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Williane Tibúrcio Facundes

mostra de artigos
(organizadora)

E-book
TOMO 2

Vol. II

CIÊNCIAS JURÍDICAS
na Amazônia Sul-Ocidental

EAC
Editor
Copyright © by autores, 2023.
All rigths reserved.

Todos os direitos desta edição pertencem aos autores. Nenhuma parte desse
livro poderá ser reproduzida por qualquer meio ou forma sem a autorização
prévia da organizadora pelo e-mail <willitiburcio@gmail.com >. A violação
dos direitos autorais é crime estabelecido na lei nº 9.610/98 e punido pelo art.
184 do Código Penal. As informações contidas em cada capítulo são de inteira
responsabilidade dos autores, bem como o alinhamento dos textos às normas
da ABNT e da ortografia gramatical da língua portuguesa.

CAPISTA E DIAGRAMADOR
Eduardo de Araújo Carneiro
eac.editor@gmail.com

CONSELHO EDITORIAL DA OBRA


Dr. Eduardo de Araújo Carneiro
Dr. Elyson Ferreira de Souza
Me. Adriano dos Santos Lurconvite
Esp. Simmel Sheldon de Almeida Lopes
Esp. Arthur Braga de Souza
Esp. Ícaro Maia Chaim

E-BOOK

F143c FACUNDES, Williane Tibúrcio (Org.).


Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental: mostra de
artigos / Williane Tibúrcio Facundes (organizadora). – 1.
ed. – Rio Branco: EAC Editor, Edição dos autores, 2023.
227 p.; il. 14,8x21 cm. Tomo II; Vol. 3. (E-Book)
ISBN: 978-65-00-86662-9
1. Ciências Jurídicas; 2. Direito; 3. Amazônia; I. Título.
CDD 340.07
SUMARIO

APRESENTAÇÃO 05

1 PRESCRIÇÃO INTERCORRENTE NO DIREITO CIVIL: 07


ALTERAÇÃO DO ARTIGO 921 DO CPC PELA LEI N.º
14.195/2021
Marcos Douglas Lima Almeida
Leonardo Silva de Oliveira Bandeira

2. ANÁLISE DA EFETIVIDADE DAS DECISÕES DA 38


CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS NO
JULGAMENTO DE CASOS DE VIOLAÇÃO DE DIREITOS
DA COMUNIDADE LGBTQIAP+
Matheus Chagas da Costa
Williane Tiburcio Facundes

3. EVOLUÇÃO DA INSTITUIÇÃO FAMILIAR NO DIREITO 90


DA FAMÍLIA
Bruna Soares Lopes Alves
João Paulo de Sousa Oliveira

4. CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR NOS PRO- 125


CEDIMENTOS ESTÉTICOS
Fernando Silva Araújo
Ícaro Maia Chaim

5. DIREITO À EDUCAÇÃO DAS CRIANÇAS E DOS 164


ADOLESCENTES COM DEFICIÊNCIA
Iris da Silva Félix
Williane Tibúrcio Facundes

6 IMPUNIDADE NO BRASIL FRENTE AOS CRIMES DE 202


COLARINHO BRANCO
Vitória da Silva Dias
Williane Tibúrcio Facundes
“Todos os seres humanos nascem li-
vres e iguais em dignidade e direitos.”
(ART. 1º da Declaração Universal dos Direitos Humanos)
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

APRESENTAÇÃO

A presente obra reúne 06 (seis) artigos de concludentes


do curso do direito do Centro Universitário Uninorte, sob a or-
ganização da professora especialista Williane Tibúrcio Facun-
des, tendo também a colaboração do professor especialista
Ícaro Maia Chaim, Leonardo Silva de Oliveira Bandeira, e João
Paulo de Sousa Oliveira os quais foram escritos em coautoria
com os autores e abordam relevantes temas jurídicos, a saber.
Os artigos científicos aqui apresentados desempenham
um papel fundamental na expansão do conhecimento jurídico.
Eles fornecem uma plataforma para a análise aprofundada de
questões legais, a discussão de jurisprudência recente e a
contribuição para o desenvolvimento de teorias jurídicas. Além
disso, esses artigos auxiliam na disseminação de informações
valiosas para a comunidade jurídica, advogados, estudantes e
profissionais do direito. Eles também desempenham um papel
importante na formação de políticas e na tomada de decisões
judiciais informadas.
Os textos científicos apresentados nesta obra exploram
tópicos variados, desde questões de direitos humanos e cons-
titucionais até a análise de casos legais específicos. A pes-
quisa cuidadosa e a análise crítica são o cerne para a produ-

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Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

ção de artigos jurídicos aqui tratados que, por sua vez, contri-
buem para o avanço e a compreensão aprofundada das com-
plexidades legais em nossa sociedade.
Trata-se de uma obra coletiva e plural, que debate te-
mas interessantes à sociedade e, sem esgotar os assuntos,
promove reflexões a respeito de situações vivenciadas diaria-
mente em nosso corpo social. Daí se extrai a sua relevância.

Prof. Esp. Williane Tibúrcio Facundes


Docente do Curso de Bacharelado em Direito pelo Cento
Universitário Uninorte. Graduada em Direito pela U:Verse.
Especialista em Psicopedagogia. Graduada em Letras Vernáculas
pela Universidade Federal do Acre - UFAC.

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Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

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PRESCRIÇÃO INTERCORRENTE NO DIREITO CIVIL:
ALTERAÇÃO DO ARTIGO 921 DO CPC PELA
LEI N.º 14.195/2021

TIME-BARRING PRESCRIPTION IN CIVIL LAW:


AMENDMENT OF ARTICLE 921 OF THE
CPC BY LAW No. 14.195/2021

Marcos Douglas Lima Almeida1


Leonardo Silva de Oliveira Bandeira2

ALMEIDA, Marcos Douglas Lima. Prescrição Intercorrente


no Direito Civil: Alteração do Artigo 921 do CPC pela Lei
n.º 14.195/2021.Trabalho de Conclusão de Curso de Gradua-
ção em Direito – Centro Universitário UNINORTE, Rio Branco,
2023.

1
Discente do 10º período do curso de bacharelado em Direito pelo Centro
Universitário Uninorte.
2
Docente do Centro Universitário Uninorte. Bacharel em Direito pelo Cen-
tro Universitário U:Verse. Pós-Graduação Latu Sensu em Prática da Advo-
cacia Cível pelo Centro Universitário U:Verse. Pós-graduando Latu Sensu
em Legal Operations: Dados, Inteligência Artificial e Performance Jurídica
pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUCPR).

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Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

RESUMO

Introdução. O estudo em questão aborda a Prescrição Inter-


corrente no campo do Direito Civil e a Modificação do Artigo
921 do CPC mediante a Lei n.º 14.195/2021, destacando o iní-
cio e a única suspensão da prescrição após a vigência da
mencionada Lei. Objetivo. Diante dessa situação, conduziu-se
a análise considerando o uso do último termo inicial da pres-
crição intercorrente, após início do prazo de suspensão de até
1(um) ano, para evitar a perda do direito à ação. Método. Por
meio do embasamento teórico, realizou-se uma avaliação so-
bre a necessidade dos profissionais da área jurídica de com-
preender as modificações no artigo 921 do CPC após a en-
trada em vigor da Lei n.º 14.195 em 26 de agosto de 2021.
Resultados. A promulgação da Lei trouxe relevantes altera-
ções no processo de Prescrição Intercorrente Civil, incluindo a
compreensão consensual de evitar uma execução prolongada
indefinidamente, garantindo principalmente uma eficiência
maior ao processo, agilizando e reduzindo custos desneces-
sários. Conclusão. Essa mudança tem um impacto direto na
execução, exigindo atenção aos novos prazos e evitando que
o credor perca direitos de pagamento devido a negligências no
processo.

Palavras-chave: prescrição intercorrente; lei 14.195/2021;


artigo 921; Direito Civil; alteração

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Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

ABSTRACT

Introduction. The study in question addresses the Time-barring


Prescription in the field of Civil Law and the Modification of Ar-
ticle 921 of the CPC through Law No. 14,195/2021, highlighting
the beginning and the only suspension of the time-barring after
the validity of the aforementioned Law. Objective. In view of
this situation, the analysis was carried out considering the use
of the last initial term of the Time-barring Prescription, after the
beginning of the suspension period of up to 1 (one) year, to
avoid the loss of the right to action. Method. Through the
theoretical background, an assessment was carried out on the
need for legal professionals to understand the changes in
article 921 of the CPC after the entry into force of Law n.º
14,195 on August 26, 2021. Results. The promulgation of the
Law brought relevant changes to the Time-barring Civil
Prescription process, including the consensual understanding
of avoiding indefinitely prolonged execution, mainly ensuring
greater efficiency to the process, streamlining and reducing
unnecessary costs. Conclusion. This change has a direct
impact on execution, demanding attention to the new deadlines
and preventing the creditor from losing payment rights due to
negligence in the process.

Keywords: intercurrent Time-barring; law 14.195/2021; article


921; Civil Right; change.

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Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

INTRODUÇÃO

A prescrição intercorrente é um tema de grande rele-


vância no direito processual civil, especialmente quando se
trata de processos que tramitam por longos períodos.
Nesse contexto, a Lei n.º 14.195/2021 promoveu uma
alteração significativa no art. 921 do Código de Processo Civil,
ao estabelecer o termo inicial e a única suspensão da prescri-
ção intercorrente.
Diante dessa nova realidade, torna-se fundamental
compreender as implicações práticas dessas mudanças na
atuação dos operadores do direito, bem como nas estratégias
processuais adotadas pelas partes.
Assim, este trabalho de conclusão de curso tem por ob-
jetivo analisar as alterações promovidas pela Lei n.º
14.195/2021 no art. 921 do CPC, em especial no que se refere
ao termo inicial e à única suspensão da prescrição intercor-
rente, e discutir as implicações práticas dessas mudanças
para o desenvolvimento do processo civil. Para isso, foi reali-
zada uma revisão de literatura baseada em livros, artigos ci-
entíficos, monografias, dissertações e teses buscando identifi-
car as principais mudanças e implicações decorrentes da Lei
14.195/2021 no instituto da prescrição intercorrente no Direito
Civil.

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Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

1.1 CONTEXTUALIZAÇÃO DA ALTERAÇÃO DO


ART. 921 DO CPC
1.1.1 PRESCRIÇÃO INTERCORRENTE NO CPC

Antes da alteração do art. 921 pela Lei n.º 14.195/2021,


a prescrição intercorrente era regulada pelo art. 921, §4º do
Código de Processo Civil (Brasil, 2015). Este dispositivo previa
que o juiz deveria, de ofício, pronunciar a prescrição intercor-
rente quando o processo restasse estático por mais de três
anos tendo em vista a negligência das partes. Ocorrendo essa
hipótese, o processo deveria ser extinto sem resolução do mé-
rito. Nas palavras de Carlos Roberto Gonçalves:

Configura-se a prescrição intercorrente quando o


autor de processo já iniciado permanece inerte,
de forma continuada e ininterrupta, durante lapso
temporal suficiente para a perda da pretensão.
Interrompida a prescrição, o prazo voltará a fluir
do último ato do processo ou do próprio ato que
a interrompeu (a citação válida, v. g.), devendo o
processo ser impulsionado pelo autor. Não pode
este permanecer inerte, abandonando o anda-
mento da causa durante prazo superior àquele
fixado em lei para a prescrição da pretensão. A
prescrição intercorrente foi implicitamente admi-
tida no art. 202, parágrafo único, do Código Civil,
que assim dispõe: A prescrição interrompida re-
começa a correr da data do ato que a interrom-
peu, ou do último ato do processo para a inter-
romper. (2012. P. 215)

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Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

No entanto, a interpretação desse dispositivo gerava


controvérsias na prática processual, especialmente em rela-
ção ao termo inicial da prescrição intercorrente. Tendo em
vista que não havia consenso entre os tribunais sobre quando
deveria iniciar a contagem do prazo, nem sobre a possibilidade
de suspensão em caso de medidas executivas ou outras cir-
cunstâncias que pudessem justificar a paralisação do pro-
cesso. (Schiller, 2022)
Além disso, havia divergências quanto à natureza da
prescrição intercorrente. Enquanto alguns entendiam que se
tratava de uma modalidade de prescrição, outros defendiam
que se tratava de uma forma de extinção do processo, consi-
derando que sua decretação implicava a extinção do processo
sem resolução do mérito. (Sales, 2022)
Assim, essas divergências levaram a uma insegurança
jurídica na aplicação da prescrição intercorrente, o que tornava
ainda mais urgente a necessidade de uma reforma legislativa
para regular o tema de forma clara e precisa.

1.2.2 ALTERAÇÃO DO ART. 921 DO CPC PELA


LEI N.º 14.195/2021

A Lei n.º 14.195 (Brasil, 2021) promoveu significativas


alterações no art. 921 do CPC, em relação à prescrição inter-
corrente. Uma das principais mudanças está na definição do

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Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

termo inicial e da possibilidade única de suspensão da pres-


crição intercorrente.
Antes da alteração o CPC/2015 previa como hipótese
suspensão, a não localização de bens do devedor:

Art. 921. Suspende-se a execução: (…)


III - quando o executado não possuir bens penho-
ráveis;
(...)
§ 1º Na hipótese do inciso III, o juiz suspenderá
a execução pelo prazo de 1 (um) ano, durante o
qual se suspenderá a prescrição.
§ 2º Decorrido o prazo máximo de 1 (um) ano
sem que seja localizado o executado ou que se-
jam encontrados bens penhoráveis, o juiz orde-
nará o arquivamento dos autos.
§ 3º Os autos serão desarquivados para prosse-
guimento da execução se a qualquer tempo fo-
rem encontrados bens penhoráveis.
§ 4º Decorrido o prazo de que trata o § 1º sem
manifestação do exequente, começa a correr o
prazo de prescrição intercorrente.

Segundo o entendimento acima, durante o período de


suspensão, não corria o prazo prescricional intercorrente, ao
final do prazo, e encontrados o executado ou seus bens, ou
autos seriam arquivados voltando com isso a fluir o prazo pres-
cricional intercorrente.
O novo texto do §1º do art. 921 do CPC estabelece que
a prescrição intercorrente começa a correr a partir do trânsito
em julgado da decisão que determinar a citação ou a intimação
da parte executada para pagamento, sob pena de penhora, e

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Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

não mais a partir da citação, como previsto anteriormente.


(Brasil, 2015)
Já o novo §2º do mesmo dispositivo estabelece que a
prescrição intercorrente será suspensa uma única vez quando
houver citação ou intimação da parte executada para paga-
mento, iniciando-se novo prazo prescricional a partir do tér-
mino da suspensão. (Brasil, 2021)
Com essas mudanças, a lei pretendeu estabelecer re-
gras mais claras e objetivas para a aplicação da prescrição
intercorrente, evitando controvérsias sobre o termo inicial e a
possibilidade de suspensão do prazo. Com a fixação do trân-
sito em julgado da decisão que determinou a citação ou inti-
mação para pagamento como marco inicial da prescrição in-
tercorrente, buscou-se garantir maior segurança jurídica para
as partes e evitar a paralisação desnecessária dos processos.
(Souza, 2021)
Além disso, ao estabelecer uma única suspensão do
prazo prescricional, Souza (2021) explica que a nova lei obje-
tivou conferir maior celeridade ao processo, evitando que a
parte executada procrastine o pagamento indevidamente e
prolongue o prazo prescricional. Verifica-se então a importân-
cia de se definir o momento exato que essa prescrição inter-
corrente passa a vigorar nos processos, sendo fundamental
abordar sobre o seu termo inicial.

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Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

1.2 TERMO INICIAL DA PRESCRIÇÃO INTERCORRENTE

1.2.1 DEFINIÇÃO E FUNDAMENTOS DO TERMO INICIAL

Antes da alteração do art. 921 do CPC pela Lei n.º


14.195/2021, o termo inicial da prescrição intercorrente era ob-
jeto de controvérsias na prática processual, especialmente
quanto à sua definição e fundamentação legal.
Em geral, a doutrina e a jurisprudência divergem sobre
se o termo inicial da prescrição intercorrente deveria ser con-
tado a partir da citação ou da última movimentação proces-
sual.
A primeira corrente defende que o prazo deveria ser
contado a partir da citação, enquanto a segunda corrente en-
tende que o termo inicial seria a última movimentação proces-
sual (Miranda, 2022). Nas palavras de Carlos Roberto Gonçal-
ves:

Interrompida a prescrição, o prazo voltará a fluir


do último ato do processo […] devendo o pro-
cesso ser impulsionado pelo autor. Não pode
este permanecer inerte, abandonando o anda-
mento da causa durante prazo superior àquele
fixado em lei para a prescrição da pretensão.
(GONÇALVES, 2012, p. 472).

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Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

Vejamos a jurisprudência à época da entrada em vigor


do NCPC:

PROCESSUAL CIVIL E CIVIL. AGRAVO IN-


TERNO NO RECURSO ESPECIAL. PRESCRI-
ÇÃO INTERCORRENTE. NECESSIDADE DE
INTIMAÇÃO PRÉVIA. INÉRCIA. DECISÃO
MANTIDA. 1. Nos termos da jurisprudência desta
Corte, para o reconhecimento da prescrição in-
tercorrente, é necessária a prévia intimação da
parte para dar andamento ao feito. 2. Agravo in-
terno a que se nega provimento. (BRASIL, 2017,
p.1)

Por outro lado, Brito (2022) explica que a fundamenta-


ção legal para a prescrição intercorrente estava prevista no
§4º do art. 921 do CPC, que estabelecia que o juiz deveria
decretá-la de ofício, após o transcurso de mais de três anos
sem movimentação processual, por negligência das partes.
Essa previsão era justificada pela necessidade de evitar
a perpetuação de processos inativos e preservar o princípio da
efetividade da jurisdição, ao permitir a extinção de demandas
que não tivessem perspectiva de solução.
No entanto, a aplicação da prescrição intercorrente ge-
rava insegurança jurídica, especialmente em relação ao seu
termo inicial, o que justificou a necessidade de reforma legis-
lativa para estabelecer regras mais claras e objetivas para o
tema. (Brito, 2022)

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Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

1.2.2 DO TERMO INICIAL A PARTIR DA CITAÇÃO E DA ÚL-


TIMA MOVIMENTAÇÃO PROCESSUAL

Decorrido o prazo legal de suspensão por ausência de


bens, sem que se possam localizar alternativas amigáveis ou
judiciais para a satisfação do crédito, os autos serão arquiva-
dos, refere Ribeiro (2023, p. 851), com a respectiva abertura
do prazo de prescrição intercorrente, em razão do processo
instaurado.
Após o referido prazo seguir sem a localização de bens
ou do devedor, determinará o magistrado o arquivamento dos
autos, declara Renato Montans de Sá (2023, p. 1.260), con-
tudo, com esse arquivamento, não se inicia automaticamente
a prescrição intercorrente, o seu prazo começa a fluir somente
após escoado o prazo de um ano previsto no §1º do art. 921
do CPC e com a ciência da tentativa infrutífera de localização
do devedor ou de seus bens.
Na forma do novo § 4º, o termo inicial da prescrição no
curso do processo será a ciência da primeira tentativa infrutí-
fera de localização do devedor ou de bens penhoráveis, com-
plementa Pinho (2023, p. 3.754-3.755) e será suspensa, por
uma única vez, pelo prazo máximo.
A prévia ciência pressupõe a regular intimação dos pro-
curadores constituídos no processo ou, se for o caso, das pró-
prias partes, com observância das regras aplicáveis fomenta

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Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

Scarpinella Bueno (2022, p. 1.338), ditando também, o dispo-


sitivo que a prescrição será suspensa, por uma única vez, pelo
prazo máximo, previsto no § 1º, de um ano, portanto.
Outrossim, a jurisprudência tem entendido pela desne-
cessidade de intimação prévia para iniciar o prazo da prescri-
ção intercorrente:

Apelação Cível. Cumprimento de sentença fun-


dada em ação de cobrança de mensalidades es-
colares. Extinção da ação. Prescrição intercor-
rente. Apelo da exequente. A suspensão da exe-
cução por ausência de bens penhoráveis implica
também a suspensão da prescrição pelo prazo
de um ano, após o qual começa a fluir a prescri-
ção intercorrente (art. 921 e §§, CPC). Julga-
mento do IAC nº 001 do STJ (Resp 1604412/SC).
Desnecessidade de intimação do exequente
para o início do prazo prescricional. Exequente,
todavia, que deve ser previamente intimada an-
tes da declaração da prescrição a fim de que
possa opor algum fato impeditivo, suspensivo ou
interruptivo da prescrição. No caso destes autos,
a autora/exequente foi intimada para se manifes-
tar previamente antes da prolação da r. sentença
sobre a ocorrência da prescrição intercorrente. O
prazo da prescrição intercorrente deve ser con-
tado a partir da vigência do novo CPC, em
18/03/2016 (art. 1056, CPC), somente quando o
processo, nessa data, ainda estava suspenso, o
que não ocorre no presente caso. Prescrição que
começou a correr em 14.05.2014, quando termi-
nado o prazo de 1 ano de suspensão. Término
que ocorreria em 14.05.2019, ante o prazo de 05
anos (art. 206, §5º, I, CC/2002). Ocorrência da
prescrição intercorrente. Sentença mantida. Re-
curso desprovido. (TJSP; Apelação Cível
0116437-28.2008.8.26.0008; Relator (a): Morais
Pucci; Órgão Julgador: 26ª Câmara de Direito
Privado; Foro Regional VIII - Tatuapé - 5ª Vara

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Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

Cível; Data do Julgamento: 18/09/2023; Data de


Registro: 18/09/2023)

Apelação Cível. Execução de título judicial. Ex-


tinção da ação. Prescrição intercorrente. Apelo
da exequente. A suspensão da execução por au-
sência de bens penhoráveis implica também a da
prescrição pelo prazo de um ano, após o qual co-
meça a fluir a prescrição intercorrente (art. 921 e
§§, CPC). Julgamento do IAC nº 001 do STJ
(Resp 1604412/SC). Desnecessidade de intima-
ção do exequente para o início do prazo prescri-
cional. Exequente, todavia, que deve ser previa-
mente intimado antes da declaração da prescri-
ção a fim de que possa opor algum fato impedi-
tivo, suspensivo ou interruptivo da prescrição. No
caso destes autos, a autora/exequente foi inti-
mada para se manifestar previamente antes da
prolação da r. sentença sobre a ocorrência da
prescrição intercorrente. O prazo da prescrição
intercorrente deve ser contado a partir da vigên-
cia do novo CPC, em 18/03/2016 (art. 1056,
CPC), somente quando o processo, nessa data,
ainda estava suspenso, o que não ocorreu no
presente caso. Prescrição que começou a correr
em 03.05.2006, quando terminado o prazo de 1
ano de suspensão. Término que ocorreria em
03.05.2011, ante o prazo de 05 anos (art. 206,
§5º, I, CC/2002). Ocorrência da prescrição inter-
corrente. Sentença mantida. Recurso despro-
vido. (TJSP; Apelação Cível 0015655-
86.2003.8.26.0008; Relator (a): Morais Pucci;
Órgão Julgador: 26ª Câmara de Direito Privado;
Foro Regional VIII - Tatuapé - 2ª Vara Cível; Data
do Julgamento: 17/08/2023; Data de Registro:
17/08/2023)

AÇÃO DE COBRANÇA. PRESTAÇÃO DE SER-


VIÇOS EDUCACIONAIS. CUMPRIMENTO DE
SENTENÇA. Extinção do feito fundamentada na
ocorrência de prescrição intercorrente. Apelo da
exequente. Aplicação, in casu, da redação origi-
nal do art. 921 do Código de Processo Civil, em

19
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

razão da data do arquivamento do feito. Entendi-


mento expresso no Incidente de Assunção de
Competência no Recurso Especial nº
1.604.412/SC. Pedido de reconhecimento da in-
constitucionalidade da Lei nº 14.195/21 prejudi-
cado. Intimação pessoal da exequente para iní-
cio da prescrição intercorrente. Desnecessidade.
Entendimento aplicado por analogia às prescri-
ções intercorrentes na vigência do CPC/73. Le-
gislação processual atual expressa acerca do iní-
cio automático da prescrição intercorrente,
desde que cumpridos os requisitos legais. No
caso concreto, exequente que se quedou inerte
por mais de cinco anos após o início do prazo
prescricional intercorrente. Art. 206, §5º, inciso I,
do Código Civil. Inércia continuada e ininterrupta.
Prescrição intercorrente consumada. Extinção
do cumprimento de sentença. Sentença mantida.
Recurso não provido. (TJSP; Apelação Cível
0019782-75.2007.8.26.0348; Relator (a): Mary
Grün; Órgão Julgador: 32ª Câmara de Direito Pri-
vado; Foro de Mauá - 3ª Vara Cível; Data do Jul-
gamento: 07/08/2023; Data de Registro:
07/08/2023)

Os julgados tratam de decisões proferidas pelo Tribunal


de Justiça do Estado de São Paulo no ano de 2023, precisa-
mente nos meses de setembro e agosto do corrente ano, dis-
ciplinando a desnecessidade de intimação do exequente para
o início do prazo prescricional.
No primeiro caso, tem-se o cumprimento de sentença
fundada em ação de cobrança de mensalidades escolares que
restou suspensa por ausência de bens penhoráveis, impli-
cando também a suspensão da prescrição pelo prazo de um

20
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

ano, após o qual começou a fluir a prescrição intercorrente


(art. 921 e §§, CPC).
Ainda, foi decidido pela desnecessidade de intimação
do exequente para o início do prazo prescricional, mas que
deve ser previamente intimado antes da declaração da pres-
crição a fim de que possa opor algum fato impeditivo, suspen-
sivo ou interruptivo da prescrição. No caso destes autos, a au-
tora/exequente foi intimada para se manifestar previamente
antes da prolação da sentença sobre a ocorrência da prescri-
ção intercorrente.
O segundo julgado, uma apelação cível de uma execu-
ção de título judicial também teve decisão semelhante ao es-
tabelecer a desnecessidade de intimação do exequente para
o início do prazo prescricional.
Entretanto, a intimação deve ser realizada antes da de-
claração da prescrição a fim de que possa opor algum fato im-
peditivo, suspensivo ou interruptivo da prescrição, o que ocor-
reu no presente fato, pois a autora/exequente foi intimada para
se manifestar previamente antes da prolação da sentença so-
bre a ocorrência da prescrição intercorrente.
O terceiro julgado seguiu no mesmo sentido, suscitando
a desnecessidade da intimação pessoal do exequente para
início da prescrição intercorrente tendo sido aplicado por ana-
logia às prescrições intercorrentes na vigência do CPC/73 e

21
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

ressaltado que a legislação processual atual expressa acerca


do início automático da prescrição intercorrente, desde que
cumpridos os requisitos legais.
O entendimento de parte da doutrina é no sentido de
que após a suspensão do prazo de um ano inicia-se a prescri-
ção intercorrente independentemente de intimação:

Nota-se que os autos serão desarquivados para pros-


seguimento da execução, desde que, a qualquer
tempo, sejam encontrados bens penhoráveis; no en-
tanto, decorrido o prazo de 1 (um) ano da suspensão
acima referida sem qualquer manifestação do exe-
quente, começará a correr o prazo da digitada pres-
crição intercorrente, prazo este que poderá interrom-
pido caso haja a efetiva citação, intimação do devedor
ou constrição de bens penhoráveis, sendo tal interrup-
ção apenas pelo tempo necessário à citação e à inti-
mação do devedor, bem como para as formalidades
da constrição patrimonial, se necessárias, desde que
o credor cumpra os prazos previstos na lei processual
ou fixados pelo juiz, ex vi do § 4º A do art. 921 do CPC.
(Gaio Júnior; Mello, 2022, p. 977)

Cessada a suspensão, seja em que momento for, o


prazo prescricional começa a correr, e só será interrompido
quando, localizado o executado, ele for citado ou intimado, ou
quando, localizados bens, eles forem constritos complementa
Gonçalves (2023, p. 1.531), mas, se a diligência for malsuce-
dida, nem por isso o prazo prescricional voltará a ficar sus-
penso, isso porque – e essa talvez seja a maior novidade da

22
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

Lei n. 14.195/2021 – a suspensão do prazo da prescrição só


pode ocorrer uma vez.
O prazo para a ocorrência da prescrição intercorrente,
conforme mencionado por Renato Montans de Sá (2023, p.
1.260), inicia-se após um ano sem qualquer manifestação por
parte do exequente. Após o vencimento desse prazo prescri-
cional, o juiz, de acordo com o Código de Processo Civil (arts.
9º e 10), determinará o encerramento do processo com reso-
lução de mérito.
Antes de tomar essa decisão, o juiz dará às partes a
oportunidade de se manifestarem, concedendo-lhes um prazo
de quinze dias para tal. Importante ressaltar que essa medida
não impõe ônus a nenhuma das partes, uma vez que o exe-
quente não pode ser penalizado devido à ausência de bens do
executado, e igualmente, o executado não pode ser penali-
zado por falta de bens ou por não ter sido localizado quando
sequer tinha conhecimento de que estava sendo procurado.

1.2.3 DO TERMO INICIAL PELO TRÂNSITO EM JULGADO

Com a alteração do art. 921 do CPC pela Lei n.º 14.195


(Brasil, 2021), a definição e os fundamentos do termo inicial
da prescrição intercorrente foram modificados. O novo texto
do §1º do art. 921 do CPC estabelece que o termo inicial da

23
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

prescrição intercorrente passa a ser o trânsito em julgado da


decisão que determinar a citação ou a intimação da parte exe-
cutada para pagamento, sob pena de penhora.
Dessa forma, a contagem do prazo para a prescrição
intercorrente começa a partir desse momento, e não mais a
partir da citação, como previsto anteriormente, estabelecendo
um marco inicial mais claro e objetivo para a prescrição inter-
corrente, evitando divergências interpretativas e garantindo
maior segurança jurídica para as partes envolvidas no pro-
cesso. (Zaneti Júnior, 2022)
Além disso, o autor supracitado entende ainda que a
definição do trânsito em julgado como marco inicial busca in-
centivar a celeridade processual, uma vez que a parte execu-
tada terá um prazo definido para se manifestar e efetuar o pa-
gamento, evitando a procrastinação do processo.
Assim, a nova definição do termo inicial da prescrição
intercorrente tem como fundamento a necessidade de estabe-
lecer regras mais claras e objetivas para a aplicação desse
instituto, a fim de garantir a efetividade da jurisdição e a segu-
rança jurídica nas decisões judiciais, o que promoveu altera-
ções na prática jurídica em relação ao termo inicial.

24
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

1.2.4 IMPLICAÇÕES PRÁTICAS PARA A APLICAÇÃO DO


TERMO INICIAL

A alteração do termo inicial da prescrição intercorrente


traz importantes implicações práticas para a aplicação desse
instituto pois, com a definição do trânsito em julgado como
marco inicial, a parte executada terá um prazo certo para cum-
prir a obrigação ou se manifestar nos autos, evitando a pro-
crastinação do processo. (Schiller, 2022)
Além disso, Zaneti Júnior (2022) adiciona que a altera-
ção do termo inicial da prescrição intercorrente tende a incen-
tivar a celeridade processual, uma vez que as partes envolvi-
das no processo terão conhecimento claro e preciso sobre o
momento em que o prazo para a prescrição intercorrente co-
meçará a contar.
Por outro lado, essa mudança pode ter implicações ne-
gativas para as partes que tenham a intenção de protelar o
processo ou de adiar o cumprimento da obrigação. Como o
prazo para a prescrição intercorrente começa a contar a partir
do trânsito em julgado da decisão que determinar a citação ou
a intimação da parte executada para pagamento, sob pena de
penhora, a demora na apresentação de recursos ou na efeti-
vação do pagamento pode acarretar a perda do direito de co-
brança. (Pillatti, 2020)

25
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

Portanto, Pillati (2020) destaca que a definição do termo


inicial da prescrição intercorrente como o trânsito em julgado
da decisão que determinar a citação ou a intimação da parte
executada para pagamento, sob pena de penhora, implica em
uma maior segurança jurídica para as partes envolvidas no
processo, incentivando a celeridade processual e desestimu-
lando a procrastinação do processo ou o descumprimento de
obrigações.
Dessa forma, com o aumento da segurança jurídica
promovida pela alteração, também há a redução da incidência
dos casos de suspensão da prescrição intercorrente, repre-
sentando mais uma situação afetada pela promulgação da Lei
14.195/2021.

1.3 SUSPENSÃO DA PRESCRIÇÃO INTERCORRENTE

1.3.1 DEFINIÇÃO E FUNDAMENTOS DA SUSPENSÃO

Antes da alteração do art. 921 do CPC pela Lei n.º


14.195/2021, a prescrição intercorrente era suspensa apenas
uma vez, quando a parte exequente demonstrasse que estava
buscando de forma efetiva a localização do devedor ou dos
bens penhoráveis, nos termos do art. 921, §2º do CPC. (Brasil,
2015)

26
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

Essa suspensão da prescrição intercorrente tinha como


objetivo evitar que a parte exequente fosse prejudicada em
sua pretensão de cobrança em casos em que havia dificuldade
em localizar o devedor ou seus bens para pagamento da dí-
vida. Assim, o prazo da prescrição intercorrente era suspenso
temporariamente até que a parte exequente demonstrasse
que estava buscando de forma efetiva a localização do deve-
dor ou dos bens penhoráveis. (Moura, 2022)
No entanto, essa suspensão da prescrição intercorrente
era válida apenas por um ano, nos termos do art. 921, §4º do
CPC (Brasil, 2015). Após esse prazo, a prescrição intercor-
rente voltava a correr, mesmo que a parte exequente continu-
asse buscando a localização do devedor ou dos bens penho-
ráveis.
Essa única suspensão da prescrição intercorrente tinha
como fundamento a garantia da efetividade da jurisdição e o
equilíbrio entre as partes, evitando que a parte exequente
fosse prejudicada pela dificuldade em localizar o devedor ou
os bens penhoráveis. (Moura, 2022)
Com a alteração do art. 921 do CPC pela Lei n.º
14.195/2021, houve mudanças também em relação à suspen-
são da prescrição intercorrente.

27
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

1.3.2 MUDANÇAS TRAZIDAS PELA LEI N.º 14.195/2021

Com a alteração do art. 921 do CPC pela Lei n.º 14.195


(Brasil, 2021), foi incluída uma nova hipótese de suspensão da
prescrição intercorrente, prevista no §3º do referido artigo. A
partir de então, a prescrição intercorrente será suspensa
quando houver o requerimento de cumprimento de sentença
ou de execução fiscal, nos termos do art. 523 do CPC, ou no
caso de apresentação de pedido de parcelamento, nos termos
do art. 916 do CPC.
Dessa forma, ao apresentar o pedido de cumprimento
de sentença ou de execução fiscal, a parte exequente poderá
suspender a contagem do prazo de prescrição intercorrente,
uma vez que está demonstrando o seu interesse na efetivação
da cobrança. Da mesma forma, ao apresentar o pedido de par-
celamento, o devedor demonstra o interesse em quitar a dí-
vida, o que justifica a suspensão do prazo prescricional. (Sa-
les, 2022)
A suspensão da prescrição intercorrente nessas hipó-
teses tem como objetivo evitar que a parte exequente seja pre-
judicada pela demora no cumprimento da obrigação ou na qui-
tação da dívida, garantindo a efetividade da jurisdição e o equi-
líbrio entre as partes. (Moura, 2022)

28
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

Além disso, a suspensão da prescrição intercorrente


nessas hipóteses é uma medida que incentiva a solução ami-
gável dos conflitos, uma vez que a apresentação de pedido de
parcelamento ou de cumprimento de sentença pode levar à
negociação entre as partes e ao pagamento da dívida de
forma mais rápida e eficiente. (Zaneti Júnior, 2022)
Cabe ressaltar que, de acordo com a nova lei, a sus-
pensão da prescrição intercorrente nessas hipóteses é por
prazo indeterminado, ou seja, o prazo de prescrição intercor-
rente ficará suspenso enquanto durar o pedido de cumpri-
mento de sentença, execução fiscal ou parcelamento da dí-
vida. (Brasil, 2021)
Essa nova hipótese de suspensão da prescrição inter-
corrente tem como fundamento a garantia da efetividade da
jurisdição e o equilíbrio entre as partes, incentivando a solução
amigável dos conflitos e evitando a perda do direito de co-
brança. Assim sendo, importante delimitar também os efeitos
da suspensão aos casos práticos.

