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Williane Tibúrcio Facundes

mostra de artigos
(organizadora)

TOMO I

CIÊNCIAS JURÍDICAS
na Amazônia Sul-Ocidental

EAC
Editor
1
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

Copyright © by autores, 2023.


All rigths reserved.

Todos os direitos desta edição pertencem aos autores. Nenhuma parte desse
livro poderá ser reproduzida por qualquer meio ou forma sem a autorização
prévia da organizadora pelo e-mail <willitiburcio@gmail.com >. A violação
dos direitos autorais é crime estabelecido na lei nº 9.610/98 e punido pelo art.
184 do Código Penal. As informações contidas em cada capítulo são de inteira
responsabilidade dos autores, bem como o alinhamento dos textos às normas
da ABNT e da ortografia gramatical da língua portuguesa.

CAPISTA E DIAGRAMADOR
Eduardo de Araújo Carneiro
eac.editor@ gmail.com

CONSELHO EDITORIAL DA OBRA


Dr. Eduardo de Araújo Carneiro
Dr. Elyson Ferreira de Souza
Me. Adriano dos Santos Lurconvite
Esp. Simmel Sheldon de Almeida Lopes
Esp. Arthur Braga de Souza
Esp. Ícaro Maia Chaim

E-BOOK

F143c FACUNDES, Williane Tibúrcio (Org.).


Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental: mostra de
artigos / Williane Tibúrcio Facundes (organizadora). – 1.
ed. – Rio Branco: EAC Editor, 2023. 199 p.; il. 14,8x21
cm. Tomo I; Vol. 9. (E-Book)
ISBN: 978-65-00-72554-4
1. Ciências Jurídicas; 2. Direito; 3. Amazônia ; I. Título.
CDD 340.07

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SUMARIO

APRESENTAÇÃO 05

1. A RELAÇÃO ENTRE O DIREITO PENAL E OS 08


DIREITOS HUMANOS: UMA ANÁLISE CRÍTICA
Francisco de Souza da Silva
Williane Tibúrcio Facundes

2. FEMINICÍDIO NO BRASIL E AS INOVAÇÕES 47


JURÍDICAS DA LEI Nº 13.104/15 EM FACE DO DI-
REITO PENAL
Silvano de Oliveira Lourenço
Gilberto Jorge Ferreira da Silva

3. PACOTE ANTICRIME: UMA ANÁLISE DA 84


(IN)CONSTITUCIONALIDADE DOS ARTIGOS 9-A
E 50, VIII, DA LEI DE EXECUÇÃO PENAL
André Lucas da Silva Cavalcante
Gilberto Jorge Ferreira da Silva

4. EMBATE JURÍDICO: EXECUÇÃO PROVISÓRIA 123


DA PENA NO ÂMBITO DO TRIBUNAL DO JÚRI –
ARTIGO 492, I, “e” DO CÓDIGO DE PROCESSO
PENAL – FRENTE AO PRINCÍPIO CONSTITUCIO-
NAL DA PRESUNÇÃO DE INOCÊNCIA
Wandkiléia de Melo Dias Maia
João Paulo de Souza Oliveira

5. O PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA 166


HUMANA SOBRE A ÓTICA DA RESSOCIALIZA-
ÇÃO NO SISTEMA PRISIONAL NO BRASIL
Sandra Cesário dos Santos
Williane Tiburcio Facundes

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“Todos têm direito de se enganar nas


suas opiniões. Mas ninguém tem o
direito de se enganar nos fatos.”
Bernard Baruch

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APRESENTAÇÃO

A
presente obra reúne 05 (cinco) artigos de con-
cludentes do curso do direito do Centro Univer-
sitário Uninorte, sob a organização da profes-
sora especialista Williane Tibúrcio Facundes, tendo também a
colaboração do professor mestre Gilberto Jorge Ferreira e do
professor especialista João Paulo de Souza Oliveira dos quais
foram escritos em coautoria com o organizador e abordam re-
levantes temas jurídicos, a saber.

Dentre os textos aqui presentes, há uma análise crítica


da relação entre o Direito Penal e os Direitos Humanos. O es-
tudo busca compreender os desafios e implicações dessa in-
teração complexa, visando contribuir para a promoção de um
sistema jurídico mais justo e comprometido com a proteção
dos direitos fundamentais. Diante disso é abordado a influên-
cia dos Direitos Humanos na conformação do Direito Penal.

Outra temática estudada é analisar as aparentes incons-


titucionalidades dos artigos 9-A e 50, inciso VIII, da Lei de Exe-
cução Penal, incluídos pelo art. 4º da Lei do Pacote Anticrime
(Lei nº 13.964/2019), que alterou significativamente a legisla-
ção penal e processual penal brasileira.

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Segue tratando acerca da análise a inserção da qualifi-


cadora do feminicídio no crime de homicídio no ordenamento
jurídico-penal brasileiro, abordando questões acerca do poder
punitivo do Estado em relação à repressão contra a violência
de gênero. Dessa forma, traz em seu bojo uma abordagem da
relação de dominação do homem sobre a mulher introduzida
pelo machismo e a misoginia e de que forma isso impactou
para a violência de gênero que vitima as mulheres atualmente.

Outro tema abordado nesta obra é um breve estudo


acerca do embate jurídico em relação a redação dada pela Lei
13.964/2019 ao artigo 492, inciso I, alínea “e”, do Código de
Processo Penal, no qual trouxe a possibilidade da execução
provisória da pena no âmbito do ordenamento jurídico brasi-
leiro do Tribunal do Júri, evidenciando o conflito existente es-
pecialmente no tocante o princípio constitucional da presun-
ção de inocência.

E por fim, um estudo acerca da dignidade da pessoa


humana durante o período de ressocialização dentro dos pre-
sídios, especialmente no que tange à inobservância dos direi-
tos e garantias presentes na Constituição Federal. Uma pes-
quisa de caráter integralmente bibliográfico, utilizando consul-
tas em livros, revistas, sites e outras obras já publicadas.

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Trata-se de uma obra coletiva e plural, que debate te-


mas interessantes à sociedade e, sem esgotar os assuntos,
promove reflexões a respeito de situações vivenciadas diaria-
mente em nosso corpo social. Daí se extrai a sua relevância.

Prof. Esp. Williane Tibúrcio Facundes


Docente do Curso de Bacharelado em Direito pelo Cento
Universitário Uninorte. Graduada em Direito pela U:Verse.
Especialista em Psicopedagogia. Graduada em Letras Vernáculas
pela Universidade Federal do Acre - UFAC.

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A RELAÇÃO ENTRE O DIREITO PENAL E
OS DIREITOS HUMANOS: UMA ANÁLISE CRÍTICA

THE RELATIONSHIP BETWEEN CRIMINAL LAW AND


HUMAN RIGHTS: A CRITICAL ANALYSIS

Francisco de Souza da Silva1


Williane Tibúrcio Facundes2

SILVA, Francisco de Souza. A relação entre o Direito Penal


e os Direitos Humanos: uma análise crítica. Trabalho de
Conclusão de Curso de graduação em Direito – Centro Uni-
versitário UNINORTE, Rio Branco, 2023.

1 Discente do 10º Período do Curso de Bacharel em Direito pelo Centro Universitá-


rio Uninorte.
2 Graduada em Direito pela Faculdade da Amazônia ocidental- FAAO e pós-gradu-

ada em Psicopedagogia pela Universidade Varzeagrandense.

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RESUMO

O presente artigo tem como objetivo realizar uma análise crí-


tica da relação entre o Direito Penal e os Direitos Humanos. O
estudo busca compreender os desafios e implicações dessa
interação complexa, visando contribuir para a promoção de um
sistema jurídico mais justo e comprometido com a proteção
dos direitos fundamentais. Diante disso é abordado a influên-
cia dos Direitos Humanos na conformação do Direito Penal.
Nesse contexto, são explorados os princípios e valores funda-
mentais dos direitos fundamentais que são incorporados nas
legislações penais, demonstrando a importância desses prin-
cípios na proteção dos indivíduos e no respeito à sua digni-
dade. Destacando-se assim o princípio da humanidade como
um dos principais aspectos dos Direitos Humanos que afetam
a imposição de penas. É analisado como as penas devem ser
proporcionais aos delitos cometidos, evitando-se assim penas
cruéis, desumanas ou degradantes. Essa abordagem visa as-
segurar uma justiça penal mais equitativa e respeitosa dos di-
reitos fundamentais. A análise crítica dessa relação permite
compreender os desafios enfrentados e as oportunidades para
a promoção de um sistema mais justo e comprometido com a
proteção dos direitos fundamentais. É essencial que estudio-
sos, profissionais e a sociedade em geral estejam atentos a
essa interação, buscando aprimorar os mecanismos de prote-
ção dos Direitos Humanos no contexto do Direito Penal, vi-
sando a construção de uma sociedade mais justa, igualitária e
respeitosa da dignidade humana.

Palavras-chave: análise; crítica; direitos humanos; direito


penal.

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ABSTRACT

This article aims to conduct a critical analysis of the relations-


hip between criminal law and human rights. The study seeks
to understand the challenges and implications of this complex
interaction, aiming to contribute to the promotion of a more just
legal system committed to the protection of fundamental rights.
In this context, the influence of Human Rights in the conforma-
tion of Criminal Law is addressed. In this context, the principles
and fundamental values of fundamental rights that are incor-
porated into criminal law are explored, demonstrating the im-
portance of these principles in protecting individuals and res-
pecting their dignity. The principle of humanity is highlighted as
one of the main aspects of human rights that affect the imposi-
tion of penalties. It analyzes how penalties must be proportio-
nal to the crimes committed, thus avoiding cruel, inhuman or
degrading punishments. This approach aims to ensure a more
equitable criminal justice system that respects fundamental
rights. A critical analysis of this relationship allows us to un-
derstand the challenges faced and the opportunities for promo-
ting a fairer system committed to the protection of fundamental
rights. It is essential that scholars, professionals and society in
general are aware of this interaction, seeking to improve the
mechanisms for the protection of human rights in the context
of criminal law, in order to build a more just, egalitarian and
respectful of human dignity society.

Keywords: analysis; criticismo; criminal law; human rights.

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INTRODUÇÃO

O presente trabalho tem como objetivo analisar criti-


camente a relação entre o Direito Penal e os Direitos Huma-
nos, buscando compreender as implicações e desafios enfren-
tados nessa interação. A conexão entre essas duas áreas é
de suma importância para o desenvolvimento de um sistema
jurídico que seja capaz de proteger os direitos fundamentais
dos indivíduos, ao mesmo tempo em que garanta a efetividade
da justiça e a persecução dos crimes.
O Direito Penal, como ramo do Direito, tem o propósito
de regular e punir as condutas consideradas criminosas, bus-
cando a proteção da sociedade e a repressão de atos que cau-
sem danos ou ameacem seus membros. Por sua vez, os Di-
reitos Humanos representam um conjunto de direitos inaliená-
veis e universais, reconhecidos internacionalmente, que visam
salvaguardar a dignidade e a liberdade de todas as pessoas.
Nesse contexto, o primeiro capítulo do presente traba-
lho, "Direito Penal e Direitos Humanos", tem como propósito
analisar a relação entre essas duas áreas do direito. Será
abordada a influência dos Direitos Humanos na conformação
do Direito Penal, destacando como os princípios e valores fun-
damentais desses direitos são incorporados nas legislações
penais dos países.

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Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

Será abordada também a problemática das violações


aos Direitos Humanos que ocorrem no ambiente prisional. Se-
rão discutidos temas como a superlotação, a falta de condi-
ções dignas de vida, a violência e a tortura, que impactam ne-
gativamente a dignidade dos detentos e a efetivação de seus
direitos fundamentais, e diante disso a análise da seletividade
do sistema penal e como essa seletividade afeta, de forma
desproporcional, as camadas mais vulneráveis da sociedade.
Será destacada a relação entre a desigualdade social
e a aplicação das penas, evidenciando como determinados
grupos são mais suscetíveis a sofrerem sanções penais, en-
quanto outros gozam de privilégios e impunidade.
No segundo capítulo, "O Impacto dos Direitos Huma-
nos na Aplicação das Penas", serão examinados os princípios
e fundamentos do Direito Penal Internacional relacionados à
humanidade das penas. Será abordado o princípio da propor-
cionalidade, que busca evitar penas cruéis, desumanas ou de-
gradantes, e como a proteção dos Direitos Humanos influencia
a aplicação das penas.
Já no terceiro capítulo, "Direito Penal e Direitos Huma-
nos: Uma Análise das Garantias Processuais Penais", serão
analisadas as garantias processuais penais que visam asse-
gurar um processo justo e equitativo para os acusados. Serão

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explorados temas como o princípio da presunção de inocên-


cia, o direito à ampla defesa, o contraditório e a imparcialidade
judicial, destacando a importância dessas garantias na prote-
ção dos Direitos Humanos.
No quarto capítulo, "A Relação entre o Direito Penal
Internacional e os Direitos Humanos", será abordada a intera-
ção entre esses dois campos do direito. Serão explorados os
principais aspectos do Estatuto de Roma, como os crimes de
guerra, crimes contra a humanidade, genocídio e agressão, e
como o Direito Penal Internacional busca garantir a responsa-
bilização por esses crimes e a proteção dos Direitos Humanos.
Por fim, no quinto capítulo, "A Proteção dos Direitos
Humanos na Aplicação do Direito Penal no Contexto da Glo-
balização", será analisada a influência da globalização nas
questões relacionadas à proteção dos Direitos Humanos. Se-
rão discutidos os desafios e as oportunidades que surgem
nesse contexto, destacando a importância de uma abordagem
realista e crítica na análise da relação entre o Direito Penal e
os Direitos Humanos.
Dessa forma, o presente trabalho pretende contribuir
para o debate e a compreensão da relação complexa e inter-
dependente entre o Direito Penal e os Direitos Humanos, bus-
cando uma análise crítica e realista dos desafios enfrentados

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na proteção dos direitos fundamentais no âmbito do sistema


jurídico nacional e internacional.

1.1 DIREITO PENAL E DIREITOS HUMANOS

O sistema penal contemporâneo enfrenta grandes de-


safios em relação à proteção dos Direitos Humanos. Por um
lado, é necessário garantir a segurança e a ordem pública, por
outro, é essencial proteger os direitos fundamentais dos indi-
víduos, incluindo o direito à vida, à liberdade e à dignidade hu-
mana. Diante dessa complexidade, é fundamental uma aná-
lise crítica e realista do sistema penal contemporâneo, a fim
de identificar os problemas e as possíveis soluções para a pro-
teção dos Direitos Humanos.
O filósofo e sociólogo francês Michel Foucault (1987),
apresenta uma crítica contundente ao sistema penal contem-
porâneo, destacando sua função repressiva e disciplinar. Para
Foucault, o sistema penal não tem como objetivo a proteção
da sociedade ou a reabilitação do criminoso, mas sim o con-
trole e a submissão do indivíduo.
Foucault (1987) apresenta uma crítica contundente ao
sistema penal contemporâneo, demonstrando como as insti-
tuições penais exercem uma função repressiva e disciplinar
que se concentra na punição do indivíduo em detrimento da

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proteção da sociedade e da reabilitação do criminoso. Ele ar-


gumenta que o sistema penal é projetado para controlar e sub-
jugar o indivíduo, utilizando técnicas como a vigilância e a dis-
ciplina, que visam transformar o indivíduo em um ser submisso
e dócil.

1.1.1 DIREITOS HUMANOS NA CONFORMAÇÃO DO DI-


REITO PENAL

Diante da breve introdução do capítulo, é importante


destacar o papel dos Direitos Humanos na conformação do
Direito Penal contemporâneo. Ao longo do tempo, a luta pelos
Direitos Humanos tem sido um elemento chave para a prote-
ção dos indivíduos contra a repressão estatal e para a cons-
trução de um sistema de justiça criminal que seja justo, equi-
tativo e respeitoso dos direitos humanos fundamentais.
Segundo a autora Hannah Arendt (2013), os Direitos
Humanos têm uma função crucial na proteção da liberdade e
da dignidade humana, uma vez que estabelecem limites claros
para a ação do Estado e das instituições penais. Arendt des-
taca que, sem a proteção dos Direitos Humanos, os indivíduos
ficam vulneráveis à opressão e à violação de seus direitos fun-
damentais pelo Estado, que pode utilizar seu poder coercitivo
para silenciar e reprimir aqueles que se opõem ao seu domí-
nio.

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Nesse sentido, é fundamental compreender como os


Direitos Humanos são incorporados no Direito Penal contem-
porâneo e como podem ser utilizados para garantir a proteção
dos indivíduos contra o abuso de poder estatal. A partir da
análise do papel dos Direitos Humanos na conformação do
sistema penal, é possível identificar os desafios enfrentados
na proteção dos direitos humanos em um contexto de cres-
cente controle e vigilância estatal.
A proteção dos Direitos Humanos é essencial para o
bom funcionamento do sistema penal, garantindo que os indi-
víduos sejam tratados com dignidade e respeito e que as ins-
tituições penais sejam responsáveis e eficazes em suas fun-
ções. Portanto, é importante entender como os Direitos Huma-
nos influenciam o Direito Penal contemporâneo e como podem
ser utilizados como uma ferramenta para a proteção dos indi-
víduos contra a opressão estatal e a violação dos direitos hu-
manos.
Mas como os Direitos Humanos influenciam direta-
mente o Direito Penal? Para o autor Luigi Ferrajoli (2013), os
Direitos Humanos são uma fonte de limitação e controle para
o Direito Penal. Isso porque, ao reconhecer a dignidade hu-
mana como um valor fundamental, os Direitos Humanos esta-

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Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

belecem limites para a punição estatal, que deve ser proporci-


onal ao delito cometido e respeitar as garantias processuais e
os direitos fundamentais do acusado.
Além disso, Ferrajoli (2013) destaca que os Direitos
Humanos são importantes para a construção de um sistema
penal mais democrático e equitativo, que promova a justiça e
a proteção dos direitos humanos. Ele afirma que o Direito Pe-
nal deve ser baseado em princípios como a igualdade perante
a lei, a presunção de inocência e o devido processo legal, que
são fundamentais para a proteção dos indivíduos contra o ar-
bítrio e a violência estatal.
Dessa forma o Código Penal Brasileiro contém diver-
sas normas que visam garantir as garantias processuais e os
direitos fundamentais dos acusados, promovendo assim um
sistema penal mais justo e equitativo.
Entre essas normas, segundo Mirabatte (2015) o prin-
cípio da presunção de inocência, que estabelece que todo in-
divíduo é inocente até que se prove o contrário; o direito ao
contraditório e à ampla defesa, que garante ao acusado o di-
reito de apresentar defesa técnica, produzir provas e recorrer
das decisões judiciais; e a proibição de provas ilícitas, que im-
pede que sejam utilizadas no processo provas obtidas de
forma ilegal ou por meio de violação de direitos fundamentais.
Além disso, o Código Penal também estabelece penas

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proporcionais aos delitos cometidos, respeitando o princípio


da proporcionalidade e evitando a aplicação de penas exces-
sivas ou desproporcionais. Por exemplo, Segundo Brasil
(1940), o artigo 59 do Código Penal estabelece que a pena
deve ser fixada levando em consideração as circunstâncias do
crime e as condições pessoais do acusado, de forma a indivi-
dualizar a sanção penal.
Dessa forma, podemos afirmar que o Código Penal
Brasileiro busca garantir as garantias processuais e os direitos
fundamentais dos acusados, promovendo a construção de um
sistema penal mais justo e equitativo. No entanto, é importante
destacar que ainda existem desafios a serem enfrentados na
busca por um sistema penal mais justo e efetivo, como a su-
perlotação carcerária, a seletividade do sistema penal e a falta
de investimentos em políticas de prevenção do crime.

1.1.2 AS VIOLAÇÕES AOS DIREITOS HUMANOS NO SIS-


TEMA PRISIONAL

O sistema prisional é um dos principais desafios en-


frentados pelos países ao redor do mundo. Em muitos casos,
os presídios são locais degradantes, superlotados e violentos,
onde ocorrem frequentes violações aos direitos humanos. Di-

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Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

ante dessa realidade, é fundamental que o Estado adote me-


didas para garantir que as condições de detenção sejam com-
patíveis com a dignidade da pessoa humana e que os direitos
dos detentos sejam respeitados. Nesse contexto, este capítulo
tem como objetivo analisar as principais violações aos direitos
humanos no sistema prisional.
Diante desse cenário de violações aos direitos huma-
nos no sistema prisional, é importante que a sociedade civil e
as autoridades competentes se mobilizem para garantir que
os direitos dos presos sejam respeitados. Para isso, é funda-
mental a adoção de medidas efetivas para prevenir e punir as
violações aos direitos humanos no sistema prisional.
Nesse sentido, o papel do Estado é fundamental. Se-
gundo Blum Júnior (2018), é responsabilidade do Estado ga-
rantir a segurança e o bem-estar dos presos, além de assegu-
rar o cumprimento das penas de forma justa e equitativa. No
entanto, a realidade é que muitos presídios apresentam con-
dições precárias, superlotação, falta de higiene e alimentação
inadequada, entre outros problemas.
Outro ponto a ser destacado é a necessidade de mu-
danças na legislação penal e processual penal, a fim de ga-
rantir a proteção dos direitos humanos no sistema prisional.
Segundo Beccaria (2017), o direito penal deve ser justo e pro-
porcional, evitando penas cruéis e desumanas. Além disso, é

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Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

necessário assegurar a aplicação dos direitos fundamentais


dos presos, como o direito à saúde, à educação e ao trabalho.
Mas por que atualmente não é garantido as aplicações
dos direitos fundamentais dos presos, como o direito à saúde,
à educação e ao trabalho? A ausência de garantia desses di-
reitos aos presos se deve, em grande parte, à lógica punitivista
do sistema penal contemporâneo, que enfatiza a punição em
detrimento da ressocialização e da garantia de direitos funda-
mentais. Como destaca Zaffaroni (2010, p. 109):

O encarceramento em massa, a superlotação, o


subfinanciamento e o caos administrativo em que
se encontram os presídios produzem um efeito
devastador sobre os presos, que perdem sua
condição humana e são tratados como coisas,
em condições que violam sistemática e impune-
mente os direitos humanos mais básicos.

Essa citação destaca os efeitos negativos que o sis-


tema prisional atual produz sobre os presos. O encarcera-
mento em massa se refere à política criminal de encarcerar
um grande número de pessoas, muitas vezes por crimes não
violentos ou de baixo potencial ofensivo, o que leva à superlo-
tação das unidades prisionais. Além disso, o subfinanciamento
dos presídios implica a falta de recursos para garantir condi-
ções mínimas de dignidade aos presos, como alimentação
adequada, acesso à saúde, higiene e segurança.

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Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

Tudo isso resulta em um caos administrativo e na vio-


lação sistemática e impune dos direitos humanos dos presos,
que são tratados como coisas e submetidos a condições de-
sumanas, que vão desde a falta de condições básicas de so-
brevivência até a tortura, violência física e psicológica, humi-
lhações e outras formas de tratamento cruel, desumano e de-
gradante.

1.1.3 A APLICAÇÃO SELETIVA DO DIREITO PENAL E SUA


RELAÇÃO COM A DESIGUALDADE SOCIAL

A aplicação do direito penal é uma questão complexa


e que envolve diversos fatores sociais, econômicos e políticos.
Contudo, é possível observar que, em muitos países, incluindo
o Brasil, a aplicação do direito penal é seletiva e tende a afetar,
de forma desproporcional, as camadas mais vulneráveis da
sociedade, como os pobres, negros, indígenas e moradores
de periferias urbanas.
Como afirmou o sociólogo Loïc Wacquant, "o aumento
do controle penal não se deu em função do aumento da crimi-
nalidade, mas como resposta política à crescente insegurança
social e à exclusão dos grupos populares das sociedades ne-
oliberais avançadas" (WACQUANT, 2001, p. 25).

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Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

Essa seletividade do direito penal pode ser explicada


por diversas razões, como a falta de acesso à justiça, a falta
de recursos para uma defesa técnica adequada, a falta de po-
líticas públicas de prevenção e combate à criminalidade, além
de outros fatores relacionados à desigualdade social e à ex-
clusão econômica e social desses grupos.
Isso significa que, em muitos casos, a criminalização
de certas condutas e a aplicação do direito penal são utilizadas
como mecanismos de controle social sobre os mais pobres e
marginalizados, ao invés de serem instrumentos de justiça e
proteção dos direitos humanos. Além disso, a desigualdade
social também se reflete no acesso à justiça e na capacidade
de defesa dos acusados, uma vez que muitos não possuem
recursos financeiros para pagar por advogados competentes
ou mesmo para arcar com as despesas processuais.
Essa relação entre a aplicação seletiva do direito pe-
nal e a desigualdade social é um tema que vem sendo estu-
dado por diversos autores, como por exemplo, Alessandro Ba-
ratta, que destaca que "as normas penais são utilizadas pelo
Estado e pela sociedade dominante como forma de repressão
e exclusão dos grupos sociais menos favorecidos e menos po-
derosos" (BARATTA, 2002, p. 36).

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Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

O resultado desse processo é uma sobrecarga do sis-


tema prisional, que acaba por tornar-se um depósito de pes-
soas em condições desumanas e degradantes, onde os direi-
tos humanos são constantemente violados e a ressocialização
dos presos é praticamente impossível.
Assim, é fundamental discutir a seletividade do direito
penal e sua relação com a desigualdade social, a fim de bus-
car soluções para essa questão e promover um sistema de
justiça criminal mais justo e equitativo, que respeite os direitos
humanos de todos os indivíduos, independentemente de sua
classe social, cor da pele ou origem.
Mas quais são as soluções reais para essas ques-
tões? De acordo com Baratta (2002, p. 45), a prevenção do
crime deve ser entendida como um processo amplo, que en-
volve ações que vão desde o combate às causas estruturais
da criminalidade, como a desigualdade social e a exclusão
econômica, até a promoção de políticas de inclusão social,
educação, saúde e cultura. Nesse sentido, é fundamental que
sejam implementadas políticas públicas que visem à melhoria
das condições de vida das camadas mais vulneráveis da po-
pulação, de modo a reduzir a criminalidade em longo prazo.
Outra medida apontada por autores como Wacquant
(2001) é a necessidade de se investir em alternativas ao en-

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Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

carceramento, como penas alternativas, medidas socioeduca-


tivas e a justiça restaurativa. Essas alternativas, além de se-
rem mais eficazes na ressocialização dos condenados, têm
um custo social e financeiro muito menor do que o encarcera-
mento em massa.
Por fim, é importante destacar a necessidade de se
promover uma reforma do sistema de justiça criminal, de forma
a garantir o respeito aos direitos humanos dos presos e a re-
duzir a seletividade do direito penal. Para tanto, é fundamental
que haja uma maior participação da sociedade civil na formu-
lação de políticas públicas e no controle das instituições res-
ponsáveis pela administração da justiça criminal, de modo a
garantir uma maior transparência e accountability (conjunto de
mecanismos que garantem que os agentes públicos sejam
responsáveis pelos seus atos, e que suas decisões e ações
sejam transparentes e passíveis de escrutínio e controle pela
sociedade) no sistema.

1.2 O IMPACTO DOS DIREITOS HUMANOS NA


APLICAÇÃO DAS PENAS

Os direitos humanos desempenham um papel funda-


mental na aplicação das penas e na busca por um sistema de

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Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

justiça criminal mais justo e respeitoso dos direitos fundamen-


tais. Através dos princípios e normas dos direitos humanos,
busca-se assegurar que a imposição das penas seja feita de
forma proporcional, digna e respeitando a dignidade humana.
Um dos princípios centrais dos direitos humanos que
impacta a aplicação das penas é o princípio da humanidade.
De acordo com esse princípio, as penas e tratamentos impos-
tos aos infratores devem ser proporcionais ao delito cometido,
evitando-se assim penas cruéis, desumanas ou degradantes.
Esse princípio é refletido em diversos instrumentos internacio-
nais, como a Convenção Americana de Direitos Humanos e o
Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos.

1.2.1 AS VIOLAÇÕES AOS DIREITOS HUMANOS NA EXE-


CUÇÃO DE PENAS

As violações aos direitos humanos na execução de


penas constituem uma preocupação constante na área do di-
reito penal. A forma como as penas são executadas pode de-
terminar o grau de respeito aos direitos fundamentais dos in-
divíduos que estão cumprindo uma pena privativa de liber-
dade.

