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Williane Tibúrcio Facundes

mostra de artigos
(organizadora)

E-book
TOMO 2

Vol. IV

CIÊNCIAS JURÍDICAS
na Amazônia Sul-Ocidental

EAC
Editor
Copyright © by autores, 2023.
All rigths reserved.

Todos os direitos desta edição pertencem aos autores. Nenhuma parte desse
livro poderá ser reproduzida por qualquer meio ou forma sem a autorização
prévia da organizadora pelo e-mail <willitiburcio@gmail.com >. A violação
dos direitos autorais é crime estabelecido na lei nº 9.610/98 e punido pelo art.
184 do Código Penal. As informações contidas em cada capítulo são de inteira
responsabilidade dos autores, bem como o alinhamento dos textos às normas
da ABNT e da ortografia gramatical da língua portuguesa.

CAPISTA E DIAGRAMADOR
Eduardo de Araújo Carneiro
eac.editor@gmail.com

CONSELHO EDITORIAL DA OBRA


Dr. Eduardo de Araújo Carneiro
Dr. Elyson Ferreira de Souza
Me. Adriano dos Santos Lurconvite
Esp. Simmel Sheldon de Almeida Lopes
Esp. Arthur Braga de Souza
Esp. Ícaro Maia Chaim

E-BOOK

F143c FACUNDES, Williane Tibúrcio (Org.).


Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental: mostra de
artigos / Williane Tibúrcio Facundes (organizadora). – 1.
ed. – Rio Branco: EAC Editor, Edição dos autores, 2023.
227 p.; il. 14,8x21 cm. Tomo II; Vol. 4. (E-Book)
ISBN: 978-65-00-86728-2
1. Ciências Jurídicas; 2. Direito; 3. Amazônia; I. Título.
CDD 340.07
SUMARIO

APRESENTAÇÃO 05

1 A INEFICIÊNCIA DA ATUAÇÃO ESTATAL E SUAS 06


POLÍTICAS PÚBLICAS NO COMBATE Á VIOLÊNCIA
DOMÉSTICA, FAMILIAR E AFETIVA CONTRA A
MULHER
Giovanna Silva Magalhães
Kevin Oliveira Mendonça

2. A APLICABILIDADE DA LEI DE VIOLÊNCIA 52


DOMÉSTICA A MULHERES TRANSGÊNEROS
Priscilla Ketlem Albuquerque da Silva
Williane Tiburcio Facundes

3. O PARTO ANÔNIMO COMO DIREITO 109


FUNDAMENTAL DA GESTANTE
Esla Corrêa Gomes Freitas
Williane Tibúrcio Facundes

4. ASPECTOS JURÍDICOS E ÉTICOS DO SIGILO 144


MÉDICO E OS LIMITES DA INVIOLABILIDADE DO DI-
REITO À INTIMIDADE DO PACIENTE
Luiz Felipe Barbosa de Alencar
Kevin Oliveira Mendonça

5. A RESPONSABILIDADE DA ADMINISTRAÇÃO 183


PÚBLICA FRENTE AOS CONTRATOS DE TERCEIRIZA-
ÇÃO DE MÃO DE OBRA
Diago Lucas Zumba Campos
Ícaro Maia Chaim

6 A (IN)EFICÁCIA DO JUS POSTULANDI NA JUSTIÇA 223


DO TRABALHO NO QUE CONCERNE AO EFETIVO
ACESSO À JUSTIÇA
Marcus Phelype Monteiro de Albuquerque
Ícaro Maia Chaim
“O fim do Direito não é abolir nem
restringir, mas preservar e
ampliar a liberdade.”
John Locke
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

APRESENTAÇÃO

A
presente obra reúne 06 (seis) artigos de con-
cludentes do curso do direito do Centro Univer-
sitário Uninorte, sob a organização da profes-
sora especialista Williane Tibúrcio Facundes, tendo também a
colaboração do professor especialista Arthur Braga de Souza
os quais foram escritos em coautoria com os autores e abor-
dam relevantes temas jurídicos, a saber.
Os artigos científicos aqui apresentados desempenham
um papel fundamental na expansão do conhecimento jurídico.
Eles fornecem uma plataforma para a análise aprofundada de
questões legais, a discussão de jurisprudência recente e a
contribuição para o desenvolvimento de teorias jurídicas. Além
disso, esses artigos auxiliam na disseminação de informações
valiosas para a comunidade jurídica, advogados, estudantes e
profissionais do direito. Eles também desempenham um papel
importante na formação de políticas e na tomada de decisões
judiciais informadas.
Os textos científicos apresentados nesta obra exploram
tópicos variados, desde questões de direitos humanos e cons-
titucionais até a análise de casos legais específicos. A pes-
quisa cuidadosa e a análise crítica são o cerne para a produ-

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Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

ção de artigos jurídicos aqui tratados que, por sua vez, contri-
buem para o avanço e a compreensão aprofundada das com-
plexidades legais em nossa sociedade.
Trata-se de uma obra coletiva e plural, que debate te-
mas interessantes à sociedade e, sem esgotar os assuntos,
promove reflexões a respeito de situações vivenciadas diaria-
mente em nosso corpo social. Daí se extrai a sua relevância.

Prof. Esp. Williane Tibúrcio Facundes


Docente do Curso de Bacharelado em Direito pelo Cento
Universitário Uninorte. Graduada em Direito pela U:Verse.
Especialista em Psicopedagogia. Graduada em Letras Vernáculas
pela Universidade Federal do Acre - UFAC.

