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Direito dos Contratos Débora

1. Noção de contrato

Há dois entendimentos:
- Contrato como acordo de vontades: se as partes não estão de acordo
quanto ao efeito produzido, não há contrato. O contrato tem conteúdo
patrimonial ou não patrimonial (ex: casamento). Vamos restringir-nos
apenas aos contratos de conteúdo patrimonial e que são fontes do direito
das obrigações ou dos direitos reais (art.236º Ccivl).

- Contrato como negócio jurídico bilateral: duas declarações de vontade


(proposta e aceitação) que produzem o contrato. Existem duas ou mais
partes ou mais, duas declarações, dois interesses diferentes mas que
convergem num interesse unitário.

Art.217º a 294º do CC
Art.405º a 456º do CC
Art.874º a 1250º do CC - contratos típicos, isto é, previstos e regulados na
lei.

- Em regra, implicam sempre duas declarações de vontade mas há casos em


que não há declarações mas sim comportamentos que tipicamente
indiciam a existência de um contrato.

Art.217º: declarações tácitas resultam do comportamento ainda que de


forma não evidente.

Negócios jurídicos:
• Unilaterais - uma declaração de vontade (p.e SQU, art.270º-A CSC)
• Bilaterais - duas ou mais declarações de vontade (contratos)

Negócios jurídicos bilaterais:


• Unilaterais/Não sinalagmáticos: um deles tem obrigações
Doação (940º)
Mútuo (1142º)
• Bilaterais/Sinalagmáticos: obrigações para ambas as partes (vínculo de
reciprocidade)
- Perfeitos: Compra e venda (874º) e empreitada (1207º)
- Imperfeitos: Há partida só gera obrigações para uma das partes
mas podem surgir obrigações para ambas - mandato (1157º).
Partes Obrigações principais
Compra e venda Vendedor e comprador Entregar (art.879º al.b) Pagar (art.879º al.c)

Empreitada Empreiteiro e dono da Realizar a obra Pagar


obra

Mandato Mandante e mandatário Pratica atos jurídicos Obrigações eventuais


(art.1167º CCiv)

Doação Doador e donatário Entregar X

Mútuo Mutuante e mutuário X Restituir

No mútuo, a entrega não é uma obrigação do mutuante, é sim um elemento


do contrato.

Contrato real quanto aos efeitos (CV e doação - efeito real de transmitir a
propriedade) ≠ Contrato real quanto à constituição (mútuo, depósito -
1185º, comodato - 1129º)

2. Princípios fundamentais

• Princípio da liberdade contratual (405º) = p. autonomia privada


- Base do direito dos contratos. Significa que os particulares podem
disciplinar/regular os seus interesses através dos contratos com outros
sujeitos.

Abrange 3 dimensões:
1) Liberdade de celebração: decidir se celebramos ou não o contrato.

Tem exceções:
- Quando as partes estão obrigadas a celebrar o contrato (p.e no
contrato-promessa);
- Quando as partes estão proibidas de celebrar o contrato (p.e na
compra e venda: proibição absoluta - 876º e proibição relativa - 877º; na
doação - 953º);

2) Liberdade de fixação do conteúdo


- Seleção do tipo contratual: típicos, atípicos (405º nº1) e mistos (nº2
p.e doação com reserva de usufruto);
- Liberdade das estipulações contratuais;

Para além da tipicidade legal, há também a tipicidade social, isto é, apesar


dos contratos não estarem previstos nem regulados na lei, na prática social,
celebram-se sempre da mesma forma e com cláusulas muito semelhantes
aos contratos típicos.
Há restrições quanto à liberdade de fixação: cláusulas gerais (p.e contratos
de adesão).

3) Liberdade de forma: na generalidade, pode-se adotar a forma que for


mais conveniente.

• Princípio do consensualismo (219º)


- Contratos consensuais: são a regra pois a generalidade dos contratos não
tem uma forma legalmente prevista. Por sua vez, pode-se colocar um pouco
de solenidade nestes contratos para efeitos de prova.

- Contratos solenes ou formais (220º): a formalidade é essencial para que o


contrato se celebre. A forma do contrato é confundida com a publicidade
deste (registo). O registo produz efeitos contra terceiros (687º), visto que
para efeitos entre as partes só é necessária a celebração do contrato,
consoante a forma que for pedida (caso seja). P.e a hipoteca (687º).

- Contratos reais quanto à sua constituição (≠ com eficácia real) - 408º:


contratos que para além das declarações de vontade, têm também um
elemento constitutivo adicional, a entrega da coisa (p.e contrato mútuo -
1142º). Pode haver reserva legal até ao pagamento da coisa.

• Princípio da boa fé (227º)


- As partes devem agir de boa fé antes da celebração do contrato, durante
e após o cumprimento deste.

- Sentido objetivo: não aplicamos o sentido subjetivo, ou seja, não


interessa se estava consciencializado do que estava a fazer ou não. É uma
regra de conduta comum a todos os agentes económicos e não de
consciência.
Apesar de ter um sentido muito genérico, muitas vezes é uma salvaguarda
para as pessoas.

- Dano por rutura negocial (responsabilidade pré-contratual): refere-se à


boa fé pré-contratual, isto é, as partes podem ser responsabilizadas mesmo
antes da celebração do contrato. No fundo, não há nada materializado mas
uma das partes pode ser responsabilizada - 227º.

• Princípio da força vinculativa (406º)


- Corresponde a uma obrigatoriedade do cumprimento do contrato.
3 dimensões:
- Pontualidade: o contrato deve ser pontualmente cumprido.
Tem dois sentidos: o sentido temporal - prazos devem ser cumpridos e o
sentido de ser cumprida cláusula por cláusula.