25
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

Essas violações podem ocorrer em diversos aspectos,


como condições de detenção, tratamentos degradantes, tor-
tura, falta de acesso a serviços básicos e negação de direitos
fundamentais. Nesse contexto, é essencial analisar as impli-
cações dessas violações e buscar soluções que garantam a
dignidade humana e a proteção dos direitos dos indivíduos
que estão sob custódia do Estado.
Para abordar detalhadamente esse tema, o autor Ba-
tista (2002), expõe de forma precisa e embasada as diversas
falhas e injustiças presentes no sistema, evidenciando a ne-
cessidade urgente de transformações para garantir uma apli-
cação mais justa e equitativa das penas.
Mais quais são essas falhas e injustiças? Segundo Ba-
tista (2002), ele examina minuciosamente a realidade prisional
brasileira, abordando questões como a superlotação, a falta
de condições adequadas de detenção, a violência institucio-
nal, a ausência de acesso a serviços básicos e a negação de
direitos fundamentais aos detentos. Essas críticas de Batista
são embasadas em dados empíricos, estudos acadêmicos e
experiências vivenciadas pelo autor ao longo de sua carreira
no campo jurídico.
Diante disso na análise mais detalhada da obra da Ba-
tista (2002), o autor apresenta argumentos sólidos e embasa-

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Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

dos em teorias criminológicas e princípios dos direitos huma-


nos, buscando informar as consequências nefastas das viola-
ções aos direitos humanos no sistema penal. Ele ressalta a
importância de uma abordagem humanitária e proporcional no
cumprimento das penas, enfatizando a necessidade de se res-
peitar a dignidade dos indivíduos e garantir que as punições
sejam proporcionais aos delitos cometidos.
Além de Nilo Batista, Baratta (1999) examina o sis-
tema penal a partir de uma perspectiva crítica, analisando as
relações de poder e as desigualdades sociais presentes na
aplicação das penas. Ele discute as violações aos direitos hu-
manos no contexto prisional, evidenciando como essas viola-
ções refletem e reforçam as estruturas de opressão e exclusão
social.
Baratta (1999) argumenta que o sistema penal não é
neutro e imparcial, mas sim influenciado por fatores políticos,
econômicos e sociais, resultando em uma aplicação seletiva
das penas que afeta de forma desproporcional os grupos mar-
ginalizados. Ele enfatiza a importância de uma abordagem crí-
tica e de uma reflexão mais ampla sobre as causas da crimi-
nalidade e as alternativas ao encarceramento.
Para finalizar essa seção, Davis (2003) examina criti-
camente o sistema prisional, argumentando que as prisões

27
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

são instituições falidas e que não cumprem seu propósito de-


clarado de reabilitação e reintegração social. Ela denuncia as
condições desumanas e as violações sistemáticas dos direitos
humanos presentes nas prisões, destacando como essas vio-
lações afetam desproporcionalmente as comunidades margi-
nalizadas.
Davis (2003) explora a interseção entre racismo, desi-
gualdade social e sistema penal, argumentando que as políti-
cas de encarceramento têm um impacto desproporcional so-
bre minorias étnicas e pessoas economicamente desfavoreci-
das.
Diante das contribuições de Nilo Batista, Alessandro
Baratta e Angela Davis, torna-se evidente a importância de
abordar e combater as violações aos direitos humanos na exe-
cução de penas. Esses três autores destacam-se por suas
análises críticas e profundas do sistema penal, trazendo à tona
questões fundamentais relacionadas às condições desuma-
nas de detenção, à seletividade da justiça criminal e à neces-
sidade de reformas urgentes.
Os trabalhos desses três autores convergem para a
necessidade de se repensar o sistema penal e combater as
violações aos direitos humanos na execução de penas. Suas
análises críticas nos alertam para a importância de se construir
um sistema de justiça criminal mais humano, proporcional,

28
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

equitativo e respeitoso dos direitos fundamentais de todos os


indivíduos, independentemente de sua condição social ou ét-
nico-racial.

1.3 DIREITO PENAL E DIREITOS HUMANOS: UMA ANÁ-


LISE DAS GARANTIAS PROCESSUAIS PENAIS

No contexto da relação entre Direito Penal e Direitos


Humanos, é fundamental compreender a importância das ga-
rantias processuais penais na proteção dos direitos individuais
e na preservação dos princípios fundamentais de justiça. As
garantias processuais têm como objetivo assegurar um devido
processo legal, garantindo ao acusado um tratamento justo e
equitativo durante todas as fases do procedimento penal.
Diante do entendimento inicial, Lopes Jr. (2022) define
as garantias processuais penais como um conjunto de direitos
e prerrogativas conferidos aos acusados no âmbito do pro-
cesso penal, com o objetivo de assegurar um julgamento justo
e equitativo. Essas garantias têm sua origem nos princípios do
devido processo legal, da presunção de inocência, do contra-
ditório e da ampla defesa, entre outros.
Segundo Lopes Jr. (2022), as garantias processuais
penais são essenciais para a proteção dos direitos fundamen-
tais dos acusados, proporcionando-lhes meios de participação

29
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

efetiva no processo, o acesso à informação e o direito de se


manifestar sobre as acusações formuladas. Além disso, as ga-
rantias processuais têm como finalidade garantir a imparciali-
dade e a igualdade das partes, bem como evitar abusos por
parte das autoridades estatais.
Desse modo para melhor compreensão, Rogério
Greco (2018, p. 43), destaca que:

Garantias processuais penais são os mecanis-


mos que visam assegurar, no âmbito do pro-
cesso penal, a aplicação dos direitos fundamen-
tais dos indivíduos submetidos à persecução pe-
nal, proporcionando-lhes uma tutela jurisdicional
adequada e efetiva. Essas garantias têm por fi-
nalidade preservar a dignidade humana, a liber-
dade, a igualdade, o devido processo legal, a
presunção de inocência, o contraditório, a ampla
defesa, o direito ao silêncio, entre outros direitos
e princípios inerentes ao devido processo pena.

Greco busca explicar o conceito de garantias proces-


suais penais no contexto do processo penal. De acordo com
Greco, as garantias processuais penais são mecanismos es-
tabelecidos para assegurar a aplicação dos direitos fundamen-
tais das pessoas envolvidas em um processo penal.
Essas garantias têm como objetivo principal proteger
a dignidade humana, a liberdade, a igualdade e outros direitos
e princípios essenciais no processo penal. Elas garantem uma
tutela jurisdicional adequada e efetiva, buscando equilibrar o

30
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

poder do Estado na persecução penal com a necessidade de


proteção dos indivíduos.
Dentre as garantias processuais penais mencionadas
por Rogério Greco estão o devido processo legal, a presunção
de inocência, o contraditório, a ampla defesa e o direito ao si-
lêncio. Essas garantias são consideradas fundamentais para
garantir a justiça e a imparcialidade do processo penal, além
de proteger os direitos e garantias individuais dos acusados.
Uma análise das garantias processuais penais revela
sua importância na busca por um equilíbrio entre a necessi-
dade de punir os responsáveis por infrações penais e a prote-
ção dos direitos individuais. Elas visam prevenir arbitrarieda-
des, abusos e injustiças no sistema penal, garantindo que o
processo seja conduzido de forma transparente, imparcial e
respeitosa aos direitos humanos.
Ao garantir o devido processo legal, as garantias pro-
cessuais penais asseguram que todos os procedimentos se-
jam realizados de acordo com as normas legais estabelecidas.
Isso inclui o direito à defesa, o acesso à informação, a produ-
ção de provas, a participação ativa do acusado no processo e
a revisão das decisões judiciais.
Além disso, as garantias processuais penais têm o
propósito de proteger os acusados contra penas cruéis, desu-

31
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

manas ou degradantes. Isso significa que as sanções aplica-


das devem ser proporcionais ao delito cometido, evitando-se
abusos ou tratamentos excessivamente severos.
Uma análise mais aprofundada das garantias proces-
suais penais pode revelar desafios e obstáculos em sua efeti-
vação. A realidade prática muitas vezes se distancia do ideal
teórico, com falhas na aplicação das garantias, violações aos
direitos humanos e disparidades entre diferentes grupos soci-
ais.
Nesse sentido, é necessário um constante debate e
aprimoramento do sistema de justiça criminal, a fim de fortale-
cer e proteger as garantias processuais penais. Isso envolve
a conscientização dos profissionais do direito, a capacitação
dos operadores jurídicos, o fortalecimento das instituições res-
ponsáveis pela aplicação da lei e a busca por políticas públicas
que promovam a justiça social e a equidade no sistema penal.

1.4 A RELAÇÃO ENTRE O DIREITO PENAL INTERNACIO-


NAL E OS DIREITOS HUMANOS

A relação entre o Direito Penal Internacional e os Di-


reitos Humanos é de fundamental importância para a proteção
dos direitos fundamentais em âmbito global. O Direito Penal
Internacional abrange normas e instituições jurídicas que têm

32
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

como objetivo combater crimes de maior gravidade, como ge-


nocídio, crimes contra a humanidade, crimes de guerra e
agressão, buscando responsabilizar os indivíduos que come-
tem tais atos.
Nesse contexto, é possível destacar Oette e Cerone
(2017), autores que exploram a relação entre o Direito Penal
Internacional e os Direitos Humanos, abordando questões re-
lacionadas à justiça transicional, à proteção das vítimas e tes-
temunhas, aos princípios do devido processo legal e à aplica-
ção dos direitos humanos nos tribunais penais internacionais.
No que diz respeito à justiça transicional, Oette e Ce-
rone (2017) discutem como o Direito Penal Internacional de-
sempenha um papel fundamental na reconstrução de socieda-
des afetadas por conflitos armados ou violações graves dos
direitos humanos. Através dos tribunais penais internacionais
e mecanismos de justiça transicional, busca-se a responsabi-
lização dos perpetradores, a reparação às vítimas e a constru-
ção de um ambiente de paz e reconciliação.
No que se refere à proteção das vítimas e testemu-
nhas, Oette e Cerone (2017) destacam a importância de ga-
rantir sua segurança e integridade durante os processos pe-
nais internacionais. Isso inclui medidas de proteção, como a
possibilidade de depoimentos protegidos, a restrição de

33
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

acesso a informações sensíveis e a disponibilidade de apoio


psicossocial às vítimas e testemunhas.
Os princípios do devido processo legal também são
abordados, ressaltando a importância de assegurar o direito à
defesa, o direito a um julgamento justo e imparcial, a presun-
ção de inocência e a proibição de tortura e tratamento desu-
mano ou degradante. Esses princípios são fundamentais para
garantir que os processos penais internacionais sejam condu-
zidos de acordo com os padrões estabelecidos pelos direitos
humanos.
No que tange à aplicação dos direitos humanos nos
tribunais penais internacionais, Oette e Cerone (2017) explora
como esses tribunais interpretam e aplicam os instrumentos
internacionais de direitos humanos no contexto dos crimes in-
ternacionais. Isso envolve a análise de casos específicos, a
consideração dos princípios e normas dos direitos humanos
no processo de tomada de decisão e a contribuição para o de-
senvolvimento e evolução do Direito Penal Internacional.
Em geral, as análises de casos específicos envolvem
a revisão e a discussão de julgamentos e decisões proferidas
por tribunais penais internacionais, como o Tribunal Penal In-
ternacional (TPI) e tribunais ad hoc, como o Tribunal Penal In-
ternacional para a ex-Iugoslávia (TPIY) e o Tribunal Penal In-

34
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

ternacional para Ruanda (TPIR). Esses tribunais foram esta-


belecidos para lidar com crimes graves, como genocídio, cri-
mes de guerra, crimes contra a humanidade e agressão.
Além desses autores de forma mais humana, Tavares
(2020) analisa criticamente a forma como o sistema penal
pode violar os direitos fundamentais dos indivíduos e propõe
uma visão mais humanizada do Direito Penal, em conformi-
dade com os princípios e normas dos Direitos Humanos. Ele
enfatiza a necessidade de garantir a dignidade e os direitos
dos acusados, evitando penas cruéis, desumanas ou degra-
dantes.
Tavares (2020) aborda a importância de uma investi-
gação criminal fundamentada nos princípios da proporcionali-
dade, da legalidade e do devido processo legal. Ele discute a
necessidade de assegurar o direito à ampla defesa, ao contra-
ditório e à presunção de inocência, destacando que tais ga-
rantias são essenciais para proteger os direitos fundamentais
dos acusados e evitar abusos por parte do sistema penal.
Além do mais, segundo Schabas (2010) destaca os
principais aspectos do Estatuto de Roma, como os crimes de
guerra, crimes contra a humanidade, genocídio e agressão.
Ele analisa as disposições legais, interpretações e jurispru-

35
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

dência relacionadas ao Tribunal Penal Internacional, forne-


cendo insights valiosos sobre a aplicação prática do Direito
Penal Internacional e sua relação com os Direitos Humanos.
Schabas (2010) concentra-se em crimes como os cri-
mes de guerra, crimes contra a humanidade, genocídio e
agressão, que são os pilares do Direito Penal Internacional.
Ele examina as definições e elementos essenciais desses cri-
mes, bem como os princípios e normas que regem sua perse-
cução e punição no âmbito do TPI.
Segundo Schabas (2010) destaca-se a atenção espe-
cial às disposições legais contidas no Estatuto de Roma, for-
necendo uma análise detalhada e crítica das diferentes inter-
pretações e jurisprudência relacionadas aos crimes internaci-
onais. Ele explora as decisões tomadas pelo TPI em casos
concretos, bem como as implicações dessas decisões para a
aplicação prática do Direito Penal Internacional.
Uma das contribuições mais valiosas de Schabas
(2010) é sua capacidade de oferecer insights e reflexões sobre
a interação entre o Direito Penal Internacional e os Direitos
Humanos. Ele examina como a persecução e punição dos cri-
mes internacionais estão intrinsecamente ligadas à proteção
dos direitos fundamentais e à busca pela justiça em nível glo-
bal.

36
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

Em conclusão, os autores abordados, como Schabas,


Oette e Cerone, desempenham um papel fundamental na
compreensão e análise da relação entre o Direito Penal Inter-
nacional e os Direitos Humanos. Suas obras fornecem insights
valiosos sobre os princípios, as normas e as práticas que re-
gem a persecução e punição dos crimes internacionais mais
graves.
Ao explorar os fundamentos do Direito Penal Interna-
cional, os autores destacam a importância de garantir a justiça
e responsabilizar os perpetradores por violações graves aos
Direitos Humanos. Eles examinam a aplicação prática desses
princípios em tribunais internacionais, oferecendo análises crí-
ticas da jurisprudência e das interpretações legais.
Além disso, os autores enfatizam a necessidade de
proteção das vítimas e testemunhas, a importância dos princí-
pios do devido processo legal e a aplicação dos Direitos Hu-
manos nos tribunais penais internacionais. Suas contribuições
são essenciais para o desenvolvimento e aprimoramento do
Direito Penal Internacional, bem como para o fortalecimento
da justiça global.
Em um contexto em que a impunidade por graves vio-
lações aos Direitos Humanos continua sendo uma preocupa-
ção, as obras desses autores desempenham um papel crucial
na conscientização, no debate e na promoção de um sistema

37
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

jurídico internacional mais efetivo e justo. Suas análises e re-


flexões oferecem uma base sólida para a compreensão dos
desafios enfrentados na persecução desses crimes e na pro-
teção dos Direitos Humanos em nível global.

1.5 A PROTEÇÃO DOS DIREITOS HUMANOS NA


APLICAÇÃO DO DIREITO PENAL NO CONTEXTO DA
GLOBALIZAÇÃO

No contexto da globalização, a proteção dos direitos


humanos na aplicação do direito penal torna-se um desafio
complexo e multifacetado. A interconexão dos sistemas jurídi-
cos, a mobilidade transnacional e as disparidades socioeco-
nômicas entre os países têm impacto direto na forma como os
direitos humanos são respeitados e garantidos no âmbito do
direito penal.
Segundo Antony Anghie (2005), em sua obra "Imperi-
alism, Sovereignty and the Making of International Law", ele
aborda a relação entre o direito penal, os direitos humanos e
o contexto da globalização. O autor argumenta que a globali-
zação, marcada pela expansão do poder econômico e político
de certos Estados e atores transnacionais, tem um impacto
profundo na aplicação do direito penal e na proteção dos direi-
tos humanos.

38
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

Anghie (2005) destaca que a globalização cria um am-


biente propício para a violação dos direitos humanos, especi-
almente nos países mais vulneráveis e periféricos. As assime-
trias econômicas e políticas entre os Estados, aliadas à in-
fluência das grandes potências, podem levar a práticas de apli-
cação seletiva do direito penal, prejudicando a proteção dos
direitos humanos e perpetuando a desigualdade global.
Diante disso Anghie (2005) também explora como as
estruturas de poder e o sistema jurídico internacional são mol-
dados pela história do imperialismo e do colonialismo. Ele ar-
gumenta que as normas e instituições do direito internacional
muitas vezes refletem os interesses das potências dominan-
tes, perpetuando assim a marginalização e a opressão das na-
ções e grupos subalternos. Essa dinâmica influencia direta-
mente a aplicação do direito penal no contexto da globaliza-
ção.
Desse modo Anghie (2005) ressalta a importância de
uma abordagem crítica na análise da relação entre direito pe-
nal, direitos humanos e globalização. Ele destaca a necessi-
dade de reconhecer e enfrentar as estruturas de poder desi-
guais e as injustiças históricas que moldam o sistema jurídico
internacional. Além disso, o autor destaca a importância de
promover a participação e a representatividade das nações e

39
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

grupos marginalizados nos processos de tomada de decisão


relacionados ao direito penal e aos direitos humanos.
Além de Anghie (2005) de forma relevante Held
(2002), explora como a globalização tem influenciado a aplica-
ção do direito penal e a proteção dos direitos humanos em es-
cala global. Ele analisa como a expansão dos fluxos transna-
cionais de pessoas, bens e informações afeta as estruturas
jurídicas internacionais e as garantias processuais penais.
Além disso, Held (2002) destaca a importância dos
princípios fundamentais dos direitos humanos, como a digni-
dade humana, a proporcionalidade e o devido processo legal,
na construção de um sistema de justiça criminal global mais
justo e equitativo. Ele argumenta que a proteção dos direitos
humanos na aplicação do direito penal é essencial para salva-
guardar os direitos individuais e promover a justiça em um
mundo cada vez mais interconectado.
No contexto da globalização, a proteção dos direitos
humanos na aplicação do direito penal é um tema de grande
relevância e complexidade. A obra de Anghie (2005) e Held
(2002) nos proporciona uma visão crítica e abrangente sobre
essa questão.
Anghie, em sua obra, aborda a relação entre o direito
penal e a globalização, destacando a influência do colonia-
lismo e do imperialismo na formação do direito internacional e

40
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

sua aplicação desigual. Ele ressalta a necessidade de questi-


onar e desafiar as estruturas de poder presentes no sistema
penal internacional, a fim de garantir a proteção efetiva dos
direitos humanos.
Por sua vez, Held nos apresenta uma análise sobre as
mudanças fundamentais do direito internacional em face da
globalização. Ele destaca a importância de repensar e recons-
truir as bases do direito internacional para garantir a proteção
dos direitos humanos em um contexto cada vez mais interco-
nectado e complexo.
Ambos os autores nos alertam para a necessidade de
uma abordagem crítica e realista na proteção dos direitos hu-
manos no contexto da aplicação do direito penal. Eles desta-
cam a importância de questionar as estruturas de poder exis-
tentes e buscar uma justiça penal mais equitativa, que leve em
consideração as desigualdades resultantes da globalização.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Ao longo deste trabalho, foi possível realizar uma aná-


lise crítica e realista da relação entre o Direito Penal e os Di-
reitos Humanos. Cada um dos capítulos abordou aspectos im-
portantes desse tema complexo, buscando compreender os
desafios e as implicações dessa interação.

41
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

No capítulo "Direito Penal e Direitos Humanos", foi


destacada a influência dos Direitos Humanos na conformação
do Direito Penal, evidenciando como os princípios e valores
fundamentais dos direitos fundamentais são incorporados nas
legislações penais dos países. Essa conexão é essencial para
a proteção dos indivíduos e o respeito à sua dignidade.
No capítulo "O Impacto dos Direitos Humanos na Apli-
cação das Penas", foi possível compreender a importância do
princípio da humanidade na imposição de penas proporcionais
aos delitos cometidos, evitando-se assim penas cruéis, desu-
manas ou degradantes. A proteção dos Direitos Humanos é
fundamental para garantir uma justiça penal mais justa e equi-
tativa.
No capítulo "Direito Penal e Direitos Humanos: Uma
Análise das Garantias Processuais Penais", foram exploradas
as garantias processuais penais que asseguram um processo
justo e equitativo para os acusados. O respeito aos princípios
do devido processo legal, como a presunção de inocência e a
ampla defesa, é fundamental para garantir a proteção dos Di-
reitos Humanos no âmbito do sistema penal.
No capítulo "A Relação entre o Direito Penal Interna-
cional e os Direitos Humanos", foi analisada a interação entre
esses dois campos do direito, com destaque para o papel do
Tribunal Penal Internacional na responsabilização por crimes

42
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

de guerra, crimes contra a humanidade, genocídio e agressão.


O Direito Penal Internacional desempenha um papel crucial na
proteção dos Direitos Humanos em escala global.
Por fim, no capítulo "A Proteção dos Direitos Humanos
na Aplicação do Direito Penal no Contexto da Globalização",
foi discutida a influência da globalização nas questões relaci-
onadas à proteção dos Direitos Humanos. A globalização
apresenta desafios e oportunidades para a proteção dos Direi-
tos Humanos, exigindo uma abordagem crítica e atenta aos
impactos dessa realidade complexa.
Em suma, a análise crítica e realista da relação entre
o Direito Penal e os Direitos Humanos revela a importância de
assegurar a proteção dos direitos fundamentais no âmbito da
justiça penal. A interseção dessas duas áreas do direito traz
consigo desafios complexos, mas também a possibilidade de
promover um sistema jurídico mais justo, equitativo e compro-
metido com a dignidade humana.
Portanto, é fundamental que estudiosos, profissionais
e sociedade em geral estejam atentos às questões abordadas
neste trabalho, buscando promover um diálogo constante e
aprimorar os mecanismos de proteção dos Direitos Humanos
no contexto do Direito Penal. Somente assim poderemos

43
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

avançar na construção de uma sociedade mais justa e com-


prometida com a dignidade e a igualdade de todos os indiví-
duos.

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46
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

2
FEMINICÍDIO NO BRASIL E AS INOVAÇÕES JURÍDICAS
DA LEI Nº 13.104/15 EM FACE DO DIREITO PENAL

FEMINICIDE IN BRAZIL AND THE LEGAL INNOVATIONS


OF LAW Nº 13.104/15 IN THE FACE OF CRIMINAL LAW

Silvano de Oliveira Lourenço3


Gilberto Jorge Ferreira da Silva 4

LOURENÇO, Silvano de Oliveira. Feminicídio no Brasil e as


Inovações Jurídicas da Lei nº 13.104/15 em face do Direito
Penal. Trabalho de Conclusão de Curso de graduação em Di-
reito – Centro Universitário UNINORTE, Rio Branco, 2023.

RESUMO

3 Discente do 9° Período do Curso de Bacharel em Direito pelo Centro Universitário


Uninorte.
4 Graduado em Direito pela Universidade Federal do Acre (UFAC), Defensor Pú-

blico do Estado do Acre, Professor do Centro Universitário Uninorte, Pós-graduado


em Processo Civil (UCAM) e Mestre em Direito pela Universidade de Santa Cruz
do Sul (UNISC), Defensor Público – Defensoria Pública do Estado do Acre, com
atuação no TJAC e Tribunais Superiores. Professor do Centro Universitário Uni-
norte.

47
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

O presente artigo tem como como objetivo central analisar a


inserção da qualificadora do feminicídio no crime de homicídio
no ordenamento jurídico-penal brasileiro, abordando questões
acerca do poder punitivo do Estado em relação à repressão
contra a violência de gênero. Dessa forma, traz em seu bojo
uma abordagem da relação de dominação do homem sobre a
mulher introduzida pelo machismo e a misoginia e de que
forma isso impactou para a violência de gênero que vitima as
mulheres atualmente. Portanto, será demonstrado, que o lado
mais cruel desta violência é o feminicídio, ou seja, a morte da
mulher em razão do seu gênero, que passou a ter uma abor-
dagem mais difundida na sociedade brasileira a partir do ano
de 2015, quando da entrada em vigor da Lei nº 13.104 inclu-
indo a prática do delito como uma qualificadora do crime de
homicídio. A inovação legislativa, muito embora represente um
grande avanço na luta pela proteção da mulher, ainda é co-
mum a negligência dos direitos femininos em relação à violên-
cia. Desse modo, buscou-se demonstrar a importância dessa
alteração legislativa e a reflexão sobre a eficácia da criminali-
zação do feminicídio como medida de combate à violência de
gênero contra a mulher.

Palavras-chave: violência de gênero; qualificadora; feminicí-


dio.

48
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

ABSTRACT

The main objective of this article is to analyze the insertion of


the qualifier of feminicide in the crime of homicide in the Brazi-
lian criminal law, addressing issues about the punitive power
of the State in relation to the repression against gender vio-
lence. Thus, it brings in its bulge an approach to the relations-
hip of domination of the man over the woman introduced by
sexism and misogyny and how it impacted on gender violence
that victimizes women today. Therefore, it will be demonstrated
that the most cruel side of this violence is feminicide, that is,
the death of women by reason of their gender, which began to
have a more widespread approach in Brazilian society from the
year 2015, when the entry into force of Law 13.104 including
the practice of the offense as a qualifier of the crime of homi-
cide. Although legislative innovation represents a major ad-
vance in the fight for the protection of women, it is still common
to neglect women’s rights in relation to violence. Therefore, we
sought to demonstrate the importance of this legislative
change and the reflection on the effectiveness of the criminali-
zation of feminicide as a measure to combat gender violence
against women

Keywords: gender violence; qualifier; feminicide.

49
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

INTRODUÇÃO

A violência tornou-se uma realidade inegável e cres-


cente na vida diária no Brasil, e nesse contexto, a violência
contra as mulheres se destaca como umas das maiores ques-
tões da sociedade brasileira moderna.
Nesse sentido, a Lei 13.104/15, que incluiu o feminicí-
dio como qualificadora do crime de homicídio no Código Penal
brasileiro, representa uma importante inovação no ordena-
mento jurídico-penal do país. Essa mudança legislativa foi mo-
tivada pela necessidade de reconhecer a gravidade e especi-
ficidade do crime de feminicídio, que é cometido por razões de
gênero e envolve a morte de mulheres no contexto da violên-
cia doméstica e familiar.
Nesse sentido, nas diversas searas em que o pro-
blema tem sido discutido, e amplamente divulgado, surgem di-
versas medidas e propostas para enfrentá-lo, com o objetivo
de reduzir seus efeitos ou, em um cenário idealista, até mesmo
eliminá-lo, e uma dessas ações foi a implementação do femi-
nicídio como forma de combater a morte de mulheres em ra-
zão de seu gênero.
Nessa esteira, a violência contra a mulher pode ter di-
versas formas, e o feminicídio é considerado o ponto mais ex-
tremo dessa violência. O foco principal deste artigo é o femini-

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Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

cídio e sua relação com a Lei 13.104/2015, que inseriu o femi-


nicídio como umas das qualificadoras do crime de homicídio
no Código Penal brasileiro. Ademias, este estudo visa avaliar
se essa lei, que trouxe inovações no ordenamento jurídico-pe-
nal, teve impacto efetivo no enfrentamento da violência de gê-
nero no país.
Além disso, faz-se um breve relato histórico sobre o
papel da mulher na sociedade, mostrando a construção da do-
minação do gênero masculino sobre o feminino, gozando de
um papel de gênero superior desde os primórdios. Também a
demonstração dos diversos tipos de violência que a mulher
sofre diariamente, não somente a física, mas a violência moral,
psicológica, doméstica e sexual, que muitas das vezes implica
na eliminação da vida de mulheres no Brasil.

2.1 REFLEXÕES SOBRE VIOLÊNCIA DE GÊNERO

Antes de adentrar propriamente no tema feminicídio


vale aqui uma reflexão sobre a definição de gênero, onde não
define o tipo sexual, mas sim, o sexo de cada pessoa, sendo
determinado entre o masculino e o feminino devido aos aspec-
tos tanto físicos como biológicos.
Segundo o entendimento legal, para que se configure
feminicídio como uma qualificadora é necessário que o crime
esteja vinculado ao gênero, ou seja, deve ser comprovado que

51
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

o crime foi cometido contra a mulher pela sua condição de gê-


nero. Consoante, o (Dicionário On-line de Português) exempli-
fica o conceito de gênero da seguinte forma:

Grupos da classificação dos seres vivos que re-


úne espécies vizinhas, aparentadas, afins, por
apresentarem entre si semelhanças constantes;
família; raça; o lobo é uma espécie do gênero ca-
nis. Diferença entre homens e mulheres que,
construída socialmente, pode variar segundo a
cultura, determinando o papel social atribuído ao
homem e à mulher e às suas identidades sexu-
ais.

Com isso, a definição de gênero não se refere ao as-


pecto biológico, mas sim, as relações sociais que concede aos
indivíduos de acordo com a sociedade em que ele habita, fa-
zendo com que siga padrões para ser inserido em determi-
nado meio onde se vive.
A violência de gênero é um problema social complexo
que afeta mulheres em todo o mundo, independentemente de
idade, raça, religião, orientação sexual ou classe social. É uma
forma de discriminação e opressão que se baseia na ideia de
que as mulheres são inferiores aos homens e que, portanto,
podem ser controladas, subjugadas e violentadas. Essa men-
talidade sexista e patriarcal perpetua a desigualdade de gê-
nero e impede o pleno exercício dos direitos humanos das mu-
lheres.
A violência em desfavor das mulheres por sua vez, é

52
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

a expressão mais extrema dos valores patriarcais, e causa da


morte de muitas brasileiras ao passar de cada ano. Inobstante
a sanção de uma lei que combata a violência contra as mulhe-
res, buscando uma efetiva proteção, ainda pode-se observar
rotineiramente casos de agressões (física, patrimonial, sexual,
psicológica, moral e inúmeras outras).
Nessa esteira, Cunha (2014, p. 150) afirma:

A violência contra a mulher é um fenômeno his-


tórico, fruto das relações de desigualdade de gê-
nero, as quais, conjuntamente com as desigual-
dades de classe, raça e sexualidade, estão im-
bricadas aos interesses do modo de produção
capitalista. Não é possível analisar as relações
de gênero sem compreendê-las em seu contexto
histórico, econômico e social. Quando analisa-
das na ordem patriarcal, é preciso percebê-las
dentro e a partir das desigualdades de classe,
raça e sexualidade, sem hierarquizá-las, já que
estas são também eixos estruturantes da socie-
dade e encontram-se amarradas umas às outras.

