já é minha,
porque existe uma consciência da perda.
Isto está comprovado na economia (no ramo da análise comportamental) e explica,
porque é, muitas vezes, as pessoas não agem racionalmente.
Isto porque nós damos muito mais valor a uma coisa que é nossa, do que aquilo que
não é.

O legislador decidiu proibir a doação futura, precisamente porque iriamos abrir, mais
facilmente, mão das coisas.

Além disso, dados os elementos que vimos serem os elementos do contrato de


doação, a doação de bens futuros nunca poderia ser vista como uma verdadeira
doação, porque a doação tem como um dos seus elementos o empobrecimento do
doador. Ora, se o doador doar um bem futuro, não há qualquer empobrecimento seu
no momento da celebração do contrato de doação.

O legislador, no art.942º/2, diz-nos que não se pode doar bens futuros, mas, nos casos
em que se doe uma universalidade de facto, consideram-se integradas no âmbito da
doação, as coisas que venham a integrar a universalidade. Ex: doação de uma
biblioteca, de um rebanho.
Uma universalidade de facto é uma coisa composta por vários elementos singulares,
mas que são aqui considerados, coletivamente, como sendo uma coisa só, porque
estão destinadas a um fim unitário.
Ex:. quanto ao exemplo do rebanho. Se uma pessoa doar um rebanho, não basta a
doação, é preciso que a universalidade de facto (o rebanho) continue no uso e fruição
do doador.
Pensemos num rebanho que é doado, mas continua a ser utilizado por quem o doou,
desde logo, existem elementos daquela unidade de facto que nascem ou morrem e, se
calhar, passado algum tempo, nenhuma das ovelhas era originária.

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Contratos Civis 2022/2023

Levanta-se a questão de saber se essas coisas singulares que vêm a integrar a


universalidade de facto, se devem considerar doadas ou não. O legislador entende que
sim, porque a universalidade de facto é a mesma. As coisas singulares podem ser
futuras, mas, a coisa composta, de que esses elementos são uma coisa singular, essa
sim, já existia originariamente, ela não é uma coisa futura.

 Art.943º - o legislador faz uma circunscrição do objeto da doação. Diz-


nos que a doação pode ter por objeto prestações periódicas, mas não
para além da morte do doador. Os herdeiros não têm que continuar a
realizar essas prestações periódicas.
Esta norma deve ser considerada imperativa ou supletiva? O Dr. Menezes Leitão
apresenta uma posição a favor e outra contra.
Existe um autor, Antunes Varela, que diz, que é uma norma imperativa, tendo por base
o art.946º/1, que proíbe a doação por morte (aquela que se destina a produzir efeitos
após a morte do doador).

Já o Dr. Menezes Leitão não concorda com Antunes Varela, assim como o Dr. Pinto
Monteiro. Em primeiro lugar o doador poderia sempre alcançar o resultado que
Antunes Varela vê como proibido. Este mesmo legislador, permite que o doador, no
testamento, inclua uma disposição que alcance esse resultado.
Ou seja, o argumento de Antunes Varela não faz grande sentido, porque se eu
convencionar com alguém que lhe dou, todos os meses, 1000€, após a minha morte,
alcanço o resultado que Antunes Varela entende ser proibido. Isto, desde que o
testamento cumpra os requisitos testamentários.

Menezes Leitão diz que o art.946º/1 refere-se a proibições destinadas a produzir


efeitos apenas após a morte do doador. E não é isso que está aqui em causa. A doação
com prestação periódica, destina-se, a produzir efeitos, ainda em vida do doador. Sim,
é verdade que, havendo cláusula nesse sentido, esses efeitos poderiam continuar após
a morte do doador. Mas o art.946º/1 não proíbe isso, proíbe apenas que os efeitos se
comecem a produzir, apenas, após a morte do doador.

 Art.944º - doação conjunta. Aqui não há grandes divergências. O que


está aqui em causa é uma doação no âmbito da qual a atribuição
patrimonial tenha vários donatários para a mesma coisa doada.
Levanta-se a questão de uma das pessoas não querer aceitar a doação. Existem dois
cenários possíveis: ou a quota daquele que não aceitou a doação, acresce aos outros (o
mesmo que dizer que é dividida entre eles); ou não acresce, caso em que não se
considerará transmitida e continua a caber ao devedor.