- Estabilidade: os contratos são estáveis e obrigatórios. O conteúdo não


pode ser alterado (intangibilidade) e o contrato é irrevogável
(irrevogabilidade). Há uma necessidade de cumprir o contrato ou de o levar
ao fim se forem contratos duradouros.

Exceções:
Denúncia: No fundo, o contrato foi cumprido mas não renovado (p.e
contrato de arrendamento);

Revogação (969º): muito rara e produz efeitos para o futuro;

Resolução (432º + 433º): tem eficácia retroativa, sendo semelhante à


declaração de nulidade. Por regra, resulta da lei e não da vontade das
partes.

P.e 437º, 801º

- Eficácia posterior dos contratos (responsabilidade pós-contratual): 762º


nº2 - abrange o período durante o contrato e o período pós cumprimento.
As partes podem ser responsabilizadas depois de cumprirem com as
obrigações principais. Há obrigações acessórias que se mantém (p.e
segredo de negócio).

3. Classificações

- Contratos unilaterais/não sinalagmáticos vs contratos bilaterais/


sinalagmáticos (também bilaterais imperfeitos)

Contratos unilaterais: gera-se obrigação apenas para uma das partes (p.e
doação, mútuo).

Contratos bilaterais: há obrigações para ambas as partes (vínculo de


reciprocidade). Neste contrato, particularmente, há exceção de não
cumprimento do contrato (428º), visto que à partida o incumprimento do
contrato gera responsabilidade.
Exceção aos contratos bilaterais:

Impossibilidade culposa - 801º, nº2 - Ex: Eu não pago a coisa enquanto não
receber a coisa

- Contratos gratuitos e onerosos

Contratos gratuitos: não estão dependentes de uma contrapartida onerosa.


São associados aos contratos unilaterais

Contratos onerosos: estão dependentes de uma contrapartida onerosa.

- Contratos comutativos e aleatórios:

Contratos comutativos: sabemos quais as vantagens para cada uma das


partes. A maioria são. (p.e contrato de empreitada)

Contratos aleatórios: as vantagens dependem de um acontecimento futuro


e incerto (p.e contratos de seguro)

Compra e venda

1. Noção (art.874º a 939º cciv e 463º a 476º CCom)

Consiste essencialmente na transmissão de um direito contra o pagamento


de um quantia pecuniária. Permite a circulação dos bens (função
económica).

P.e transferência da propriedade e de outros direitos reais; direitos de


propriedade intelectual, direitos de crédito, direitos potestativos.

Caraterísticas

• Nominado e Típico: a lei reconhece como categoria jurídica e estabelece-


lhe um regime.
• Não formal, em regra (219º) - consensual, ainda que a lei por vezes o
sujeite a forma especial p.e na compra de venda de imóveis (875º) e
noutras situações específicas.
• A lei prevê a existência de uma obrigação de entrega por parte do
vendedor (879º al.b), o que significa que não associa a constituição do
contrato à entrega da coisa, admitindo a sua vigência antes de a coisa ser
entregue. É o acordo entre as partes que determina a formação do
contrato, não dependendo esta nem da entrega da coisa, nem do
pagamento do preço respetivo.
• Não é real quanto à sua constituição mas é real quanto aos efeitos (879º
al.a).
• Oneroso: nele existe uma contrapartida pecuniária em relação à
transmissão dos bens, importando assim sacrifícios económicos para
ambas as partes.
• Sinalagmático: as obrigações do vendedor e do comprador constituem-se
tendo cada uma a sua causa na outra, o que determina que permaneçam
ligadas durante a fase da execução do contrato, não podendo uma ser
realizada se a outra o não for.
• Comutativo: ambas as atribuições patrimoniais se apresentam como
certas, não se verificando incerteza nem quanto à sua existência nem
quanto ao seu conteúdo. No entanto, em certos casos, a lei admite que a
compra e venda possa funcionar como contrato aleatório (p.e venda de
bens futuros).
• Instantâneo: quer em relação à obrigação de entrega, quer em relação à
obrigação de pagamento do preço, o seu conteúdo e extensão não é
delimitado em função do tempo.

2. Forma

Por força do art. 219º, é um contrato essencialmente consensual, uma vez


que não é estabelecida nenhuma forma especial, por regra. No entanto, esta
regra é objeto de múltiplas exceções como é o caso respeitante à compra e
venda de bens imóveis (875º e 220º CCiv) que só é válida se for celebrada
por escritura pública ou documento particular autenticado.

A compra e venda de imóveis pode ser celebrada por simples documento


particular em duas situações: com mútuo, com ou sem hipoteca, referente a
prédio urbano destinado a habitação, ou fração autónoma para o mesmo
fim, desde que o mutuante seja uma instituição de crédito autorizada a
conceder crédito à habitação (1º e 2º n.1, do DL 255/93). A segunda
respeita ao procedimento especial de transmissão, oneração e registo de
imóveis, constante do DL 263-A/2007.

Em relação à transmissão de certos direitos, exige-se por vezes mesmo a


escritura pública, como sucede com a transmissão total e definitiva do
direito do autor (44º CDADC).
Também quando tem por objetos certos bens móveis, a compra e venda é,
por vezes, sujeita a forma escrita. Assim acontece com: a alienação de
herança ou quinhão hereditário (2126º nº2 CCiv), com o estabelecimento
comercial (1112º nº3 CCiv) e com as quotas de sociedades (228º CSC), no
caso de alienação de direitos sobre bens industriais (30º nº4 CPI) e no
contrato de compra e venda em diversas situações, por razões de proteção
do consumidor (9º DL 24/2014).

