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Contrato de Compra e Venda

Art 874° - 939° / CC

É o contrato mais importante na nossa OJ:

▪ Mais frequente + função econômico social (importância empírica),


▪ Nos termos do Art 939°: o regime da C e V aplica-se supletivamente a todos
os contratos onerosos em que haja transferência de propriedade.
Ex: Contrato de empreitada – encomendou, mandou fazer uma casa – a o que
tiver de lacunoso nesse contrato, se aplica o regime da compra e venda.
Ex2: troca não está mais regulado no CC (só no CComercial) e aplica-se metade
do regime da C e V (por força do Art 939°). Já que na troca temos um
“escambo” de duas coisas, as regras da C e V relativas ao preço não se aplicam
a troca, mas somente as relativas à transmissão da coisa.

Definição (Art 874°): Contrato pelo qual se transmite a propriedade de uma coisa, ou
outro direito1, mediante pagamento de um preço.

É um contrato translativo de direitos (pressupõe existência de contrapartida pecuniária


para a transmissão).

▪ Se não há contrapartida 🡪 qualifica-se o contrato como doação (Art 940°)


▪ Se a contrapartida não consiste em quantia pecuniária 🡪 o contrato constitui-se
como um contrato de escambo/troca.

Características do Contrato de Compra e Venda


▪ É um contrato nominado: lei o reconhece como categoria jurídica.
▪ É um contrato legalmente e socialmente típico: lei estabelece para ele um
regime (no âmbito do Direito Civil e Comercial e um regime especial para
venda de bens de consumo DL 67/2003 alterado pelo DL 84/2008).

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Para ser C e V, o “outro direito” transmitido pode tanto ser real (ex: trespasse de usufruto – Art 1444°,
se realizado a título oneroso) ou direito não real (ex: direitos de propriedade industrial, direitos de
propriedade intelectual com os direitos de autor, direitos de crédito como a cessão de créditos onerosa do
Art 578°, direitos potestativos ou situações jurídicas complexas como posição contratual ou
universalidades de direito como o trespasse de estabelecimento comercial/industrial).
OBS: assunção de dívidas onerosa não pode ser qualificada como compra e venda já que é considerada
pela lei como um contrato translativo de direitos e não de obrigações.
OBS2: também não é C e V transmissão de outras situações não consideradas como direitos subjetivos do
alienante (seria tipos contratuais diferentes – não é compra e venda a “venda de informações, segredos ou
produtos financeiros”, já a “venda de jogadores de futebol” por se tratar de uma cessão da posição
contratual a título oneroso, pode ser qualificada como compra e venda).
Ex: simples posse NÃO constitui um direito subjetivo, não podendo ser objeto de compra e venda, já que
sua transmissão não corresponde à transmissão de um direito.
▪ É um contrato primordialmente não-formal: regra geral é ser um contrato
não-formal, sujeito à liberdade de forma (Art 219°, CC – regra geral).
Exceções (casos em que omissão de forma leva a nulidade – Art 220°):
o Compra e venda de bens imóveis (Art 875°, CC) 🡪 possui forma
específica (escritura pública ou documento particular autenticado). É
extensiva tal exigência de forma a outros atos que importem
(modificação, divisão, constituição, alienação de herança...) de coisas
imóveis (DL 116/2008 de 4 de Julho).
OBS: há exceções em que se admite C e V de imóveis ser feita por
simples documento particular 🡪 C e V com mútuo com ou sem
hipoteca de prédio urbano p/habitação desde que mutuante seja
instituição de crédito autorizada a conceder crédito à habitação +
Procedimento especial de transmissão, oneração e registo de imóveis.
o Transmissão total e definitiva de direitos de autor exige escritura
pública (Art 44°, CDADC).
o Exigência de redução a escrito por razões de proteção do
consumidor:
▪ (DL n°24/2014 de 14 de fevereiro): contratos celebrados fora
do estabelecimento comercial: ex – contrato celebrado de casa
(alguém bate a minha porta querendo vender um pacote de
internet) ou celebrados na rua, em reuniões em hotéis... Todos
estes estão sujeitos à forma escrita sob pena de nulidade.
Nesse DL só se abrange a relação entre o profissional (no
exercício de sua atividade econômica em permanência) e
consumidor (pessoa singular que adquire um bem para um
uso privado – se eu for advogada e adquirir algo para uso
profissional já não sou consumidora). Se tivermos relação
comercial nenhum de nós é consumidor, para haver consumo
é necessário haver essa relação entre um particular que
compra para fins privados e alguém que venda no exercício
de sua atividade profissional
No caso de contratação à distância. Esse decreto inclui, por
exemplo: compras online, lei exige que sejam confirmados –
exige-se não propriamente uma forma, mas sim se ter um
escrito. Ex2: contratação telefônica: também sujeitos à forma
escrita, mesmo que no telefone diga que quer subscrever à
Netflix, por exemplo, para a validade, esses “pactos”
necessitam de vinculação por escrito, se não são nulos e não
vinculam o adquirente.
▪ Venda de crédito ao consumo deve ser celebrado por escrito
ou outro suporte duradouro.
o Fora desses casos e outras exceções C e V não precisa revestir forma
especial. Atenção que C e V de bens móveis sujeitos a registo como
automóveis não esta sujeita a forma especial (assim como o próprio
regime das coisas móveis e o Art 205°, n°2 / CC reforça).
▪ C e V é um contrato consensual (quanto a constituição): lei prevê
expressamente existência de obrigação de entrega pelo vendedor (Art 879°,
b). Ou seja, a entrega não é associada à constituição do contrato, se admite
sua vigência antes mesmo da coisa ser entregue, independe da traditio rei. É
o acordo das partes que determina a formação do contrato 🡪 não
depende da entrega da coisa nem do pagamento do respectivo preço.
Assim, aqui basta mero acordo das partes, diferente dos contratos reais como
o de comodato que exigem entrega do bem para a perfeição do contrato, isso
porque no comodato o legislador quer que reflita bem antes de emprestar
uma coisa sua, como é uma cedência gratuita do bem. Ou seja, C e V não é
contrato real quanto a constituição.