1.3.3 IMPLICAÇÕES PRÁTICAS PARA A APLICAÇÃO DA


SUSPENSÃO

A inclusão da nova hipótese de suspensão da prescri-


ção intercorrente traz implicações práticas relevantes para a

29
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

aplicação desse instituto, especialmente para as partes envol-


vidas em processos de execução de título judicial ou extraju-
dicial.
A partir da entrada em vigor da Lei n.º 14.195 (Brasil,
2021), a parte exequente poderá requerer a suspensão da
prescrição intercorrente ao apresentar o pedido de cumpri-
mento de sentença ou de execução fiscal, ou seja, não será
mais necessário promover atos executivos para evitar a extin-
ção da ação por prescrição. Isso significa que a parte poderá
aguardar o cumprimento da obrigação pelo devedor, sem a
preocupação de que o prazo prescricional esteja correndo.
Além disso, Camargo (2023) entende que a apresenta-
ção de pedido de parcelamento também pode levar à suspen-
são da prescrição intercorrente, o que pode incentivar a nego-
ciação entre as partes e a quitação da dívida de forma mais
rápida e eficiente.
Cabe destacar que a suspensão da prescrição intercor-
rente nessas hipóteses é por prazo indeterminado, ou seja,
enquanto durar o pedido de cumprimento de sentença, execu-
ção fiscal ou parcelamento da dívida. Isso pode gerar um certo
desconforto para a parte devedora, uma vez que não saberá
exatamente quando a prescrição intercorrente voltará a correr.
(Camargo, 2023)

30
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

Por outro lado, Moreira (2022) entende que a suspen-


são da prescrição intercorrente nessas hipóteses também
pode ser vista como uma forma de incentivar a solução ami-
gável dos conflitos, uma vez que a parte devedora pode ser
levada a apresentar propostas de pagamento ou de parcela-
mento para evitar a retomada do prazo prescricional.
Logo, a inclusão da nova hipótese de suspensão da
prescrição intercorrente traz vantagens para ambas as partes,
uma vez que permite a suspensão do prazo prescricional e in-
centiva a solução amigável dos conflitos. No entanto, é impor-
tante estar atento aos requisitos legais para a suspensão da
prescrição intercorrente, bem como ao prazo indeterminado
de suspensão.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A alteração do art. 921 do CPC pela Lei n.º 14.195/2021


trouxe significativas mudanças em relação à prescrição inter-
corrente, afetando diretamente a prática jurídica. A definição
do termo inicial passou a ser a citação válida do executado, e
a suspensão da prescrição intercorrente passou a ser única e
limitada a 1 ano, a contar do seu início.

31
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

Antes da alteração, o termo inicial da prescrição inter-


corrente era bastante discutido, uma vez que não havia previ-
são legal clara sobre o assunto. A jurisprudência se dividia em
relação ao tema, ora entendendo que o termo inicial seria a
citação válida, ora entendendo que seria a última decisão que
impulsionou o processo. Com a alteração, a definição ficou
clara e objetiva, evitando dúvidas e divergências interpretati-
vas.
A suspensão da prescrição intercorrente também so-
freu mudanças significativas. Antes da alteração, era possível
suspender a prescrição intercorrente por diversas causas,
como a ausência de bens do devedor, a impossibilidade de
localização do devedor, a existência de recurso com efeito
suspensivo etc. Com a alteração, a suspensão passou a ser
única e limitada a 1 ano, a contar do seu início, o que impõe
maior celeridade aos processos e maior efetividade na reali-
zação do crédito do exequente.
É importante ressaltar que a alteração do art. 921 do
CPC pela Lei n.º 14.195/2021 pode ter implicações práticas
distintas a depender do tipo de processo em que se aplica,
especialmente nos processos de execução fiscal, em que a
fazenda pública é a exequente. Ainda que a fazenda pública
possua maior capacidade de investigação patrimonial, o prazo

32
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

de 1 ano para a suspensão da prescrição intercorrente pode


ser insuficiente para a realização do crédito.
Diante do exposto, conclui-se que a alteração do art.
921 do CPC pela Lei n.º 14.195/2021 representa um avanço
na legislação processual, uma vez que traz maior clareza e
objetividade na definição do termo inicial da prescrição inter-
corrente e limita a suspensão da prescrição intercorrente a um
prazo razoável, o que contribui para a maior efetividade da tu-
tela jurisdicional.

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37
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

2
ANÁLISE DA EFETIVIDADE DAS DECISÕES DA CORTE
INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS NO
JULGAMENTO DE CASOS DE VIOLAÇÃO DE
DIREITOS DA COMUNIDADE LGBTQIAP+

ANALYSIS OF THE EFFECTIVENESS OF THE


DECISIONS OF THE INTER-AMERICAN COURT OF
HUMAN RIGHTS IN THE TRIAL OF CASES OF
VIOLATION OF THE RIGHTS OF THE
LGBTQIAP+ COMMUNITY

Matheus Chagas da Costa3


Williane Tiburcio Facundes4

COSTA, Matheus Chagas da. Análise da efetividade das


decisões da Corte Interamericana de Direitos Humanos
no julgamento de casos de violação de direitos da comu-
nidade LGBTQIAP+. Trabalho de Conclusão de Curso de
graduação em Direito - Centro Universitário UNINORTE, Rio
Branco. 2023.

3
Discente do 8º período do curso bacharelado em Direito pelo Centro Universitário
Uninorte.
4
Docente do Centro Universitário Uninorte. Graduada em Direito pela U:VERSE.
Especialista em Psicopedagogia pela Universidade Varzeagrandense e Direito Di-
gital pela Faculdade Metropolitana. Graduada em Letras Vernáculas pela Universi-
dade Federal do Acre - UFAC.

38
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

RESUMO

Introdução. O presente estudo trata da atuação da Corte In-


teramericana de Direitos Humanos nos julgamentos de casos
de violação de direitos de pessoas LBGTQIAP+ em razão da
sua orientação sexual ou de identidade de gênero. Objetivo.
Diante desse contexto, procedeu-se o estudo dos casos en-
volvendo violação de direito de pessoas LGBTQIAP+ deman-
dados na Corte Interamericana de Direitos Humanos, e as
respectivas decisões nos julgamentos e o seu cumprimento,
a fim de identificar a eficácia da Corte em relação à proteção
dos direitos da comunidade LGBTQIAP+. Método. Através do
embasamento teórico e levantamento bibliográfico, produziu-
se uma análise da efetividade das decisões da Corte Intera-
mericana de Direitos Humanos no julgamento de casos de vi-
olação de direitos da comunidade LGBTQIAP+. Resultados.
O julgamento de casos envolvendo violação de direitos de
pessoas LGBTQIAP+ em razão de sua condição sexual ou de
identidade de gênero na Corte Interamericano de Direitos Hu-
manos, mostra-se importante e necessário para a proteção
dos direitos dessa comunidade marginalizada e oprimida, po-
rém ao analisar o processo, verifica-se que o referido possui
diversos gargalos, que afeta sua eficiência. Conclusão. Dessa
forma, se faz necessário reconhecer a evolução da eficácia
nos julgamentos da Corte, porém é importante que sejam fei-
tas mudanças no procedimento processual, para a proteção
mais eficaz dos direitos da comunidade LGBTQIAP+.

Palavras-chave: Corte Interamericana de Direitos Humanos;


LGBTQIAP+; violação; Direitos Humanos; Sistema Interame-
ricano de Proteção de Direitos Humanos; Comissão Intera-
mericana de Direitos Humanos.

39
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

ABSTRACT

Introduction. This study deals with the role of the Inter-


American Court of Human Rights in judging cases of violation
of the rights of LBGTQIAP+ people due to their sexual
condition or gender identity. Goal. In this context, we studied
cases involving violations of the rights of LGBTQIAP+ people
sued at the Inter-American Court of Human Rights, and the
respective decisions in the trials and their compliance, in order
to identify the effectiveness of the Court in relation to the
protection of rights of the LGBTQIAP+ community. Method.
Through the theoretical basis and bibliographical survey, an
analysis of the effectiveness of the decisions of the Inter-
American Court of Human Rights in the judgment of cases of
violation of the rights of the LGBTQIAP+ community was
produced. Conclusion. Therefore, it is necessary to recognize
the evolution of effectiveness in the Court's judgments,
however it is important that changes are made to the
procedural procedure, for the most effective protection of the
rights of the LGBTQIAP+ community.

Keywords: Inter-American Court of Human Rights;


LGBTQIAP+; violation; Human rights; Inter-American System
for the Protection of Human Rights; Inter-American
Commission on Human Rights.

40
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

INTRODUÇÃO

Este artigo tem como objetivo estudar a efetividade das


decisões da Corte Interamericana de Direitos Humanos nos
casos de violação de direitos da Comunidade LGBTQIAP+,
discorrendo como se dar a proteção se dar a proteção dessas
pessoas quando os Estados se mostram omissos ou violado-
res desses direitos no sistema regional americano; Analisar a
incorporação da demanda dos direitos por parte das pessoas
LBTQIAP+ à agenda de debates no Sistema Interamericano
de Direitos Humanos; Mostrar as mais recorrentes violações
aos direitos de pessoas LGBTQIAP+ no sistema interameri-
cano; Verificar como funciona a atuação da Corte Interameri-
cana de Direitos Humanos no caso de violações praticadas
contra pessoas LGBTQIAP+; Analisar os casos julgados pela
Corte e que medidas foram tomada contra os Estados viola-
dores e o seu cumprimento.
A pergunta que norteia este estudo é: As decisões da
Corte Interamericana de Direitos Humanos são eficientes na
proteção dos direitos da comunidade LGBTQIAP+? Com o fito
de responder de responder tal questionamento, foi realizada
vasta consulta bibliográfica acerca do tema, abordando as-
pectos históricos reconhecimento dos direitos da comunidade
LGBTQIAP+ pela comunidade internacional, a percepção da

41
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

necessidade de proteção dos direitos dessa comunidade di-


ante de diversos casos de violação pelo próprio Estado que
deveria os proteger no recorte do sistema interamericano,
abordando os aspectos legais e práticos relacionados a judi-
cialização desses casos em âmbito interamericano, e as de-
cisões e julgamentos decorrentes desse processo e seus re-
flexos, sejam eles positivos ou negativos, e tais, reflexos men-
surados através das dos dados fornecidos pelo site da Corte
Interamericana de Direitos Humanos.
Em suma, o presente trabalho pretende estudar os pro-
cessos julgados pela Corte Interamericana de Direitos Huma-
nos de violações de Direitos Humanos cometidos pelos Esta-
dos contra pessoas LGBTQIAP+ em razão de sua orientação,
analisando a sua duração e a aplicação e cumprimento da
sentença proferida pela corte, e a reparação da vítima.
Tendo como público-alvo, inicialmente os operadores
do Direito, para que estes possam propagar para sociedade
em geral, o mecanismo interamericano de proteção de direi-
tos humanos, caso os Estado se mostrem omisso e ineficiente
na promoção e proteção dos Direitos Humanos ou até mesmo
violador do mesmo. A partir dessa análise, espera-se forne-
cer subsídios para uma melhor compreensão das potenciali-
dades e gargalos do sistema interamericano de proteção de
direitos humanos, em especial dos de pessoas LGBTQIAP+.

42
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

2.1 CASO ATALA RIFFO E CRIANÇAS VERSUS CHILE

A senhora Karen Atala Riffo casou-se com Ricardo


Jaime López em 29 de março de 1993, e tiveram três filhos,
M., V., e R. que nasceram respectivamente em 1994, 1994 e
1999. A senhora Atala e o senhor López decidiram terminar o
casamento em 2002.
No acordo de separação, estabeleceram que a se-
nhora Atala manteria a guarda e os cuidados dos três filhos,
com regime de visita semanal do pai. Em novembro daquele
ano, a senhora Emma, a nova companheira da senhora Atala,
começou a conviver na mesma casa com ela e as três filhas,
e o filho mais velho da senhora Atala, fruto de um casamento
anterior.
O senhor López, em 14 de janeiro de 2003, solicitou a
guarda ou tutela das crianças, perante o Juizado de Menores
de Villarrica, por considerar que o desenvolvimento físico e
emocional das crianças estaria em risco caso continuassem
sob os cuidados da mãe, devido a sua nova opção sexual, e
somado com a convivência lésbica com outra mulher estava
provocando consequências danosas ao desenvolvimento
dessas crianças. Além de que por suas práticas sexuais, es-
tariam expostas de maneira permanente ao surgimento de
herpes e AIDS.

43
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

A Juíza Substituta do Juizado de Menores de Villarrica,


dado o impedimento por suspeição do juiz titular, em 29 de
outubro de 2003, proferiu sentença onde negou a demanda
da guarda, considerando que a orientação sexual da mãe não
representava impedimento para o desenvolvimento de uma
maternidade responsável.
O Juizado de Menores ordenou a entrega das crianças
à mãe, no entanto em 11 de outubro de 2003, o pai das crian-
ças apelou da sentença e interpôs mandado de segurança. O
Tribunal de Recursos de Tenuco concedeu o mandado de se-
gurança, e o pai manteve a guarda. Posteriormente, em 30 de
março de 2004, o Tribunal de Recursos de Temuco, confir-
mou a sentença e tornou sem efeito o mandado de segu-
rança.
O pai das crianças apresentou em 5 de abril de 2004,
perante a Suprema Corte do Chile um recurso e solicitou que
as crianças fossem mantidas provisoriamente sob seus cui-
dados. A Suprema Corte concedeu o pedido da guarda provi-
sória do pai. Em 31 de maio de 2004, a Quarta Câmara da
Suprema Corte de Justiça do Chile acolheu o recurso e con-
cedeu a guarda provisória ao pai.

44
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

2.1.1 PROCEDIMENTO PERANTE A COMISSÃO INTERA-


MERICANA DE DIREITOS HUMANOS

A senhora Karen Atala Riffo, representada pela Associ-


ação Liberdades Públicas, da Clínica de Ações de Interesse
Público da Universidade Diego Portales e pela Fundação
Ideas, em 24 de novembro de 2004, apresentou à petição ini-
cial à Comissão Interamericana de Direitos Humanos.
A Comissão Interamericana, em 23 de julho de 2008,
aprovou o Relatório de Admissibilidade nº 42, /08. Em 18 de
dezembro de 2009, a Comissão emitiu o Relatório de Mérito
nº 139/09, em conformidade com o art. 50 da Convenção Ame-
ricana sobre Direitos Humanos.
Após a notificação do Estado chileno do Relatório de
Mérito, em 17 de setembro de 2010, a Comissão considerou
que o Estado não cumpriu as recomendações do Relatório de
Mérito, razão pela qual decidiu submeter o presente caso à
Corte Interamericana.
A Comissão considerou o Estado chileno responsável
internacionalmente pelo tratamento discriminatório e pela in-
terferência arbitrária na vida privada e familiar da senhora
Atala, devido a sua orientação sexual, no processo judicial que
resultou na retirada do cuidado e custódia das filhas M., V. e
R. O Estado chileno não observou o interesse superior das

45
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

crianças cuja guarda e cuidado foram determinados em des-


cumprimento de seus direitos e com base em preconceitos dis-
criminatórios.
A Comissão solicitou que a Corte declarasse a violação
dos arts. 11, 17.1 e 17.4, 19, 24, 8, 25.1 e 25.2 da Convenção
Americana sobre Direitos Humanos, em relação ao art. 1.1 do
mesmo instrumento. Também foi solicitado que a Corte orde-
nasse ao Estado Chileno a adoção de medidas de reparação.
Analisando o procedimento perante a Comissão Intera-
mericana, verifica-se uma morosidade excessiva. Da data da
apresentação da petição inicial à Comissão Interamericana,
até a aprovação do Relatório de Admissibilidade, transcorreu
quatro anos. Da aprovação do Relatório de Admissibilidade
até a data da aprovação do Relatório de Mérito, transcorreu
um ano.

2.1.2 PROCEDIMENTO PERANTE A CORTE INTERAMERI-


CANA DE DIREITOS HUMANOS

A Corte Interamericana julgou o caso em 24 de feve-


reiro de 2012. Sendo o primeiro caso de violação de direitos
de pessoas LGBTI julgado pela Corte Interamericana. A Corte
Interamericana declarou que Estado chileno é:

46
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

i) responsável pela violação do direito à igualdade e a não


discriminação, consagrado no art. 24 da Convenção Ameri-
cana sobre Direitos Humanos, em relação ao art. 1.1 do re-
ferido dispositivo, em detrimento de Karen Atala Riffo;
ii) responsável ela violação do direito à igualdade e a não
discriminação, previsto no art. 24, em relação aos arts. 19 e
1.1 da Convenção America, em detrimento das crianças M.,
V. e R.;
iii) responsável pela violação do direito à vida privada, con-
sagrado no art. 11.2, em relação ao art. 1.1 da Convenção
Americana, em detrimento da senhora Atala;
iv) responsável pela violação dos arts. 11.2 e 17.1, em rela-
ção ao art. 1.1 da Convenção Americana, em detrimento da
senhora Atala e dos seus filhos; responsável pela violação
do direito de ser ouvido, consagrado no art. 8.1, em relação
aos arts. 19 e 1.1, da Convenção Americana, em detrimento
das crianças M., V. e R;
v) responsável pela violação da garantia de imparcialidade,
consagrado no art. 8.1, em relação ao art. 1.1 da Convenção
Americana, com respeito à investigação disciplinar, em de-
trimento da senhora Atala.

A Corte Interamericana ordenou que o Chile deve:

i) prestar atendimento médico e psicológico e/ou psiquiá-


trico gratuito, e de forma imediata, adequada e efetiva, me-
diante suas instituições públicas especializadas de saúde,
às vítimas que o solicitem;
ii) realizar a publicação do resumo da sentença no Diário
Oficial e em jornal de grande circulação, e a disponibilização
de cópia integral da sentença nos sites oficial do governo;

47
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

iii) realizar um ato ato público de reconhecimento de respon-


sabilidade internacional pelos do caso;
iv) continuar implementando, num prazo razoável, progra-
mas e cursos permanentes de educação e treinamento des-
tinados a funcionários públicos no âmbito regional e nacio-
nal e, especialmente, a funcionários judiciais de todas as
áreas e escalões do setor jurídico;
v) pagar as quantias fixadas nos parágrafos 294 e 299 da
sentença, a título de indenização por dano material e imate-
rial e de reembolso de custas e gastos, conforme seja cabí-
vel;
vi) apresentar à Corte relatório sobre as medidas adotadas
para seu cumprimento, no prazo de um ano

2.1.3 CUMPRIMENTO DA SENTENÇA DA CORTE INTERA-


MERICANA DE DIREITOS HUMANOS

Segunda a Corte Interamericana de Direitos Humanos,


o Chile cumpriu as resoluções de:

i) prestar assistência médica, psicológica, e/ou psiquiátrica


gratuita de acordo com o disposto nos parágrafos e 254 e
255 da sentença;
ii) fazer as publicações indicadas no parágrafo 259 da sen-
tença;
iii) realizar um ato público de reconhecimento de responsa-
bilidade internacional pelos fatos do caso, de acordo com o
disposto nos parágrafos 263 e 264 da sentença;
iv) pagar as quantias estabelecidas nos parágrafos 294 e
299 da sentença, a título de indenização por danos materi-
ais e imateriais e para reembolso de custa e despesas.

48
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

Encontra-se pendente de cumprimento a resolução de


continuar a implementar programas e cursos de educação e
formação permanente destinados a funcionários públicos a
nível regional e nacional, em particular, a funcionários judici-
ais de todas as áreas e categorias do Poder Judiciário.

2.2 CASO DUQUE VERSUS COLÔMBIA

O senhor Angel Alberto Duque e o senhor. JOJG vive-


ram juntos como casal até 15 de setembro de 2001, quando
faleceu o senhor JOJG em decorrência da Síndrome de Imu-
nodeficiência Adquirida. Tendo o senhor Duque ingressado
em 4 de agosto de 1997, no programa DST-HIV/AIDS com
diagnóstico de infecção pelo HIV, onde iniciou seu tratamento
antirretroviral.
O senhor JOJG era filiado à Empresa Administradora
de Fundos de Pensão e Rescisão da Colômbia (COLFON-
DOS S.A). Com o falecimento do seu parceiro, o senhor Du-
que, em 19 de março de 2002, solicitou por escrito que lhe
fosse informado sobre os requisitos que deveria cumprir para
obter a pensão de sobrevivência de seu companheiro. A Col-
fondos, em 3 de abril de 2002, respondeu à solicitação do se-
nhor Duque, indicando que ele não possuía a orientação de

49
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

beneficiário de acordo com a legislação aplicável para acesso


à pensão de sobrevivência.
Diante da resposta negativa da Colfondos, em 26 de
abril de 2002, o senhor Duque ajuizou ação de tutela solici-
tando que a reposição da pensão a seu favor fosse reconhe-
cida e paga como mecanismo transitório enquanto se instau-
rava a respectiva ação judicial, pois ele era o companheiro do
senhor JOJG, não possuindo rendimento próprio, vivendo
com HIV e estando em tratamento antirretroviral que não po-
dia ser suspenso, e que com a morte de seu companheiro,
perderia a adesão à entidade prestadora de serviços de sa-
úde além da pensão de sobrevivência.
Argumentou ainda que, a não concessão de uma pen-
são substitutiva constituía uma violação dos direitos à vida, à
igualdade, ao direito de constituir família, ao livre desenvolvi-
mento da personalidade, ao direito à seguridade social, à pro-
ibição de tratamentos degradantes, à liberdade de consciên-
cia, diversidade cultural e dignidade humana.
Em 5 de junho de 2002, o Décimo Juízo Cível Munici-
pal de Bogotá negou provimento da ação de tutela. O senhor
Duque impugnou a decisão que negou o provimento, perante
o Décimo Segundo Juízo Cível do Circuito de Bogotá, porém
em 19 de julho de 2002, a decisão anterior foi confirmada.

50
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

O processo de tutela foi apresentado ao Tribunal Cons-


titucional, porém em 26 de agosto de 2002, o referido não foi
selecionado para estudo e revisão.

2.2.1 PROCEDIMENTO PERANTE A COMISSÃO INTERA-


MERICANA DE DIREITOS HUMANOS

A petição inicial foi apresentada à comissão Interame-


ricana de Direitos Humanos em 8 de fevereiro de 2005 pelo
senhor Angel Alberto Duque, representada pela Comissão
Colombiana de Juristas e por Germán Humberto Rincón Per-
fetti. Em 2 de novembro de 2011, a Comissão aprovou o Re-
latório de Admissibilidade nº 5/14, e em 2 de abril de 2014,
emitiu o Relatório de Mérito nº 5/14, em conformidade com o
art. 50 da Convenção Americana sobre Direitos Humanos.
No Relatório de Mérito nº 5/14 a Comissão concluiu
que o Estado da Colômbia violou o direito à integridade pes-
soal, estabelecido no art. 51, em relação ao art. 1.1 da Con-
venção Americana. Também violou os direitos às garantias
judiciais e à proteção judicial, consagrados nos arts. 8.1 e 25,
em relação ao art. 1.1 da Convenção Americana, em detri-
mento de Angel Alberto Duque e o princípio da igualdade e
da não discriminação, estabelecidos no art. 24, em relação

51
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

aos arts. 1.1 e 2 da Convenção Americana, em detrimento do


senhor Alberto Duque.
A Comissão recomendou ao Estado Colombiano: i) in-
denizar adequadamente o senhor Angel Alberto Duque pelas
violações de direitos humanos declarados no Relatório de Mé-
rito, contemplando danos materiais e imateriais, incluindo, no
mínimo, a concessão de uma pensão de sobrevivência e de
uma compensação justiça, devendo ainda proporcionar
acesso ininterrupto aos serviços de saúde e aos tratamentos
necessários à uma pessoa que vive com HIV; ii) adotar todas
as medidas que ainda sejam necessárias para garantir a não
repetição de acontecimentos como os do caso, adotando as
medidas necessárias para que todas as decisões jurispruden-
ciais ocorridas na Colômbia após os fatos do caso, que reco-
nheceu o direito à pensão de sobrevivência aos casais forma-
dos por pessoa do mesmo sexo e determinou que os casos
anteriores, sejam alcançados por eles e devidamente respei-
tados e cumpridos; iii) adotar todas as medidas necessárias
para que aqueles que trabalham na prestação de serviços de
segurança social, seja na esfera pública ou privada, recebam
a formação adequada para processar os pedidos de pessoas
que fizeram ou fazem parte de casais o mesmo sexo, com o
sistema jurídico interno e; iv) adotar todas as medidas estatais
necessárias para garantir que os casais do mesmo sexo não

52
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

sejam discriminados em termos de acesso aos serviços de se-


gurança social e, em particular, que sejam autorizados a apre-
sentar os meios de prova que os casais do sexo oposto, de
acordo com a disposição do ordenamento jurídico interno.
O Estado colombiano foi notificado do Relatório de Mé-
rito e suas recomendações em 21 de abril de 2014, recebendo
um prazo de dois meses para informar acerca do cumprimento
das recomendações. O Estado apresentou relatório em 20 de
junho de 2014, solicitando prazo de três meses para apresen-
tar propostas para apresentar as referidas informações.
A Comissão submeteu à jurisdição da Corte Interame-
ricana o caso em 21 de outubro de 2014, pelos fatos e viola-
ções dos direitos humanos descritos no Relatório de Mérito,
devido à necessidade de obter justiça para a vítima, em de-
corrência do Estado colombiano não ter apresentado uma
proposta de reparação integral específica no seu segundo re-
latório, tendo indicado apenas que a vítima deveria iniciar um
segundo procedimento e não reconhecendo que o que caso
resultou em um crime internacional.
A Comissão Interamericana solicitou que a Corte de-
clarasse a responsabilidade internacional da Colômbia pela
violação dos direitos indicados nas conclusões do Relatório
de Mérito e que ordenasse ao Estado colombiano que cumpra
as medidas de reparação presentes no relatório.

53
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

Analisando o procedimento do caso perante a Comis-


são Interamericana, cabe destacar a morosidade dos proce-
dimentos. Observa-se que da data da apresentação da peti-
ção inicial pelo senhor Duque à Comissão até a aprovação do
Relatório de Admissibilidade, transcorreu seis anos. Da apro-
vação do Relatório de Admissibilidade até a aprovação do Re-
latório de Admissibilidade, transcorreu três anos. O procedi-
mento do caso perante a Comissão teve a duração de nove
anos, prazo excessivamente moroso.

2.2.2 PROCEDIMENTO PERANTE A CORTE INTERAMERI-


CANA DE DIREITOS HUMANOS

O caso foi submetido à Corte Interamericana em 21 de


outubro de 2014 pela Comissão Interamericana de Direitos
Humanos A Corte Interamericana procedeu ao julgamento do
caso em 26 de fevereiro de 2016, tendo iniciado a deliberação
da sentença em 25 de fevereiro de 2016.
A Corte declarou que o Estado colombiano é responsá-
vel pela violação do direito à igualdade perante a lei, reconhe-
cido no art. 24 da Convenção Americana sobre Direitos Huma-
nos, em relação ao art. 1.1 do mesmo diploma 5.
A Corte determinou que a Colômbia deverá:

5
Nos termos dos parágrafos 89 a 138 da Sentença.

54
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

i) realizar as publicações indicadas no parágrafo 203 da Sen-


tença;
ii) garantir ao senhor Duque o processamento prioritário de
seu pedido de sobrevivência6;
iii) pagar as quantias estabelecidas nos parágrafos 221 e 227
da Sentença a título de indenização por danos imateriais e o
reembolso de custas e gastos;
iv) reembolsar o Fundo de Assistência às Vitimas da Corte
Interamericana de Direitos Humanos, o valor desembolsado
durante a tramitação do caso7;
v) apresentar à Corte um relatório sobre as medidas adota-
das para cumpri-la, no prazo de um ano da notificação da
Sentença.

2.2.3 CUMPRIMENTO DA SENTENÇA DA CORTE INTERA-


MERICANA DE DIREITOS HUMANOS

No caso Duque versus Colômbia, todas as medidas de-


terminadas pela Corte Interamericana foram cumpridas pelo
Estado colombiano, conforme declaração presente na Reso-
lução da Corte Interamericana de Direitos Humanos de super-
visão de cumprimento de sentença de 12 de março de 2020.

2.3 CASO FLOR FREIRE VS EQUADOR

6
Nos termos dos parágrafos 199 e 200 da Sentença.
7
Nos termos do parágrafo 230 da Sentença.

55
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

O senhor Homero Flor Freire ingressou na Força Ter-


restre Equatoriana com a patente de Segundo Tenente de
Cavalaria Blindada em 7 de agosto de 1999. Na data da sua
baixa das Força Terrestre tinha a patente de Tenente e servia
na Quarta Zona Militar. Nas instalações do Forte Militar do
Amazonas, localizado na cidade de Shell, na Província de
Pastaza, em 19 de novembro de 2000, ocorreram os fatos que
deram origem ao processo na jurisdição disciplinar militar.
O senhor Homero Flor Freire, alegou que por volta das
5h20 daquele dia, ele estava do lado de fora do Coliseu, na
cidade de Shell, quando presenciou que um soldado estava
em estado de embriaguez e teria tido problemas com algumas
pessoas que estavam presentes no evento, colocando em
risco a sua integridade física e a honra e o prestígio da sua
função armada. Por isso teria decidido transferi-lo dos arredo-
res do Coliseu para o Forte do Amazonas. Ao entrar no com-
plexo militar, o senhor Flor Freire teria o deixado na Preven-
ção Militar a cargo dos oficiais de plantão. Porém, naquele
momento o soldado teria tentado retornar ao local onde acon-
tecia a festa, então o senhor Flor Freire teria optado para
transferi-lo para o seu quarto onde havia uma cama adicional
para ele dormir ali. O senhor Flor Freire afirmou que logo após
entrar no seu quarto, um major entrou sem autorização de
forma arbitrária e violenta, para informá-lo de que estava em

56
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

apuros e ordenou que lhe entregasse a arma. Ao solicitar ex-


plicações, o major teria informando-lhe que havia testemu-
nhas que o tinham visto em situação de homossexualidade.
Segundo o senhor Flor Freire, sua demissão era na verdade
uma retaliação por suas ações para reduzir gastos indevidos
e corrupção na força, uma vez que era responsável pela com-
pra de alimentos e outros bens no forte militar onde traba-
lhava.
Após praticar os atos processuais indispensáveis ao
esclarecimento do fato, em 21 de dezembro de 2000, o Pri-
meiro Juizado Penal declarou encerrada a investigação e re-
meteu os autos ao conhecimento do Procurador da Zona para
emitisse seu parecer, no qual opinou que pelo mérito das pro-
vas apresentadas considerava haver responsabilidade disci-
plinar contra o senhor Homero Flor, devendo ser sancionado
como estabelece o Regimento da Disciplina Militar.
Após este parecer, o Primeiro Tribunal de Justiça, ela-
borou um projeto de resolução no qual propunha que fosse
declarada a responsabilidade disciplinar do senhor Flor Freire
e que o mesmo fosse colocado à disposição, antes da exone-
ração, com base no art. 117 do Regulamento de Disciplina
Militar, acatando o parecer do Procurador. Posteriormente, o
caso foi levado ao conhecimento do Comandante da Quarta

57
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

Zona Militar que foi o responsável por atuar como Tribunal de


Justiça.
O senhor Flor Freire, em 18 de janeiro de 2011, inter-
pôs recurso de apelação contra a decisão do Tribunal de Jus-
tiça da Quarta Zona Militar. O Tribunal acolheu o procedi-
mento e enviou os autos ao Comando Geral da Força Terres-
tre, para decisão do Conselho de Oficiais.
Em 3 de maio de 2001, o Conselho de Oficiais decidiu
que faltavam bases jurídicas que permitissem decidir em con-
trário e ratificou a decisão do Tribunal de Justiça da Quarta
Zona Militar, e ordenou que o senhor Flor Freire fosse colo-
cado em disponibilidade antes de sua dispensa do serviço
ativo na Força Terrestre. Tendo o senhor Flor Freire sido no-
tificado da referida decisão em 7 de maio de 2011.
Paralelamente, após a resolução do Tribunal de Jus-
tiça de 17 de janeiro de 2001, o senhor Flor Freire interpôs
recurso de proteção constitucional em 23 de janeiro de 2001.
A ação foi movida contra o Presidente da República,
na qualidade de Comandante-em chefe das Forças Armadas
do Equador, o Ministro da Defesa Nacional, o Comandante-
Geral da Força Terrestre do Exército e o Procurador-Geral do
Estado.
Em sua denúncia, o senhor Flor Freire alegou que o

58
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

processo conduzido pela Primeira Vara Criminal foi instau-


rado por suposta homossexualidade, com base em norma
que deveria ser entendida como revogada, uma vez que o
crime de homossexualidade havia sido declarado inconstitu-
cional pelo Tribunal Constitucional em 27 de novembro de
1997, em virtude disso, alegou que não poderia ser sancio-
nado por conduta que, de acordo com o ordenamento jurídico
vigente, não era crime.
O senhor Flor Freire permaneceu na ativa na Força
Terrestre Equatoriana até 18 de janeiro de 2002, data em que
sua dispensa entrou em vigor após seis meses no cargo.

2.3.1 PROCEDIMENTO PERANTE A COMISSÃO INTERA-


MERICANA DE DIREITOS HUMANOS

Homero Flor Freire em 30 de agosto de 2002, represen-


tado pelos senhores Alejandro Ponce Villacís e Juan Manuel
Marchán, apresentou a petição inicial do caso à Comissão In-
teramericana de Direitos Humanos. A Comissão aprovou o
Relatório de Admissibilidade nº 1/10, em 15 de março de 2010.
O Relatório de Mérito nº 81/13, foi aprovado pela Co-
missão em 4 de novembro de 2013, de acordo com o art. 50
da Convenção Americana sobre Direitos Humanos, no qual

59
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

chegou a uma série de conclusões e fez diversas recomen-


dações ao Estado Equatoriano.
A Comissão Interamericana concluiu que: i) o Estado
equatoriano violou os direitos consagrados no art. 24, 8.1 e
25.1 da Convenção Americana, em relação aos arts. 1.1 e 2
do mesmo instrumento, em detrimento do senhor Homero
Flor Freire.
A Comissão recomendou que o Equador: i) a reembol-
sar integralmente o senhor Homero Flor Freire, nos termos in-
dicados no relatório de mérito8, tanto material como moral-
mente, incluindo medidas de reparação pelos danos causa-
dos; ii) a reconhecer publicamente que o senhor Homero Flor
Freire foi dispensado da Força Terrestre Equatoriana de forma
discriminatória; iii) a adotar as medidas estatais necessárias
para garantir que as pessoas que servem na Força Terrestre
Equatoriana ou em qualquer ramo do exército equatoriano não
sejam discriminadas com base na sua orientação sexual, real
ou presumida; iv) a tomar as medidas estatais necessárias
para que o pessoal da Força Terrestre Equatoriana ou de qual-
quer dependência do exército equatoriano, bem como os tri-
bunais da jurisdição militar, tenham conhecimento das normas
interamericanas, bem como no regulamentos internos equato-
rianos, relativos à não discriminação com base na orientação

60
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

sexual, real ou presumida; v) a adotar as medidas estatais ne-


cessárias para garantir o direito ao devido processo legal dos
militares julgados pelos tribunais em processos disciplinares,
incluindo o direito a um juiz ou tribunal imparcial.
O Estado Equatoriano foi notificado do Relatório de
Mérito em 11 de dezembro de 2013, sendo concedido um
prazo de dois meses para informar sobre o cumprimento das
recomendações.
A Comissão Interamericana submeteu o caso à Corte
Interamericana de Direitos Humanos, em 11 de abril de 2014,
por entender que embora o Estado equatoriano tenha feito um
ato de desculpas públicas, devido a discordância entre as par-
tes em relação às demais reparações e a consequente falta
de reparação integral e a necessidade de obter justiça para a
vítima do caso. Solicitando que a Corte conclua e declare a
responsabilidade internacional do Equador pelas violações in-
dicadas no Relatório de Mérito e ordene ao Estado equatori-
ano, como medidas de reparação, que siga as recomendações
do relatório.
Cabe ressaltar que da data de apresentação da Peti-
ção Inicial à Comissão Interamericana até a aprovação do Re-
latório de Admissibilidade, transcorreu oito anos. Da data da
aprovação do Relatório de Admissibilidade até a aprovação
do Relatório de Mérito, transcorreu três anos. Portanto, da

61
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

apresentação da Petição Inicial até a aprovação do Relatório


de Mérito, transcorreu onze anos. E posteriormente até a sub-
missão do Caso à jurisdição da Corte Interamericana, todo o
procedimento na Comissão durou doze anos.