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Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

1
A INEFICIÊNCIA DA ATUAÇÃO ESTATAL E SUAS
POLÍTICAS PÚBLICAS NO COMBATE Á VIOLÊNCIA
DOMÉSTICA, FAMILIAR E AFETIVA CONTRA A MULHER

THE INEFFECTIVENESS OF STATE ACTION AND ITS


PUBLIC POLICIES IN COMBATING DOMESTIC, FAMILY
AND AFFECTIVE VIOLENCE AGAINST WOMEN

GIOVANNA SILVA MAGALHÃES 1

KEVIN OLIVEIRA MENDONÇA 2

MAGALHÃES, Giovanna Silva. A ineficiência da atuação


estatal e suas políticas públicas no combate a violência
doméstica, familiar e afetiva contra a mulherTrabalho de
Conclusão de Curso de graduação em Direito – Centro
Universitário UNINORTE, Rio Branco. 2023

1
Discente do 9º período do curso de bacharelado em Direito pelo Centro
Universitário Uninorte.
2
Docente do Centro Universitário Uninorte. Graduado Em Direito Pela Fa-
culdade Barão Do Rio Branco. Advogado, pós-graduado em Direito Civil e
Tributário pela Universidade de Araguera e em Direito Penal pelo IBMEC.

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Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

RESUMO

Introdução. Este trabalho de conclusão de curso se propõe a


investigar, de maneira aprofundada e crítica, a ineficiência da
atuação estatal e suas políticas públicas no enfrentamento da
violência doméstica, familiar e afetiva contra a mulher no
Brasil. Neste contexto, ao longo deste trabalho, será realizado
um exame detalhado das políticas públicas atualmente em
vigor, identificando suas lacunas e limitações. Serão
exploradas as implicações sociais, legais e psicológicas da
violência contra a mulher, bem como os fatores que
consideram para sua persistência. Objetivo. Diante do
contexto, o objetivo é analisar os principais desafios e
obstáculos que impedem a eficácia dessas políticas, bem
como suas consequências para as vítimas e para a sociedade
como um todo. Além disso, o estudo buscará compreender as
implicações sociais, legais e psicológicas da violência contra
a mulher. Método. Em suma, a implementação da Lei Maria da
Penha representa um progresso importante, mas uma jornada
para erradicar a violência do gênero e garantir a segurança e
a igualdade das mulheres é contínua. É necessário continuar
fortalecendo as políticas públicas, a aplicação da lei e os
esforços de sensibilização para alcançar uma sociedade
verdadeiramente livre de violência contra a mulher.
Conclusão. A implementação da lei 11.340 aumentou a
conscientização da sociedade sobre a gravidade da violência
de gênero, incentivou as vítimas a denunciarem seus
agressores, e promoveu a criação de medidas protetivas mais
eficazes. Além disso, houve um fortalecimento dos órgãos de
atendimento às mulheres em situação de risco. No entanto,
ainda existem desafios a serem superados. A subnotificação
continua sendo uma questão relevante, muitos casos de
violência ainda não são denunciados, e a aplicação da lei pode
ser lenta em alguns casos. Além disso, a educação e a
sensibilização contínuas são permitidas para eliminar

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Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

estereótipos de gênero interativo e promover relacionamentos


saudáveis. O acesso a serviços de apoio, como casas de
abrigo, também precisa ser ampliado para garantir a
segurança das mulheres em situação de risco em todo o país.

Palavras-chave: Lei Maria da Penha; violência doméstica;


políticas públicas; medidas de proteção.

ABSTRACT

Introduction: This work aims to investigate, in an in-depth and


critical manner, the inefficiency of state action and its public
policies in combating domestic, family and emotional violence
against women in Brazil. During this work, a detailed examina-
tion of public policies currently in force will be carried out, iden-
tifying their gaps and limitations. The social, legal and psycho-
logical implications of violence against women and the factors
that account for its persistence will be explored. Specific objec-
tives: The objective is to analyze the main challenges and ob-
stacles that impede the effectiveness of these policies, and
what their consequences are for victims and society. This work
will seek to understand the social, legal and psychological im-
plications of violence against women. Method: The implemen-
tation of the Maria da Penha Law represents important pro-
gress, but the journey to eradicate gender-based violence and
ensure women's safety and equality is ongoing. It is necessary
to continue strengthening public policies, law enforcement and
awareness efforts to achieve a society truly free from violence
against women. Conclusion: The implementation of law 11,340
increased society's awareness of the seriousness of gender-
based violence, encouraged victims to report their abuser, and
promoted the creation of more effective protective measures.

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Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

In addition, there was a strengthening of bodies providing as-


sistance to women at risk. However, there are still challenges
to be overcome. Underreporting continues to be a relevant is-
sue, many cases of violence are still not reported, and law en-
forcement can be slow in some cases. Additionally, continued
education and awareness are allowed to eliminate interactive
gender stereotypes and promote healthy relationships. Access
to support services, such as shelters, also needs to be ex-
panded to ensure the safety of at-risk women across the coun-
try.

Keywords: Maria da Penha Law; domestic violence; public pol-


icies; protective measures.

INTRODUÇÃO

A violência doméstica, familiar e afetiva contra a mulher


é uma das manifestações mais nefastas da desigualdade de
gênero e da violação dos direitos humanos na sociedade
contemporânea.
Essa forma de violência, muitas vezes enraizada em
dinâmicas culturais e sociais profundamente arraigadas, é um
flagelo que assola mulheres em todo o mundo, não poupando
fronteiras geográficas, econômicas ou educacionais.
No Brasil, o cenário não é diferente, e a busca por
soluções eficazes para erradicar essa violência persistente é
uma prioridade inadiável.

