Você está na página 1de 10

Poder Judiciário da União

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO DISTRITO FEDERAL E DOS


TERRITÓRIOS

Órgão 4ª Turma Cível

Processo N. APELAÇÃO CÍVEL 0008453-93.2016.8.07.0020


APELANTE(S) NILSA CORDEIRO VASCO DOS REIS
LUCIO CORDEIRO VASCO e SMAFF CONSTRUTORA E
APELADO(S)
INCORPORADORA DE IMOVEIS LTDA
Relator Desembargador ARNOLDO CAMANHO

Acórdão Nº 1270125

EMENTA

APELAÇÃO CÍVEL. CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO DE ANULAÇÃO DE CONTRATO


DE COMPRA E VENDA DE IMÓVEL, CUMULADA COM PEDIDO DE IMISSÃO NA POSSE E
REPARAÇÃO POR DANOS MATERIAIS E MORAIS. CASAMENTO EM REGIME DE
COMUNHÃO PARCIAL DE BENS. AUSÊNCIA DE OUTORGA UXÓRIA. ANULABILIDADE.
ART. 235, INCISO I, E 239, DO CC/1916. PRAZO PRESCRICIONAL DE QUATRO ANOS
CONTADO DA EXTINÇÃO DA SOCIEDADE CONJUGAL. ART. 177, § 9º, INCISO I, ALÍNEA
“A”, DO CC/1916. INOCORRÊNCIA DE PRESCRIÇÃO DA PRETENSÃO ANULATÓRIA DO
CONTRATO E DE IMISSÃO NA POSSE. ALIENAÇÃO FEITA SOB A ÉGIDE DO CC/1916.

1. A alienação de imóvel na constância da sociedade conjugal, na qual vige o regime de comunhão


parcial de bens, sem a outorga uxória implica a anulabilidade da avença, nos termos dos arts. 235,
inciso I e 239, do CC/1916.

2. A pretensão de anulação do contrato de contrato e venda de imóvel celebrado sem a autorização do


cônjuge virago e subsequente imissão na posse, prescreve em quatro anos, contados da extinção da
sociedade conjugal, nos termos do art. 177, §9º, inciso I, alínea “a”, do CC/1916. Se a sociedade
conjugal não foi extinta, o prazo prescricional em relação a essa pretensão sequer teve sua contagem
iniciada.

3. Em função do princípio da boa-fé contratual, positivado no ordenamento jurídico a partir do


CC/2002, mas já reconhecido em sede doutrinária e jurisprudencial durante a vigência do CC/1916, é
possível relativizar o rigor da regra que impõe a anulação da compra e venda de imóvel celebrada sem
a outorga uxória, a fim de proteger os contratantes de boa-fé, sobretudo quando a anulação é pleiteada
após o decurso de longo período de tempo e evidenciada a ocultação maliciosa pelo alienante de seu
estado civil de casado. Além disso, a anulação também encontra óbice se constatado que beneficiaria o
cônjuge alienante, ante o brocardo segundo o qual ninguém pode se beneficiar da própria torpeza.

4. A cumulação de pedidos corresponde, na realidade, a uma cumulação de ações. Dessa forma, cada
pretensão distinta formulado em face dos réus sujeita-se a prazo prescricional distinto.
5. A pretensão fundada em direito pessoal, como é o caso daquela em que se veicula pedido de
indenização aos responsáveis por danos materiais e morais decorrentes da celebração de contrato
viciado não tinha prazo específico previsto no CC/1916, de modo que o prazo prescricional era o geral
de vinte anos, nos termos do art. 177, caput, do CC/1916. Todavia, como havia transcorrido menos da
metade do prazo na data da entrada em vigor do CC/2002, e tendo em vista que o prazo anteriormente
referido foi reduzido para dez anos, nos termos do art. 205, caput, do CC/2002, deve ser aplicado o
prazo diminuído, com contagem iniciada a partir do dia da entrada em vigor do CC/2002 (11/01/2003),
consoante a regra de transição prevista no art. 2.028, do CC/2002. Assim, a pretensão reparatória
prescreveu em 11/01/2013.