2.3.2 PROCEDIMENTO PERANTE A CORTE INTERAMERI-


CANA DE DIREITOS HUMANOS

Devido a necessidade de obter a justiça para o senhor


Homero Flor Freire, a Comissão Interamericana em 11 de de-
zembro submeteu o caso à Corte Interamericana. A Corte
procedeu ao julgamento em 31 de agosto de 2016.
A Corte Interamericana declarou que o Estado equato-
riano: i) responsável pela violação do direito à igualdade pe-
rante a lei e da proibição de discriminação, reconhecidos no
art. 24 da Convenção Americana sobre Direitos Humanos, em
relação aos arts. 1.1 e 2 do mesmo diploma9; ii) responsável
pela violação do direito à honra e à dignidade, reconhecidos
no art. 3.1 da Convenção, em relação ao art. 1.1 do mesmo
diploma10; iii) responsável pela violação da garantia de impar-
cialidade reconhecida no art. 8.1 da Convenção Americana,
em relação ao art. 1.1 do mesmo diploma 11.

9
Nos termos dos parágrafos 109 a 140 da Sentença.
10
Nos termos dos parágrafos 153 a 158 da Sentença.
11
Nos termos dos parágrafos 168 a 181 da Sentença.

62
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

A Corte determinou que o Estado colombiano deve:

i) conceder ao senhor Flor Freire, a categoria que corres-


ponde aos seus colegas no momento do cumprimento dessa
resolução, colocá-lo em situação militar de aposentadoria ou
de reserva, que tenha se aposentado voluntariamente, bem
como conceder-lhe todos os benefícios sociais que corres-
pondam a essa categoria12;
ii) reconhecer e pagar ao senhor Flor Freire, os encargos das
prestações correspondente à seguridade social a que teria
direito se havia se desligado voluntariamente da instituição
no momento em que o Estado colombiano efetuar o referido
pagamento, levando em consideração a categoria dos seus
companheiros de promoção no momento do referido paga-
mento13;
iii) adotar todas as medidas de direito interno que sejam ne-
cessárias para garantir que nenhum ato ou decisão adminis-
trativa adotada no processo disciplinar, declaradora viola-
dora dos direitos reconhecidos na Convenção Americana so-
bre Direitos Humanos, produza qualquer efeito jurídico sobre
os direitos sociais e assistenciais que corresponderiam ao
senhor Flor Freire se ele tivesse de aposentado voluntaria-
mente das Forças Armadas do Equador, devendo eliminar
do seu currículo militar a referência a esse processo14;
iv) realizar as publicações indicadas no parágrafo 231 da
Sentença;
v) implementar programas de formação contínua e perma-
nente para os membros das Forças Armadas sobre a proi-
bição da discriminação com base na orientação sexual15;

12
Nos termos do parágrafo 227 da Sentença.
13
Nos termos do parágrafo 228 da Sentença.
14
Nos termos do parágrafo 229 da Sentença.
15
Nos termos do parágrafo 238 e 239 da Sentença.

63
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

vi) pagar os valores estabelecidos nos parágrafos 252, 258


e 264 a título de indenização por danos patrimoniais e ima-
teriais, bem como reembolso de custas e gastos no decorrer
do processo16;
vii) reembolsar ao Fundo de Assistência Jurídica às Vítimas
da Corte Interamericana de Direitos Humanos o valor gasto
durante a tramitação do caso17;
viii) apresentar à Corte, relatório sobre as medidas adotadas
para o cumprimento das resoluções da Sentença, no prazo
de um ano a partir da notificação da mesma.

2.3.3 CUMPRIMENTO DA SENTENÇA DA CORTE INTERA-


MERICANA DE DIREITOS HUMANOS

O caso se encontra em etapa de supervisão de cum-


primento de sentença. Tendo sido cumpridos algumas das
determinações da Corte presentes na sentença e outras en-
contra-se até o momento pendente de cumprimento.
Foram cumpridas as determinações de: conceder ao
senhor Flor Freire a categoria correspondente aos seus cole-
gas e colocá-lo em situação de reforma/aposentadoria ou de
serviço passivo, que se tenha aposentado voluntariamente, e
conceder-lhe todos os benefícios sociais que correspondam
a essa categoria; reconhecer o senhor Flor Freire e pagar os

16
Nos termos dos parágrafos 268 a 273 da Sentença.
17
Nos termos dos parágrafos 252, 258, 264 e 268 a 273 da Sentença.

64
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

encargos das prestações correspondentes à seguridade so-


cial; adotar todas as medidas de direito interno que sejam ne-
cessárias para garantir que nenhum ato ou decisão adminis-
trativa adotada no processo disciplinar declarada violadora
dos direitos reconhecidos na Convenção Americana, produza
qualquer efeito jurídico sobre os direitos sociais e assisten-
ciais que corresponderiam ao senhor Flor Freire se tivesse
aposentado voluntariamente; pagar os valores estabelecidos
na sentença a título de danos materiais e imateriais; realizar
as publicações da sentença; reembolsar o Fundo de Assis-
tência Jurídica às Vítimas da Corte Interamericana de Direitos
Humanos.
Foram cumpridas parcialmente a determinação de pôr
em prática dentro do prazo de um ano, programas de capaci-
tação de caráter contínuo e permanente para os membros
das forças armadas sobre a proibição de discriminação por
orientação sexual.

2.4 CASO AZUL ROJAS MARÍN VERSUS PERU

Azul Rojas Marin nasceu em 30 de novembro de 1981,


em 25 de fevereiro de 2008, no momento da sua prisão ela se
identificava como um homem gay. Atualmente ela se identifica

65
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

como mulher e usa o nome de azul. Sob alegação de neces-


sidade de identificação, foi detida por policiais de forma ilegal,
arbitrária e discriminatória. Sendo submetida a graves atos de
violência física e psicológica, inclusive estupro, e de toda
forma de crueldade devido a percepção de Azul, naquela
época, ser um homem gay.
Ao tentar denunciar o ocorrido em 25 de fevereiro de
2008 à Delegacia de Casa Grande, os policiais lá presentes
se recusaram a receber a sua denúncia. Nesse mesmo dia
noticiou os acontecimentos nos meios de comunicação. Em 27
de fevereiro de 2008, Azul Rojas Marin apresentou queixa na
Delegacia de Polícia Nacional do Peru em Casa Grande, rela-
tando os atos de violência aos quais foi submetida no mo-
mento da sua prisão, reconhecendo os três agentes da Polícia
Nacional que a atacaram e uma das forças de segurança. Pos-
teriormente, em 28 de fevereiro de 2008, prestou um segundo
depoimento sobre os acontecimentos anteriores e acrescen-
tando que enquanto estava detida foi estuprada.
Azul Rojas Marin, em 5 de maio de 2008, solicitou a
ampliação da denúncia e a investigação do crime de tortura.
O Ministério Público, em 16 de junho de 2008, decidiu não
prosseguir com a ampliação da investigação do crime de tor-
tura. Azul Rojas apelou da recusa de ampliar a investigação
do crime de tortura. A Primeira Promotoria Superior do Distrito

66
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

Judicial de La Libertad, em 28 de agosto de 2008, declarou a


denúncia improcedente, indicando que o elemento do crime
de tortura não foi cumprido. A Segunda Promotoria Provincial
Penal Corporativa, em 21 de outubro de 2008, solicitou a ex-
tinção do processo contra os três policiais pelo crime de estu-
pro agravado e abuso de autoridade em detrimento de Azul
Rojas Marin.
Azul Rojas, em 5 de março de 2008, apresentou denún-
cia à Inspetoria Regional de Trujillo da Polícia Nacional do
Peru contra os quatro policiais supostamente envolvidos nos
atos de estupro e tortura sexual contra ela. Em 2 de maio de
2008, a Inspetoria Provincial de Pacasmayo emitiu relatório
concluindo que não foi estabelecida nenhuma responsabili-
dade administrativa. Em 2 de setembro de 2008, o Tribunal
Disciplinar Administrativo Territorial, determinou que não foi
estabelecida responsabilidade administrativa disciplinar nos
fatos narrados por Azul Rojas Marin.

2.4.1 PROCEDIMENTO PERANTE A COMISSÃO INTERA-


MERICANA DE DIREITOS HUMANOS

Em 15 de abril de 2009, o Coordenador Nacional de


Direitos Humanos, o Centro para a Promoção e Defesa dos
Direitos Sexuais e Reprodutivos apresentaram à Comissão

67
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

Interamericana de Direitos Humanos a petição em nome de


Azul Rojas Marin. Em 6 de novembro de 2014, a Comissão
aprovou o relatório de admissibilidade, no qual concluiu pela
admissibilidade da petição. Em 24 de fevereiro de 2018, a Co-
missão aprovou o Relatório de Mérito nº 24/18, no qual che-
gou a uma série de conclusões e recomendações.
A Comissão indicou que o ocorrido com Azul Rojas Ma-
rin deve ser entendido como violência por preconceito, dado
que tal violência estava associada à percepção de Azul Rojas,
naquele momento, como um homem gay. Indicando que os
elementos de violência por preconceito são identificados no
momento da prisão inicial, nos fatos ocorridos na Delegacia
de Casa Grande e na falta de investigação eficaz.
Conclui que Azul foi vítima de violência por precon-
ceito, tendo os ataques ocorridos num contexto favorecido e
legitimado porque o Estado peruano não cumpriu, e não cum-
pre, o dever de adotar disposições legais internas que permi-
tam prevenir, punir e erradicar a violência por preconceito.
Tendo o Peru violado os direitos à proibição da discriminação
e a igualdade perante a lei, reconhecidos nos artigos 1.1 e 24
da Convenção Americana de Direitos Humanos.
O Estado Peruano foi notificado do Relatório de Mérito
em 22 de março de 2018, com prazo de dois meses para que

68
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

este cumprisse as recomendações. O Estado apresentou in-


formação sobre uma série de medidas adotadas com o obje-
tivo de evitar a repetição das violações ocorridas no caso de
Azul Rojas, bem como sobre a reabertura da investigação cri-
minal do caso. No entanto, em relação à recomendação repa-
ração integral às vítimas, o Estado Peruano indicou que a re-
ferida recomendação estava relacionada com a investigações
de fatos a nível interno. Decorrido cinco meses após o referido
relatório o Estado peruano não entrou em contato com as víti-
mas e seus representantes, a fim de formular uma proposta
concreta de reparação integral.
A Comissão submeteu o caso à Corte Interamericana
de Direitos Humanos - Corte IDH em 22 de agosto de 2018,
devido à necessidade de obter justiça para as vítimas, pedindo
que a Corte concluísse e declarasse a responsabilidade inter-
nacional do Estado peruano pelas violações apontadas no Re-
latório de Mérito e ordenasse ao Estado, as medidas de repa-
ração incluídas no referido relatório.
Analisando a evolução do caso na Comissão IDH, cabe
ressaltar que da apresentação da petição pelos representan-
tes da vítima a aprovação do Relatório de Admissibilidade, no
qual se concluiu pela admissibilidade da petição, transcorreu
cinco anos. Da aprovação do Relatório de Admissibilidade até

69
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

a aprovação do Relatório de Mérito, transcorreu 4 anos. Por-


tanto, da apresentação da Petição até aprovação do Relatório
de Mérito, transcorreu 9 anos. Evidenciando uma absurda
morosidade no procedimento, impactando diretamente no so-
frimento da vítima.

2.4.2 PROCEDIMENTO PERANTE A CORTE INTERAMERI-


CANA DE DIREITOS HUMANOS

A Corte IDH julgou o caso em 12 de março de 2020. A


Corte decidiu que o Estado peruano é: i) responsável pela vi-
olação dos direitos reconhecidos nos arts. 7.1, 7.2, 7.3 e 7.4
da Convenção Americana sobre Direitos Humanos, em rela-
ção às obrigações de respeitar e garantir esses direitos sem
discriminação, consagrados no art. 1.1 do mesmo diploma,
em relação a Azul Rojas Marín18; ii) responsável pela violação
dos direitos reconhecidos nos arts. 5.1, 5.5 e 11 da Conven-
ção Americana, em relação à obrigação de respeitar e garan-
tir tais direitos sem discriminação, consagradas no art. 1.1, e
nos arts. 1 e 6 da Convenção Interamericana contra a Tortura,
em detrimento de Azul Rojas Marín19; iii) responsável pela vi-

18
Nos temos dos parágrafos 100 a 134 da Sentença.
19
Nos termos dos parágrafos 139 a 167 da Sentença.

70
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

olação dos direitos reconhecidos nos arts. 8.1 e 6.2 da Con-


venção Americana, em relação às obrigações de respeitar e
garantir tais direitos sem discriminação e de adotar disposição
de direito interno, consagradas nos arts. 1.1 e 2 do mesmo
diploma legal, e com os arts. 1, 6 e 8 da Convenção Intera-
mericana para Prevenir e Punir a Tortura, em detrimento de
Azul Rojas Marín20; iv) responsável pela violação do direito
consagrado no art. 5.1 da Convenção Americana, em detri-
mento de Juana Rosa Tarta Marín, em relação ao art. 1.1 do
mesmo diploma21.
A Corte determinou que o Estado peruano deve: i) pro-
mover e continuar as investigações necessárias para deter-
minar, julgar e, se for o caso, punir os responsáveis pelos atos
de tortura cometidos em detrimento de Azul Rojas Marín; ii)
publicar, no prazo de seis meses a partir da notificação da
Sentença, em fonte legível e de tamanho adequado, o resumo
oficial da Sentença elaborada pela Corte, por um única vez,
no Diário Oficial, em um jornal de ampla circulação nacional
e em um jornal do Departamento de La Libertad. Disponibili-
zar pelo período de um ano, no site oficial do Ministério da
Justiça e Direitos Humanos, a Sentença Integral; iii) realizar

20
Nos termos dos parágrafos 178 a 219 da Sentença.
21
Nos termos dos parágrafos 221 a 223 da Sentença.

71
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

um ato público de reconhecimento de responsabilidade inter-


nacional; iv) proporcionar tratamento médico, psicológico e/ou
psiquiátrico gratuito, imediato, oportuno, adequado e eficaz a
Azul Rojas Marín; v) adotar um protocolo de investigação e
administração de justiça durante o processo penal para casos
de pessoas LGBTI vítimas de violência. vi)criar e implemen-
tar, no prazo de dois anos, um plano de formação e conscien-
tização de agentes da Polícia Nacional do Peru, do Ministério
Público, do Judiciário e do serenazgo (equivalente a guarda
municipal local)sobre violência contra pessoas LGBTI; vii) ela-
borar e implementar um sistema de coleta de dados e cifras
relacionados aos casos de violência contra LGBTI; viii) elimi-
nar dos Planos de Segurança Cidadã das Regiões e Distritos
do Peru, o indicador de “erradicação de homossexuais e tra-
vestis”; ix) pagar os valores estabelecidos a título de indeni-
zação por danos patrimoniais e imateriais, e para reembolso
de custas e despesas; x)devolver ao Fundo de Assistência
Jurídica às Vítimas da Corte Interamericana de Direitos Hu-
manos, o valor gasto durante a tramitação do caso; xi) apre-
sentar à Corte, no prazo de um ano, relatório sobre as medi-
das adotadas e seu cumprimento.
2.4.3 CUMPRIMENTO DA SENTENÇA DA CORTE INTERA-
MERICANA DE DIREITOS HUMANOS

72
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

A Corte Interamericana supervisiona periodicamente o


cumprimento das suas sentenças pelos Estados membros
condenados, pois entende que a execução das sentenças é
parte fundamental para a reparação dos direitos das vítimas.
No presente caso, das determinações que a Corte In-
teramericana impôs ao Estado Peruano, segundo dados da
própria corte, o Peru só cumpriu duas determinações: i) reali-
zou as publicações do resumo oficial da sentença no Diário
Oficial e nos jornais de circulação nacional e regional e; ii)
disponibilizou no site do Ministério da Justiça e dos Direitos
Humanos a sentença da corte.
Encontram-se pendente de cumprimento as demais
determinações da Corte de: promover e continuar as investi-
gações para determinar e julgar os culpados pelos atos de
tortura cometidos contra Azul Rojas Marín; proporcionar tra-
tamento médico, psicológico e/ou psiquiátrico a vítima; adotar
protocolo de investigação e administração de justiça durante
os processos penais para casos de pessoas LGBTI vítimas
de violência; criar e implementar plano de capacitação e sen-
sibilização; elaborar e implementar um sistema de coleta de
dados e cifras vinculadas aos casos de violência contra as
pessoas LGBTI; eliminar dos Planos de Segurança Cidadã
das Regiões e Distritos do Peru do indicador de erradicação
de homossexuais e travestis; e pagar as quantias fixadas na

73
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

sentença da corte, a título de indenização por danos materiais


e imateriais, e para reembolso das custas e gastos, a Azul
Rojas Marin.

2.5 CASO VICKY HERNANDES VS HONDURAS

Vicky Hernandes nasceu em 21 de setembro de 1983


em San Pedro Sula, Honduras. Estudou até o sexto ano do
ensino primário antes de precisar abandonar a escola para
começar a trabalhar e sustentar financeiramente sua mãe e
contribuir para as despesas educacionais de sua sobrinha. A
senhora Vicky Hernandes era uma mulher trans e foi traba-
lhadora do sexo, sendo também ativista reconhecida dentro
do Coletivo Unidad Color Rosa, defendendo os direitos huma-
nos das pessoas trans em Honduras.
Na época dos fatos, Vicky era soropositiva e vivia com
a sua mãe, a senhora Rosa Argelia Hernandez Martínez, sua
prima Tatiana Hernandez e sua sobrinha Argelia Johanna Re-
yes Ríos. Dois meses antes do homicídio, foi vítima de agres-
são por um segurança que a atingiu com um facão na cabeça,
e quando foi a polícia, os policiais lhe disseram que por eles,
ela poderia morrer. Essas duas agressões, apesar da denún-
cia, não foram investigadas pelas autoridades

74
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

Na noite do dia 28 de junho de 2009, Vicky Hernandes


foi morta, na cidade de San Pedro, enquanto vigorava o toque
de recolher. A morte de Vicky ocorreu em dois contextos re-
levantes: i) um contexto de violência e discriminação contra
pessoas LGBTI em Honduras com alta incidência de atos co-
metidos por forças policiais; ii) e o contexto do golpe de es-
tado ocorrido em 28 de junho de 2009.
O fato de as ruas estarem sob total controle da força
pública, bem como a falta de esclarecimento judicial do ocor-
rido, há elementos suficientes para concluir a responsabili-
dade direta do Estado hondurenho pela morte de Vicky Her-
nández e que, devido às características do caso, resta confi-
gurado uma presunção de violência por preconceito baseado
em sua identidade e expressão de gênero. O Estado não in-
vestigou adequadamente, com a devida diligência e dentro de
um prazo razoável, os fatos do caso, que permanecem impu-
nes.

2.5.1 PROCEDIMENTO PERANTE A COMISSÃO INTERA-


MERICANA DE DIREITOS HUMANOS

A Comissão Interamericana recebeu a petição inicial


apresentada pela Rede Lésbica “Cattrachas” - Organização

75
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

Feminista Lésbica de Honduras e pelo Centro de Direitos Hu-


manos da Mulher, contra Honduras, em 23 de dezembro de
2012.
A Comissão aprovou o Relatório de Admissibilidade nº
64/16 em 6 de dezembro de 2016, pela admissibilidade do
caso. Em 7 de dezembro de 2018, a Comissão aprovou o Re-
latório de Mérito nº 157/18, no qual concluiu pela responsabi-
lidade de Honduras no caso e fez diversas recomendações ao
Estado. O Estado hondurenho foi notificado do Relatório de
Mérito em 30 de janeiro de 2019, onde foi concedido um prazo
de dois meses para Honduras informar sobre o cumprimento
das recomendações.
A Comissão submeteu o caso à Corte Interamericana
em 30 de abril de 2019, pelas violações dos direitos humanos
descritas no Relatório de Mérito, visto a necessidade de obter
justiça e reparação. Solicitando que a Corte declarasse a res-
ponsabilidade internacional de Honduras pela violação dos di-
reitos indicados no referido relatório. A Comissão solicitou
ainda que a Corte ordene ao Estado hondurenho que cumpra
as recomendações de reparação contidas no relatório.
Observa-se que entre a apresentação da petição inicial
à Comissão Interamericana e a submissão do caso à Corte
Interamericana, decorreram mais de seis anos. Sendo quatro

76
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

anos apenas para a Comissão aprovar o relatório de admis-


sibilidade do caso.

2.5.2 PROCEDIMENTO PERANTE A CORTE INTERAMERI-


CANA DE DIREITOS HUMANOS

O caso foi julgado pela Corte Interamericana em 26


de março de 2021. A Corte decidiu no julgamento do caso
pela responsabilidade de Honduras pelos fatos do caso, e:)
reconheceu a responsabilidade internacional do Estado hon-
durenho pelos fatos do caso22; ii) que o Estado hondurenho é
responsável pela violação do direito à vida, contido no art. 2.4
da Convenção Americana sobre Direitos Humanos, em rela-
ção aos arts. 1.1, 8 e 25 do mesmo instrumento, bem como
pela violação do direito à integridade pessoal, constante no
art. 5.1 da Convenção Americana, em detrimento de Vicky
Hernandez23; iii) que o estado é responsável pela violação
dos direitos às garantias judiciais e proteção judicial, contidos
nos arts. 8.1 e 25 da Convenção Americana, em relação ao
art. 1.1 do mesmo instrumento, em detrimento de Rosa Argé-
lia Hernandez, Tatiana Hernandez e Argélia Johana Reyes

22
Nos termos dos parágrafos 16 a 24 da Sentença do Caso Vicky Her-
nandes Vs. Honduras, em 26 de março de 2021.
23
Nos termos dos parágrafos 85 a 102 da Sentença.

77
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

Rios24; iv) que o Estado é responsável pela violação dos di-


reitos ao reconhecimento da personalidade jurídica, da liber-
dade pessoal, da vida privada, da liberdade de expressão e
do nome, constantes nos arts.3, 7, 11, 13 e 18 da Convenção
Americana, em relação aos arts. 1.1, 8, 24 e 25 do mesmo
instrumento, em detrimento de Vicky Hernandez 25; v) que o
Estado é responsável pela violação do direito à integridade
pessoal, contida no art. 5.1 da Convenção Americana, em re-
lação ao art. 1.1 do mesmo instrumento, em detrimento de
Rosa Argélia Hernandez, Tatiana Hernandez e Argélia Jo-
hana Reyes Rios26; vi) que o Estado é responsável pelo des-
cumprimento das obrigações estabelecidas no art. 6.a da
Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a
Violência contra a Mulher em detrimento de Vick Hernandez,
e no art. 7.b do mesmo instrumento, em detrimento em detri-
mento de Rosa Argélia Hernandez, Tatiana Hernandez e Ar-
gélia Johana Reyes Rios27.
A Corte determinou que o Estado hondurenho deve: i)
promover e dar continuidade às investigações que sejam ne-
cessárias para determinar, julgar e punir os responsáveis pelo

24
Nos termos dos parágrafos 103 a 110 da Sentença.
25
Nos termos dos parágrafos 111 a 125 da Sentença.
26
Nos termos dos parágrafos 140 a 143 da Sentença.
27
Nos termos dos parágrafos 126 a 136 da Sentença.

78
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

homicídio de Vicky Hernandez; ii) realizar as publicações indi-


cadas no parágrafo 155 da Sentença; iii) realizar um ato pú-
blico de reconhecimento de responsabilidade internacional,
em relação aos fatos do caso; iv) conceder a Argelia Johana
Reye Rios uma bolsa de estudo através de uma bolsa mensal
que cubra integralmente as despesas relacionadas aos seus
estudos em uma instituição de ensino secundário e o ensino
técnico ou universitário em Honduras; v) realizar um documen-
tário audiovisual sobre a situação de discriminação e violência
vivida pelas mulheres trans em Honduras; vi) criar a bolsa edu-
cacional “Vicky Hernandez” para mulheres trans; vii) criar e im-
plementar um plano permanente de formação de agentes das
forças seguranças do Estado; viii) adotar um procedimento de
reconhecimento da identidade de gênero que permita às pes-
soas adaptar seus dados de identidade, nos documentos de
identidade e nos registros públicos; ix) adotar um protocolo de
investigação e administração de justiça durante processos pe-
nais para casos de pessoas LGBTI vítimas de violência; x)
conceder e implementar um sistema que recolha dados e nú-
meros relacionados com casos de violência contra pessoas
LGBTI, a fim de avaliar de forma precisa e uniforme o tipo, a
prevalência, as tendências e os padrões de violência; xi) pagar
as quantias estabelecidas nos parágrafos 187, 191 e 197 da
Sentença danos materiais e imateriais, e pelo reembolso de

79
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

custas e despesas; xii) pagar as quantias destinadas à presta-


ção de tratamento psicológico e/ou psiquiátrico às vítimas que
dele necessitem; xiii) submeter à Corte um relatório, sobre as
medidas adotadas para cumpri-la.

2.5.3 CUMPRIMENTO DA SENTENÇA DA CORTE INTERA-


MERICANA DE DIREITOS HUMANOS

Segundo informações da Secretaria da Corte Intera-


mericana de Direitos Humanos, das resoluções impostas pela
Corte ao Estado hondurenho, foram cumpridas as resoluções
que determinam ao Estado a: i) realizar as publicações indi-
cadas parágrafo 155 da Sentença; ii) realizar um ato público
de reconhecimento de responsabilidade internacional, em re-
lação aos fatos do caso; iii) pagar as quantias destinadas à
prestação de tratamento psicológico e/ou psiquiátrico às víti-
mas que dele necessitem.
Encontra-se parcialmente cumprida a resolução que
determina que o Estado hondurenho pague as quantias esta-
belecidas na sentença por danos materiais e imateriais. A
Corte considera que Honduras cumpriu parcialmente o paga-
mento dos valores estabelecidos na sentença de indenização
por danos materiais e imateriais. Foi realizado o pagamento

80
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

da indenização por danos morais a Vicky Hernandes. a se-


nhora Rosa Hernandez mãe de Vicky Hernandes e Tatiane
Hernandez irmã de VIcky. Estando pendente o pagamento da
indenização por dano imaterial a favor de Argelia Johana Re-
yes Ríos, por ser menor de idade, aguarda-se acordo sobre a
forma como será realizado o pagamento.
Encontra-se pendente de cumprimento às resoluções
que determinam ao Estado hondurenho à: i) adotar as medi-
das necessárias para continuar a investigação a fim de iden-
tificar, processar e punir os responsáveis pelos fatos do caso,
além de investigar dentro de um prazo razoável as causas da
demora processual no caso dos funcionários envolvidos na
investigação, e após o devido processo legal, aplicar as me-
didas administrativas, sanções disciplinares ou criminais cor-
respondentes aos responsáveis; ii) estabelecer um protocolo
de investigação diligente nos termos dos parágrafos 206 e
208 da Sentença; iii) estabelecer programa ou curso perma-
nente obrigatório de formação e educação em direitos huma-
nos, nos termos dos parágrafos 207 e 208 da Sentença.

2.6 CASO PAVEZ PAVEZ VERSUS CHILE

O caso está relacionado com a responsabilidade inter-


nacional do Estado chileno pela desqualificação, com base na

81
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

orientação sexual, da senhora Sandra Cecilia Pavez Pavez


para lecionar a disciplina de religião em uma instituição de
ensino pública. O caso ocorreu em 25 de julho de 2007, o
Vicariato para a Educação do Bispado de São Bernardo revo-
gou seu certificado de idoneidade. Documento este exigido
pelo Decreto nº 924/83 do Ministério da Educação para que
os professores possam atuar como professores de religião. O
certificado foi revogado devido à sua orientação sexual, razão
pela qual a senhora Sandra Pavez foi desqualificada para
exercer o cargo de professora de religião.

2.6.1 PROCEDIMENTO PERANTE A COMISSÃO INTERA-


MERICANA DE DIREITOS HUMANOS

A Comissão Interamericana recebeu a petição inicial,


em 28 de outubro de 2008, apresentada por Sandra Cecília
Pavez Pavez, representada pelo Movimento de Integração e
Libertação Homossexual (MOVILH). A Comissão aprovou o
Relatório de Admissibilidade nº 30/15, em 21 de junho de
2015, pela admissibilidade da petição.
Em 7 de dezembro de 2018, a Comissão aprovou o
Relatório de Mérito nº 148/18, no qual chegou a conclusões
de culpa do Estado chileno e fez recomendações ao Estado.

82
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

A Comissão concluiu que o Estado chileno é respon-


sável pela violação da vida privada e da autonomia, do prin-
cípio da igualdade e da não discriminação, do acesso ao ser-
viço público em condições de igualdade, ao trabalho e prote-
ção judicial, estabelecidas nos arts. 11.2, 24, 23.1, 26, 8.1 e
25 da Convenção Americana sobre Direitos Humanos em re-
lação às obrigações estabelecidas nos arts. 1.1 e 2 do mesmo
instrumento em relação a senhora Pavez.
O Chile foi notificado do referido Relatório de Mérito em
11 de março de 2019. Devido a necessidade de obter justiça
para a vítima, em 11 de setembro de 2019, a Comissão sub-
meteu à Corte o caso relativo aos fatos e violações dos direi-
tos descritos no Relatório de Mérito A Comissão solicitou que
a Corte declarasse a responsabilidade internacional do Es-
tado chileno pelas violações contidas no Relatório de Mérito.
Solicitou ainda que a Corte ordene ao Estado que cumpra as
medidas de reparação indicadas no referido relatório.
Observa-se que entre a apresentação da petição inicial
à Comissão e a submissão à Corte, transcorreu onze anos.
Sendo que transcorreu sete anos entre a apresentação da pe-
tição inicial até a aprovação do Relatório de Admissibilidade.
Transcorreu mais três anos entre a aprovação do Relatório de
Admissibilidade e a aprovação do Relatório de Mérito. Trans-
correu mais 6 meses até a submissão do caso à Corte.

83
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

2.6.2 PROCEDIMENTO PERANTE A CORTE INTERNACIO-


NAL DOS DIREITOS HUMANOS

O Caso foi julgado pela Corte Interamericana em 4 de


fevereiro de 2022. Por unanimidade a Corte declarou que o
Estado chileno é: i) responsável pela violação do direito à
igualdade e a não discriminação contidos nos arts.1.1 e 24 da
Convenção Americana sobre Direitos Humanos 28; ii) respon-
sável pela violação dos direitos à liberdade pessoal, à vida
privada e ao trabalho contidos nos arts.7.1, 11.2 r 26 da Con-
venção Americana, em relação às obrigações de respeito e
garantia, estabelecidos no art. 1.1 do mesmo instrumento, em
relação a Sandra Pevez29; iii) responsável pela violação dos
direitos às garantias judiciais e à proteção judicial, contidos
nos arts. 8.1 e 25 da Convenção Americana, em relação aos
arts. 1.2 e 2 do mesmo instrumento, em detrimento de Sandra
Pavez30.
Em decorrência da condenação do Chile no caso, o
Estado foi ordenado que: i) realize publicações indicadas no

28
nos termos dos parágrafos 57 a 146 da Sentença do Caso Pavez Pa-
vez Vs. Chile, em 4 de fevereiro de 2022.
29
nos termos dos parágrafos 57 a 146 da Sentença.
30
nos termos dos parágrafos 151 a 160 da Sentença.

84
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

parágrafo 168 da Sentença; ii) realize um ato público de reco-


nhecimento de responsabilidade internacional31; iii) criar e im-
plementar um plano de formação permanente para as pes-
soas encarregadas de avaliar a idoneidade do corpo do-
cente32; iv) adaptar a regulamentação sobre o recurso, o pro-
cedimento e a competência judicial para impugnar as deci-
sões dos estabelecimentos de ensino públicos relativas à no-
meação ou destituição de professores de religião em conse-
quência da emissão ou revogação de certificado de idonei-
dade33; v) pagar os montantes estabelecidos na sentença por
danos materiais e imateriais, e pelo reembolso e despesas 34;
vi) pagar o valor destinado à prestação de tratamento psico-
lógico e/ou psiquiátrico as vítimas35; vii) apresentar um relató-
rio à Corte, no prazo de um ano, sobre as medidas adotadas
para seu cumprimento.

2.6.3 CUMPRIMENTO DA SENTENÇA DA CORTE INTERA-


MERICANA SOBRE DIREITOS HUMANOS

31
nos termos dos parágrafos 172 e 173 da Sentença.
32
nos termos do parágrafo 179 da Sentença.
33
nos termos dos parágrafos 183 e 174 da Sentença.
34
nos termos dos parágrafos 193, 198, 202, 203 a 208 da Sentença.
35
nos termos dos parágrafos 175 e 198 da Sentença.

85
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

Segundo informações disponibilizada pela Secretaria


da Corte Interamericana de Direitos Humanos, foi declarada
cumpridas as resoluções da sentença de:

i) realizar as publicações indicadas no parágrafo 168 da


Sentença;
ii) pagar as quantias estabelecidas nos parágrafos 193 e
198 da Sentença por danos materiais e imateriais;
iii) pagar os valores estabelecidos da Sentença por reem-
bolso de custas e despesas;
iv) pagar o valor destinado à prestação de tratamento psico-
lógico e/ou psiquiátrico a vítima.

Encontram-se pendentes de cumprimento as resolu-


ções de:

i) fazer as publicações indicadas na Sentença;


ii) realizar um ato público de conhecimento de responsabi-
lidade internacional, em relação aos fatos do caso;
iii) criar e implementar um plano de formação permanente
dos responsáveis pela avaliação idoneidade do corpo do-
cente;
iv) adaptar o seu regulamento sobre recurso, procedimento
e competência judicial para impugnar as decisões dos esta-
belecimentos de ensino público relativa à nomeação ou des-
tituição de professores de religião em consequência da
emissão ou revogação de certificado de idoneidade.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

86
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

Considerando o estudo realizado, é possível afirmar,


com base na análise dos casos de violação de direitos de pes-
soas LGBTQIAP+ submetidos à Corte Interamericana de Di-
reitos Humanos em razão de sua orientação sexual e identi-
dade de gênero, verifica-se dois grandes problemas: a moro-
sidade do procedimento no Sistema Interamericano de Direi-
tos Humanos e o não cumprimento das resoluções da Corte
contidas nas sentenças.
O processamento desses casos no Sistema Interame-
ricano de Direitos é excessivamente moroso, prolongando as-
sim o sofrimento das vítimas. Essa demora verifica-se espe-
cialmente entre a apresentação da petição inicial à Comissão
Interamericana de Direitos Humanos e a aprovação do Rela-
tório de Admissibilidade pela admissibilidade da petição,
sendo esse procedimento o mais moroso.
O não cumprimento das resoluções da sentença em
sua totalidade pela maioria dos Estados condenados pela
Corte Interamericana de Direitos Humanos, mostra que as de-
cisões da Corte não são eficientes, vez que o Sistema Intera-
mericana não possui mecanismos que sancionem eficiente-
mente o Estado descumpridor das resoluções da sua conde-
nação.
Mesmo diante dessas deficiências, o Sistema Intera-
mericano, em especial a Corte Interamericana, contribuem
para a proteção no âmbito internacional dos direitos da comu-
nidade LGBTQIAP+, vez que funcionam como última forma

87
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

de conseguir justiça e reparação, vez que nos casos apresen-


tados, o próprio Estado nacional da vítima foi responsável pe-
las violações dos seus direitos em decorrência da sua orien-
tação sexual ou identidade de gênero.

REFERÊNCIAS

CORTE IDH. Caso Atala Riffo y niñas Vs. Chile. Fondo, Re-
paraciones y Costas. Sentencia de 24 de febrero de 2012. Se-
rie C No. 239.

CORTE IDH. Caso Pavez Pavez Vs. Chile. Fondo, Reparaci-


ones y Costas. Sentencia de 4 de febrero de 2022. Serie C No.
449.

CORTE IDH. Caso Duque Vs. Colombia. Excepciones Pre-


liminares, Fondo, Reparaciones y Costas. Sentencia de 26 de
febrero de 2016. Serie C No. 310.