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Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

A promulgação da Lei Maria da Penha em 2006


representou um passo significativo na direção de uma
resposta jurídica mais sólida e adequada a essa grave questão
social. Esta legislação, reconhecida internacionalmente como
um dos marcos legais mais abrangentes no combate à
violência contra à mulher, carrega uma série de medidas
protetivas e instrumentos legais destinados a amparar as
vítimas e responsabilizar os agressores.
No entanto, apesar dos avanços legais, persiste uma
dolorosa realidade: a ineficiência da atuação estatal e a
insuficiência das políticas públicas em fornecer proteção
eficaz às mulheres em situação de vulnerabilidade.
Este trabalho de conclusão de curso busca lançar luz
sobre o problema da ineficiência de atuação estatal e suas
políticas públicas no combate à violência doméstica, familiar e
afetiva contra a mulher no contexto brasileiro.
A investigação se pauta na análise crítica dos principais
desafios e obstáculos que minam a eficácia dessas políticas,
bem como nas implicações sociais, psicológicas e jurídicas
que a violência contra à mulher traz consigo.
Ao longo deste estudo, será explorado as lacunas
existentes nas políticas públicas atualmente em vigor,
identificando barreiras institucionais e culturais que dificultam
a plena aplicação da Lei Maria da Penha.

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Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

Além disso, será examinado os fatores que perpetuam


a violência e discutidas abordagens multidisciplinares para
sua superação.
A violência doméstica, familiar e afetiva contra a mulher
não pode ser tolerada numa sociedade que aspira à igualdade,
à justiça e ao respeito pelos direitos fundamentais de todos os
seus membros.
Portanto, a análise crítica que este trabalho se propõe
a realizar é um passo crucial na direção de um futuro em que
todas as mulheres possam viver livres do medo da violência,
desfrutando plenamente de seus direitos e dignidade.
É uma busca por soluções concretas e eficazes, um
chamado à ação para que a ineficiência seja transformada em
eficácia, portanto, é imperativo que sejam tomadas medidas e
políticas rigorosas para garantir a segurança das mulheres,
oferecendo apoio, recursos e orientação adequados para
aquelas que enfrentam situações de violência doméstica.
Ao priorizar a proteção da vida da mulher e sua
segurança no ambiente familiar, não estamos apenas
defendendo seus direitos fundamentais, mas também
fortalecendo os alicerces de uma sociedade justa e
compassiva.

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Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

1.1.1 LESGILAÇÃO QUE REFORÇA O COMBATE À VIO-


LÊNCIA DOMÉSTICA

Historicamente, a violência doméstica, afetiva e familiar


contra a mulher é uma triste realidade enraizada nas entradas
da sociedade. Ela permeia as estruturas sociais há séculos e,
em grande parte, tem suas raízes profundamente
entrelaçadas com o sistema patriarcal que remonta aos
primórdios da civilização. Dentro dessa estrutura de poder, os
homens detinham o controle e exerciam uma autoridade
dominante sobre as mulheres, consolidando uma posição de
gênero que perpetuava a desigualdade e, muitas vezes,
justificava a violência como meio de manter essa ordem.
Nesse contexto, a violência contra a mulher
muitas vezes era tolerada, justificada ou simplesmente
ignorada, pois fazia parte de um sistema que relegava as
mulheres a uma posição de submissão. A violência, tanto
física quanto psicológica, moral, sexual e patrimonial era
muitas vezes considerada uma prerrogativa do gênero
masculino, e as vítimas frequentemente sofriam em silêncio,
com poucas opções de busca por ajuda ou proteção.
À medida que a sociedade evoluiu e a consciência
sobre a igualdade de gênero e os direitos das mulheres se
fortaleceu, a luta contra a violência doméstica tomou forma.

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Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

No entanto, como raízes profundas desse problema ainda


persistem, a mudança cultural e social tem sido um processo
complexo e demorado.
Reconhecer a historicidade da violência doméstica e
seu entrelaçamento com o patriarcado é essencial para
entender a complexidade desse desafio e a importância de
políticas e ações eficazes para erradicá-lo. A conscientização
e a promoção da igualdade de gênero são passos cruciais
para desmantelar o sistema de desigualdade e violência que
tem afetado a vida das mulheres por tanto tempo. Embora o
progresso legislativo em prol da proteção da vida das
mulheres seja gradual, a conquista dos direitos femininos
avança.
O Brasil aderiu a tratados internacionais com o objetivo
de combater a discriminação e a violência de gênero. Dentre
esses tratados, destacam-se a Convenção sobre a Eliminação
de Todas as Formas de Discriminação contra a Mulher
(CEDAW) e a Convenção Interamericana para Prevenir, Punir
e Erradicar a Violência contra a Mulher, também conhecida
como Convenção de Belém do Pará.
A Convenção Interamericana para Prevenir, Punir E
Erradicar a violência contraa mulher, foi estabelecida no ano
de 1994. Esta conferência, que contou com a participação de
representantes de 35 países, em conjunto com a Secretaria de

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Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

Política para as Mulheres, desempenhou um papel


fundamental na criação da lei 11.340, conhecida como Lei
Maria da Penha, que foi promulgada apenas em 2006. Essa
legislação foi elaborada com o objetivo de combater a
violência doméstica e familiar contra as mulheres. O Tratado
de Belém teve uma importância significativa como
instrumento de proteção e defesa das mulheres vítimas de
violência, sendo sancionado em 1995.
É uma responsabilidade fundamental do Estado e de
seus órgãos governamentais proteger, sancionar e garantir os
direitos das mulheres, incluindo a liberdade, segurança,
dignidade e autonomia, que estão se tornando cada vez mais
vulneráveis e desrespeitados. É crucial que o Estado assuma
uma postura ativa e efetiva na prevenção da violência
doméstica contra as mulheres, garantindo a implementação de
medidas legislativas que ofereçam acesso e tratamentos
adequados às vítimas. O capítulo IV da Convenção
Interamericana estabelece claramente:

Art.10 - A fim de proteger o direito de toda mulher


a uma vida livre de violência, os Estados Partes
deverão incluir nos relatórios nacionais à Comis-
são Interamericana de Mulheres informações so-
bre as medidasadotadas para prevenir e erradi-
car a violência contra a mulher, para prestar as-
sistência à mulher afetada pela violência, bem
como sobre as dificuldades que observarem na

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Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

aplicação das mesmas e os fatores que contri-


buam para a violência contra a mulher. (1996)

Tratado de Belém desempenhou um papel fundamental


no avanço dos direitosdas mulheres não apenas no Brasil, mas
em todo o mundo. É o primeiro tratado internacional a
reconhecer explicitamente que a violência contra a mulher é
uma violação dos direitos humanos. Por meio desse tratado, a
definição de violência doméstica foi ampliada, estabelecendo
que qualquer ato que afete negativamente o gênero feminino
e cause morte, lesões físicas, psicológicas ou sexuais constitui
violência contra a mulher. Além disso, o Tratado de Belém se
tornou um importante referencial sociojurídico que influenciou
a criação da Lei Maria da Penha.
No ano de 2003 foi promulgada a lei 10.778/03, que
estabeleceu a obrigação de realizar notificação compulsória
em casos de suspeita de violência doméstica contra mulheres
atendidas em serviços de saúde públicos ou privados,
protegendo a identidade da vítima. Essa legislação passou por
alterações em dezembro de 2019, tornando-se a lei 13.931/19,
uma ferramenta relevante para a prevenção no âmbito das
políticas públicas do Estado. A identificação de casos de
violência contra à mulher sempre representou um desafio,
uma vez que as agressões ocorridas no ambiente privado do
lar frequentemente não são reportadas. Muitas vezes, essas

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Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

mulheres sofrem em silêncio por longos períodos, o que acaba


causando danos significativos àsua saúde. Os profissionais de
saúde pública desempenham um papel fundamental no
monitoramento e no combate a essas formas de agressão.
Quando as mulheres buscam atendimento médico, seja
devido aos danos físicos sofridos ou às consequências
psicológicas traumáticas, eles têm a oportunidade de oferecer
o tratamento adequado. Dessa forma, os agentes de saúde se
tornam importantes ferramentas para identificar e ajudar a
combater a violência doméstica. Através do cuidado e do
acolhimento proporcionados durante as consultas médicas, é
possível oferecer suporte às mulheres, encorajando-as a
romper o ciclo de violência e promovendo sua recuperação
física e emocional.
A promulgação da lei 11.340/06 no ordenamento
jurídico foi uma medida adotada para combater a negligência
do Estado diante desse tipo de crime. Anteriormente, a
violência contra a mulher era tratada como um crime de menor
gravidade e sua competência jurisdicional era atribuída ao
Juizado Especial Criminal (JECrim), um órgão que se mostrou
inadequado para lidar com a violência contra à mulher. No
JECrim, a "punição" se resumia ao pagamento de uma cesta
básica, o que banalizava completamente a gravidade do
problema.

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Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

Esse é a perspectiva compartilhada pela desem-


bargadora Maria Berenice Dias, em obra publi-
cada sobre a Lei nº 11.340/06:
A ênfase em afastar a incidência da Lei dos Jui-
zados Especiais nada mais significa do que rea-
ção à maneira absolutamente inadequada com
que a Justiça cuidava da violência doméstica. A
partir do momento em que a lesão corporal leve
foi considerada de pequeno potencial ofensivo,
surgindo a possibilidade de os conflitos serem
solucionados de forma consensual, praticamente
deixou de ser punida a violência intrafamiliar. O
excesso de serviço levava o juiz a forçar desis-
tências impondo acordos. O seu interesse,como
forma de reduzir o volume de demandas, era não
deixar que o processo se instalasse. A título de
pena restritiva de direito popularizou-se de tal
modoa imposição de pagamento de cestas bási-
cas, que o seu efeito punitivo foi inócuo. A vítima
sentiu-se ultrajada por sua integridade física ter
tão pouca valia, enquanto o agressor adquiriu a
consciência de que era “barato bater namulher”.
(Dias, 2007, p. 8).

Em seguida entrou em vigor, a lei 12.737/2012,


popularmente conhecida como lei Carolina Dieckmann, que
desempenhou um papel crucial na proteção das vítimas de
crimes cibernéticos, principalmente mulheres. Essa legislação
introduziu modificaçõesnos artigos 154-A e 154-B do Código
Penal, intensificando as penalidades para esse tipo de
conduta.
Anteriormente a essa alteração, tais crimes eram
considerados apenas atos preparatórios, e o simples ato de

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Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

acessar o dispositivo de outra pessoa não era classificado


como crime (MONTEIRO, 2022). Dessa forma, a pena para
essa infração consiste em reclusão de 6 meses a 2 anos, além
de multa, a menos que haja circunstâncias agravantes.
A lei assegura a proteção da identidade da vítima,
garantindo que os procedimentos sejam realizados com total
sigilo e respeito à sua privacidade. Isso é essencial para
encorajar as vítimas a buscar ajuda e atendimento médico.
A lei 12.845/13, conhecida como lei do "Minuto
Seguinte", é uma legislação de importância significativa,
porém pouco divulgada. Ela foi promulgada com o propósito
de assegurar atendimento emergencial, abrangente e gratuito
para vítimasde violência, por meio do Sistema Único de Saúde
(SUS). Um aspecto fundamental dessa lei é que o atendimento
é oferecido sem a exigência de que a vítima prove, de alguma
forma, a violência sofrida.
Posteriormente, em 2015, foi promulgada a lei
13.239/15, que, em conjunto com o Sistema Único de Saúde
(SUS), traça diretrizes para a realização de cirurgias plásticas
reparadoras em mulheres vítimas de violência doméstica,
visando a correçãodas lesões causadas pelos agressores.
No entanto, infelizmente, essa lei também ainda é
pouco conhecida. A lei assegura a proteção da identidade da
vítima, garantindo que os procedimentos sejam realizados