6. Apelo não provido. Reconhecimento, de ofício, da prescrição da pretensão de reparação de danos.

ACÓRDÃO

Acordam os Senhores Desembargadores do(a) 4ª Turma Cível do Tribunal de Justiça do Distrito


Federal e dos Territórios, ARNOLDO CAMANHO - Relator, SÉRGIO ROCHA - 1º Vogal e LUÍS
GUSTAVO B. DE OLIVEIRA - 2º Vogal, sob a Presidência do Senhor Desembargador SÉRGIO
ROCHA, em proferir a seguinte decisão: NEGAR PROVIMENTO AO RECURSO, UNÂNIME, de
acordo com a ata do julgamento e notas taquigráficas.

Brasília (DF), 29 de Julho de 2020

Desembargador ARNOLDO CAMANHO


Relator

RELATÓRIO

O Senhor Desembargador ARNOLDO CAMANHO DE ASSIS - Relator

Cuida-se de apelação interposta por Nilsa Cordeiro Vasco dos Reis contra sentença proferida pelo MM.
Juízo da 1ª Vara de Família e de Órfãos e Sucessões de Taguatinga, que julgou improcedente o pedido
de anulação de contratos de compra e venda de imóveis, condenando-a ao pagamento das custas
processuais e dos honorários advocatícios, estes arbitrados em dez por cento (10%) sobre o valor
atualizado da causa, nos termos do art. 85, § 2º, do CPC, observada a gratuidade de justiça
anteriormente concedida.

A apelante informa que é casada com Denilson Catarino dos Reis, sob o regime da comunhão parcial
de bens, desde 27/2/1990, e que seu cônjunge outorgou procuração ao primeiro requerido, Lucio
Cordeiro Vasco, em 18/8/1993, com cláusula de irretratabilidade, irrevogabilidade e isenção de
prestação de contas, para viabilizar a administração de seus interesses perante terceiros no Distrito
Federal. Afirma que, com base na procuração que lhe fora concedida, o outorgado alienou, em
29/10/1993, à segunda requerida, Smaff Construtora e Incorporadora de Imóveis Ltda., os dois imóveis
ora objeto de discussão, adquiridos em nome Denilson Catarino, em 15/09/2013, sem a indispensável
outorga uxória, exigida pelo art. 235, inciso I, do CC/1916 (vigente à época das alienações). Aduz que,
em virtude desse vício formal, os negócios jurídicos são nulos. Argumenta que, diversamente do
consignado na sentença recorrida, não houve má-fé de seu cônjuge, de modo que a nulidade referida
não pode ser relativizada na hipótese vertente. Assevera que, na procuração confeccionada por Lucio
Cordeiro, restou mencionada a informação falsa de que Denilson era solteiro. Registra que, consoante
consignado na réplica, Lúcio é primo da apelante e conheceu Denilson por ocasião do matrimônio
deste com a recorrente, de modo que sabia do estado civil verdadeiro do outorgante. Salienta que a
responsabilidade pela inserção dessa informação falsa na procuração não pode ser reputada ao seu
cônjuge, que é pessoa de baixa escolaridade e não conhecia as formalidades exigidas pela lei, mas
apenas a Lucio Cordeiro, que é corretor de imóveis e tinha ciência da necessidade de constar da
procuração o estado civil verdadeiro do outorgante, bem como da imprescindibilidade da outorga
uxória para alienação de imóveis de Denilson. Pondera, ainda, que a procuração conferia apenas
poderes de administração a Lucio, “tendo em vista a cláusula geral, ‘a qualquer imóvel no DF e suas
benfeitorias’”. Acrescenta que, além da indispensável outorga uxória, a validade das compras e vendas
dependeria da menção específica aos bens que seriam objeto de alienação, tendo havido ofensa aos
arts. 104, 661 e 662, do Código Civil em vigor. Conclui ter restado sobejamente demonstrado nos autos
que o responsável pelas alienações foi o primeiro requerido e que a segunda requerida foi negligente ao
deixar de consultar de maneira cautelosa os documentos pertinentes, especialmente a procuração
outorgada por Denilson a Lúcio Cordeiro. Ao final, pugna pela reforma da sentença para que seja
julgado procedente o pedido formulado na petição inicial.

Contrarrazões de Lucio Cordeiro Vasco pugnando pelo não provimento do apelo.

Contrarrazões de Smaff Construtora e Incorporadora de Imóveis Ltda pugnando pela manutenção da


sentença.

É o relatório.

VOTOS

O Senhor Desembargador ARNOLDO CAMANHO - Relator

Eis os fundamentos da sentença recorrida, in verbis:

“A prejudicial suscitada não se sustenta, porquanto o ato jurídico supostamente maculado


por nulidade absoluta, objeto de ação declaratória, como no caso, não se sujeita a
prescrição.