3. Efeitos essenciais

É necessário distinguir no contrato de compra e venda os seguintes efeitos:


• Um efeito real (a transmissão da propriedade da coisa ou da
titularidade do direito)
• Dois efeitos obrigacionais (que se reconduzem à constituição das
obrigações de entregar a coisa e de pagar o preço)

3.1 Efeito real (408º)

Do art.408º decorrem 2 princípios: princípio da consensualidade e princípio


da causalidade

• Para que se produza o efeito real é suficiente a vontade das partes, pelo
que a celebração do contrato de compra e venda acarreta logo a
transferência da propriedade (879º al.a) e 408º nº1). O efeito real
verifica-se automaticamente no momento da formação do contrato.

• A existência de uma justa causa de aquisição é sempre necessária para


que o direito real se constitua ou transmita. A validade ou regularidade da
causa de aquisição é imprescindível para que essa constituição ou
transmissão se opere, pelo que qualquer vício no negócio causal afetará
igualmente a transmissão da propriedade, isto é, a vontade das partes
não pode estar viciada.

Exceções
Transferência da propriedade apenas com a tradição ou o registo - não se
verifica em Portugal mas sim noutros sistemas.

Ocorrem no nosso direito dois tipos de situações em que se verifica uma


dissociação entre a celebração do contrato e a transmissão da propriedade:
1) Casos de separação cronológica: ocorre sempre que a lei proceda a uma
separação, mesmo que meramente cronológica, entre o momento em que
se verifica a conclusão do contrato e o momento em que ocorre o
fenómeno transitivo. (408º nº2 + 409º + 543º + 539º + 880º).

2) Casos de impedimento originário: sucede quando o fenómeno translativo


não se pode verificar por um impedimento originário (venda de bens alheios
- 892º e ss.).

3.2 Efeitos obrigacionais

- vendedor: dever de entregar a coisa (879º al.b) - ato material, tradição


física ou simbólica do bem, que permite ao comprador a sua apreensão
física, se se tratar de móveis, ou a aquisição do gozo sobre ele, se se tratar
de imóveis.

Em relação ao objeto da obrigação de entrega, é necessário distinguir


consoante a venda seja de coisa específica ou de coisa genérica. Se a venda
for de coisa específica (882º nº1), o vendedor apenas pode cumprir
entregando ao comprador a coisa que foi objeto da venda, não a podendo
substituir. Se se tratar de uma coisa genérica (539º e ss.), o vendedor pode
cumprir o contrato, entregando ao comprador qualquer coisa do género.

A obrigação de entrega por parte do vendedor é sujeita às regras gerais


quanto ao tempo (777º e ss.) e lugar do cumprimento (772º e ss.).
Quanto ao tempo de cumprimento, se as partes não convencionaram
prazo certo para a sua realização, o comprador pode exigir a todo o tempo
a entrega da coisa, assim como o vendedor pode a todo o tempo proceder a
essa entrega (777º nº1). No caso de ter sido convencionado prazo certo, ou
este resultar da lei, o vendedor terá que entregar a coisa até ao fim desse
prazo, sem o que incorrerá em mora (805º nº2 al.a), podendo, no entanto,
optar pela antecipação do cumprimento, uma vez que o prazo se presume
estipulado em seu benefício. A obrigação de entrega da coisa vendida está
sujeita ao prazo ordinário de prescrição de vinte anos (309º).
Quanto ao lugar de cumprimento, e caso não ocorra qualquer
estipulação das partes, haverá que distinguir consoante se trate de coisas
móveis ou imóveis. Relativamente às coisas móveis: 773º + 772º;
relativamente às coisas imóveis: 772º

- comprador: dever de pagar o preço ( 879º al.c) - entrega de uma quantia


pecuniária ao vendedor como contrapartida da entrega da coisa por parte
deste.
Não é necessário que o preço se encontre determinado no momento da
celebração do contrato, bastando que seja determinável. A determinação do
preço no momento do contrato pode resultar, quer da sua imposição por
uma autoridade pública, quer da sua fixação pelas partes (883º).
Quanto ao tempo de cumprimento, e a menos que as partes estipulem
em sentido contrário, o art.885º nº1, determina que o preço deve ser pago
no momento da entrega da coisa vendida.
Quanto ao lugar de cumprimento, se as partes nada tiverem
estipulado aplicamos o art.885º nº1. Se, no entanto, por estipulação das
partes ou por força dos usos, o pagamento não coincidir com o
cumprimento da obrigação de entrega, aplicamos o nº2 do mesmo artigo
(+774º).

4. Proibições de venda

Casos em que a lei veda a celebração do contrato de compra e venda entre


determinadas pessoas. Tratam-se de situações em que é vedada, por razões
atinentes às relações das partes entre si ou com o objeto negocial, a celebração
do contrato entre elas, admitindo-se, porém, a sua realização entre outros
sujeitos. A lei tanto pode sancioná-la com a nulidade, anulabilidade ou invalidade
mista.

4.1 Venda de coisa ou direito litigioso (876º + 579º e ss.)

Direito cuja titularidade está a ser discutida em tribunal (p.e direito de


propriedade). Fora dos casos estipulados no art.579º, a venda de coisas ou
direitos litigiosos é plenamente admitida. Há uma influência perversa na venda.

Se, apesar da proibição, vier a ser realizada a venda, é esta considerada nula,
sujeitando-se, o comprador, nos termos gerais à obrigação de reparar os danos
causados (876º nº2 + 580º nº1). A nulidade não pode ser invocada pelo
comprador (876º nº3 e 580º nº2), solução que bem se compreende, já que, se
tal fosse permitido, o comprador celebraria um negócio que poderia sempre
declarar nulo se a operação especulativa não lhe corresse na feição. A nulidade
não pode ser conhecida oficiosamente pelo tribunal. É atribuído ao vendedor,
além da invalidade do contrato, um direito à indemnização por todos os danos
que a atitude especulativa do comprador lhe causou.

