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Em vários serviços extrajudiciais de notas e registros uma relevantíssima alteração não tem
sido observada, conclusão a que chegamos em razão de nossa atuação profissional.
O Código Civil de 1.916, no inciso II do art. 1.133, vedava a compra de bens pelos
mandatários, de cuja alienação estivessem encarregados. Não podia o procurador, portanto,
adquirir bens utilizando o mandato que lhe outorgava poderes para alienar a coisa.
Ao mandatário que decidisse pela compra do bem de cuja alienação estava incumbido, mas
que no momento da celebração do contrato de mandato não lhe interessava, outra opção
não restava senão contratar diretamente com o mandante, face à proibição legal. Contudo,
muitas vezes a nomeação de um procurador se fundava em necessidade do outorgante de
se ausentar do Município, do Estado ou mesmo do País.
Editado o Código Civil, Lei 10.406/02, encontramos como dispositivo correspondente ao art.
1.133 do C.C./16 – o art. 497, que trata de restrições à compra e venda. E não há, nos
incisos do art. 497 do novo diploma, dispositivo correspondente ao inciso II do art. 1.133 do
C.C./16. Portanto, não acolheu a legislação em vigor a proibição de compra pelo mandatário
do bem de cuja alienação esteja encarregado.
Neste ponto andou bem o legislador, cabendo aos contratantes estabelecer os limites do
mandato. Dentro da liberdade de contratar, devem as partes decidir quando contratar, com
quem contratar e em que termos. Aquele que quiser outorgar poderes para que o mandatário
adquira o bem, não está proibido.
A alteração foi consignada por diversos autores, dentre eles Maria Helena Diniz, Roberto
Senise Lisboa e pelos atualizadores da obra de Washington de Barros Monteiro. Contudo, a
não consagração do inciso II do art. 1.133 do C.C./16 pelo novo Código não foi mencionada
pelo atualizador do vol. III, Contratos, das Instituições de Direito Civil, do Prof. Caio Mario da
Silva Pereira, confirmando o que foi assinalado inicialmente, de que a mudança passou
desapercebida a muitos.
Mesmo na vigência do C.C./16, no qual havia a proibição do inciso II do art. 1.133, admitia-se
o mandato em causa própria, com características diferentes do mandato para alienação de
bens. O art. 1.317, I, do código revogado, estabelecia a irrevogabilidade da procuração em
causa própria, correspondendo ao referido dispositivo o art. 685 do código vigente.
O mandato em causa própria é verdadeiro contrato pelo qual o mandatário recebe poderes
exclusivamente para adquirir certo e determinado bem de propriedade do mandante, sem
obrigação de prestar contas, irrevogável e não sujeito às causas de extinção do mandato,
nem mesmo a morte de qualquer das partes (art. 685). A procuratio in rem suam se equipara
e vale pelo próprio contrato, desde que observadas as formalidades exigidas para o contrato
a que se destina, “podendo ser levada a registro como se fosse o ato definitivo”, segundo
ensinamento de Caio Mario da Silva Pereira.
Quanto à forma do mandato, o Código Civil de 2.002 definiu no art. 657 que “a outorga do
mandato está sujeita à forma exigida por lei para o ato a ser praticado” (atração de forma),
pondo fim às discussões existentes na vigência do C.C./16.
Nada impede, no entanto, que aquele que represente outrem por intermédio de outorga por
instrumento particular (em face da ocorrência de uma das exceções legais) opte pelo
instrumento público no momento da lavratura da escritura de alienação, pois é forma mais
solene.
Por fim, registre-se que aos mandatos outorgados na vigência do C.C./16 aplicam-se as
normas do diploma revogado, prevalecendo a proibição do inciso II do art. 1.133, em respeito
ao ato jurídico perfeito.