Não existem questões de ordem processual ou prejudicial pendentes de apreciação.

Por outro lado, constato a presença dos pressupostos de constituição e desenvolvimento


da relação processual, do interesse processual e da legitimidade das partes, razão pela
qual avanço à matéria de fundo.

No ponto, razão não assiste à parte autora.

Exponho os motivos do meu convencimento.


Sabe se que em regra a validade de negócio jurídico translativo de domínio de bem
imóvel pertencente ao casal pressupõe a manifestação de vontade de ambos os cônjuges.

A referida regra, entretanto, não é absoluta e deve ser analisada de maneira conjunta e
alinhada com os demais princípios e regras que regem em geral as relações privadas.

Em outras palavras, a depender das circunstancias do caso concreto eventual


irregularidade existente no negócio jurídico pode não ser capaz de orientar sua
invalidação diante da necessidade de tutelar interesses de terceiros de boa-fé.

Com efeito, tendo em vista os princípios que norteiam as relações obrigacionais, em


especial o da função social dos contratos, da boa-fé e do equilíbrio contratual entre as
partes, é possível a relativização de determinada nulidade, ainda que absoluta, quando
demonstrada concretamente a ação diligente e de boa-fé de terceiros e o longo transcurso
de tempo entre o ato tido como nulo e a data da pretendida invalidação. No caso, ademais,
facilmente perceptível a atuação do conjunge da parte postulante em desconformidade
com o direito posto.

Na espécie não subsiste dúvida alguma sobre o fato de que tanto a aquisição dos imóveis
em questão como a posterior alienação a terceiros ocorreram por meio de procuração
pública outorgada por DENILSON CATARINO DOS REIS ao primeiro demandado
LUCIO CORDEIRO VASCO, consoante documentos de fls. 42-55.

Ao constituir procurador, entretanto, o outorgante DENILSON CATARINO DOS REIS,


apesarde casado, se declarou solteiro ao promover o instrumento público do mandato,
fato capaz de configurar, a depender de outras circunstâncias, até mesmo crime, situação
que torna evidente a impossibilidade de constatação à época do vício agora suscitado,
décadas depois.

Conforme Gustavo Tepedino, a boa-fé objetiva é uma ‘cláusula geral que, assumindo
diferentes feições, impõe às partes o dever de colaborarem mutuamente para a
consecução dos fins perseguidos com a celebração do contrato’ (TEPEDINO, Gustavo.
Obrigações: estudos na perspectiva civil-constitucional. Rio de Janeiro: Ed. Renovar,
2005, p. 32).

Dentre tantos outros valores e condutas esperadas dos contratantes, assumem relevo os
deveres anexos da lealdade e da informação, especialmente quanto àquelas informações
omitidas que, se conhecidas pela outra parte, atravancariam o negócio jurídico
concretizado, como na espécie.

Com efeito, ao informar incorretamente seu estado civil, o alienante, cônjuge da autora,
violou frontalmente o princípio da boa-fé objetiva ao descumprir os deveres anexos de
lealdade contratual e, mais precisamente, de informação.

Nesse passo, não é possível invalidar o contrato de compra e venda viabilizado por ato
indevido do próprio alienante, que declarou de forma incorreta e voluntária seu estado
civil, devendo ser relativizado o vício suscitado.

Não é possível, ainda, desconsiderar o fato de que embora intimada a autora (fls.
274/275) especificamente para comprovar o efetivo pagamento decorrente da aquisição
dos imóveis, situação que poderia comprovar algum prejuízo patrimonial efetivo, e incluir
seu cônjuge DENILSON CATARINO DOS REIS no polo passivo da demanda, dados
seus peculiares contornos, a postulante não atendeu a determinação.

De mais a mais, o acolhimento da pretensão na forma em que aviada beneficiária o


próprio cônjuge alienante, parte que deu causa de forma direta e imediata ao mencionado
prejuízo, situação que não encontra amparo mínimo no ordenamento jurídico.

Nada obsta, entretanto, que a demandante, parte supostamente lesada, caso queira, postule
a reparação devida em desfavor do responsável pelo suposto prejuízo, seu cônjuge.

Com estas considerações a improcedência é de rigor”.

