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Contrato Promessa e Execução Específica

- Ac. TRC, de 2010/09/14, processo n.º 2658/06.8TBLRA.C1, relator Gregório Jesus

i) Factos Relevantes
1. Celebração de um contrato promessa de compra e venda a 18 de Dezembro de 1999;
2. A autora entregou a título de sinal e princípio de pagamento a quantia de
18.000.000$00;
3. Promitentes estipularam a seguinte cláusula: “em caso de incumprimento, o contraente
não faltoso poderá recorrer à execução específica”;
4. O promitente vendedor vendeu a um terceiro a fracção prometida a 22 de Abril de 2004;
5. O terceiro adquirente registou a aquisição a 27 de Maio de 2004;
6. A autora registou a acção de execução específica a 16 de Maio de 2006.

ii) Questões a apreciar


1. Se o contrato promessa celebrado tem eficácia real;
2. Se se verificam os pressupostos da execução específica.

iii) Fundamentação de Direito


Sumário:
“I – O contrato promessa a que se referem os artºs 410º e segs., 441º, 442º e 830º do CC é,
em princípio, um contrato de eficácia obrigacional, o mesmo é dizer que só produz efeitos
entre as partes e seus herdeiros.
II – Podem as partes atribuir eficácia real (erga omnes) ao contrato promessa quando tenha
por objecto a transmissão ou constituição de direitos reais sobre imóveis ou móveis sujeitos
a registo.
III – Para que um dado contrato promessa relativo a um imóvel seja dotado de eficácia real
é necessário que: a) o contrato conste de escritura pública; b) os seus outorgantes declarem
expressamente que atribuem eficácia real ao contrato; c) que seja feita inscrição no registo
predial dos direitos emergentes da promessa.
IV – Nunca uma cláusula contratual em que se estipula que “em caso de incumprimento, o
contraente não faltoso poderá recorrer à execução específica” poderá valer com o sentido
de ser atribuído eficácia real a esse contrato.
V – Tendo o contrato promessa eficácia meramente obrigacional, a eventual venda da coisa
a terceiro não perde por isso a sua validade e esta circunstância implicará a impossibilidade
de cumprimento do contrato promessa.
VI – Assim, quando as partes contratantes não celebraram o contrato promessa por
escritura pública e lhe não atribuíram eficácia real, nos termos expostos, não pode o
promitente comprador arrogar-se o direito à execução específica quando os réus tenham
vendido posteriormente o imóvel a uma terceira pessoa.
VII – O registo da acção não confere ao promitente comprador o direito à execução
específica na hipótese de, antes do seu registo, a coisa ter sido alienada a terceiro, mesmo
que este não haja inscrito o negócio aquisitivo no registo.”

O Tribunal começou por se debruçar sobre a eficácia do contrato promessa determinando


que o mesmo tinha eficácia meramente obrigacional, com efeitos somente inter partes, uma
vez que não foi celebrado por escritura pública, nem houve declaração expressa das partes
no sentido de atribuição de eficácia real (falham os requisitos da norma do art. 413º Cód.
Civil).
Ainda no que diz respeito a este último requisito, o Tribunal analisou a cláusula
convencionada pelas partes concluindo que “nunca essa cláusula poderá valer com esse
sentido”, porquanto que “a lei impõe uma vontade e declaração manifestadas
expressamente. Não se contenta com uma “declaração específica” ou “suplementar” feita
de modo tácito (cfr. art. 217º, nº 1 do Código Civil), mesmo que os factos reveladores dessa
vontade constem do documento exigido para a celebração do contrato prometido.
“Ponderando a importância da atribuição da eficácia real à promessa e o possível
desconhecimento ou inadvertência das partes quanto ao seu alcance, justifica-se que o
legislador estabeleça uma declaração expressa””.
Relativamente à execução específica (art. 830º Cód. Civil), o Tribunal entendeu que não
pode haver lugar à mesma porque, tendo o contrato eficácia meramente obrigacional, a
venda a terceiro impossibilita o cumprimento do contrato promessa; o Tribunal invocou o
Acórdão Uniformizador de Jurisprudência n.º 4/98, de 05/11/98.
A decisão explica o carácter provisório do registo da acção que não modifica a natureza do
direito invocado, “simplesmente publicita a vinculação do titular do direito de propriedade
ao cumprimento de uma promessa”. Por isso, “o registo da acção não confere ao
promitente-comprador o direito à execução específica na hipótese de, antes daquele
registo, a coisa ter sido alienada a terceiro, mesmo que este não haja inscrito o negócio
aquisitivo no registo”.
Em suma, no âmbito dos contratos promessa sem eficácia real, como sucede na situação
retratada no Acórdão, o registo pelo promitente comprador só prevalece quando a venda a
terceiro ocorre depois daquele registo.