CORTE IDH. Caso Flor Freire Vs. Ecuador. Excepción Pre-


liminar, Fondo, Reparaciones y Costas. Sentencia de 31 de
agosto de 2016. Serie C No. 315.

CORTE IDH. Caso Azul Rojas Marín y otra Vs. Perú. Ex-
cepciones Preliminares, Fondo, Reparaciones y Costas. Sen-
tencia de 12 de marzo de 2020. Serie C No. 402.

CORTE IDH. Caso Vicky Hernández y otras Vs. Honduras.


Fondo, Reparaciones y Costas. Sentencia de 26 de marzo de
2021. Serie C No. 422.

CORTE IDH. Caso Atala Riffo y niñas Vs. Chile: reparacio-


nes declaradas cumplidas.

88
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

CORTE IDH. Caso Atala Riffo y niñas Vs. Chile: reparacio-


nes pendientes de cumplimiento

CORTE IDH. Caso Pavez Pavez Vs. Chile: reparaciones de-


claradas cumplidas.

CORTE IDH. Caso Pavez Pavez Vs. Chile: reparaciones


pendientes de cumplimiento.

CORTE IDH. Caso Duque Vs. Colombia: reparaciones de-


claradas cumplidas.

CORTE IDH. Caso Flor Freire Vs. Ecuador: reparaciones


declaradas cumplidas.

CORTE IDH. Caso Flor Freire Vs. Ecuador: reparaciones


pendientes de cumplimiento.

CORTE IDH. Caso Vicky Hernández y otras Vs. Honduras:


reparaciones declaradas cumplidas.

CORTE IDH. Caso Vicky Hernández y otras Vs. Honduras:


reparaciones pendientes de cumplimiento.

CORTE IDH. Caso Azul Rojas Marín y otra Vs. Perú: repa-
raciones declaradas cumplidas

CORTE IDH. Caso Azul Rojas Marín y otra Vs. Perú: repa-
raciones pendientes de
Cumplimiento.

89
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

3
EVOLUÇÃO DA INSTITUIÇÃO
FAMILIAR NO DIREITO DA FAMÍLIA

EVOLUTION OF THE FAMILY


INSTITUTION IN FAMILY LAW

Bruna Soares Lopes Alves36


João Paulo de Sousa Oliveira37

ALVES, Bruna Soares Lopes. Evolução da instituição fami-


liar do direito da família. Trabalho de Conclusão de Curso de
graduação em Direito – Centro Universitário UNINORTE, Rio
Branco, 2023.

36
Discente do 10º Período do Curso de Bacharel em Direito pelo Centro
Universitário Uninorte.
37
Docente do Centro Universitário Uninorte. Bacharel em Direito pelo
Centro Universitário UNIEURO. Especialista em Advocacia Pública pela
Universidade Candido Mendes UCAM. Especialista em Direito Tributário
pelo instituto Damásio de Direito.

90
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

RESUMO

Introdução: O presente artigo trata da sobre a evolução da ins-


tituição familiar do direito da família. É impossível dissociar a
origem da família à história da própria civilização de tão natural
que esse fenômeno é, sendo fruto da necessidade humana,
como ser político, de se relacionar afetiva e estavelmente. Ob-
jetivo: abordará de forma sistemática as transições nas esfe-
ras sociais e jurídicas relacionadas à família, principalmente
no âmbito constitucional buscando amparo às novas entida-
des familiares que foram liberadas ao longo do tempo a pas-
sagem do tempo. Método: Através do embasamento teórico
produziu-se uma análise acerca da evolução familiar no direito
da família. Resultados: O abandono infantil continua sendo
uma realidade infeliz no mundo contemporâneo e, embora as
definições variem entre os campos do conhecimento, todas
compartilham uma preocupação comum com as crianças: as
crianças veem suas próprias necessidades. A finalidade da
constituição de uma família é, portanto, assegurar uma convi-
vência feliz e pacífica entre membros semelhantes e diferen-
tes, cuja constituição neste caso é proveitosa e justificada, por
outro lado, pode surgir um cenário indesejado juntamente com
as vantagens da vida familiar, e ser prejudicial à família. Con-
clusão: A família e sua definição, acompanhou a evolução da
sociedade, respeitando os diversos tipos de relacionamentos
e ligações afetivas que foram surgindo com o passar das dé-
cadas, alcançando uma dimensão abrangente onde é possível
inserir diversas uniões, que assumem diante da afetividade o
caráter familiar e, portanto, são família.

Palavras-chave: evolução; direito; família.

91
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

ABSTRACT

Introduction: This article deals with the evolution of the family


institution of family law. The origin of the family is directly
related to the history of civilization, as it emerged as a natural
characteristic, the result of the human need to form affective
relationships in a stable way. Objective: We will systematically
address transitions in the social and legal spheres related to
the family, mainly in the constitutional scope, seeking support
for new family entities that have been released over time.
Method: Through the theoretical basis, an analysis was
produced about family evolution in family law. Results: Child
abandonment remains an unfortunate reality in the
contemporary world and, although definitions vary between
fields of knowledge, all concerns are a common concern with
children: children see their own needs. Conclusion: It is
possible to infer that there was a transition in the term family
and that from this there was an evolution and better
understanding of solidarity and affection, tending to promote
the development of the personality of its members, bringing
with it the affirmation of a feature based on ethics, affection and
solidarity.

Keywords: evolution; right; family.

92
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

INTRODUÇÃO

Este artigo aborda a evolução da instituição familiar do


direito da família. É premissa fundamental, e ao mesmo tempo
indiscutível, que o ser humano, tendo recebido o dom da vida,
está de alguma forma ligada à família, que é vista como a es-
trutura social fundamental (Dias, 2009).

A forte conexão inata entre o ser humano e sua família


valida o ditado de que nenhuma outra instituição está tão in-
trinsecamente ligada a ele. Seja de forma simples ou com-
plexa, essa ligação é fundamentada no instinto primordial, fa-
zendo com que a família surja naturalmente durante o curso
simples da vida.

Não se sabe se a família decorre do instinto humano,


com a finalidade primeira de garantir a perpetuação da espé-
cie, ou ainda se pela aptidão política do ser humano, este quis
negar a possibilidade da solidão. Em verdade, falar em família
hodiernamente e pensar em uma estrutura plural e possível,
sem vinculações rígidas e com diversas possibilidades de re-
conhecimento. A lei abraça essas instituições.

Tão plural, não poderia limitar-se a uma única área do


conhecimento ou do próprio direito. São indivíduos com per-

93
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

sonalidades, gostos, manias e escolhas diferentes uns dos ou-


tros, e todos resolvem cabem em um único núcleo familiar lhe
dando características próprias.

No direito, a Carta Cidadã com sua majestade e acolhi-


mento que lhe é própria inseriu a família em seu escudo de
proteção. A família, provocando alterações que afetam o pa-
radigma que regula a família como fundamento da sociedade,
já não tem a herança como âmbito, mas sim como sujeito, pois
os valores jurídicos atribuem maior valor às pessoas; filhos ile-
gítimos da descendência, indissolubilidade do casamento, in-
ferioridade das mulheres e as superstições em torno da diver-
sidade nas famílias são desviadas e dominadas pela emoção
(Pereira, 2004).

Nada mais adequado para este trabalho, que promover


a abordagem objetiva e as transições que envolvem família,
sociedade e direito, em especial seus viés constitucional ino-
vado, que atribui a união estável a mesma forma e equipara-
ção do casamento.

Além disso, abordará os princípios orientadores deline-


ando as diretrizes Direito de Família, refletindo sobre a função
social da família e os novos conceitos que ela confere.

94
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

3.1 EVOLUÇÃO SOBRE A INSTITUIÇÃO FAMILIAR NO DI-


REITO DA FAMILIA

Seria possível imaginar o início da civilização sem a fa-


mília? Esta é uma pergunta retórica, ao passo que seria difícil
imaginar a evolução da sociedade sem as construções sociais
e familiares, ainda mais sendo o homem e a mulher um ser
sociável com forte necessidade de se agrupar e viver em so-
ciedade.
A família, como instituição social, é um pilar fundamen-
tal na história. Desde os primórdios da civilização, a família
desempenhou um papel crucial no desenvolvimento e na or-
ganização das sociedades. Seria difícil, senão impossível,
imaginar o início da civilização sem a presença da família. O
ser humano, por sua própria natureza, é um ser social que tem
uma forte necessidade de se agrupar e viver em comunidade.
A família surge como a unidade básica dessa comunidade, for-
necendo suporte emocional, segurança e estrutura social.
Levando em consideração a família como eram antiga-
mente, podemos afirmar que a família brasileira teve sua ori-
gem e fundamento no direito romano e pelo direito canônico
(Wald, 2004). Ao olharmos para o passado, especificamente
para a formação da família brasileira, encontramos raízes que
remontam ao direito romano e ao direito canônico. Nas antigas

95
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

sociedades romanas, a família era organizada em torno de


uma figura central, o patriarca. Este patriarca não apenas era
o líder da família, mas também desempenhava papéis essen-
ciais em várias esferas da vida, incluindo questões religiosas,
políticas, sociais e econômicas.
A família romana era mais do que apenas um grupo
de pessoas relacionadas pelo sangue; era uma unidade com-
plexa, com normas e valores que moldavam a vida cotidiana
de seus membros. A coesão familiar proporcionava estabili-
dade e continuidade às comunidades, permitindo a transmis-
são de conhecimento, cultura e tradições de geração em ge-
ração.
Com o passar dos séculos, a estrutura familiar evoluiu,
adaptando-se às mudanças sociais, políticas e econômicas.
No contexto contemporâneo, a definição de família expandiu-
se para incluir uma variedade de formas familiares, reconhe-
cendo a diversidade de relações humanas.
Portanto, a família não apenas desempenhou um papel
fundamental no início da civilização, mas continua a ser uma
instituição vital na sociedade moderna. Ela oferece apoio emo-
cional, segurança e uma base sólida para o crescimento e o
desenvolvimento individuais. Em última análise, a família é um
elo que nos conecta ao nosso passado e nos orienta para o

96
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

futuro, sendo uma força inabalável que permeia a trajetória da


humanidade.
Uma família romana era um grupo de pessoas e coisas
eles estão sujeitos a um líder: o patriarcado. Inicialmente as
famílias se formavam entorno de uma figura forte e central, o
patriarca, figura em regra masculina que mantinha ao seu re-
dor um conglomerado de pessoas, com relações religiosas,
políticas, sociais e econômicas.
Segundo a autora Aurea Pimentel Pereira (1991), a es-
trutura da família romana, pode ser descrita assim:

Sob a autoridade do pater famílias, que, como


observado por Rui Barbosa, desempenhava os
papéis de sacerdote, senhor e magistrado, esta-
vam os membros da família romana primitiva (es-
posa, filhos e escravos). O pater exercia tanto
poder espiritual quanto temporal sobre eles,
numa época em que esses poderes estavam uni-
ficados. No exercício do poder temporal, o pater
julgava os membros da família, detendo até
mesmo o direito de vida e morte (jus vitae et ne-
cis) sobre eles, agindo como um verdadeiro ma-
gistrado. Além disso, na sua função de sacer-
dote, o pater submetia os membros da família à
religião que escolhia.

Com o decorrer dos anos, tornou-se cada vez mais di-


fícil estabelecer um modelo familiar unificado, o qual necessita
ser adaptado conforme as mudanças sociais ao longo do
tempo (Farias; Rosenvald, 211). Ainda assim, o estado era

97
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

profundamente influenciado pela Igreja Católica, resultando


em diretrizes que discriminavam as uniões oriundas de casa-
mentos não católicos.
No início não era muito fácil separar o Estado da Igreja,
os quais muitas vezes se confundiam, o que impunha uma ob-
servância de família sob o preceito religioso.
O estado gradualmente se livrou da intervenção da
igreja e passou a disciplinar a família do ponto de vista social;
a instituição da família foi transformada de uma mera institui-
ção de integração do estado em uma parte básica da socie-
dade. Nesse ritmo, os ideais hereditários começaram a mudar
e, além das características produtivas e econômicas, surgiram
sinais associados ao modelo de família nacional, abrindo es-
paço para a estrutura emocional que a família carregava.
Antes da promulgação da Carta Magna em 1988, a lista
era completamente exaustiva e limitada, pois apenas os gru-
pos criados por meio do casamento recebiam "status familiar",
conforme promovido pelo Código Civil de 1916, sob forte in-
fluência francesa, que traça os parâmetros da mesma razão,
destaca-se a Lei do Divórcio, responsabilizando a parte sepa-
rada com vários tipos de sanções, implicando que os laços fa-
miliares formados pelo casamento devem ser mantidos a todo

98
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

custo. Basicamente, é “sacrificar o bem-estar pessoal dos fa-


miliares em nome da manutenção do vínculo conjugal” (Farias;
Rosenvald, 2011).
Com o passar do tempo e o desenvolvimento das soci-
edades, os padrões familiares mudaram, graças à influência
de ideais como a democracia, a igualdade e, acima de tudo, a
dignidade humana. De fato, a unidade familiar tornou-se mais
democrática e liberta da rigidez do casamento, dando origem
a outras formas de constituições. Nesse novo modelo, todos
os membros do ambiente familiar recebem status iguais, com
aspectos comuns de satisfação de necessidades e busca da
felicidade.
Hoje, a família é vista como um veículo para o desen-
volvimento pessoal de cada indivíduo. Não se fala mais em
chefe de família, obrigações conjugais ou quaisquer outros
resquícios de patriarcado e hereditariedade nas relações fami-
liares. E, na sequência deste processo, surgiram instituições
até então inimagináveis nas relações familiares, nomeada-
mente uniões estáveis, uniões homoafetivas, divórcio, reco-
nhecimento do patriarcado socioafetivo (Vilas-Boas, 2020).
Assim, vemos que o conceito original de família era ba-
seado em laços biológicos, descendência comum e convivên-
cia na mesma casa. No entanto, os novos contornos da soci-

99
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

edade levaram a que a definição do núcleo familiar se base-


asse no vínculo afetivo, estando também ele a ser reestrutu-
rado para responder às exigências desta nova ordem social.
De acordo com a atual Constituição Federal, aprovada em 5
de outubro de 1988, uma nova ordem constitucional foi esta-
belecida (Vilas-Boas, 2020).
O Brasil, atento as mudanças sociais locais e globais,
tem na Constituição Federal de 1988 um ato representativo e
significativo, pois ele pega a união estável e equipara ao ca-
samento. Tanto que é, que está equiparação encontrou as-
sento no texto constitucional, mais exatamente em seu artigo
226, §3º, que estabeleceu que a união estável entre o homem
e a mulher, configurada na convivência pública, contínua e du-
radoura, com o objetivo de constituição de família, possui os
mesmos direitos e deveres do casamento.
Esta disposição não apenas reconhece a importância
das relações não formalizadas pelo matrimônio, mas também
reflete a pluralidade de arranjos familiares na sociedade con-
temporânea.
A consolidação deste princípio foi corroborada pelo Su-
premo Tribunal Federal (STF) em julgamentos de Recursos
Extraordinários com repercussão geral, notadamente nos ca-
sos RE 646721/RS e 878694/MG.

100
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

O STF, ao chancelar essa proteção, reforçou o compro-


misso do Estado em adaptar-se às transformações sociais e
às diferentes configurações familiares que emergem em nosso
meio. Esse entendimento jurisprudencial não apenas asse-
gura direitos fundamentais, como herança, pensão alimentícia
e proteção patrimonial, mas também valida e respeita a diver-
sidade das formas de constituição familiar.
A importância dessas decisões vai além do âmbito jurí-
dico, permeando o tecido social. Ao reconhecer e equiparar a
união estável ao casamento, a sociedade é chamada a rever
conceitos e preconceitos, promovendo a inclusão e a igual-
dade.
A proteção jurídica conferida às uniões estáveis não
apenas valida afetos e relações, mas também sinaliza para um
futuro mais inclusivo e respeitoso com a diversidade de formas
de amar e viver em conjunto.
Nesse contexto, é vital que o Direito permaneça atento
e sensível às dinâmicas sociais, adaptando-se continuamente
para garantir que todas as pessoas, independentemente de
sua escolha de relacionamento, sejam tratadas com justiça e
equidade. A equiparação entre casamento e união estável,
respaldada pela Constituição Federal e pelo STF, representa

101
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

não apenas um avanço legal, mas também um passo impor-


tante em direção a uma sociedade mais inclusiva, diversa e
justa para todos.
O artigo 22 da Lei da Criança e do Adolescente – ECA
(1990), estabelece que os pais têm a responsabilidade de
manter, cuidar e educar seus filhos menores e que também
são obrigados, a cuidar dos interesses de seus filhos. De
acordo com essa visão, os pais são a base da vida dos filhos,
é na família que eles encontram a base, onde aprendem a vi-
ver, crescer, interagir com os outros, entre tantas muitas van-
tagens que as famílias organizadas trazem para suas vidas é
a educação da criança.
O ECA como instrumento de proteção as crianças e
adolescentes, traz em seu bojo, uma concepção de família e
suas estruturações, conforme se pode observar dos artigos 25
a 27 da Lei nº. 8.069/90, vejamos:

Art. 25. Entende-se por família natural a comuni-


dade formada pelos pais ou qualquer deles e
seus descendentes.
Parágrafo único. Entende-se por família extensa
ou ampliada aquela que se estende para além da
unidade pais e filhos ou da unidade do casal, for-
mada por parentes próximos com os quais a cri-
ança ou adolescente convive e mantém vínculos
de afinidade e afetividade. (Incluído pela Lei nº
12.010, de 2009) Vigência
Art. 26. Os filhos havidos fora do casamento po-
derão ser reconhecidos pelos pais, conjunta ou

102
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

separadamente, no próprio termo de nasci-


mento, por testamento, mediante escritura ou ou-
tro documento público, qualquer que seja a ori-
gem da filiação.
Parágrafo único. O reconhecimento pode prece-
der o nascimento do filho ou suceder-lhe ao fale-
cimento, se deixar descendentes.
Art. 27. O reconhecimento do estado de filiação
é direito personalíssimo, indisponível e impres-
critível, podendo ser exercitado contra os pais ou
seus herdeiros, sem qualquer restrição, obser-
vado o segredo de Justiça.

A Lei 8.069/90, não poderia ser mais moderna e previu


e conceituou e ainda protegeu a existência da família substi-
tuta, o que vem consagrado nos artigos 28 a 32, nestes ter-
mos:

Art. 28. A colocação em família substituta far-se-


á mediante guarda, tutela ou adoção, indepen-
dentemente da situação jurídica da criança ou
adolescente, nos termos desta Lei.
§ 1 o Sempre que possível, a criança ou o ado-
lescente será previamente ouvido por equipe in-
terprofissional, respeitado seu estágio de desen-
volvimento e grau de compreensão sobre as im-
plicações da medida, e terá sua opinião devida-
mente considerada. (Redação dada pela Lei nº
12.010, de 2009) Vigência
§ 2 o Tratando-se de maior de 12 (doze) anos de
idade, será necessário seu consentimento, co-
lhido em audiência. (Redação dada pela Lei nº
12.010, de 2009) Vigência
§ 3 o Na apreciação do pedido levar-se-á em
conta o grau de parentesco e a relação de afini-
dade ou de afetividade, a fim de evitar ou minorar
as consequências decorrentes da medida. (In-
cluído pela Lei nº 12.010, de 2009) Vigência

103
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

§ 4 o Os grupos de irmãos serão colocados sob


adoção, tutela ou guarda da mesma família subs-
tituta, ressalvada a comprovada existência de
risco de abuso ou outra situação que justifique
plenamente a excepcionalidade de solução di-
versa, procurando-se, em qualquer caso, evitar o
rompimento definitivo dos vínculos frater-
nais. (Incluído pela Lei nº 12.010, de 2009) Vi-
gência
§ 5 o A colocação da criança ou adolescente em
família substituta será precedida de sua prepara-
ção gradativa e acompanhamento posterior, rea-
lizados pela equipe interprofissional a serviço da
Justiça da Infância e da Juventude, preferencial-
mente com o apoio dos técnicos responsáveis
pela execução da política municipal de garantia
do direito à convivência familiar. (Incluído pela
Lei nº 12.010, de 2009) Vigência
§ 6 o Em se tratando de criança ou adolescente
indígena ou proveniente de comunidade rema-
nescente de quilombo, é ainda obrigatório: (In-
cluído pela Lei nº 12.010, de 2009) Vigência
I - que sejam consideradas e respeitadas sua
identidade social e cultural, os seus costumes e
tradições, bem como suas instituições, desde
que não sejam incompatíveis com os direitos fun-
damentais reconhecidos por esta Lei e pela
Constituição Federal; (Incluído pela Lei nº
12.010, de 2009) Vigência
II - que a colocação familiar ocorra prioritaria-
mente no seio de sua comunidade ou junto a
membros da mesma etnia; (Incluído pela Lei nº
12.010, de 2009) Vigência
III - a intervenção e oitiva de representantes do
órgão federal responsável pela política indige-
nista, no caso de crianças e adolescentes indíge-
nas, e de antropólogos, perante a equipe inter-
profissional ou multidisciplinar que irá acompa-
nhar o caso. (Incluído pela Lei nº 12.010, de
2009) Vigência
Art. 29. Não se deferirá colocação em família
substituta a pessoa que revele, por qualquer

104
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

modo, incompatibilidade com a natureza da me-


dida ou não ofereça ambiente familiar adequado.
Art. 30. A colocação em família substituta não ad-
mitirá transferência da criança ou adolescente a
terceiros ou a entidades governamentais ou não-
governamentais, sem autorização judicial.
Art. 31. A colocação em família substituta es-
trangeira constitui medida excepcional, somente
admissível na modalidade de adoção.
Art. 32. Ao assumir a guarda ou a tutela, o res-
ponsável prestará compromisso de bem e fiel-
mente desempenhar o encargo, mediante termo
nos autos.

Pode-se dizer que a nova constituição fez uma verda-


deira revolução no direito brasileiro e lançou um novo direito
de família em nosso país., pois o Código Civil de 1916 só re-
conhecia a condição de família e grupos decorrentes da insti-
tuição do casamento (Alves, 2006).
Mesmo diante da amplitude constitucional as leis infraconsti-
tucionais, diante da interpretação a luz da constituição, promo-
vem a elaboração de normas com o fim de salvaguardar o in-
teresse dos indivíduos, da sociedade, do Estado e da própria
família.

3.2 ABANDONO AFETIVO

Rejeição afetiva, que o ensino também chama de teoria


da insatisfação afetiva é a negligência dos pais em participar
da vida da criança pai ou mãe sempre longe. Transmite a ideia

105
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

de sentimentos, carinho, amor e atenção e não só isso apenas


apego, ou seja. os pais têm o dever de conviver com os filhos
acompanha seu desenvolvimento e está sempre presente
para se solidarizar situações difíceis.

Flávio Tartuce explica em seu artigo que a rejeição afe-


tiva ocorre quando um dos progenitores ou mesmo ambos não
cumprem o seu dever de educar, criar e viver juntos com seus
filhos, nosso dever da Grande Carta de garantir, com priori-
dade absoluta, não apenas o sustento, mas também a vida
familiar e o cuidado.

Em seu artigo, o advogado Charles Bicca argumenta


que a terminologia refuta afetivo foi muito criticado por não ser
o mais adequado dada a ação o que é ilícito não é amar, mas
deixar de cumprir os deveres do poder familiar. No entanto,
também acontece que concluir as tarefas seria muito difícil
preocupação sem qualquer relação pai-filho que a justifique
usando o conceito de rejeição afetiva.

Embora a falta de amor dos pais crie tanta raiva e con-


fusão na vida da criança, não existe tal dispositivo no ordena-
mento jurídico requer cuidados, mas as obrigações estão na
legislação regras de família, que já seriam necessárias para
obrigar o Estado a cumpri-las.

106
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

Conforme defendido pela teoria jurídica tridimensional de


Miguel Reale, todo fato tem um valor que pode ser ajustado a
ele, não simplesmente forçado, mas com livre escolha. As pes-
soas vivem por este conceito juntos, todos os dias, às vezes
ou mesmo para toda a vida, compartilhar conquistas, objeti-
vos, ideais e afetos mútuos e são definitivamente concretos e
relevantes o suficiente para serem o amor foi escolhido como
um valor a ser reconhecido.

Isso, por sua vez, torna-se aqueles que acreditam nele


fato originalmente declarado com afeição como um valor pode
criar uma norma que então aceitá-los como família indepen-
dente de suas peculiaridades, mas com todas as qualidades
que não negam a presença de uma comunidade que legal-
mente merece tal nome.

Quando o amor é reconhecido como princípio, sua força


aumenta ainda mais, maior do que se fosse positivo, porque o
direito se alcança por meio de princípios interpretação da
norma jurídica. Os princípios são então a bússola que guia le-
gislador e intérprete da norma. No entanto, o sequestro é um
fato jurídico que pode ser elevado a um status o princípio da
justiça e o princípio da solidariedade e da dignidade humana
(Rodrigues, 2022).

A forma de família no direito brasileiro tem enorme im-


portância em relação ao desenvolvimento da criança ou jovem

107
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

e assim garante uma vida digna. A constituição federal buscou


a relação familiar, hoje não há razão mais forte para justificar
a existência da família do que a felicidade e o afeto mútuo.
Quando as pessoas decidem que querem ficar juntas, trazem
consigo todas as dificuldades e prazeres entre semelhantes e
diferentes, então pelo que vale, some, some, ajude (Amaral,
2015).

A finalidade da constituição de uma família é, portanto,


assegurar uma convivência feliz e pacífica entre membros se-
melhantes e diferentes, cuja constituição neste caso é provei-
tosa e justificada, por outro lado, pode surgir um cenário inde-
sejado juntamente com as vantagens da vida familiar, e ser
prejudicial à família. o desenvolvimento de uma criança ou jo-
vem que é uma rejeição afetiva de seus pais.

A doutrina possui dois conceitos sobre esse abandono


afetivo, na maioria das vezes entende-se que tal abandono é
crime civil, pois o afeto seria um princípio, cuja violação ense-
jaria o pagamento de multa por danos morais. Existe um ponto
de vista minoritário que valoriza o afeto como um simples sen-
timento que não possui caráter jurídico, pois o afeto caracte-
riza a espontaneidade daquele que o oferece a outra pessoa,
por ser essencial ao direito de família, mas carece de aplica-
bilidade legal (Amaral, 2015).

108
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

3.2.1 MODALIDADE DE GUARDA E SUA INFLUÊNCIA NO


ABANDONO AFETIVO

O termo sentinela significa "o ato de vigiar", com o ob-


jetivo de manter a vigilância proteger, defender ou proteger. E
o objetivo é apenas isso, proteger, dar proteção ou apoiar algo
ou alguém talvez do entendimento que é percebido a impor-
tância e a seriedade do cuidado, pois indica a responsabili-
dade de quem cuida a algo ou alguém.
A forma mais comum de guarda surge com o nasci-
mento de uma criança. a articulação, também conhecida como
articulação onde é naturalmente treinada ambos os pais que
são as autoridades da família.
Após o fim do casamento, a oportunidade outras formas
de contabilização de menores, pelo que é permitido os pais
determinam os melhores cuidados a aplicar aos seus filhos
face a tais problemas divórcio. Pode-se elencar alguns tipos
de guarda:

3.2.1.1 Guarda Unilateral

Prevista no art. 1583 CC, como uma espécie de guarda


que prevê apenas um pai ou substituto. Esse tipo de guarda é
dado a um dos pais, enquanto a outra toca apenas na regula-
mentação das visitas, que inclusive nesse contexto, o não tutor

109
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

não está isento do exercício do poder família, ou seja, não se


isenta de obrigações relativas a filho menor, mas apenas por-
que eles não moram mais juntos, conforme se pode analisar
do texto legal:

Art. 1593, § 5º A guarda unilateral obriga o pai ou


a mãe que não a detenha a supervisionar os in-
teresses dos filhos, e, para possibilitar tal super-
visão, qualquer dos genitores sempre será parte
legítima para solicitar informações e/ou presta-
ção de contas, objetivas ou subjetivas, em as-
suntos ou situações que direta ou indiretamente
afetem a saúde física e psicológica e a educação
de seus filhos.

A guarda unilateral é estabelecida apenas se for outro


tipo de guarda impossível porque este método não atende aos
requisitos de inclusão e comunicação entre pais e filhos. Por-
tanto, só poderia ser destacado se houvesse possível atender
ao melhor interesse do menor (Gonçalves, 2017).

3.2.1.2 Guarda Alternativa

Este é outro tipo de proteção, nenhuma proteção alter-


nativa pode ser encontrada disciplinado na legislação brasi-
leira, mas amplamente utilizado na prática. Um método no qual
os pais trocam a custódia dos filhos durante um período alter-
nadamente, exerce a guarda unilateral.

110
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

Neste cuidado, o direito de guarda é temporariamente


dividido entre os pais, considera-se "dividida" em partes, para
que os filhinhos se revezem paradeiro a qualquer momento.
Um método cada vez menos utilizado, porque é extremamente
prejudicial para os bebês porque quebra toda a rotina regular
que pode ser confirmado (Gonçalves, 2017).

3.2.1.3 Guarda Compartilhada

Se o relacionamento terminar devido a separação ou


divórcio, a custódia sistematicamente para apenas um dos
pais para mantê-los assim responsável pelos menores do ca-
sal, o que sempre foi incontestável doutrina e jurisprudência.
Diante dessa situação, porém, outra corrente que questiona
tais princípios e normas jurídicas da necessária participação
de todos os personagens nas relações familiares conceitos in-
terdisciplinares como psicologia e sociologia.
A lei (2008) alterou 11.698 artigos. 1583 e 158 Direito
civil, que se tornou disciplina e instituto da guarda comparti-
lhada. A Lei 11.698/2008 representa importante mudança de
paradigma, mudança impulsionada pela intervenção de várias
disciplinas, para acompanhar as transformações sentidas na
sociedade e, de consequência, na forma de família. Nessa, a

111
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

responsabilidade e o afeto em suas relações. A guarda com-


partilhada, agora expressamente admitida no direito brasileiro,
resgata e equilibra o exercício do poder familiar no pós-divór-
cio, reafirmando a complementaridade das funções paterna e
materna na formação da personalidade dos filhos (Grisard,
2014).
Mesmo que a guarda seja compartilhada, a criança
pode viver apenas um lugar que é recomendado porque não é
assim que uma criança faz sempre tem que mudar de uma
casa para outra, como acontece guarda substituto O que é re-
almente compartilhado neste sistema de guarda conjunta res-
ponsável pela vida do menor, não residência, além A frequên-
cia de visitas do outro genitor, mas geralmente da criança, au-
menta é residência permanente.

3.3 DA RESPONSABILIDADE CIVIL

O abandono infantil continua sendo uma realidade infe-


liz no mundo contemporâneo e, embora as definições variem
entre os campos do conhecimento, todas compartilham uma
preocupação comum com as crianças: as crianças veem suas
próprias necessidades (Rodrigues, 1993). Muitas vezes, em
circunstâncias difíceis, a institucionalização, entre outros fato-
res, é vista como a única alternativa viável para garantir a so-
brevivência dos filhos de muitas famílias de baixa renda.

112
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

Não seria leviano afirmar que todo dano moral decorre


de uma violação a um atributo de personalidade do indivíduo.
Contamina o homem como ser humano, dotado de personali-
dade, e ao garantir que essa personalidade exista e se mani-
feste através do grupo familiar, cabe incutir na criança o senti-
mento de pertencimento, no futuro, cumprirá sua plena capa-
cidade de maneira socialmente aceitável e legalmente aceitá-
vel.
A responsabilidade civil é pode ser entendida como a
aplicação das medidas de obrigatoriedade que um cidadão
tema em reparar um dano moral ou patrimonial em decorrên-
cia a terceiros ou em decorrência de ato próprio imputado, de
pessoa por quem ele responde, ou de fato de coisa ou animal
sob sua guarda ou, ainda, de simples imposição legal (Diniz,
2007).
A reparação civil é sem qualquer sombra de dúvidas
uma proteção legal, um direito que a pessoa tem de buscar a
reparação e proteção de seu patrimônio imaterial que foi le-
sado, e ainda do patrimônio material também. Com a violação
nasce a vítima o direito a reparação e ao ofensor o dever de
reparar.
É possível fazer a distinção de dois tipos de responsa-
bilidade civil: subjetiva e objetiva. A responsabilidade civil sub-
jetiva é oriunda da culpa do causador do dano, ou seja,

113
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

quando houver negligência, imprudência ou imperícia. A res-


ponsabilidade civil objetiva busca o nexo de causalidade entre
a ação e o dano causado para que seja possível responsabili-
zar o agente que praticou o ato ilícito, ou seja, não precisa
provar culpa (Brasil, CC, 2002).

3.3.1 ELEMENTOS DA RESPONSABILIDADE

Alguns estudiosos referem-se aos componentes da res-


ponsabilidade civil como premissas da responsabilidade civil.
Existem três elementos principais: a ação humana, o prejuízo
e a ligação causal entre eles. O artigo 186 do Código Civil de-
talha esses elementos da responsabilidade civil, declarando:
"Aquele que, intencionalmente ou por negligência, violar um
direito e causar dano a outra pessoa, mesmo que seja apenas
moral, comete um ato ilícito" (Brasil, 2002).
O comportamento humano pode manifestar-se de
forma positiva, através de ações, ou negativa, por meio de
omissões. Essa conduta deve ser intencional, mas não implica
necessariamente o desejo de causar dano (culpa). A intencio-
nalidade refere-se simplesmente à consciência da ação reali-
zada. Enquanto na responsabilidade subjetiva é necessário

114
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

demonstrar a existência de dolo ou culpa do agente, na res-


ponsa responsabilidade objetiva independe a existência des-
ses elementos.

3.3.2 POSSIBILIDADE DE RESPONSABILIZAÇÃO NO ÂM-


BITO FAMILIAR POR AUSÊNCIA DE AFETO

O Código Civil de 2002 não apenas contempla a res-


ponsabilidade civil pelos atos de um indivíduo, mas também
aborda a responsabilidade por ações de terceiros ou por com-
portamento de animais. Vamos analisar as cláusulas legais
pertinentes a esse assunto:

Art. 932. A responsabilidade civil recai sobre os


seguintes indivíduos: I - os pais, quando se trata
de filhos menores que estejam sob sua autori-
dade e vivam sob seu teto; II - o tutor e o curador,
no caso de pupilos e curatelados que estejam
nas mesmas condições; III - o empregador ou co-
mitente, pelos atos de seus empregados, servi-
çais e prepostos, enquanto estiverem desempe-
nhando suas atividades laborais ou por causa
delas; IV - os proprietários de hotéis, pousadas,
residências ou estabelecimentos que forneçam
alojamento mediante pagamento, inclusive para
fins educacionais, são responsáveis por danos
causados por seus hóspedes, residentes ou alu-
nos (Brasil, 2002).

A existência da responsabilidade, seja ela contratual ou


extracontratual, subjetiva ou objetiva, requer a presença do

115
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

dano como um elemento essencial. Já o dano é a extensão


das lesões causadas no patrimônio jurídico da pessoa, seja
material ou moral. É imperativo reparar todo dano, mesmo que
não seja possível restaurar as circunstâncias ao estado ante-
rior (status quo ante). Nesses casos, é sempre viável determi-
nar uma compensação financeira adequada como forma de
reparação.
Diante das explanações feitas até aqui é perfeitamente
possível identificar que para restar configurado o dever de re-
parar são necessários, a violação de um direito material da
pessoa física ou jurídica, além da violação é necessário a de-
monstração inequívoca do dano, ou em alguns casos esse
dano se presume e, por fim o nexo de causalidade, que con-
siste na ligação entre a conduta ilícita e o dano.
A Constituição Federal em seu art. 37, § 6, adotada a
Teoria do Risco Administrativo, ou seja, irrelevante a existên-
cia de dolo ou culpa do agente, basta a existência do ato ilícito
e do dano para restar configurada a obrigação de reparar.
Não obstante o novo Código civil de 2002, adota a teo-
ria do risco, ou seja, o risco da atividade ou do ato levam ao
dever de reparar, o que se pode observar da leitura de seu art.
927.