Como bem consignado na sentença, é certo que, à época da celebração dos contratos de compra e
venda ora objeto de discussão, existia norma legal que, no caso do casamento pelo regime de
comunhão parcial de bens, impedia a alienação de imóvel, na constância da sociedade conjugal, por
um dos cônjuges, sem a obtenção da outorga do outro. É o que se infere do disposto no art. 235, inciso
I, do CC/1916. Ademais, a celebração de contrato com violação de tal preceito legal acarretava a
anulabilidade da avença, nos termos do art. 239, do CC/1916. Nesse sentido, confiram-se os seguintes
arestos deste egrégio Tribunal de Justiça:

“CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO DE ADJUDICAÇÃO COMPULSÓRIA.


CITAÇÃO EDITALÍCIA. LEGALIDADE. CESSÃO DE DIREITOS. INEXISTÊNCIA
DA OUTORGA MARITAL. DESAPARECIMENTO DO MARIDO DA CEDENTE HÁ
MAIS DE VINTE ANOS. LITISCONSÓRCIO ATIVO NECESSÁRIO.
INEXISTÊNCIA. COMPROVAÇÃO DO DIVÓRCIO DA CESSIONÁRIA QUANDO
DO AJUIZAMENTO DA AÇÃO. EFEITO DO CONTRATO. VENDA A TERCEIRO
DE BOA-FÉ. TEORIA DA APARÊNCIA. MANUTENÇÃO DO NEGÓCIO
JURÍDICO.

1. Consoante entendimento jurisprudencial desta Corte de Justiça, válida a citação por


edital quando ignorado o lugar em que se encontra o réu, além de ter a parte autora
comprovado o esgotamento dos meios normais e razoáveis de sua localização.

2. Não se pode compelir outrem a estar em Juízo postulando o seu direito e nem, em
contrapartida, pode-se impedir a autora de ajuizar a ação cabível para apreciação judicial
de sua lide, sob pena de violação ao direito constitucional da inafastabilidade da
jurisdição, previsto no artigo 5º, inciso XXXV, da Constituição Federal, especialmente se
a autora/cessionária comprova estar divorciada ao tempo do ajuizamento da ação.

3. A falta de outorga uxória na cessão de direitos imobiliários não implica nulidade do


negócio jurídico, tanto no Código Civil de 1916 como no Novo Código Civil, mas mera
anulabilidade. Logo, não pleiteada a anulabilidade daquele contrato realizado sem a
outorga marital no prazo assinalado pelo artigo 177 do CC/16 ou pelo artigo 179 do
CC/02, convalesce-se o negócio jurídico, ante a prescrição da pretensão de desfazimento
da avença.

4. Inferindo-se do caderno processual que a cessionária contratou com a convicção de que


a cedente detinha poderes para realização do contrato de cessão de direitos, e para tal a
conduta do representado pela Curadoria de Ausentes (marido da cedente) foi essencial,
porque está desaparecido há mais de duas décadas, não há como anular o negócio jurídico
em destaque, privando a terceira de boa-fé da propriedade do bem, visto que comprou o
lote e pagou o preço ajustado a quem estava, ao menos aparentemente, habilitada para
transacioná-lo.

5. Recurso não provido” (Acórdão n.740422, 20070410104967APC, Relator: CRUZ


MACEDO, Revisor: FERNANDO HABIBE, 4ª Turma Cível, Data de Julgamento:
20/11/2013, Publicado no DJE: 06/12/2013. Pág.: 284).

“APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DECLARATÓRIA DE VALIDADE DE CONTRATO


DE CESSÃO DE DIREITOS IMOBILIÁRIOS. AUSÊNCIA DE OUTORGA UXÓRIA.
NULIDADE RELATIVA. LEGITIMIDADE EXCLUSIVA DO CÔNJUGE E
HERDEIROS.
1. A ausência de outorga uxória no contrato de cessão de direitos constitui nulidade
relativa, que somente pode ser alegada pelo cônjuge ou seus herdeiros (CC, 1.650 e 177).

2. Inviável a sua declaração de ofício pelo MM. Juiz a quo, bem como a sua alegação
pelo Distrito Federal.

3. Deu-se provimento ao apelo da autora, para declarar a validade do contrato de cessão


de direitos e determinar sua aceitação, pelo Distrito Federal, para fins de regularização
fundiária do imóvel” (Acórdão n. 459811, 20050110420463APC, Relator SÉRGIO
ROCHA, 2ª Turma Cível, julgado em 27/10/2010, DJ 10/11/2010 p. 85).

“CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO DE ADJUDICAÇÃO COMPULSÓRIA.