O legislador no art.944º diz que se trata de uma norma supletiva, de que não há direito
a acrescer, a regra é que a quota não aceite, continue na esfera do doador.

2.5. Forma do Contrato de Doação

A forma já foi falada acima, no ponto 2.3.


O Dr. Menezes Leitão adiciona duas notas:

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- a razão de ser da forma: a maior parte dos contratos são onerosos. A forma permite a
reflexão das partes (a ideia de consciencialização). E, num contrato, em que uma das
partes realiza uma atribuição patrimonial, pelo menos, parcialmente gratuita, essa
reflexão é ainda mais necessária.
É este o motivo do contrato de doação ser primordialmente formal.

- a referência a um procedimento especial de transmissão, oneração e registo de


imoveis – decreto-lei nº267-A/2007: na compra e venda de imóvel, à semelhança da
doação de imóveis, é possível celebrar o contrato por um procedimento especial que
implica, da parte dos contraentes, um pedido a uma conservatória do registo civil, de
escolherem os contraentes, um dos vários modelos de contrato que o decreto-lei
prevê, sendo todo o procedimento acompanhado pelo Registo.
Por isso, seguindo este procedimento, não é preciso uma forma tão exigente como a
escritura pública ou o escrito particular autenticado, porque já há um jurista a
acompanhar o processo.
O facto deste acompanhamento ocorrer, permite ao doador, pensar se é mesmo o que
ele quer e pensar face às consequências jurídicas do seu ato, que, no âmbito deste
procedimento, pode, mais facilmente, inteirar-se.
Compreende-se a menor exigência de forma neste caso, porque já é acompanhado por
um jurista, do início ao fim.

Aula dia 28/04/2023

2.6. Formação do Contrato de Doação


Justifica-se esta menção, porque, de facto, existem muitas particularidades,
respeitantes à formação deste contrato.

No que toca à formação do contrato, se repararmos, diríamos que existem várias


particularidades:
1. Como funciona a proposta e a aceitação do contrato de doação: quanto a
esta questão, o Dr. Menezes Leitão menciona, que há, desde logo, um
desvio no que respeita à proposta, relativamente ao regime geral do
art.228ºCC. Há um regime para a proposta no âmbito do art.228ºCC, mas
existe outro regime, que se aplica à doação, e que não consta deste artigo.
Na doação, a proposta não caduca durante a vida do doador, ou seja, a
proposta não caduca com o vencimento de um prazo, mas sim pela morte
do doador.
Os herdeiros do doador não devem ser onerados por uma proposta que o
doador tinha apresentado, por um espírito de liberalidade seu. Esta
intenção não se transmite de de cuius para herdeiros. Porque o espírito de
liberalidade do doador, pode não ser o espírito de liberalidade dos
herdeiros.
Então, a proposta, enquanto o doador seja vivo, não caduca.

Porém, enquanto a proposta não for aceite, pode ser, livremente, revogada,
a todo o tempo. A aceitação, então, não é irrelevante, muito pelo contrário

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– art.945ºCC. Sem ela, a proposta está sempre sujeita a que, a qualquer


momento, a pessoa que a formulou, a revogue.
Esta aceitação, que deve ser comunicada pelo donatário ao doador, pode
ser expressa ou tácita.
No entanto, existem casos – doação de coisas móveis – em que, se a coisa
for entregue ao donatário, este não precisa de aceitar a proposta
expressamente. Porque a aceitação funciona através da entrega –
art.945º/2.

A segunda nota, relativa à caducidade da proposta, continua a ser feita


entre o regime geral e o regime específico. A proposta caduca com a morte
do doador, ou também, do donatário. O legislador só fala da morte do
doador, mas devemos também incluir a morte do donatário, segundo
Menezes Leitão. Isto porque, morrendo o donatário, o espírito de
liberalidade do doador não se transmite aos herdeiros do donatário.
Se os herdeiros aceitassem a proposta, seria uma doação sem espírito de
liberalidade.

