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Acórdão Nº 1270125
EMENTA
4. A cumulação de pedidos corresponde, na realidade, a uma cumulação de ações. Dessa forma, cada
pretensão distinta formulado em face dos réus sujeita-se a prazo prescricional distinto.
5. A pretensão fundada em direito pessoal, como é o caso daquela em que se veicula pedido de
indenização aos responsáveis por danos materiais e morais decorrentes da celebração de contrato
viciado não tinha prazo específico previsto no CC/1916, de modo que o prazo prescricional era o geral
de vinte anos, nos termos do art. 177, caput, do CC/1916. Todavia, como havia transcorrido menos da
metade do prazo na data da entrada em vigor do CC/2002, e tendo em vista que o prazo anteriormente
referido foi reduzido para dez anos, nos termos do art. 205, caput, do CC/2002, deve ser aplicado o
prazo diminuído, com contagem iniciada a partir do dia da entrada em vigor do CC/2002 (11/01/2003),
consoante a regra de transição prevista no art. 2.028, do CC/2002. Assim, a pretensão reparatória
prescreveu em 11/01/2013.
ACÓRDÃO
RELATÓRIO
Cuida-se de apelação interposta por Nilsa Cordeiro Vasco dos Reis contra sentença proferida pelo MM.
Juízo da 1ª Vara de Família e de Órfãos e Sucessões de Taguatinga, que julgou improcedente o pedido
de anulação de contratos de compra e venda de imóveis, condenando-a ao pagamento das custas
processuais e dos honorários advocatícios, estes arbitrados em dez por cento (10%) sobre o valor
atualizado da causa, nos termos do art. 85, § 2º, do CPC, observada a gratuidade de justiça
anteriormente concedida.
A apelante informa que é casada com Denilson Catarino dos Reis, sob o regime da comunhão parcial
de bens, desde 27/2/1990, e que seu cônjunge outorgou procuração ao primeiro requerido, Lucio
Cordeiro Vasco, em 18/8/1993, com cláusula de irretratabilidade, irrevogabilidade e isenção de
prestação de contas, para viabilizar a administração de seus interesses perante terceiros no Distrito
Federal. Afirma que, com base na procuração que lhe fora concedida, o outorgado alienou, em
29/10/1993, à segunda requerida, Smaff Construtora e Incorporadora de Imóveis Ltda., os dois imóveis
ora objeto de discussão, adquiridos em nome Denilson Catarino, em 15/09/2013, sem a indispensável
outorga uxória, exigida pelo art. 235, inciso I, do CC/1916 (vigente à época das alienações). Aduz que,
em virtude desse vício formal, os negócios jurídicos são nulos. Argumenta que, diversamente do
consignado na sentença recorrida, não houve má-fé de seu cônjuge, de modo que a nulidade referida
não pode ser relativizada na hipótese vertente. Assevera que, na procuração confeccionada por Lucio
Cordeiro, restou mencionada a informação falsa de que Denilson era solteiro. Registra que, consoante
consignado na réplica, Lúcio é primo da apelante e conheceu Denilson por ocasião do matrimônio
deste com a recorrente, de modo que sabia do estado civil verdadeiro do outorgante. Salienta que a
responsabilidade pela inserção dessa informação falsa na procuração não pode ser reputada ao seu
cônjuge, que é pessoa de baixa escolaridade e não conhecia as formalidades exigidas pela lei, mas
apenas a Lucio Cordeiro, que é corretor de imóveis e tinha ciência da necessidade de constar da
procuração o estado civil verdadeiro do outorgante, bem como da imprescindibilidade da outorga
uxória para alienação de imóveis de Denilson. Pondera, ainda, que a procuração conferia apenas
poderes de administração a Lucio, “tendo em vista a cláusula geral, ‘a qualquer imóvel no DF e suas
benfeitorias’”. Acrescenta que, além da indispensável outorga uxória, a validade das compras e vendas
dependeria da menção específica aos bens que seriam objeto de alienação, tendo havido ofensa aos
arts. 104, 661 e 662, do Código Civil em vigor. Conclui ter restado sobejamente demonstrado nos autos
que o responsável pelas alienações foi o primeiro requerido e que a segunda requerida foi negligente ao
deixar de consultar de maneira cautelosa os documentos pertinentes, especialmente a procuração
outorgada por Denilson a Lúcio Cordeiro. Ao final, pugna pela reforma da sentença para que seja
julgado procedente o pedido formulado na petição inicial.