PROMESSA DE COMPRA E VENDA DE IMÓVEL. QUITAÇÃO. CESSÃO DE
DIREITOS. OUTORGA UXÓRIA. SEPARAÇÃO DE FATO. DESNECESSIDADE.
QUITAÇÃO DO BEM IMÓVEL. EXPEDIÇÃO DE CARTA DE ADJUDICAÇÃO.
CABIMENTO.

1. A ausência da outorga uxória constitui causa de anulabilidade do negócio jurídico e


somente pode ser arguida pelo cônjuge ou, na sua falta, pelos seus herdeiros.

2. Verificado que, na data da aquisição do imóvel objeto do pedido de adjudicação


compulsória, o cedente já se encontrava separado de fato de sua ex-esposa, não há como
ser exigida a outorga uxória para fins de posterior alienação do bem.

3. Comprovada a quitação do imóvel, mostra-se cabível a adjudicação compulsória do


bem adquirido a título oneroso.

4. Apelação conhecida e provida” (Acórdão n.675956, 20080110601143APC, Relator:


NÍDIA CORRÊA LIMA, Revisor: GETÚLIO DE MORAES OLIVEIRA, 3ª Turma
Cível, Data de Julgamento: 02/05/2013, Publicado no DJE: 17/05/2013. Pág.: 328).

A despeito de ser causa de anulabilidade — atualmente entende-se que os pedidos anulatórios de


negócios jurídicos têm natureza constitutiva e são sujeitos a prazos decadenciais —, o CC/1916 previa
prazo de natureza prescricional para o exercício da ação veiculando tal espécie de pedido — no
CC/1916 a prescrição foi concebida como causa extintiva do próprio direito de ação e não da
pretensão. Tal prazo era quatro anos, nos termos do art. 177, § 9º, inciso I, alínea “a”, do CC/1916,
reduzido para dois anos pelo art. 1.649, do CC/2002 (agora com natureza decadencial), cujo termo
inicial é contado da data da dissolução da sociedade conjugal, o que ainda não ocorreu no caso dos
autos. Assim, o prazo prescricional sequer teve sua contagem iniciada. Sobre o tema, confira-se o
seguinte aresto deste egrégio Tribunal de Justiça:

“APELAÇÃO CÍVEL. DIREITO CIVIL. DIREITO PROCESSUAL CIVIL.


AÇÃO ANULATÓRIA. CERCEAMENTO DE DEFESA. AFASTADO. AGRAVO
RETIDO. OFÍCIO. DESNECESSÁRIO. OUTORGA UXÓRIA. PRESCRIÇÃO.
RECURSO CONHECIDO E NÃO PROVIDO. SENTENÇA MANTIDA.

1. Consoante o princípio da persuasão racional (art. 131 do CPC), a prova é


direcionada ao juiz e a ele compete avaliar a necessidade ou não de sua produção.
Preliminar. Afastada.

2. Agravo Retido em face de decisão que indeferiu a expedição de ofício que


objetivava demonstrar suposta falsidade de assinatura na procuração outorgada se
apresenta imprestável, uma vez que a perícia grafotécnica não poderá ser realizada com a
cópia do documento. Decisão correta. Negado provimento ao agravo retido.

3. Nula alienação de bem imóvel sem a outorga uxória nos termos do artigo 235, I
do Código Civil de 1916.

4. No caso em tela, os herdeiros requerem o reconhecimento de nulidade do


negócio jurídico de venda do imóvel com condenação do pagamento em perdas e danos
em razão da ausência da outorga uxória de procuração assinada em 1975. Entretanto, o
Código Civil de 1916 previa prescrição de quatro anos do direito dos herdeiros de propor
ação reivindicando o imóvel nesses casos (artigo 178, §9º, II).

5. Recurso conhecido e não provido. Sentença mantida”. (Acórdão n.957144,


20131010056597APC, Relator: ROMULO DE ARAUJO MENDES 1ª TURMA CÍVEL,
Data de Julgamento: 27/07/2016, Publicado no DJE: 08/08/2016. Pág.: 112-120).