4.2 Venda a filhos ou netos (877º)


Se a venda vier a ser realizada, é apenas anulável - prazo de 1 ano.
A justificação desta proibição foi sempre a de evitar que se efetuassem
doações simuladas a favor de algum ou alguns dos descendentes, com o fim de
evitar a sua imputação nas respetivas quotas legitimárias, assim se
prejudicando os restantes. O legislador optou pela solução mais expedita de
exigir o consentimento dos descendentes. Este consentimento não está sujeito
a forma especial (219º), mesmo que essa forma venha a ser exigida para o
contrato de compra e venda e pode inclusivamente ser prestado tacitamente
nos termos gerais (217º).

Não se aplica analogicamente esta norma no caso da constituição de sociedades,


ou seja, não é proibido.

4.3 Compra de bens dos incapazes (1892º)

No caso de ser celebrada uma compra e venda sem autorização do MP, esta é
anulável.

4.4 Venda entre cônjuges (1714º)

Esta proibição encontra-se assim diretamente ligada ao princípio da


imutabilidade das convenções antenupciais. Esse princípio significa que, quando
os cônjuges, por via da celebração da convenção antenupcial ou da adoção do
regime supletivo, determinam o regime de bens no seu casamento ficam
vinculados a esse regime de bens, que passa a ser aquele com que terceiros,
designadamente os credores, podem contar. Ora, a celebração de contratos de
compra e venda entre os cônjuges poderia funcionar como uma forma indireta
de tornear o princípio da imutabilidade das convenções antenupciais, na medida
em que por essa via facilmente bens comuns ou próprios de um dos cônjuges
poderiam ver o seu estatuto alterado, em virtude da celebração do contrato de
compra e venda.

Esta venda é nula (240º), sendo assim, é invocada a todo o tempo - benefício
para os credores.

5. Modalidades específicas de venda

5.1 Venda com reserva de propriedade (486º e 409º)


Quando se celebra um contrato de compra e venda de um bem, o comprador
torna-se imediatamente proprietário do bem vendido e pode voltar a aliená-lo,
mesmo que este não lhe tenha sido entregue ou o preço respetivo ainda não
esteja pago.

A reserva de propriedade:
> é uma garantia do vendedor que faz com que o comprador já não possa vender
a um terceiro.
> facilita a venda a crédito ou prestação

Não podem convencionar a reserva de propriedade posteriormente à celebração


do contrato, dado que a propriedade neste caso já foi transferida para o
comprador. Esta cláusula pode ser celebrada em relação a quaisquer bens
móveis ou imóveis, mas estes terão que ser naturalmente coisas específicas.

A reserva de propriedade deveria ser qualificada como uma condição suspensiva


(270º), na medida em que a transmissão da propriedade ficaria subordinada a
um facto futuro e incerto - o pagamento do preço - o que permitiria ver a
posição jurídica do comprador como a de adquirente condicional. O risco do
perecimento da coisa durante esse período correria por conta do vendedor,
ainda que a coisa já tivesse sido entregue ao comprador (796º nº3).

5.2 Venda a retro (927º)

Venda na qual se reconhece ao vendedor a faculdade de resolver o contrato.


Esta figura consiste numa modalidade de venda em que a transmissão da
propriedade não se apresenta como definitiva, na medida em que o vendedor se
reversa a possibilidade de reaver o direito alienado, mediante a restituição do
preço e o reembolso das despesas feitas com a venda.

A instituição da venda a retro prendeu-se com o interesse de tutelar a situação


do proprietário que, devido às suas necessidades financeiras, se vê na
contingência de ter que alienar um bem seu, mas mantém o interesse de voltar a
adquiri-lo logo que a sua condição financeira lhe permita fazê-lo.

Vantagem para o comprador: liquidez imediata


Vantagem para o vendedor: investimento (recebe rendas)
O art.929º determina que a resolução só pode ser exercida no prazo de dois ou
cinco anos a contar da venda, consoante se trate, respetivamente, de coisas
móveis ou imóveis, prazo esse que se considera reduzido a esses limites se for
estipulado em âmbito superior.

5.3 Venda a contento e venda sujeita a prova (923º e ss.)

Em ambas as situações, normalmente relativas a bens móveis, se verifica a


subordinação do contrato a uma aprovação da coisa vendida por parte do
comprador, da qual vai depender a sua efetiva vigência.

A diferença reside em que na venda a contento o comprador reserva a


faculdade de contratar, ou a de resolver o contrato, consoante a apreciação
subjetiva (o seu gosto pessoal) que vier a fazer do bem vendido. Na venda
sujeita a prova está antes em causa uma avaliação objetiva do comprador em
relação às qualidades da coisa, em conformidade com um teste a que esta será
sujeita. Em ambos os casos, no entanto, a vigência efetiva do contrato fica
dependente de um teste, a realizar pelo comprador.

Modalidades de venda a contento:

• A primeira implica a estipulação de que a coisa vendida terá que agradar ao


comprador, correspondendo à tradicional cláusula ad gustum (923º). Esta
cláusula constitui uma reserva relativa à aceitação do contrato de compra e
venda, o que significa que, em virtude desta cláusula, o acordo das partes vem
a ser qualificado como uma mera proposta de venda, ficando o vendedor
vinculado sem que o comprador o venha a estar. A lei admite posteriormente a
celebração do contrato através do silêncio do comprador (218º), uma vez que
dispõe que a proposta se considera aceite se o comprador não se pronunciar
dentro do prazo de aceitação (228º). Assim, se o comprador não se pronunciar
dentro do prazo o contrato considerar-se-á concluído, mesmo que a coisa não
lhe agrade. Caso o comprador, durante o prazo estabelecido, se pronuncie no
sentido da rejeição do contrato, a venda considerar-se-á como não celebrada.
O vendedor não necessita de indicar qual o motivo para proceder à rejeição
do contrato.