iv) Decisão
“Porém, e essencialmente, já não pertencendo aos dois primeiros réus o imóvel em causa e
não tendo ao contrato-promessa celebrado sido atribuída eficácia real não pode ter lugar a
pretendida execução específica ao abrigo do art. 830º do Código Civil, como bem se declarou
na sentença recorrida.
(…)
Nos termos e pelos fundamentos expostos, acorda-se em negar provimento ao recurso e
confirmar a decisão impugnada.”

http://www.dgsi.pt/jtrc.nsf/8fe0e606d8f56b22802576c0005637dc/59b43e0385c9da8d80
2577a70039fc57?OpenDocument
- Ac. TRC, de 2013/04/23, processo n.º 144/11.3TBFCR.C1, relator José Avelino Gonçalves

i) Factos Relevantes
1. Contrato promessa de compra e venda celebrado a 16 de Agosto de 1994;
2. Entrega de quantia a título de sinal e princípio de pagamento;
3. Promitentes estipularam a seguinte cláusula: “Os primeiros e segundos outorgantes
acordam conferir, a este contrato, força e vinculação para a eventual execução
específica, em caso de incumprimento do presente contrato, por qualquer dos
outorgantes”;
4. Não foi atribuída eficácia real ao contrato promessa;
5. A 02 de Outubro de 2011, os promitentes vendedores transmitiram a terceiros o imóvel
objecto do contrato promessa;
6. O registo da acção de execução específica foi efectuado a 18 de Outubro de 2011;
7. O registo da aquisição pelo terceiro adquirente ocorreu a 24 de Outubro de 2011.

ii) Questões a apreciar


1. Da viabilidade do recurso à execução específica em caso de alienação a terceiro dos
imóveis objecto dos contratos promessa por parte dos promitentes-vendedores;
2. Prevalência ou não do registo da acção de execução específica sobre anterior alienação
a terceiro dos imóveis objecto de contrato promessa, sendo o registo dessa aquisição
feito em data posterior à data do registo da acção.

iii) Fundamentação de Direito


Sumário:
“I. O legislador através do contrato promessa dotado de eficácia real visou proteger um
direito de crédito já existente ou, por outras palavras, visou proteger aquele que tem um
direito à alienação ou constituição de um direito real contra o titular registal inscrito.
Por isso, não o tendo fixado as partes tal efeito, dela não podem beneficiar.
II. A acção de execução específica assume-se como uma acção constitutiva, quase executiva,
constituindo a sentença “um sucedâneo ou substitutivo do contrato prometido”.
III. O registo da sentença que decrete a execução específica retroage à data do registo da
própria acção, sendo-lhe inoponíveis os registos de aquisições de terceiros posteriores ao
registo da acção, evitando-se, assim, o facto de, intentada uma acção de execução
específica, o réu poder neutralizar a decisão do tribunal apressando-se a vender o bem a
terceiro.
IV. Mas, a execução específica do contrato-promessa sem eficácia real, nos termos do artigo
830° do Código Civil, não é admitida no caso de impossibilidade de cumprimento por o
promitente-vendedor haver transmitido o seu direito real sobre a coisa objecto do contrato
prometido antes de registada a acção de execução específica ainda que o terceiro
adquirente não haja obtido o registo da aquisição antes do registo da acção – nesta situação,
o registo da acção não confere eficácia real à promessa.”

Na decisão são analisados os pressupostos da execução específica, em particular a existência


ou não de convenção em contrário, visto que existiu sinal. O Tribunal considerou que, apesar
de ter havido sinal, as partes não excluíram a execução específica por força da cláusula
estabelecida.
A decisão proferida faz vastas referências à Doutrina e Jurisprudência no que toca ao
conceito de ‘não cumprimento’ para efeitos de admissibilidade da execução específica,
seguindo o entendimento de que tem como pressuposto uma situação de mora.
Assim, sustenta que a execução específica não é admissível no caso dos autos, “na medida
em que nos encontramos na situação de falta definitiva de cumprimento: alienação dos bens
imóveis objecto dos contratos promessa em causa a terceiro”.
Na análise da questão do registo, o Tribunal invoca o Acórdão de Uniformização de
Jurisprudência 4/98, de 05/11/98 e refere que, na situação concreta, “à data do registo da
acção, os Autores nada ainda tinham adquirido, ao contrário da sociedade F…, S.A., cuja
propriedade sobre os imóveis já havia adquirido por mero efeito dos contratos de compra e
venda”.
Por fim, salienta que não estão em causa direitos reais conflituantes, mas sim um direito de
crédito dos promitentes compradores e um direito real do terceiro adquirente. Dessa forma,
terá que prevalecer este último, pois tem eficácia erga omnes.

iv) Decisão
“Pelas razões expostas, nega-se provimento ao recurso interposto, confirmando-se a
decisão recorrida.”