É o relatório.
VOTOS
A referida regra, entretanto, não é absoluta e deve ser analisada de maneira conjunta e
alinhada com os demais princípios e regras que regem em geral as relações privadas.
Na espécie não subsiste dúvida alguma sobre o fato de que tanto a aquisição dos imóveis
em questão como a posterior alienação a terceiros ocorreram por meio de procuração
pública outorgada por DENILSON CATARINO DOS REIS ao primeiro demandado
LUCIO CORDEIRO VASCO, consoante documentos de fls. 42-55.
Conforme Gustavo Tepedino, a boa-fé objetiva é uma ‘cláusula geral que, assumindo
diferentes feições, impõe às partes o dever de colaborarem mutuamente para a
consecução dos fins perseguidos com a celebração do contrato’ (TEPEDINO, Gustavo.
Obrigações: estudos na perspectiva civil-constitucional. Rio de Janeiro: Ed. Renovar,
2005, p. 32).
Dentre tantos outros valores e condutas esperadas dos contratantes, assumem relevo os
deveres anexos da lealdade e da informação, especialmente quanto àquelas informações
omitidas que, se conhecidas pela outra parte, atravancariam o negócio jurídico
concretizado, como na espécie.
Com efeito, ao informar incorretamente seu estado civil, o alienante, cônjuge da autora,
violou frontalmente o princípio da boa-fé objetiva ao descumprir os deveres anexos de
lealdade contratual e, mais precisamente, de informação.
Nesse passo, não é possível invalidar o contrato de compra e venda viabilizado por ato
indevido do próprio alienante, que declarou de forma incorreta e voluntária seu estado
civil, devendo ser relativizado o vício suscitado.
Não é possível, ainda, desconsiderar o fato de que embora intimada a autora (fls.
274/275) especificamente para comprovar o efetivo pagamento decorrente da aquisição
dos imóveis, situação que poderia comprovar algum prejuízo patrimonial efetivo, e incluir
seu cônjuge DENILSON CATARINO DOS REIS no polo passivo da demanda, dados
seus peculiares contornos, a postulante não atendeu a determinação.
Nada obsta, entretanto, que a demandante, parte supostamente lesada, caso queira, postule
a reparação devida em desfavor do responsável pelo suposto prejuízo, seu cônjuge.
Como bem consignado na sentença, é certo que, à época da celebração dos contratos de compra e
venda ora objeto de discussão, existia norma legal que, no caso do casamento pelo regime de
comunhão parcial de bens, impedia a alienação de imóvel, na constância da sociedade conjugal, por
um dos cônjuges, sem a obtenção da outorga do outro. É o que se infere do disposto no art. 235, inciso
I, do CC/1916. Ademais, a celebração de contrato com violação de tal preceito legal acarretava a
anulabilidade da avença, nos termos do art. 239, do CC/1916. Nesse sentido, confiram-se os seguintes
arestos deste egrégio Tribunal de Justiça:
2. Não se pode compelir outrem a estar em Juízo postulando o seu direito e nem, em
contrapartida, pode-se impedir a autora de ajuizar a ação cabível para apreciação judicial
de sua lide, sob pena de violação ao direito constitucional da inafastabilidade da
jurisdição, previsto no artigo 5º, inciso XXXV, da Constituição Federal, especialmente se
a autora/cessionária comprova estar divorciada ao tempo do ajuizamento da ação.
2. Inviável a sua declaração de ofício pelo MM. Juiz a quo, bem como a sua alegação
pelo Distrito Federal.
3. Nula alienação de bem imóvel sem a outorga uxória nos termos do artigo 235, I
do Código Civil de 1916.