• A segunda modalidade corresponde à concessão de um direito de resolução


unilateral do contrato se a coisa não agradar ao comprador (432º e ss.). A
resolução, que não é impedida pela entrega da coisa (924º nº2), deve ser
exercida no prazo estabelecido no contrato ou, no silêncio deste, pelos usos,
podendo o vendedor, se nenhum prazo for estabelecido, vexar um prazo
razoável para o seu exercício (924º º3). Correrá por conta do comprador o
risco da perda ou deterioração da coisa, verificada durante esse prazo (796º
nº1). Caso a coisa se venha a perder ou deteriorar, o comprador deixará de a
poder restituir ao vendedor, pelo que perde o direito de resolver o contrato
(432º nº2).

Venda sujeita a prova

O contrato não se tornará definitivo sem que o comprador averigue, através de


um prévio uso da coisa, que ela é idónea para o fim a que é destinada e tem as
qualidades asseguradas pelo vendedor.

6. Perturbações típicas

O legislador estabeleceu três casos de perturbações típicas do contrato de


compra e venda, que correspondem a situações de cumprimento defeituoso das
obrigações do vendedor.

6.1 Venda de bens alheios (892º e ss.)

Existe venda de bens alheios sempre que o vendedor não tenha legitimidade
para realizar a venda, como sucede no caso de a coisa não lhe pertencer, ou de
o direito que possui sobre ela não lhe permitir a sua alienação.

O legislador considerou nula esta venda (892º).

6.2 Venda de bens onerados (905º)

O que carateriza esta venda é assim a existência de ónus ou encargos no direito


transmitido. Esse ónus ou encargos constituem vícios do direito, afetando assim
a situação jurídica e não as qualidades fácticas da coisa.

O contrato é anulável por erro ou dolo, podendo ainda ser exigida do vendedor a
competente responsabilidade civil pelos danos causados. O vício é o erro e não o
ónus.

Ex: usufruto vitalício


6.3 Venda de coisas defeituosas (913º)

É um vício de facto da coisa. O comprador tem o direito à reparação ou


substituição da coisa, em que a consequência, caso não haja reparação ou
substituição é a anulabilidade.

7. Venda de bens de consumo (60º CRP)

No art.60º CRP estão presentes os eixos de proteção dos consumidores.

Proteção dos consumidores:

Origem: surge do direito comercial, ou seja, o que estão ainda em causa


são atos de comércio mas apenas para uma das partes (p.e FNAC vende uma
playstation ao meu irmão: a Fnac pratica um ato de comércio e o meu irmão é
apenas um consumidor). Esta autonomia do direito comercial é relativamente
recente (anos 60 do século XX) e na relação com os comerciantes, os
consumidores estão relativamente desprotegidos.

Sujeitos: de um lado temos o profissional e do outro, o consumidor.

Lei de defesa do consumidor (lei genérica)

Quem se considera consumidor: art.2º nº1

Elementos do conceito de consumidor:

• Elemento subjetivo: abrange as pessoas singulares e coletivas

• Elemento objetivo: o que é fornecido ao consumidor - bens ou serviços

• Elemento teleológico: bens ou serviços “destinados a uso não


profissional”

Temos um problema relativamente a este último elemento. P.e um


cabeleireiro compra um computador para fazer a faturação do salão. Estes são
considerados profissionais profanos, isto é, desconhecem aquele setor de
atividade onde estão, neste momento, a contratar. Sendo assim, são também
protegidos.

DL 67/2003 - venda de bens de consumo e garantias

Quem se considera consumidor: art. 1º-B al.a


Elementos do conceito de consumidor:

• Elemento subjetivo: abrange as pessoas singulares e coletivas

• Elemento objetivo: o que é fornecido ao consumidor - bens ou serviços

• Elemento teleológico: bens ou serviços “destinados a uso não


profissional”

DL 24/2014 - Contratos celebrados à distância fora do


estabelecimento comercial

Quem se considera consumidor: art. 3º al.c)

Elementos do conceito de consumidor:

• Elemento subjetivo: abrange somente as pessoas singulares

• Elemento objetivo: o que é fornecido ao consumidor - bens ou serviços

• Elemento teleológico: bens ou serviços “destinados a uso não


profissional”

DL 133/2009 - Contratos de crédito ao consumo

Quem se considera consumidor: art. 4º nº1 al.a)

Elementos do conceito de consumidor:

• Elemento subjetivo: abrange somente as pessoas singulares

• Elemento objetivo: o que é fornecido ao consumidor - bens ou serviços

• Elemento teleológico: bens ou serviços “destinados a uso não


profissional”

Fundamentos tradicionais da proteção do consumidor:

- Assimetria de informação: havia excesso de oferta no mercado e pouca


informação para haver procura. O consumidor era facilmente enganado.
- Desequilíbrio de poder negocial: o consumidor tem menos poder
negocial do que um comerciante/profissional.

Hoje é em dia, os fundamentos estão um pouco desatualizados.


Temos uma série de diplomas dispersos que resultam da transposição de
diretivas da UE. A tendência neste ramo de direito não é tanto proteger os
consumidores mas sim incrementar as trocas no mercado interno. A proteção
dos consumidores é um instrumento de proteção do mercado interno. Se lhes
der garantias, eles consomem mais. A UE assume que há uma proteção dos
consumidores para se proteger o mercado interno.

Dimensões de proteção
- Contratual: o consumidor está protegido quando compra um bem.
- Extracontratual: independentemente da existência do contrato, o
consumidor tem proteção. Exemplo: publicidade, destinatário de anúncio

Estas dimensões podem cruzar-se: art.7º nº5 da Lei da defesa do


consumidor.