A Lei nº 11.340/2006, também denominada como Lei


Maria da penha, prevê em seu artigo 5º, caput, o conceito de
violência doméstica e familiar em desfavor da mulher dispondo
o seguinte: “Para os efeitos desta Lei, configura violência do-
méstica e familiar contra a mulher qualquer ação ou omissão
baseada no gênero que lhe cause morte, lesão, sofrimento fí-
sico, sexual ou psicológico e dano moral ou patrimonial”.
A dominação do homem em face da submissão da

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Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

mulher, como consequência a violência de gênero, pode ser


consumada por ação ou omissão, compreendendo essa vio-
lência tanto na sua forma física como a que atinge a integri-
dade moral, sexual e/ou patrimonial da mulher.
Assim, para que seja configurado a consumação do
delito é necessário que a vítima de feminicídio seja necessari-
amente do sexo feminino, ou seja, o sujeito passivo é a mu-
lher.
Ainda quanto ao sujeito passivo, a intenção do femini-
cídio é aplicar a qualificadora aos crimes de homicídio em ra-
zão do gênero feminino, dessa maneira, incluindo a proteção
também as mulheres transexuais que embora não possua o
sexo biológico feminino, possui o sexo psicológico de mulher.
Com isso, diante da ausência de uma clara definição
legal, existem várias interpretações doutrinárias sobre a apli-
cação da qualificadora de feminicídio quando a vítima é uma
mulher transexual. Com a finalidade de preservar o princípio
da igualdade, consagrado no artigo 5º da Constituição Fede-
ral.
No que tange ao sujeito passivo transexual, Barros e
Souza (2019, p.71) traz seguinte lição: “Não haverá feminicí-
dio, considerando que sob os aspectos morfológico, genético
e endócrino, continua sendo do sexo masculino. A transexua-
lidade, de seu turno, é classificada pela Organização Mundial

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Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

de Saúde como uma espécie de transtorno de identidade de


gênero, na qual o indivíduo tem o desejo de viver e de ser
aceito como do sexo oposto ao do seu nascimento. Nos dias
atuais, é comum a transgenitalização, ou seja, a cirurgia de
redesignação sexual”. Não obstante, no que tange a vítima
transexual, Rogério Sanches Cunha (2015) explana que:

[...] como bem ressaltam Cristiano Chaves de Fa-


rias e Nelson Rosenvald, “o transexual não se
confunde com o homossexual, bissexual, inter-
sexual ou mesmo com o travesti. O transexual é
aquele que sofre uma dicotomia físico-psíquica,
possuindo um sexo físico, distinto de sua confor-
mação sexual psicológica. Nesse quadro, a cirur-
gia de mudança de sexo pode se apresentar
como um modo necessário para a conformação
do seu estado físico e psíquico”.

Ainda, no que concerne o sujeito passivo transexual,


há duas posições, trazidas por Cunha (2015):

[...] podem ser observadas duas posições: uma


primeira, conservadora, entendendo que o tran-
sexual, geneticamente, não é mulher (apenas
passa a ter órgão genital de conformidade femi-
nina), e que, portanto, descarta, para a hipótese,
a proteção especial; já para uma corrente mais
moderna, desde que a pessoa portadora de tran-
sexualismo transmute suas características sexu-
ais (por cirurgia e modo irreversível), deve ser
encarada de acordo com sua nova realidade
morfológica, eis que a jurisprudência admite, in-
clusive, retificação de registro civil. Rogério
Greco, não sem razão, explica: “Se existe al-

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Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

guma dúvida sobre a possibilidade de o legisla-


dor transformar um homem em uma mulher, isso
não acontece quando estamos diante de uma de-
cisão transitada em julgado. Se o Poder Judiciá-
rio, depois de cumprido o devido processo legal,
determinar a modificação da condição sexual de
alguém, tal fato deverá repercutir em todos os
âmbitos de sua vida, inclusive o penal”.

Vale ressaltar que, apesar das dificuldades e discrimi-


nação enfrentadas pelas pessoa transgênero, houve algumas
conquistas importantes em relação à proteção contra a violên-
cia de gênero. Além da aplicação da Lei do feminicídio, tam-
bém foi reconhecida a aplicação da Lei Maria da Penha, ga-
rantido os direitos e a segurança das pessoas transgênero e
todas as vítimas de violência de gênero.
O Superior Tribunal de Justiça (STJ), em abril de
2022, decidiu que a Lei Maria da Penha fosse aplicada em ca-
sos de violência doméstica ou familiar em favor das mulheres
transexuais. Dessa maneira, tornou-se mais evidente que
essa decisão serve de exemplo para mostrar que as mulheres
transgênero também deve ser acolhidas e respeitadas, sendo
garantido o direito a uma vida sem violência
Ainda sobre esse enfoque temático de acordo com
Barros e Souza (2019, p.30-37), é possível identificar algumas
espécies de feminicídio, sendo eles:

A - Feminicídio “intralar”: Ocorre quando uma


mulher mata a outra no contexto de violência do-
méstica e familiar.

56
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

B - Feminicídio homoafetivo: Ocorre quando uma


mulher mata a outra no contexto de violência do-
méstica e familiar.
C - Feminicídio Simbólico heterogêneo: Ocorre
quando um homem assassina uma mulher moti-
vado pelo menosprezo ou discriminação à condi-
ção de mulher, reportando-se, no campo simbó-
lico, a destruição da identidade da vítima e de
sua condição de pertencer ao sexo feminino.
D - Feminicídio simbólico homogêneo: Ocorre
quando uma mulher mata a outra no contexto de
violência doméstica e familiar.
E - Feminicídio aberrante por aberratio ictus: O
feminicídio aberrante por aberratio ictus ocorre
quando, por acidente ou erro no uso dos meios
de execução, o homem ou a mulher, ao invés de
atingir a mulher que pretendia ofender, atinge
pessoa diversa, respondendo, portanto, como se
tivesse praticado o crime contra aquela.

2.1.1 FEMINICÍDIO

O feminicídio é uma evolução da violência de gênero


praticada pelo sexo masculino em face do feminino, isso ex-
plica o contexto das leis de enfrentamento à violência voltado
para proteger as mulheres, como por exemplo a Lei
13.104/2015, introduzida no Código Penal, fruto de uma cons-
cientização do valor que a mulher tem na sociedade como ser
humano, objetivando respeito de se ter uma vida livre de vio-
lência (doméstica, familiar ou sexual).
Realizando um oportuno resgate histórico, o feminicí-
dio deu-se no Brasil através da palavra em inglês femicide,

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Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

onde se explica os assassinatos de mulheres em razão do gê-


nero, em outras palavras, a morte de mulheres apenas por se-
rem do sexo feminino. Mas, é importante ressaltar que há ob-
servações especificas nessa qualificadora, o legislador pre-
cisa reconhecer que as mulheres estão sendo mortas em ra-
zão de serem mulheres. O feminicídio trata-se de uma qualifi-
cadora, sendo assim é errado dizer “que fora criado um crime
de feminicídio” quando na verdade, o crime continua sendo de
homicídio. Desse modo, Wânia Pasinato ao tratar do tema:

A expressão femicídio – ou “femicide” como for-


mulada originalmente em inglês – é atribuída a
Diana Russel, que a teria utilizado pela primeira
vez em 1976, durante um depoimento perante o
Tribunal Internacional de Crimes contra Mulhe-
res, em Bruxelas. Posteriormente, em parceria
com Jill Radford, Russel escreveu um livro sobre
o tema, o qual viria a se tornar a principal refe-
rência para os estudos aqui analisados. De
acordo com a literatura consultada, Russel e
Radford utilizaram essa expressão para designar
os assassinatos de mulheres que teriam sido 5
provocados pelo fato de serem mulheres. Com
essa primeira aproximação sobre o significado
dessas mortes, as autoras salientam que as mor-
tes classificadas como femicídio resultariam de
uma discriminação baseada no gênero, não
sendo identificadas conexões com outros marca-
dores de diferença tais como raça/etnia ou gera-
ção. Ainda segundo as mesmas autoras, outra
característica que define femicídio é não ser um
fato isolado na vida das mulheres vitimadas, mas
apresentar-se como o ponto final em um conti-
nuum de terror, que inclui abusos verbais e físi-
cos e uma extensa gama de manifestações de

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Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

violência e privações a que as mulheres são sub-


metidas ao longo de suas vidas. Sempre que es-
ses abusos resultam na morte da mulher, eles
devem ser reconhecidos como feminídio. (PASI-
NATO, p.223).

Ademais, é possível ver que os papeis desiguais e


submissos do gênero feminino foram estabelecidos anos
atrás, levando a mulher para uma situação de inferioridade,
fazendo com que o feminicídio seja não somente o ato de ma-
tar a mulher, mas sim, evidenciando que até chegar nesse
ponto, a mulher passou por repressão e dominação do seu
agressor.
Visando uma maior eficácia o legislador inseriu o fe-
minicídio no rol dos crimes hediondos, estabelecido no artigo
1º da Lei nº 8.072/1990, Lei dos crimes hediondos. Faz-se ne-
cessário salientar que, para a admissão da causa de aumento
de pena, o sujeito ativo do crime deve ter o pleno conheci-
mento sobre tal circunstância, se não há o devido conheci-
mento, o aumento de pena se exclui em função do erro do tipo.
De certo, no feminicídio não é admitida a forma cul-
posa, isto é, quando o autor, que é o sujeito do crime, não
possui a vontade de matar, não aceitando e nem assumindo o
risco do resultado. O feminicídio é previsto como crime doloso
contra a vida da mulher, de forma que o homicídio doloso seja
aquele que o autor do crime tenha a vontade de conseguir o

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Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

resultado, quer assumir o risco de matar, fazendo com que a


caracterização da qualificadora do feminicídio seja imposta em
atos praticados pela razão do sexo feminino.
É verdade que a crescente de assassinatos contra
mulheres é alarmante e tem feito com que muitas pessoas re-
flitam sobre a questão do feminicídio. A raiz do problema é
complexa e está relacionada a construções socioculturais que
foram reproduzidas ao longo da história, nas quais as mulhe-
res foram sempre tidas como “inferiores” em relação aos ho-
mens.
Essas construções sociais podem ser encontradas em
diversas culturas e sociedades, e geralmente são legitimadas
em preconceitos e estereótipos que perpetuam a desigual-
dade de gênero. As mulheres são frequentemente vistas como
objetos sexuais, dependentes emocionais, ou simplesmente
como propriedade dos homens. Essas visões colaboram para
que valor das mulheres na sociedade seja diminuído e permi-
tem que a violência contra elas seja naturalizada.
O feminicídio é a forma mais extrema de violência con-
tra a mulher e é motivado por questões de gênero. As mulhe-
res são mortas simplesmente porque são mulheres, e em sua
maioria essa violência é cometida por parceiros íntimos ou ex-
parceiros, idealizando que têm o direito de controlar e dominar
suas parceiras.

60
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

É notória a grande mortalidade de pessoas do sexo


feminino em razão do gênero na sociedade contemporânea
brasileira e mundial, pois, essa realidade é resultado de diver-
sas formas de violência contra as mulheres, como a violência
doméstica, o feminicídio, o assédio sexual entres outras vio-
lências.
No Brasil, por exemplo, os casos de feminicídio vêm
aumentando a cada ano, e muitas mulheres são vítimas de
violência doméstica diariamente. Além disso, essas questões
são um reflexo de desigualdades de gênero profundamente
enraizadas na sociedade, que precisam ser abordadas de ma-
neira efetiva e estrutural por meio de políticas públicas, edu-
cação e mudanças culturais. A promoção da igualdade de gê-
nero é essencial para garantir a segurança, a saúde e o bem-
estar das mulheres em todo o mundo.

2.1.3 LEI MARIA DA PENHA – LEI 11.340/2006

Ao se falar na Lei 11.340/2006, observa-se que o


ponto de partida que levou o Brasil a criar a respectiva Lei foi
exatamente a importância do assunto e a necessidade do
combate à violência contra a mulher.
Sobre a criação da Lei 11.340 de 7 de agosto de 2006,
conhecida como Maria da Penha, pode-se dizer que essa Lei

61
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

foi criada em homenagem à biofarmacêutica Maria da Penha


Maia, que, em 1983, por duas vezes, sofreu tentativas de as-
sassinato pelo marido, professor universitário colombiano, e
acabou ficando paraplégica, resultando em um dos marcos
mais importante no cenário brasileiro para o combate da vio-
lência contra a mulher. Segue trecho da Lei 11.340, aprovada
em 7 de agosto de 2006, dispondo a proteção contra as mu-
lheres, consoante ao seu artigo 1º:

[...] Esta Lei cria mecanismos para coibir e pre-


venir a violência doméstica e familiar contra a
mulher, nos termos do § 8º do art. 226 da Cons-
tituição Federal, da Convenção sobre a Elimina-
ção de Todas as Formas de Violência contra a
Mulher, da Convenção Interamericana para Pre-
venir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mu-
lher e de outros tratados internacionais ratifica-
dos pela República Federativa do Brasil; dispõe
sobre a criação dos Juizados de Violência Do-
méstica e Familiar contra a Mulher; e estabelece
medidas de assistência e proteção às mulheres
em situação de violência doméstica e familiar.

Consoante Lima aponta alguns pontos sobre a origem


da Lei Maria da penha (2016, p. 899):

Por conta da lentidão do processo, e por envolver


grave violação aos direitos humanos, o caso foi
levado à Comissão Interamericana de Direitos
Humanos, que publicou o Relatório n° 54/2001,
no sentido de que a ineficácia judicial~ a impuni-
dade e a impossibilidade de a vítima obter uma
reparação mostra a falta de cumprimento do

62
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

compromisso assumido pelo Brasil de reagir ade-


quadamente ante a violência doméstica. Cinco
anos depois da publicação do referido relatório,
com o objetivo de coibir e reprimir a violência do-
méstica e familiar contra a mulher e superar uma
violência há muito arraigada na cultura machista
do povo brasileiro, entrou em vigor a Lei n°
11.340/06, que ficou mais conhecida como Lei
Maria da Penha.

Além do mais, o art. 5º para os efeitos desta Lei, con-


figura violência doméstica e familiar contra a mulher qualquer
ação ou omissão baseada no gênero que lhe cause morte, le-
são, sofrimento físico, sexual ou psicológico e dano moral ou
patrimonial:

I - no âmbito da unidade doméstica, compreen-


dida como o espaço de convívio permanente de
pessoas, com ou sem vínculo familiar, inclusive
as esporadicamente agregadas;
II - no âmbito da família, compreendida como a
comunidade formada por indivíduos que são ou
se consideram aparentados, unidos por laços na-
turais, por afinidade ou por vontade expressa;
III - em qualquer relação íntima de afeto, na qual
o agressor conviva ou tenha convivido com a
ofendida, independentemente de coabitação.
(BRASIL, 2006)

A Lei Maria da Penha foi considerada como um qua-


dro jurídico dos direitos humanos no país, visando proteger os
direitos e garantias fundamentais de todos, sem distinção de
cor, idade, sexo, origem, bem como outras distinções, em que

63
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

homens e mulheres são iguais perante a Lei, conforme artigo


5º, inciso I, da Constituição Federal de 1988, in verbis:

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distin-


ção de qualquer natureza, garantindo-se aos bra-
sileiros e aos estrangeiros residentes no País a
inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à
igualdade, à segurança e à propriedade, nos ter-
mos seguintes: I - Homens e mulheres são iguais
em direitos e obrigações, nos termos desta
Constituição (BRASIL, 1988).

Portanto, a Lei Maria da Penha veio com a ideia de dá


um tratamento diferenciado para as mulheres, proporcio-
nando-lhe uma proteção especial, tendo como relevância que
a mulher desde o início é vítima de violência doméstica

2.1.4 A IMPORTÂNCIA DO SURGIMENTO DE UMA LEI


ESPECIAL PARA A PROTEÇÃO DAS MULHERES NO
BRASIL

O contexto do menosprezo e a discriminação da mu-


lher no meio social brasileiro se desdobram de várias formas,
que vai desde sua violência física, mental, sexual, torturas, pri-
vação de direitos garantidos, a imposições de uma submissão.
Dessa forma, analisando o contexto familiar, local esse que
deveria ser seguro e a mulher deveria estar protegida, tem-se

64
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

que é o principal âmbito da violência, isso ocorre pelas impo-


sições do machismo que colocou a mulher em uma contexto
de inferioridade e como consequência desenvolveu nas mu-
lheres um papel de serem as vítimas (INSTITUTO PATRICIA
GALVÃO,2017).

Assassinadas por parceiros ou ex, por familiares,


por desconhecidos; estupradas, esganadas, es-
pancadas, mutiladas; negligenciadas, violadas
por instituições públicas, invisibilizadas: mulhe-
res morrem barbaramente todos os dias no Bra-
sil. Mortes anunciadas continuam acontecendo,
mas esses feminicídios ainda não se tornaram
uma realidade intolerável para o Estado e para
grande parte da sociedade que, por ação ou
omissão, são cúmplices da perpetuação de
agressões que culminam em mortes evitáveis de
mulheres (INSTITUTO PATRÍCIA GALVÃO,
2017. p.51).

Existem vários tipos de violências contra as mulheres,


o feminicídio no caso é o último e mais grave estágio dessas
agressões. Vê-se ao longo da história que uma das principais
causas dessas violências é a construção social viciada no que
foi determinado às mulheres ao longo dos anos, desde a ex-
pectativa de um comportamento convencional, até lugares so-
ciais que elas não podiam ocupar.
“A naturalização dessas expectativas sociais abre
margem para que a violência aconteça quando uma mulher
não cumpre o esperado”. Visto que “um terço dos homicídios

65
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

de mulheres no mundo – 35% – são cometidos por seus com-


panheiros, de acordo com a Organização Mundial da Saúde,
enquanto 5% dos assassinatos de homens são cometidos por
suas parceiras” (CARLA, 2018). Esses casos não são isola-
dos, mas sim alarmantes. Pois, a desproporção é uma carac-
terística da completa discriminação contra o sexo feminino
(INSTITUTO PATRÍCIA GALVÃO, 2017).
Os frequentes casos em que o agressor faz uma ocul-
tação dessa violência praticada, de alguma forma é um fator
predominante para o aumento do seu sentimento de masculi-
nidade e posse diante da mulher, sentindo uma autorização
para realizar essa conduta, tendo o pensamento de determinar
se a mulher vive ou morre. Isso não se dá somente em rela-
ções amorosas, mas também em relação de pai e filha, ir-
mãos, ou qualquer homem ligado ao convívio da mulher.
Se faz intolerável para quem não convive com essa
realidade, mas ainda nos dias de hoje, há uma cultura mascu-
lina que tem a convicção de que a mulher deve ser submissa
as suas ordens, passando a controlar suas ações, opiniões e
vontades, o homem acredita “que têm o direito de impor suas
opiniões e vontades às mulheres e, se contrariados, podem
recorrer à agressão verbal e física e acreditam, ainda, que a
violência é uma resposta legítima diante dos conflitos” (INSTI-
TUTO PATRÍCIA GALVÃO, 2017, p. 56).

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Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

O meio social ainda hoje tolera em alto nível essa con-


dição fazendo com que seja ainda mais enraizada na nossa
sociedade a cultura da violência, sendo que é aceitável para
muitos, a exemplo disso “quando o término de um relaciona-
mento ou uma traição é apontada – por quem cometeu um
feminicídio, pela sociedade ou até pelo sistema de justiça –
como uma justificativa razoável para se atentar contra a vida
de uma mulher” (INSTITUTO PATRÍCIA GALVÃO, 2017, p.
57).
A proporção se dá como um ciclo, começando com
agressões verbais, logo em seguida surgem as agressões psi-
cológicas, ou seja, o homem cria todo um pensamento na mu-
lher de que ela não vai ser aceita por nenhum outro homem e
que ninguém vai gostar dela, criando assim na cabeça da ví-
tima um transtorno de dependência emocional.
Como consequência disso, a mulher acredita que só
ele ficará com ela, se submetendo a tudo por medo de ficar
sozinha, tais violência vão se perpetuando de maneira irrever-
sível, levando até o assassinato, haja visto que ao longo do
texto é o último estágio da agressão contra a mulher. Isto é, a
mulher vai morrendo aos poucos, sendo que muitas dessas
mortes há uma capacidade de serem evitadas, mas apenas se
a violência não fosse tão banalizada pela sociedade (INSTI-
TUTO PATRÍCIA GALVÃO, 2017).

67
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

O reconhecimento desse contínuo de violências


evidencia duas grandes barreiras para o enfren-
tamento ao feminicídio: de um lado, a banaliza-
ção de episódios de violência física, psicológica,
moral ou patrimonial que não atingem a fatali-
dade; do outro, a responsabilidade do Estado,
que falhou em proteger a vida da mulher e evitar
uma ‘morte anunciada’, como preconizam as leis
nacionais e internacionais (INSTITUTO PATRÍ-
CIA GALVÃO, 2017, p. 58).

2.1.5 CONVENÇÃO INTERAMERICANA DE BELÉM DO


PARÁ E A SUA IMPORTÂNCIA PARA COMBATER O
FEMINICÍDIO DO BRASIL

A Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e


Erradicar a Violência contra Mulher, ficou conhecida como
Convenção Interamericana de Belém do Pará, pois na menci-
onada cidade em 9 de junho de 1994 ela foi adotada, com-
pondo o sistema de proteção aos direitos humanos. Tornou-
se um marco histórico, pois é o primeiro tratado internacional
que visa criminalizar toda forma de violência contra a mulher
(CAUSANILHAS, 2021).

Convenção de Belém do Pará estabeleceu, pela


primeira vez, o direito das mulheres viverem uma
vida livre de violência, ao tratar a violência contra
elas como uma violação aos direitos humanos.
Nesse sentido, adotou um novo paradigma na
luta internacional da concepção e de direitos hu-
manos, considerando que o privado é público e,
por consequência, cabe aos Estados assumirem

68
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

a responsabilidade e o dever indelegável de er-


radicar e sancionar as situações de violência
contra as mulheres (BANDEIRA e ALMEIDA,
2015).

Foi imposta a aplicação da convenção no Brasil por


sentença da Comissão Interamericana de Direitos Humanos,
visto como uma condenação ao país pela negligência ao caso
da Maria da Penha Fernandes, (símbolo do combate à violên-
cia contra a mulher) com sua luta por justiça fez nascer a Lei
nº 11.340 de 2006, a Lei Maria da Penha. Pelo fato de seu
agressor ter continuado em liberdade após ter tido seu julga-
mento pelo Tribunal do Júri, favorecendo-se vários recursos
previstos no processo penal. Tal fato “[...] fez entidades como
o Centro para Justiça e o Direito Internacional e o Comitê La-
tino-Americano e do Caribe para a Defesa dos Direitos da Mu-
lher apresentarem uma petição à Comissão Interamericana de
Direitos Humanos” (MARTINI e ALMEIDA, 2017, p. 7).
Como isso, a petição buscou sensibilizar os juristas a
terem uma atenção na punibilidade do sujeito ativo, visando a
criação de mais delegacias especializadas para a proteção
das mulheres e atentar-se que a punição com um baixo grau
de seriedade ao agressor pelo crime cometido o Estado esta-
ria sendo omisso em relação as formas de erradicar a mortes
de mulheres em decorrência de violência de gênero, pois este

69
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

tem o dever de punir os delitos com seriedade (MARTINI e


ALMEIDA, 2017 p. 7).

A comissão acusava o país de ter descumprido


dois tratados internacionais, dos quais é signatá-
rio: a Convenção Americana de Direitos Huma-
nos e a referida Convenção de Belém do Pará.
Os dois acordos garantem às mulheres vítimas
de violência doméstica amplo direito de defesa,
enquanto os acusados de cometerem o delito de-
vem ser alvo de investigação policial e judicial ri-
gorosa, o que não ocorreu. A sentença da Co-
missão afirmou que "O Brasil não garantiu um
processo justo contra o agressor em um prazo
razoável". A CIDH analisou a denúncia por 13
anos e, durante esse tempo, foram enviadas três
solicitações oficiais de esclarecimentos ao go-
verno brasileiro, que não as considerou (BAN-
DEIRA e ALMEIDA, 2015).

Ademais, o Brasil a partir de uma sentença, teve que


ratificar em seu ordenamento a Convenção Interamericana
para Prevenir, Punir e Erradicar a violência contra a Mulher.

2.2 O PROCESSO DE TIPIFICAÇÃO DO FEMINICÍDIO

A tipificação do feminicídio no Brasil foi um processo


longo e contou com a luta de diversos movimentos sociais e
feministas. Até 2015, o homicídio cometido contra uma mulher
era tratado de forma genérica no Código Penal, sem levar em
consideração a violência de gênero como uma das causas.

70
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

A partir de então, com a Lei 13.104/2015 o feminicídio


foi incluído no Código Penal, como modalidade de homicídio
qualificado, o que significa que a pena para esse tipo de crime
é mais rigorosa do que a do homicídio comum com intuito de
coibir a morte de mulheres em razão do sexo feminino no âm-
bito da violência doméstica e familiar, menosprezo ou discri-
minação. O feminicídio é definido como o assassinato de uma
mulher cometido em razão de sua condição de mulher, ou
seja, quando envolve violência doméstica e familiar ou menos-
prezo e discriminação à condição feminina.
Notou-se um avanço significativo na proteção das mu-
lheres no Brasil, mas, ainda assim, esse avanço na norma pu-
nitiva não implicou na diminuição de casos de violência por
parte do agressor. Consoante o Ministério da Mulher, da Fa-
mília e dos Direitos Humanos, através da central de atendi-
mento à mulher, o ligue 180, no primeiro semestre de 2022, a
central de atendimento registrou 31.398 denúncias e 169.676
violações envolvendo a violência doméstica contra as mulhe-
res.
Com uma análise a respeito desse fenômeno hodier-
namente, observa-se com a novidade legislativa um rigoroso
poder punitivo na prática do delito exposto. Pois, notoriamente
a preocupação com o futuro da mulheres no Brasil é urgente
e necessária, visto a insegurança de levar consigo o peso de

71
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

“ser mulher”, e ao mesmo tempo o aumento significativo da


criminalidade relacionada ao gênero no Brasil.
Segundo o Conselho Nacional de Justiça (CNJ), o to-
tal de casos de violência contra mulher aumentou em todo o
Brasil. De acordo com o órgão, em 2020, 1.596 casos foram
registrados pelo Judiciário brasileiro. Já em 2021, a Justiça
contabilizou 1.900 casos de feminicídio, conforme estudos re-
tirados do site de notícias G1 (CAEVALHO; MONSERRAT,
BOECHAT, 2022).
Portanto, a tipificação do feminicídio foi um importante
avanço na luta contra a violência de gênero, pois visou com-
bater a impunidade dos agressores e aumentar a conscienti-
zação sobre a violência sofrida pelas mulheres. No entanto, é
preciso destacar que ainda há muito a ser feito para erradicar
a violência contra as mulheres no Brasil e em todo o mundo.

2.1.1 ALTERAÇÕES NO CÓDIGO PENAL COM O ADVENTO


DO FEMINICÍDIO NA LEGISLAÇÃO PENAL

Diante desse cenário da cultura da violência contra a


mulher em que se vive hoje, a misoginia (ódio ou aversão às
mulheres) acaba sendo uma realidade. Com o passar dos tem-
pos, e ainda, hodiernamente, se cultiva ainda mais a cultura
misógina na sociedade brasileira. Diariamente mulheres são

72
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

vítimas de agressões, desde xingamentos a agressões psico-


lógica, estupros e o homicídio como forma de último estágio
da violência, visto que o homem tem a visão de superioridade
e sente-se no direito de cometer agressão contra a mulher.

Feminicídio é a instância última de controle da


mulher pelo homem: o controle da vida e da
morte. Ele se expressa como afirmação irrestrita
de posse, igualando a mulher a um objeto,
quando cometido por parceiro ou ex-parceiro;
como subjugação da intimidade e da sexualidade
da mulher, por meio da violência sexual associ-
ada ao assassinato; como destruição da identi-
dade da mulher, pela mutilação ou desfiguração
de seu corpo; como aviltamento da dignidade da
mulher, submetendo-a a tortura ou a tratamento
cruel ou degradante (Relatório Final, CPMI-VCM,
2013).

Apesar dessa cultura estar enraizada na sociedade


brasileira, há muito tempo, cada vez mais as mulheres estão
buscando conquistar o seu espaço na sociedade e reivindi-
cando seus direitos de proteção. Dessa forma, é necessário
entender a proporção do crime de feminicídio, e compreender
o que caracteriza o homicídio qualificado.
Com isso, o crime de homicídio está previsto do Có-
digo Penal brasileiro em seu artigo 121. Mostrando como pre-
missa o verbo constitutivo do tipo “matar alguém”. O artigo em
sua essência dispõe sobre a proteção da vida, sendo o princi-

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Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

pal objetivo tutelado pelo direito brasileiro. O ordenamento le-


gal classifica primeiro o homicídio simples, ferindo apenas o
bem jurídico tutelado, puramente matar alguém. Entretanto se
a qualificação da conduta for executada de uma forma dife-
rente do simples, ou seja, quando o agente além de praticar o
delito, o faz de forma que a vida da vítima seja ainda mais
desvalorizada (SILVA, 2014).

O legislador penal, ao definir o crime de homicí-


dio, na sua forma qualificada, apresentou peculi-
aridades que recomendam maior reprovação, ra-
zão de cominar pena diversa da figura simples.
O código considerou os motivos determinantes
(torpe, fútil) e os meios e modos de execução
(cruel, tortura, tocaia, que cause perigo comum)
como formas que representam maior periculosi-
dade do agente, justificando a exasperação da
pena. [...] As qualificadoras são circunstâncias
que o legislador entendeu por bem tipificar fora
da figura básica do tipo penal incriminador, já que
extrapolam as circunstâncias normais previstas
para o crime comum, como por exemplo, matar
desferindo um disparo de arma de fogo (SILVA
apud HUNGRIA, 2014, P.84).

Dessa forma, a qualificadora do feminicídio foi inserida


no artigo 121, §2º, inciso VI, do Código Penal, resultado do
clamor social que objetivava uma punição mais rigorosa aos
assassinatos de mulheres praticados por seus maridos, namo-
rados, companheiros, conhecidos ou ex-parceiros de qualquer
natureza, o que ainda é muito frequente no Brasil.