116
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

3.4 ABANDONO AFETIVO

O afeto do ponto de vista específico nas relações fami-


liares, tem entrado gradativamente no campo jurídico, junta-
mente com muitos outros campos: liberdade, igualdade, soli-
dariedade. Isso se deve às mudanças que sofreu, principal-
mente no que diz respeito ao deslocamento do foco de inte-
resse da instituição da família para seus criadores. A partir do
momento em que o assunto passa a ocupar o centro das aten-
ções, espera-se que novos atores entrem no campo jurídico.
O afeto sentimento surgiu como uma nova visão de le-
gisladores, teóricos e juristas, consolidando-se como um di-
reito fundamental. E o mesmo autor conclui que talvez não
haja mais nada a dizer para mostrar que o princípio norteador
do direito de família é o princípio do afeto (Dias, 2007).
O dano causado pelo abandono afetivo é sobretudo um
dano à personalidade do indivíduo. Contamina o homem como
ser humano, dotado de personalidade, e ao garantir que essa
personalidade exista e se manifeste através do grupo familiar,
cabe incutir na criança o sentimento de pertencimento, no fu-
turo, cumprirá sua plena capacidade de maneira socialmente
aceitável e legalmente aceitável.
A ausência gratuita do pai causa - em circunstâncias
normais - evidentes dores emocionais e consequente prejuízo

117
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

na educação do filho, pela falta não só de afeto, mas também


de cuidado, cuidado e proteção (função psicopedagógica) que
a presença paterna manifesta na vida da criança, principal-
mente quando já foi estabelecida uma relação afetiva entre
eles (Hironaka, 2006).
Não seria crível exigir que uma criança tivesse a com-
pleta compreensão dos sentimentos que os pais têm em rela-
ção a ele, não podendo compreender e reconhecer a existên-
cia do abandono afetivo. Então ele sente muitos tipos de emo-
ções negativas, tornando-se parte de quem ele é. Os pais, que
têm capacidade natural e são estabelecidos por lei, dependem
do estabelecimento de métodos de educação dos filhos, ensi-
nando-lhes o uso adequado da liberdade, seus limites e suas
responsabilidades. Esse processo educativo se dá por meio
da convivência, onde os vínculos afetivos e morais com a fa-
mília são fortalecidos e refletidos na sociedade.
A afeição, no núcleo familiar, corresponde ao respeito à
dignidade da pessoa humana, disposição geral de proteção da
personalidade, de acordo com os preceitos legais dos artigos
1º, III, da Constituição Federal. A família é o princípio de todo
ser humano, por isso é muito necessária, pois é nesse ambi-
ente que teremos o primeiro contato com a vida social, expres-
sando assim nossas emoções e compreendendo a vida.

118
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

A base de tudo é a família e qualquer primeira linha de


ação deve ser baseada nela. Nesse contexto, é fundamental
que os pais estejam mentalmente preparados para criar, aco-
lher e educar seus filhos a capacidade de reconhecer e identi-
ficar seus próprios sentimentos e emoções, pois a partir da
gestação, todas as experiências que a criança viveu terão de-
saparecido para sempre.
O cuidado e carinho dos pais com seus filhos é de fun-
damental importância e deve ser exercido desde a concepção,
parto e nascimento, assim como o crescimento durante a in-
fância e adolescência, fortalecem o vínculo entre pais e filhos.

3.4.1 RECONHECENDO O ABANDONO AFETIVO

O que seria abandonar alguém? Nosso direito em es-


pecial o direito de família tem vinculações subjetivas a atrelar
seu desenvolvimento. Abandonar é não mar, ou seria deixar
de prestar assistência material? Ainda não é possível do ponto
de vista jurídico, obrigar alguém a amar. Até porque soaria es-
tranho amar por obrigação, diante de um sentimento tão inde-
pendente e puro como o amor.
Então, não podemos ignorar que para o direito o aban-
dono está atrelado a ausência de cuidados, e irá ocorrer

119
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

quando um pai negligencia seus deveres de cuidado com a


criança, deixando-o sem a assistência material necessária.
Abandono afetivo estaria atrelado, pelo menos para o
direito, a omissão do dever de cuidar, ou seja, negar acesso
aos direitos basilares da criança, nos moldes do art. 227 da
Carta Política e que deve ser lido em consubstanciar ao arts.
22 e 27 do ECA. Assim ao não haver a assistência necessária,
restaria por configurado o abandono afetivo.

3.4.2 O QUE OCORRE COM O ABANDONO AFETIVO SOB


O PRISMA JURÍDICO:

De um lado, a jurisprudência se posicionada contra a


responsabilidade civil dos pais pelo abandono do afeto, sobre
um precipitado que as pessoas não podem forçar alguém a
amar os outros, criando uma afeição por uma mera casuali-
dade. Eles sustentam que o abando afetivo não é um ilícito
civil, valendo-se da destituição do poder da família para punir
um comportamento de tal pessoa.
A doutrina majoritária rejeita a compreensão dos tribu-
nais, defendendo que o ordenamento jurídico pátrio tutela os
direitos da criança e do adolescente e impõe aos pais o dever
de assisti-los imaterialmente, sendo que o descumprimento de

120
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

tal direito dever poderá sim ensejar a responsabilização dos


pais em decorrência dos danos morais causados aos filhos.
É relativamente comum que o mesmo ato seja conside-
rado uma ofensa criminal e civil. Nesta situação, ao mesmo
tempo em que o Estado é obrigado a punir o infrator, a pessoa
que sofre dano direto também pode pleitear indenização por
danos causados por ato similar do representante.
Em suma, o Estado busca punir, para que a violação
tratada não se repita e a vítima exija ser corrigida. Deve-se
dizer que os atos civis são fortemente influenciados pelos atos
criminosos. Pretende-se demonstrar que a responsabilidade
civil pode ser aplicada no âmbito do direito de família e conse-
quente condenação para indenizar o dano moral nas relações
familiares, quando ocorrer o abandono afetivo dos pais.
A falta de dedicação e cuidados devido ao abandono
afetivo dos pais podem gerar sequelas psicológicas perma-
nentes nos filhos. Uma vez comprovado através de laudo psi-
cológico, psiquiátrico ou através de outras provas, nasce o de-
ver de indenizar, esse dever é tanto dos pais para com os fi-
lhos quanto dos filhos para com os pais na velhice. Nos últimos
tempos o abandono afetivo ganhou grande repercussão.
Neste sentir, ao analisar sob o enfoque do direito, o abandono
afetivo, gera o direito de indenizar, além de possibilitar a ex-
clusão do sobrenome daquele que gerou o abandono.

121
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Este trabalho não tem uma finalidade exauriente, pelo


contrário é um indutor do debate, da discussão jurídica e de
provocação a necessidade de constância mudança legislativa
para adequação a mutação constante e incessante da socie-
dade.
Família não é mais uma sociedade composta por pai
(homem), mãe (mulher) e filhos(as). Hoje de tem multiplicidade
de pais, de mães e até de espécies (família multe espécies).
Não são necessários mais pai e mãe, é possível pai e pai, mãe
e mãe e por aí vai. Não se engessa, mas, se agregar, pois a
direção é a afetividade.
Os filhos, como sujeitos de direito desde a sua concep-
ção, não precisam apenas de recursos materiais, mas de con-
vivência, amor, assistência integral em todos os contornos de
suas vidas.
Abandonar, ou melhor para o direito, desassistir é ferir
um direito de personalidade da criança a atrair uma reparação
moral no futuro. A sociedade evolui, as instituições também e
o direito não pode ficar de fora e deve acompanhar as relações
e interações humanas para se adequar.

122
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

REFERÊNCIAS

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da igualdade. Argumentar: Revista do programa de Mes-
trado em Ciência Jurídica da FUNDINOPI, Centro de Pes-
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Pós-graduação (CONPESQ), Faculdade Estadual de Direito
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leira e a questão da natureza jurídica do afeto. Disponível em
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promulgada em 5 de outubro de 1988. 4. ed. São Paulo: Sa-
raiva, 1990.

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http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/l10406.htm.
Acesso em: 01 jun. 2023.

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Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

Tribunal Regional Federal da 3ª Região, São Paulo, Faculdade


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2864-2864, 2020.

124
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

4
CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR

NOS PROCEDIMENTOS ESTÉTICOS

CONSUMER DEFENSE CODE IN

AESTHETIC PROCEDURES

Fernando Silva Araújo38


Ícaro Maia Chaim39

ARAÚJO, Fernando Silva, Código de Defesa do Consumi-


dor nos procedimentos estéticos.. Trabalho de Conclusão
de Curso de graduação em Direito – Centro Universitário UNI-
NORTE, Rio Branco. 2023

38
Discente do 10 período do curso de Bacharelado em Direito pelo Centro
Universitário Uninorte.
39
Docente, graduado em Direito pela Faculdade Barão do Rio Branco. Pós-
graduado em Direito Processual Civil pela Universidade Anhanguera. Ad-
vogado. Assessor Jurídico na Procuradoria Geral do Estado. Coordenador
do Curso de Direito do Centro Universitário Uninorte.

125
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

RESUMO

Introdução. O presente estudo visa estudar a responsabilidade


social do médico com práticas estéticas rigorosas, bem como
os conflitos doutrinários e a situação jurídica, especialmente
quanto à natureza da responsabilidade (métodos ou resultado)
atribuída aos médicos neste tipo de procedimento. Objetivo.
Diante desse contexto, analisou-se também a natureza
jurídica (sujeito ou finalidade) da responsabilidade pública do
médico como profissional livre sob a égide do Código de
Defesa do Consumidor e como os danos decorrentes de
procedimentos estéticos são corrigidos judicialmente. Método.
Através do embasamento teórico produziu-se uma análise
acerca dos instiututos básicos de responsabilidade social,
posicionamento da doutrina e como os casos foram resolvidos
no STF. Resultado. No primeiro, foram apresentados os
institutos básicos da responsabilidade social no ordenamento
jurídico brasileiro, no segundo capítulo, destacou-se o
posicionamento da doutrina da responsabilidade social, que
era utilizada principalmente para ornamentar apenas
procedimentos médicos estéticos e no terceiro capítulo,
analisou como os casos concretos foram resolvidos no direito
brasileiro, especialmente na lei do Supremo Tribunal de
Justiça (STJ). Conclusão. Por meio do estudo realizado é
possível compreender até aonde vai a responsabilidade do
médico no tocante à prática de procedimentos estéticos.

Palavras-chave: responsabilidade social; procedimentos


médicos; conflitos doutrinários; Supremo Tribunal de Justiça
(STJ)

126
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

ABSTRACT

Introduction. The present study aims to study the social


responsibility of doctors with rigorous aesthetic practices, as
well as doctrinal conflicts and the legal situation, especially
regarding the nature of the responsibility (methods or results)
attributed to doctors in this type of procedure. Goal. Given this
context, the legal nature (subject or purpose) of the doctor's
public responsibility as a free professional under the aegis of
the Consumer Protection Code was also analyzed and how
damages resulting from aesthetic procedures are corrected in
court. Method. Through the theoretical basis, an analysis was
produced regarding the basic institutions of social
responsibility, positioning of the doctrine and how cases were
resolved in the STF. Results. In the first, the basic institutes of
social responsibility in the Brazilian legal system were
presented, in the second chapter, the positioning of the
doctrine of social responsibility was highlighted, which was
mainly used to decorate only aesthetic medical procedures,
and in the third chapter, it analyzed how cases concrete issues
were resolved in Brazilian law, especially in the law of the
Supreme Court of Justice (STJ). Conclusion. Through the
study carried out, it is possible to understand the extent of the
doctor's responsibility in relation to the practice of aesthetic
procedures.

Keywords: social responsibility; medical procedures;


doctrinal conflicts; Supreme Court of Justice (STJ).

127
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

INTRODUÇÃO

A preocupação incessante do homem em ser belo está


na ordem do dia em tempos distantes. Ainda que seus critérios
sejam atualizados dinamicamente, observa-se que o tema da
beleza se institucionaliza na sociedade como um pilar que se
constrói junto com o poder e a sexualidade. Ela se intromete
sutilmente nas relações interpessoais - mesmo quando
afirmamos ser irrelevantes - e tem o poder de conceder ou
apagar privilégios; tornou-se uma parte essencial para quem
não só quer ser visto, mas também espera ser lembrado.
Na China do século X, o costume de subjugar as
mulheres na busca da beleza era a prática da amarração, que
perdurou até o início do século XX. O ritual consistia em
amarrar os pés femininos para modificá-los e deixá-los no
formato da flor de lótus.
Fora do Olimpo, na população mortal, os gregos
superestimaram o corpo atlético sem gordura, acreditando que
a beleza externa era inseparável da beleza interna, da
inteligência ou, por exemplo, da capacidade de discutir
política, que o distinguiu dos escravos e colocou-o em
posições sociais de prestígio memorável.
A beleza representava status social e era critério para
o reconhecimento das diferentes classes, pois, concluíram-

128
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

se, apenas as camadas mais abastadas da sociedade


podiam se dedicar à higiene pessoal. No Brasil, ao longo do
século passado, os corpos femininos mais desejados foram os
mais curvilíneos, menos magros, como observado nos desfiles
de moda da década de 1980.
No entanto, nos últimos tempos observa-se que a
preocupação com a estética não evaporou, mas apenas
sofreu alguma atualização – como já mencionada, o clichê do
que é belo, atraente, dinâmico – e há alguns anos temos certa
facilidade na troca de informações, imagens, signos que
despertam em nós um padrão estereotipado sobre o que
valerá a pena contemplar e o que devemos
consequentemente ter em nosso corpo, para inseri-lo em
determinados estratos da sociedade que fazem do nosso
corpo parte de uma vontade de fazer exposição.
Não obstante, abordaremos teorias críticas sobre o
processo de influenciar o meio em que o indivíduo está
inserido, bem como teorias sobre a sociedade exigida por
meio da apropriação de serviços representativos de
personagens sociais e suas exposições no âmbito da pertença
à área em que vivem. A construção do padrão de beleza ao
longo do tempo é tratada à luz do método histórico, dada a
análise de instituições de outros tempos que influenciaram a
construção desses padrões.

129
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

4.1 O DIREITO DO CONSUMIDOR NO RAMO DA ESTÉ-


TICA

A demanda por serviços cirúrgicos para fins estéticos


tem crescido exponencialmente na comunidade brasileira nos
últimos anos. "A lógica da sociedade de consumo é
contraditória. Afinal, novas necessidades e novos desejos são
criados nesta sociedade [...] para satisfazer essas
necessidades e desejos e assim serem vendidos."
(Schuchovski; Poncio; Santos, 2012, p 279).
A Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica (SBCP)
apresentou dados de pesquisas que colocaram os brasileiros
em segundo lugar no mundo a serem submetidos à cirurgia
plástica. Expresso em números, o estudo mostra que das 100
(cem) pessoas no mundo que passam por essas intervenções,
10 (dez) são brasileiras. Da mesma forma, a Associação
Nacional de Hospitais Privados (ANHP) revelou em um boletim
informativo que a demanda por serviços de cirurgia estética
entre adolescentes aumentou 141% na última década.

Consumir‟, portanto, significa investir na filiação


social de si próprio, o que, numa sociedade de
consumidores, traduz-se em „vendabilidade‟: ob-
ter qualidades para as quais já existe uma de-
manda de mercado, ou reciclar as que já se pos-
sui, transformando-as em mercadorias para as
quais a demanda pode continuar sendo criada.
(Bauman, 2008, p. 75)

130
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

Guy Debord fala da Sociedade do Espetáculo, que


representa o modelo contemporâneo de vida socialmente
dominante. “É a afirmação ubíqua da escolha já feita na
produção e sua consequência – o consumo” (Debord, 2003,
p. 14).
O autor ensina que o espetáculo é inerente à
sociedade, faz parte dela, e porque na sociedade do
espetáculo ele se tornou um instrumento de unificação, sendo
o “foco do olhar iludido e da falsa consciência”. da própria
coisa; optam pelo irreal, pela construção do real.

Tudo o que é vivido diretamente desaparece


na fumaça da representação"; é um
processo de alienação em que o espetáculo
se materializa como “o sol poente no reino
da passividade moderna. (Idem, 2003, pp.
14/17)

Essas construções distorcidas resultam em usuários


exigindo uma distorção da realidade. Por exemplo, há corpos
menos magros, às vezes de mulheres que já tiveram filhos e,
portanto, sofreram mudanças físicas abruptas, resultando em
marcas em seus corpos que mulheres mais jovens
normalmente não teriam; Na exemplificação retro, há mais
corpos reais, sem intervenção cirúrgica.

No universo do digital influencer, no entanto, manter

131
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

ideias padronizadas de corpos insere os indivíduos em um


campo construído sobre irrealidades pretendidas e voltado
para uma vida bem-sucedida. Portanto, quando esses
objetivos irreais não são alcançados, surge a frustração
pessoal.
A utilização de produtos e serviços que permitem
padronizações físicas por meio dessas intervenções estéticas
permitiu que o consumo se tornasse consumo e se intensificou
ao longo dos anos. “O que se busca hoje no consumo é,
sobretudo um sentimento vivo, um prazer emocional.”
(Martins, 2013, p. 5)
No mesmo espírito, Bauman explica em seu trabalho
sobre a transformação das pessoas em bens o momento em
que ocorreria a transformação de "consumo" em "consumo".
Para ele, o fenômeno seria o ponto de partida quando a ânsia
de adquirir algo supera a real necessidade de ter esse bem,
ou seja, quando falamos de consumo, queremos dizer
objetivamente ter o consumo como centro, força motriz de uma
sociedade:

Pode-se dizer que o consumismo é um tipo de


arranjo social que resulta da reciclagem rotineira,
perdurando, e por assim dizer “neutro ao re-
gime”, as vontades, desejos e desejos humanos,
transformando-os na principal força motriz e ope-
racional da sociedade, uma força que coordena

132
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

a reprodução sistêmica, a integração e estrati-


ficação social e a formação dos indivíduos hu-
manos, ao mesmo tempo em que desempenha
um papel importante nos processos de auto iden-
tificação individual e grupal, bem como na sele-
ção e execução das políticas de vida individual.
(Bauman, 2008, p. 41)

A publicidade é uma das maiores forças da atualidade


porque impulsiona as vendas e cria a vontade de comprar.”
(Schuchovski; Poncio; Santos, 2012, p. 279) A compulsão de
escolher o tipo de estética cirúrgica, a apropriação da
conquista pode se basear na falsa necessidade de consumi-la
para ser reconhecida como objeto de contemplação na
sociedade, com corpos moldados em mesas de operação,
como os de seus influenciadores. Essa aquisição traria
reconhecimento social e felicidade. (Baudrillard, 1995, p. 47)
Bauman argumenta que a sociedade de consumo
estabelece um estilo de vida a ser seguido e,
consequentemente, deslegitima as demais opções existentes.
“Uma sociedade na qual conformar-se aos imperativos da
cultura do consumo e segui-los estritamente para todos os fins
e propósitos práticos é a única escolha sancionada
incondicionalmente.” (Bauman, 2008, p. 71)

133
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

4.2 A REGULAMENTAÇÃO DO CDC SOBRE A PUBLICI-


DADE DO RAMO DAESTÉTICA

Em primeiro lugar, cabe destacar que o consumidor


goza de proteções constitucionais que devem ser exercidas
pelo Estado, conforme consta no rol de direitos e garantias
fundamentais, Art. 5º, XXXII, CF/88, que consiste em cláusula
fixa e, portanto, nem mesmo pode ser objeto de alteração que
vise reduzi-los, conforme a redação do art. 60, §4º, VI, CF/88.
Além disso, o Código de Defesa do Consumidor regulamenta
todas as relações de consumo em que aparece um polo
consumidor, por um lado, e um fornecedor de produtos ou
serviços, por outro. Tanto os termos “consumidor” quanto
“fornecedor” são definidos pelo próprio CDC em seus artigos
2º e 3º.

Art. 2° Consumidor é toda pessoa física ou jurí-


dica que adquire ou utiliza produto ou serviço
como destinatário final.
Art. 3° Fornecedor é toda pessoa física ou jurí-
dica, pública ou privada, nacional ou estrangeira,
bem como os entes despersonalizados, que de-
senvolvem atividade de produção, montagem,
criação, construção, transformação, importação,
exportação, distribuição ou comercialização de
produtos ou prestação de serviços.
§ 2° Serviço é qualquer atividade fornecida no
mercado de consumo, mediante remuneração,
inclusive as de natureza bancária, financeira, de
crédito e securitária, salvo as decorrentes das re-
lações de caráter trabalhista. (Brasil,1990)

134
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

A incidência deste código no tema desenvolvido neste


trabalho é compensada não pelo consumo do conteúdo
produzido em si, mas pelo consumo do serviço publicado, o
serviço de cirurgia estética. O influenciador digital geralmente
não é um provedor direto dos serviços que está promovendo.
Por exemplo, há médicos que são, em última análise,
influenciadores digitais e que também prestam o serviço de
cirurgia estética, o que neste caso os classificaria como
prestador conforme definido pelo CDC em seu artigo 3º.
No entanto, existem personagens que servem apenas
para transmitir os mesmos serviços estéticos, nomeadamente
os influenciadores classificados como “influenciadores
horizontais” que não são tech-savvy e se dedicam ao
marketing “leigo para leigo”. No campo do direito do
consumidor, existe um importante instituto que regula a
dinâmica do fluxo de informações sobre produtos e serviços,
a saber, a publicidade. Luiz Antônio Rizzato Nunes (2019)
ensina que a publicidade é a ponte que liga o serviço ao seu
consumidor e deve ser limitada, de acordo com as disposições
do Código do Consumidor, para que não entre em conflito com
outras garantias constitucionais.
No entanto, como instrumento que permite maiores
garantias ao cidadão, destaca-se o Conselho Nacional de

135
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

Autorregulamentação Publicitária (CONAR), que se configura


como uma organização não governamental (ONG) já atuante
de forma notável em relação à veiculação publicitária,
considerando que não há censura prévia.
Esta organização lançou um guia de publicidade para
influenciadores digitais que desenvolve várias diretrizes para
proteger o consumidor como “uma experiência pessoal, é
genuína e contém uma representação verdadeira do produto
ou serviço que está sendo anunciado”.
No mundo digital, os influenciadores digitais são a
ponte entre o consumidor que é usuário da rede social e os
diversos serviços de cirurgia estética, que por sua vez utilizam
seu corpo como vitrine e também como mercadoria e os
resultados dos procedimentos realizados e
consequentemente a aquisição de novos potenciais
consumidores.

4.3 A RELEVÂNCIA DOS PRINCÍPIOS CONSUMERISTAS

Para melhor entendimento sobre a importância do


direito do consumidor no ramo estético, será abordado a
seguir os principais princípios que podem assegurar uma
melhor qualidade de serviço, segurança e proteção para
ambas as partes da relação de consumo.

136
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

4.3.1 DIREITO A PROTEÇÃO À VIDA, SAÚDE E SEGU-


RANÇA

O direito à proteção da vida, da saúde e da segurança


está no Art. 6º, I, do CDC, e se correlaciona com a garantia de
que o consumidor não estará exposto a quaisquer riscos pelo
uso de produtos ou serviços. Antes que esse direito seja
assegurado no artigo acima, é provisório no Art. 4º, CDC, que
estabelece o objetivo da Política Nacional de Defesa do
Consumidor de respeitar, entre outros, os direitos à saúde e
à segurança. Ainda, conforme abordado por Rizzato Nunes
(2019), o caput do art. 4º, CDC:

Quando se refere à melhoria de qualidade de


vida, está apontando não só o conforto material,
resultado do direito de aquisição de produtos e
serviços, especialmente os essenciais [...], mas,
também, o desfrute de prazeres ligados ao lazer
[...] ao bem-estar moral ou psicológico. (Nunes,
2019)

O cumprimento das garantias contidas nos artigos 4º e


6º da Legislação do Consumidor em matérias relacionadas ao
consumo de serviços estético-cirúrgicos promovidos por
influenciadores digitais garante ao consumidor as proteções
legais a que sofre a decisão de realizar esses procedimentos,
sua terá como base a preservação do psiquismo e o bem-estar

137
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

da pessoa, uma vez que as intervenções de modificação


corporal intervêm no corpo e podem acarretar danos na esfera
psicológica, por exemplo, em caso de insatisfação com o
resultado ou durante a intervenção.

4.3.2 PRINCÍPIO DA BOA-FÉ

A definição de Nunes (2019) do que constitui o princípio


da boa-fé objetiva presente no CDC é que consiste em um
modelo principiológico que visa demonstrar o ato e/ou
conduta sem abuso ou qualquer tipo de à outra parte ou partes
envolvidas na relação, tudo isso de forma a gerar uma atitude
cooperativa capaz de concretizar a intenção da relação
jurídica licitamente estabelecida. (Nunes, 2019).
Além disso, o autor afirma que a boa-fé objetiva é,
assim, uma espécie de pré-requisito abstrato de uma relação
ideal (justa), concebida como um tipo ao qual o caso concreto
deve se conformar. Indica, portanto, um comportamento fiel e
leal no desempenho de cada uma das partes contratantes
para garantir o respeito aos direitos da outra. (Nunes, 2019).
A aplicação do princípio da boa-fé objetiva visando à
proteção da integridade física, moral e psíquica do consumidor
se aperfeiçoa quando as operadoras desses serviços
divulgam com informações confiáveis sobre esses

138
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

procedimentos.
Ou seja, é preciso que os influenciadores – além de
usar sua autoridade nas redes sociais para influenciar
seus seguidores a querer consumir esses procedimentos
estéticos que ameaçam a vida – reproduzam propagandas
fiéis que, apesar de lucros crescentes, esclarecem pontos
de perigo.
Em síntese, o consumidor, sendo o polo mais
vulnerável da relação, deve ser protegido de todas as
tentativas de expor serviços cujas operadoras atuem de forma
a esmo e visem apenas ao lucro, sem considerar o consumidor
como um indivíduo de direitos e desrespeitando o princípio da
boa-fé e crença.
Pelo exposto, o princípio da boa-fé objetiva reforça o
dever das partes na relação de consumo de agir com lealdade
e transparência, o que conduziria a uma relação harmoniosa,
conforme definido no Art. 4º, Caput, do CDC.

4.3.3 PRINCÍPIO DA PROTEÇÃO CONTRA PUBLICIDADE


ENGANOSA OU ABUSIVA

O princípio da proteção contra publicidade enganosa ou


abusiva é norteador nas relações de consumo previsto no Art.
6º, IV, do CDC. Este princípio está intimamente ligado ao

139
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

controle de qualidade, adequação e segurança dos produtos


e serviços oferecidos aos consumidores. O mesmo artigo da
lei proíbe métodos comerciais coercitivos ou desleais, o que
será de grande valia quando analisarmos a publicidade de
influenciadores digitais em relação à promoção do consumo
de cirurgias estéticas.
E então, quando a exploração e a produção primária
são limitadas, é assim que pode e deve ser forte o controle da
publicidade, que, como disse, é instrumental, ligada à origem,
na medida em que serve como "meio de linguagem" de
produtos e serviços: a publicidade anuncia, descreve, oferece,
divulga, propaga, etc. Assim, como a atividade de pesquisa de
mercado primária voltada à produção tem limites
estabelecidos, a fala pública dela (de produção) deve ser
limitada. (Nunes, 2019).
A importância desse princípio na discussão que este
trabalho propõe é permitir que os seguidores que consomem
publicidade gerenciada por influenciadores, que futuramente
consumirão o serviço ali anunciado, tenham acesso seguro a
todas as informações relevantes a riscos e benefícios de uma
intervenção estética com meios cirúrgicos, uma vez que é
mais invasiva e perigosa do que as intervenções habituais.

140
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

4.4.4 PRINCÍPIOS DA TRANSPARÊNCIA E DO DEVER DE


INFORMAR

O princípio da transparência encontra-se no Art. 4º


do CDC e se alinha com o princípio do dever de informar
previsto no Art. 6º, III, do CDC, que defende que é direito
fundamental do consumidor ter informação adequada e clara
sobre os serviços, incluindo os riscos, que podem oferecer.
Sobre esse assunto, Rizzato Nunes (2019) entende que “é um
dever que se impõe antes mesmo do início de um
relacionamento. A informação tornou-se uma parte necessária
do produto e serviço que não pode ser oferecido no mercado
sem ela.” (Nunes, 2019).
A democratização da internet facilitou muito a
transcendência das fronteiras do universo virtual. Com isso, o
controle dos serviços oferecidos nas redes tornou-se mais
difícil, pois é praticamente impossível contar com precisão o
número de usuários de redes sociais que se enquadram no
papel de influenciadores.
No entanto, no que diz respeito ao marketing realizado
por esses influenciadores, certos limites devem ser
respeitados ao analisar as garantias prestadas ao
consumidor, seja para divulgação de produtos, seja para
divulgação de serviços. Quando essa massa quase infinita de

141
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

influenciadores divulga em seus perfis serviços que promovam


o consumo de cirurgia plástica, é importante analisar quais
efeitos essa prática pode desencadear.
Às vezes, essa divulgação é feita usando o próprio
influenciador como vitrine, pois ele monetiza a própria imagem
e se torna uma mercadoria a ser vendida pós-anúncio. Esse
resultado de vendas é alcançado após a produção do
conteúdo, que em algum momento passou a ter credibilidade
junto aos seguidores – influenciadores, consumidores do
conteúdo. (Karhawi, 2016, p. 38/59).
Também a redação do Art. 29 do Código Brasileiro de
Auto-regulamentação Publicitária, cujo princípio da rotulagem
publicitária é enfatizado. O referido artigo da lei condena todas
as tentativas de criar efeitos “subliminares” na publicidade ou
propaganda, ideia que reforça a qualidade de clareza e
transparência que deve ter a publicidade de serviços estéticos
e suas consequências.

4.4 A RESPONSABILIDADE CIVIL NO CÓDIGO DE DE-


FESA DO CONSUMIDOR

A responsabilidade civil prevista no Código Civil foi a


base para tratar de todas as situações que chegaram ao

142
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

judiciário, mas as mudanças societárias exigiram o


desenvolvimento de legislação com novos contornos,
principalmente para tratar da responsabilidade civil nas
relações de consumo.
A adoção da teoria da responsabilidade objetiva pela
Lei de Defesa do Consumidor foi necessária para
responsabilizar o operador econômico que causa danos
materiais e patrimoniais a pessoas pelo simples exercício de
sua atividade profissional (teoria do risco), além disso, a
suposição foi baseada na dificuldade culpa do fornecedor. A
proteção individual foi seguida pela proteção social, marca
registrada do direito moderno.
Com a promulgação da Lei de Defesa do Consumidor
- Lei 8.078/1990 - houve uma revolução na Administração de
Responsabilidade Civil no Brasil que ampliou o conceito de
reparação de danos para incluir o simples fato de que o dano
existe.
Note-se que o Código do Consumidor prevê uma única
exceção quanto à responsabilidade objetiva, a
responsabilidade pessoal dos profissionais, nos termos do
art.º 14, § 4.º. Com esta possibilidade de responsabilização
culposa das profissões liberais, o legislador tem em vista a
proteção dos membros da profissão, que habitualmente se
encontram numa posição vulnerável face ao mercado e

143
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

também pelas relações com estes profissionais, para as


empresas, o elemento de confiança pessoal está presente.
No entanto, Venosa ressalta que embora a
responsabilidade subjetiva esteja vigente neste caso, a
relação existente com esses profissionais ainda é considerada
consumo, aplicando-se todos os princípios gerais do CDC.
Segundo Tartuce (2022), é inegável a importância da
Lei de Defesa do Consumidor para a questão da
responsabilidade civil e para todo o próprio direito privado,
especialmente considerando que a maioria das relações
jurídicas atuais são as relações de consumo. Além das
relações de consumo mais comuns, o autor cita o grande
número de contratos de prestação de serviços em geral,
inclusive com profissionais (médicos, dentistas, corretores).
Nunes acrescenta “o fato de o CDCter vida própria desde
que foi criado como subsistema autônomo e efetivo dentro do
sistema constitucional brasileiro”.
Permeia praticamente todas as atividades
empresariais, pois o código é composto por regras de ordem
pública e interesse social que se aplicam a todas as relações
de consumo, sejam públicas ou privadas, contratuais ou não
contratuais, materiais e processuais.
Como diz Nunes, “quando o CDC estabelece o dever
de indenizar, quer que essa indenização seja abrangente na

144
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

extensão de suas consequências”. Nesse sentido, o Art. 6º,


Inc. VI, da Lei 8.078/1990 consagra o princípio da indenização
total, segundo o qual o consumidor tem direito à indenização
total por danos materiais, morais e estéticos, sejam
individuais, coletivos ou difusos causados pela entrega de
produtos, pela prestação de serviços ou por más informações.
O artigo 25 do CDC proíbe qualquer cláusula de não
indenização ou clausula que preveja a redução do limite de
indenização. Também nestes casos não é admissível qualquer
tipo de tarifação por danos imateriais. Ressalte-se que não é
possível o pagamento da indemnização com base na relação
de consumo, por violar o princípio da indenização integral.
Ainda no que diz respeito ao princípio da indenização
integral, o art.17 daLei 8.078/1990 prevê a representação do
consumidor por equivalência ouespectador. De acordo com o
referido artigo, todos os afetados pelo evento têm direito à
indenização, mesmo que não tenham relação direta de
consumo com o prestador ou fornecedor. Tartuce (2022)
elogia este dispositivo devido aos riscos envolvidos em
implantá-lo ou disponibilizá-lo na sociedade de consumo de
massa.
No CDC existe uma estreita ligação entre a
responsabilidade civil objetiva e a norma que estabelece a
responsabilidade solidária de todos os envolvidos na relação

145
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

de consumo pela indenização a ser paga tanto no âmbito


contratual quanto no extracontratual. código sendo um
exemplo de superação do modelo de dupla responsabilidade
(contratual X não contratual), pois unifica o tratamento
temático. art. 7º, parágrafo único, do CDC traz consigo a
presunção de solidariedade entre todos os envolvidos na
prestação ou entrega. art. 25, § 1.º tem o mesmo significado.
Diferentemente do CDC, do Código Civil, art. 265 traz
uma regra segundo a qual a solidariedade não pode ser
presumida de uma obrigação, de um contrato. Em geral,
qualquer obrigação ou responsabilidade é pessoal. No direito
civil, também, na responsabilidade extracontratual só pode
reagir quem efetivamente contribuiu para o fato danoso, como
no art. áreas.
Quanto ao ônus da prova, o Código do Consumidor
não o exime de trazer à ação um ônus mínimo da prova dos
fatos essenciais do seu direito, mas cabe essencialmente
ao consumidor provar a existência do alegado direito, dano e
causalidade, com exceção da responsabilidade pessoal dos
comerciantes, que é subjetiva e o consumidor deve provar a
culpa. É importante notar, no entanto, que o CDC reconhece
a possibilidade de inversão do ônus da prova no artigo VIII
do artigo 6º do CDC, que é uma norma adjetiva que se
estende a todas as situações em que o consumidor seja

146
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

eventualmente obrigado a fornecer prova.

4.4.1 DA RESPONSABILIDADE OBJETIVA DO INFLUENCI-


ADOR DIGITAL

A figura do influenciador para potencializar o impacto


publicitário leva ànoção de quão efetivo é o poder de controle
que esses personagens exercem sobre seus seguidores e,
portanto, não podem ser exonerados dos malefícios
causados pela publicidade que prejudica os consumidores
influenciados.
O CBAP, em seu art. 45, aponta que o anunciante – no
caso discutido neste trabalho, o influenciador digital – assume
a responsabilidade por sua publicidade. A proteção conferida
no CDC protege amplamente aqueles que são vistos como
parte vulnerável do relacionamento e, portanto, precisam de
proteção especial.
Quando se trata de influenciadores digitais como elo
entre o consumidor potencial e o serviço estético-cirúrgico
mediado, os limites legais devem ser observados neste
momento.
Não se trata de vender meros produtos que podem ser
trocados por defeito; mas sim, de corpos a serem modificados;
Essas modificações são amplamente consideradas

147
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

irreversíveis e, se revertidas, produzem distúrbios


incalculáveis nas esferas moral e material do indivíduo,
podendo ainda resultar em graves danos estéticos.
O Diploma de Direito do Consumidor tem como
premissa a responsabilidade objetiva, ou seja, “a culpa não
diz respeito aos aspectos civis das relações de consumo”.
(Nunes, 2019) E, portanto, o influenciador digital seria
responsabilizado pelos danos materiais, morais e estéticos
sofridos pelo consumidor, ainda que não seja ele o
responsável pelo evento danoso. Essa responsabilização
decorre do fato de os influenciadores das mídias sociais terem
altos níveis de engajamento com seus seguidores e,
consequentemente, terem destreza para realizar
comportamentos.