▪ C e V é um contrato obrigacional: determina constituição de duas


obrigações 🡪
o Obrigação de entregar a coisa (Art 879b))
o Obrigação de pagar o preço (Art 879°c))
▪ C e V é um contrato real quoad effectum: produz transmissão de direitos
reais (Art 879°a)).
▪ C e V é um contrato oneroso: nele existe uma contrapartida pecuniária à
transmissão dos bens, importando sacrifícios econômicos para ambas as
partes.
- Não se exige necessariamente equivalência de valores entre o direito
transmitido e preço respectivo. Regras se aplicam mesmo se comprador
consegue descontos significativos, por exemplo, por conhecer o vendedor.
- Contudo, se a intenção é atribuir efetivamente enriquecimento ao alienante
(comprar um bem mais caro em um leilão por um fim beneficente) ou ao
adquirente (alienação de bens por um preço simbólico inferior ao valor de
mercado com fins de liberalidade) 🡪 já não corresponde a verdadeira compra
e venda, mas sim a contrato misto indireto de venda e doação (negotium
mixtum cum donationem).
▪ C e V é um contrato sinalagmático: obrigações do vendedor e comprador
constituem-se cada uma com causa na outra (sinalagma genético),
determinando que permaneçam ligadas durante a fase da execução do
contrato, não podendo uma ser realizada se a outra não for (sinalagma
funcional).
Assim, aqui podemos invocar uma série de institutos e regras relativas ao
sinalagma contratual:
- Exceção de não cumprimento do contrato
- Caducidade do contrato por impossibilidade das prestações
- Resolução por incumprimento (Art 801°, n°2): regra geral de extinção do
contrato, em que outra parte pode, dentro de determinados requisitos,
resolver o contrato se a primeira parte não cumpre (pois faltou-se
culposamente com o cumprimento da obrigação).
Transmissão da propriedade com a entrega da coisa é algo poderoso, muito
importante na OJ, já que a transmissão do domínio traduz estabilidade. Por
isso Art 886° diz que transmitida a propriedade e entregue a coisa o
vendedor não pode resolver o contrato por não pagamento do preço. Por
exemplo, se acordamos prazo para pagamento, o comprador fica em mora,
terão juros a serem pagos e o vendedor teria o recurso da ação para o
cumprimento.
Art 886° é uma regra específica da compra e venda, regime especial que
se relaciona com o domínio e a estabilidade a ele associada. Menezes
Cordeiro tem uma visão diferente do curso, afirmando que o sinalagma na C
e V não é totalmente funcional por postular tipicamente uma execução
instantânea. Contudo, para o CURSO esse artigo não põe em causa o caráter
geral do sinalagma funcional da C e V.
▪ C e V é um contrato normalmente comutativo (por vezes pode ser
aleatório).
o Normalmente comutativo: ambas as atribuições patrimoniais se
apresentam como certas e não se verifica incerteza nem quanto a sua
existência (an) nem quanto ao seu conteúdo (quantum).
o Em certos casos a lei admite que a C e V possa funcionar como
contrato aleatório. Aleatório é quando falamos de bens de titularidade
incerta por bens que ainda não existem, ou que existindo ainda não
pertencem ao vendedor.
Hipóteses em que se admite ser aleatório:
- Venda de bens futuros, frutos pendentes e partes
componentes/integrantes que as partes atribuem esse carácter
aleatório (Art 880°, n°2),
- Venda de bens de existência ou titularidade incerta (Art 881°)
- Venda de herança ou quinhão hereditário (Art 2124°)
- Venda de expectativas
Ex: sou construtora civil e comprei um terreno, estou convencida que
a Câmara vai me permitir construir nele. Pode ter alguém interessado
em comprar mesmo ainda não estando construído.
Ex2: estou convencida que receberei um quadro pelo testamento de
minha madrinha (já existe, mas ainda não pertence a minha esfera
jurídica).
Posso vender o quadro ou a casa atribuindo natureza aleatória a este
contrato, vendendo, mas não garantindo nada. Nessa situação partes
acordam que não sabem se vai ser possível que se produzam os
efeitos do contrato. O comprador nesse NJ corre risco, mas pode ter
vantagem se houver a transmissão (talvez comprado a um preço mais
baixo), partes podem nessa situação considerar que seja aleatório.
Mas podem fazer outra coisa, podem considerar que seja venda de
coisa futura (Art 880°, CC), só tem caráter aleatório se as partes
convencionarem nesse sentido. Se as partes considerarem que é
venda de coisa futura, em princípio o contrato não tem natureza
aleatória, só se partes convencionarem desta forma, lhe atribuindo
esta natureza (ao contrário do que ocorre com o Art 881° da venda de
bens de existência ou titularidade incerta)!
Assim em princípio C e V não traz riscos, é contrato comutativo.