74
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

O propósito não é apenas encontrar a correta punição


para a mencionada crueldade, mas evitar as mortes de mulhe-
res que se multiplicam corriqueiramente em nosso país (ELUF,
2020). Com isso, a Lei 13.104/15 foi criada a partir de uma
recomendação da CPMI (Comissão Parlamentar Mista de In-
quérito) sobre Violência contra a Mulher do Congresso Nacio-
nal, que passou a investigar a violência contra as mulheres
nos estados brasileiros entre os meses de março de 2012 e
julho de 2013.
É importante lembrar que, ao incluir o feminicídio no
Código Penal como uma qualificadora do crime de homicídio,
também foi adicionado no rol dos crime hediondos, o mesmo
que latrocínio, genocídio, estupro e outros. No caso, o crime
de homicídio prevê pena de 6 a 20 anos de reclusão, mas
quando for caracterizado feminicídio, a punição parte de 12 a
30 anos de reclusão. Conforme previsto do Código Penal Bra-
sileiro em sem artigo 121, §2:

§ 2º [...]
Feminicídio
VI - contra a mulher por razões da condição de
sexo feminino:
Pena – Reclusão, de doze a trinta anos.
§ 2º -A Considera-se que há razões de condição
de sexo feminino quando o crime envolve:
I - violência doméstica e familiar;
II - menosprezo ou discriminação à condição de
mulher [...] (BRASIL,1940).

75
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

Na Lei dos crimes hediondos, inseriram alguns delitos


em um regime jurídico mais gravoso onde os favores penais
restam a eles inacessíveis ou condicionados a circunstância
mais severas. Dessa forma, o feminicídio integra esse rol de
infrações penais de modo que é insuscetível de anistia, graça,
indulto e fiança (BARROS, SOUZA, 2019). Ademais, a pena
para o crime de feminicídio somente será progredida de re-
gime, após o seu cumprimento de 2/5 (dois quintos) da pena
imposta, se o apenado for primário, e de 3/5 (três quintos) se
for reincidente (BARROS, SOUZA, 2019).
Há algumas situações impostas em que a pena do
crime de feminicídio poderá ser aumentada. Como por exem-
plo, se o feminicídio foi cometido durante a gestação da mu-
lher, ou em seus três primeiros meses depois do parto, se for
realizado contra mulher que tenha algum tipo de deficiência
que a torne vulnerável, quando a mulher for maior de 60 anos
ou menor de 14 anos e se o crime for praticado na presença
dos pais, filhos, avos ou netos a pena poderá ser amentada
em 1/3 nesses casos (PLANALTO, Lei 13.104/2015)

Aumento de pena
[...]
§ 7º A pena do feminicídio é aumentada de 1/3
(um terço) até a metade se o crime for praticado:
I - durante a gestação ou nos 3 (três) meses pos-
teriores ao parto;

76
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

II - contra pessoa menor de 14 (catorze) anos,


maior de 60 (sessenta) anos ou com deficiência;
III - na presença de descendente ou de ascen-
dente da vítima [...] (PLANALTO, Lei nº
13.104/2015).

Por fim, tem-se a perspectiva de que a violência contra


a mulher é também uma violação dos direitos humanos onde
Estado possui o dever de prevenir e punir com seriedade, e
que faça de uma vez com que a violência contra a mulher seja
erradicada.
Cabe ao Estado a responsabilização de criar progra-
mas de políticas públicas com o intuito de conscientizar a po-
pulação brasileira, e atentar-se aos casos da sociedade em
relação ao delito, um vez que, não se trata de casos isolados,
mas sim, de uma frequência assustadora de mortes violentas
de mulheres no Brasil.
Dessa forma, é notório que apenas a tipificação do
crime de feminicídio e suas penalidades não são o bastante
para erradicar a violência e o feminicídio, sendo necessário ter
uma visão mais acertada e estrutural quando se trata de crime
de feminicídio. Entretanto, a tipificação tornou-se um marco
inicial e de suma importância para a proteção da violência con-
tra as mulheres, pode-se dizer que foi um divisor de águas de
uma trajetória que tem muito a evoluir.

77
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O artigo nos leva a uma reflexão para que possamos


compreender que é mais que necessário mudanças tanto so-
ciais, quanto culturais sobre o referente assunto. Pois, a soci-
edade em que vivemos está sempre em grande evolução e
mudanças, dessa forma, observar-se que diversos crimes tipi-
ficados no código penal muitas das vezes não eram punidos
devidamente, atualmente tem-se notado penas cada vez mais
severas cumprindo o rigor da lei que foram aperfeiçoadas atra-
vés do anos. Com isso, nota-se que a sociedade em que vive-
mos está caminhando para uma realidade menos desigual e
mais respeitosa em relação à discussão de gênero relativo à
valorização da vida de mulheres.
Ainda assim, com grandes avanços e com penas mais
severas o feminicídio no Brasil é um grande problema. O pri-
meiro passo rumo a tentativa de resolver esse problema é dis-
cutir o ato da denúncia, pois essa é a forma legitima da mulher
se defender. É lastimável que muitas vítimas não utilizem
desse recurso e acabem ficando com medo de ser agredidas
e mortas por seu agressor. Neste cenário percebe-se outra la-
cuna na sociedade, a tímida assistência que o Estado presta
para vítimas desse tipo de violência.

78
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

Uma compreensão acertada sobre a realidade do


crime de feminicídio no Brasil se faz totalmente necessária,
como também é importante destacar as mulheres que fizeram
diferença para que as leis que protegem os direitos das mu-
lheres fossem integradas. Nesse sentido, é possível mencio-
nar nomes como a da ativista feminista brasileira Maria da Pe-
nha, que deu nome à lei que criminaliza a violência doméstica
e familiar contra a mulher no Brasil.
Em resumo, a compreensão apurada da realidade do
crime de feminicídio no Brasil é fundamental para o enfrenta-
mento dessa grave violação de direitos humanos. É preciso
tolerar e reconhecer as mulheres que lutam pela garantia dos
direitos das mulheres, para que possamos construir uma soci-
edade mais justa e igualitária para todas e todos.
É de suma importância, que tais informações sejam
amplamente divulgadas na sociedade brasileira, uma vez que
ocorra de fato a conscientização em prol da valorização da
vida humana, sobretudo da vida da mulher, recebendo a aten-
ção devida.
Com isso, o objetivo central é de que tenhamos uma
reflexão acertada do crime de feminicídio na sociedade brasi-
leira e a total e necessária urgência de leis que sejam cada
vez mais severas para que o agressor conheça as devidas
consequência dos atos que é a violação da vida da mulher.

79
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

Por fim, para enfrentar o feminicídio e também a vio-


lência contra as mulheres, é necessário um conjunto de esfor-
ços da sociedade para desafiar e mudar as construções soci-
ais que permitem que essa violência exista. Isso inclui o au-
mento da rigorosidade quanto à legislação, para que as pena-
lidades sejam mais severas, a educação das pessoas sobre a
igualdade de gênero, o combate aos estereótipos de gênero,
a criação de leis e políticas públicas que protejam as mulheres
da violência e o apoio incondicional às vítimas de todo tipo de
violência, inclusive o feminicídio.

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83
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

3
PACOTE ANTICRIME: UMA ANÁLISE DA
(IN)CONSTITUCIONALIDADE DOS ARTIGOS 9-A
E 50, VIII, DA LEI DE EXECUÇÃO PENAL

ANTI-CRIME PACKAGE: AN ANALYSIS OF THE


(IN)CONSTITUTIONALITY OF ARTICLES 9-A AND 50,
VIII, OF THE CRIMINAL ENFORCEMENT LAW

André Lucas da Silva Cavalcante5


Gilberto Jorge Ferreira da Silva 6

CAVALCANTE, André Lucas da Silva. Pacote Anticrime: Uma


análise da (in)constitucionalidade dos artigos 9-A e 50,
VIII, da Lei de Execução Penal. Trabalho de Conclusão de
Curso de graduação em Direito – Centro Universitário
UNINORTE. Rio Branco, 2023.

5 Acadêmico de Direito do 10º Período. Centro Universitário Uninorte.


6 Graduado em Direito pela Universidade Federal do Acre (UFAC), Defensor Pú-
blico do Estado do Acre, Professor do Centro Universitário Uninorte, Pós-graduado
em Processo Civil (UCAM) e Mestre em Direito pela Universidade de Santa Cruz
do Sul (UNISC).

84
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

RESUMO

O presente trabalho tem por objetivo analisar as aparentes


inconstitucionalidades dos artigos 9-A e 50, inciso VIII, da Lei
de Execução Penal, incluídos pelo art. 4º da Lei do Pacote
Anticrime (Lei nº 13.964/2019), que alterou significativamente
a legislação penal e processual penal brasileira. Tais artigos
dispõem que o condenado por crime doloso praticado com
violência grave será submetido, obrigatoriamente, à
identificação do perfil genético, e que comete falta grave o
condenado que recusar submeter-se ao referido
procedimento. Não obstante a inovação trazida ao
ordenamento jurídico brasileiro, tais dispositivos estabelecem
normas aparentemente conflitantes com os direitos
fundamentais expressos na Constituição Federal e em
tratados internacionais de direitos humanos aos quais o Brasil
é signatário, sendo, por tais razões, necessário que se
promova uma discussão a partir da produção doutrinária
existente acerca da matéria, agregando reflexões críticas
oportunas.

Palavras-chave: pacote anticrime; lei de execução penal;


identificação genéticacriminal; obrigatoriedade;
inconstitucionalidade.

85
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

ABSTRACT

This article aims to analyze the apparent unconstitutionality of


arts. 9-A and 50, item VIII, of the Penal Execution Law,
included by art. 4 of the Anti-Crime Package Law (Law nº
13.964/2019), which significantly changed the Brazilian
criminal law and criminal procedure. Such articles provide that
the person convicted of an intentional crime committed with
serious violence will be mandatorily submitted to the
identification of the genetic profile, and that the convicted
person who refuses to undergo the referred procedure
commits a serious misconduct. Despite the innovation brought
to the Brazilian legal system, such devices establish norms that
apparently conflict with the fundamental rights expressed in the
Federal Constitution and in international human rights treaties
to which Brazil is a signatory, and, for these reasons, it is
necessary to promote a discussion from the existing doctrinal
production on the matter, adding opportune critical reflections.

Keywords: anti-crime package; penal execution law; genetic-


criminal identification; Obligatoriness; unconstitutionality.

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Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

INTRODUÇÃO

O presente trabalho abordará, inicialmente, as


inovações trazidas ao ordenamento jurídico brasileiro pelo
Pacote Anticrime. O Pacote Anticrime, instituído pela Lei nº
13.964/2019, alterou significativamente a legislação penal e
processual penal brasileira. Dentre as inovações trazidas pela
referida Lei, o art. 4º inseriu na Lei de Execução Penal (Lei nº
7.210/1984).
O art. 9º-A e o art. 50, VIII, dispõem que o condenado
por crime doloso praticado com violência grave seja
submetido, obrigatoriamente, à identificação do perfil genético,
e que comete falta grave o condenado que recusar submeter-
se ao referido procedimento.
Não obstante a inovação trazida ao ordenamento
jurídico brasileiro, o art. 4º da Lei do Pacote Anticrime
estabelece normas aparentemente conflitantes com os direitos
fundamentais expressos na Constituição Federal e em
tratados internacionais de direitos humanos que o Brasil é
signatário.
Em seguida, serão examinados os aspectos da
identificação genética-criminal, bem como os institutos
nacionais responsáveis por tal identificação: o Banco Nacional
de Perfis Genéticos (BNPG), a Rede Integrada de Bancos de

87
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

Perfis Genéticos (RIBPG) e o Sistema Integrado de DNA


(SINDNA), trazendo à baila seus respectivos dados e números
atualizados. Ainda no mesmo tópico, será discorrido sobre o
valor probatório da identificação do perfil genético.
O terceiro tópico versará sobre o direito fundamental à
não autoincriminação e as intervenções corporais no âmbito
probatório, sobre o princípio da não autoincriminação (nemo
tenetur se detegere) como direito fundamental e sobre a
extração compulsória de material genético. Abordará,
também, sobre o princípio da proporcionalidade e os limites
aos direitos fundamentais.
O quarto tópico discorrerá sobre os aparentes conflitos
normativos entre o art. 4º da lei do Pacote Anticrime e a
Constituição Federal Brasileira, bem como sobre o
posicionamento jurisprudencial pátrio quanto ao tema.
Finalmente, o último tópico desenvolverá o estudo e
questionamento de cada uma das aparentes
inconstitucionalidades dos artigos arts. 9º-A e 50, VIII, da Lei
de Execução Penal face a Constituição Federal e aos tratados
internacionais de direitos humanos aos quais o Brasil é
signatário.

88
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

3.1 AS INOVAÇÕES TRAZIDAS AO ORDENAMENTO


JURÍDICO BRASILEIRO PELO PACOTE ANTICRIME

O Pacote Anticrime, instituído pela Lei nº 13.964, de 24


de dezembro de 2019, alterou significativamente a legislação
penal e processual penal brasileira, com o objetivo de
combater, de forma rígida, a criminalidade organizada, os
crimes violentos e outros de repulsa social.
Dentre as inovações trazidas pela referida Lei, merece
destaque o art. 4º, que inseriu, na Lei de Execução Penal (Lei
nº 7.210, de 11 de julho de 1984), o art. 9º-A, que dispõe que
o condenado por crime doloso praticado com violência grave
contra a pessoa, bem como por crime contra a vida, contra a
liberdade sexual ou por crime sexual contra vulnerável, será
submetido, obrigatoriamente, à identificação do perfil genético,
mediante extração de DNA, por técnica adequada e indolor,
por ocasião do ingresso no estabelecimento prisional.
O § 8º do novo art. 9º-A dispõe que constitui falta grave
a recusa do condenado em submeter-se ao procedimento de
identificação do perfil genético.
A inserção do inciso VIII ao art. 50 da LEP dispõe que
comete falta grave o condenado à pena privativa de liberdade
que recusar submeter-se ao procedimento de identificação do
perfil genético.

89
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

Tais inovações não se trata de criação exclusiva do


legislador brasileiro, muito pelo contrário: a identificação
mediante extração e análise de DNA foi criada e desenvolvida
pelo instituto americano Federal Bureau of Investigation (FBI)
no ano de 1994, e vem sendo amplamente aplicada por outros
países desde então.
Não obstante as inovações trazidas ao ordenamento
jurídico brasileiro, o art. 4º da Lei do Pacote Anticrime
estabelece normas aparentemente conflitantes com os direitos
fundamentais expressos na Constituição Federal e em
tratados internacionais de direitos humanos que o Brasil é
signatário.

3.2 IDENTIFICAÇÃO GENÉTICA-CRIMINAL

3.2.1 O BANCO NACIONAL DE PERFIS GENÉTICOS


(BNPG), A REDE INTEGRADA DE BANCOS DE PERFIS
GENÉTICOS (RIBPG) E O SISTEMA INTEGRADO DE DNA
(SINDNA): INFORMAÇÕES E NÚMEROS ATUALIZADOS

No Brasil, o Banco Nacional de Perfis Genéticos


(BNPG) e a Rede Integrada de Bancos de Perfis Genéticos
(RIBPG) foram criados pelo Decreto nº 7.950, de 12 de março
de 2013, e têm como finalidade principal manter, compartilhar

90
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

e comparar perfis genéticos a fim de ajudar na apuração


criminal e/ou na instrução processual.
Trata-se de ação conjunta entre as Secretarias de
Segurança Pública ou instituições equivalentes, a Secretaria
Nacional de Segurança Pública (SENASP) e a Polícia Federal
(PF) para o compartilhamento de perfis genéticos obtidos em
laboratórios de genética forense.
Regularmente, os perfis genéticos armazenados nos
bancos de dados são confrontados em busca de coincidências
que permitam relacionar suspeitos a locais de crime ou
diferentes locais de crime entre si.
Os perfis genéticos gerados pelos laboratórios da
RIBPG e que atendem aos critérios de admissibilidade
previstos no Manual de Procedimentos Operacionais da
RIBPG são enviados rotineiramente ao BNPG, onde são feitos
os confrontos a nível interestadual com perfis gerados pelos
22 laboratórios de genética forense que compõem a RIBPG,
bem como perfis encaminhados de outros países por meio da
Interpol.
Cada laboratório pertencente à RIBPG é responsável
por coletar amostras de DNA dos condenados nas
penitenciárias, analisar os perfis genéticos oriundos em locais
de crimes, processar as informações e incluir em seus
respectivos bancos de dados.

91
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

Os materiais são enviados ao BNPG para serem


confrontados durante a busca de coincidências e relação de
suspeitos em locais de crime. No contexto de apuração
criminal, os perfis genéticos oriundos de vestígios de locais de
crimes são confrontados entre si, bem como com perfis
genéticos de indivíduos cadastrados criminalmente.
Estes são obrigatoriamente incluídos em bancos de
perfis genéticos, nos casos de condenação pelos crimes
dispostos no art. 9°-A da LEP, de acordo com o que dispõem
os arts. 5º a 7º-B da Lei n° 12.037/2009.
O efetivo cadastramento é fundamental para que os
vestígios sejam identificados e para que a RIBPG possa
auxiliar na elucidação de crimes, verificação de reincidências,
diminuição do sentimento de impunidade e, ainda, evitar
condenações equivocadas.
A Lei nº 12.654, de 28 de maio de 2012, determina que
as informações genéticas contidas nos bancos de dados de
perfis genéticos não poderão revelar traços somáticos ou
comportamentais das pessoas, exceto determinação genética
de gênero. De fato, o perfil genético é obtido a partir de regiões
não-codificantes do DNA, sendo incapaz de revelar qualquer
característica física ou de saúde. Sua única aplicação é para
a individualização.

92
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

Da mesma forma, os bancos de dados de perfis


genéticos têm caráter sigiloso, sendo o seu acesso restrito e
controlado. Assim, o administrador responde civil, penal e
administrativamente caso permita ou promova a utilização dos
dados para fins diversos dos previstos em lei ou em decisão
judicial.
Os administradores dos BPGs devem, dentre outras
atribuições, zelar pela segurança e pela qualidade das
informações armazenadas. O XVI Relatório da Rede Integrada
de Bancos de Perfis Genéticos apresenta os principais
resultados obtidos até o dia 28 de maio de 2022. Até a
publicação do documento, o BNPG já contava com mais de
153 mil perfis genéticos de condenados cadastrados.
De acordo com as informações obtidas no Relatório, a
nível estadual, pode-se observar que o Estado do Acre já pos-
sui 192 cadastros. Entretanto, até a presente data, o Estado
do Acre ainda não possui uma unidade de laboratório genético
estadual, apenas um laboratório genérico, que se encontra em
pleno funcionamento e trabalha no atendimento aos requisitos
da RIBPG, para então poder iniciar o compartilhamento de
perfis genéticos.
Contudo, o Estado do Acre já participa dos projetos
estratégicos da RIBPG. Por exemplo, desde 2019 os peritos
coletam amostras de condenados e, posteriormente, as

93
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

processam nos laboratórios de Genética Forense do Instituto


Nacional de Criminalística, da Polícia Técnico-Científica de
São Paulo e da Perícia Oficial de Natureza Criminal do Estado
do Maranhão, com subsequente envio dos perfis genéticos ao
BNPG.
Na mesma esteira, o Estado do Acre também está
participando da Campanha Nacional de Coleta de DNA de
Familiares de Pessoas Desaparecidas, sendo que os
materiais coletados têm sido analisados em outros
laboratórios da RIBPG com vistas ao célere compartilhamento
dos perfis genéticos por meio do BNPG.
Há, ainda, o Sistema Integrado de DNA – SInDNA, que
foi desenvolvido em parceria entre a PF e o Ministério da
Justiça e Segurança Pública (MJSP), e que tem a proposta de
ser uma solução completa para o desenvolvimento da
genética forense e para a promoção dos bancos de perfis
genéticos no Brasil.
A primeira versão já se encontra em produção e oferece
aos usuários ferramentas de cadastro e registro de coletas de
DNA de indivíduos para fins criminais e para a busca de
pessoas desaparecidas.
Além disso, é possível obter relatórios documentais e
geográficos, bem como vários dados estatísticos. Ainda
segundo informações do Relatório, até o dia 28 de maio de

94
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

2022, a RIBPG apresentou ao poder público 5.342


coincidências confirmadas, sendo 4.059 entre vestígios e
1.283 entre vestígio e indivíduo cadastrado criminalmente,
além de ter auxiliado 4.083 investigações a nível nacional.

3.2.2 O VALOR PROBATÓRIO DA IDENTIFICAÇÃO DO


PERFIL GENÉTICO

Ante a inovação trazida ao ordenamento jurídico


brasileiro, no âmbito da identificação criminal, quanto ao uso
da genética forense, questiona-se: uma vez realizada a coleta
de material genético, e, coincidindo este com as amostras
colhidas no local do crime, terá essa prova técnica maior valor
que as demais? É ela definitiva?
Aury Lopes Jr., em sua obra Direito Processual Penal
(2019, p. 529), discorre sobre o tema:

Sob o manto do saber científico, opera-se a


construção de uma (pseudo)verdade, com a
pretensão de irrefutabilidade, absolutamente
incompatível com o processo penal e o
convencimento do juiz formado a partir do
contraditório e do conjunto probatório. Não se
nega o imenso valor do saber científico no campo
probatório, mas não existe “a rainha das provas”
no processo penal. [...] Também existe a prova
cujo resultado é “evidente”, indiscutível,
acabado. Nesse tema se situa, por exemplo, a
prova genética e a paixão pelo “atalho à verdade”

95
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

que o DNA permite. Se o DNA comprova, é


evidente a culpabilidade penal. E neste ponto
reside o problema: o evidente precisa sim ser
provado. O evidente precisa do “olhar” do
processo penal, como instrumento de correção
do caráter alucinatório da evidência. Portanto, é
incrível como o evidente cega, impede a
discussão, seda os sentidos e mata o
contraditório. O evidente é inimigo do
contraditório. E aqui está o grande perigo, o ovo
da serpente, pois, sem contraditório e de olhos
fechados, a única coisa que se faz é injustiça.

Ainda segundo Lopes Jr. (2019), uma prova pericial


como o uso do perfil genético demonstra apenas um grau,
maior ou menor, de probabilidade de um aspecto do delito, que
não se confunde com a prova de toda a complexidade que
constitui o fato.
O autor apresenta o exemplo de que, um exame de
DNA, feito a partir da comparação do material genético do réu
“A” com os vestígios de esperma encontrados no corpo da
vítima, demonstra apenas que aquele material coletado
pertence ao réu.
Entretanto, desse ponto até a comprovação de que o
réu “A” violentou e matou a vítima existe uma grande distância,
que deve ser percorrida com o uso de outros instrumentos
probatórios.
Segundo ele, pode haver, ainda, uma discussão sobre
a validação científica dos métodos de análise, ou seja, uma

96
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

discussão sobre a validade dos testes a partir da natureza das


amostras biológicas utilizadas, por exemplo.
Não raras vezes, as amostras são encontradas em
superfícies não estéreis e podem sofrer danos após o contato
com a luz solar, microrganismos, solventes etc. Isso pode
levar a equívocos na interpretação.
Outro ponto fundamental apresentado por Lopes Jr.
(2019) é a discussão sobre nexo causal, ou seja, como aquele
material genético foi parar ali e até que ponto o réu pode ser
responsabilizado penalmente pelo resultado, pelo simples fato
de ter estado com a vítima, por exemplo.
Por isso, segundo o autor, é primordial a preservação e
o estudo da cadeia de custódia da prova, para certificação da
autenticidade durante todo o procedimento, ou seja, da coleta
até o ingresso no processo penal.
Também não se pode desconsiderar a possibilidade de
manipulação deste tipo de prova, não apenas no sentido mais
simples (falhas na cadeia de custódia da prova, laudos falsos,
enxerto de provas etc.), mas também na possibilidade de
fraudar o próprio DNA.
O jornal The New York Times (apud Lopes Jr., 2019, p.
531) noticiou que cientistas israelenses divulgaram em artigo
a possibilidade de introduzir, com certa facilidade, em uma
amostra qualquer de sangue ou saliva, o código genético de

97
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

qualquer pessoa a cujo perfil de DNA se tenha acesso, sem


que seja sequer necessário possuir uma amostra de seu
material genético.
Tal notícia é relevante no sentido de minar a
infalibilidade com que são tratadas as evidências e provas
baseadas em testes genéticos a partir dos procedimentos
usuais de perícia forense.
Há, ainda, novas possibilidades de fraude que se abrem
com o recurso a esta técnica, podendo aumentar os riscos
potenciais quanto ao manuseio de informação genética, com
reflexos claros na atual tendência de reunião dos gigantescos
bancos de dados genéticos.
Não sem motivos, a exposição de motivos do Código de
Processo Penal (CPP) é clara: “todas as provas são relativas;
nenhuma delas terá, ex vi legis, valor decisivo ou
necessariamente maior prestígio que as outras”.
Ou seja, o juiz não está adstrito ao laudo, podendo
acolhê-lo ou refutá-lo, no todo ou em parte. Do contrário, o juiz
poderia ser substituído pelo perito, transformando o julgador
num mero homologador de perícias e laudos, o que seria
absolutamente incompatível com a garantia da jurisdição e do
devido processo penal.
Portanto, o exame de DNA é muito importante, e com
certeza terá uma grande influência na formação da convicção

98
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

do julgador, entretanto é apenas mais uma prova, sem


qualquer supremacia jurídica sobre as demais provas, como a
testemunhal, por exemplo.
Lopes Jr. (2019) apresenta duas lições essenciais
quanto ao tema, a saber: a) nenhuma prova é absoluta ou terá,
por força de lei, maior prestígio ou maior valor que as outras;
b) o juiz (ou os jurados) pode perfeitamente decidir contra o
laudo, isto é, aceitá-lo ou rejeitá-lo no todo ou em parte (art.
182, CPP), pois o que vale é o livre convencimento motivado,
formado a partir do contexto probatório.
Por fim, explicita o autor que a prova técnica, por mais
sedutora que possa parecer, não é prova plena, bem como
não tem maior prestígio do que as demais. Antes, deve ser
analisada no contexto probatório do caso concreto, podendo
ser perfeitamente refutada no ato decisório.

3.3 DO DIREITO FUNDAMENTAL À NÃO


AUTOINCRIMINAÇÃO: AS INTERVENÇÕES CORPORAIS
NO ÂMBITO PROBATÓRIO

Tomando como referência a Constituição Federal de


1988, pode-se afirmar que o Direito Penal e Processual Penal
deve ser concebidos e estruturado a partir de uma concepção
democrática do Estado de Direito, legitimada por meio do

99
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

respeito aos direitos e garantias individuais reconhecidos na


Carta Magna.
Assim, a onipotência jurídico-penal do Estado deve
contar, necessariamente, com freios ou limites que
resguardem os invioláveis direitos fundamentais do cidadão.
Segundo Bitencourt (2022), este é o sinal que caracteriza o
Direito Penal de um Estado como pluralista e democrático.
Todos os princípios fundamentais são garantias do
cidadão perante o poder punitivo estatal e estão amparados
pelo texto constitucional de 1988, localizados a partir do
preâmbulo da Carta Magna. No art. 1º, III, da Constituição,
encontramos a declaração da dignidade da pessoa humana
como fundamento sobre o qual se erige o Estado Democrático
de Direito, verbis:

Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada


pela união indissolúvel dos Estados e Municípios
e do Distrito Federal, constitui-se em Estado
Democrático de Direito e tem como
fundamentos: … III - a dignidade da pessoa
humana.

De maneira similar, o art. 3º, I, trata sobre os objetivos


fundamentais da República Federativa do Brasil, uma clara
intenção que também orienta a atividade jurisdicional em
matéria penal, qual seja, o propósito de construir uma
sociedade livre e justa: “Art. 3º Constituem objetivos

100
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

fundamentais da República Federativa do Brasil: I - construir


uma sociedade livre, justa e solidária.”
No mesmo sentido é o que dispõe o art. 4º,II, quanto
aos princípios norteadores das relações internacionais, verbis:
“Art. 4º A República Federativa do Brasil rege-se nas suas re-
lações internacionais pelos seguintes princípios: … II - preva-
lência dos direitos humanos;” Pode-se afirmar, dessa forma,
que a prevalência dos direitos humanos representa um inques-
tionável limite para o exercício do poder punitivo estatal.
Mas é no art. 5º da Carta Magna onde encontramos
princípios constitucionais específicos em matéria penal, cuja
função consiste em orientar o legislador ordinário para a
adoção de um sistema penal e processual penal voltado para
os direitos humanos, embasado em um Direito Penal da
culpabilidade, um direito penal mínimo e garantista.

3.3.1 O PRINCÍPIO DA NÃO AUTOINCRIMINAÇÃO


(NEMO TENETUR SE DETEGERE) COMO DIREITO
FUNDAMENTAL

A função do Estado Democrático de Direito é efetivar


direitos e garantias fundamentais encartados na norma
constitucional superior, bem como de criar limites ao poder do

101
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

Estado em todas as suas esferas de atuação, subordinando-o


ao ordenamento jurídico-positivo.
Todavia, mesmo que a finalidade da lei ora em análise
seja a de acompanhar as inovações genética-forenses já
utilizadas por outros países, não há espaço para a violação
dos direitos e garantias protegidas pela Constituição Federal.
Sabe-se que é no art. 5º da Carta Magna que se encontram
os principais direitos fundamentais do ordenamento jurídico
interno, sendo estes considerados cláusulas pétreas.
Dentre eles, está um dos mais sagrados: o direito de
não produzir prova contra si mesmo (nada a temer por se
deter, do latim nemo tenetur se detegere), implícito no art. 5º,
LXIII, da Constituição Federal. Assim, o princípio da não
autoincriminação (nemo tenetur se detegere), reconhecido
implicitamente pelo art. 5º, LXIII, da Carta Magna, é um direito
fundamental do cidadão, tendo íntima relação com o princípio
da presunção de inocência, previsto no inciso LVII do mesmo
artigo.
Na mesma esteira, o princípio da não autoincriminação
também pode ser encontrado na legislação processual penal,
a exemplo do art. 186, parágrafo único, do CPP:

Art. 186. Depois de devidamente qualificado e cientificado do inteiro teor


da acusação, o acusado será informado pelo juiz, antes de iniciar o
interrogatório, do seu direito de permanecer calado e de não responder
perguntas que lhe forem formuladas.