A responsabilização é mesmo uma forma pedagógica


de desencorajar a promoção desenfreada do consumo de
serviços estéticos cirúrgicos. De acordo com o pronunciamento
363 do CFJ/STJ, na hipótese de violação de princípios como
a boa-fé objetiva, basta que o lesado prove a existência do
dano, pois isso enseja a responsabilidade objetiva, ou seja,
sem a necessidade de provar a culpa.
Segundo Gasparatto, Freitas e Efing na
“Responsabilidade Civil dos Influenciadores Digitais”:

148
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

No momento em que um influenciador digital in-


dica um produto ou serviço,a sua confiabilidade
agrega poder persuasivo no comportamento do
consumidor, gerando segurança sobre a quali-
dade daquele produto ouserviço que está sendo
indicado. Os influenciadores assumem, portanto,
uma posição de garantidores em face dos produ-
tos e serviços indicados. Caso as qualidades atri-
buídas aos produtos e serviços não sejam condi-
zentes com a realidade, o fator de persuasão os
influenciadores aparece de forma negativa e pre-
judicial ao consumidor, confrontando, assim, os
princípios da boa-fé e da confiança. (Gasparatto;
Freitas; Efing, 2019, p. 79)

Mas, embora alguns dos advogados tenham defendido


a implementação da lei de defesa do consumidor, que vem
sendo defendida até agora, o juiz de Barra Mansa/RJ, Dr.
Rafael da Silveira Thomaz, embora tivesse reconhecida
responsabilidade objetiva, optou por não aplicar o direito do
consumidor. Nesse caso específico, a digital influencer
Virgínia Fonseca compartilhou em seu perfil um post
promovendo determinado produto e um seguidor não o
recebeu após a compra.

Alegando que não teria conhecimento da empresa que


comercializa este produto sem a mediação do influenciador, a
sucessora, agora autora, requereu indenização por danos
materiais, o que o citado juiz leigo concedeu.
Apesar de não reconhecer a relação de consumo entre
autor (seguidor) e réu (influenciador), o juiz aplicou a

149
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

responsabilidade objetiva nos termos do art. 927, § 1º do


Código Civil, no qual “Haverá obrigação de reparar o dano,
independentemente de culpa, nos casos especificados em lei,
ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor
do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de
outrem”. A decisão da sentença foi da seguinte maneira:

A ré (Revel) não se desincumbiu de demonstrar


a presença de fato que possa obstar, modificar
ou extinguir o direito subjetivo da demandante,
na forma do artigo 373, inc. II, do NCPC, de-
vendo RESPONDER PELOSRISCOS DO SEU
EMPREENDIMENTO, CONSIDERANDO QUE
QUEM RETIRA PROVEITO DE UMA ATIVI-
DADE DE RISCO, COM PROBABILIDADE DE
DANOS, OBTENDO VANTAGENS, LUCROS,
BENEFÍCIOS, DEVE ARCAR COM OS PREJU-
ÍZOS DELES DECORRENTES. Assim restou
patente a responsabilidade da revel nesse caso
em tela

Neste contexto, a responsabilidade objetiva do


influenciador digital recai sobre a capacidade dessa
personalidade de influenciar a tomada de decisão de seus
seguidores na divulgação de produtos e serviços.

4.4.2 DA RESPONSABILIDADE CIVIL MÉDICA EM PROCE-


DIMENTOS ESTÉTICOS

Mais recentemente, passou a vigorar maior respeito ao


direito à vida e à integridade física do ser humano, levando à

150
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

abolição da teoria da irresponsabilidade médica e da


presunção de competência profissional que prevalecia nos
primórdios da relação médico-paciente.
Esse fato, aliado à expansão da prática médica e ao
desenvolvimento do instituto da responsabilidade civil no
direito brasileiro, culminou na admissibilidade da
responsabilidade médica por danos causados ao paciente e,
consequentemente, em um número crescente de ações
judiciais relacionadas ao último Tema.
A atividade médica é de grande interesse social porque
trata de um bem precioso, a vida. Por isso, a responsabilidade
médica é frequentemente discutida hoje no direito civil e penal,
bem como no campo ético em vista de sua relevância. Exige-
se sempre do médico um comportamento muito rigoroso,
estando a responsabilidade civil da categoria sujeita aos
mesmos princípios da responsabilidade civil em geral e,
portanto, caracterizada pela obrigação de o médico reparar
os danos causados a outrem no exercício da sua profissão.
Para Vaz, o ato médico ilícito verifica-se quando não
são respeitadas a normas e recomendações médicas a serem
observadas na realização de determinados atos ou as normas
legais, regulamentares ou legais, associadas ao resultado
danoso para o paciente.
Vale ressaltar que a responsabilidade médica não

151
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

possui regras próprias e que se aplicam as regras gerais do


ordenamento jurídico brasileiro. Além do código de ética
médica, os juízes também devem se orientar pela Constituição
Federal, pelo Código Civil e pela Lei de Defesa do
Consumidor.

Cucci e Rodrigues (2012) lembram que o crescente


número de ações judiciais por erros médicos tornou-se
alarmante nas últimas décadas, principalmente
procedimentos envolvendo procedimentos puramente
estéticos, pois a supervalorização da aparência externa nos
tempos modernos leva muitas pessoas a ficarem insatisfeitas
com seus corpos e a submeter-se a intervenções estéticas
desordenadas. Tartuce (2022) ressalta que a falta de
consenso e entendimento sobre o assunto em questão leva a
grandes discussões sobre oassunto e muitas vezes resultam
em um julgamento injusto para o médico.
Nesse contexto, as mesmas distinções e
enquadramentos doutrinários são importantes para a
responsabilidade civil médica, particularmente como
responsabilidade contratual ou extracontratual, como
responsabilidade subjetiva ou objetiva, e na formulação da
obrigação assumida por esses profissionais como meio ou
resultado.

152
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

4.4.3 DO ÔNUS DA PROVA

Em regra, o ônus da prova recai sobre o Art. 373, I e II,


do Código de Processo Civil. O réu é responsável por provar
os fatos que alteram, caducam e impedem os direitos autorais.
No entanto, o próprio Código de Processo Civil traz à tona
situações em que a inversão ou redistribuição do ônus da
prova pode ser feita de outras formas, por exemplo, quando a
prova é impossível ou excessivamente difícil para uma das
partes realizar, ou mesmo diante da facilidade de provar o
contrário.
Além disso, o juiz das relações de consumo pode
transferir o ônus da prova em favor do consumidor porque as
alegações são corretas ou porque ele é parte insuficiente da
relação contratual. Venosa lembra que a análise da
hipossuficiência não deve considerar apenas o aspecto
econômico, mas se há uma fragilidade técnica ou jurídica em
relação à outra parte.
Para Costa, com a aplicação do direito do consumidor
à relação médico- paciente, ficaram em segundo plano as
questões relativas à distinção entre obrigações de meio e
obrigações de resultado e a natureza jurídica da
responsabilidade. Com a possibilidade de reverter o ônus da
prova em favor do consumidor, o consumidor não precisa

153
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

explicar a natureza contratual dessa responsabilidade, nem


entrar na justificativa da natureza da obrigação de se livrar do
ônus da prova.
Trata-se de substituir o exame desses elementos por
um julgamento de probabilidade ou hipossuficiência. Nesse
sentido, Gonçalves (2018) lembra que o profissional médico é,
sem dúvida, aquele que tem as melhores qualificações para
trazer ao caso as provas necessárias à análise da sua
responsabilidade.
Embora, em regra, nos casos de erro médico incumba
ao paciente provar os factos que constituem o seu direito, ou
seja, provar a existência da conduta ilícita, do dano, do nexo
de causalidade e da culpa do médico, Gonçalves (2018)
ressalta que a inversão do ônus da prova é uma tentativa
representa um reequilíbrio da posição das partes no
procedimento ao transferir para o médico o ônus da prova de
que o dano não foi causado por culpa comprovada na
prestação do serviço.
No caso das intervenções estético-médicas, tendo em
conta a tese da responsabilidade subjetiva, faz-se uma
distinção entre a obrigação de produzir resultados e a prova
da culpa, que aqui se presume. Em outras palavras, quando
setrata do dever do médico de produzir resultados, o paciente
carrega a evidência do comportamento, dano e causalidade,

154
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

mas cabe ao médico provar a inocência e o cumprimento do


dever de produzir um bom resultado.
Ressalte-se que independentemente da natureza da
obrigação, dadas as dificuldades de prova e o desequilíbrio
entre as partes decorrentes do conhecimento técnico e do
acesso à prova documental, o juiz estabelece a inversão do
ônus da prova em favor do paciente, e o médico deve provar
que agiu de acordo com a lei e que o dano não decorreu de
sua conduta ou que o resultado obtido foi satisfatório.

4.4.4 DO DANO ESTÉTICO

O dano estético corresponde a uma deformidade física


que causa dor e tristeza. A noção de deformidade é baseada
na estética, que se refere à beleza ou normalidade das
características corporais, de modo que o dano estético pode
ser caracterizado como um comprometimento da harmonia e
da aparência de uma pessoa, causando-lhe desagrado ou
desprazer.
Nunes ressalta que, do ponto de vista jurídico, a
definição de beleza não é essencial para a determinação do
dano estético. O que é decisivo é a alteração física causada
pelo dano, que altera a aparência física externa da pessoa
lesada.

155
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

Cavalieri Filho lembra que originalmente o dano


estético estava ligado a deformidades físicas causadoras de
paralisia e repugnância e que somente com o tempo o dano
estético foi admitido, inclusive nos casos de manchas e outros
defeitos físicos que provocassem repugnância ou complexo
de inferioridade davítima.
Apesar da falta de menção explícita ao dano estético na
Constituição e de uma ruptura com a classificação tradicional
que dividia os tipos de dano em patrimoniais e morais (ou não
pecuniários), o STF passou a considerar que o dano estético
constituía uma modalidade autônoma de dano.
Nesse sentido, editou a Súmula 387 de 2009, que
dispõe: “É lícito a cumulação de indenização por dano estético
e dano moral”. Esse tipo de dano constitui violação do direito
constitucional à imagem, conforme dispõe o artigo V do art. 5º
da Constituição Federal: “Além da indenização por dano
material, imaterial ou de imagem, é garantido o direito de
resposta à denúncia".
Para Cavalieri Filho é possível identificar esse tipo de
dano na última parte do art. 949 do Código Civil. Tartuce
lembra que a consolidação da nova categoria pelo STJ
ocorreu recentemente, e de fato o próprio Supremo já
considerou a impossibilidade dessa cumulação.
Como o conceito de beleza é subjetivo, o autor lembra

156
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

que quando a beleza física é prejudicada, é preciso avaliar a


mudança sofrida pela pessoa em relação ao que ela era. Ele
acrescenta que esse tipo de dano também é suspeito (in re
ipsa).
Segundo Nunes, pode haver dano estético sem o dano
moral correspondente, e vice-versa. O aspecto mais marcante
do dano estético, no entanto, é justamente sua produção de
dor, medo e nojo, ou seja, a geração do dano moral. No
entanto, o dano estético para fins de compensação refere-se
apenas a uma alteração física externa que pode ou não ter
causado o dano moral.
Apesar do posicionamento atual do STJ, há
controvérsia doutrinária quanto à autonomia do dano estético
sobre o dano moral. Muitos autores entendem que o dano
moral inclui o dano estético, portanto, a indenização
decorrente do danoestético exclui aquela decorrente do dano
moral.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Para o Tribunal da Relação, o dano estético


corresponde a “uma alteração morfológica na forma do corpo
que prejudica a visão, causa desagrado e repugnância”; e
dano moral corresponde ao “sofrimento mental – dor da

157
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

alma, angústia e ansiedade experimentada pela vítima”. Uma


é de ordem psíquica epertence ao foro íntimo; o outro é visível,
concretizado na deformidade.
No entanto, o que é compensado para Gonçalves é a
tristeza, a raiva, a humilhação, ou seja, o dano moral
decorrente da deformidade física. Portanto, parao autor, não
se trata de um tipo de dano, apenas um aspecto de dano
moral. A Cavalieri Filho se posiciona no mesmo espírito. O
autor, ao aceitar o entendimento do STJ de evitar verbas
especiais desnecessárias como juiz, entende na base
doutrinária que o dano estético é uma modalidade de dano
moral. Para ele, a deformidade pode causar danos à vítima,
decorrentes da diminuição de sua capacidade laborativa, e
danos morais, caracterizados como frustração mental,
sofrimento psíquico.
O autor ainda lembra os do IX. Sessão dos Tribunais de
Justiça do Brasil aprovou por unanimidade a conclusão: "O
dano moral e o dano estético não se acumulam, pois ou o dano
estético é dano material ou está contido em dano moral". Por
outro lado, para Cucci e Rodrigues (2012), após o STJ ter
editado a referida súmula, nada mais resta a questionar sobre
a possibilidade ou não cumulação de danos materiais, morais
e estéticos, sem considerar este bis in idem.
Emílio considera o dano estético como um aspecto do

158
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

dano moral, relativo à violação permanente da beleza física de


uma determinada pessoa, com violação de um direito de
personalidade, ou seja, o direito à imagem.
No entanto, Tartuce (2022) defende que danos
estéticos podem ser reparados mesmo que sejam
temporários, o que deve afetar apenas o valor do Quantum, já
que a magnitude do dano é menor. Outro aspecto muito
discutido no ensino diz respeito à grande dificuldade que se
encontra na prática em relação à regularização de danos
estéticos.
Nunes ressalta a dificuldade de mensurar o dano
estético e a falta deregras que regulem o problema, cabendo
ao juiz a mensuração do quantum utilizando parâmetros vagos
oferecidos pela doutrina. Quanto à cirurgia plástica estética,
Silveira e Oliveira apontam que este tipo de intervenção pode
gerar diversas formas de danos, nomeadamente danos
materiais, morais e estéticos, concedendo-se assim a tríplice
cumulação (material, moral e estético) de “compensação” ao
mesmo fato.

159
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

REFERÊNCIAS

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163
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

5
DIREITO À EDUCAÇÃO DAS CRIANÇAS E DOS
ADOLESCENTES COM DEFICIÊNCIA

RIGHT TO EDUCATION OF CHILDREN AND


ADOLESCENTS WITH DISABILITIES

Iris da Silva Félix40


Williane Tibúrcio Facundes41

FÉLIX, Iris da Silva. Direito educacional de crianças e ado-


lescentes com deficiência. Trabalho de Conclusão de Curso
de graduação em Direito – Centro Universitário UNINORTE,
Rio Branco. 2023.

40
Discente do 9º período do curso de bacharelado em Direito pelo Centro
Universitário Uninorte.
41
Docente do Centro Universitário Uninorte. Graduada em Direito pela
U:VERSE. Especialista em Psicopedagogia pela Universidade Varzea-
grandense e Direito Digital pela Falculdade Metropolitana. Graduada em
Letras Vernáculas pela Universidade Federal do Acre- UFAC.

164
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

RESUMO

Introdução. Esta pesquisa aborda o direito educacional de cri-


anças e adolescentes com deficiência, fundamentando-se na
carta Magna (Constituição Federal de 1988), na Declaração
universal dos Direitos Humanos dentre outros instrumentos
normativos que sustentam a universalidade e a essencialidade
da educação. Objetivo. Conforme o atual cenário, conduziu-se
o estudo baseando-se em contextos históricos, no posiciona-
mento dos documentos normativos que garantem a educação
de crianças e adolescentes com deficiência e no contraste le-
gislativo com a realidade contemporânea. Método. Valendo-se
do contexto histórico educacional de crianças e adolescentes
com deficiência, através de um método qualitativo, bibliográ-
fico e exploratório, examinou-se as legislações, entendimen-
tos e documentos pertinentes que abarcam ou positivam tal
direito. Resultados. É inegável que inúmeros avanços ocorre-
ram com a pretensão de garantir uma educação universal, ou
seja, uma educação que alcança a todos indistintamente. Mas
apesar dos importantes instrumentos normativos garantidores,
se faz necessário superar muitos desafios, dentre os quais
destaca-se a desvalorização dos docentes, uma das proble-
máticas mais conhecidas. Conclusão. Logo o direito universal
a educação deve focar nas contribuições que cada indivíduo
pode oferecer, assim haverá um desenvolvimento do ensinar
e do aprender no qual crianças e adolescentes com deficiência
terão valorizadas suas contribuições conforme a singularidade
de cada sujeito dentro da diversidade humana.

Palavras-chave: carta magna de 1988; educação; crianças;


adolescentes; deficiência;

165
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

ABSTRACT

Introduction. This research addresses the educational right of


children and adolescents with disabilities, based on the Magna
Carta (Federal Constitution of 1988), the Universal Declaration
of Human Rights and other normative instruments that support
the universality and essentiality of education. Goal. According
to the current scenario, the study was conducted based on his-
torical contexts, on the positioning of normative documents that
guarantee the education of children and adolescents with dis-
abilities and on the legislative contrast with the contemporary
reality. Method. Using the historical educational context of chil-
dren and adolescents with disabilities, through a qualitative,
bibliographic and exploratory method, the legislation, under-
standings and pertinent documents that encompass or affirm
this right were examined. Findings. It is undeniable that numer-
ous advances have taken place with the intention of guaran-
teeing a universal education, that is, an education that reaches
everyone indistinctly. But despite the important normative in-
struments that guarantee it, it is necessary to overcome many
challenges, among which the devaluation of teachers stands
out, one of the most well-known problems. Conclusion. There-
fore, the universal right to education must focus on the contri-
butions that each individual can offer, so there will be a devel-
opment of teaching and learning in which children and adoles-
cents with disabilities will have their contributions valued ac-
cording to the uniqueness of each subject within human diver-
sity.

Keywords: 1988 Magna Carta; education; children; adoles-


cents; deficiency;

166
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

INTRODUÇÃO

O presente artigo discute a essencialidade de uma edu-


cação que funcione para todos, independente das limitações
ou capacidades de cada sujeito. Argumenta-se sobre a traje-
tória histórica de segregação educacional das crianças e ado-
lescentes com deficiência, além de apresentar o crescimento
de tal direito até chegar nos moldes atuais, fazendo-se um
contraste entre o direito garantido pela carta magna e a reali-
dade dos fatos.
Objetiva-se refletir sobre a aplicabilidade dos instru-
mentos normativos e a relevância de discussões acerca da efi-
cácia do direito educacional de crianças e adolescentes com
deficiência, entrada e continuidade no sistema educacional.
Porém no decorrer do artigo percebe-se que a simples forma-
lização assegurando o acesso a tal direito por mais importante
que seja, ainda não é suficiente. Não basta existir um instru-
mento normativo formalizando o acesso à educação, faz-se
necessário efetivar gratuitamente uma educação qualitativa,
visto que, significa um direito e um serviço público essencial.
Multidisciplinarmente vários textos legais nortearam o
presente estudo tais como, a Lei n° 8069/1990. Direitos Hu-
manos. Direito constitucional. Lei n° 13146/2015. Lei n°
9.394/96 dentre outros. Além disso, a pergunta que traz em-
basamento para a discussão é: O Poder Público garante de

167
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

forma ampla e eficaz o direito a educação de crianças e ado-


lescentes com deficiência? O procedimento adotado foi o qua-
litativo, bibliográfico e exploratório. O estudo e pesquisa reali-
zado baseou-se em fontes primarias e secundarias, as quais
foram exploradas através da biblioteca virtual (portal do aluno,
uninorte), trabalhos acadêmicos, textos publicados na internet,
livros, artigos científicos, leitura crítica da constituição federal
bem como dos demais dispositivos.
Sinteticamente, o presente artigo justifica-se pela es-
sencialidade do acesso educacional de crianças e adolescen-
tes com deficiência desde sua mais tenra idade. A partir desse
estudo serão fornecidos conhecimentos da realidade histórica,
social e contemporânea do direito em pauta, além de uma re-
flexão profunda sobre sua importância. É uma questão de dig-
nidade, respeito e humanidade o fornecimento gratuito e efe-
tivo de uma educação de qualidade que permite a exploração
de diferentes potencialidades independente das limitações de
cada sujeito.

5.1 DIREITO EDUCACIONAL DE CRIANÇAS E ADOLES-


CENTES COM DEFICIÊNCIA

Em tempos arcaicos crianças e adolescentes desde


sua mais tenra idade eram tratados com abandono, rejeição e

168
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

vistos como incapazes, além disso, em alguns contextos soci-


ais eram mortos, porque, para a sociedade tais pessoas se-
riam responsáveis pelo não crescimento do país. Assim indu-
bitavelmente havia exclusão por causa da deficiência, pois a
deficiência era relacionada a uma “ineficiência”, tendo em
mente que a nobreza considerava improdutivas as pessoas
acometidas por certas limitações.
Em decorrência de um contexto histórico no qual a ci-
ência, os instrumentos normativos e os artifícios de proteção
dos indivíduos não serem tão desenvolvidos, o prejulgamento
e a desinformação faziam com que o ‘’diferente’’, visto muitas
vezes como endemoniado, simplesmente aceitasse a condi-
ção imposta pela sociedade da época. Deste modo, as pes-
soas com deficiência seguiram um extenso caminho histórico
marcado pela segregação e o não reconhecimento de direitos.
Conforme ARANHA, existiam dois tipos de grupos soci-
ais, um se tratava do grupo da nobreza que exercia poder so-
bre a sociedade tanto de forma política quanto econômica. O
outro grupo tratava-se do populacho, estes eram afamados
como sub-humanos, os quais dependiam economicamente da
nobreza, além de serem tidos como propriedade dos nobres.
Nessa fase, o “valor” do homem era associado conforme as
regras da nobreza. Tal valor estava fundamentado nos atribu-
tos individuais ou na “serventia” que o homem era capaz de se

169
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

prestar, assim sendo, o “diferente”, era geralmente extermi-


nado através do abandono.
Na Era Cristã, na Roma Antiga, conforme Xavier, (2016,
p.88), aqueles com deficiências físicas e intelectuais eram re-
pudiados pela coletividade social. Comumente eram abando-
nados, maltratados e exterminados. Na Grécia Antiga, as cri-
anças que detinham alguma deficiência eram ocultadas e até
mesmo sacrificadas. Sendo assim, aqueles que possuíam al-
guma deficiência arcavam com o ônus de serem conhecidos
como imperfeitos e desnecessários, eram absolutamente ex-
cluídos da sociedade, privados de educação, dignidade, con-
vívio familiar e social.
Portanto de forma bem sucinta é possível descrever o
tratamento histórico do público adolescente, público infantil e
demais pessoas deficientes dessa maneira: na era medieval e
no antigo período romano as leis eram desvantajosas para as
crianças nascidas deficientes, sendo assim, a totalidade de
seus direitos foram ignorados, inclusive o da vida.
Quando a deficiência era percebida os pais permitiam
que seus próprios filhos fossem mortos ou abandonados. Ante
ao exposto, a sociedade de forma preconceituosa negligen-
ciou as pessoas com deficiência desde de sua pouca idade,
ainda na infância, impedindo-as de serem educadas, livres e
até mesmo de viverem.

170
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

5.1.1 A DEFICIÊNCIA E A CONTEMPORANEIDADE

Gramaticalmente a palavra deficiência significa carên-


cia física ou intelectual. Deficiência inerente a um objeto ou
redução que ele enfrenta em sua qualidade, quantidade ou va-
lor. Tal palavra é sinônimo de: falta, falha e imperfeição. (Dici-
onário On-line de Português Michaelis).
Segundo a lei 13.146 Art. 2º, entende-se por pessoas
deficientes aquelas que possuem impedimentos por muito
tempo de caracteres físicos, mentais, intelectuais ou sensori-
ais, os quais, em contato com um ou mais empecilhos, pode
impedir sua interação, participação ou comunicação completa
e permanente na sociedade em conformidade de condições
com os demais indivíduos.

São inegáveis os muitos avanços atingidos no que con-


cerne as garantias basilares de crianças e adolescentes com
deficiência, porém esse continua sendo um fato com a neces-
sidade de relevantes discussões, pois os desafios enfrentados
por quem apresenta alguma deficiência começam desde sua
mais tenra idade e podem se estender ao longo da vida.
Segundo Henrietta Fore, conforme um estudo que
aconteceu em Nova Iorque, observou-se que, crianças ‘’defi-
cientes’’ encaram inúmeros desafios que frequentemente se
mostram complexos para o exercício de seus direitos. No que

171
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

tange ao acesso educacional e ao ato de ler em casa, as cri-


anças deficientes possuem menor viabilidade de serem inclu-
sas ou escutadas na maioria das medidas. De forma cons-
tante, tais crianças vão sendo meramente desatendidas.
Com a ascensão tecnológica e o crescimento da visibi-
lidade dos direitos humanos, as sociedades em diferentes lu-
gares do mundo se depararam com direitos a serem garanti-
dos, como o da dignidade e o da igualdade dos deficientes.
São muitas as medidas que viabilizam condições para o bem
estar de tais pessoas, como, o atendimento preferencial e
acesso aos direitos fundamentais, como, saúde, moradia, edu-
cação e acessibilidade.
Síntese da declaração da Assembleia Geral da ONU de
1975, as pessoas com deficiência gozam do direito de possu-
írem recursos que lhes permitam tornar-se o mais independen-
tes possível. Têm direito a cuidados médicos, psicológicos e
funcionais, abrangendo ai próteses e dispositivos ortopédicos,
ao reestabelecimento médico e social, educação, formação
e reabilitação profissional, auxilio assistencial, aconselha-
mento, atividades de colocação e outros serviços que permi-
tam o maior desenvolvimento de suas capacidades funcionais
e competências que estimulam sua integração social.

172
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

Têm direito de estarem seguros economicamente, soci-


almente, a um padrão de vida honesto, conforme suas capa-
cidades, a alcançar e permanecer em um emprego ou a de-
senvolver ações úteis, benéficas, recompensadas e a fazer
parte de sindicatos. Têm direito de que suas carências espe-
ciais sejam tidas em conta em todas as fases de planejamento
social e econômico.
Portanto a segurança do direito a educação de crianças
e jovens com deficiência se mostra cada vez mais debatido,
diante dos desafios, esse processo educacional torna-se
lento. Colocar crianças e adolescentes para fazer parte do
convívio escolar é oportunizar e asseverar o direito e o desen-
volvimento de seu potencial afetivo e social. Desse modo, elas
poderão conviver e compreender suas limitações.

5.2 O FUNDAMENTO DO DIREITO A EDUCAÇÃO

“Depois do alimento, a educação é imediatamente a


maior necessidade das pessoas” – afirmou Danton no curso
da Revolução Francesa, isto é, o direito educacional é algo
vital para a vida humana e essa é a principal argumentação
trazida pelo texto redigido por Danton.
O direito educacional deve ser priorizado, porém não se
trata do direito a qualquer educação: é sobre o acesso a uma

173
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

educação com qualidades de “direitos humanos”. O neolibera-


lismo, fomentado pela globalização mundial, é um pensa-
mento económico no qual a logicidade mercantilista é diver-
gente da ética dos direitos humanos.
O caminho da globalização neoliberal reside no pro-
cesso do direito ao desenvolvimento como um meta-direito,
em outras palavras, direito a uma alternativa de crescimento
que respeite e beneficie a ação de todos os direitos. Respeito,
proteção e realização de todos os direitos humanos, e especi-
almente o direito à educação, são as obrigações essenciais do
Estado de direito. O direito à educação é uma nova regra para
se refletir sobre a própria educação, reconstruir a identidade
dos profissionais e transformar as escolas.
Sendo assim, o direito a educação deve abranger a to-
dos, inclusive deve valer-se da equidade para alcançar pes-
soas diversas desde sua mais tenra idade, como por exemplo,
crianças e adolescentes com deficiência, para que desfrutem
de seus direitos com dignidade e oportunidade de serem in-
cluídos em diferentes contextos sociais.
Há vários documentos normativos que expressam que
a educação é um direito essencial e que deve abranger uni-
versalmente os indivíduos independente de suas limitações,
impedimentos ou condições sociais.

174
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

A exemplo disso, temos a Constituição Federal que em


seus artigos 205 e 206 elenca que a educação é um direito
universal e uma obrigação do Estado e da família, que será
ofertada e motivada mediante a cooperação social, com o ob-
jetivo de desenvolver integralmente a pessoa, preparando-a
para atuação de sua cidadania e aquisição de qualificações
para o trabalho.
A educação será promovida com fundamento nas se-
guintes bases: Igualdade das condições para acessar e per-
manecer nas instituições de ensino; Liberdade de aprendiza-
gem, ensino, investigação e difusão de ideias, arte e conheci-
mento; segurança do direito à educação e à aprendizagem no
decorrer da vida. Dentre outros pilares.
É possível reputar a educação como um alicerce intrín-
seco ao completo desenvolvimento da pessoa, além de ser
aspecto necessário para se viver a cidadania, evidencia-se in-
contestável a necessidade de garantir educação e tratamento
igualitário para todos sem distinção.
Para que a garantia da educação pudesse chegar aos
moldes atuais, ou seja, para que as crianças e adolescentes
com deficiência possam gozar gratuitamente da educação bá-
sica, ocorreram na história transformações normativas e a ex-
pansão da inclusão.

175
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

5.2.1 TRAJETÓRIA DAS LEGISLAÇÕES E O DIREITO A


EDUCAÇÃO DAS CRIANÇAS E ADOLESCENTES COM
DEFICIÊNCIA

Desde a antiguidade a escola ficou marcada com a vi-


são de uma educação limitada a privilegiar determinado grupo,
uma exclusão validada por política e prática educacional que
imitam o contexto social. Com a democratização da escola,
revelou-se o antagonismo de inclusão/exclusão, apesar de
uma educação universal, persistiu-se a exclusão das pessoas
e grupos caracterizados como fora dos padrões uniformizado-
res da escola.
Felizmente vários instrumentos normativos foram sur-
gindo com metas para que os deficientes físicos ou mentais
tivessem as barreiras de acessar a educação diminuídas subs-
tancialmente, por consequência foi trazida a oportunidade de
um viver mais digno.
Tanto documentos nacionais quanto internacionais tive-
ram importantes papeis no desenvolvimento e integração edu-
cacional de crianças e adolescentes com deficiência. A seguir
uma breve trajetória de importantes instrumentos que ajuda-
ram a viabilizar o acesso à educação das pessoas com defici-
ência desde sua mais tenra idade.

176
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

Em relação aos direitos do ser humano, esse talvez seja


o documento mais importante da história, a Declaração Uni-
versal dos Direitos Humanos, aceita no ano de 1948 pela Or-
ganização das Nações Unidas (ONU).
Tal instrumento normativo foi indispensável para garan-
tir os direitos fundamentais, é um documento que combate dis-
criminações por causa da raça, idioma, cor, gênero, naciona-
lidade, além do mais, o artigo 26 da declaração universal dos
direitos humanos prevê que todo ser humano possui o direito
de ter educação e uma educação gratuita.
Existe a segurança de educação para todos, sem dis-
tinção, independente de origens, limitações ou condições so-
ciais.
Posterior a Declaração Universal dos Direitos Humanos
(1948), aconteceu um progresso no desenvolvimento de es-
tratégias direcionadas à educação para deficientes. Dentre os
vários instrumentos internacionais que o Brasil é assinante,
destaca-se a Declaração de Salamanca do ano de 1994, e a
Declaração de Montreal de 2001.
Com fulcro na Declaração Universal dos Direitos Huma-
nos Ana Maria Machado dialoga que não podemos almejar a
igualdade sem respeitar e tolerar as diferenças, para nos tor-
narmos opressores. Todos devem ter igualdade de direitos,
perante a lei todos devem exercer uma posição de igualdade.

177
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

Porém isso nunca deve representar que eles tenham que ser
iguais. Porque, puramente, não são e jamais serão. A igual-
dade deve ser alcançada no campo da vida social, no âmbito
do direito, na lei garantindo a justiça em todos os pontos. Pois
a igualdade é uma questão de justiça e uma invenção do ser
humano no processo civilizatório.
Isto posto, a Declaração Universal dos direitos humanos
marcou o surgimento e reconhecimento de muitos direitos, en-
tre eles o direito de todos a educação independente de suas
limitações ou diferenças. É certo que tal instrumento normativo
não é posto em pratica na sua integridade, mas também é certo
que ele exerce grande influência para a reivindicação e consa-
gração de direitos.
Como exemplo da força da Declaração Universal dos Di-
reitos Humanos, tem-se os direitos das pessoas com deficiência
como prioridade na agenda das Nações Unidas, com isso acon-
teceu a importante aprovação do artigo da Convenção Interna-
cional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiências, visto
como um dos documentos mais relevantes escritos a partir da
Declaração Universal dos Direitos Humanos.
A declaração de Salamanca é outro importante instru-
mento que em 1994 estimulou os governos a conferir maior pri-
oridade ao desenvolvimento dos seus sistemas educativos, por

178
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

meio das políticas e orçamentos, de forma a abranger as crian-


ças em sua totalidade, independente das limitações, diferenças
e dificuldades de cada uma.
O documento em questão traz em seu bojo importantes
declarações que expressam a relevância dos indivíduos se-
rem tratados conforme suas especificidades. Segundo a De-
claração de Salamanca cada criança possui o direito basilar à
educação, e precisa ter a oportunidade de alcançar e perma-
necer com o nível adequado de aprendizagem. Cada criança
goza de atributos, interesses, capacidades e necessidades de
aprendizagem únicas.
Os sistemas e os planejamentos educativos devem ser
concebidos e implementados tendo em consideração a grande
diversidade de tais atributos e necessidades, aqueles que pos-
suem necessidades educativas devem ter acesso às escolas
regularmente, as quais devem enquadra-los numa Pedagogia
concentrada na criança, com potencial para satisfazer essas
necessidades.
É inegável o esforço da Declaração de Salamanca para
manifestar que os deficientes com carências educacionais es-
pecificas precisam acessar à escola regular, devendo ser aco-
modados no âmago de uma Pedagogia voltada para a criança
e competente para acolher seus anseios educacionais.

179
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

A Declaração de Salamanca (1994) de forma expressa


redige que os governos estão sendo reunidos e lhes é pedido
que deem preferência política e financeira à melhoria de seus
sistemas educativos, tornando-se aptos para incluírem todas
as crianças, independentemente das diferenças ou dos desa-
fios pessoais. Que Apliquem a base da educação inclusiva na
lei ou na política, promovendo a inscrição de todas as crianças
nas escolas regulares, exceto se existirem fortes justificativas
para se fazer o contrário.
Incentivem e ajudem a participação dos pais, das co-
munidades e das organizações de pessoas deficientes no pla-
nejamento e nos processos de tomadas de decisões relacio-
nadas com a prestação de serviços de necessidades educati-
vas especiais. Assegurem que, no contexto da mudança sis-
têmica, os programas de formação de professores, tanto em
serviço quanto no decorrer da formação, incluam a oferta de
educação especializada nas escolas inclusivas.
De forma sucinta essas são algumas argumentações
trazidas pela Declaração de Salamanca que abarca tanto re-
gras, políticas e ações nas áreas que requerem educação es-
pecial, quanto uma meditação atual a respeito da educação de
pessoas deficientes, diretrizes para atividades de níveis naci-
onais, orientações para praticas locais e universais, princípios

180
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

inerentes às escolas, contratação e investimento na prepara-


ção dos educadores, além de vários outros assuntos que vi-
sam abranger necessidades diversas englobando o indivíduo
em sua complexidade.
Durante o ano de 1961, no Brasil aconteceram modifi-
cações na Lei n°4.024 (Lei de Diretrizes e Bases da Educação
nacional) que amparava o atendimento educacional para os
deficientes, cujo texto os chamava de ‘’excepcionais’’ (termo
que hoje não se utiliza, pois não está de acordo com os direitos
das pessoas com deficiência). O texto na referida lei era redi-
gido da seguinte forma: ‘’A educação dos excepcionais
quando for possível deve amoldar-se ao sistema geral de edu-
cação, com a finalidade de integra-los na comunidade.
No ano de 1971 a Lei foi novamente modificada com a
publicação da Lei n°5.692, outra LDB (Lei de Diretrizes e Ba-
ses Educacionais do Brasil), feita em meio a ditadura militar,
sucedendo a anterior. A redação da lei elencava que: ‘’os alu-
nos deficientes físicos ou mentais, os que se tivessem grau de
atraso considerável no que diz respeito a idade regular de ma-
tricula e os superdotados deveriam obter tratamento especial’’.
Entretanto a lei não proporcionava a participação inclusiva no
ensino regular, deliberando a escola especial como o destino
para adolescente e crianças deficientes.