Afastada a prescrição, seria o caso de reconhecer, em primeira análise, a invalidade do ajuste, com a
determinação de retorno das partes ao status quo ante. Todavia, em função do princípio da boa-fé
contratual, positivado no ordenamento jurídico a partir do CC/2002, mas já reconhecido em sede
doutrinária e jurisprudencial durante a vigência do CC/1916, é possível relativizar o rigor da regra
anteriormente referida para proteger os contratantes de boa-fé, sobretudo quando a anulação é
pleiteada após o decurso de longo período de tempo e evidenciada a ocultação maliciosa pelo
alienante de seu estado civil de casado. Além disso, há que se ressaltar que a anulação do contrato
também beneficiaria o cônjuge da recorrente, pois ainda não houve a separação do casal, algo que
encontra óbice no brocardo segundo o qual ninguém pode se beneficiar da própria torpeza. Sobre o
tema, confiram-se os seguintes julgados do colendo STJ, deste egrégio Tribunal de Justiça e dos
Tribunais de Justiça do Espírito Santo e de Minas Gerais:

“AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL. CONTRATO DE LOCAÇÃO.


FIANÇA SEM OUTORGA UXÓRIA. VALIDADE. QUALIFICAÇÃO DO CÔNJUGE
COMO SOLTEIRO. AUSÊNCIA DE BOA-FÉ. ACÓRDÃO MANTIDO. AGRAVO
INTERNO NÃO PROVIDO.

1. O entendimento desta Corte pacificou-se no sentido de que a fiança prestada sem


autorização de um dos cônjuges implica a ineficácia total da garantia (Sumula 332/STJ),
salvo se o fiador emitir declaração falsa, ocultando seu estado civil de casado.

2. No caso dos autos, a Corte de origem, mediante análise do contexto fático-probatório


dos autos, concluiu que a fiança prestada no contrato de locação em análise foi prestada
mediante declaração falsa do fiador acerca de seu estado civil, não sendo possível
reconhecer a nulidade integral da garantia, sob pena de o fiador ser beneficiado por sua
própria torpeza. Incidência da Sumula 83/STJ. […]” (AgInt no REsp 1345901/SP, Rel.
Ministro RAUL ARAÚJO, QUARTA TURMA, julgado em 25/04/2017, DJe
12/05/2017).

“APELAÇÃO CÍVEL. DIREITO CIVIL ANULAÇÃO DE VENDA DE IMÓVEL.


AUSÊNCIA DE AUTORIZAÇÃO CONJUGAL (OUTORGA UXÓRIA). FALSA
INDICAÇÃO DO ESTADO CIVIL. BOA-FÉ DO ADQUIRENTE. MANUTENÇÃO
DA AVENÇA. QUESTÃO A SER RESOLVIDA EM FACE DO CÔNJUGE.
RECURSO CONHECIDO E IMPROVIDO.

1. Embora a ausência de consentimento do cônjuge resulte na anulabilidade do ato,


conforme previsto no art. 1.647, I do Código Civil, pelas nuances do caso em apreço, agiu
acertadamente o magistrado de primeiro grau em manter os efeitos da avença.

2. A doutrina e a jurisprudência tem relativizado esse direito do cônjuge preterido em face


do adquirente de boa-fé quando houver favorecimento daquele que ensejou a nulidade, no
caso, o litisconsorte passivo, esposo da autora.

3. O negócio jurídico se concretizou por procuração pública, lavrada em cartório


extrajudicial, em que o vendedor compareceu pessoalmente qualificando-se como
solteiro, não tendo como o adquirente supor que o vendedor/outorgante era casado.

4. As alegações e acusações de simulação que envolvem a procuração outorgada não


restaram comprovadas. Ao contrário, os depoimentos prestados e as provas trazidas mais
robustecem a versão de que a procuração foi passada pelo esposo de forma espontânea, a
fim de sanar os problemas financeiros por que passava o casal à época.

5. Há de se prestigiar, no caso, a boa-fé do adquirente posto que além de constar


expressamente na procuração o estado civil do proprietário como solteiro, não havia na
matrícula do imóvel averbação do matrimônio havido com regime de comunhão universal
de bens, o que poderia ter sido realizado pela autora e seu marido, conforme prevê o art.
167 da Lei 6.015/73. Precedentes.

6. Entender de modo diverso, anulando o negócio jurídico ainda que apenas para
resguardar a meação, seria punir e onerar injustamente o comprador de boa-fé, que agiu
com as cautelas devidas e formalidades legais para a aquisição do imóvel.