102
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

Parágrafo único. O silêncio, que não importará em confissão, não poderá


ser interpretado em prejuízo da defesa. (BRASIL, 1941)

Por fim, o princípio da não autoincriminação (nemo


tenetur se detegere) também é garantia judicial internacional,
no continente americano, de acordo com o art. 8º, 2, g, da
Convenção Americana de Direitos Humanos/Pacto De São
José de Costa Rica, recepcionado pelo direito interno através
do Decreto nº 678, de 6 de novembro de 1992.

3.3.2 A EXTRAÇÃO COMPULSÓRIA DE MATERIAL


GENÉTICO

A Lei nº 12.654/2012, prevê a coleta de perfil genético


como forma de identificação criminal, disciplinando duas
situações distintas, a saber: a do investigado e a do apenado,
sendo objeto do presente estudo apenas este último.
Já o Pacote Anticrime (Lei nº 13.964/2019), inseriu, na
LEP o art. 9º-A, que dispõe que o condenado por crime doloso
praticado com violência grave contra a pessoa, bem como por
crime contra a vida, contra a liberdade sexual ou por crime
sexual contra vulnerável, será submetido, obrigatoriamente, à
identificação do perfil genético, mediante extração de DNA,
constituindo falta grave a recusa do condenado em submeter-
se ao procedimento (art. 9º-A, §8º).

103
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

Assim, dependendo da circunstância, a finalidade da


coleta do material biológico será diferenciada: a) para o
investigado, a coleta se destina a servir de prova para um caso
concreto e determinado (crime já ocorrido); e b) para o
apenado, a coleta tem por finalidade alimentar o BGPG e
servir de apuração para crimes (hediondo ou doloso cometido
com violência de natureza grave contra pessoa) que venham
a ser praticados futuramente, cuja autoria seja desconhecida.
A Resolução nº 3, de 26 de março de 2014, que
regulamenta a Lei nº 12.654/2012, determina que, em ambos
os casos (coleta para fins de investigação ou do condenado),
exista determinação judicial (vide arts. 3º e 4º).
Entretanto, não estando o suspeito obrigado a fornecer
o material genético, podendo haver sua recusa (art. 8º da
Resolução nº 3/2014), observa-se que o cerne do conflito gira
em torno da legalidade/constitucionalidade ou não da extração
compulsória do material genético do apenado.
Sobre o tema, Lopes Jr. (2019) elucida:

Não existe problema quando as células corporais


necessárias para realizar uma investigação
genética encontram-se no próprio lugar dos
fatos (mostras de sangue, cabelos, pelos
etc.), no corpo ou vestes da vítima ou em
outros objetos. Nesses casos, poderão ser
recolhidas normalmente, utilizando os
normais instrumentos jurídicos da

104
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

investigação preliminar, como a busca e/ou


apreensão domiciliar ou pessoal. Como
aponta GÖSSEL, a obtenção de células
corporais na roupa do suspeito (camisa
manchada de sangue, com cabelos ou a
roupa interior com células de sêmen etc.) ou
na sua casa, por exemplo, nas vestes,
mesmo que não utilizadas no momento do
delito, roupa de cama ou outros objetos de
sua propriedade poderão ser obtidos sem
problemas, utilizando a busca e/ou
apreensão previstas nos arts. 240 e
seguintes do CPP [...] Da mesma forma,
havendo o consentimento do suspeito,
poderá ser realizada qualquer espécie de
intervenção corporal, pois o conteúdo da
autodefesa é disponível e, assim,
renunciável. O problema está quando
necessitamos obter as células corporais
diretamente do organismo do sujeito passivo
e este se recusa a fornecê-las.

Quanto a este imbróglio, o autor entende que, se no


processo civil o problema pode ser resolvido por meio da
inversão do ônus da prova, no processo penal a situação é
muito mais complexa, pois existe um obstáculo insuperável: o
direito de não autoincriminação (nemo tenetur se detegere).
Seguindo uma linha doutrinária contrária à extração
compulsória do material genético, Lopes Jr. (2019) esclarece:

Sustentamos (a contragosto), até edições


passadas, a possibilidade de extração
compulsória (sem consentimento) do

105
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

material genético do suspeito, não só pela


redação da Lei n. 12.654, mas pelo fato de
que a tradição inquisitorial brasileira,
somada à ausência de uma regulação mais
aprofundada da matéria, conduzia a tal
interpretação. Contudo, o cenário mudou
com a Resolução 3, de 26 de março de
2014, do Comitê Gestor da Rede Integrada
de Bancos de Perfis Genéticos, que trata do
“procedimento unificado” para a coleta do
material genético a informar o banco
nacional de perfis genéticos. Tal resolução
determina que está proibida a coleta de
sangue como técnica a ser empregada (art.
2º, § 2º) e, principalmente, que, havendo
recusa, será consignada em documento
próprio e informada à autoridade judiciária.
Vejamos o disposto nos arts. 7º e 8º da
Resolução 3/2014:
Art. 7º Antes da realização da coleta de
material biológico, a pessoa submetida ao
procedimento deve ser informada sobre sua
fundamentação legal, na presença de pelo
menos uma testemunha, além do
responsável pela coleta.
Art. 8º Em caso de recusa, o procedimento
de coleta de material biológico não deverá
ser realizado e o fato será consignado em
documento próprio, assinado pela
testemunha e pelo responsável pela coleta.
Parágrafo único. O responsável pela coleta
comunicará a recusa à autoridade judiciária
competente.
Diante disso, nosso entendimento vem
reforçado: deve ser respeitado o direito de
não produzir provas contra si mesmo (nemo
tenetur se detegere) e não poderá haver
extração compulsória (não consentida) de
material genético.

106
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

O autor faz, ainda, um esclarecimento necessário sobre


a Resolução nº 3/ 2014, do Comitê Gestor da RIBPG:

Apesar de a Resolução falar em coleta


compulsória, o art. 8º … menciona a
possibilidade de o periciado recusar-se ao
exame, após a informação. Nesse caso, o
exame não poderá ser feito, devendo tal
evento ser comunicado à autoridade
judiciária. Há um equívoco gigantesco na
redação da aludida Resolução, pois ela
supostamente estaria a regular, consoante
diversas vezes mencionado no texto, a
“coleta compulsória”. Ora, ou bem a coleta é
compulsória, dispensada, portanto, a
concordância do periciado ou, então, a
coleta não pode ser chamada de
compulsória…

No mesmo sentido é o entendimento da jurista Maria


Elizabeth Queijo, em sua obra O direito de não produzir prova
contra si mesmo: o princípio nemo tenetur se detegere e suas
decorrências no processo penal (2013).
Entre os autores que defendem a extração compulsória
do material genético, está o criminalista Mauro Otávio Nacif,
que nega a inconstitucionalidade da referida extração
compulsória, com fundamento na própria lei, mais
especificamente no artigo 60 da Lei de Contravenções Penais.

107
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

Para ele, a identificação da pessoa faz parte da segurança


pública, havendo, neste caso, uma confusão entre o interesse
particular e o interesse público. O referido jurista entende que
é um direito do Estado a identificação da pessoa.
Na mesma esteira, o promotor de Justiça André Luís
Alves de Melo, de Minas Gerais, observa que a medida já
existe em diversos países, não se tratando de discriminação,
mas apenas de um dado que poderá até mesmo evitar que
alguém seja condenado sem provas, reduzindo a
possibilidade de erro judiciário. Do mesmo modo, o advogado
Thiago Gomes Anastácio entende que a Justiça precisa lançar
mão de meios mais modernos para apreciar casos de crimes,
não podendo, em pleno século XXI, produzir provas como
fazia-se no século XVIII.

3.3.3 O PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE E OS


LIMITES AOS DIREITOS FUNDAMENTAIS

É possível a existência de normas restritivas de direitos


fundamentais. Para verificar a constitucionalidade dessas
normas, deve-se usar o princípio da proporcionalidade, que
está implícito na Constituição e tem como objetivo verificar a
constitucionalidade das leis e atos normativos que limitam os

108
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

efeitos de normas constitucionais, principalmente as


definidoras de direitos fundamentais.
Assim, a interpretação constitucional muito difere da
interpretação das demais leis, em razão, dentre outros fatores,
do maior grau de abstração de suas normas. Além disso,
vários dispositivos constitucionais têm a natureza de norma-
princípio, dando à Constituição uma natureza aberta. Por
conta disso, os princípios constitucionais não sofrem
antinomias reais, mas sim aparentes.
À luz do ordenamento jurídico, caso ocorra algum
conflito entre princípios, deve-se buscar uma ponderação, a
fim de aproveitar o máximo de cada um deles. Assim, o
exercício hermenêutico deve se direcionar à aplicação do
princípio da proporcionalidade aos atos normativos restritivos
de direitos fundamentais expedidos pelos entes federativos,
no limite das possibilidades fáticas, com o sopesamento entre
o interesse da coletividade e os direitos dos indivíduos.
Na verdade, é necessário entender que não há direitos
absolutos, ainda que adjetivados de fundamentais, podendo
ser relativizados em determinadas circunstâncias e pela
incidência normativa de outros direito. Esta relatividade dos
direitos pode ser constatada na Declaração dos Direitos
Humanos das Nações Unidas, no seu art. 29:

109
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

Artigo 29.
1. Todos os seres humanos têm deveres
para com a comunidade, na qual o livre e
pleno desenvolvimento da sua
personalidade é possível.
2. No exercício dos seus direitos e
liberdades, todos os seres humanos estarão
sujeitos apenas às limitações determinadas
pela lei, exclusivamente com o fim de
assegurar o devido reconhecimento e
respeito dos direitos e liberdades de outrem
e de satisfazer as justas exigências da
moral, da ordem pública e do bem-estar
duma sociedade democrática. (ONU, 1948)

Martins (2020) entende que considerar um direito como


sendo absoluto é aceitar dois efeitos colaterais igualmente
graves, quais sejam: a) sempre que houver um outro direito
colidindo com esse direito tido como absoluto, será ele
descartado, desprezado, violado; e b) Se algum direito fosse
absoluto, provavelmente seus titulares abusariam de seu
exercício.
Ainda, o autor entende que, como os direitos
fundamentais são postos em nossa Constituição como
princípios, e não regras, devem ser considerados como
mandamentos de otimização, ou seja, devem ser cumpridos
no grau máximo de sua efetividade. O desafio, entretanto, é
encontrar quais os limites possíveis desses direitos.

110
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

Um dos temas mais importantes na atualidade é o


referente aos limites das restrições aos direitos fundamentais.
A teoria dos “limites dos limites” se difundiu na dogmática
germânica, e visa identificar os obstáculos que restringem a
possibilidade de o poder público restringir os direitos
fundamentais.
Tal locução originou-se de uma conhecida conferência
sobre os limites dos direitos fundamentais proferida por Karl
August Betterman, na sociedade jurídica de Berlim, em 1964.
Lopes (2019) explica que os chamados limites imanentes ou
“limites dos limites” (schranken-schranken) balizam a ação do
legislador quando esta restringe direitos individuais.
Tais limites devem decorrer da própria Constituição e
referem-se tanto à necessidade de proteção de um núcleo
essencial do direito fundamental quanto à clareza,
determinação, generalidade e proporcionalidade das
restrições impostas. Na mesma esteira, Martins (2020)
entende que as leis infraconstitucionais que restringem as
normas constitucionais devem obedecer a três
critérios/limites:

a) não podem ferir o núcleo essencial dos direitos


fundamentais;

111
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

b) devem ser razoáveis: será inválido, inconstitucional,


o ato do poder público irrazoável; e
c) devem ser proporcionais: a restrição
infraconstitucional não pode ser excessiva (princípio
da proibição do excesso).

Para verificar se a restrição foi excessiva ou não, deve-


se analisar tal ato com base no princípio da proporcionalidade.

3.4 OS APARENTES CONFLITOS NORMATIVOS ENTRE


O ART. 4º DA LEI DO PACOTE ANTICRIME E A
CONSTITUIÇÃO FEDERAL BRASILEIRA

O Pacote Anticrime (Lei nº 13.964/2019), em seu art. 4º,


dispõe que o condenado por crime doloso praticado com
violência grave contra a pessoa, bem como por crime contra a
vida, contra a liberdade sexual ou por crime sexual contra
vulnerável, será submetido, obrigatoriamente, à identificação
do perfil genético, mediante extração de DNA, por técnica
adequada e indolor, por ocasião do ingresso no
estabelecimento prisional (art. 9-A, LEP).
O que constitui falta grave a recusa do condenado em
submeter-se ao procedimento de identificação do perfil
genético (art. 9-A, §8º, LEP); e, por fim, que comete falta grave

112
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

o condenado à pena privativa de liberdade que recusar


submeter-se ao procedimento de identificação do perfil
genético (art. 50, VIII, LEP).
A Constituição brasileira, por sua vez, veda a
autoincriminação (princípio nemo tenetur se detegere). A
referida proibição encontra-se inserida no Título dos Direitos e
Garantias Fundamentais, sendo um direito acobertado pelo
art. 5º, LXIII, da Carta Magna.
Entretanto, as alterações citadas, trazidas no bojo da
Lei nº 13.964/2019, estabelecem normas aparentemente
conflitantes com os direitos acima elencados, subsistindo a
incerteza quanto à compatibilidade entre os novos dispositivos
da LEP e os direitos e garantias fundamentais assegurados na
Constituição Brasileira.

3.4.1 POSICIONAMENTO JURISPRUDENCIAL

No Item 3.2 (A extração compulsória de material


genético) foram apresentadas as correntes doutrinárias que
discorrem sobre o tema ora em análise. Já quanto ao
posicionamento jurisprudencial, pode-se observar que o tema
vem sendo objeto de análise das Cortes Superiores, senão
vejamos.

113
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

O Ministro Felix Fischer, do Superior Tribunal de Justiça


(STJ), em Decisão monocrática no HC nº 407627/MG
entendeu que a coleta de material genético não afronta a
garantia de proibição de autoincriminação, indeferindo a
liminar requerida em favor de homem que alegava ser
inconstitucional a obrigatoriedade de fornecimento de material
genético para registro em banco de dados do poder público,
verbis:

No caso em exame, a condenação do ora


recorrente pelo delito de homicídio qualificado
fundamentou-se em elementos concretos
extraídos dos autos que comprovaram a
materialidade e a autoria delitivas, cuja sentença
já transitou em julgado. Desse modo, o material
biológico que se busca colher não tem por
finalidade a produção de prova, mas a
composição de banco de dados, nos termos do
que determina a Lei que rege a matéria. No caso
posto, portanto, não há como se conceber a tese
de que a coleta de material genético para a
realização do exame de DNA seria capaz de
configurar ilegalidade ou violação à garantia
constitucional da não autoincriminação.
Com o advento da Lei n. 12.654, de 28 de maio
de 2012, admite-se a coleta de perfil genético
como forma de identificação criminal, seja
durante as investigações, para apurar a autoria
do delito, seja quando o réu já tiver sido
condenado pela prática de determinados crimes,
quais sejam, os dolosos, com violência de
natureza grave contra pessoa ou hediondos. É o
que se depreende da leitura dos arts. 1º e 3º da
referida lei, in verbis:
...

114
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

Desta forma, verifica-se que o v. acórdão


combatido está em consonância com a
jurisprudência desta Corte Superior de Justiça,
não restando configurada a ilegalidade
apontada. Ante o exposto, não conheço do
habeas corpus. P. e I. (BRASIL, 2017)

Na mesma esteira foi o entendimento do Ministro Gilmar


Mendes, do Supremo Tribunal Federal (STF), em Decisão
monocrática no Recurso Extraordinário nº 973837, leading
case do Tema 905.

Os limites dos poderes do Estado de colher


material biológico de suspeitos ou condenados
por crimes, de traçar o respectivo perfil
genético, de armazenar os perfis em bancos
de dados e de fazer uso dessas informações
são objeto de discussão nos diversos sistemas
jurídicos.
O Tribunal Europeu dos Direitos Humanos já
se debruçou sobre a questão em algumas
oportunidades.
Em Van der Velden contra Holanda, 29514/05,
decisão de 7.12.2006, o Tribunal considerou
que o método de colheita do material –
esfregação de cotonete na parte interna da
bochecha – é invasivo à privacidade. Também
avaliou como uma intromissão relevante na
privacidade a manutenção do material celular
e do perfil de DNA. Quanto a esse aspecto,
remarcou-se não se tratar de métodos neutros
de identificação, na medida em que podem
revelar características pessoais do indivíduo.
No entanto, a Corte avaliou que a adoção da
medida em relação a condenados era uma
intromissão proporcional, tendo em vista o
objetivo de prevenir e investigar crimes.

115
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

No caso S. e MARPER contra Reino Unido


(decisão de 4.12.2008), o Tribunal afirmou que
a manutenção, por prazo indeterminado, dos
perfis genéticos de pessoas não condenadas,
viola o direito à privacidade, previsto no art. 8º
da Convenção Europeia de Direitos Humanos.
Por outro lado, no caso Peruzzo e Martens
contra Alemanha (30562/04 e 30566/04,
decisão de 4 de dezembro de 2008),
considerou-se manifestamente infundada a
alegação de que a manutenção, em bancos de
dados estatais, de perfis genéticos de
condenados por crimes graves violaria o
direito à privacidade.
De tudo se extrai o reconhecimento de que as
informações genéticas encontram proteção
jurídica na inviolabilidade da vida privada –
privacidade genética.
No caso brasileiro, a Lei 12.654/12 introduziu
a “coleta de material biológico para a obtenção
do perfil genético”, em duas situações: na
identificação criminal (art. 5º, LVIII, CF,
regulamentado pela Lei 12.037/09) e na
execução penal por crimes violentos ou por
crimes hediondos (Lei 7.210/84, art. 9-A).
Cada uma dessas hipóteses tem um regime
diferente. Na identificação criminal, a
investigação deve ser determinada pelo juiz,
que avaliará se a medida é “essencial às
investigações” (art. 3º, IV, combinado com art.
5º, parágrafo único). Os dados poderão ser
eliminados “no término do prazo estabelecido
em lei para a prescrição do delito”.
Os dados dos condenados, por outro lado,
serão coletados como consequência da
condenação. Não há previsão de eliminação
de perfis.
Em ambos os casos, os perfis genéticos são
armazenados em banco de dados. Os dados
podem ser usados para instruir investigações
criminais (art. 9-A, §2º, da Lei 7.210/84) e para

116
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

a identificação de pessoas desaparecidas (art.


8º do Decreto 7.950/13).
São instrumentos de proteção da privacidade
o caráter sigiloso dos dados e a vedação da
inclusão de informações relativas aos “traços
somáticos ou comportamentais”, salvo quanto
ao gênero – art. 5º-A, §1º.
A inclusão e manutenção de perfil genético de
condenados em banco de dados estatal não é
aceita, de forma unânime, como compatível
com direitos personalidade e prerrogativas
processuais, consagrados pelo art. 5º da CF.
...
Trata-se de questão constitucional que tem
relevância jurídica e social.
No caso concreto, o recorrente, condenado
por crimes praticados com violência contra a
pessoa e por crimes hediondos, insurge-se
contra a inclusão e manutenção de seu perfil
genético em banco de dados, sob a alegação
de violação a direitos da personalidade e da
prerrogativa de não se autoincriminar.
Ante o exposto, voto por reconhecer a
repercussão geral da alegação de
inconstitucionalidade do art. 9-A da Lei
7.210/84, introduzido pela Lei 12.654/12, que
prevê a identificação e o armazenamento de
perfis genéticos de condenados por crimes
violentos ou por crimes hediondos. (BRASIL,
2017)

A matéria teve repercussão geral reconhecida, por


unanimidade, pelo Plenário Virtual da Corte. Com este
reconhecimento, a decisão a ser tomada quanto ao mérito do
recurso deverá ser aplicada aos casos análogos.

117
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

3.4 (IN)CONSTITUCIONALIDADE DOS ARTIGOS 9-A E 50,


VIII, DA LEI DE EXECUÇÃO PENAL

Em uma análise superficial da Lei nº 13.964/2019,


poder-se-ia concluir pela incompatibilidade de seu art. 4º face
aos direitos e garantias assegurados no art. 5º da Constituição
Federal. Entretanto, considerando as proposições
apresentadas no presente trabalho, não resta dúvida de que
as alterações trazidas pela Lei nº 13.964/2019 chocam-se com
os direitos e garantias fundamentais apenas aparentemente.
Assim, a interpretação deferida à matéria encontra-se em
sintonia com a Carta Magna.
Consagrou-se, portanto, nas Cortes Superiores, o
entendimento no sentido de que a coleta de material genético
não afronta a garantia de proibição de autoincriminação, não
havendo que se falar em incompatibilidade entre as duas
normas.
Ressalte-se, todavia, que o tema ainda se encontra em
análise no Supremo Tribunal Federal até a presente data,
havendo apenas decisões monocráticas no correr dos autos,
aguardando o julgamento do tema pelo Plenário da Corte.
É importante destacar que a identificação do perfil
genético, mediante extração de DNA, significa considerável
avanço no âmbito do direito processual penal brasileiro,

118
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

buscando a adaptação do Direito à realidade científica e


tecnológica, que hoje já oferece diversos meios modernos
para a elucidação de crimes.
Como visto, as provas genéticas desempenham um pa-
pel fundamental na investigação preliminar moderna e podem
ser decisivas no momento de definir ou excluir a autoria de um
delito. Irrefutável, então, a interpretação de que a coleta de
material genético não afronta a garantia de proibição de autoi-
ncriminação, consagrada no art. 5º, LXIII da Constituição do
Brasil.
Desse modo, não há que se falar em incongruência
entre o art. 4º do Pacote Anticrime e o art. 5º da Constituição
Federal, bem como da Convenção Americana de Direitos
Humanos/Pacto De São José de Costa Rica, recepcionado
pelo direito interno através do Decreto nº 678, de 6 de
novembro de 1992.

REFERÊNCIAS

BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de Direito Penal:


Parte Geral. 16ª ed. São Paulo: Saraiva, 2022.

BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil


de 1988. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_
03/constituicao/constituicao.htm. Acesso em: 26 set 2022.

119
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

BRASIL. Decreto nº 678, de 6 de novembro de 1992.


Promulga a Convenção Americana sobre Direitos Humanos
(Pacto de São José da Costa Rica), de 22 de novembro de
1969. Disponível em: http://www.planalto.gov.
br/ccivil_03/decreto/d0678.htm. Acesso em: 4 out 2022.

BRASIL. Decreto-Lei nº 3.688, de 3 de outubro de 1941. Lei


das Contravenções Penais. Disponível em:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del3688.htm.
Acesso em: 10 out 2022.

BRASIL. Decreto-Lei nº 3.689, de 3 de outubro de 1941.


Código de Processo Penal. Disponível em:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del3689.htm .
Acesso em: 26 set 2022.

BRASIL. Lei nº 7.210, de 11 de julho de 1984. Institui a Lei


de Execução Penal. Disponível em:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l7210.htm. Acesso
em: 26 set 2022.

BRASIL. Lei n° 12.037, de 1º de outubro de 2009. Dispõe


sobre a identificação criminal do civilmente identificado,
regulamentando o art. 5º, inciso LVIII, da Constituição Federal.
Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_
ato200720 10/2009/lei/l12037.htm. Acesso em: 26 set 2022.

BRASIL. Lei nº 12.654, de 28 de maio de 2012. Altera as Leis


nºs 12.037, de 1º de outubro de 2009, e 7.210, de 11 de julho
de 1984 - Lei de Execução Penal, para prever a coleta de perfil
genético como forma de identificação criminal, e dá outras
providências. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/cciv
il_03/_ato20112014/2012/lei/l12654.htm. Acesso em: 26 set
2022.

120
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

BRASIL. Lei nº 13.964, de 24 de dezembro de 2019.


Aperfeiçoa a legislação penal e processual penal. Disponível
em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato20192022/2019/l
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LOPES, Sammy Barbosa. O direito e os direitos em tempos


de crise. 1º ed. Curitiba: Editora Appris, 2019.

LOPES JR., Aury. Direito Processual Penal. 16º ed. São


Paulo: Saraiva Educação,
2019.

MARTINS, Flávio. Curso de Direito Constitucional. 4º ed.


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MINISTÉRIO DA JUSTIÇA E SEGURANÇA PÚBLICA. Comitê


Gestor da Rede Integrada de Bancos de Perfis Genéticos.
Manual de Procedimentos Operacionais da RIBPG.
Disponível em: https://www.gov.br/mj/pt-
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resolucao_142019_aprova_o_manual.pdf. Acesso em: 4 out
2022.

MINISTÉRIO DA JUSTIÇA E SEGURANÇA PÚBLICA. Comitê


Gestor da Rede Integrada de Bancos de Perfis Genéticos.
Resolução nº 3, de 26 de março de 2014. Disponível em:
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MINISTÉRIO DA JUSTIÇA E SEGURANÇA PÚBLICA. Comitê


Gestor da Rede Integrada de Bancos de Perfis Genéticos. XVI
Relatório da Rede Integrada de Bancos de Perfis
Genéticos. Disponível em: <https://www.gov.br/mj/pt-
br/assuntos/sua-seguranca/seguranca-publica/ribpg/

121
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

relatorio/xvi-relatorio-da-rede-integrada-de-bancos-de-perfis-
geneticos-maio-2022/view>. Acesso em: 4 out 2022.

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Universal dos Direitos Humanos. 1948. Disponível em:
https://www.unidosparaosdireitoshumanos.com.pt/course/less
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QUEIJO, Maria Elizabeth. O direito de não produzir prova
contra si mesmo: O princípio Nemo Tenetur se detegere e
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SCRIBONI, Marília. Constitucionalidade de banco de DNA


gera discussão. Revista Consultor Jurídico. Maio
2012. São Paulo.

SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. Notícias. Coleta de


material genético não afronta garantia de proibição de
autoincriminação. Disponível em: https://www.stj.jus.br/
Acesso em: 15 out 2022.
SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. STF Notícias. Perito do
FBI explica funcionamento de banco de dados genéticos
nos EUA. Disponível em: https://portal.stf.jus.br/noticias/
verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=344398&ori=1. Acesso
em: 4 out 2022.
SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. Recurso Extraordinário
973837 Minas Gerais. Disponível em:
https://portal.stf.jus.br/processos/detalhe.asp?incidente=4991
018. Acesso em: 17 out. 2022.

122
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

4
EMBATE JURÍDICO: EXECUÇÃO PROVISÓRIA DA PENA
NO ÂMBITO DO TRIBUNAL DO JÚRI – ARTIGO 492, I, “e”
DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL –FRENTE AO
PRINCÍPIO CONSTITUCIONAL DA PRESUNÇÃO
DE INOCÊNCIA

LEGAL DISPUTE: PROVISIONAL SENTENCE EXECUTION


WITHIN THE JURY COURT - ARTICLE 492, I, "e" OF THE
CRIMINAL PROCEDURE CODE - IN LIGHT OF THE
CONSTITUTIONAL PRINCIPLE OF PRESUMPTION
OF INNOCENCE

Wandkiléia de Melo Dias Maia7


João Paulo de Souza Oliveira8

MAIA, Wandkiléia de Melo Dias. Embate Jurídico: Execução


Provisória da Pena no Âmbito do Tribunal do Júri – Artigo
492, I, “e”, do Código de Processo Penal – Frente ao Prin-
cípio Constitucional da Presunção de Inocência. Trabalho
de Conclusão de Curso de Graduação em Direito – Centro
Universitário UNINORTE, Rio Branco – 2023.
7 Discente do 9º Período do Curso de Bacharel em Direito da Uninorte. Graduada
em Ciências Biológica pela Universidade Federal do Acre – UFAC. Pós-graduada
em Especialização em Diagnóstico Moleculrar e Sorológico pela Uninorte.
8 Bacharel em Direito pelo Centro Universitário UNIEURO, Brasília – DF. Especia-

lista em Advocacia Pública pela Universidade Candido Mendes – UCAM – RJ. Es-
pecialista em Direito Tributário pelo Instituto Damásio de Direito.

123
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

RESUMO

O presente artigo trata de um breve estudo acerca do embate


jurídico em relação a redação dada pela Lei 13.964/2019 ao
artigo 492, inciso I, alínea “e”, do Código de Processo Penal,
no qual trouxe a possibilidade da execução provisória da pena
no âmbito do ordenamento jurídico brasileiro do Tribunal do
Júri, evidenciando o conflito existente especialmente no
tocante o princípio constitucional da presunção de inocência.
Para isso, empregou-se delineamento metodológico dedutivo,
na categoria qualitativa, analisando subjetivamente através de
uma vasta pesquisa bibliográfica, no nível exploratória corre-
lacionando a norma, doutrina e jurisprudência, uma vez que,
se trata de tema com grande repercussão no cenário jurídico
penal, a julgar pelo selecionamento de posições dos tribunais
superiores, mais especificamente do Supremo Tribunal Fede-
ral. Como aporte teórico procedeu-se inicialmente de uma
abordagem de temas conexos que permeiam o estudo, como
contextualização histórica, competência e procedimentos do
Tribunal do Júri, assim como seus princípios norteadores, para
finalmente analisar a constitucionalidade ou a inconstituciona-
lidade normativa relativa as alterações sofridas pela Lei apre-
ciando-se as divergências doutrinárias e analisando especial-
mente a mais recente decisão do Supremo Tribunal Federal.

Palavras-chaves: execução provisória da pena; tribunal do


júri; princípio da presunção de inocência; (in) constitucionali-
dade.

124
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

ABSTRACT

This article deals with a brief study about the legal clash in rela-
tion to the wording given by Law 13.964/2019 to article 492,
item I, item “e”, of the Code of Criminal Procedure, in which it
brought the possibility of provisional execution of the sentence
within the scope of the Brazilian legal system of the Jury Court,
evidencing the existing conflict especially regarding the cons-
titutional principle of the presumption of innocence. For this, a
deductive methodological design was used, in the qualitative
category, subjectively analyzing through a vast bibliographical
research, at the exploratory level correlating the norm, doctrine
and jurisprudence, since, it is a subject with great repercussion
in the criminal legal scenario, judging by the selection of posi-
tions of the higher courts, more specifically the Federal
Supreme Court. As a theoretical contribution, we initially pro-
ceeded with an approach to related themes that permeate the
study, such as historical context, competence and procedures
of the Jury Court, as well as its guiding principles, to finally
analyze the constitutionality or normative unconstitutionality
regarding the alterations suffered by the Law appreciating the
doctrinal divergences and especially analyzing the most recent
decision of the Federal Supreme Court.