181
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

A Carta magna de 1988 no artigo 208 disserta que a


Educação Básica possui caráter obrigacional e gratuito em re-
lação a crianças e jovens entre 4 (quatro) e 17 (dezessete)
anos de idade. Ademais, o artigo 205 expressa o seguinte a
educação é direito de todos e dever do Estado e da família,
será promovida e incentivada com a colaboração da socie-
dade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu pre-
paro para o exercício da cidadania e sua qualificação para o
trabalho com igualdade e oportunidade de acesso e perma-
nência na escola.
A lei n° 7.853 de 1989 dispunha sobre o ato de integrar
socialmente as pessoas com deficiência. Obrigando a inser-
ção de instituições educacionais especiais, particulares e pú-
blicas e o oferecimento obrigatório e gratuito da Educação in-
clusiva. Além disso, expressa que o poder público é o respon-
sável pela ‘’matricula em cursos regulares em estabelecimen-
tos educacionais de pessoas deficientes com capacidade de
se inserir na sistemática do ensino regular. Porém a lei excluía
uma porção de crianças, pois sugeria que uma parcela delas
não era capaz de estabelecer relacionamentos e trocas de ex-
periencias e aprendizagens.

182
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

O Estatuto da Criança e do Adolescente Lei n°


8.069/1990 é um importante marco sobre a proteção e valida-
ção dos direitos básicos das crianças e adolescentes em sua
integralidade.
Segundo a Lei n° 8.069/1990 no artigo 53, toda criança
e todo adolescente possui o direito à educação, objetivando o
seu desenvolvimento integral, através da qual são preparados
para exercerem a cidadania e para receberem qualificações
para o trabalho, garantindo-se lhes iguais condições para
adentrarem e permanecerem na escola.
O direito de serem respeitados por quem os educa, o
direito de discutir parâmetros avaliativos, dos quais pode-se
recorrer às alçadas escolares superiores, direito de se organi-
zar e participar de grupos estudantis, acessar a escola pública
gratuitamente nas proximidades de onde residem, assegu-
rando-se oportunidades na mesma instituição para irmãos que
frequentam o mesmo estágio ou etapa do ensino básico da
educação.
Os pais ou responsáveis possuem o direito de terem
conhecimento dos processos pedagógicos, tal como, partici-
parem do conteúdo das sugestões educacionais.
Consoante ao artigo 54 do estatuto da criança e do ado-
lescente (ECA), do Estado é o dever de garantir para as crian-
ças e para os adolescentes o atendimento de uma educação

183
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

qualificada aos deficientes, de preferência no ensino regular.


É certo que formalmente o direito educacional de crianças e
adolescentes com deficiência é garantido, pois diferentes dis-
positivos expressam essa vertente.
Portanto esse documento normativo reconhece as cri-
anças e os adolescentes como pessoas de direitos que gozam
de proteção legislativa. Sua relevância se manifesta no fato de
validar a proteção dos sujeitos que são parte dos processos
de forte desenvolvimento de suas complexidades psicológi-
cas, físicas, morais e sociais.
A Carta Magna (Constituição Federal) expressa em
seu bojo a garantia da educação para os mais diversos grupos
e o ECA surge reafirmando que crianças e adolescente devem
ter a garantia de uma educação qualitativa e com gratuidade,
sendo do Estado e da família a obrigação de assegurar tal di-
reito de forma que crianças e adolescente sejam alcançados
nas diferentes etapas do seu desenvolvimento, incluindo
aqueles que possuem alguma deficiência, os quais precisam
ser alcançados independente de suas necessidades.
O Estatuto da Pessoa com Deficiência, Lei n°
13.146/2015 (Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Defici-
ência), está entre as grandes e importantes conquistas educa-
cionais. Em seu artigo 27 manifesta que a educação é um di-
reito das pessoas com deficiência, que garante um sistema

184
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

educativo integrado de aprendizagem no decorrer de toda a


vida, de maneira que alcance o máximo desenvolvimento dos
talentos e capacidades físicas, intelectuais e sociais, de
acordo com suas qualidades, necessidades e interesses de
aprender.
Diante dessa sucinta trajetória histórica dos instrumen-
tos normativos que versam sobre a educação de pessoas de-
ficientes, especialmente, das crianças e adolescentes, é ine-
gável que importantes conquistas foram alcançadas. Formal-
mente leis, decretos e a Constituição Federal brasileira asse-
guram que as crianças e adolescentes podem gozar de uma
educação gratuita e obrigatória no sistema regular de educa-
ção.

5.3 A REALIDADE DOS FATOS E O DIREITO INDISPONÍ-


VEL À EDUCAÇÃO

Norberto Bobbio (1992), em A Era dos Direitos 36, lem-


bra que a Revolução Francesa, a qual teve como lemas a
igualdade, o ser livre e a fraternidade, foi exaltada e execrada,
julgada ora como obra divina, ora como obra diabólica. A edu-
cação inclusiva pode ser caracterizada como uma revolução
que assim como a francesa recebe exaltação e simultanea-
mente o desrespeito, preconceito e intolerância.

185
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

A educação para crianças e adolescentes com defici-


ência implica uma grande transformação das estruturas edu-
cacionais, além de mudanças de imensa relevância para todos
os envolvidos, porque ao passo que abrange ou deveria
abranger a todos sem distinção, oportuniza o desenvolvimento
de relações sociais e psicológicas do indivíduo.
Ainda que existam substanciais crescimentos no que
tange a educação para crianças e adolescentes com deficiên-
cia, não é suficiente instalar essas pessoas nas escolas e con-
sidera-las inclusas ou dirigi-las para instituições educacionais
especificas.
No que tange a rede regular de ensino, é possível iden-
tificar uma carência em sua eficácia, pois para que o aluno
obtenha real alcance do conteúdo ministrado são necessárias
várias adaptações de logística, no conhecimento do funcioná-
rio e na maneira de tratar cada um conforme sua individuali-
dade. Não basta apenas disponibilizar uma carteira em uma
sala, um profissional e um quadro, é necessário existir um ras-
treio preciso dos conhecimentos adquiridos.
Um dos exemplos sobre os desafios de efetivar os di-
reitos educacionais para o deficiente ocorreu na região acre-
ana, na localidade o CRM questionou o texto de lei que impede
estudantes com TEA de terem acesso a mediadores.

186
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

O Conselho Regional de Medicina do Acre (CRM-AC) in-


gressou uma ação na Justiça Federal em desfavor de um artigo da
Lei nº 2.976, mudada no começo do ano de 2023, que expressa os
direitos das pessoas que possuem Transtorno do Espectro Autista
(TEA), o questionamento dizia o seguinte: a respectiva seção
estipula que a oferta de professor mediador para estudantes com
TEA na rede pública do estado será baseada em evidencias, atra-
vés de confirmações por meio de laudos e que tal documento será
avaliado por um grupo pedagógico multidisciplinar, que fará a solici-
tação de profissionais para acompanharem os alunos.
Segundo o conselho, essas decisões criam barreiras para
acessar a educação, e vinculam a importância dos laudos médicos.
O CRM solicita a revogação desse artigo e destaca que o texto
dessa lei possui elementos jurídicos que contrariam a lei federal,
pois impede o acesso precoce de mediadores profissionais ou
acompanhantes especializados no ambiente escolar.
O artigo 59 da lei 9.394 elenca que o sistema educativo
para os discentes com deficiência, transtornos generalizados
de desenvolvimento e com elevadas capacidades (superdota-
ção) desfrutarão de professores especializados adequada-
mente nos níveis médio e superior, além de profissionais do
ensino regular habilitados para promover a inclusão de tais
alunos nas classes regulares.

187
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

Conforme o exposto acima não basta ter instrumentos


normativos que assegurem direitos é necessário dar o amparo
que a educação inclusiva precisa, como por exemplo, o provi-
mento adequado de professores mediadores, pois é prejudi-
cial inserir um indivíduo no ambiente educacional sem ofere-
cer-lhe o suporte que necessita, em decorrência disso podem
surgir obstáculos durante o processo de desenvolvimento e
socialização, além disso, o prejulgamento e a discriminação
podem tomar proporções maiores.
Há muitas irregularidades na estrutura física das insti-
tuições educacionais, construções mal planejadas e inacaba-
das que dificultam e até mesmo impedem a escola de ser um
ambiente fisicamente bem preparado para receber as crianças
e os adolescentes com deficiência.
A exemplo disso, temos o Ministério Público do Ceará
(MPCE) que investiga a obra de um elevador em uma institui-
ção escolar pública, conforme a 16ª Promotoria de Justiça de
Defesa da Educação, o elevador, que custou cinquenta mil re-
ais não leva a lugar nenhum.
Além disso, conta-se com inúmeros profissionais sem
aptidão para trabalhar com tais circunstâncias, pois há escas-
sez de qualificação inicial e continuada em relação as particu-
laridades das crianças e adolescentes com deficiência e
acerca do que é incluir e como se trabalhar.

188
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

A não observância da lei no que se refere a garantia de


cuidadores e mediadores para os alunos com necessidades
especiais, que necessitam desse acompanhamento durante o
ano letivo, comina para que as crianças e adolescentes sejam
apenas aceitos na rede de ensino educacional e não de fato
incluídos.
A educação é um direto indisponível que assegura
maior dignidade para os indivíduos que devem ser incluídos e
respeitados independente de suas limitações, por esse mo-
tivo, ela deve ser oferecida com base nas leis que regularizam
as especificidades daqueles que a recebem.
Para Mantoan os desafios de incluir suscita preocupa-
ções, portanto, acontece uma melhoria educacional, assim
sendo, para que os educandos realizem plenamente o seu di-
reito a educação, é essencial que as instituições melhorem as
suas ações, com o objetivo de acomodar as diferenças.
A inclusão é a razão para que as escolas se moderni-
zem e para que os profissionais aprimorem as suas ações e,
portanto, incluir nas escolas pessoas deficientes resultará em
um efeito natural por todos os esforços para se atualizar e se
reestruturar as atuais condições da educação básica.
Por conseguinte, o Ministério da Educação para promo-
ver uma melhoria na realidade educacional da escola inclusiva

189
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

e promover uma sociedade mais democrática, digna e iguali-


tária deve investir na preparação inicial e continuada dos pro-
fissionais de educação, formando-os para exercer suas ativi-
dades com eficácia, de modo a permitir a profunda interação
das crianças e adolescentes com deficiência no ambiente es-
colar.
O direito educacional é indisponível, manifestando a
necessidade, das instituições escolares habilitarem-se para
acolher todas as crianças e adolescentes amparando-os nas
suas necessidades e diferenças.
A carta magna brasileira, ao assegurar a educação
como direito humano, fundamental e indisponível, ampara-se
nos fundamentos da igualdade, da necessidade do ensino fun-
damental, da não-discriminação, do direito de acessar os pa-
tamares do ensino superior, da invenção artística e da pes-
quisa.
A rede regular de ensino não pode mais estabelecer-se
com a segregação de crianças e adolescentes que não se en-
quadram aos seus modelos, não podem mais avaliar crianças
e adolescentes impondo que eles apresentem mérito para in-
gressar e permanecer no ensino fundamental, ato ilógico con-
siderando que essa fase escolar é um direito indisponível.
Medir o aparente sucesso de escolas fundamentando-

190
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

se na subordinação dos educandos diante de tais regras dis-


tancia-os da desejada prática da liberdade.

5.3.1 A GARANTIA LEGISLATIVA E A PREPARAÇÃO DOS


PROFISSIONAIS DE EDUCAÇÃO

É importante frisar novamente que a lei expressa que


os sistemas de ensino assegurarão aos educandos com defi-
ciência profissionais especializados adequadamente em nível
médio ou superior, além de professores do ensino regular pre-
parados para a integração dos educandos nas classes co-
muns (Lei 9394, artigo 59).
Porém conforme uma pesquisa realizada por Castro
(2002) com profissionais da educação municipal de Santa Ma-
ria/RS, que investigou os sentimentos, as opiniões e a visão
dos educadores do sistema educacional ao se depararem com
a inclusão dos estudantes deficientes em sala. Castro expos
que os educadores, possuem um sentimento de despreparo,
mas apesar disso, acreditam nos méritos da educação inclu-
siva.
Os docentes verbalizaram que os educandos deficien-
tes incluídos necessitam de uma atenção que os professores
não tem condições para dar. Não possuem preparo para aten-
der aos anseios de tais alunos, porque não são educadores

191
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

especializados, mesmo existindo a boa vontade. Não pos-


suem uma preparação eficaz para promover ações com mui-
tos resultados satisfatórios.
Existe muita falta de preparo no ensino regular e nos
cursos preparatórios do magistério. O que é muito ruim para a
inclusão, tendo em vista que, os professores necessitam de
conhecimentos para desenvolverem atividades com esses
alunos. A educação é um direito que deve ser assegurado a
todos, é possível a integração se o ensino estiver apto para
receber e possuir conhecimentos especializados para traba-
lhar com as diferenças.
Consequentemente é comum encontrar professores
atarefados e ansiosos, com uma turma numerosa incluindo
alunos com deficiência, além disso, precisam alcançar a todos
o que exige adaptação de atividade.
Em muitos casos grande parcela da turma é deixada de
lado em virtude de o professor ter que se dedicar as particula-
ridades dos educandos deficientes, o que em muitos casos
demanda mais tempo e empenho.
Por essa e por outras razões, a lei deveria ser efetivada
no que diz respeito a capacitação dos profissionais, pois a pre-
sença de mediadores, assistentes e/ou cuidadores para apoiar
e desenvolver ações em sala de aula e na instituição como um

192
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

todo junto ao professor regente e a equipe gestora se faz ne-


cessária para a garantia efetiva da educação para todos.
Segundo a Resolução do CNE/CEE nº 02/2001, os edu-
candos com deficiência precisam ter ofertados auxílios e ser-
viços qualificados para o atendimento de seus anseios educa-
cionais especiais.
Vários são os tipos de deficiências e necessidades,
existem estudantes surdos, possuem diferentes necessidades
linguísticas o que os leva a necessitarem do conhecimento da
língua de sinais, por consequência, exigir-se-á intérpretes ca-
pacitados. Há os deficientes visuais, que precisam de habili-
dades especializadas, técnicas, tecnológicas e materiais.
Há também alunos com deficiências físicas e neuro mo-
toras, que necessitam da remoção dos obstáculos arquitetôni-
cos, bem como de recursos e equipamentos adequados às
suas necessidades de mobilidade e comunicação. Existem
aqueles com deficiência intelectual, que exigem adaptações
curriculares que respeitem seu estilo e ritmo de aprendizagem.
Alunos com comportamentos típicos de síndromes e
condições neurológicas, psiquiátricas e psicológicas que ne-
cessitam de apoio forte e contínuo, além de cuidados terapêu-
ticos que complementam suas fases educacionais. Além
disso, há também aqueles altamente capazes/superdotados,
os quais são movidos por motivação e talento específicos que

193
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

precisam de aprofundamento curricular que consequente-


mente enriquecerá as práticas educacionais.
Diante da pluralidade de deficiências consequente-
mente são necessárias uma pluralidade de materiais e profis-
sionais capacitados para atender as especificidades dos dis-
centes. Professores com formação e preparo no campo de li-
bras, materiais tecnológicos, remoção de barreiras arquitetô-
nicas, recursos adaptados para comunicação, atendimentos
terapêuticos dentre outros aparelhamentos tanto humanos
quanto materiais são necessários, pois não basta colocar cri-
anças e adolescentes na escola é necessário inclui-los.

5.3.2 A LEI NÃO É O BASTANTE

Inúmeros são os instrumentos normativos que expres-


sam os direitos educacionais das crianças, adolescentes e de-
mais pessoas com deficiência, tais como, a Constituição Fe-
deral de 1988, o ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente),
o Estatuto da Pessoa com Deficiência, a Declaração Universal
dos Direitos Humanos, a Declaração de Salamanca e vários
outros. Porém de nada vale uma infinidade de documentos le-
gais disciplinando sobre determinada matéria se o poder pú-

194
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

blico não trabalhar para que os direitos garantidos formal-


mente sejam materializados com eficácia no cotidiano da rede
regular de ensino.
Professores precisam receber formação continuada e
preparo especializado para atender as demandas de uma edu-
cação inclusiva e seus conhecimentos precisam ser atualiza-
dos diariamente. São necessárias modificações nas políticas
da educação e implementação de projetos inclusivos. O poder
público precisa inserir profissionais especializados, como me-
diadores, professores de libras, garantido uma configuração
de conhecimentos que respeitem as necessidades educacio-
nais especiais de cada pessoas.
Conforme Mittler, incluir significa que os profissionais
da educação possuem o direito de aguardar e de receber o
devido preparo em sua formação educativa inicial, além do de-
senvolvimento profissional continuado ao longo da sua vida
enquanto profissionais.
As estruturas da escola precisam viabilizar o acesso de
crianças e adolescentes com diferentes necessidades educa-
cionais, é necessário que em suas estruturas sejam incluídas
rampas ou elevadores de acesso, guias de piso, suportes de
apoio, corrimãos especiais e carteiras escolares, além de ou-
tras maneiras de acesso.

195
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

O seio familiar dos educandos com deficiência deve


sempre exercer participação durante o processo de aprendi-
zagem de suas crianças, visto que, é imprescindível o tripé
escola, família e comunidade, por meio dessa participação os
educadores contam com a possibilidade de conhecer de forma
mais intima seus educandos e suas particularidades, existindo
assim, um compartilhamento de informações que promoverá
o melhor ensino e aprendizagem. Silva (2010) afirma que “uma
boa convivência entre a família e os professores aumentam as
possibilidades de práticas envolvendo afeto”.
Não basta existirem instrumentos normativos que ex-
pressam os direitos educacionais das crianças e adolescentes
com deficiência é essencial que exista uma visão abrangente
das condições do ensino no país. Ainda que se fale em edu-
cação para todos, é necessário identificar como a educação
acontece e qual preparo existe para que se inclua a educação
para todos sem brechas no atendimento à diversidade.
O ensino em nenhum momento foi tão importante no
Brasil, e era esperado com apresso que isso fosse modificado.
Porém a Constituição proclamada em 1988, confirmou que a
educação é tratada como uma questão de menor importância,
tanto é que não mudou a situação significativamente.

196
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

Isto posto, há a necessidade de repensar e discutir a


eficácia do modelo educacional inclusivo oferecido atual-
mente, analisando os pressupostos que objetivam promover o
desenvolvimento pleno das crianças e adolescentes. É crucial
que se reflita sobre a pratica dos direitos à inclusão na rotina
diária das instituições pedagógicas.
A educação inclusiva representa uma desafiadora te-
mática desde assuntos ligados a emergência de reflexões so-
bre sua pratica até a necessidade de reestruturação escolar
diante da permanência das práticas de ensino atuais, além
disso, há o desafio de se fazer cumprir as legislações que as-
seguram esse direito de forma eficaz.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Levando em consideração o estudo realizado, pode-se


concluir que os fatos explorados evidenciam que desde a an-
tiguidade até o presente século a educação de crianças e ado-
lescentes com deficiência passou por diferentes desafios.
Permitiu-se através do tema, refletir sobre as barreiras
educacionais que inviabilizam ou dificultam o oferecimento
qualitativo da educação inclusiva, a falta de condições nas es-
truturas educacionais e professores desvalorizados são al-
guns exemplos dessas barreiras.

197
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

Na pratica a educação não é assistida como uma es-


sencialidade no Brasil, mesmo existindo vários instrumentos
normativos que em tese pretendem garantir esse direito, a re-
alidade é bem diversa, facilmente encontra-se educadores
desgastados, desmotivados e sem o suporte necessário para
atender suas crianças e seus alunos com deficiência. Além
disso, faltam recurso didáticos, como jogos, brinquedos e ma-
teriais para atividades adaptadas.
A Declaração Universal dos Direitos Humanos, a Decla-
ração de Salamanca, a Constituição Federal de 1988, o Esta-
tuto da Criança e do Adolescente, o Estatuto da Pessoa com
Deficiência (Lei 13.146) dentre outros, são importantes docu-
mentos que trouxeram em seu bojo a garantia dos direitos fun-
damentais incluindo o direito educacional de crianças e ado-
lescentes com deficiência.
Decerto a educação precisa fazer parte do desenvolvi-
mento do indivíduo com eficácia e universalidade. São de ex-
trema importância atos de pensar sobre a temática, pois a ga-
rantia verdadeira de um direito vai além de um instrumento
normativo dizendo que ele é fundamental.
A educação inclusiva respeita as diferenças de concep-
ções alternativas da dignidade humana. Ou seja, a escola pre-
cisa ser inclusiva assegurando o adentrar e o permanecer de

198
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

uma pluralidade de indivíduos, pois se a instituição educacio-


nal não incluir não pode ser classificada como escola. Sendo
assim, faz-se necessária a capacitação de profissionais, poli-
ticas publicas efetivas, adequação da estrutura das institui-
ções dentre outras medidas.
Isto posto, o direito a educação de crianças e adoles-
centes com deficiência está relacionado diretamente com a re-
alidade de que as escolas precisam acolher a todos e oferecer
um serviço com qualidade, compromisso e responsabilidade,
assim estará sendo ‘’inclusiva’’, do contrário não fornecerá
‘’educação’’, de acordo com o que está elencado na constitui-
ção federal de 1988.

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201
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

6
IMPUNIDADE NO BRASIL FRENTE
AOS CRIMES DE COLARINHO BRANCO

IMPUNITY IN BRAZIL FROM


WHITE-COLLAR CRIMES

Vitória da Silva Dias42


Williane Tibúrcio Facundes43

DIAS, Vitória da Silva. Impunidade no Brasil Frente aos Crimes


de Colarinho Branco. Trabalho e Conclusão de Curso de Graduação
em Direito – Centro Universitário UNINORTE, Rio Branco. 2023

42
Discente do 9º período do curso de bacharelado em Direito pelo Centro Univer-
sitário Uninorte.
43
Docente do Centro Universitário Uninorte. Graduada em Direito pela U:VERSE.
Especialista em Psicopedagogia pela Universidade Varzeagrandense e Direito Di-
gital pela Faculdade Metropolitana. Graduada em Letras Vernáculas pela Univer-
sidade Federal do Acre- UFAC.

202
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

RESUMO

INTRODUÇÃO: O presente estudo trata sobre a aplicabilidade do


direito de punir do Estado frente aos Crimes de Colarinho Branco,
trazendo a percepção do que vem a ser crime de colarinho branco,
conceito este apresentado pelo sociólogo Edwin Sutherland no início
do século XX e que se perpetua no decorrer dos anos até os dias atu-
ais. OBJETIVO: Nessa perspectiva, o estudo ora apresentado visa re-
conhecer os fatores que levam à impunidade dos atos ilícitos cometi-
dos, analisando os aspectos históricos, sociais e criminais que levam
à flexibilização e aplicação das normas legais com menos rigor para
quem comete crime de colarinho branco. MÉTODO: Através da con-
sulta de diversas obras relacionadas à temática, foi possível construir
uma reflexão sobre o tratamento no ordenamento jurídico da não per-
secução penal dos Crimes de Colarinho Branco. RESULTADOS:
Compreender o que vem a ser crime de colarinho branco traz as per-
cepções da impunidade desse tipo penal, e a identificar que a influên-
cia do delinquente tem forte influência sobre a impunidade. Este tipo
de crime tem duas características próprias e simultâneas: o status res-
peitável do autor e a interação da atividade criminosa com sua pro-
fissão, propiciando um ambiente favorável ao cometimento de crimes
com a consequente impunidade. CONCLUSÃO: Desta forma, per-
cebe-se que não é de hoje que se enfrentam as dificuldades em reali-
zar condenações por crimes de colarinho branco, haja vista que além
das relações com a alta corte, ainda são beneficiados com uma legis-
lação mais branda, que tende a proteger crimes relacionados à ordem
econômica pública. E em razão disso, percebe-se prejuízos incalcu-
láveis a uma nação, sobretudo a mais pobre, atingindo bens jurídicos
essenciais, como a vida, a saúde e a educação.
Palavras-chave: impunidade; crime de colarinho branco; seletivi-
dade.

203
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

ABSTRACT

INTRODUCTION: This study discusses the applicability of the


State's right to punish in the face of White-Collar Crime, bringing the
perception of what comes to be white-collar crime, a concept pre-
sented by sociologist Edwin Sutherland in the early 20th century and
that has persisted over the years to the present day. OBJECTIVE: In
this perspective, the study presented here aims to recognize the fac-
tors that lead to impunity for the illicit acts committed, analyzing the
historical, social, and criminal aspects that lead to the flexibilization
and application of legal norms with less rigor for those who commit
white-collar crime. METHOD: By consulting several works related
to the topic, it was possible to construct a reflection Through the con-
sultation of various works related to the theme, it was possible to
build a reflection on the treatment in the legal system of the non-
criminal prosecution of White-Collar Crimes. RESULTS: Under-
standing what comes to be white-collar crime brings the perceptions
of the impunity of this type of crime, and to identify that the influence
of the delinquent has a strong influence on impunity. This type of
crime has two characteristics that are unique and simultaneous: the
respectable status of the author and the interaction of the criminal
activity with his profession, providing a favorable environment for
the commission of crimes with the consequent impunity. CONCLU-
SION: In this way, it is not today that the difficulties in carrying out
convictions for white-collar crimes are faced, given that in addition
to relations with the high court, they are still benefited with more le-
nient legislation, which tends to protect crimes related to the public
economic order. And because of this, incalculable losses are per-
ceived to a nation, especially the poorest, reaching essential legal
goods, such as life, health, and education.
Keywords: impunity; white-collar crime; selectivity.

204
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

INTRODUÇÃO

Este artigo visa compreender quais são os fatores determinan-


tes à inaplicabilidade da sanção penal do Estado, tendo em vista que
os crimes de colarinho branco representam um percentual ínfimo re-
lativos as condenações, quando estas são aplicadas. Assim, esse tra-
balho tem como objetivo identificar os fatores históricos, sociais, cul-
turais que corroboram com a impunidade de crimes do colarinho
branco, bem como descrever quais os principais crimes passíveis de
impunidade pelo Poder Judiciário, fazendo uma análise crítica dos
números apresentados.
A pergunta que norteio o presente estudo é: Em um país re-
gido por diversos dispositivos legais e constitucionais, com uma
constituição analítica, por que a impunidade e a seletividade da apli-
cação da sanção penal se fazem tão presente no ordenamento jurídico
brasileiro? Para responder ao questionamento, foi realizado uma
vasta consulta bibliográfica acerca do tema, abordando aspectos his-
tóricos, culturais e legais relativos à punibilidade dos crimes de cola-
rinho branco, com análise mensurada através dos dados fornecidos
anualmente pelo relatório Justiça em Números do CNJ. Tendo em
vista que em regra, os autores desses crimes são pessoas bem relaci-
onadas, de elevado prestígio social, que transitam entre áreas gover-
namentais, possuem relacionamentos políticos sólidos e de confi-
ança, que acarreta facilmente a oportunidade de realização de propi-
nas, facilitação ao tráfico de influência e favorecimento ilícito, bem

205
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

como tem a sua disposição o apoio de agentes públicos ímprobos e


desonestos.
Em suma, o presente trabalho pretende contribuir para o de-
bate acerca da Impunidade dos Crimes de Colarinho Branco, de
forma qualitativa, analisando as principais mudanças no procedi-
mento processual decorrentes das inovações legais que tratam sobre
o tema. Tendo como público-alvo, os estudantes de direito, os opera-
dores do Direito, homens e mulheres da sociedade em geral, como
forma de apresentar e reconhecer as consequências danosas em caso
de impunidade dos crimes de colarinho branco.
A partir dessa análise, espera-se fornecer subsídios para uma
melhor compreensão das potencialidades e desafios associados à im-
plementação de normas mais eficazes frente ao crime de colarinho
branco no país.

6.1 ORIGEM DO TERMO CRIME DE COLARINHO


BRANCO NO BRASIL

O Crime de Colarinho Branco - white collar crimes - foi apre-


sentada pela primeira vez em 1939, à Sociedade Americana de Soci-
ologia, por Edwin Sutherland. O ilustre sociólogo, sempre atuante em
estudos criminológicos, a fim de compreender a forma delinquente
do indivíduo, considerando em seus vastos estudos e análises, que
existia a relação socioeconômica intimamente ligada a este fato. No

206
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

entanto, em 1939, Sutherland apresenta pela primeira vez, o referido


título do presente trabalho, ao conhecimento da Sociedade Ameri-
cana de Sociologia.
De acordo com os estudos realizados, e apresentados ao co-
nhecimento da Sociedade Americana de Sociologia, Sutherland acre-
dita que o crime de colarinho branco é cometido por pessoa que faz
parte do alto escalão no curso de sua ocupação, e tal posição e status
social, gera um conflito no momento de fiscalizar, investigar e punir
atos delituosos (Prado, 2023).
A partir de uma visão sociológica da criminalidade, Suther-
land definiu o crime de colarinho branco e obteve o respeito da co-
munidade científica, o qual a partir dos seus estudos, contribuiu de
forma significativa com os avanços acerca do crime organizado no
aspecto empresarial a partir da metade do século XX.
Assim, podemos dizer que os crimes do colarinho branco têm
duas características próprias e simultâneas: o status respeitável do au-
tor e a interação da atividade criminosa com sua profissão, dificul-
tando quaisquer responsabilidades penais sobre seus atos, principal-
mente porque a sociedade não está habituada a compreender a dimen-
são dos danos desta ordem criminosa.
De acordo com os estudos de Filho (2023) dentre os crimes
de colarinho branco, destacam-se os crimes contra a ordem tributária,
as relações de consumo, a economia popular, o mercado de ações, os

207
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

crimes falimentares, os crimes ambientais e contra a ordem previden-


ciária (arts. 168-A e 337-A do CP).
Tendo em vista que em regra, os autores desses crimes são
pessoas bem relacionadas, de elevado prestígio social, que transitam
entre áreas governamentais, possuem relacionamentos políticos sóli-
dos e de confiança, que acarreta facilmente a oportunidade de reali-
zação de propinas, facilitação ao tráfico de influência e favoreci-
mento ilícito, bem como tem a sua disposição o apoio de agentes pú-
blicos ímprobos e desonestos.
Revela Filho (2023) pág. 49, apud Sá e Shecaira, que os cri-
mes violentos são os que caem nos olhos da sociedade, causando
imensa sedução e desejo de justiça, enquanto os crimes contra o meio
ambiente e os crimes de colarinho branco passam desapercebidos
pela sociedade.
Vejamos abaixo um trecho da obra de Filho, que refere sobre
essa temática, em consonância com a visão de Sá e Shecaira, (2008)
vejamos:

De maneira irrespondível, anota o mestre Alvino Au-


gusto de Sá (Sá; Shecaira, 2008, p. 211) que, “se os
crimes violentos (criminalidade de massa) têm alto po-
der de sedução sobre as pessoas, exercem sobre elas
verdadeiro fascínio, o mesmo não acontece com os cri-
mes de colarinho branco e, em particular, com os cri-
mes ambientais. Os crimes ambientais raramente pro-
vocam, se é que provocam, fortes impactos emocio-
nais nas pessoas, na opinião pública em geral. Uma
coisa é lesar o meio ambiente, definido como bem da

208
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

humanidade no art. 225, caput, da Constituição Fede-


ral, outra coisa é lesar, sobretudo com violência, os
bens fundamentais das pessoas, definidos como tais no
art. 5o da mesma Constituição.

Assim, os crimes do colarinho branco, frente a sua pretensa


impunidade, acabam propiciando a ocorrência da chamada cifra dou-
rada de criminalidade, isto é, o percentual de tais delitos que sequer
chega ao conhecimento das autoridades.
Para Prado (2023) é frágil o conceito de delito, pois os estudos
o levaram para uma vertente em que a criminalidade estava relacio-
nada com a classe social e as baixas condições de acesso a moradia,
ensino e outros, e logo após, se depara frente aos chamados delitos
de colarinho-branco, que fogem do conceito e perspectiva que se pro-
jetou a entender a criminalidade, o delito e todas as suas nuances.
A maioria das investigações ou pesquisas criminológicas da
primeira metade do século XX veio destacando uma sólida associa-
ção entre indivíduos socialmente desfavorecidos e criminalidade, e
muitas das teorias criminológicas dominantes nos anos trinta e qua-
renta eram consistentes com uma sólida correlação entre classe social
e delito (Prado, 2023). Desta forma, percebe-se um enorme distanci-
amento de equidade frente aos tratamentos oferecidos aos crimes co-
metidos por engravatados e os de classes sociais menos favorecidas.
Na concepção de Prado (2023), apud Elbert (2009, p. 165)
existe uma concepção subcultural dos poderosos que “a realização
dos delitos de colarinho branco, no meio cultural empresarial, era

209
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

considerada, então, mais um mérito que uma mácula”. Isto significa


dizer que os criminosos de colarinho branco, acreditam que suas
ações não provam males à sociedade, e ao seu país, que agem con-
forme o seu entendimento pessoal.
De acordo com estudos de Souza (2018) na evolução histórica
dos crimes de colarinho branco, Sutherland começou suas pesquisas
indagando quanto ao indivíduo fora da conexão de crimes comuns:

As estatísticas criminais mostram inequivocamente


que crime, como popularmente conhecido e oficial-
mente definido, tem uma alta incidência na classe so-
cioeconômica mais baixa e uma baixa incidência soci-
oeconômica mais alta. Crime, assim entendido, inclui
as violações ordinárias do código penal, tais como ho-
micídio, assalto, arrombamento furto, pequenas sub-
trações, violações de trânsito. (2015, p. 27).

Nessa gama de exposição, bem como as observações feitas ho-


diernamente as práticas delituosas que abarcam crimes de colarinho
branco atingem desde a esfera da administração pública até os setores
privados, causando um imenso impacto na economia e na segurança
jurídica.
Nos ensinamentos de Gonzaga (2022) ele menciona que as
investigações desenvolvidas por Edwin Sutherland ocorreram em
1949 e passaram a investigar crimes cometidos por altos líderes ame-
ricanos que realmente violaram leis como a de evasão fiscal e de com-
bate à lavagem de dinheiro.
Na visão de Sutherland, era fácil perceber que os executivos

210
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

sempre estão bem alinhados em ternos caríssimos e com camisas com


colarinho-branco impecável, daí surgindo a expressão white-collar.
Pelas análises dos estudos realizados da obra de Sutherland,
(2014) intitulada como “O crime de colarinho-branco” este delimita
dois pontos importantíssimos na análise de tal criminalidade mo-
derna, vejamos:

1ª) Evidenciar que as pessoas de classe socioeconô-


mica alta cometem muitos delitos e estas condutas de-
veriam ser incluídas no campo das teorias gerais do
delito; e, face às evidências, 2ª) Apresentar hipóteses
que possam explicar tanto os crimes de colarinho-
branco como os demais ilícitos. Gonzaga, 2022, pág.
69).

Em Ensinamentos Gonzaga (2022), ele escreve que um es-


tudo das características apresentadas por Sutherland no trecho acima
revela que o comportamento criminoso não se limita a criminosos de
classes sociais mais baixas, aponta também que o índice de delitos
pelo alto escalão é elevado, sendo necessário um estudo detalhado
para explicar a delinquência que percorre por todas as classes sociais,
haja vista que o cometimento de delitos não uma exclusividade só de
pessoas pobres.
O crime é uma entidade social e pode ocorrer em qualquer
lugar desde que exista interação social, por isso deve ser estudado em
todas as suas formas. Uma crítica feita por Sutherland em sua pes-
quisa é que, como os criminosos de colarinho branco pertencem a

211
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

uma classe social específica fora do alcance do sistema de justiça cri-


minal, eles raramente são responsabilizados criminalmente por suas
ações; diz-se que ele está gostando do “cinturão da impunidade” e
desta forma se engajam em cometer crimes de ordem econômica
exorbitantes. Ele não se aplica aos criminosos das classes sociais
mais baixas. Porque o sistema penal é claramente feito para eles, e
basta uma visita a um presídio para ver que as celas estão lotadas de
pessoas da mesma cor de pele e da mesma classe social (Gonzaga,
2022).