Afastada a prescrição, seria o caso de reconhecer, em primeira análise, a invalidade do ajuste, com a
determinação de retorno das partes ao status quo ante. Todavia, em função do princípio da boa-fé
contratual, positivado no ordenamento jurídico a partir do CC/2002, mas já reconhecido em sede
doutrinária e jurisprudencial durante a vigência do CC/1916, é possível relativizar o rigor da regra
anteriormente referida para proteger os contratantes de boa-fé, sobretudo quando a anulação é
pleiteada após o decurso de longo período de tempo e evidenciada a ocultação maliciosa pelo
alienante de seu estado civil de casado. Além disso, há que se ressaltar que a anulação do contrato
também beneficiaria o cônjuge da recorrente, pois ainda não houve a separação do casal, algo que
encontra óbice no brocardo segundo o qual ninguém pode se beneficiar da própria torpeza. Sobre o
tema, confiram-se os seguintes julgados do colendo STJ, deste egrégio Tribunal de Justiça e dos
Tribunais de Justiça do Espírito Santo e de Minas Gerais:
6. Entender de modo diverso, anulando o negócio jurídico ainda que apenas para
resguardar a meação, seria punir e onerar injustamente o comprador de boa-fé, que agiu
com as cautelas devidas e formalidades legais para a aquisição do imóvel.
Acrescente-se que a alegação da apelante de que seu marido é pessoa de pouca instrução e de que o
erro pela inserção da condição de solteiro na procuração foi do primeiro réu, não merece ser acolhida.
Ainda que o cônjuge varão tivesse baixa escolaridade na época dos negócios jurídicos e a procuração
não tenha sido confeccionada por ele, deveria ter o cuidado de ler atentamente o documento antes de
assiná-lo. Se assinou a procuração, deve-se concluir que: ou sabia da falsa qualificação como solteiro
e anuiu com a falsidade; ou foi desidioso, devendo responder culposamente por sua negligência.
Quanto à segunda requerida, não resta a menor dúvida quanto à sua boa-fé na contratação, porquanto
tratou com procurador dotado de poderes para alienar imóveis situados no Distrito Federal, em nome
do cônjuge da apelante, sendo que, do aludido instrumento procuratório, constou que o outorgante era
solteiro. Como se não bastasse, constava da matrícula dos dois imóveis alienados que os bens eram de
propriedade apenas de Denilson e não havia qualquer menção ao estado civil de casado do alienante.
Dessa forma, a compradora não tinha condições de saber que o vendedor era casado e que seria
indispensável a outorga uxória.
Isso é o suficiente para inviabilizar a anulação das avenças e manter hígidos os contratos de compra e
venda e subsequentes transcrições.
Uma vez assentado que o contrato não pode ser anulado, também fica inviabilizado o acolhimento do
pedido de imissão na posse, restando para a apelante pleitear perdas e danos em face dos responsáveis
pelo ilícito, em especial seu marido.
Analisando a petição inicial, verifica-se que há pedido de condenação dos réus por danos materiais e
morais, que se passará a examinar no presente momento.
É que a ação fundada em direito pessoal, como é o caso da ação veiculando pedido de indenização aos
responsáveis por danos materiais e morais decorrentes da celebração de contrato viciado não tinha
prazo específico previsto no CC/1916, de modo que o prazo prescricional era o geral de vinte anos,
nos termos do art. 177, caput, do CC/1916. Todavia, como havia transcorrido menos da metade do
prazo na data da entrada em vigor do CC/2002, e tendo em vista que o prazo anteriormente referido
foi reduzido para dez anos, nos termos do art. 205, caput, do CC/2002), deve ser aplicado o prazo
diminuído, com contagem iniciada a partir do dia da entrada em vigor do CC/2002 (11/01/2003),
consoante a regra de transição prevista no art. 2.028, do CC/2002. Assim, a pretensão reparatória
prescreveu em 11/01/2013.
Ressalte-se que, nesse caso, não há impedimento ao transcurso do prazo prescricional, porque não
vige a regra dos arts. 177, § 9º, inciso I, do CC/1916, e 1.649, do CC/2002, que se aplicam apenas à
pretensão de desfazimento da alienação do imóvel efetuada sem a outorga uxória e retomada do bem
alienado. De igual modo, também não se aplica a regra do art. 168, inciso I, do CC/1916, e 197, inciso
I, do CC/2002, porque se referem ao curso do prazo prescricional entre os cônjuges. No caso presente,
a pretensão reparatória está sendo formulada em face de terceiras pessoas.
É como voto.
Após análise percuciente desses autos, cheguei à mesma conclusão do eminente relator, meu voto é no
mesmo sentido de negar provimento ao recurso.
É como voto.
DECISÃO