7. Recurso conhecido e improvido. VISTOS , relatados e discutidos estes autos,


ACORDAM os Desembargadores que integram a Primeira Câmara Cível do egrégio
Tribunal de Justiça do Estado do Espírito Santo, de conformidade com a ata de
julgamento e notas taquigráficas da sessão, à unanimidade, CONHECER do recurso e
NEGAR-LHE PROVIMENTO nos termos do voto do Relator. Vitória, ES, 30 de outubro
de 2018. PRESIDENTE RELATOR” (TJES, Classe: Apelação, 048100282119, Relator :
EWERTON SCHWAB PINTO JUNIOR, Órgão julgador: PRIMEIRA CÂMARA
CÍVEL , Data de Julgamento: 30/10/2018, Data da Publicação no Diário: 09/11/2018).

“CIVIL. APELAÇÃO. EMBARGOS À EXECUÇÃO HIPOTECÁRIA. DIREITO


POTESTATIVO. DECADÊNCIA. TRINTA ANOS. UNIÃO ESTÁVEL. OUTORGA
DO COMPANHEIRO. CONSENTIMENTO DESNECESSÁRIO. RECURSO
IMPROVIDO.

1. Embargos à execução julgados improcedentes para manter a hipoteca que recai


sobre o imóvel.

2. Rejeitada a prejudicial de prescrição. 2.1. A hipoteca se sujeita ao prazo


decadencial. 2.2. Tendo em vista que os direitos potestativos não sofrem efeitos de leis
supervenientes que os alterem, as hipotecas gravadas sob o regime do Código Civil de
1916 continuam sujeitas ao prazo de perempção de trinta anos, previsto em seu art. 817,
mesmo que seu termo final se dê na vigência do Código de 2002.

3. A união estável reporta-se a uma união de fato, sem necessidade de registros


públicos, portanto, para a validade dos negócios jurídicos, não é possível aplicar-lhe a
exigência outorga do companheiro prevista no artigo 1.467, inciso I do CC. 3.2.
Precedente: ‘(...) A exigência de outorga uxória a determinados negócios jurídicos transita
exatamente por este aspecto em que o tratamento diferenciado entre casamento e união
estável é justificável. É por intermédio do ato jurídico cartorário e solene do casamento
que se presume a publicidade do estado civil dos contratantes, de modo que, em sendo
eles conviventes em união estável, hão de ser dispensadas as vênias conjugais (...)’ (REsp
1299866/DF, Rel. Ministro Luis Felipe Salomão, DJe 21/03/2014).

4. Doutrina. Cristiano Chaves de Farias e Nelson Rosenvald, na obra Curso de


Direito Civil, Editora Jus Podivm, 4ª edição, p. 360: ‘Essa desnecessidade de outorga na
união estável se justifica por diferentes razões. Primus, porque se tratando de regra
restritiva à disposição de direitos, submete-se a uma interpretação restritiva, dependendo
de expressa previsão legal. Secundus, pois a união estável é uma união fática, não
produzindo efeitos em relação a terceiros. Tertius, e principalmente, em face da
premente necessidade de proteção do terceiro adquirente de boa-fé, que veio
adquirir um imóvel sem ter ciência (e não há como se exigir dele) que o alienante
havia adquirido o imóvel na constância de uma união estável. Por tudo isso, se um
dos companheiros aliena (ou onera) imóvel que pertence ao casal, mas que está
registrado somente em seu nome, sem o consentimento de seu parceiro, o terceiro
adquirente, de boa-fé (subjetiva) está protegido, não sendo possível anular o negócio
jurídico. No caso, o companheiro preterido poderá reclamar a sua meação, através de
ação dirigida contra o seu companheiro/alienante’

5. Recurso improvido” (Acórdão n.855095, 20140110128902APC, Relator: JOÃO


EGMONT, Revisor: LEILA ARLANCH, 2ª TURMA CÍVEL, Data de Julgamento:
11/03/2015, Publicado no DJE: 17/03/2015. Pág.: 352).

“NULIDADE DE ESCRITURA. IMÓVEL. COMPRA E VENDA. OUTORGA


UXÓRIA. AUSÊNCIA. COMPRADOR DE BOA-FÉ. NEGÓCIO. VALIDADE. Nos
negócios jurídicos deve prevalecer os princípios da probidade e da boa-fé. Inteligência do
artigo 422, do CC. O comprador de boa-fé não pode ser penalizado com o desfazimento
ou a nulidade do negócio jurídico, se não tinha conhecimento ou lhe foi omitida a
condição de união estável do vendedor do imóvel. (TJMG- Apelação Cível
1.0024.12.100638-1/001, Relator(a): Des.(a) Antônio Bispo , 15ª CÂMARA CÍVEL,
julgamento em 25/04/2018, publicação da súmula em 04/05/2018).