2. A capacidade para ser doador (ativa) e para ser donatário (passiva):


começando pela capacidade ativa, existem aqui, também, várias notas a
serem mencionadas.
Em primeiro lugar, o legislador diz-nos que tem capacidade para doar, quem
tem capacidade de exercício. Isso significa, desde logo, que, menores, não
têm capacidade para doar.
Mas, podem os representantes legais do menor, doar no lugar deles? Na
doação, em princípio, nada se recebe em troca, por isso, ao doarem os bens
do filho, nada recebem em troca, então, convém que quem manifesta o
espírito de liberalidade, seja quem suporte a perda patrimonial. Logo, de
acordo com o Dr. Menezes Leitão, no caso da doação, deve existir uma
coincidência entre quem suporta a perda patrimonial e quem manifesta o
espírito de liberalidade (não devem ser pessoas diferentes).
Para o legislador, está claro que, os representantes legais não podem
realizar doações.
E os procuradores, podem? Aqui já faz sentido que seja válido. Porém, o Dr.
Menezes Leitão não concorda que possa ser válido. O legislador, em
princípio permite isto, exceto em casos em que o mandante passe um
cheque em branco ao mandatário que vai praticar o ato de doação (isto é,
permitir que doe a quem quiser, o que quiser).

Quanto ao momento em que vamos aferir a capacidade de quem doa,


existe outro problema. Quem doa tem que ter capacidade de exercício,
mas, já vimos, que uma pessoa pode propor uma doação e passar muito
tempo sem que ela seja aceite. Por isto, levanta-se a questão de saber que
momento é relevante para saber se quem propõe a doação é capaz. É o
momento em que propõe? Ou o momento em que ela cessa? O legislador
respondeu que, é o momento da proposta.

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Ex: se um de nós que é menor, propõe a doação de um carro a um sobrinho,


esta proposta, nunca vai produzir efeitos. Nunca se poderá celebrar, com
base nela, um contrato de doação, válido e eficaz, mesmo que a aceitação
da proposta só seja feita depois de ele atingir a maioridade.

E as pessoas coletivas, podem doar? Ex: um sócio maioritário disse que a


todos os trabalhadores deveria ser doado um jeep. Os outros sócios
disseram que essa doação ia contra a finalidade da sociedade.
Existem pessoas coletivas que podem doar – as associações – que têm
determinado fim. Mesmo quando ele é patrimonial, provavelmente, é
compatível com doações. Acontece o mesmo com as fundações.
O princípio da capacidade do fim, determina que uma pessoa coletiva só
tem capacidade para praticar atos que sejam necessários ou convenientes à
prossecução do seu fim.
Poderia pensar-se que a atribuição do jeep a cada trabalhador, ainda que
não esteja de acordo com o fim da sociedade, poderia ser válido, porque os
levaria a uma maior motivação e, com isso, a empresa obteria mais lucro –
animus solvendi.
No entanto, o que acontece é que, nesse caso, não há doação.
Também poderíamos pensar que haveria um animus donandi, a partir de
certo ponto, ou seja, podíamos pensar se a satisfação do animus solvendi,
ou se o animus solvendi em si, explica esta atribuição só até certo ponto,
porque não é necessário dar um jeep, para compensar o trabalho. A partir
de certo ponto, no que toca ao valor da atribuição, dificilmente poderíamos
afirmar que ainda estamos a pagar a lealdade (animus solvendi).
Então, nas sociedades comerciais (que possam fazer doações) só é doação
enquanto for animus solvendi.