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Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

com total sigilo e respeito à sua privacidade. Isso é essencial


para encorajar as vítimas a buscar ajuda e atendimento
médico.
Em 2021, foi aprovado o projeto de lei da senadora
Zenaide Maia que proíbe a utilização da tese da "legítima
defesa da honra". Essa tese, que vinha sendo frequentemente
usada desde 1979 para justificar feminicídios e agressões
contra mulheres, culpabilizava a vítima pelas agressões e até
mesmo pela própria morte.
O Supremo Tribunal Federal tomou a decisão de
considerar a tese da legítima defesa da honra inconstitucional
por meio da ADPF nº 779 MC/DF, com uma liminar concedida
pelo Ministro Dias Toffoli.

Este é o entendimento do Ministro Dias Toffoli,


DF.
a tese da legítima defesa da honra é inconstitu-
cional, por contrariar os princípios constitucionais
da dignidade da pessoa, da proteção à vida e da
igualdade de gênero;
deve ser conferida interpretação conforme à
Constituição ao art. 23, II e 25, do Código Penal
e ao art. 65 do Código de Processo Penal, de
modo a excluir a legítima defesa da honra do âm-
bito do instituto da legítima defesa; (2021)

Na decisão, o Ministro Toffoli deixou claro que a tese


não deve ser utilizada ou considerada em nenhum aspecto

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Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

legal, nem ser apresentada de forma induzida durante as fases


processuais ou nos julgamentos perante o tribunal. Um réu
acusado de feminicídio não poderá ser absolvido com base
nessa tese proibida.
Caso a defesa insista em apresentar essa tese de forma
direta ou indireta durante o julgamento perante o tribunal do
júri, e o réu seja absolvido, o Ministério Público tem respaldo
legal para interpor uma apelação com base no art. 593, III, "a"
do Código de Processo Penal, argumentando a nulidade do
julgamento.
A lentidão da justiça no combate à violência contra a
mulher é uma preocupação significativa que afeta a eficácia
das ações de combate a esse problema. O sistema judiciário
muitas vezes enfrenta desafios que resultam em atrasos e
obstáculos no tratamento de casos de violência contra à
mulher. Isso inclui sobrecarga de processos, falta de recursos,
burocracia e, em alguns casos, preconceitos de gênero
enraízados que podem influenciar a maneira como os casos
são tratados. Um exemplo é à assinatura do tratado de Belém.
O Brasil levou anos para adotar medidas efetivas no
âmbito nacional. A lei Maria da Penha, é uma legislação
fundamental para o combate à violência doméstica, só foi
promulgada em 2006, mais de uma década após a assinatura
do tratado de Belém. Essa demora revela a falta de prioridade

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Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

dada à questão da violência contra à mulher e à proteção


delas no país.

1.2 DA INCIDÊNCIA DA LEI MARIA DA PENHA

O Tratado de Belém representou um marco de extrema


importância e, ao mesmo tempo, um desafio para juristas e
legisladores brasileiros. Através desse tratado, ficou
estabelecido o entendimento de que a violência contra a
mulher não se limita apenas à agressão física, abrangendo
também a violência psicológica e sexual. Essa abordagem
está claramente expressa no artigo 2º da Convenção de Belém
do Pará.

Entende-se que a violência contra a mulher


abrange a violência física, sexuale psicológica:
ocorrida no âmbito da família ou unidade domés-
tica ou em qualquer relação interpessoal, quer o
agressor compartilhe, tenha compartilhado ou
não a sua residência, incluindo-se, entre outras
formas, o estupro, maus- tratos e abuso sexual;
a. ocorrida na comunidade e cometida por
qualquer pessoa, incluindo, entre outras formas,
o estupro, abuso sexual, tortura, tráfico de mu-
lheres, prostituição forçada, seqüestro e assédio
sexual no local de trabalho, bem como em insti-
tuições educacionais, serviços de saúde ou qual-
quer outro local; e
b. perpetrada ou tolerada pelo Estado ou

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Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

seus agentes, onde quer que ocorra. (1996)

A erradicação da violência doméstica é um dos


principais desafios que as políticas públicas no Brasil
enfrentam. Em 2006, foi promulgada a Lei Maria da Penha(Lei
nº 11.340), representando um marco institucional significativo
nesse processo.
Ao abordar de maneira abrangente a questão da
violência doméstica, essa legislação nãose restringiu apenas a
aumentar as punições para os agressores. Pelo contrário, ela
trouxe um conjunto abrangente de recursos destinados a
proteger as vítimas efornecer-lhes apoio imediato, garantindo
sua separação dos agressores. Além disso,a lei estabeleceu
mecanismos para assegurar assistência social às pessoas
afetadaspela violência.
A partir desse pensamento, surgiu a lei 11.340/06,
conhecida como LeiMaria da Penha, um instrumento jurídico
que consagrou os direitos das mulheres como direitos
humanos e teve como objetivo proteger e preservar a vida das
mulheresao longo do processo legal, fortalecendo as medidas
de punição contra os agressores.
A Lei Maria da Penha é reconhecida globalmente
como uma das leis mais eficazes pela ONU, no entanto,
apesar desse reconhecimento, ainda enfrentamos diversos
obstáculos no âmbito das políticas públicas. Isso se deve à