Efeitos Essenciais do contrato de Compra e Venda


Previstos no Art 874°, CC que estabelece dois processos técnicos distintos para obter o
mesmo resultado. O resultado se refere a duas alterações na situação jurídica
patrimonial dos contraentes (que só quando verificadas a C e V vai se encontrar
definitivamente executada):

� Aquisição pelo Comprador do direito de propriedade sobre o bem vendido +


Efeito subordinado da aquisição de posse.

*Aqui a lei dispensa ao menos na venda de coisa específica o cumprimento da


obrigação. Aquisição da propriedade é considerada como simples consequência
automática da celebração do contrato (Art 879, a) e 408°, n°1 / CC).

✔ Assim, não há no âmbito da C e V o surgimento de uma obrigação de dare


em sentido técnico. O efeito translativo se verifica automaticamente com a
perfeição do contrato!!!

� Aquisição pelo Vendedor do direito de propriedade sobre determinadas espécies


monetárias.
*Aqui para ser mesmo definitiva a aquisição, lei exige o cumprimento das
obrigações constituídas.

Assim, na C e V distinguimos entre:

▪ Efeito Real: é um.


o Transmissão da propriedade da coisa ou titularidade do direito (879°a)).

OBS: Esse efeito real de transmissão se dá por mero efeito do contrato. Art 406°, CC –
princípio da consensualidade dos direitos reais: a transmissão ou constituição de efeitos
reais se dá por efeito do contrato, quanto aos efeitos, C e V é consensual.
OBS2: É essencial à C e V que haja a alienação de um direito, com uma aquisição
derivada desse direito. Não será C e V se as partes convencionarem aquisição originária
de um direito pelo adquirente. Contudo, pode haver aquisição derivada constitutiva
(como constituição de direitos reais menores).

OBS3: A transferência/constituição do direito real é imediata e instantânea (já que a


celebração da C e V acarreta logo a transferência de propriedade – Art 879 a) + Art
408°, n°1). Logo no momento da celebração o adquirente se torna titular do direito
objeto do contrato, ao contrário dos efeitos obrigacionais que exigem posterior
cumprimento das respetivas obrigações. O efeito real se verifica automaticamente no
momento da formação do contrato (propriedade é transmitida com base no simples
consenso das partes verificado nesse momento da formação do contrato) 🡪 Princípio da
Consensualidade.