http://www.dgsi.pt/jtrc.nsf/c3fb530030ea1c61802568d9005cd5bb/b940bcd2a259bbf880
257b660048255a?OpenDocument
- Ac. TRL, de 2012/05/29, processo n.º 1180/07.0TBSSB.L1-1, relator Teresa Henriques

i) Factos Relevantes
1. Celebração de contrato, a 28 de Agosto de 2006, onde se declara prometer vender e
prometer comprar um imóvel;
2. No dia 29 de Agosto, em documento intitulado “declaração”, a Ré mulher declarou
autorizar o Réu (promitente vendedor), a vender o imóvel objecto do contrato promessa
ao Autor, o promitente comprador;
3. O promitente vendedor não marcou a escritura, nem se mostrou disponível para o fazer;
4. A acção de execução específica foi registada a 12 de Novembro 2007;
5. A 14 de Novembro de 2007, o promitente vendedor declarou vender o imóvel
prometido a um terceiro.

ii) Questões a apreciar


1. Viabilidade da execução específica:
a) Existência de sinal/antecipação de pagamento;
b) Validade do contrato-promessa;
c) Eficácia do registo da acção de execução específica.

iii) Fundamentação de Direito


Sumário:
“i) A execução específica tem, em princípio, uma natureza supletiva, porquanto as partes
podem afastá-la por convenção em contrário, excepto nos casos a que se reporta o n.º 3 do
art.830º do C Civ.
ii) A presunção, constante do art.830º, n.º 2, do Civ, de que a entrega de sinal constitui
convenção impeditiva da execução específica é ilidível.
iii) A presunção constante do art.441 do C Civ é ilidível.
iv) A entrega da totalidade do preço acompanhada de procuração outorgada pelo
promitente vendedor conferindo ao promitente-comprador poderes para vender o prédio
objecto do contrato e, também, para fazer negócio consigo mesmo, demonstra que a
vontade das partes foi a estabilização do negócio na expectativa do seu cumprimento,
retirando àquela quantia o carácter de sinal.
v) O registo da acção de execução específica faz retroagir, à data desta, a decisão que vier a
ser proferida no seu termo.
vi) A sentença que determina a execução específica prevalece sobre uma alienação feita a
terceiro, depois do registo da acção.”

No que diz respeito à possibilidade de execução especifica do contrato, o Tribunal teve que
aferir do preenchimento dos pressupostos do art. 830º Cód. Civil, nomeadamente a
existência de sinal, uma vez que se tratava de um prédio rústico e, portanto, as partes
podiam afastar a execução específica.
Assim, o Tribunal averiguou se a entrega da totalidade do preço poderia constituir sinal para
efeitos do art. 441º do Cód. Civil. Face aos elementos conhecidos pelo Tribunal, entendeu-
se que a quantia entregue não assumiu a natureza de sinal penitencial ilidindo-se a
presunção. A decisão sustenta que “quando o sinal tenha sido constituído ainda a título de
antecipação ou princípio de pagamento do preço traduzirá por regra uma vontade de sinal
confirmatório”.
Por outro lado, o Tribunal conheceu da validade da promessa, uma vez que a promessa de
venda foi outorgada apenas por um dos cônjuges. Na fundamentação pode ler-se que é
válida, ainda que respeitante a um bem comum, “limitando-se apenas a, no futuro, realizar
o contrato-prometido”. Porém, está em causa uma acção de execução específica e, nesta
sede, o consentimento já é requisito da sua procedência. No caso submetido a decisão, este
aspecto não constituía obstáculo à execução específica, na medida em que foi emitida
declaração de autorização pela cônjuge mulher.
A fundamentação do Tribunal passa ainda pela análise dos efeitos do registo da acção de
execução específica e as suas implicações na venda feita a terceiro. Neste caso, a venda é
posterior ao registo da acção e, por isso, o Tribunal não teve dúvidas em considerá-la
inoponível. O Tribunal explicou que, independentemente de o contrato promessa não ter
eficácia real, como a venda é feita depois do registo da acção o direito do promitente
comprador está salvaguardado.
Conclui que “por força dos princípios registais, a sentença que determina a execução
específica prevalece sobre uma alienação feita a terceiro, depois do registo da acção, quer
essa alienação se encontre ou não registada.”.

iv) Decisão
Procederam as conclusões dos Recorrentes na parte da viabilidade da execução específica
do contrato prometido celebrado com os Recorridos, promitentes vendedores. Porém,
“estando em causa a execução específica de um contrato promessa assinado apenas pela A
marido, só relativamente a este procede a acção”.
http://www.dgsi.pt/jtrl.nsf/33182fc732316039802565fa00497eec/4090e0c062f5ae9e802
57a370048fed3?OpenDocument

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