Eixos da proteção dos consumidores: são 5 e resultam do art.60º CRP

• Os consumidores têm direito à qualidade dos bens e serviços


consumidos (art.4º da lei da defesa do consumidor) - dimensão objetiva -
remitir para o DL 67/2003.

• Direito à formação e à educação (art. 6º) e à informação (art. 7º e 8º) –


no âmbito de celebração de qualquer contrato de consumo, deve ser garantido
ao consumidor todos os elementos presentes nestes dois artigos.

• Direito à proteção da saúde e da segurança física (art. 5º)

• Direito à proteção dos interesses económicos - questões do preço e do


crédito (art. 9º).

Fornecimento não solicitado (art. 9º nº4)

• Reparação de danos (art. 12º) – abrange a resolução alternativa de


litígios - SICAP - mais rápido e mais barato

Lei da defesa do consumidor - os eixos estão desenvolvidos no art.3º


Dl 67/ 2003 - Garantias: problema de qualidade, questão de proteção de
saúde e segurança, proteção dos interesses económicos (preço), venda de
coisas defeituosas (913º CCiv).

> Conceito de desconformidade (art.2º nº2) - várias presunções: umas de


caráter subjetivo e outras de caráter objetivo.

b) perspetiva subjetiva

c) perspetiva subjetiva

d) computador apresenta problema ao final de 1 ano e meio - presume-se


que no momento que se celebrou o contrato já havia desconformidade (art.3º
nº2 - prazos).

> Direitos do consumidor - art.4º

- direito à reparação ou substituição – 914º CCiv

- direito à redução do preço: exemplo do ar condicionado de automóvel


avariado - 911º CCiv

- direito à resolução do contrato (difere do CCiv)

- direito à indemnização (mecanismo adicional)

DL 383/89 - Responsabilidade do produtor - art.6º do DL 67/2003

O CCiv permite responsabilizar apenas o vendedor. Aqui podemos também


responsabilizar o produtor, ou seja, se eu comprei uma playstation na Fnac, eu
não posso apenas responsabilizar a Fnac mas também o produtor da playstation,
independentemente de culpa.

Nos casos práticos: ver se estamos dentro do âmbito de aplicação do


diploma. Se há ou não consumidor e que diploma se aplica. Se não se aplicar
não pode ser invocado por esse consumidor.
DL 24/2014 - Contratos celebrados à distância fora do estabelecimento
comercial

• Âmbito de aplicação - art.3º, al.g)


- Como a iniciativa do contacto não é do consumidor, ou seja, ele não se
deslocou até ao estabelecimento, este está mais vulnerável – sujeito a
práticas de assédio, de coação para garantir aquele produto - práticas
comerciais agressivas.
- Mesmo que o consumidor se desloque ao local, se tiver sido impulsionado por
uma comunicação, é considerado venda à distância.
- Elementos que devem ser fornecidos ao consumidor: art.4º,5º,6º
- O contrato, estando abrangido por este diploma, tem de ser celebrado por
escrito (220º CCiv - nulo se não for celebrado por escrito) - art.9º + 6º -
proteção excessiva do consumidor.
- Para além do direito à informação, o consumidor tem direito à livre resolução
do contrato (art.10º), designado por direito ao arrependimento/retratação.
Há um prazo de reflexão de 14 dias durante o qual eu posso resolver o
contrato. Nem sempre se pode resolver, só quando a lei o admite (432º CCiv).
Este prazo conta-se a partir do dia da celebração do contrato (10º nº1 al.a) e
se o bem não foi entregue, a partir do momento que o é (10º nº1 b).
O art.9º-C da Lei de defesa do consumidor refere a questão do risco, ou
seja, só com a posse física dos bens é que se transfere o risco para o
consumidor. Não há direito à resolução nos casos do art.17º. A resolução é
comunicada e produz efeitos retroativos.

DL 133/2009 - Contratos de crédito ao consumo

• Âmbito de aplicação objetivo (art.2º) - quando não se aplica este crédito

Montante mínimo: 200€ - al.c


Montante máximo: 75.000€

Haverá muitos deveres de informação que se aplicam na publicidade (5º), numa


fase pré-contratual (6º) e no contrato (12º) - Manifestações deste direito de
informação.
Art.12º: o contrato tem de ser celebrado por escrito e tem de ser entregue em
suporte papel ao consumidor para este o ler. Se assim não for, o contrato é nulo
(13º) - só se não for celebrado por escrito

Art.17º: direito à livre revogação, ou seja, não tem efeitos retroativos.

Um elemento que aparece e tem de ter destaque nas informações contratuais e


publicada é a TAEG (4º,nº1, alínea i).

Conceito de TAEG: taxa de encargos globais para os consumidores.

Modalidades de crédito ao consumo:

1. Venda a prestações - 934º CCiv

São contratos que englobam duas partes (bilaterais), não havendo finalidade de
financiamento mas sim diferimento do preço em várias prestações.

Comprador, vendedor e entidade de crédito - relação triangular. Haverá uma 3ª


entidade financeira/de crédito que tem como finalidade o financiamento, tendo
inúmeras obrigações. A maioria das entidades comerciais fazem créditos
através de uma entidade financiadora, exemplo: FNAC

2. Locação financeira - DL 149/95

Dá ao locatário a possibilidade de comprar (posso exercer ou não este direito).

3. Aluguer de longa duração (ALD)

Neste caso, há uma obrigação de compra. Porém, é possível ceder a posição de


crédito.
Doação

1. Noção (940º)

2 tipos: transmissão de propriedade sobre a coisa ou assunção de uma


obrigação.