Keywords: provisional execution of sentence; jury court; prin-


ciple of the presumption of innocence; (un) constitutionality.

125
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

INTRODUÇÃO

É sabido que a instituição do Tribunal do Júri regula-


mentado pelo Código de Processo Penal, sempre despertou
interesse e curiosidade, pois possibilita o cidadão a participa-
ção na tomada de decisão a respeito dos crimes dolosos ou
intencionais contra o bem jurídico mais importante que é a vida
humana. Recentemente esta instituição que se encontra disci-
plinada nos artigos 406 a 497, do Código de Processo Penal,
sofreu importantes modificações ocasionadas pelo advento da
Lei 13.964/2019, conhecido por Pacote/Lei Anticrime.
Em razão disso, o presente artigo é motivado pela
repercussão e pelos inúmeros debates trazidos com essas
alterações, sendo que uma dessas modificações é exata-
mente o artigo 492, inciso I, alínea “e”, do Código de Processo
Penal, que trouxe a possibilidade da execução provisória da
pena ser aplicada em sede do procedimento especial do Tri-
bunal do Júri.
Trata-se de um tema de importante relevância na
seara jurídica penal e que vem sendo alvo de grande discus-
são tanto pela doutrina como pelos Tribunais Superiores. Um
dos principais pontos e contrapontos que gera grande contro-
vérsia, diz respeito à constitucionalidade do dispositivo.
Em linhas gerais, a volatibilidade das decisões surge
em torno da violação ao princípio da presunção de inocência

126
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

ou não culpabilidade, direitos e garantias fundamentais, ane-


xado ao artigo 5º, inciso LVII, da Carta Magna de 1988, que
de acordo com o escrito, não é possível considerar alguém
culpado sem o trânsito em julgado de sentença penal conde-
natória.
Tal contexto reflete em uma polarização de posiciona-
mentos acerca do tema, o que torna necessário tentar enten-
der as argumentações e fundamentações do citado conflito
buscando compreender de que forma ele é interpretado e solu-
cionado pelos Tribunais Superiores e, quais as polêmicas dis-
ciplinadas por tal interpretação.
Todavia, de modo genérico pode-se mencionar que
existem duas correntes jurisprudenciais que analisam o tema
presente no artigo 492, inciso I, alínea “e”, do Código de Pro-
cesso Penal.
A primeira corrente compreende de forma positiva,
como sendo possível a execução da condenação antecipada
da pena proferido pelo Tribunal do Júri, independentemente
do julgamento em grau recursal em face do princípio da sobe-
rania do veredicto.
Em contrapartida a segunda corrente defende de
forma negativa, afirmando que não é viável a execução provi-
sória da pena em sentença condenatória proferido pelo Tribu-
nal do Júri sem que haja o esgotamento em grau recursal das

127
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

instâncias ordinárias, sob pena de comprometer o princípio


constitucional da presunção de inocência.
Nesse sentido, o referido artigo pretende apresentar
as nuances que envolvem a (in) compatibilidade do amparo
normativo, buscando instruir-se acerca das bases do surgi-
mento desta divergência, bem como esclarecendo as variadas
interpretações doutrinárias e jurisprudenciais pertinentes no
que se refere a temática em discussão.

4.1 TRIBUNAL DO JÚRI: ASPECTOS GERAIS RELE-


VANTES

No intuito de compreender o novo dispositivo Legal,


cerne deste trabalho, é necessário primeiramente adentrar em
alguns conceitos acerca do instituto do Tribunal do Júri, esta-
belecendo algumas considerações quanto o seu surgimento,
finalidades e princípios norteadores, para então aprofundar ao
estudo especificamenteproposto.

4.1.1 DEFINIÇÃO

O Tribunal do Júri é um Órgão Especial da Justiça


Comum do Estado. Trata-se de uma instituição política aco-
lhida entreos Direitos e Garantias Individuais, que tem por fina-
lidade ampliar o direito de defesados réus, funcionando como

128
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

uma proteção individual dos acusados pela prática de crimes


dolosos contra a vida. Permitindo que no lugar do juiz togado,
preso a regras jurídicas o acusado seja julgado pelos seus
pares. (CAMPOS, 2021)
Para Nucci (2021, p. 40), o Tribunal do Júri figura
como, praticamente, a únicainstituição a funcionar com regula-
ridade, permitindo que qualquer cidadão tome partenos assun-
tos de um dos Poderes da República.
É um órgão colegiado heterogêneo e temporário,
constituído por um juiz togado, que o preside, e de vinte e
cinco cidadãos maiores de 18 anos, conscritos voluntaria-
mente ou convocados e escolhidos por sorteio, dentre os alis-
tados, sete irãocompor cada sessão de julgamento. (CAPEZ,
2022), tendo como objetivo julgar, condenar ou absolver de
acordo com suas convicções o acusado.
No entanto, conforme os artigos 406 a 421 do Código
de Processo Penal, o Tribunal do Júri pode ser dividido bifasi-
camente: fase de acusação (judicium accusationes) e fase de
julgamento (judicium causae).
A primeira fase, judicium accusationes, inicia-se com
o oferecimento dadenúncia ou queixa-crime subsidiária. Sub-
sequentemente, caso o magistrado receba tal peça proces-
sual, determinará a intimação do acusado para que, através

129
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

de defensor constituído ou nomeado pelo juízo, apresente res-


posta à acusação no prazode 10 (dez) dias. (AVENA, 2022)
Assim, apresentada a resposta à acusação, e,
cumpridas eventuaisdiligências processuais ou resolvidas as
questões preliminares eventualmente alegadas, o juiz agen-
dará a audiência de instrução, na qual será colhido o depoi-
mentoda vítima e testemunhas se houver, bem como será inter-
rogado o acusado, realizadas diligências, apresentadas alega-
ções finais e a prolação de sentença. (AVENA, 2022)
Convém salientar que comumente, de forma oral são
expostas as alegações finais, como presume o artigo 411, §
4º, do Código de Processo Penal.
Após os debates, havendo materialidade e indícios
suficientes de autoria e participação do acusado no crime, o
juiz proferirá a sua decisão, pronunciando o acusado e reme-
tendo para julgamento pelo Tribunal do Júri, conforme previ-
são no artigo 413, do Código de Processo Penal.
Somente como objeto de registro, caso o juiz não se
convença da materialidade do fato ou existência de indícios da
autoria ou participação do acusado no crime, não há julga-
mento do mérito, sendo o mesmo impronunciado nos termos
do artigo 414, do Código de Processo Penal.
Ainda poderá ocorrer a absolvição sumária pelo juiz,
no qual nada mais é do que uma sentença de mérito (artigo

130
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

415, do Código de Processo Penal) e, por fim, pode haver a


decisão de desclassificação (artigo 418, do Código de Pro-
cesso Penal) quando ao fato é dada uma definição jurídica
diversa e, por resultado, deixa de ser o Tribunal do Júri compe-
tente para julgá-lo.
A segunda fase, judicium causae, inicia-se após a con-
firmação da pronúncia e finda-se com a decisão proferida no
julgamento realizado no plenário do Tribunal do Júri. Dessa
maneira pode-se afirmar que, o Juiz no Tribunal do Júri é ape-
nas o Juiz Presidente do rito, cabendo a ele somente conduzir
e orientar as etapas da sessão, promover a aplicação da pena
e sua dosimetria, elaborar a sentença e ao final verbalizar o
veredito dos jurados.

4.1.2 ORIGEM E CONTEXTUALIZAÇÃO HISTÓRICA DO


TRIBUNAL DO JÚRI

É possível afirmar que quando o assunto é o marco


histórico referente a origem do Tribunal do Júri não existe um
consenso sobre o assunto entre os mais dedicados doutrina-
dores e estudiosos, uma vez que é sempre alvo de grandes
discussões e controvérsias. Porém, o consenso que se tem
para diversos doutrinadores, é de que, tanto na Grécia quanto
em Roma, este instituto, já era visualizada por meio de uma

131
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

base divina, ou seja, através de fundamento baseado no


divino, já existia um princípio de legitimidade desse órgão
nessa região.
Contudo, é inegável que para a maior parte da dou-
trina, acredita-se que o Tribunal do Júri, assim como se
conhece atualmente, se deu após a Magna Carta daInglaterra
em 1215, quando o Concílio de Latrão aboliu as ordálias,
(Juízo e os Juízesde Deus) com o julgamento nitidamente Teo-
crático, instalando o conselho de jurados. (RANGEL, 2021).
Assim discorre José Frederico Marques:

Nascido na Inglaterra, depois que o Concílio de


Latrão aboliu as ordálias e osjuízos de Deus, ele
guarda até hoje a sua origem mística, muito
embora ao ser criada, retratasse o espírito prá-
tico e clarividente dos anglo-saxões. Na terra da
common law, onde o mecanismo das instituições
jurídicas, com seu funcionamento todo peculiar,
tanto difere dos sistemas dos demais países
onde impera a tradição romanística, é o Júri um
instituto secular e florescente,cuja a prática tem
produzido os melhores resultados. (MARQUES,
1997, p. 258)

Obviamente, embora haja evidência de que este


supracitado instituto já era conhecido há muito tempo, a forma
aplicada pelos Ingleses contribuiu na sua incorporação pelo
mundo, é por essa razão que muitos doutrinadores restringem-
se acitar sua origem a partir desse contexto histórico.

132
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

No entanto, no Brasil o Tribunal do Júri chegou em 16


de junho de 1822, por um Decreto Imperial, antes mesmo da
Proclamação da República, incumbido naquelemomento, ape-
nas de julgar os crimes de imprensa e de opinião. Na época
era composto por vinte e quatro jurados, somente competindo
recurso ao Príncipe- regente. (RANGEL, 2021)
Perpassando pela Constituição de 1824, o Júri passa
ser parte integrante do Poder Judiciário e pela primeira vez
concede a competência do julgamento de ações cíveis e crimi-
nais. (CAPEZ, 2022)
No entanto, com a Lei n. 261, de 3 de dezembro de
1841, foi extinto o Júri deAcusação, fortalecendo a figura da
autoridade policial, eis que a função de formar o sumário de
culpa passou a ser a ele atribuída. A partir de então, todas as
Constituições Federais previram em seu texto o Tribunal do
Júri. (RANGEL, 2018)
Em 1891, a Constituição Federal passou por modi-
ficações, visto que foi deslocado do capítulo do Poder Judi-
ciário para secção destinada à declaração dos direitos dos
cidadãos brasileiros, estabelecendo que a instituição deveria
ser tratada como direito individual. No entanto, tal mudança
não prosperou, e em 1934, outra vez sofreu modificações
sendo deslocado para a seção do poder Judiciário.

133
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

No entanto com a Constituição Federal de 1946, o ins-


tituto do Tribunal do Júri,recebeu relevância ao elevar à seção
atinente aos direitos e garantias fundamentais, alterando a sua
competência para o julgamento dos crimes dolosos contra a
vida, bemcomo a soberania dos votos, o sigilo das votações,
a plenitude de defesa do réu. (RANGEL, 2018)
Em meio ao Regime Militar adveio a Constituição de
1967, no qual, não trouxegrandes mudanças em seu texto em
relação ao Tribunal do Júri, mantendo a soberania dos votos.
Porém no ano de 1969, através da Emenda Constitucional nº.
1,manteve a competência do no julgamento dos crimes dolo-
sos, porém retirou-se a soberania do Tribunal do Júri, ocor-
rendo, assim um retrocesso à democracia. (RANGEL, 2018)
Por fim, percorridas diversas Constituições, finalmente
com restauração do Estado Democrático, em 1988 foi promul-
gada a nossa Carta Magna conhecida como a Constituição
Cidadã, atestando ao Tribunal do Júri o status de cláusula
pétrea, por força da limitação imposta no artigo 60, § 4º, inciso
IV, traduzindo-se em garantia fundamental do indivíduo, de tal
maneira que todo procedimento encontra-se descrito no
Código de Processo Penal, em seu capítulo II, que compre-
ende do artigo 406 ao artigo 497.

134
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

4.1.3 PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS QUE NORTEIAM O


TRIBUNAL DO JÚRI

Nota-se, que com a promulgação da Constituição


Cidadã, o Tribunal do Júri, já estava inserido no ordenamento
jurídico infraconstitucional, somente foi recepcionado pela
mesma, estando presente no Título dos Direitos e Garantias
Fundamentais, no extenso rol dos Direitos e Deveres Individu-
ais e Coletivos, especificamente em seu artigo 5º, inciso XXX-
VIII, que elenca quatro princípios fundamentais, a saber: a ple-
nitude de defesa, o sigilo das votações, a soberania dos vere-
dictos, a competência para o julgamento dos crimes dolosos
contra a vida. (BRASIL, 1988)
Assim, importa anotar que independentemente das
particularidade e relevância deste instituto, faz-se necessário,
analisar individualmente cada princípio constitucional inerente
ao instituto do Tribunal do Júri, tendo por escopo compreender
a importância desse componente do ordenamento jurídico bra-
sileiro.
Porém, antes de se iniciar a análise referente aos prin-
cípios que norteiam o Tribunal do Júri, é imprescindível enten-
der a definição de princípio. Pois, a priori é por meio destes
que o direito é estruturado, vez que são elementos essenciais
para ahermenêutica jurídica, bases para fundação de todas as

135
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

normas e interpretações.
Assim sendo, vale destacar o conceito de Nucci (2021,
p.82) que afirma: “os princípios são premissas que se irradia
por todo o sistema normativo, fornecendo umpadrão de inter-
pretações, integração, conhecimento e aplicação do direito
positivo,podendo estar explícito ou implícito no ordenamento
jurídico”.
Também comunga desse entendimento o Ministro
Barroso (2012, p. 155) ao declarar que, os princípios são con-
juntos de normas que espelham a ideologia da Constituição,
seus postulados básicos e seus fins, ou seja, são normas elei-
tas pelo constituinte como fundamentos ou qualificações
essenciais da ordem jurídica que institui.
Contudo, no que diz respeito aos efeitos da não obser-
vância principiológico Mello apud Barroso (2012, p. 157),
adverte que a violação de um princípio é muito maisgrave que
transgredir uma norma qualquer. O descumprimento ao prin-
cípio constitui violação não apenas a um mandamento vincu-
lante específico, mas a todo o sistema de comandos. É a mais
grave forma de ilegalidade ou de inconstitucionalidade.
Destarte, para o referido autor os princípios apresen-
tam como traço característico alto grau de imperatividade, nor-
matividade, impositividade, por esta razão deve ser observada
sob o risco de ilegalidade e/ou inconstitucionalidade.

136
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

4.1.3.1 Da Plenitude de Defesa

A plenitude de defesa é um princípio aplicável especi-


ficamente e unicamente ao rito Tribunal do Júri. Apesar de
haver alguma convergência, para a maioria dos doutrinadores
difere-se do princípio da ampla defesa, previsto no artigo 5º,
LV, da Constituição Federal de 1988, que aduz “aos litigantes,
em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em
geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os
meios e recursos a ela inerentes ”.
Para estes doutrinadores, a defesa ampla é apli-
cável a todo e qualquer processo criminal, uma vez que, ao
acusado é oferecido a mais ampla oportunidade de defesa,
ocorrendo de modo ilimitado, sem qualquer restrição. Além
disso, é dado ao acusado perante um juiz togado sustentar
teses jurídicas no sentido de tentar convencer, absolver ou
reduzir a sua pena.
Na defesa plena, também é dado ao acusado a possi-
bilidade de defesa, mas esta ocorre de forma um tanto técnica,
quanto um tanto pessoal, dando a oportunidade de se utilizar
de teses argumentativas técnicos-jurídicas e de teses metaju-
rídicas, de caráter socioemocional, constituindo uma defesa
absoluta, completa e irretocável.
Essa distinção também pode ser vista, ao analisar os

137
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

verbetes amplo e plenono dicionário brasileiro, onde o termo


amplo, entende-se como algo vasto, espaçoso e extenso, em
contrapartida, o termo pleno, está associado a algo completo,
perfeito e absoluto.
Por seu turno, o posicionamento de Nassif (2009, p.
24) é que a plenitude de defesa trata-se de uma aparente
redundância conceitual ao princípio constitucional da ampla
defesa, todavia, emerge da importância do fato julgando a
razão inspiradora do legislador, ainda que se tenha presente
o permissivo legal da ampliação infraconstitucional da compe-
tência do Júri, para determinar que o acusado da prática de
crime doloso contra vida tenha efetiva e plena defesa. A
simples outorga deoportunidade defensiva não realiza o pre-
ceito, como ocorre com a norma concorrente.
Dessa forma, esse é o momento que o réu tem de se
defender, com todos os argumentos válidos, em igualdade de
condições tudo que é levado ao processo em seu desfavor,
no intuito de convencer os jurados, os verdadeiros juízes de
fatos, uma vez que estes decidem por íntima convicção,
perante a consciência de cada um. (NUCCI, 2021)
Ao analisar o princípio em tela, Capez (2022, p. 240)
também distingue essesdois princípios, para o autor a pleni-
tude da defesa implica o exercício da defesa em um grau ainda

138
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

maior do que a ampla defesa. Pois, a primeira é uma expres-


são mais intensa e mais abrangente do que amplitude, está
relacionada com o pleno exercícioda defesa técnica, por parte
do profissional habilitado, o qual não precisará restringir-se a
uma atuação exclusivamente técnica, podendo também servir-
se de argumentação extrajurídica, invocando razões de ordem
social, emocional, de políticacriminal.
Porém, conforme o artigo 497, inciso V, do Código de
Processo Penal, a supervisão dessa defesa deve ser condu-
zida pelo juiz-presidente, o qual poderá até dissolver o con-
selho de sentença e declarar o réu indefeso, caso entender ine-
ficazes as ações do defensor.

4.1.3.2 Do sigilo das votações

Um outro princípio constitucional é o sigilo nas vota-


ções, que tem por objetivoproteger a livre convicção e opinião
de pensamentos dos jurados, pois embora os debates sejam
públicos produzido em plenário, o momento da colheita dos
votos é sigiloso, mantida, portanto, a sala secreta do Júri para
tal fim. (REIS; GONÇALVES; LENZA, 2021)
Isso pode ser justificado, em virtude da própria natu-
reza do júri e da proteçãoque se deve conferir aos jurados sem

139
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

as garantias, portando do juiz togado que não encontraria tran-


quilidade para julgar se fosse pública a votação, pois estaria
sujeita à interferência de populares. (REIS; GONÇALVES;
LENZA, 2021)
Pode-se dizer, que é uma exceção ao princípio da
publicidade descrita no artigo 5º, inciso LX e artigo 93, inciso
IX, que dispõe:

Todos os julgamentos dos órgãos do Poder Judi-


ciário serão públicos, e fundamentadas todas as
decisões, sob pena de nulidade, podendo a lei
limitar a presença, em determinados atos, às
próprias partes e a seus advogados, ou somente
a estes, em casos nos quais a preservação do
direitoà intimidade do interessado no sigilo não
prejudique o interesse público à informação.
(BRASIL, 1988)

Porém, conforme mencionado acima, essa forma sigi-


losa ou secreta da votação decorre da necessidade de res-
guardar a independência dos jurados, sob qualquer tipo de
influência em momento primordial do julgamento.
Segundo entendimento do Supremo Tribunal Federal,
o princípio do sigilo dasvotações, não fere o requisito da publi-
cidade dos julgamentos, garantido pelo artigo 93, inciso IX, da
Constituição Federal, uma vez que o sigilo das votações busca
assegurar que o jurado não venha sofrer qualquer tipo de influ-

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Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

ência, pressão ou ameaça na hora de emitir seu voto. Asse-


gura-se, consequentemente que o voto seja dado de maneira
imparcial e fundamentado na íntima convicção. (CAMPOS,
2018)

4.1.3.3 Da soberania dos veredictos

Um dos mais importantes princípios quando se fala em


Tribunal do Júri, é a soberania dos veredictos, adquiriu status
de cláusula pétrea, em virtude do artigo 60, § 4º, da Constitui-
ção Federal de 1988.
Conforme ponderações de Capez (2022, p. 240) a
soberania dos vereditos é“a impossibilidade de um tribunal téc-
nico modificar a decisão dos jurados pelo mérito”. Em outros
termos, este é um princípio que implica na impossibilidade de
um tribunal togado alterar a decisão de mérito do Conselho de
Sentença (CAPEZ, 2022, p. 654). Pois, a decisão do júri deve
ser entendida como a última palavra, não havendo possibili-
dade de ser contestada quanto ao mérito, por juízes togados
ou pelo tribunalque venha a apreciar um recurso.
Porém, de acordo com o artigo 593, alínea “d”, do
Código de Processo Penal,este princípio não é absoluto, pois,
em hipótese de julgamento manifestamente contrário à prova
dos autos, o júri pode ser anulado e a apelação provida terá o
condãode cassar o julgamento e resultar na instauração de um

141
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

novo júri. Portanto, salienta-se, que nesses casos, o tribunal


não modifica nenhuma decisão, nem mesmo nenhuma quali-
ficadora, no intuito de condenar ou absolver o acusado. (CAM-
POS, 2018)

4.1.3.4 Da Competência no Tribunal do Júri.

Por fim, conforme o artigo 5º, inciso XXXVIII, alínea “d”,


da Constituição Federal de 1988, o Tribunal do Júri possui a
competência de julgar os crimes dolosos contra a vida, seja
tentado ou consumado, aqueles descritos na Parte Geral Espe-
cial do Código Penal, a saber: homicídio simples, privilegiado
ou qualificado (artigo 121, caput, § 1º e § 2º); induzimento, ins-
tigação ou auxílio ao suicídio ou a automutilação (artigo 122);
infanticídio (artigo 123) e o aborto em todas modalidades (arti-
gos 124 ao 127). (BRASIL, 1940)
Vale ressaltar, que há no ordenamento jurídico, outros
crimes dolosos com resultado morte, porém, não é pelo fato
de ocorrer a morte que necessariamente o julgamento é de
competência do Tribunal do Júri. É o que ocorre, por exemplo,
no crime de latrocínio (Artigo 157, § 3º, inciso II, do Código
Penal), onde conforme preceitua a Súmula 603 do Supremo
Tribunal Federal “ a competência para o processo e julgamento
de latrocínio é do juiz singular e não do Tribunal do Júri”, uma

142
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

vez que o bem tutelado não é a vida e sim o patrimônio.


Ademais, cabe também destacar, quando o crime
doloso contra vida for praticado em conjunto com outro delito,
via conexão ou continência, a competência para análise e jul-
gamento se atrela ao conselho de sentença, sendo decidida
pelos mesmos a culpabilidade do autor, mesmo não tendo sido
propriamente um crime contra a vida. (MARCÃO, 2021)
Em relação a este tema, resta esclarecer que apesar da
garantia do indivíduoao julgamento pelo Tribunal do Júri, exis-
tem casos em que há um crime doloso contravida e o réu não
irá a júri por deter foro por prerrogativa de função, situação na
qual omesmo tem direito a ser julgado pelos seus crimes por
um Tribunal específico, a depender do cargo em que ocupa,
podendo ser o Tribunal de Justiça ou até mesmo oSupremo
Tribunal Federal (RANGEL, 2021).

4.2 PRINCÍPIO DA PRESUNÇÃO DA INOCÊNCIA E SUA


APLICABILIDADE

Além dos princípios mencionados acima, previstos no


artigo 5º, inciso XXXVIII da Constituição Federal de 1988,
existe um outro princípio, alvo de muitas discussõese de suma
importância para o instituto do Tribunal do Júri, o princípio da
presunção da inocência ou não culpabilidade, também

143
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

expresso no texto constitucional, artigo 5º, inciso LVII, que pre-


leciona: “Ninguém será considerado culpado até o trânsito em
julgado de sentença penal. ” (BRASIL,1988)
O princípio da presunção de inocência apareceu pela
primeira vez na seara jurídica em 1974, na obra intitulado “Dos
delitos e das penas” do italiano Cesare Beccaria, para este
autor um homem não pode ser chamado réu antes da sen-
tença do juiz, e a sociedade só lhe pode retirar a proteção
pública após ter decidido que eleviolou os pactos por meio dos
quais ela lhe foi outorgada.” (BECCARIA, 1764, p. 69 apud
LIMA, 2020)
O referido princípio encontra-se positivado em inúme-
ros Documentos Internacionais de Direitos Humanos, entre
esses documentos: o da Declaração Universal dos Direitos do
Homem e do Cidadão em seu art. 9º, assegurando que “todo
acusado é considerado inocente até ser declarado culpado
[...]” (BRASIL, 1789) e naDeclaração de Direitos Humanos,
aprovada pela Assembleia Geral da Organização das Nações
Unidas em seu artigo 11, n.1, que aduz: “Toda a pessoa acu-
sada de um atodelituoso presume-se inocente até que a sua
culpabilidade fique legalmente provadano decurso de um pro-
cesso público em que todas as garantias necessárias de
defesa lhe sejam asseguradas.” (ONU, 1948)
Segundo Lima (2020, p. 45) este princípio não estava

144
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

expressamente descrito na Carta Magna de 1988, até a sua


promulgação, ou seja, implicitamente era apenasum corolário
do princípio do devido processo legal. Assim, com a promul-
gação da Constituição Federal de 1988, este passou a constar
de forma expressa no texto constitucional no artigo 5º, inciso
LVII, que preleciona: “Ninguém será considerado culpado até
o trânsito em julgado de sentença penal”. (BRASIL, 1988)
Aliás, é necessário fazer uma consideração em que
pese a diversidade terminológica deste princípio referente a
utilização no texto pertinente aos tratados internacionais e
convenções da expressão “presunção de inocência” e no texto
constitucional da expressão “não culpável”. Para Badaró
(2017, p. 283) não existe diferença entre presunção de inocên-
cia e não culpabilidade, sendo inútil e contraproducente a ten-
tativa de apartar ambas as ideias, devendo ser reconhecida a
equivalência de tais expressões.
Apontadas as considerações, ao analisar a finalidade
do supracitado princípio,Pacelli (2021, p. 53) faz uma exímia
lição afirmando:

Na doutrina o princípio da inocência, impõe ao


Poder Público a observância de duas regras
específicas em relação ao acusado: uma de tra-
tamento, segundo a qual o réu, em nenhum
momento do iter persecutório, pode sofrer restri-
ções pessoais fundadas exclusivamente na pos-

145
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

sibilidade de condenação, e outra de fundo pro-


batório, ao estabelecer que todos os ônus da
prova relativa à existência do fato e à sua autoria
devem recair exclusivamente sobre a acusação.
À defesa restaria apenas demonstrar a eventual
incidência de fato caracterizador de excludente
de ilicitude e culpabilidade, cuja presença fosse
por ela alegada.

Em outras palavras, o princípio da inocência ou não


culpabilidade é seguido por um lado pelo estabelecimento de
uma regra judicial, onde a distribuição condicional do ônus da
prova da violação penal pertence ao órgão que acusa.
Este princípio impede que o acusado se submeta um
processo penal com restrições aos seus direitos e garantias
fundamentais, baseado apenas na probabilidade de condena-
ção, haja visto, que a este é concedido o direito de não produ-
zir provas contra si mesmo e de se autodefender.
Nesse sentido, é imposto ao Poder Estatal um trata-
mento, no qual durante todo o transcorrer da persecução
penal o acusado é inocente, devendo ser provada por este a
sua culpa.
Seguindo essa mesma linha de raciocínio Nucci
(2021, p. 90) aduz, que primordialmente o ônus da prova
cabe à acusação e não à defesa, pois para o autor, as
pessoas nascem inocentes, sendo esse o seu estado natural,
razão pela qual, para violar tal regra, torna-se indispensável

146
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

que o Estado-acusação evidencie, com provas suficientes, ao


Estado-juiz, a culpa do acusado.
De outro lado, o princípio da inocência estabelece
regra de tratamento, cuja a finalidade é impedir que o acusado
seja tratado como culpado, antes mesmo que esta seja com-
provada, ou seja, isso dá ao acusado o direito de ser tratado
como inocente, até que venha ocorrer o trânsito em julgado da
sentença proferida que eventualmente o condenar.
Muito embora o ordenamento jurídico admita prisões
cautelares que impliquem a limitação da liberdade antes da
determinação definitiva da culpabilidade, tais medidas podem
ser aplicadas de modo excepcionais, se preenchidos os requisitos
legais previstos nos incisos I e II, do artigo 282, do Código de
Processo Penal.
Assim, portanto, as medidas cautelares de natureza
pessoal, intitulada de prisão cautelar ou provisória, consistem
na possibilidade de limitar a liberdade do indivíduo antes
mesmo de ter uma sentença condenatória transitada em jul-
gado, poishá situações que necessita de urgência para asse-
gurar que a lei penal seja aplicada no decorrer da investigação
criminal ou da instrução penal e, para afastar a prática demais
transgressões penais.
Para tal, o artigo 302 do Código de Processo Penal
prevê o flagrante delito; a prisão preventiva disposta no artigo

147
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

321 e 313 do mesmo Código e a prisão temporária prevista


em Lei específica no 7.960/89. Em todos esses casos serão
observados o caráter de urgência ou quando não for cabível
outra medida cautelar diversa da prisão.
Entretanto, este princípio sempre trouxe uma instabili-
dade jurídica, pois já houve muitas discussões e mudanças de
entendimentos doutrinários e jurisprudenciais no tocante ao
momento que poderia ser dado início à execução provisória
imposta no édito condenatório.