OBS4: Existência de uma justa causa de aquisição é sempre necessária para que o
direito real se constitua ou transmita. Qualquer vício no negócio causal afetará
igualmente a transmissão da propriedade 🡪 Princípio da Causalidade (vigora no
sistema do título e no sistema título e modo, mas não no sistema modo, que segue o
Princípio da Abstração em que os vícios não afetam a transferência! Nesse caso do
sistema modo, uma vez transferida a propriedade, só se pode recuperar através de ação
de enriquecimento sem causa). Art 408°, n°1 – estabelece que transferência dos direitos
reais sobre coisa determinada se dá por mero efeito do contrato, consagrando o sistema
do título entre nós. Em nosso sistema da venda real, o adquirente adquire
imediatamente a propriedade da coisa vendida após a celebração do contrato, podendo
imediatamente opor erga omnes no caso de bens não sujeitos a registo (nos sujeitos a
registo a oponibilidade a terceiro depende do ônus de registar).

▪ Efeitos Obrigacionais: são dois.


o P/vendedor: entregar a coisa
o P/comprador: pagar o preço.

OBS: Pagamento de preço não é elemento constitutivo do C e V, nem a entrega da


coisa, estes são efeitos do C e V! Ex: transmiti um automóvel, havíamos acordado a
uma venda. O carro foi entregue, mas não se pagou. Aqui há a falta do cumprimento do
C e V, mas o contrato existe. Nesse caso o vendedor pode reagir pelo Art 817° com uma
ação para o cumprimento – vendedor pode exigir cumprimento da obrigação de
pagamento. Ex2: se eu paguei, recebi automóvel, mas não me foi entregue o documento
do carro (relativos a esses documentos indispensáveis para que bem possa ser usado
de forma normal, é pacífico que se não se entregam esses documentos é como se
não se tenha sido entregue o bem). Nessa situação há o contrato de C e V, mas não se
cumpriu dever da entrega e se pode exigir judicialmente o cumprimento desse dever.

Podem haver outras obrigações:

Art 882° e Art 878° quanto à entrega da coisa:


Art 882° N°2 – obrigação de entrega abrange... e os docs relativos à coisa e ao direito...

Art 878° - pagamento das despesas do contrato – na falta de convenção do contrário, as


despesas do contrato ficam a cargo do comprador.

Quando vemos despesas do contrato:

Há despesas COM o contrato

Diferente

Despesas com a REALIZAÇÃO da prestação: embalar o produto, por exemplo, fica a


cargo do vendedor.

Pagamento feito através de cheque ouacordam que pagamento vai ser feito através de
cheque visado, a obrigação de pagamento do preço que será sem custos nesse caso.

Art 886° - saber bem! Transmitida a propriedade da coisa, ou direito sobre ela e feita
a ... por falta de pagamento do preço.

▪ Regra geral dos Contratos


▪ C e V sendo um contrato bilateral (gera obrigações para ambas as partes)

O C e V quanto aos efeitos é um contrato simultaneamente real e obrigacional. Obs; há


uma exceção – podemos celebrar um C e V e o vendedor pode reservar a propriedade
para si.

Art 409° - contratos de alienação n°2 – cláusula tem de estar registada para ser oponível
a terceiros: importante pois se por exemplo, a pessoa coloca para penhora sem ter pago
ainda. Grande parte das vezes a reserva da propriedade se faz até o integral pagamento
do preço. Vantagem em reservar a propriedade: afastar art 886°, que diria que o
vendedor não pode resolver o contrato por falta de pagamento do preço, se ainda não
houve transmissão (reserva de propriedade), a uso para afastar a impossibilidade de
resolução do contrato. Vantagem tb pois quem não paga o carro, tb não deve pagar os
credores, se reservei e cláusula está devidamente registada, o bem não se mistura com a
massa comum dos credores e ... Isso pode não ser vantagem tb pois por exemplo, se
vendi o carro, quero mesmo a propriedade dele daqui a dois anos? A desvantagem é que
depois saindo da massa comum dos credores e indo buscar o automóvel, fico em
situação mais contingente em relação à dívida.

C e V características outras:

▪ No regime dos contratos temos muitas regras, como o princípio da liberdade


contratual. Muitas dessas regras são supletivas, embora tenhamos muitas regras
gerais no CC, art 772° Cc e sgts, ainda que tenham essas normas supletivas as
partes na verdade acordam sobre esses pontos (quem entrega, forma de
pagamento do preço...) então essas regras gerais do CC acabam não se aplicando
tanto na prática, então não serão tão exigidas. Apesar de que no dia a dia, as
pessoas acabam por não acordar aspectos essenciais do contrato.

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