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Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

diversas questões, entre elas a complexidade legislativa que


muitas vezes impede a plena aplicação das leis, à
negligência de órgãos especializados no acolhimento das
vítimas, à falta de capacitação profissional,à falta de atenção
por parte de juízes, delegados e forças policiais, e
principalmente à violência institucional enfrentada pelas
vítimas na hora de realizar uma denúncia.
A lei 11.340, conhecida como Lei Maria da Penha, foi
inspirada na história de Maria da Penha Maia Fernandes, uma
mulher brasileira que foi vítima de violência doméstica. Em
1983, Maria sofreu várias agressões e tentativas de
feminicídio por parte de seu marido, Marco Antônio Heredia
Viveros.
Em duas ocasiões, Heredia tentou matá-la. Na primeira,
ele a feriu gravemente com um tiro de espingarda, deixando-a
paraplégica. Meses depois, mesmo após passar por uma
longa recuperação e várias cirurgias, Maria da Penha foi
novamente alvo de Heredia, que tentou eletrocutá-la
enquanto ela tomava banho (BLUME, 2018). Apesar de ter
denunciado seu agressor, Maria da Penha enfrentou
negligência por parte daqueles que deveriam protegê-la.
A defesa de Maria da Penha apresentava
irregularidades, enquanto seu agressor continuava em
liberdade. Somente em 2001, o caso de Maria da Penha foi

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Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

finalmente esclarecido, quando o Estado foi condenado pela


Corte Interamericana de Direitos Humanos por omissão,
negligência e tolerância em relação à violência doméstica. Foi
somente após essa decisão que o Estado adotou medidas
para combater esses crimes, implementando leis e políticas
públicas que visavam proteger as mulheres e punir os
agressores.
A lei 11.340 foi criada com o objetivo de prevenir e
combater qualquer forma de violência contra as mulheres,
independentemente do contexto em que ocorra, seja no
ambiente familiar ou fora dele. Maria da Penha travou uma luta
incansável por quaseduas décadas em busca de justiça para
si mesma e para todas as outras vítimas.

Desde o começo dos debates para a criação da


Lei 11.340/2006, a ideia principal foi caracterizar
a violência doméstica e familiar como violação
dos direitos humanos das mulheres e elaborar
uma Lei que garantisse proteção e procedimen-
tos policiais e judiciais humanizados para as víti-
mas. Sob essa ótica, muito mais que punir, a Lei
Maria da Penha traz aspectos conceituais e edu-
cativos, que qualificam como uma legislação
avançada e inovadora, seguindo a linha de um
Direito moderno capaz de abranger a complexi-
dade das questões sociais e o grave problema
da violência doméstica e familiar (Corrêa; Matos,
2007, p. 20).

25
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

A Lei 11.340/2006 não introduziu novos tipos de crimes,


mas acrescentou uma circunstância agravante ao artigo 61, II,
f, do Código Penal. Essa circunstância diz respeito à prática
de violência contra a mulher de acordo com a legislação
específica.Além disso, a lei modificou o artigo 129 do Código
Penal, introduzindo um novo parágrafo (parágrafo 9º) que
estabelece uma pena maior para o crime de lesão corporal
quando cometido no ambiente doméstico. Anteriormente, a
pena para esse crime variava de seis meses a um ano. Com a
mudança, a pena passou a ser de trêsmeses a três anos. A
alteração afetou apenas os limites mínimo e máximo da pena.
A Lei também acrescentou um novo parágrafo ao artigo
129 do Código Penal, que prevê um aumento de um terço na
pena para casos em que o crime de lesão corporal é cometido
contra uma vítima com deficiência, no contexto do parágrafo
9º mencionado anteriormente.

1.2.1 DOS REQUISITOS DE INCIDÊNCIA

A Lei Maria da Penha é uma legislação fundamental na


luta contra a violência. No entanto, é importante destacar que
a incidência da Lei Maria da Penha não se resume exclusiva-
mente ao gênero feminino, ou seja, não basta apenas que a
vítima seja mulher, pois é necessário que haja requisitos para

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Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

a aplicação da lei, um deles além do sujeito passivo mulher, é


a ocorrência de violência seja física, psicológica, sexual, patri-
monial, moral, entre outras e o contexto de vulnerabilidade.
O requisito "sujeito passivo mulher" é um dos pilares
essenciais para a incidência da Lei Maria da Penha (Lei nº
11.340/2006), que visa a proteção das mulheres contra a
violência doméstica e familiar no Brasil. O sujeito passivo
mulher refere-se ao fato de que a violência deve ser praticada
contra a mulher por causa do seu gênero, ou seja,
simplesmente por ela ser uma mulher.
Qualquer ato de violência cometido em função do
gênero da vítima se enquadra nesse critério. Quando este
requisito está presente em um caso de violência contra à
mulher, aplica-se a Lei Maria da Penha. Isso significa que a
vítima tem direito a medidas de proteção, como a concessão
de medidas cautelares que podem afastar o agressor do
convívio da vítima e proibir qualquer tipo de contato.
O artigo 7º da Lei 11.340 estabelece o segundo
requisito e apresenta um rol exemplificativo com o objetivo de
facilitar a compreensão dos diferentes tipos de violência contra
a mulher. Destacam-se cinco categorias de violência: física,
psicológica, patrimonial, moral e sexual.
O inciso I, define a violência física como conduta que
resultam em danos ou lesões corporais à mulher com pena