4.2.1 EXECUÇÃO PROVISÓRIA DA PENA

A execução penal trata-se de fase do processo crimi-


nal, em que, com o trânsito em julgado da sentença condena-
tória, torna-se um título executivo judicial. É o momento em
que se configura a transição do processo de conhecimento
para o processo de execução. (NUCCI, 2021).
O processo de execução geralmente tem seu início
determinado de ofício pelo juiz, e com isso verifica-se o
momento de fazer valer a pretensão punitiva do Estado, que é
desdobrada em pretensão executória. (NUCCI, 2021).
A prisão pena ou prisão penal consiste naquela resul-
tante de sentença condenatória transitada em julgado que
estabeleceu o cumprimento de pena restritiva de liberdade.

148
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

Esta pena só pode ser aplicada após o devido processo penal,


em que todas as garantias e direitos dos cidadãos tenham sido
assegurados. Além disso, esta modalidade se concretiza em
efetiva pretensão estatal de punir juntamente com o cumpri-
mento da pena privativa de liberdade.
No entanto, a execução provisória da pena é o início
do processo de aplicação da pena privativa de liberdade,
quando o condenado é preso, antes mesmo do trânsito em jul-
gado da sentença.

4.2.2 BREVE RETROSPECTO DA MUDANÇA DE POSICIO-


NAMENTO DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL ENVOL-
VENDO A EXECUÇÃO PROVISÓRIA DA PENA DIANTE DO
PRINCÍPIO DA INOCÊNCIA

Desde a promulgação da Carta Magna de 1988, que o


princípio da presunçãode inocência está positivado no rol de
direitos e garantias fundamentais, consagrado em seu artigo
5°, inciso LVII.
Como visto, este princípio estabelece o entendimento
de que a inocência do réu é presumida e deve perdurar
durante todo o curso processual, isto é, a culpabilidade só é
admitida de fato, no momento em que transitar em julgado a
sentença penal condenatória. Só pode ser executado após

149
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

exaurir todos os recursospossíveis.


Entretanto, ao longo dos últimos anos, o Supremo Tri-
bunal Federal, modificou seu entendimento diversas vezes a
respeito da execução provisória da pena, diante do princípio
da presunção de inocência.
Preliminarmente, o primeiro caso que exigiu o posici-
onamento da Suprema Corte ocorreu na decisão unânime do
Habeas Corpus n. 68.726/DF de 1991, cujo o Relator Ministro
Néri da Silveira, continuou se posicionando no sentido de auto-
rizar, ainda que pendente de recurso a prisão, logo após a
confirmação de sentença condenatória no segundo grau de
jurisdição, mesmo que sem elementos fundamentados em
cautelaridade, tendo em vista, que não conflitaria com o art.
5º, inciso LVII, da Constituição Federal de 1988, esse entendi-
mento esteve presente até fevereiro 2009.

Acontece que a partir de 2009 o Supremo Tribunal


Federal mudou de opinião e no Acórdão do Habeas Corpus
n. 84.078-7/MG, cujo o Relator Ministro Eros Grau, por 7 votos
a 4, o plenário confirmou a impossibilidade de execução pro-
visória da pena antes do trânsito em julgado, pois isso, violaria
o princípio da inocência.
Assim, com base nesse entendimento do Supremo
Tribunal Federal, o legislador através da Lei 12.493 de 2011,
deu nova redação ao artigo 283, do Códigode Processo Penal,

150
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

afirmando que ninguém poderá ser preso senão em flagrante


delitoou por ordem escrita e fundamentada da autoridade judi-
ciária competente, em decorrência de sentença condenatória
transitada em julgado ou, no curso da investigação ou do pro-
cesso, em virtude de prisão temporária ou prisão preventiva.
Esse entendimento, positivado pelo legislador vigorou até o
ano de 2016.
Em 2016, houve uma nova virada jurisprudencial e o
Supremo Tribunal Federal através do Habeas Corpus n.
126.292/SP, cujo o Relator Ministro Teori Zavascki, por 7
votos a favor e 4 votos contra, mais uma vez reconhece que a
execução provisória de acórdão penal condenatório proferido
em grau de apelação, ainda que haja recurso especial ou
extraordinário, não fere o princípio constitucional da presun-
ção de inocência consagrado pelo artigo 5º, inciso LVII, da
Constituição Federal, uma vez que no Tribunal Superior não
se discute matéria de fato, mas apenas o que concerne à
matéria de direito.
Posteriormente a esse entendimento, no mesmo ano,
foram ajuizados no Supremo Tribunal Federal medidas caute-
lares em duas Ações Declaratórias deConstitucionalidade n.
43 e n. 44, sendo a primeira proposta pelo Partido Ecológico
Nacional (PEN) e a segunda pelo Conselho Federal da Ordem
dos Advogados do Brasil (OAB), ambas tendo por objeto o

151
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

artigo 283, do Código de Processo Penal, consequentemente,


postulava o reconhecimento da compatibilidade constitucional
deste dispositivo legal e a inconstitucionalidade da execução
provisória da pena.
No entanto, as concessões das liminares cautelares
foram indeferidas pelo Plenário do Supremo Tribunal Federal,
ratificando mais uma vez, que tal dispositivo não impede a
imediata execução da pena.
Aliás, no bojo do Recurso Extraordinário com Agravo
de n. 964.246, de Repercussão Geral, o Supremo reafirma
pela tese n. 925, seu parecer afirmativo de que, a execução
provisória de acórdão penal condenatório, proferido em grau
recursal, ainda que sujeito a recurso especial ou extraordinário,
não fere o princípio constitucional da presunção de inocência,
preconizado no artigo 5º, inciso LVII, da Constituição Federal.
Em 2018, o Supremo Tribunal Federal voltou a se debru-
çar sobre a temática através do ajuizamento da Ação Declara-
tória de Constitucionalidade n. 54, proposto pelo Partido
Comunista do Brasil (PCdoB), apresentado em pedido liminar
similar àquele formulado nas Ações Diretas de Constituciona-
lidade n. 43 e n. 44, que tinha por objetivo impedir a execução
provisória de pena privativa de liberdade sem que haja deci-
são condenatória transitada em julgado, além de tornar sem
efeitos as decisões judiciais que tenham determinado a prisão

152
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

após condenação em segunda instância e da suspensão de


verbete sumular n. 122 do Tribunal Regional Federal da 4ª
Região, em que a prisão era confirmada automaticamente
após o órgão colegiado confirmar a sentença.
No entanto, somente em novembro de 2019, o
Supremo Tribunal Federal ao julgar o mérito das Ações Decla-
ratórias de Constitucionalidades n. 43, 44 e 54, objetodo artigo
283, do Código do Processo Penal, por decisão apertada de 6
votos a 5, em sede de controle concentrado (artigo 102, § 2º,
da Constituição Federal de 1988), é que veio a ser julgado
procedentes os pedidos aduzidos nas ações para assentar a
constitucionalidade, modificando a tese fixada em 2016 no jul-
gamento do Habeas Corpus n.126.292/SP, passando assim,
considerar a prevalência da presunção de inocência até o trân-
sito em julgado da ação penal, nos termos do artigo 5º, inciso
LVII da Constituição Federal e do artigo 283, do Código de
Processo Penal. (AVENA, 2022)
Reafirmando portanto, que o cumprimento da sanção
penal só será possível quando esgotado todos os recursos,
após o trânsito em julgado, o que o torna imutável, salvo, ape-
nas nas decisões fundamentadas que se verificar a presença dos
requisitos da prisão cautelar.

153
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

4.3 EMBATE JURÍDICO DA (IN)ONSTITUCIONALIDA-


DE DO AMPARO NORMATIVO DA EXECUÇÃO PENAL
CONDENATÓRIA NO TRIBUNAL DO JÚRI

Ultrapassadas as considerações referentes a cons-


tante oscilação jurisprudencial do Supremo Tribunal Federal
em relação a constitucionalidade da execução provisória da
pena, tomada por base do princípio da presunção de inocên-
cia, neste momento, passa-se a análise dos argumentos jurí-
dicos da (in) constitucionalidade do artigo 942, inciso I, alínea
“e” promovido pela Lei 13.964 de 24dezembro de 2019, foco
do presente estudo.
Cumpre registrar, que até a promulgação da Lei Fede-
ral correspondente, o dispositivo legal apresentado em sua
redação, era de que, em caso de condenação do acusado, o
juiz presidente do Tribunal do Júri, pronunciaria a sentença e
ordenaria que o mesmo fosse recolhido ou então encaminha-
ria à prisão onde encontrasse detido, caso estivessem reuni-
dos os requisitos para a prisão preventiva.

4.3.1 DA ALTERAÇÃO DO ARTIGO 942, I, “e”, DO CÓDIGO


DE PROCESSO PENAL

Contudo, com as modificações advinda com Lei

154
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

13.964 de 2019, conhecida por Pacote/Lei Anticrime, que alte-


rou além de outros estatutos regimentais brasileiro, diversos dis-
positivos normativos da Legislação Penal e Processual Penal,
entre um desses preceitos alterados, encontra-se a do artigo
492, inciso I, alínea “e” do Código de Processo Penal, deter-
minando que:

Artigo 492: (...)


I – No caso de condenação: (...)
e) mandará o acusado recolher-se ou reco-
mendá-lo-á à prisão em que se encontra, se pre-
sentes os requisitos da prisão preventiva, ou, no
caso de condenação a uma pena igual ou supe-
rior a 15 (quinze) anos de reclusão, determinará
a execução provisória das penas, com expedição
do mandado de prisão, se for o caso, sem preju-
ízo do conhecimento de recursos que vierem a
ser interpostos; (BRASIL, 2019)

Neste panorama, o novo dispositivo jurídico reacen-


deu novamente embate doutrinário e jurisprudencial, ao indi-
car expressamente a possibilidade de execução provisória da
pena, em caso de condenação igual ou superior a 15 (quinze)
anos de reclusão, proferida no âmbito do Tribunal do Júri,
pouco importando se estão presentes os requisitos ou pressu-
postos necessários que autoriza a decretação da prisãopre-
ventiva.
Assim sendo, surge uma série de discussões que diz
respeito à (in) constitucionalidade do artigo 492, inciso I, alínea

155
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

“e”, do Código de Processo Penal, antes de exauridos toda


cadeia recursal.
Desta maneira estão dispostos dois posicionamentos
antagônicos na seara jurídica. Um sendo favorável, que se
fundamenta no princípio constitucional dasoberania dos vere-
ditos (artigo 5º, inciso XXXVIII, alínea “c”, da Constituição
Federal de 1988) para a possível aplicação do artigo 492,
inciso I, alínea “e”, garantindo ao jurado autonomia, inde-
pendência e imparcialidade para decidir o caso sem interferên-
cia de qualquer autoridade judiciária, pois representam a von-
tade popular.
E outro, sendo contraposto a possibilidade de aplica-
ção do aludido artigo, visto que se fundamenta ao princípio da
presunção de inocência, acolhido no ordenamento jurídico
pátrio notoriamente pelo artigo 5º, inciso LVII, da Constituição
Federal e artigo 283 do Código de Processo Penal. Evidente-
mente, para tratar do tema é fundamental trazer à baila o posi-
cionamento jurisprudencial do Supremo Tribunal Federal.

4.3.2 CONSTITUCIONALIDADE DO AMPARO NORMATIVO


DO ARTIGO 492, INCISO I, ALÍNEA “E” DO CÓDIGO DE PRO-
CESSO PENAL

A ação penal que deu origem a interposição do

156
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

Recurso Extraordinário n. 1.235.340 com Repercussão Geral,


reconhecida por unanimidade do tema 1.068, interposto pelo
Ministério Público de Santa Catarina, de Relatoria do Ministro
Luís Roberto Barroso, trata-se de um condenado pelo Tribunal
do Júri por feminicídio duplamente qualificado e posse irregular
de arma de fogo de uso permitido, oriundo de um Agravo Regi-
mental em Habeas Corpus n. 111.960/SC de 1995, julgado
pelo Superior Tribunal de Justiça, no qual impedia a prisão de
um condenado pelo Tribunal do Júri.
Nos termos do voto do relator a matéria refere-se não
apenas a direitos fundamentais de indiscutível interesse jurí-
dico, mas também, a uma eredictos política, com pautas
penais, carcerárias e sociais, em razão dos impactos negati-
vos gerados pela sensação de impunidade diante de punições
severas que, muitas vezes não são aplicadas de forma eficaz.
Logo, o Superior Tribunal de Justiça aplicou sua juris-
prudência sobre a ilicitude da prisão, partindo apenas do pres-
suposto de que a decisão condenatória proferida pelo Tribunal
do Júri deve ser realizada de imediata, sem qualquer elemento
específico que justifique a prisão cautelar, sem a comprovação
da condenação pelo colegiado de segundo grau ou o esgota-
mento das possibilidades de recursos.
Ementa do Agravo Regimental assim redigida:

AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO EM

157
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

HABEAS CORPUS. TRIBUNAL DO JÚRI. FEMI-


NICÍDIO QUALIFICADO E POSSE DE ARMA
DE FOGO. EXECUÇÃO PROVISÓRIA DA
PENA. CONDENAÇÃO AINDA NÃO TRANSI-
TADA EM JULGADO OU CONFIRMADA POR
COLEGIADO DE SEGUNDO GRAU. EXPEDI-
ÇÃO DE MANDADO DE PRISÃO OBSTADA.
AGRAVO REGIMENTAL IMPROVIDO.

1. É pacífica a jurisprudência desta Corteno sen-


tido de que a negativa do direito de recorrer em
liberdade somente fundada na premissa de que
a decisão condenatória proferida pelo Tribunal
do Júri deve ser executada prontamente, sem
qualquer elemento do caso concreto para justifi-
car a custódia cautelar, não transitada em jul-
gado ou não confirmada a condenação por Cole-
giado de segundo grau, torna a prisão ilegal. Pre-
cedentes. 2. Agravo regimental improvido. (STJ,
RHC 111.690 AgR, 6ª Turma, Rel. Min. Nefi Cor-
deiro, j. 11.6.2019)

Assim, ao abrir a Sessão de Julgamento o Mininistro


Luís Roberto Barroso, conheceu e deu o provimento ao
recurso extraordinário para negar provimento ao recurso ordi-
nário em Habeas Corpus, fixando, a seguinte tese de julga-
mento (tema 1.068 da repercussão geral): “A soberania dos
veredictos doTribunal do Júri autoriza a imediata execução de
condenação imposta pelo corpo de jurados, independente-
mente do total da pena aplicada”.
Além disso, em sua decisão esclarece, que nos julga-
mentos de crimes dolosos contra a vida (artigo 5º, inciso XXX-

158
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

VIII, alínea “d”, da Constituição Federal de 1988) de compe-


tência do Tribunal do Júri, não podem ser substituídas por
nenhum outro tribunal e que, por isso, a execuçãoimediata da
condenação pelo Tribunal do Júri, não viola o princípio da pre-
sunção de inocência, independentemente do julgamento da
apelação ou de qualquer outro recurso.
Fez ainda considerações, quanto a circunstâncias
eredictos , como nos casos de indícios de nulidade ou de
condenações manifestamente contrária à prova dos autos,
afirmando que o tribunal, pode exercer poder geral de cautela,
para suspender a execução até o julgamento do recurso.
Além, de fazer ponderações contrárias à delimitação do mon-
tante da pena aplicada previsto no artigo 492, inciso I, alínea
“e”, do Código de Processo Penal, da Lei 13.964 de 2019 ao
patamar mínimo de 15 anos de reclusão. Pois, segundo este a
exequibilidade das decisões tomadas pelo corpo de jurados
não se baseia no montante da pena aplicada, mas na sobera-
nia de suas decisões.
Consoante com o mesmo entendimento do Relator, o
Ministro Dias Toffolli, em sua decisão reafirma à possibilidade
do cumprimento imediato da pena após decisão do Tribunal
do Júri, conforme já havia pontuado no voto de vista proferido
no Habeas Corpus n. 114.214/PA, julgado na Primeira Turma,
afirmando que, o princípio constitucional da soberania dos

159
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

veredictos confere à decisão dos jurados, em tese, um caráter


de intangibilidade quanto a seu mérito.
Porém, não ignora a posição majoritária da doutrina e
da jurisprudência no sentido de que o v eredicto do júri
embora soberano, não é absoluto. Todavia, essa soberania
somente pode ser mitigada, caso seja necessário a verificação
da existência de veredic técnicos-jurídicos e questões de
direito em rol extremamente exaustivo.
Por isso, entende, desde sempre, que, nos crimes jul-
gados pelo Tribunal do Júri, em razão do status constitucional
desse Órgão do Judiciário, sobretudo a soberania dos vere-
dictos, o cumprimento da condenação deve ser feito de imedi-
ato.

4.3.3 INCONSTITUCIONALIDADE DO AMPARO NORMA-


TIVO DO ARTIGO 492, INCISO I, ALÍNEA “E” DO CÓDIGO DE
PROCESSO PENAL

O voto do MinistroGilmar Mendes foi contrário ao voto


do Relator e negou o provimento ao Recurso Extraordinário, de
modo a manter a vedação à execução imediata da pena
imposta pelo Tribunal do Júri. Assentou-se na seguinte tese:

A Constituição Federal, levando em conta a pre-

160
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

sunção de inocência (art. 5º,inciso LV), e a Con-


venção Americana de Direitos Humanos, em
razão do direito de recurso do condenado (art.
8.2.h), vedam a execução imediata dascondena-
ções proferidas por Tribunal do Júri, mas a prisão
preventiva do condenado pode ser decretada
motivadamente, nos termos do art. 312 do CPP,
pelo Juiz Presidente a partir dos fatos e funda-
mentos assentados pelos Jurados. (BRASIL,
2019)

Para ao final, declarar a inconstitucionalidade da nova


redação determinada pela Lei 13.964 de 2019 ao artigo 492,
inciso I, alinea “e”, do Código de Processo Penal. Porém, é
imperioso ressaltar, que no atual momento, o Ministro Ricardo
Lewandowski pediu vista dos autos e o julgamento encontra-
se suspenso diante do pedido, no entanto, em breve deverá
ser pacificado o entendimento.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Diante de todo o exposto, o presente artigo teve por


desiderato, analisar a exequibilidade da execução provisória
da pena em caso de condenação pelo Tribunal do Júri, artigo
492, inciso I, alínea “e”, do Código de Processo Penal, con-
frontando sua validade jurídica normativa com o princípio
constitucional da presunção da inocência.
Para melhor compreensão, foi necessário evidenciar

161
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

os posicionamentos doutrinários que divergem em relação a


tal dispositivos, visto que o cerne do embasamento argumen-
tativo passou a ser a antinomia entre o princípio constitucio-
nal da soberania do vereditos (artigo 5º, inciso XXXVIII, alí-
nea “c”) e o princípio da presunção da inocência (artigo 5º,
inciso LVII). Assim sendo, foi através do Recurso Extraordi-
nário com Repercussão Geral n. 1.235.340, a discussão nor-
mativa foi apresentado ao Supremo Tribunal Federal.
Feitas essas ponderações, embora encontra-se
ainda em discussão no Supremo Tribunal Federal o disposi-
tivo legal em relação a sua aplicabilidade e harmonização
com o ordenamento jurídico brasileiro, há de admitir que caso
prepondere a constitucionalidade da execução provisória da
pena no âmbito do Tribunal do Júri, tal entendimento repre-
sentará um retrocesso frente a inobservância das garantias e
princípio constitucional da presunção de inocência.
Além disso, não existe razoabilidade para o entendi-
mento dado pelo Supremo Tribunal Federal referente da exe-
cução prévia das penas antes do trânsito em julgado, para
que seja alterado apenas no âmbito do Tribunal do Júri, e
especialmente nos casos mais específicos em que se tratar
da quantidade da pena aplicada.
Ademais, será totalmente contraditório a Suprema
Corte julgar Constitucional a execução antecipada da pena

162
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

em condenações no Tribunal do Júri e inconstitucional em


condenações em segunda instância nos casos de sentenças
proferidas que não seja de competência do Tribunal do Júri.

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Janeiro: Método, 2022.

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Federativa do Brasil:promulgada em 5 de outubro de 1988.
Brasília, DF: Senado Federal. 1988.

BRASIL. Lei nº 13.964, de 24 de dezembro de 2019. Aperfei-


çoa a legislação penal e processual penal. Brasília, 2019.

BRASIL. Lei nº 3.689, de 03 de outubro de 1941. Código de


Processo Penal. Diário Oficial República Federativa do Brasil,
Brasília, DF: Senado Federal. 1941.

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Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

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Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

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165
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

5
O PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA
SOBRE A ÓTICA DA RESSOCIALIZAÇÃO NO
SISTEMA PRISIONAL NO BRASIL

THE PRINCIPLE OF THE DIGNITY OF THE HUMAN


PERSON FROM THE PERSPECTIVE OF
RESOCIALIZATION IN THE PRISON SYSTEM IN BRAZIL

Sandra Cesário dos Santos9


Williane Tiburcio Facundes10

SANTOS, Sandra Cesário dos. O princípio da dignidade da


pessoa humana sobre a ótica da ressocialização no sis-
tema prisional no Brasil. 2023. Trabalho de Conclusão de
Curso (Bacharel em Direito) – Centro Universitário UNINORTE
– Rio Branco, 2023.

9
Discente do 9º período do Centro Universitário Uninorte.
10
Docente do Centro Universitário Uninorte. Graduada em Direito pela
U:Verse. Especialista em Psicopedagogia pela Universidade Varzeangran-
dense. Graduada em Letras Vernáculas pela Universidade Federal do
Acre-UFAC.

166
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

RESUMO

Este artigo aborda a dignidade da pessoa humana durante o


período de ressocialização dentro dos presídios, especial-
mente no que tange à inobservância dos direitos e garantias
presentes na Constituição Federal. Uma pesquisa de caráter
integralmente bibliográfico, utilizando consultas em livros, re-
vistas, sites e outras obras já publicadas. Objetiva-se apontar
a fragilidade do sistema penitenciário no Brasil, uma vez que
a rotina nos ambientes carcerários e de aplicação da lei penal
demandam, ocasionalmente, violação dos direitos fundamen-
tais dos apenados. Aponta-se, então, a relevância e a neces-
sidade de considerarmos o Direito Penal como ultima ratio do
sistema, ou seja, um direito penal mínimo, justamente para
que seja protegido o princípio da dignidade da pessoa hu-
mana.

Palavras-Chave: sistema penitenciário; dignidade; apenado;


ressocialização.

167
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

RESUMEN

Este artículo aborda la dignidad de la persona humana durante


el período de resocialización en las cárceles, especialmente
en lo que toca a la inobservancia de los derechos y garantías
presentes en la Constitución Federal. Una investigación de ca-
rácter totalmente bibliográfico, utilizando consultas en libros,
revistas, sitios web y otros trabajos ya publicados. El objetivo
es señalar la fragilidad del sistema penitenciario en Brasil, ya
que la rutina en los ambientes penitenciarios y en la aplicación
de la legislación penal exigen, ocasionalmente, la violación de
los derechos fundamentales de los reclusos. Se señala, enton-
ces, la pertinencia y la necesidad de considerar el Derecho
Penal como la última proporción del sistema, es decir, un de-
recho penal mínimo, precisamente para que se proteja el prin-
cipio de la dignidad de la persona humana.

Palabras-clave: sistema penitenciario; dignidad; condenado;


resocialización.

168
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

INTRODUÇÃO

O princípio da Dignidade Humana é sem dúvida a bús-


sola para a garantia dos direitos do homem, principalmente
quando eles estão sendo testados. Os direitos humanos in-
cluem o direito à vida e à liberdade, liberdade de opinião e ex-
pressão, o direito ao trabalho e à educação, entre outros, en-
tretanto, na prática nem sempre são preservados esses direi-
tos, tornando-se necessário provocar o judiciário.
Um dos momentos mais delicados de conciliar a digni-
dade da pessoa humana com a limitação de direitos é quando
o indivisão necessita fazer o cumprimento de uma sentença
com pena de reclusão. É de conhecimento popular que o Sis-
tema Penitenciário Brasileiro possui muitas falhas e não con-
segue atender a grande demanda de apenados, executando
em muitos casos um serviço que vai em conflito com o princí-
pio da dignidade humana. A presente pesquisa limita-se a es-
ses dois institutos, a dignidade da pessoa humana e a resso-
cialização no Sistema Penitenciário no Brasil.
A pesquisa possui como problema: quais os fatores que
colidem com o princípio da dignidade da pessoa humana du-
rante o processo de ressocialização? Isso será apontado no
decorrer do desenvolvimento. Como objetivo geral busca-se
comparar o princípio acima mencionado com o processo de

169
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

ressocialização no Brasil. Esse tema possui uma relevância


imprescindível, pois, trata-se da dignidade humana, num país
que ocupa o terceiro lugar no ranking de maior população car-
cerária.
Com uma metodologia totalmente bibliográfica, a pre-
sente pesquisa está dividida em três capítulos, no qual o pri-
meiro busca trazer breves apontamentos acerca do princípio
da dignidade da pessoa humana, por meio da conceituação e
da declaração universal dos direitos humanos. Já o segundo
capítulo aborda a história do Sistema Penitenciário Brasileiro,
buscando ainda falar sobre a grande violência que existe den-
tro dessas instituições. Por fim, o terceiro capítulo fala sobre o
princípio da dignidade da pessoa humana e a ressocialização,
apontando os dispositivos brasileiros que tratam sobre os di-
reitos dos presos, a exemplo a Lei de Execução Penal – Lei nº
7.210, de 1984.

5.1 CONCEITO E A ABRANGÊNCIA DO PRINCÍPIO DA DIG-


NIDADE DA PESSOA HUMANA

O princípio da dignidade da pessoa humana possui, as-


sim como direito à vida, algumas dificuldades na hora de defi-
nir-se, entretanto não é mais questionada que a dignidade hu-
mana é uma qualidade intrínseca da pessoa. Em boa medida

170
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

as dificuldades são aquelas próprias dos princípios, normas


que, como já se observou, são agudamente abstratas, permi-
tindo diversas considerações, conceituações e aspectos. En-
tretanto, como pontua Ingo Wolfgang Sarlet (2003), é bem
possível visualizar inúmeras situações na qual a dignidade da
pessoa humana restou absolutamente violada.
O Constituinte de 1988 optou por não incluir a dignidade
da pessoa humana no rol dos direitos e garantias fundamen-
tais, incluindo-a, pela primeira vez, na condição de princípio e
valor fundamental. Deste modo, determinou de maneira clara
e exata o intuito de outorgar aos princípios fundamentais a
qualidade de normas fundamentadoras e orientadoras de toda
a ordem constitucional, em especial dos direitos e garantias
fundamentais.
Funcionando não somente como ação norteadora, a
dignidade da pessoa humana opera como conceito material-
mente aberto dos direitos fundamentais em nossa ordem
constitucional, abrangendo as mudanças na ordem internaci-
onal através da incorporação de tratados e convenções sobre
direitos humanos, bem como os princípios implícitos.
Por várias vezes, a frase “dignidade da pessoa hu-
mana” tem sido empregada com objetivo de proteger direitos
humanos fundamentais. A implicação é que várias vezes não

171
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

se pode alcançar o verdadeiro significado de seu conceito, re-


sultando em algo muito vago, uma vez que não há em nossa
Constituição um rol taxativo neste sentido. Sabemos apenas
que é necessário o reconhecimento e respeito a esta digni-
dade. Apesar, contudo, da grande dificuldade que existe para
definir claramente o significado da expressão “dignidade da
pessoa humana”, ela é real na medida em que se torna fácil
apontar as situações nas quais ela é agredida.
A dignidade é uma característica intrínseca da pessoa
humana e, apenas pelo fato de “ser” humano, é direito de cada
pessoa receber todo respeito lhe convém, não importando
quaisquer pré-requisitos ou condições, tais como nacionali-
dade, gênero, raça, idade, estado civil, condições sociais e
econômicas, entre outras. Por esses motivos, é de suma im-
portância se observar para a condição de que ninguém está
sujeito a trocar, vender ou perder sua dignidade, não impor-
tando qualquer desvio, seja ele físico ou moral.
Veja que a lógica abrangida pelo direito penal pune o
delito, ao passo que a pessoa que cometeu a prática delitiva
deverá, por mais inadequada que seja sua conduta, ser tra-
tada com todo o respeito e dignidade que lhe são inerentes
enquanto ser humano. Observe que a ideia é assegurar aos
apenados condições mínimas para que ele possa voltar a con-

172
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

viver em sociedade, tendo a dignidade da pessoa humana pa-


pel fundamental neste contexto. Para Alexandre de Moraes
(2003, p. 60),

A dignidade da pessoa humana é um valor espi-


ritual e moral inerente à pessoa, que se mani-
festa singularmente na autodeterminação cons-
ciente e responsável da própria vida e que traz
consigo a pretensão ao respeito por parte das
demais pessoas, constituindo-se em um mínimo
invulnerável que todo estatuto jurídico deve as-
segurar, de modo que apenas excepcionalmente
possam ser feitas limitações ao exercício dos di-
reitos fundamentais, mas sempre sem menos-
prezar a necessária estima que merecem todas
as pessoas enquanto seres humanos.

5.1.2 DECLARAÇÃO UNIVERSAL DOS DIREITOS HUMA-


NOS

A Declaração Universal dos Direitos Humanos é um do-


cumento histórico que estabeleceu os direitos fundamentais
de todos os seres humanos, independentemente de raça, cor,
religião, gênero, status social ou qualquer outra condição. A
sua criação foi um marco importante na história da humani-
dade, e ainda é um guia para a construção de sociedades mais
justas e igualitárias. O seu impacto no direito internacional é
inegável, e sua influência se estende por todo o mundo. A

173
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

compreensão dos princípios contidos na Declaração é funda-


mental para a construção de uma sociedade mais justa e igua-
litária. Russomano completa:

A Declaração Universal dos Direitos Humanos,


aprovada pela ONU em 10 de dezembro de
1948, é a pedra angular da impressionante revo-
lução que se operou nesse campo, inclusive pelo
transbordamento de seus lindes tradicionais (ci-
vis, políticos) de modo a alcançar as áreas do tra-
balho e da seguridade social.