É essencial a aceitação para a formação do contrato, e daí a atribuição de


caráter contratual à doação (940º). 0 caráter contratual da doação não é, no
entanto, absoluto, uma vez que a lei prevê expressamente a desnecessidade da
aceitação no caso de doação pura efetuada a incapaz. O art.951º nº2 determina
que essas doações produzem efeitos, independentemente da aceitação, em tudo
o que aproveite ao donatário, o que implica que o negócio se forma sem
aceitação, sendo, por isso, neste caso a doação um negócio unilateral e não um
contrato.

Regra geral, no entanto, a doação tem caráter contratual, pelo que necessita de
proposta e aceitação.

2. Elementos constitutivos do contrato

• Atribuição patrimonial que gera a riqueza do donatário (objetivo);

O donatário sofre um incremento no seu património, quer em virtude da


transmissão da coisa ou do direito objeto do contrato, quer em virtude da
aquisição de um novo direito de crédito sobre o doador, em virtude da
obrigação por este assumida.

• Diminuição do património do doador (objetivo);

Ao contrário do que sucede no enriquecimento sem causa, este requisito supõe


uma efetiva diminuição patrimonial. Daí que não seja qualificada como doação a
prestação de serviços gratuita (1154º), o contrato pelo qual alguém apenas se
obrigue a prestar um serviço a outrem. Efetivamente, a prestação de serviços,
na medida em que pressupõe apenas a atribuição do resultado do trabalho do
prestador, não vai implicar qualquer diminuição do seu património, pelo que não
poderá ser qualificada como uma doação. Também não é doação pelos mesmos
motivos, o comodato (1129º).

• Espírito de liberalidade (subjetivo);

É necessário que exista a intenção de atribuir o correspondente benefício a


outrem por simples generosidade ou espontaneidade, e não em qualquer outra
intenção como, por exemplo, o cumprimento de um dever. O doador deve
através do seu ato pretender beneficiar o donatário, podendo no entanto esse
fim concorrer com outros intuitos ou expectativas, embora estes sejam
considerados meros motivos do ato e, por isso, irrelevantes. Assim, o espírito
de liberalidade consiste no fim direto de atribuir um benefício ao donatário,
provocando o seu enriquecimento, e que a doutrina tem identificado como a
causa jurídica da doação. Esse elemento não se presume, pelo que não poderá
ser deduzido da simples gratuidade do ato. Sempre que não seja visível este
espírito, o ato nação estará em condições de ser qualificado como doação (p.e a
oferta de garantias como o penhor ou hipoteca).

3. Caraterísticas do contrato

- Contrato típico: a lei estabelece-lhe um regime nos arts.940º a 979º CCiv.


- Contrato primordialmente formal: em regra, é um contrato formal (947º). A
doação de coisas imóveis está sujeita à forma de escritura pública ou
documento particular autenticado (nº1) e a doação de coisas móveis à forma
escrita (nº2). Esta última forma é dispensada se houver tradição da coisa
doada, caso em que a celebração do contrato e a sua execução ocorrem
simultaneamente.

- Contrato real quanto aos efeitos e não quanto à sua constituição: não há
obrigação de entregar a coisa (954º al.b).

- Contrato gratuito: nele não existe qualquer contrapartida pecuniária em


relação à transmissão dos bens ou à assunção de obrigações, importando
assim apenas sacrifícios económicos para uma das partes, o doador.

- Contrato não sinalagmático: só faz surgir obrigações para uma das partes.
- Contrato de execução instantânea e periódica: é normalmente um contrato de
execução instantânea, uma vez que a atribuição patrimonial do doador não
tem, em princípio, o seu conteúdo e extensão delimitado em função do tempo.
No art.943º, a lei admite, porém, a possibilidade da doação abranger
prestações periódicas, caso em que naturalmente estaremos perante um
contrato de execução periódica.

4. Formação do contrato

• Objeto (942º)

O artigo 942º nº1 refere-nos que a doação não pode abranger bens futuros.
Isto porque se alguém efetuasse uma doação relativamente a bens que ainda
não adquiriu, embora o contasse posteriormente fazer, poderia não estar
totalmente seguro das implicações do seu ato, e vir a arrepender-se aquando da
futura aquisição do bem. Há assim subjacente a esta proibição um intuito de
tutela do doador por se saber ser mais fácil alguém prescindir de algo que ainda
não adquiriu do que abdicar de um bem que já entrou no seu património. Para
além disso, uma doação de bens futuros nem sequer corresponderia ao conceito
do art.940º, uma vez que, face a este, a doação implica uma diminuição do
património do doador, coisa que não se verifica se ele se limitar a prescindir de
um bem que ainda não adquiriu. Nos termos do art.942º nº2, a proibição da
doação de bens futuros não abrange, no entanto, o caso em que a doação incide
sobre uma universalidade de facto que continue no uso e fruição do doador,
caso em que se consideram doadas, salvo estipulação em contrário, as coisas
singulares que vierem a integrar a universalidade (p.e rebanho ou biblioteca -
206º). Caso haja surgimento de novas coisas singulares dentro da
universalidade é natural que elas sejam consideradas como pertencentes ao
objeto da doação.

Em relação ao objeto da doação temos ainda de considerar o art.944º que se


refere à doação conjunta. Está-se perante uma hipótese em que o doador
oferece a mesma coisa ou direito a várias pessoas, sem determinar a parte que
a cada uma delas compete. Neste caso, deve presumir-se que são iguais as
partes que competem a cada um dos donatários mas também que, se algum deles
não quiser ou não puder aceitar a doação, não acresce a sua parte aos
restantes, mas antes de mantém na titularidade do doador, não vigorando assim
o regime do direito de acrescer (2301º).