Acrescente-se que a alegação da apelante de que seu marido é pessoa de pouca instrução e de que o
erro pela inserção da condição de solteiro na procuração foi do primeiro réu, não merece ser acolhida.
Ainda que o cônjuge varão tivesse baixa escolaridade na época dos negócios jurídicos e a procuração
não tenha sido confeccionada por ele, deveria ter o cuidado de ler atentamente o documento antes de
assiná-lo. Se assinou a procuração, deve-se concluir que: ou sabia da falsa qualificação como solteiro
e anuiu com a falsidade; ou foi desidioso, devendo responder culposamente por sua negligência.

Quanto à segunda requerida, não resta a menor dúvida quanto à sua boa-fé na contratação, porquanto
tratou com procurador dotado de poderes para alienar imóveis situados no Distrito Federal, em nome
do cônjuge da apelante, sendo que, do aludido instrumento procuratório, constou que o outorgante era
solteiro. Como se não bastasse, constava da matrícula dos dois imóveis alienados que os bens eram de
propriedade apenas de Denilson e não havia qualquer menção ao estado civil de casado do alienante.
Dessa forma, a compradora não tinha condições de saber que o vendedor era casado e que seria
indispensável a outorga uxória.

Isso é o suficiente para inviabilizar a anulação das avenças e manter hígidos os contratos de compra e
venda e subsequentes transcrições.

Uma vez assentado que o contrato não pode ser anulado, também fica inviabilizado o acolhimento do
pedido de imissão na posse, restando para a apelante pleitear perdas e danos em face dos responsáveis
pelo ilícito, em especial seu marido.

Analisando a petição inicial, verifica-se que há pedido de condenação dos réus por danos materiais e
morais, que se passará a examinar no presente momento.

A esse respeito, todavia, a pretensão da apelante encontra-se fulminada pela prescrição.

É que a ação fundada em direito pessoal, como é o caso da ação veiculando pedido de indenização aos
responsáveis por danos materiais e morais decorrentes da celebração de contrato viciado não tinha
prazo específico previsto no CC/1916, de modo que o prazo prescricional era o geral de vinte anos,
nos termos do art. 177, caput, do CC/1916. Todavia, como havia transcorrido menos da metade do
prazo na data da entrada em vigor do CC/2002, e tendo em vista que o prazo anteriormente referido
foi reduzido para dez anos, nos termos do art. 205, caput, do CC/2002), deve ser aplicado o prazo
diminuído, com contagem iniciada a partir do dia da entrada em vigor do CC/2002 (11/01/2003),
consoante a regra de transição prevista no art. 2.028, do CC/2002. Assim, a pretensão reparatória
prescreveu em 11/01/2013.
Ressalte-se que, nesse caso, não há impedimento ao transcurso do prazo prescricional, porque não
vige a regra dos arts. 177, § 9º, inciso I, do CC/1916, e 1.649, do CC/2002, que se aplicam apenas à
pretensão de desfazimento da alienação do imóvel efetuada sem a outorga uxória e retomada do bem
alienado. De igual modo, também não se aplica a regra do art. 168, inciso I, do CC/1916, e 197, inciso
I, do CC/2002, porque se referem ao curso do prazo prescricional entre os cônjuges. No caso presente,
a pretensão reparatória está sendo formulada em face de terceiras pessoas.

Ante o exposto, nego provimento ao apelo e, de ofício, reconheço a prescrição da pretensão


reparatória de danos. Ainda, em virtude da sucumbência recursal, majoro os honorários advocatícios
arbitrados na sentença para quinze por cento (15%) do valor atualizado da causa.

É como voto.

O Senhor Desembargador SÉRGIO ROCHA - 1º Vogal


Com o relator
O Senhor Desembargador LUÍS GUSTAVO B. DE OLIVEIRA - 2º Vogal

Adoto o relatório do eminente Des. Arnoldo Camanho.

Presentes os pressupostos intrínsecos e extrínsecos de admissibilidade, conheço a apelação.

Após análise percuciente desses autos, cheguei à mesma conclusão do eminente relator, meu voto é no
mesmo sentido de negar provimento ao recurso.

É como voto.

DECISÃO

NEGAR PROVIMENTO AO RECURSO, UNÂNIME

Você também pode gostar