Na esteira das atrocidades da Segunda Guerra Mundial


e com a intenção de construir um mundo sobre uma nova base
ideológica, os governos de vários países propuseram a Decla-
ração Universal dos Direitos Humanos em 1948. Foi para pro-
mover a organização de princípios e fortalecer os direitos hu-
manos. Depois que a Comissão concluiu seu trabalho, os
Estados membros da ONU consideraram a Declaração Uni-
versal dos Direitos Humanos. A Resolução 217 foi apresen-
tada na Assembleia Geral.
A Constituição da República Federativa do Brasil de
1988 reconheceu estes direitos como inerentes à pessoa hu-
mana e à sua dignidade, estabelecendo a prevalência dos di-
reitos humanos nas relações internacionais do país. Este re-
conhecimento tem sido fundamental para garantir a proteção

174
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

dos direitos humanos no Brasil e promover a justiça e a igual-


dade para todos.
Destaca-se o preâmbulo da Declaração Universal dos
Direitos do Homem adotada e proclamada pela Resolução 217
A (III) da Assembleia Geral das Nações Unidas em 10 de de-
zembro de 1948:

Considerando que o reconhecimento da digni-


dade inerente a todos os membros da família hu-
mana e de seus direitos iguais e inalienáveis é o
fundamento da liberdade, da justiça e da paz no
mundo, Considerando que o desprezo e o des-
respeito pelos direitos humanos resultaram em
atos bárbaros que ultrajaram a consciência da
Humanidade e que o advento de um mundo em
que os homens gozem de liberdade de palavra,
de crença e da liberdade de viverem a salvo do
temor e da necessidade foi proclamado como a
mais alta aspiração do homem comum, Conside-
rando essencial que os direitos humanos sejam
protegidos pelo Estado de Direito, para que o ho-
mem não seja compelido, como último recurso, à
rebelião contra tirania e a opressão, Conside-
rando essencial promover o desenvolvimento de
relações amistosas entre as nações, Conside-
rando que os povos das Nações Unidas reafirma-
ram, na Carta, sua fé nos direitos humanos fun-
damentais, na dignidade e no valor da pessoa
humana e na igualdade de direitos dos homens
e das mulheres, e que decidiram promover o pro-
gresso social e melhores condições de vida em
uma liberdade mais ampla. Considerando que os
Estados-Membros se comprometeram a desen-
volver, em cooperação com as Nações Unidas, o
respeito universal aos direitos humanos e liber-
dades fundamentais e a observância desses di-
reitos e liberdades, considerando que uma com-
preensão comum desses direitos e liberdades é

175
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

da mais alta importância para o pleno cumpri-


mento desse compromisso.

Com seu preâmbulo e 30 artigos que tratam de ques-


tões de liberdade, igualdade, dignidade, alimentação, mora-
dia, educação etc., a DUDH é o documento mais traduzido no
mundo atualmente – chegou a 500 idiomas e dialetos. Ambos
inspiraram outros documentos e instituições internacionais
com o mesmo propósito, e permearam as constituições de pa-
íses antigos e novos por meio da formulação de princípios e
direitos fundamentais.

5.2 BREVES RELATOS A RESPEITO DA HISTÓRIA DO


SISTEMA PENITENCIÁRIO BRASILEIRO

Os primeiros relatos a respeito das prisões vieram da


Idade Antiga, que se compreende do século VIII A.C a queda
do Império Romano do Ocidente no século V D.C. O período
chamado de cárcere foi marcado pelo encarceramento, que
apresentava como emprego o ato de aprisionar não como ca-
ráter da pena, e sim como garantia de manter o sujeito sob o
domínio físico, para se exercer a punição. Os meios utilizados
para se punir determinados indivíduos eram muito mais pesa-
dos do que se observa atualmente.

176
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

A prisão como forma de punição surgiu apenas no sé-


culo XVIII, na Europa, com a criação do sistema penitenciário,
que buscava uma forma mais humanitária e eficiente de punir
os criminosos. O objetivo era que a prisão servisse como um
lugar de reflexão e arrependimento, onde o preso pudesse se
penitenciar pelos seus erros e se tornar uma pessoa melhor.
No entanto, ao longo dos anos, o sistema penitenciário
se mostrou falho e ineficiente, com altos índices de reincidên-
cia e condições precárias de vida para os presos. É preciso
repensar o sistema e buscar alternativas mais eficazes e jus-
tas para punir os criminosos e reintegrá-los à sociedade.
Por muito tempo, nas civilizações mais antigas, como o
Egito, a prisão tinha como finalidade ser um lugar de custódia
e tortura, até que penas cruéis fossem aplicadas. A origem
dessa ideia que se tem de prisão surgiu na idade média, con-
sistindo na prisão de monges e outras pessoas da classe ecle-
siástica.
Com intuito de puni-los esses eram trancados em mos-
teiros, ficando recolhidos em suas selas para que assim pu-
dessem meditar e assim alcançarem um arrependimento. E
assim, nasce à lógica de punir com a restrição da liberdade,
motivando a criação da primeira prisão para criminosos, criada
em Londres entre 1550 e 1552. No Brasil, as prisões começa-
ram a surgir no século XIX, e com o, até então, novo código

177
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

penal, implantado em 1890, houve marcantes modificações A


evidência que no Brasil não há políticas públicas que sejam
capazes de alterar o descaso que existe.
A primeira decisão de encarceramento no Brasil foi le-
gislada em 1769, tendo o Rio de Janeiro o mérito de ter cons-
truído em 1833 a primeira prisão para converter os detentos
em "súditos e trabalhadores". Na primeira constituição brasi-
leira, em 1824, foi estipulado que as prisões deveriam ser clas-
sificadas de acordo com o tipo de pena imposta para abrigar
réus selecionados. O Artigo 179 da Carta estipula que os cen-
tros de detenção devem ser seguros, limpos e bem ventilados,
e que salas separadas devem ser montadas de acordo com a
situação do réu e a natureza do crime.
Depois disso, as penalidades bárbaras foram banidas
do ordenamento jurídico, e as penas passaram a ter um cará-
ter mais humanitário, influenciado notadamente pela humani-
zação da pena de Cesare Beccaria, que atribuía proporciona-
lidade à condenação. Nesse sentido, Werner Engbruch e
Bruno Morais di Santis (2012, p. 38):

Em 1824, com a nova Constituição, o Brasil co-


meça a reformar seu sistema punitivo: bane-se
as penas de açoite, a tortura, o ferro quente e ou-
tras penas cruéis; determina-se que as cadeias
devem ser “seguras, limpas e bem arejadas ha-
vendo diversas casas para a separação dos
réus, conforme a circunstâncias, e natureza dos

178
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

seus crimes”. A abolição das penas cruéis não foi


plena, já que os escravos ainda estavam sujeitos
a elas.

5.2.1 A GRANDE VIOLÊNCIA DENTRO DA SEGURANÇA


PÚBLICA

Atualmente, o cenário mundial está totalmente prejudi-


cado, onde a saúde está comprometida, a educação caminha
com dificuldade e a segurança sofre retaliações por alguns
agentes não agirem de forma humanitária e profissional. Mas,
a violência e da tortura no Brasil não é um fato recente e de
forma racional entende-se que esse problema não está atre-
lado a norma, mas sim aos costumes procedimentais do sis-
tema militar marcado por uma cultura escravocrata de domi-
nação. Logo, pode observar que quando não há observância
nos princípios constitucionais de segurança, a violência torna-
se a principal protagonista dessas cenas.
A falta de preparação de alguns policiais militares evi-
dencia a ausência de controle do Estado e a necessidade uma
política de segurança voltada para a pacificação da atuação
militar. No ano de 2019 e 2020, pode-se registrar um aumento
significativo de violência policial, o que gera um grande receio
da sociedade em vivenciar novamente uma ditadura militar e
suas práticas de torturas para com os civis.

179
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

De acordo com a Defensoria pública do Rio de Janeiro


o número mensal de presos que são torturados chega a 90.
No estado de São Paulo, atualmente, a temática do aumento
da letalidade policial é tida como uma das coisas mais urgen-
tes a ser tratada, isso porque em 2019 foram mortas 736 pes-
soas, maior número já apresentado. No maranhão também fo-
ram apresentados indícios de agressão, após uma inspeção
organizada por grupos representativos dos direitos humanos,
no Complexo Penitenciário de Pedrinhas, onde encontraram
presos com uniformes rasgados.
São por esses e outros motivos que a Organização das
Nações Unidas (ONU) solicita ao Estado brasileiro esclareci-
mentos a respeito das medidas de combate tomadas durante
a presente pandemia da covid-19. Além disso, umas das coi-
sas exigidas pelo comitê é que o Estado possa especificar as
medidas de prevenções, investigações e sanções em relação
aos desaparecimentos causados por grupos paramilitares e
esquadrões da morte, popularmente chamados de milícias.
Apesar de serem recentes os fatos apresentados, a tor-
tura no Brasil data-se de 1500 com a chegada dos portugue-
ses. A violência era praticada como forma de obter confissões,
sem contar, ainda, a própria escravidão sofrida pelos índios e
negros. No ano de 1964, tem-se início a Ditadura Militar,
usando a tortura como meio de destruir a ideologia comunista

180
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

e seus defensores. Civis eram agredidos em praças públicas,


a tortura física e psicológica marcou em período brasileiro. A
primeira vítima de tortura, nesse período, foi o comunista Gre-
gório Bezerra, amarrado por cordas, foi arrastado pelas vias
públicas. Sua morte por enforcamento foi impedida por religi-
osos da época, mas não foi o suficiente para impedir que ele
tivesse seus pés queimados com soda cáustica.
Mortes por choques elétricos, estrangulamento, enfor-
camento, pau-de-arara, entre outras formas eram utilizadas
por grupos militares. Um grupo chamado Comissão Nacional
da Verdade, responsável por apurar os acontecimentos da di-
tadura no Brasil, fez um levantamento de pelo menos 434 mor-
tes ou desaparecimentos forçados. Até hoje, existem famílias
que nunca souberam do paradeiro de seus entes, nunca pu-
deram enterrar seus entes nem saber seus tristes fins.
O Brasil, atualmente, é signatário de diversos acordos
que intencionam o combate à tortura, podemos citar a exem-
plo, a Convenção Contra a Tortura e Outros Tratamentos ou
Penas Cruéis, Desumanos ou Degradantes; Declaração Uni-
versal dos Direitos Humanos; Convenção Interamericana Para
Prevenir e Punir a Tortura; Pacto Internacional para a Defesa
de Direitos Civis e Políticos; entre outros. Todavia, foi somente
no ano de 1990 que houve o inserimento da Lei nº 8.072/90

181
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

no ordenamento, passando a prever a tortura como um crime


hediondo.
Apesar de tantas resguardam de leis nacionais e acor-
dos internacionais, as violentas ações militares durante os pe-
ríodos de repressão no país são ainda encontradas na maioria
dos presídios brasileiros e são também um problema urgente
já que muitas vezes não há oportunidade de os condenados
denunciarem tais agressões.
Identificar a raiz do problema seria desmontar a cultura
militar que parte de agressão física intimidadora, meios arcai-
cos de demonstrar forças ou medi-las. A punição, nos casos
em que se tenha demonstrado abuso de poder, é realmente
devida, sendo justa a perda da farda ou o distintivo do agente
civil em caso mais graves. O judiciário, juntamente com o tri-
bunal militar, deve julgar esses casos de forma mais rigorosas
para que essa prática seja retirada desde o curso de capacita-
ção inicial para ingressarem as carreiras militares.
Sabe-se que não é de hoje que os fatos seguem em
linhas tortuosas, quando se leva em consideração a dignidade
da pessoa humana. Isso porque aprende-se que a punição
não deve afetar o corpo do agente, a vitalidade de sua digni-
dade. Todos são capazes ter esse conhecimento a respeito da
aplicabilidade da pena. Com efeito, as penas cruéis e degra-
dantes, típicas da Idade Média, as quais incidiam sobre o

182
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

corpo do condenado, mostram-se repugnantes à noção con-


temporânea de direitos humanos.
É importante apontar esse respeito ao princípio da dig-
nidade humana originou-se particularmente depois do grande
sofrimento presenciado pela humanidade no pós-guerra na-
zista, englobando a chacina dos judeus, massacrados, humi-
lhados e mortos. Esse caso representou claramente a ausên-
cia do respeito pelas faculdades humanas fundamentais, en-
fim, retiraram desses povos algo intrínseco a sua natura hu-
mana, a dignidade.
Diante disso, após as atrocidades experienciadas na 2ª
Guerra Mundial, surgiu a reflexão de que precisava-se estabe-
lecer princípios que valorizassem o ser humano, ambiente no
qual foi gerada a Declaração Universal dos Direitos Humanos,
que em seu artigo primeiro logo tratou de destacar que todas
as pessoas nascem livres e iguais em dignidade e direitos.
A questão da finalidade da pena é um tema importante
que deve ser discutido e refletido pela sociedade. A lei de exe-
cução penal no Brasil tem como objetivo efetivar a sentença
ou decisão criminal, mas também proporcionar condições para
a reintegração social do preso. É importante lembrar que a
pena não deve ser apenas punitiva, mas também educativa e
humanizadora, visando a ressocialização do condenado. No
entanto, é necessário avaliar se na prática a legislação está

183
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

sendo aplicada de forma efetiva e coerente com seus objeti-


vos.
É necessário avaliar se a legislação está sendo apli-
cada de forma efetiva nesse sentido. O sistema penal possui
uma natureza dupla de punir e humanizar, mas é necessário
que também tenha um foco educativo e de reinserção social
dos condenados. A complexidade do sistema penal brasileiro
exige uma discussão constante sobre sua justiça e efetividade.
É preciso avaliar se as políticas públicas estão sendo
eficazes na prevenção do crime e na ressocialização dos in-
fratores. Além disso, é necessário garantir que o sistema penal
seja justo e igualitário para todos, independentemente de sua
condição social ou econômica. Somente assim será possível
construir uma sociedade verdadeiramente justa, livre e solidá-
ria.
De fato, o objetivo do sistema penal brasileiro é a ree-
ducação e reintegração do indivíduo na sociedade, em linha
com a Constituição brasileira. A punição é aplicada de forma
individualizada e com respeito à integridade física e moral do
preso. A educação é uma parte fundamental do processo de
reabilitação, e é por isso que o termo "reeducando" é ampla-
mente utilizado nos complexos penitenciários.

184
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

No entanto, o sistema penal brasileiro é complexo e en-


frenta muitos desafios, incluindo superlotação, falta de recur-
sos e violência dentro das prisões. É importante que o sistema
seja constantemente avaliado e aprimorado para garantir que
a justiça seja aplicada de forma justa e igualitária para todos
os indivíduos.
A pena de prisão, embora seja a mais comum para cri-
mes graves, não deve ser vista como a única solução para a
justiça. Além de punir o criminoso, o sistema penal brasileiro
deve ter um foco mais amplo, que é a educação e a reintegra-
ção social dos condenados. É importante que o sistema prisi-
onal ofereça aos internos oportunidades de aprendizado e ca-
pacitação profissional, para que eles possam ter uma chance
justa de reinserção na sociedade. Infelizmente, muitos dos de-
safios enfrentados pelo sistema penal brasileiro, como o su-
perlotamento, a falta de recursos e a violência dentro das pri-
sões, dificultam a implementação dessas medidas.
Por isso, é fundamental que se continue discutindo e
buscando soluções para aprimorar o sistema penal e garantir
que ele cumpra seu papel de forma justa e efetiva. Aparente-
mente, o prisioneiro aprendeu rapidamente as regras de disci-
plina da prisão porque não queria ser punido. Assim, um ob-
servador despreparado pode perceber um preso bem-compor-

185
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

tado como um indivíduo reformado, mas a realidade é bem di-


ferente, trata-se simplesmente de um indivíduo aprisionado
(MANOEL, 1983).
Como conclusão deste capítulo, afirma-se que o princí-
pio da dignidade da pessoa humana deve ser respeitado na
execução das sentenças. Porém, na prática, em geral, o go-
verno brasileiro parece ter colocado letra morta na Constitui-
ção Federal, nas normas internacionais e na LEP, exigindo
que os criminosos cumpram suas sanções penais em condi-
ções desumanas, privados do mínimo material, saúde, assis-
tência jurídica, enfim, muitas vezes não tem nem onde dormir,
nem ar para respirar.

5.2.2 A CRISE DE SUPERLOTAÇÃO NO SISTEMA PRISIO-


NAL BRASILEIRO

A superlotação no sistema prisional é um grande pro-


blema enfrentado, pois esse fator impulsiona o surgimento de
outros problemas. Devido à superlotação das prisões, os de-
tentos vivem em condições precárias, sofrendo de diversos
problemas de saúde que contribuem para a disseminação e
contágio de doenças infecciosas. Alguns reclusos aguardam
julgamento na prisão sem condenação, o que é um dos fatores
que contribui para o grande aumento do número de reclusos,

186
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

a reunião entre réus sentenciados e não sentenciados. Pen-


sando nisso, aborda Coelho (2003, p.1):

a nossa realidade é arcaica, os estabelecimentos


prisionais, na sua grande maioria, representam
para os reclusos um verdadeiro inferno em vida,
onde o preso se amontoa a outros em celas (se-
ria melhor dizer em jaulas) sujas, úmidas, anti-
higiênicas e superlotadas, de tal forma que, em
não raros exemplos, o preso deve dormir sen-
tado, enquanto outros revezam em pé.

O Estado está sempre trabalhando para responder às


crises, impondo penas alternativas para quem comete crimes
potencialmente mais agressivos, como prisão domiciliar e
prestação de serviços comunitários. No entanto, as medidas
tomadas são ineficazes e a falta de condições básicas preju-
dica a eficácia do reencarceramento e reeducação dos presos
e os conduz de volta ao crime, aumentando o índice de reinci-
dência no Brasil.
Entretanto, Bitencourt salienta:

Apesar da deficiência dos dados estatísticos, não


se pode duvidar de que o sistema prisional não
consegue reabilitar os seus detentos e conse-
quentemente a delinquência não diminui, pelo
contrário só vem reforçar os valores negativos
dos reclusos (2016, p. 168).

187
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

O investimento precário do Estado não permite o con-


trole da superlotação, embora que esteja evidente a grande
necessidade da construção de novos presídios, procurando
atender a grande demanda de presos e disponibilizar um am-
biente mais adequado a reeducação carcerária, em conformi-
dade com a legislação.
Em resumo, apesar de o Brasil ter regulamentação es-
pecífica e minuciosa de como deve ser organizado o espaço
habitacional do apenado, ainda assim não é tão eficaz e ga-
rantidora como a normatização de outros lugares no mundo.
Mesmo assim, a realidade prisional no Brasil está muito dis-
tante das normas aqui descritas, pois, como se sabe, a super-
lotação carcerária não é um problema novo no país e está
longe de ser solucionado.

5.3 DA RESSOCIALIZAÇÃO DO PRESO

A Constituição Federal estipula claramente a responsa-


bilidade do Estado para com todos os cidadãos na garantia de
direitos e deveres básicos, os quais também se aplicam aos
presos incluídos no Código Penal Brasileiro. Para não ter seus
plenos direitos violados pela condenação, os presos devem
manter seus direitos e integração social na prisão.

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Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

A necessidade de punição é clara, cabendo ao Estado


reconstituir a ordem, esclarecendo os fatos e punindo os infra-
tores. No entanto, essa punição deve ir além de uma simples
punição criminal ou multa pecuniária, e como não é preciso
pensar apenas em punição, é preciso acreditar que o agressor
mudará e que sua nova atitude será diferente da atitude que
praticava antes da prisão.
É certo que o Estado através do sistema prisional não
consegue cumprir o papel de ressocializar, pois segundo pes-
quisas o índice de reincidência é aproximadamente de 70%,
ou seja, 07 em cada 10 presos que deixam o sistema prisional
voltam ao crime (Fonte: Agência Brasil), tal porcentagem mos-
tra quão falho é o sistema, visto que, na teoria o motivo princi-
pal da pena privativa de liberdade seria recuperação do infra-
tor para que volte a sociedade, mesmo com tais índices o Es-
tado vem buscando alternativas para a efetivação da função
ressocializadora da pena.
Essa ressocialização deve ser alcançada através de
políticas de inclusão que ofereçam ao encarcerado uma nova
oportunidade de vida. Algumas dessas iniciativas se dão por
meio da educação e da conscientização, seja psicológica ou
social. Outras ocorrem por meio da capacitação profissional
que também tem esse caráter inclusivo. Assim, o sistema car-
cerário deve visar a proteção da sociedade, mas também o

189
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

cuidado do preso que, em tempo oportuno, será reinserido no


corpo social novamente (FIGUEIREDO NETO, 2009).
Abergaria defende que a reeducação do preso está di-
retamente ligada à essência da ressocialização. Nesse con-
texto, o autor afirma:

A reeducação ou escolarização social de delin-


quente é educação tardia de quem não logrou
obtê-la em época própria. A reeducação é instru-
mento de salvaguarda da sociedade e promoção
do condenado. Ora, o direito à educação é pre-
visto na Constituição e na Declaração Universal
dos direitos do Homem. Por isso, tem de esten-
der-se a todos os homens o direito à educação,
como uma das condições da realização de sua
vocação pessoal de crescer. A UNESCO tem es-
timulado as nações para a democratização do di-
reito à educação social, que se propõe a erradi-
car as condições criminógenas da sociedade
(ABERGARIA, 1996, p. 140).

É claro que a educação é a principal arma contra a cri-


minalidade. No mesmo sentido, a reeducação é o meio mais
eficaz para reintegrar o condenado à vida coletiva. Assim a
pena precisa ser justa e o preso deve ser recuperado ao sair
da prisão se sentindo pronto para compor novamente a socie-
dade e da mesma forma, o corpo social se sentir seguro para
receber semelhante que não viverá em desacordo com a lei
(ROSSINI, 2014).
Ressalta-se que a ressocialização, segundo Albergaria,

190
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

objetivaria a reeducação ou, ainda, a escolarização social do


delinquente. De acordo com seu pensamento: [...], a reeduca-
ção ou escolarização social de delinquente é educação tardia
de quem não logrou obtê-la em época própria.
Nesse sentido, a ressocialização dos presidiários é fun-
damental para que possam retornar ao convívio social de
forma saudável e sem cometer novos delitos. É importante que
a punição aplicada não seja apenas retributiva, mas também
educativa e preventiva. Para isso, é necessário que o sistema
penal ofereça oportunidades de educação, capacitação profis-
sional e assistência psicológica aos detentos. Além disso, é
preciso que a sociedade se engaje no processo de ressociali-
zação, oferecendo empregos e acolhimento aos ex-presidiá-
rios. Dessa forma, é possível construir uma sociedade mais
justa e segura para todos.

5.3.1 O PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA


E A RESSOCIALIZAÇÃO

O Brasil permaneceu assim até o ano de 1830, orien-


tado através das Ordenações Filipinas que disciplinava os cri-
mes e penas que deveriam ser aplicados, todavia, essas pe-
nalidades ainda primitivas, eram baseadas nos castigos físi-
cos e humilhação pública. Nesse contexto:

191
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

Não havia aceitação pública, pelo caráter de es-


petáculo da execução das penas, sendo que as
pessoas eram estimuladas e compelidas a seguir
o cortejo até o local do sacrifício, e o preso era
obrigado a proclamar sua culpa, atestar seu crime
e a justiça de sua condenação” (FOUCAULT
apud DOTTI, 1977, p. 58).

O sistema prisional visa a punição, do ponto de vista da


punição, reabilitar e reintegrar o infrator na sociedade para que
após refletir na prisão sobre seu comportamento ele possa vol-
tar a viver em sociedade. No entanto, a lógica dessas institui-
ções de controle molda os padrões do totalitarismo, especial-
mente para as prisões. De fato, muitos obstáculos impedem a
interação social de um prisioneiro com o mundo exterior.
Desde o primeiro momento em que o condenado foi en-
viado para a prisão, sua autonomia e personalidade foram
comprometidas, pois ele acabou perdendo o contato com to-
dos os seus pertences pessoais. Isso significa que o conde-
nado é despojado dos pressupostos mínimos de pertenci-
mento social, como roupas e papéis, o que resulta em perda
de identidade.
A respeito da ceara penal, ela é dirigida pelo Código
Penal, assim como outros dispositivos afins. Entre as inúme-
ras leis que complementam o Código Penal, está a Lei de Exe-

192
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

cução Penal – LEP, criada em 11 de julho de 1984, que obje-


tiva “efetivar as disposições de sentença ou decisão criminal e
proporcionar condições para a harmônica integração social do
condenado e do internado” (BRASIL,1984).
Tendo em vista que ao preso são assegurados todos os
direitos que não forem afetados pela sentença penal condena-
tória, existe a disposição no sentido de que devem ser respei-
tados sempre esses demais direitos fundamentais, pois, tudo
aquilo que extravasa os limites da lei, contraria determinado
direito. Embora tenha sua liberdade limitada por conta do cár-
cere, no entanto, é assegurado ao condenado o respeito a sua
integridade física e moral.
O artigo 41 da LEP é responsável por elencar os direitos
do preso. Dentre eles, podemos citar os seguintes: alimenta-
ção suficiente e vestuário, atribuição de trabalho e sua remu-
neração, previdência social, constituição de pecúlio, proporci-
onalidade na distribuição do tempo para o trabalho, o des-
canso e a recreação, assistência material à saúde, jurídica,
educacional, social e religiosa, igualdade de tratamento, salvo
quanto às exigências da individualização da pena.
O grande problema surge quando o preso tenta resso-
cializar-se com a sociedade e o mercado de trabalho. A res-
socialização do preso hoje no atual sistema prisional brasi-
leiro é algo que, quase impossível diante de um sistema falido

193
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

e caminhando para um caos provocando mazelas indeléveis


tanto fisicamente quanto na alma do reeducando, de seus fa-
miliares e da sociedade.
O retorno do indivíduo que acaba de cumprir sua pena
no meio social é imprescindível para que a finalidade da pena
seja atingida, especialmente a reintegração do ex-apenado no
mercado de trabalho. É obrigação da sociedade e do Estado
auxiliar nessa a reinserção do ex-preso à sociedade da qual
foi segregado enquanto fazia o cumprimento da pena.
Provavelmente, para o ex-detento, a inclusão social
será o caso mais difícil após sair do estabelecimento prisional.
Contudo, é o caso que possui mais pressa e necessidade.
Para isso, é preciso que a sociedade compreenda que tal fato
só será viável se a reintegração iniciar já no primeiro dia de
cumprimento da pena.
A princípio, deve considerar que qualquer ex- detentos
são trabalhadores em potencial, subindo as escadas do mer-
cado de trabalho. Esse fato também necessita do entendi-
mento que vários deles possuem experiências profissionais al-
cançadas antes e até mesmo depois do aprisionamento. Du-
rante o cumprimento da pena, são ofertados aos presos vários
projetos que possibilitam o aumento do grau escolar e e os
capacitam tecnicamente para exercerem alguma profissão.

194
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

A parte mais complicada é combater a maneira precon-


ceituosa como eles são tratados, devendo os trabalhadores
presos satisfazer às expectativas das empresas que os dese-
jam contratar, executando um trabalho satisfatório, como qual-
quer outro trabalhador que não tenha sido preso.
Com certeza, a mudança no sistema prisional brasileiro
requer uma mudança na mentalidade da sociedade. É preciso
compreender que a prisão não deve ser vista como um fim em
si mesma, mas sim como um meio para a ressocialização e
reintegração do indivíduo na sociedade. Para isso, é funda-
mental que o sistema prisional ofereça um ambiente seguro e
saudável, com acesso à educação, treinamento profissional e
apoio psicológico.
Além disso, é importante que a sociedade seja envol-
vida no processo de reintegração dos ex-presidiários, ofere-
cendo oportunidades de trabalho e apoio emocional. A mu-
dança também requer uma reforma do sistema judiciário, com
uma abordagem mais educativa e preventiva, em vez de ape-
nas punitiva.
Após a observação dos fatos mencionados no presente
trabalho, torna-se importante criar políticas públicas que visem
o Desenvolvimento das Penitenciárias Nacionais, de maneira
que possibilitem a sua integral efetivação quanto aos planos

195
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

direcionados aos presidiários e sua família. Partindo daí, po-


derá consagrar os direitos fundamentais dos seres humanos,
indistintamente, a fim de alicerçar o Estado Democrático de
Direito.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Por meio da presente pesquisa foi possível compreen-


der que o princípio da dignidade da pessoa humana não é algo
tão fácil de se conceituar, pois tende a ser um valor espiritual
e moral, de toda sorte, sabemos que é intrínseco a pessoa. Já
a Declaração Universal dos Direitos Humanos reconheceu a
dignidade da pessoa humana, possuindo trinta artigos que tra-
tam de questões como a liberdade, a igualdade, a dignidade,
a alimentação, a moradia, o ensino, a DUDH é hoje o docu-
mento mais traduzido no mundo.
Também evidenciou-se que desde a antiguidade a
forma de punir desrespeita a dignidade da pessoa humana,
sendo que outrora a punição era física, um verdadeiro cenário
de humilhação pública. Esse capítulo foi o que mais ajudou a
responder a problemática do trabalho na qual buscava-se
apontar os problemas que existem no sistema prisional brasi-
leiro que vão em conflito com o que dispõe no princípio da dig-

196
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

nidade da pessoa humana, os quais podemos apontar, a su-


perlotação, a violência, a falta de políticas que visem reeducar
o preso e não somente puni-lo, pois, bem sabe-se que so-
mente a educação é capaz de transformar um apenado, casti-
gos físicos já não são bem vistos, ficaram no passado. Por fim,
pode-se dizer que legislação de proteção dos direitos huma-
nos assim como a sua dignidade existe, entretanto só neces-
sita ser fiscalizada e praticada.

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SILVA, J. Controle da criminalidade e segurança pública
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1990.

199
TOMO I

Este livro reúne cinco artigos, na


área de Ciências Jurídicas,
redigidos por concludentes do
Curso de Direito da UNINORTE –
Ac, sob a supervisão do Profa. Esp.
Williane Tibúrcio Facundes.
EAC
Editor .

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