Quanto à capacidade passiva – ser destinatário da doação – o Dr. Menezes


Leitão menciona dois pontos. A questão é saber quem pode ser donatário.
Nós dizemos que os menores – pessoa sem capacidade de exercício - não
podem fazer uma doação, mas, poderão recebê-la? Em princípio, claro que
um menor, pode ser donatário, porque o donatário nunca fica a perder na
doação, muito pelo contrário. No entanto, existem doações e doações,
porque existem as doações modais, em que o donatário tem que cumprir
um encargo. O legislador trata a aceitação desta de forma diversa.
Tratando-se de uma doação modal, ela tem que ser aceite (não vai ser
aceite por um incapaz, mas pelos seus representantes). Agora, se não for
uma doação modal, ou seja, se estiver em causa uma doação pura, o
legislador entende que a proposta produz efeitos, independentemente, de
ser aceite pelo donatário (ou neste caso, pelos representantes legais). Neste
caso, prescinde-se da aceitação – aqui não há qualquer negócio bilateral,
aqui a doação não é um contrato.

Por último, Menezes leitão faz uma referência ao art.952º dizendo que, nos
dias de hoje, esta norma é desnecessária, sendo que o Dr. Pinto Monteiro

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concorda. Os nascituros, concebidos ou não concebidos, ser donatários,


podem ser destinatários de uma doação.
Claro que, só se tornam titulares deste direito, aquando do seu nascimento.
O Dr. Menezes Leitão diz que esta norma é desnecessária, porque é um
resquício histórico do tempo em que se proibia as atribuições patrimoniais
feitas no âmbito das substituições ...
O Dr. Menezes Leitão diz que este mesmo resultado pode ser alcançado
através de um testamento ou através de uma doação, uma vez nascida a
pessoa. Ou seja, não é preciso estar a regular alguém que ainda não nasceu
ou ainda nem foi concebido.

Por último, o nº2 deste artigo também não é muito relevante. Ex: eu doo
uma coisa ao meu filho que ainda nem sequer foi concebido, mas, enquanto
ele não nascer, eu sou o usufrutuário da coisa. Mas, o Dr. Menezes Leitão,
também considera isto desnecessário, porque entre 1966-1967, os pais
eram usufrutuários legais das coisas dos filhos e nessa altura, os pais, que
ainda nem tinham sido pais, estariam a usufruir da coisa, que seria do filho,
quando esse nascesse.
Com a reforma, eliminou-se esta regra.

 Pode haver Doação por Mandato?

O legislador estabelece uma proibição de celebrar doação por mandato, quando este
não comportar a faculdade de designar a pessoa do donatário ou do objeto da doação
– art.949º/1CC.
Então, o mandante tem que indicar o conjunto de pessoas que possam ser donatárias
e o conjunto de objetos a partir do qual o mandatário pode escolher.
Posso atribuir a alguém por procuração, que doe por mim, desde que determinadas as
pessoas e os objetos da doação.

O próprio mandatário pode escolher a pessoa a quem doar, mas este poder tem que
ser circunscrito pelo mandante. O mesmo quanto ao objeto.
Verdadeiramente, a doação por mandato, é permitida, o que a põe em causa, um
pouco, aquela ideia de Menezes Leitão de que uma pessoa não pode doar por outra.

Apesar de tudo, então, o legislador permite, em certos casos, a doação por mandato.
E, mais que isso, permite que o mandatário, até, escolha a pessoa a quem vai ser
doado, desde que o faça de entre uma lista de pessoas e objetos determinados pelo
mandante.

 Pode haver um contrato promessa de doação?


O contrato promessa garante a celebração do contrato prometido.

Em princípio não há nenhuma proibição. Mas coloca-se a questão se saber se isso não
põe em causa os elementos essenciais da doação.
Se eu celebro um contrato promessa de doação, onde está a espontaneidade da
doação?

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Ao celebrar um contrato de doação, no futuro, não o estou a fazer espontaneamente,


mas porque há o dever jurídico de o fazer. Esta doação não é livre, porque o contrato
promessa a impõe.
O elemento essencial do espírito de liberalidade existe na promessa de doação, mas
não na doação em si, porque, nesse momento já não sou livre, por causa da promessa.

Em regra, apesar destas dificuldades, o contrato promessa de doação é aceite.

Então gera-se o problema de podermos aceitar este contrato. Há autores que são mais
céticos, e que dizem que só a promessa de doação é que é verdadeira doação, porque
há uma atribuição patrimonial (assunção de uma obrigação) e esta é feita com espírito
de liberalidade. Depois, também existe uma transmissão. No entanto, no momento da
celebração do contrato prometido, já não existe este espírito de liberalidade.