27
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

aumentada em 1/3 em caso de morte. O inciso II aborda a


violência psicológica, envolvendo atos de humilhação, dano
emocional e ridicularização que podem levar à
autodepreciação da vítima, é frequente que a violência
psicológica esteja estreitamente relacionada à violência física.
O inciso III trata da violência sexual, incluindo relações
sexuais sem consentimento mediante ameaça ou coação,
indução à comercialização da sexualidade da mulher,
impedimento do uso de métodos contraceptivos, obrigação de
casamento, gravidez, aborto ou prostituição, e restrição da
autonomia em relação aos direitos sexuais e reprodutivos.
Historicamente, o Código Penal de 1942 não reconhecia o
estupro dentro do casamento, mas apenas fora dele. Somente
em 1990 o estupro conjugal passou a ser considerado crime
hediondo.
O inciso IV aborda a violência patrimonial, que envolve
atos de controle, retenção ou subtração de bens, valores e
recursos econômicos, onde o agressor assume controle
autoritário dos bens da vítima.
O inciso V lida com a violência moral, que inclui
difamação, calúnia e injúrias, prejudicando a honra e imagem
da mulher através de ações como falsas atribuições de atos,
exposição de fatos íntimos e agressões verbais. Ambas as
formas de violência estão previstas na Lei Maria da Penha. No

28
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

entanto, é importante ressaltar que essa lista não é restritiva,


ou seja, não se limita apenas aos tipos de violência
mencionados no artigo. Além dos cinco tipos de violência
mencionados, pode haver outras formas de violência contra a
mulher que não estão especificamente previstas nesse rol.
O requisito do contexto de vulnerabilidade previsto no
art 5º é um dos critérios fundamentais para a incidência da Lei
Maria da Penha no contexto da proteção contra a violência
doméstica e familiar contra a mulher no Brasil.
O contexto de vulnerabilidade, de acordo com o artigo
5º da Lei Maria da Penha, refere-se à situação da mulher que
se encontra num ambiente de relações domésticas ou
familiares, onde a violência é mais provável de ocorrer. Isso
inclui relacionamentos conjugais, parentescos, uniões
benéficas e outros vínculos afetivos.
A importância desse requisito é considerar que a
violência ocorre muitas vezes nos espaços onde a vítima se
encontra em uma posição de submissão e dependência
emocional, econômica e social.
A violência doméstica é caracterizada como “espaço de
convívio permanente de pessoas” com ou sem vínculo familiar,
inclusive as esporadicamente agregadas. Nesse contexto,
entende-se que o agressor e a vítima residam na mesma
unidade doméstica e independe de laço familiar.

29
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

No âmbito familiar, previsto no inciso II, é caracterizado


pela violência contra a mulher dentro da comunidade de
indivíduos que são ou se consideram aparentados. Nesse
contexto independe de coabitação entre o agressor e a vítima,
desde que tenha laços naturais, por afinidade ou por vontade
expressa, este vai atrair configuração da lei Maria da Penha.
A relação íntima de afeto, prevista no inciso III, se refere
a vínculos que envolvem laços afetivos profundos, confiança
e proximidade emocional. Essa relação não se restringe
apenas ao casamento ou união estável, mas abrange uma
gama mais ampla de situações. Isso significa que, além de
cônjuges e parceiros em união estável, a Lei Maria da Penha
engloba namorados, ex-parceiros, ex-cônjuges.
Conforme estabelecido na súmula 600 do STJ, “Para a
configuração da violência doméstica e familiar prevista no
artigo 5º da Lei nº 11.340/2006 (Lei Maria da Penha) não se
exige a coabitação entre autor e vítima.” Ou seja, não se faz
necessário que o autor e a vítima residam no mesmo
ambiente.
A relação íntima de afeto compete estritamente a
relações que envolvam conotação sexual e amorosa, portanto
uma relação de amizade não atrai a incidência da Lei Maria da
Penha.
Salienta-se que a aplicabilidade da lei não faz distinção

30
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

com base na orientação sexual, o que significa que uma


mulher pode ser a agressora, desde que sejam atendidos os
requisitos cumulativos: a vítima ser uma mulher inserida em
um contexto de violência e essa violência ocorrer em um
ambiente de vulnerabilidade. Nesses casos, a Lei Maria da
Penha é aplicada para proteger a vítima e combater a violência
doméstica e familiar.

Notável a inovação trazida pela lei neste


dispositivo legal, ao prever que a proteção à
mulher, contra a violência, independe da
orientação sexual dos envolvidos. Vale dizer, em
outras palavras, que também a mulher
homossexual, quando vítima de qualquer ato
perpetrado pela parceira, no âmbito da família –
cujo conceito foi nitidamente ampliado pelo inc.
II, deste artigo, para incluir também as relações
homoafetivas – encontra-se sobre a proteção do
diploma legal em estudo. (Cunha; Pinto, 2007, p.
31).

De acordo com uma interpretação, essa legislação


abrange também pessoas transgêneros, transexuais e
travestis que se identifiquem com o gênero feminino.
Consequentemente, qualquer forma de agressão contra essas
pessoas no ambiente doméstico, familiar ou em qualquer
relação íntima de afeto, com base no gênero feminino, é
considerada violência doméstica e está sujeita à proteção da
lei supracitada.

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Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

2.1 DAS CONSEQUÊNCIAS DA INCIDÊNCIA DA LEI MARIA


DA PENHA

Com a promulgação da Lei Maria da Penha, os crimes


perpetrados contra a vida das mulheres foram sujeitos a penas
mais severas quando ocorridos no âmbito doméstico e
familiar. Essa legislação rapidamente tipificou esses crimes
como violações dos direitos humanos. Anteriormente, os
crimes contra mulheres eram tratados no mesmo nível de
delitos de menor gravidade, o que levava as vítimas a
temerem denunciar seus agressores. Conforme apontado por
Blume (2018), três fatores contribuíam para essa situação:

1- Dependência financeira do agressor;


2- Muitas vítimas não têm para onde ir. Por
isso, preferiam não denunciar seus agressores
por medo de sofrer represálias piores ao fazer a
denúncia;
3- As autoridades policiais muitas vezes eram
coniventes com esse tipo de crime. Já que
mesmo em casos em que a violência era com-
provada, como foi no caso de Maria da Penha,
eram grandes as chances de que oagressor sa-
ísse impune.