• Doação entre ausentes

Segundo o art.945º nº1, a proposta pode caducar se não for aceite em vida do
doador. O donatário tem assim o tempo correspondente à vida do doador para
aceitar a proposta de doação, salvo se o doador, entretanto, a revogar,
extinguindo a possibilidade de o donatário proceder à sua aceitação (969º). A
aceitação da doação está sujeita à forma exigida para o contrato parecendo
que, salvo no caso de ter havido tradição da coisa para o donatário, terá que
constar de uma declaração expressa (945º nº3).

Em caso de doação pura feita a incapaz (951º nº2) ou a nascituro (952º) o


contrato produzirá efeitos mesmo sem a aceitação. Em qualquer destes casos,
uma vez que a doação já se considera definitivamente concluída, não caducará
por morte do doador nem este poderá posteriormente revogar a proposta.

• Capacidade ativa e passiva para o contrato

Capacidade ativa: capacidade de efetuar doações (948º e 949º)

- São excluídos os menores (122º e ss.) e os maiores acompanhados em relação


aos quais tenha sido estabelecida essa restrição (138º e ss.). No âmbito da
doação, a incapacidade não pode ser suprida pelo poder paternal, pela tutela ou
pela representação legal do acompanhado (949º nº2) pois a realização de
doações por estes, se apresentaria como contrária à natureza da doação que,
sendo um negócio determinado por espírito de liberalidade, é de cariz
essencialmente pessoal, tendo assim que ser realizada pelo próprio doador.

Em relação à capacidade das pessoas coletivas para fazer doações, há que


aplicar o princípio da especialidade previsto no art.160º. Se a realização de
liberalidades se encontrar entre os fins da pessoa coletiva, como por exemplo,
no caso de uma fundação ser instituída com fins de beneficência, esta poderá
naturalmente fazer doações. Já no caso das pessoas coletivas com fim
económico interessado, como na hipótese das sociedades (980º) parece que a
realização de liberalidades se apresentará como contrária ao seu fim específico
que é a repartição de lucros entre os sócios. A razão que está subjacente ao
artigo 6º nº2 CSC baseia-se na intenção de não considerar incompatível com o
fim da sociedade, que é a obtenção de lucros, a realização de determinadas
atribuições patrimoniais realizadas em conformidade com os usos do comércio
como, por exemplo, as determinadas com fins de marketing ou de promoção
institucional da sociedade, já que terão como fim último a maximização do seu
lucro.

Capacidade passiva: capacidade de receber doações (950º)

- A lei exclui apenas os casos em que seja legalmente estabelecida uma inibição
especial para a aceitação de doações, mas tal apenas se encontra prevista para
a indisponibilidade relativa nas doações (953º e 2192º e ss.), o que corresponde,
não a uma situação de incapacidade, mas antes a proibições específicas de
doação entre pessoas determinadas.

• Contrato-promessa de doação

Para alguns autores, não seria este um negócio admissível em virtude de, por um
lado se pôr em causa o requisito de espontaneidade, que se considera dever
presidir à doação e, por outro lado, a ser admissível o negócio, ele valeria logo
como doação (954º c), não sendo consequentemente, um verdadeiro contrato-
promessa, além de que a promessa de doação poderia pôr em causa a proibição
da doação de bens futuros (942º). A resposta da maioria da doutrina tem sido,
porém, no sentido da admissibilidade deste negócio, por se considerar que, além
de a figura se encontrar expressamente prevista em Códigos estrangeiros, o
requisito da espontaneidade não é posto em causa, uma vez que o contrato-
promessa de doação é espontâneo, participando o contrato definitivo por
arrastamento da mesma caraterística. Por outro lado, o contrato-promessa de
doação não derroga a proibição da doação de bens futuros, na medida em que se
adquire um direito de crédito à celebração do contrato e não um bem futuro. É,
no entanto, questionável a forma como se articula a promessa de doação com o
respetivo contrato definitivo uma vez que não há lugar a execução específica
(830º). A solução é haver compromisso.

5. Efeitos (954º)

- A transmissão da propriedade da coisa ou da titularidade do direito (954º a);


- A obrigação de entregar a coisa (954º b);
- A assunção da obrigação, quando for esse o objeto do contrato (954º c);

As primeiras duas são obrigações reais e a última é obrigacional.

5.1 A doação real

Quando a doação respeita à transmissão de uma coisa ou direito, constitui um


contrato real quanto aos efeitos, uma vez que a celebração do contrato
acarreta a automática transmissão da propriedade para o donatário (408º nº1 e
954º a). Se, no entanto, se tratar de doação verbal de coisas móveis, a lei exige
a tradição da coisa para a celebração do contrato, pelo que nesse caso a doação
será igualmente um contrato real quanto à sua constituição (947º nº2).

Quando a lei não exige a tradição da coisa para constituir o contrato de doação,
o doador fica onerado com a obrigação de proceder à sua entrega (954º b).
Essa obrigação aparece regulada no art.955º. É assim atribuído ao donatário um
direito de crédito à entrega da coisa pelo vendedor, o qual concorre com a ação
de reivindicação (1311º), que pode exercer enquanto proprietário da coisa
doada.

5.2 A doação obrigacional

Segundo o art.954º al.c), o doador assume, por espírito de liberalidade, uma


obrigação para com o donatário. Neste caso estão preenchidos os requisitos do
art.940º, uma vez que a assunção de uma obrigação para com o donatário
diminui o património do doador, em virtude do aumento do passivo
correspondente, e produz um enriquecimento do donatário, que vê aumentar o
seu passivo em virtude da constituição do crédito a seu favor. Dessa forma,
sendo essa atribuição realizada por espírito de liberalidade, estar-se-á
naturalmente perante uma doação.

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