O Dr. Antunes Varela parte da mesma ideia base, mas diz que não é só a promessa que
é doação, ele diz que a doação prometida também é ainda doação, porque comunga
do espírito de liberalidade que existe na promessa.
Compreende-se, de certa forma, este entendimento, porque o contrato promessa, não
tem valor por si próprio. Todos os efeitos que produz são queridos como um meio para
atingir um fim – os efeitos do contrato prometido.

Já Menezes Leitão diz que a promessa de doação é doação, mas o espírito de


liberalidade que presidiu à promessa de doação encontra-se ... na doação prometida.
Ora, o seu entendimento não pode ser aceite. A ideia em que assenta este
entendimento é de que ainda há uma margem de liberdade contratual, quando da
celebração do contrato prometido e, isso não é verdade.

 Pode haver execução específica do contrato promessa de doação?


Não pode, porque esta, na doação, é contrária à natureza da doação.
O Dr. Pinto Monteiro discorda, dizendo que pode haver execução específica de um
contrato promessa de doação. O tribunal não pode fazê-lo, por exemplo, se alguém
prometeu vender uma coisa, que, entretanto, alienou - não pode ser exigida a
execução especifica. O promitente vendedor não pode vender porque a coisa já não é
sua, também, não pode o tribunal substituir-se a este e vender a coisa.
Quando se menciona a exceção da “natureza da obrigação assumida”, o que o
legislador nos diz é que não se pode recorrer à execução específica se, através dela, o
contrato prometido não puder ser celebrado, válida e eficazmente.

 Pode haver doação de coisas futuras? Não pode.


 E promessa de doação de coisas futuras?
O Dr. Menezes leitão diz que sim, mas o Dr. Pinto Monteiro discorda.
São os efeitos translativos da compra e venda que se justifiquem a venda de bens
alheios. Mas, nada proíbe a promessa de venda de bens alheios.

Quanto à doação, proíbe-se a ideia de doação de bens futuros, pela ideia de


consciencialização – de que é fácil doar o que não é nosso. Esta ideia repercute-se na

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promessa de doação de bens futuros, porque, também é muito fácil, aliás, tão ou mais
fácil doar aquilo que é futuro. O mesmo problema que leva à proibição da doação de
bens futuros, estende-se à promessa de doação de bens futuros.

2.7. Nulidade e Convalidação da Doação

Há casos em que uma doação é nula – ex: quando não observa a forma exigida no
art.947º; quando se viole uma das impossibilidades relativas, do art.953ºCC.

Há uma curiosidade quanto a esta nulidade, porque, para este regime, o legislador
permite que, o herdeiro do doador, confirme a doação. Ou seja, se tivermos uma
doação nula, ela ainda pode vir a produzir efeitos, desde que seja confirmada por um
herdeiro do doador, depois da morte deste. Mas, repare-se, não há aqui uma
verdadeira convalidação, não se sana a nulidade da doação. A doação não deixa de ser
nula, mas produz efeitos, porque apenas se preclude que o herdeiro do doador, dele
se possa valer, porque ao confirmar a doação, renunciam ao direito de invocar aquele
vício.

O Dr. Menezes Leitão não deixa de acrescentar uns pontos. A confirmação representa
uma renúncia ao direito de invocar a nulidade. Ela pode operar por uma declaração
expressa do herdeiro do doador ou, por exemplo, pela transmissão do objeto da
doação.
Ou o herdeiro do doador declara a vontade de declaração dos efeitos da doação nula.
Ou, este, através da execução, exprime essa vontade – declaração tácita.

Na parte final do art.968º, o legislador diz que é necessário que quando o doador
pratique estes atos - quando confirma a doação -, saiba que esse seu ato vai traduzir-
se na renúncia a um direito a pedir a declaração de nulidade.
A renúncia tem que ser feita por alguém que saiba que está a renunciar a um direito.

Aula dia 05/05/2023

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