6.1.1 DOS CRIMES DE COLARINHO BRANCO

Dos estudos relatados e apresentados até agora, pode-se con-


firmar que o legislador procurou identificar o tipo de pessoa que co-
mete um crime, podendo o ato enquadrar-se em qualquer crime elen-
cado no código penal. Portanto, a Lei 7.492/86 (a chamada Lei de
Crimes Econômicos) foi criada com o objetivo de atingir gestores e
diretores de instituições financeiras e designar, ao longo do tempo, a
tomada de medidas contra qualquer pessoa que viole a ordem econô-
mica. A atividade criminosa afeta não apenas as transações entre em-
presas e instituições públicas, mas também a credibilidade do próprio
sistema financeiro brasileiro, criando substancial instabilidade naci-
onal. Neste estudo discutiremos a expressão “cifras ocultas”, para es-

212
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

clarecer o que se entende pela expressão “cifra oculta da criminali-


dade” no Brasil, Carvalho (2022) fornece o significado dessa expres-
são por meio dos ensinamentos de Gonzaga (2022), in verbis:

A cifra oculta da criminalidade corresponderia, pois,


à lacuna existente entre a totalidade dos eventos cri-
minalizados ocorridos em determinados tempo e lo-
cal (criminalidade real) e as condutas que efetiva-
mente são tratadas como delito pelos aparelhos de
persecução criminal (criminalidade registrada). E os
fatores explicativos da taxa de ineficiência do sis-
tema penal são inúmeros e dos mais distintos, inclu-
indo desde sua incapacidade operativa ao desinte-
resse das pessoas em comunicar os crimes dos quais
foram vítimas ou testemunhas. Como variável ob-
tém-se o diagnóstico da baixa capacidade de o sis-
tema penal oferecer resposta adequada aos conflitos
que pretende solucionar, visto que sua atuação é sub-
sidiária, localizada e, não esporadicamente, filtrada de
forma arbitrária e seletiva pelas agências policiais (re-
pressivas, preventivas ou investigativas). (Gonzaga,
2022, p. 70)

Portanto, no Brasil continua prevalecendo a ideia de que cri-


mes conhecidos (cifras de ouro) são crimes cometidos por pessoas de
baixa renda, os chamados “blue-collar - crimes do colarinho azul”,
enquanto crimes que são desconhecidos e, portanto, ficam impunes
recebem a expressão “cifras ocultas” e são cometidos pelas pessoas
de alta renda (white-collar-crimes do colarinho branco). Este termo
é usado pois se refere a crimes que são cometidos por pessoa oculta
aos olhos do Estado e da Justiça, em razão do seu pertencimento a
alta renda e alta sociedade, tendo como aliados grandes líderes do

213
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

poder Executivo e judiciário.


Desta forma, na versão original de Sutherland, as chamadas
cifras negras são muito maiores do que as cifras douradas, uma vez
que há infinitamente mais crimes de colarinho branco realmente co-
metidos e nunca descobertos.
No caso dos crimes econômicos, a impunidade é claramente
uma característica que favorece a repetição da perpetração, dado que
tais crimes muitas vezes não têm vítimas ou têm vítimas generaliza-
das, o que condiz com as “cifras negras”, possuindo uma difusão da
responsabilidade, pois para o cometimento de crimes dessa natureza,
envolve toda uma organização criminosa. O Conselho de Controle de
Atividades Financeiras (COAF) poderá solicitar às autoridades pú-
blicas informações cadastrais bancárias e financeiras de pessoas en-
volvidas em atividades criminosas ou condutas que indiquem indí-
cios de atividade ilegal. No entanto, ele não tem autoridade para fa-
cilitar uma quebra de confidencialidade.
Eventual processo de crime de lavagem de dinheiro (também
denominado branqueamento de capitais) não depende do processo
correlato ao crime que deu origem aos bens ou recursos ilícitos. O
juiz designado para julgar o crime de lavagem de dinheiro poderá
decidir pela união dos processos, caso conclua tratar-se de medida
adequada com fundamento na economia processual. Tal entendi-
mento está previsto no artigo 2°, § 1°, da Lei n. 9.613/98, que deter-
mina que “a denúncia deve ser instruída com indícios suficientes de

214
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

existência da infração penal antecedente, sendo puníveis os fatos pre-


vistos nesta Lei, ainda que desconhecido ou isento de pena o autor,
ou extinta a punibilidade da infração penal antecedente” (Brasil, 98).

6.2 CRIME ORGANIZADO

Como um dos crimes de alta relevância para caracterização


do crime de clarinho branco, é o crime organizado, vez que o alto
escalão, atua de forma organizada e sempre rodeado por pessoas que
possam lhe auxiliar de alguma forma, vez que o criminoso de colari-
nho branco não consegue sobreviver sozinho.
Atuação dos criminosos se vale de outros criminosos para po-
der fortalecer a corrente, tanto que, na Operação Lava Jato, os envol-
vidos nos crimes foram denunciados, entre outras tipificações, por
organização criminosa. Assim, para melhor entender o crime do co-
larinho branco, faz-se necessário abordar de forma breve em que con-
siste o crime organizado. Nos estudos de Landin, apud Sutherland
(1999, p. 261) intitula um dos capítulos de seu livro referente aos
crimes de colarinho branco como “O Crime do Colarinho Branco é
um Crime Organizado”.
Uma definição simples de crime organizado seria esta: ação
criminal realizada por um bando ou quadrilha. E ainda de acordo com
a Lei de Crimes Organizados, no seu §º, artigo 1, conceitua o que é
crime organizado, vejamos:

215
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

§ 1º Considera-se organização criminosa a associação


de 4 (quatro) ou mais pessoas estruturalmente orde-
nada e caracterizada pela divisão de tarefas, ainda que
informalmente, com objetivo de obter, direta ou indi-
retamente, vantagem de qualquer natureza, mediante a
prática de infrações penais cujas penas máximas sejam
superiores a 4 (quatro) anos, ou que sejam de caráter
transnacional. (Brasil, 1990)

Para a formulação do conceito de crime organizado, se torna-


se imprescindível verificar quais as características que irão gerar a
possibilidade de classificar como organização criminosa o ato de pes-
soas que cometem crimes em conjunto. Insta salientar que alguns fa-
tores são fundamentais, tais quais: o modus operandi, a forma como
está organizado o grupo, as divisões de funções no interior do grupo
e o seu tempo de existência e as dimensões de atuações do grupo cri-
minoso.
Nos estudos de Pereira et al (2017) este aduz que com base
na análise dos casos de atendimentos das ocorrências policiais e ju-
diciais, que há extensa participação de grupos organizados nos prin-
cipais mercados de produtos e serviços ilícitos do país.
Se considerarmos apenas o estado de São Paulo, onde con-
centramos nosso levantamento, há evidências de que atuam no es-
tado, além do Primeiro Comando da Capital, as facções criminais ca-
riocas, que participam da cadeia de suprimento de armas e drogas em
articulação com o PCC.

216
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

Para Rosa e Duarte (2022) Geralmente, o crime organizado


possui uma característica mercantilista, ou seja, visa o máximo de
lucro, operando nas atividades proibidas ou rejeitadas por uma par-
cela da população, como é o caso do tráfico de entorpecentes e de
armas, dos jogos de azar e do contrabando, por exemplo.
De acordo com Rosa e Duarte apud Guaracy Mingardi
(2022), a imprensa fantasia e explora atenção dos seus telespectado-
res e leitores para aquilo que é mais chocante e aterrorizante, que lhes
cause comoção social, assim, traz para o imaginário popular a ideia
de que o crime organizado é sempre abertamente violento e que só
existem organizações criminosas formadas por traficantes perigosos,
residentes nas periferias. O que geralmente se restringe à crimes vio-
lentos como lesão corporal, homicídios, latrocínios, chacinas e gran-
des operações contra o tráfico de drogas.
No entanto, importante destacar que “o crime organizado pos-
sui seu lado dourado, isto é, ele também é praticado por gente do co-
larinho branco.
Ainda seguindo os estudos de Rosa e Duarte (2022) compre-
ende-se que a a diferença entre os criminosos de organizações crimi-
nosas tradicionais da organização criminosa do colarinho branco, se
perfaz pela sua estrutura organizacional conhecida pela população e
de finalidade inicialmente lícita, como é o caso de instituições finan-
ceiras, igrejas, partidos políticos, mercados, frigoríficos, indústrias de
cigarros ou de bebidas, por exemplo. No comando dessas empresas

217
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

sempre estão pessoas de privilegiadas condições sociais, financeiras,


de alto nível profissional e com grande influência política, “mas que
ultrapassaram as normas limitadoras da ganância especulativa que o
mercado financeiro estimula e provoca”.
Atualmente o crime organizado faz parte da economia brasi-
leira, servindo de ponte entre o mundo do crime, dos negócios e da
política, uma relação fundamental para a sobrevivência e eficiência
em termos operacionais das atividades criminosas praticadas por es-
tes grupos.
Percebe-se, então, que as principais práticas das organizações
criminosas de colarinho branco estão ligadas ao sistema econômico,
utilizando-se de estratégias ilícitas para penetração no mercado eco-
nômico oficial, através de empresas legítimas e legais, “quer para oti-
mização de lucros, quer para reciclagem de dinheiro sujo, o que, in-
clusive, ressalta a ligação íntima do crime organizado com o crime
de colarinho branco.
Com isso, não podemos deixar de mencionar um dos últimos
acontecimentos relacionados ao crime de colarinho branco envol-
vendo os sócios das Lojas Americanas, A fraude do “Sonho Grande
Lemann” - A Cultura Garantia, o Sonho Grande dos capitalistas e as
políticas educacionais dirigidas pela Fundação Lemann exigem uma
análise aprofundada do que a aparência de um projeto inofensivo para
a educação é o seu pior pesadelo (Farias, 2023).

218
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

6.3 CRIME DE CORRUPÇÃO

Ao se falar em crime de colarinho branco, que são cometidos


por indivíduos do alto escalão, que são bem relacionados na socie-
dade, principalmente com os políticos, e com maior frequência por
pessoa de elevado status social, que valendo-se de sua função, pro-
fissão, e atraem a confiança das pessoas. Nesse sentido, a compreen-
são acerca do crime de corrupção é relevante.
Não muito distante, ao longo da recente história brasileira, in-
vestigações de corrupção é uma constante. Desta forma, podemos
analisar os governos passados do então presidente Luiz Inácio Lula
da Silva e da ex-presidente presidente, Dilma Rousseff, dois grandes
casos de corrupção estiveram presentes. No governo de Lula de 2005,
explodiu o Mensalão, um caso de corrupção e compra de votos de
vários parlamentares, que ocasionou grande repercussão no mundo,
e pela primeira na história do Brasil, foi possível ver políticos serem
condenados e cumprirem pena por cometerem o crime de corrupção
(Landin, 2015).
No Brasil, vários são os termos existentes que se referem à
corrupção. Os mais usuais são: propina, esquema, suborno e falca-
trua. A palavra corrupção provém do latim corruptione, que significa
corrompimento, devassidão, depravação, suborno. De acordo com o
Código Penal Brasileiro, corrupção é tipificada nos artigos 317 e 333,
in verbis:

219
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

Art. 317 - Solicitar ou receber, para si ou para outrem,


direta ou indiretamente, ainda que fora da função ou
antes de assumi-la, mas em razão dela, vantagem in-
devida, ou aceitar promessa de tal vantagem:
Pena – reclusão, de 2 (dois) a 12 (doze) anos, e
multa.
§ 1º - A pena é aumentada de um terço, se, em
conseqüência da vantagem ou promessa, o funcionário
retarda ou deixa de praticar qualquer ato de ofício ou
o pratica infringindo dever funcional.
§ 2º - Se o funcionário pratica, deixa de praticar
ou retarda ato de ofício, com infração de dever funci-
onal, cedendo a pedido ou influência de outrem:
Pena - detenção, de três meses a um ano, ou
multa.
Art. 333 - Oferecer ou prometer vantagem inde-
vida a funcionário público, para determiná-lo a prati-
car, omitir ou retardar ato de ofício:
Pena – reclusão, de 2 (dois) a 12 (doze) anos, e
multa. (Redação dada pela Lei nº 10.763, de
12.11.2003)
Parágrafo único - A pena é aumentada de um
terço, se, em razão da vantagem ou promessa, o funci-
onário retarda ou omite ato de ofício, ou o pratica in-
fringindo dever funcional. (Brasil, 1940)

Conforme podemos observar, os referidos tipos penais, são


crimes formais, dos quais não há necessidade do seu exaurimento,
muito embora o que se pretende é um resultado um resultado natura-
lístico previsto no tipo penal representado pela obtenção da vanta-
gem, isto é, um ganho indevido pelo funcionário público. Entretanto,
para que o crime de corrupção passiva ou ativa se consuma, basta que
o funcionário público solicite ou ofereça a vantagem indevida, inde-
pendentemente de recebê-la ou não (Fabretti, 2019).
De acordo com os estudos de Landin (2022) os atos corruptos,

220
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

principalmente por parte de políticos, ainda não são tão claros e trans-
parentes, e existe a exclusão da população no que se refere a decisões
importantes quanto ao futuro da nação, muito embora tenha-se a par-
ticipação do povo por meio dos seus representantes locais. Segundo
a linha de raciocino ainda do autor, a política virou uma profissiona-
lização, deixando de existir reais interesses pela formação de um Bra-
sil melhor, com projetos voltados ao ensino financeiro, ensino moral,
ético, zelo com o patrimônio público.

6.4 ORGANIZAÇÃO CRIMINAL DE CUNHO ECONÔMICO


– LAVAGEM DE DINHEIRO

A lavagem de dinheiro é um delito muito comum nos crimes


de colarinho branco, por todo o explanado até aqui, compreende o
motivo pelo qual essa prática tem lesado o Estado brasileiro. Esse
crime não subsiste sozinho, sendo assim, oriundo de um delito ante-
rior, muito comum está associado a organização criminosa, visto que
não há como ter atuação de um só agente, frente a complexidade que
é este tipo penal.
De acordo com o narrado por Mendroni (2018, p. 34) interes-
sante o comentário de Edwin Sutherland a respeito dos crimes de co-
larinho branco:

221
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

Os crimes de colarinho branco não ocorrem de forma


deliberada; mas eles também são organizados. Orga-
nização de crimes pode ser realizada através de con-
dutas formais ou informais. Organização formal para
a prática de crimes em corporações é encontrada mais
geralmente na contenção do comércio, como o caso
ilustrado por acordos de cavalheiros, pools, muitas
formas de práticas criminosas em associações comer-
ciais, acordos de patentes e cartéis. Organizações for-
mais são encontradas também nas conferências de re-
presentantes das sociedades em planejamentos sobre
relações trabalhistas. Eles são organizados formal-
mente também para agir de forma a exercer o controle
da legislação, na seleção de administradores e na res-
trição das dotações para a aplicação das leis susceptí-
veis de afetar a si próprios. Enquanto algumas associ-
ações desenvolveram códigos de ética empresarial e
muitos dos representantes tenham sido sinceros em
suas formulações desses códigos, o efeito real desses
códigos não seria diferente do que teria sido se os có-
digos tivessem sido escritos por homens com “suas
línguas em suas bochechas.

Segundo Landin (2015), a prática de crimes de lavagem de


dinheiro envolve a “reciclagem” de lucros obtidos por meios ilegais,
a fim de purificar os ativos obtidos e ao mesmo tempo reinvesti-los
no mercado. O crime de lavagem de dinheiro está intimamente rela-
cionado ao crime organizado. As organizações criminosas que atuam
contra o sistema econômico, são difíceis de investigar e desmantelar
porque são organizações criminosas grandes e bem organizadas.
A lavagem de dinheiro é um obstáculo ao desenvolvimento
econômico de um país porque as pessoas envolvidas neste tipo de
crime não declaram os seus rendimentos e competem com empresas
que operam legalmente, criando um desequilíbrio na concorrência no

222
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

mercado. Isso ocorre porque as empresas pagam todos os seus im-


postos e têm dificuldade em captar recursos, resultando em lucros
mínimos que podem ser aplicados nas transações, enquanto os con-
correntes não pagam seus impostos corretamente e pelo cometimento
de crimes recebem grandes somas de dinheiro, o que lhe dá margem
de maiores fundos de investimento, com consequente lucro dos seus
fundos, por meio da lavagem de dinheiro.
A respeito dessa discussão, Landin (2015) apud César Antô-
nio da Silva (2001, p. 39) argumenta:

A ‘lavagem de dinheiro’ é uma espécie delitiva que


acarreta graves consequências à ordem econômico-fi-
nanceira, colocando em risco o fluxo normal de di-
nheiro e bens de toda ordem, impossibilitando a limpa
concorrência, criando verdadeiros grupos dominantes
e monopólio, facilitando e tornando efetiva a corrup-
ção de agentes e funcionários de alguns segmentos da
administração pública. Ou facilitando a formação de
cartéis, possibilitando o surgimento de abuso do poder
econômico.

Para combater esse crime lesivo, foram promulgadas duas


leis: a Lei nº 12.850/13, que define as organizações criminosas, e a
Lei nº 9.613/98, que define o crime de lavagem ou ocultação de bens,
direitos e valores. Desta forma, o sistema criminal tenta proteger a
economia das organizações criminosas de branqueamento de capitais
e cria um conjunto de regras para combater o crime organizado.
O crime organizado que explora o branqueamento de capitais
manifesta-se na sociedade de uma forma completamente diferente da

223
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

maioria dos crimes, pelo que é essencial ter um sistema de gestão em


funcionamento. Desta forma, a partir da criação da lei de crimes de
lavagem de dinheiro, o artigo 1º da referida lei define o crime de la-
vagem de dinheiro.
Como já foi mencionado, a existência de uma infracção penal
do tipo lavagem de dinheiro, depende de infracções penais passadas,
e essas infrações penais são especificas, dispostas no artigo 1º da re-
ferida lei, em que estabelece uma lista de infrações penais taxativas,
o que torna mais fácil compreender os crimes de branqueamento de
capitais, pois é necessário focar antecipadamente num dos crimes
elencados no próprio artigo (Landin, 2015).
No entanto, a condenação por um crime de branqueamento de
capitais é dificultada pela necessidade de resolver o crime subjacente
e provar um nexo de causalidade entre o crime anterior e o crime de
branqueamento de capitais. Relacionado com isto está o fato de estes
crimes serem geralmente complexos e dotados de ferramentas que os
tornam difíceis de resolver.
A infracção subjacente final e indiscutível é que a instauração
de processos judiciais relacionados com infracções de branquea-
mento de capitais não exige provas completas, mas sim a prova de
que o valor gerado antes do crime foi branqueado. Note-se que não é
necessária uma condenação livre.

224
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

Importante ressaltar que não há obrigatoriedade do crime an-


tecedente tenha sido finalizado a percussão penal, alcançando o trân-
sito em julgado. Para que se possa ter abertura de processo, basta es-
tar presente indícios do proveito econômico do crime de lavagem de
dinheiro, uma vez que não precisa de provas plenas, e sim de elemen-
tos indiciários de que o crime antecedente gerou valores que estavam
sendo branqueados.
Vejamos o posicionamento do Superior Tribunal de Justiça
sobre a temática:

PROCESSUAL PENAL E PENAL. RECURSO EM


HABEAS CORPUS. LAVAGEM DE DINHEIRO.
CRIME ANTECEDENTE FRAUDE À LICITA-
ÇÃO. DINHEIRO LIMPO. NÃO CARACTERIZA-
ÇÃO. NECESSÁRIO ESCONDIMENTO OU DIS-
SIMULAÇÃO DO CAPITAL. SEQUER INDICA-
ÇÃO DE USO DO DINHEIRO ILÍCITO. ATIPIA.
PROVIDO O RECURSO EM HABEAS CORPUS.
1. O trancamento da ação penal é medida excepcio-
nal, só admitida quando restar provada, de forma
clara e precisa, sem a necessidade de exame valora-
tivo do conjunto fático ou probatório, a atipicidade
da conduta, a ocorrência de causa extintiva da puni-
bilidade, ou, ainda, a ausência de indícios de autoria
ou de prova da materialidade. 2. O crime de lavagem
de capitais exige escondimento do dinheiro ilícito,
por ocultação ou dissimulação. Necessário é que se
possa com a manobra de lavagem distanciar, disso-
ciar o dinheiro de sua origem. 3. Não se tem hipótese
de impossível lavagem de dinheiro limpo, porque
provindo do erário público pelo pagamento de obra,
mas sim dinheiro ilícito, provindo dos antecedentes
crimes imputados de superfaturamento de obra em
direcionada licitação. 4. Já pela denúncia se constata

225
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

a inexistência de imputação da transformação do di-


nheiro ilícito. Ao contrário, expressa é a denúncia ao
informar que não foi o dinheiro ilícito utilizado. Não
há, pois, como sequer ser discutido o crime de lava-
gem de capitais. 5. A imputação de terem sido pres-
tados serviços a terceira empresa, em substituição ao
dinheiro que deveria ser integralizado, é questão cí-
vel, ao que parece do conhecimento inclusive dos de-
mais sócios e que não transforma ou de qualquer
modo dissimula dinheiro que jamais se diz utilizado
- nem mesmo pela firma original para a prestação dos
serviços. 6. Sem transformação, sem mesmo sequer
utilização do dinheiro ilícito, não há sua lavagem, seu
escondimento ou dissociação da origem. Não há o
crime de lavagem de dinheiro. 7. Dado provimento
ao recurso em habeas corpus para trancar a ação pe-
nal quanto ao crime imputado de lavagem de di-
nheiro.
(STJ - RHC: 79537 SP 2016/0325719-7, Relator: Mi-
nistro Nefi Cordeiro, Data de Julgamento:
12/12/2017, T6 - SEXTA TURMA, Data de Publica-
ção: DJe 19/12/2017) (Grifo nosso).

Segundo Mendroni (2018), a lavagem de dinheiro é uma série


complexa de etapas integradas por meio da transformação, ocultação
e consolidação de bens, direitos ou valores com o objetivo de legiti-
mar bens resultantes do cometimento de atividades ilegais. A lava-
gem de dinheiro é, portanto, um meio fraudulento utilizado por gran-
des organizações criminosas que buscam fugir da justiça e lucrar com
a “limpeza” de dinheiro. A lavagem de dinheiro consiste em uma sé-
rie de atos que legalizam os recursos obtidos ilegalmente. Segundo
Landin (2015) apud André Callegari (2000, pp. 183-186), para a
compreensão dessas etapas são adotados os termos ocultação, mas-

226
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

caramento e integração, e durante a fase de ocultação, diversas técni-


cas são utilizadas para encobrir o crime original.
Desta forma, os criminosos normalmente utilizam bancos,
corretoras de valores, hotéis, restaurantes etc. para “trocar” valores
obtidos ilegalmente e evitar a identificação dos valores obtidos ile-
galmente. Com esta prática, aplica-se o valor auferido ilicitamente
em meios ilegais em local diferente daquele onde o contrato foi cele-
brado. O importante nesta fase é transferir os fundos obtidos ilegal-
mente para outro setor da economia e retirar os produtos do crime.
Isso ocorre porque eles correm o risco de atrair a atenção ao gerar
imediatamente grandes somas de dinheiro. Porém, é diferente quando
é julgado como “benefício” de um ato criminoso.
O segundo passo é ocultar os valores investidos ilegalmente
em outra economia. Quando o dinheiro de um crime é escondido num
novo negócio, esse valor deve ser disfarçado e escondido. Os agentes
estão cada vez mais a tentar distanciar o dinheiro “sujo” das suas ori-
gens e cobri-lo de legalidade. As organizações criminosas normal-
mente utilizam operações e transações financeiras complexas que di-
ficultam qualquer investigação. Nesse sentido, é importante eliminar
vestígios de dinheiro “sujo”. Quanto mais complicadas e complexas
forem as transações financeiras utilizadas, melhor será para os perpe-
tradores.
Portanto, os branqueadores de capitais esforçam-se por au-
mentar o número de movimentos e transações, mas neste momento

227
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

os branqueadores de capitais não devem envolver-se em quaisquer


atividades ilegais. Caso contrário, o branqueador de capitais corre o
risco de “contaminar” o dinheiro novamente e o branqueador de ca-
pitais não poderá operar.
A fase final da lavagem de dinheiro é a consolidação. Após
ocultação e mascaramento, os fundos já adquiriram aspecto limpo.
Ou seja, não parece ser devido à atividades ilegais e, portanto, deve
ser investido legalmente no mercado.
Portanto, o criminoso deve agir de forma calculada e precisa
durante todo o ciclo, evitando ao máximo suspeitas. Algumas em-
preiteiras já fazem isso há anos em licitações públicas federais. No
entanto, em março de 2014, a Operação Lava Jato investigou diversas
empresas que prestam serviços à Petrobras, bem como altos funcio-
nários de empresas estatais. Como parte da investigação (que ainda
estava em curso quando este artigo foi escrito), foram descobertos
crimes que incluíam corrupção, branqueamento de capitais e associ-
ação criminosa.
Dessa forma, durante todo o ciclo, os criminosos precisam
agir de forma calculada e precisa, evitando ao máximo qualquer des-
confiança. Dessa maneira agiu durante anos várias empreiteiras liga-
das às licitações públicas federais. No entanto, em março de 2014, a
Operação Lava Jato investigou diversas empresas que executam ser-
viços para Petrobras – bem como funcionários do alto escalão da es-

228
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

tatal. Durante a investigação, foram descobertos crimes como corrup-


ção, lavagem de dinheiro e organização criminosa, tal processo ini-
ciou no ano de 2017 e findou no ano de 2021.

6.5 IMPUNIDADE DOS CRIMES DE COLARINHO BRANCO

Ante ao tema a ser abordado é mister apresentar em primeiro


lugar, o que significa impunidade, para que, posteriormente, possa
haver a relação desse termo com o crime do colarinho branco, uma
vez que somente o Estado possui o direito e dever de punir. Nesta
seara, de acordo com Silvia (2019) apud, Levy Cruz impunidade é
definida como:

O gozo da liberdade, ou de isenção de outros tipos de


pena, por uma determinada pessoa, apesar de haver co-
metido alguma ação passível de penalidade. É a não
aplicação da pena, mas também o não cumprimento
seja qual for o motivo, de pena imposta a alguém que
praticou algum delito. (2002, p. 01)

Explicitado o que vem a ser o termo impunidade, que de


forma breve entende-se como a ausência de punição à pessoa que
praticou algum ato delituoso punível, Prado (2019) em seus estudos
apresenta que desde as análises mais remotos apresentados por
Sutherland, este já previa uma forte relação de que os delitos de co-
larinho-branco tendem a fazer parte da cifra negra: são delitos em
sentido estrito, mas não aparecem nas cifras oficiais, distorcidas

229
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

como estão ao desvalorizar os delitos cometidos pelos mais favoreci-


dos.
Uma das questões importantes levantadas por Sutherland é o
fato de que uma parcela considerável daqueles que cometem crimes
de colarinho branco não são condenados em cortes criminais, mesmo
que comprovadas a materialidade e autoria dos crimes.
De acordo com Silvia (2022) apud Castro, a impunidade se
classifica de três formas: objetiva, subjetiva, impunidade jurídica e
impunidade política, sendo que a impunidade objetiva ocorre quando
mesmo formalmente condenado o delinquente não cumpre a pena a
ele imposta. Já a impunidade subjetiva ocorre na falta de eficiência
do Estado na forma de conduzir a persecução penal. Classificando,
por fim, em impunidade jurídica, quando mesmo investigado e pro-
cessado, o criminoso consegue desvencilhar-se da pena devido a al-
guma falha legal e, a impunidade política, diz respeito à falta de in-
vestigação ou processamento legal de algum fato criminoso ou do
sujeito ativo do crime, sendo a lei ou o Poder Judiciário benevolentes
com estes.
Ainda de acordo com os estudos de Rosa e Duarte (2022) es-
tes apresentaram em seus estudos, o percentual de dados levados ao
judiciário, dados estes segundo informações do Conselho Nacional
de Justiça (CNJ), divulgadas em 2022, vejamos:

... somente em 2021 ingressaram no Poder Judiciário


2,2 milhões de casos criminais novos, com mais de

230
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

440 mil novas execuções iniciadas somente em


2021.De acordo com os dados estatísticos do Sistema
Penitenciário Nacional, atualmente existem no Brasil
mais de 660 mil presos, somando as prisões domicili-
ares o país ultrapassa o número de 837.443 mil presos,
ficando atrás apenas da China e dos EUA. Ainda de
acordo com o CNJ, 27% das prisões são por roubo,
24% por tráfico de drogas, 11% por homicídio, 8%
furto, 4% por posse, disparo e comércio de arma de
fogo ilegal e 3% por estupro, enquanto os crimes em
estudo apenas 1,46% das prisões são por crimes
contra administração pública e 0,79% por organi-
zação criminosa, não tendo maiores informações so-
bre prisões por outros crimes econômicos. Quanto ao
grau de escolaridade dos presos no Brasil, nota-se que
2% são analfabetos, 52% possuem o ensino funda-
mental completo, 28% concluíram o ensino médio e
apenas 0,83% possuem ensino superior completo.
(Grifo nosso)

De acordo com os dados apresentados, o Brasil possui a ter-


ceira maior população carcerária do mundo, sendo os crimes respon-
sáveis pelos maiores índices de encarceramento os roubos e o tráfico
de drogas, que respondem por mais da metade da população carcerá-
ria do país.
Como se percebe, existe uma grande inclinação dos presos
condenados possuírem baixo grau de escolaridade e pouquíssimo po-
der econômico. Desta forma, podemos inferir que estamos diante de
um cenário de grande desigualdade penal, e que o sistema pune, exa-
cerbadamente aos mais pobres e faz vista grossa àqueles que detém
o poder econômico e social. Isso decorre em virtude de que muitos
delitos de colarinho branco sequer chegam a ser registrados, seja por

231
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

erro da polícia, para futura manipulação das estatísticas ou simples-


mente por fata de denúncia e, assim, não integram as estatísticas, e
não há punibilidade.
Além de abusarem do seu poder econômico e político para
cometer crimes, os criminosos de colarinho branco também conse-
guem se tornar invisíveis aos olhos míopes dos órgãos responsáveis
pela persecutio criminis (persecução criminal).
Pelas narrativas de Rosa e Duarte, apud Martini, também
aponta falha no ordenamento jurídico brasileiro como um dos fatores
para a impunidade:

A nossa legislação ordinária e especial é rica em de-


monstrações de seletividade da norma penal. À guisa
de exemplo, tem-se a disparidade entre as penas pre-
vistas para Carlos os crimes contra o patrimônio pú-
blico e privado. O crime de roubo é punido muito mais
severamente do que o de sonegação fiscal, levando à
conclusão de que, para o conjunto a sociedade brasi-
leira, subtrair uma carteira mediante grave ameaça é
mais gravoso do que sonegar milhões em impostos,
ainda que o roubo de carteira apresente à vítima so-
mente prejuízos materiais, enquanto a sonegação pode
ceifar inúmeras vidas, por subtrair recursos que seriam
aplicados em políticas públicas.

Isso não é tudo. A Lei Federal nº 13.964/2019, conhecida


como Pacote Anticrime de 2019, traz diversas mudanças que, além
da criação de mecanismos legais explicitamente voltados à segrega-
ção em massa, levam a um retrocesso no combate ao macrocrime

232
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

econômico, que além de criar mecanismos legais com a clara finali-


dade de segregação em massa e detenção dos indesejados da socie-
dade, protege e beneficia os infratores de colarinho branco ao dificul-
tar as investigações criminais e tornar as penalidades dos crimes
econômicos mais brandas.
Em uma das alterações adotadas pelo Pacote anticrime res-
ponsável por beneficiar os criminosos de colarinho branco é a limi-
tação das delações premiadas, uma das protagonistas da Operação
Lava Jato, que apenas com uma delação foi capaz de revelar um es-
quema inteiro de corrupção no país. Agora, com as novas alterações,
o réu somente poderá delatar fatos diretamente relacionados ao caso
específico sob investigação, alteração claramente protecionistas aos
criminosos do colarinho branco. Vejamos o que aduz o referido §3º
do artigo 3, inciso “c” da Lei 13.964/2019:

§ 3º No acordo de colaboração premiada, o colabora-


dor deve narrar todos os fatos ilícitos para os quais
concorreu e que tenham relação direta com os fatos in-
vestigados.
§ 4º Incumbe à defesa instruir a proposta de colabora-
ção e os anexos com os fatos adequadamente descri-
tos, com todas as suas circunstâncias, indicando as
provas e os elementos de corroboração.

Uma outra alteração significativa que também foi trazida com


a finalidade de garantir a impunidade ou menor rigor da repressão do
poder de punir do Estado foi a supressão da proibição da realização
de acordo de não persecução penal em casos de dano superior a 20

233
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

salários-mínimos, imposta pela Resolução nº 181/17 do CNMP (art.


18, § 1º).
Ante ao exposto, percebe-se uma tendência voltada a manu-
tenção de atos criminosos, cometidos por quem de certa forma passe
desapercebido pela sociedade e pelo judiciário de um modo geral.
Frente as inovações legislativas com o poder de repressão e punição,
ainda se faz necessário legislações e fiscalizações mais assertivas
contra quem comete os crimes de colarinho branco e ficam isentos de
punição, seja porque esse fato sequer chegou ao judiciário, seja por
ausência de provas suficientes de autoria e materialidade que dê con-
dições do seguimento de um processo limpo e justo.
Afinal de contas, tais delitos são até mais gravosos à socie-
dade geral, pois em muitos casos, há a corrupção de desvios de verbas
que eram destinadas à educação, à saúde, esporte, cultura, entre ou-
tras formas de entregar à sociedade um Brasil muito melhor e trans-
parente em suas ações, percebe-se que não há real interesse do poder
público em prevenir, controlar e reprimir de forma eficaz a crimina-
lidade de colarinho branco, pois muitos ocupantes destes cargos pú-
blicos são os próprios infratores.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Com base no estudo realizado, é possível observar que o co-


metimento de crimes está aquém das classes sociais menos favoreci-
das, desmistificando que o cometimento de delitos só é praticado por

234
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

pessoas de baixas condições socioeconômicas, demonstrando ainda


que crimes também são praticados por pessoas do alto escalão com
reputação diante da sociedade. Assim, delito está relacionado a
aprendizagem pelo meio o qual o indivíduo faz parte e se relaciona,
como proposto e aceito pela teoria da teoria da associação diferen-
cial, desenvolvida por Edwin Sutherland, a teoria propõe que o com-
portamento criminoso de indivíduos tem sua origem pela aprendiza-
gem, em convivência com pessoas de padrões de comportamento que
violão a lei.
Por consequente, observa-se ainda no estudo realizado, que,
enquanto os criminosos pertencentes às classes sociais menos favo-
recidas, roubam ou furtam telefone celular, por exemplo, há respei-
táveis agentes políticos cometendo crimes com valores exorbitantes,
causando prejuízo a bens jurídicos tutelados constitucionalmente,
como por exemplo a saúde, a educação e a segurança, que se quer
chegam à conhecimento público, sem receber a devida punição e re-
pressão pelos seus atos ilícitos.
Os resultados desse estudo mostram que ainda há muita dis-
paridade em relação a aplicação da sanção penal para os crimes de
colarinho branco, levando em conta ainda os crimes que ser chegam
a ter persecução penal.
Outro aspecto importante observado neste estudo, é que a ten-
dência legislativa é tornar ainda mais branda o rigor da lei, para o
cometimento de tais crimes, como já mencionado o caso da Lei

235
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

13.964/2019 que limite a delação apenas sobre o crime em questão,


não abrangendo a informação de outros crimes para que não desban-
que outras organizações criminosas.
Desta forma, conclui-se, que a intervenção do Estado se faz
de máxima urgência e importância para a aplicação de medidas de
prevenção e repressão a este tipo de prática criminosa, por meios de
dispositivos legais de aplicação eficaz, e sobretudo por meio políticas
públicas que possibilitem a informação e conscientização da popula-
ção sobre a nocividade da prática dos crimes de colarinho branco,
para que sejam tão reprováveis quanto os crimes comuns.

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crimes de "lavagem" ou ocultação de bens, direitos e valores; a
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238
E-book
TOMO 2

Vol. II

Este livro reúne oito artigos, na


área de Ciências Jurídicas,
redigidos por concludentes do
Curso de Direito da UNINORTE –
Ac, sob a supervisão do Profa. Esp.
Williane Tibúrcio Facundes.
EAC
Editor .

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