Com a promulgação da lei 11.340, ocorreu uma


mudança na competência jurisdicional, resultando na criação
de varas especializadas em violência doméstica e familiar

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Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

contra a mulher, as quais podem ser estabelecidas pelos entes


federativos. Na ausência dessas varas especializadas, a
responsabilidade pelo julgamento dos casos dessa natureza
recai sobre as varas criminais. Em 2015, foi promulgada a lei
13.104, conhecida como lei do feminicídio, que qualifica o
homicídio baseado na condição de ser mulher. Essa lei foi
incluída no rol de crimes hediondos, portanto, nãoé permitida
liberdade provisória mediante pagamento de fiança. A
incidência da lei
11.340 não transfere automaticamente a competência
das varas especializadas paraos casos de feminicídio. Nesses
casos, o julgamento é realizado pelo tribunal do júri
O artigo 16 da Lei Maria da Penha estabelece a
possibilidade de a vítima de agressão renunciar à
representação criminal por meio do Ministério Público. No
entanto, essa renúncia está sujeita a certos requisitos. O
dispositivo determina explicitamente que a renúncia só será
aceita em uma audiência específica, na presença do juiz e do
Ministério Público, na qual a vítima poderá expressar sua
vontade. Essa audiência é cabível somente antes do
recebimento da denúncia.
A 5ª Turma do Superior Tribunal de Justiça negou
provimento a um recurso especial interposto pela defesa de
um homem acusado de cometer violência doméstica,

33
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

fundamentado no artigo mencionado anteriormente. O


ministro relator do caso, Joel Ilan Paciornik, afirmou que a
jurisprudência do STJ estabeleceu a tese de que a audiência
somente é cabível quando a vítima manifesta sua vontade
antes dorecebimento da denúncia.

PENAL. AGRAVO REGIMENTAL NO RE-


CURSO ESPECIAL. LESÃO CORPORAL. VIO-
LÊNCIA DOMÉSTICA. ART. 129, § 9º, DO CP.
PRINCÍPIO DA BAGATELA IMPRÓPRIA. INA-
PLICABILIDADE. AGRAVO REGIMENTAL
IMPROVIDO. 1. O princípio da bagatela impró-
pria não tem aplicação aos delitos praticados
com violência à pessoa, no âmbito das relações
domésticas, dada a relevância penal da conduta,
não implicando a reconciliação do casal em des-
necessidade da pena (HC 331.580/MS, Rel. Mi-
nistra M.T.A.M, SEXTA TURMA, julgado em
17/09/2015, DJe 07/10/2015).
2. Agravo regimental improvido (AgRg no REsp
1.463.975/MS, Rel. Ministro N.C, SEXTA
TURMA, DJe de 22/8/2016).

Conforme a jurisprudência que fora emanada em


julgado no Tribunal Superior, não há de se falar na incidência
do princípio da bagatela imprópria ou no princípio da
insignificância nos crimes de violência doméstica (SÚMULA
589). Salienta-se que essa lei só é aplicada aos pressupostos
de ações penais públicas condicionadas a representação. A
audiência designada para a finalidade de retratação da vítima

34
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

não é um ato processual obrigatório, só há realização da


mesma se for da vontade de vítimase retratar.
Com o avanço no ordenamento jurídico, foi proibida a
aplicação de penas de cesta básica ou prestação pecuniária,
bem como a substituição da pena privativa de liberdade por
restritiva de direitos que envolva apenas o pagamento de
multa. A súmula 588 deixa expresso que a prática de crime ou
contravenção penal contra a mulher com violência ou grave
ameaça no ambiente doméstico não permite pela substituição
da pena privativa de liberdade por uma pena restritiva de
direitos.
Antes da promulgação da Lei Maria da Penha, os casos
de violência doméstica eram julgados pelos juizados especiais
criminais, que lidavam principalmente com infraçõesde menor
gravidade, cujas penas não ultrapassavam dois anos. Isso
contribuiu para o aumento dos casos de violência contra a
mulher. Com a implementação da lei Maria da Penha, foram
excluídos os dispositivos despenalizadores da lei 9.099/95 no
que se refere à violência doméstica e familiar contra a mulher,
independentemente da pena prevista. A lei Maria da Penha
assegurou que os agressores acusados fossem julgados e
forma justa, sem a possibilidade de aplicação de penas
restritivas de direitos.

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Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

1.3 DA INEFICÁCIA NO COMBATE A VIOLÊNCIA DOMÉS-


TICA E FAMILIAR

A lei 11.340/2006, conhecida como Lei Maria da Penha,


é amplamente reconhecida como um marco importante na
legislação penal brasileira. Historicamente a justiça brasileira
demonstrou conivência e omissão em relação às mulheres,
devido à falta de instrumentos legais adequados e à falta de
atenção por parte dos juristas. Essa realidade tem contribuído
para o aumento contínuo de agressões e mortes. Não é à toa
que o Brasil ocupa a quinta posição entre os países com maior
número de feminicídios, segundo a Organização Mundial da
Saúde.
A implementação da Constituição Federal abriu espaço
para o desenvolvimento de leis que buscam proteger e
ampararas mulheres, fortalecendo seus direitos e promovendo
a igualdade de gênero.

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distin-


ção de qualquer natureza, garantindo-se aos
brasileiros e aos estrangeiros residentes no País
a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à
igualdade, à segurança e à propriedade, nos ter-
mos seguintes: I - homens e mulheres são iguais
em direitos e obrigações, nos termos desta
Constituição (Brasil. 1988.)

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Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

Apesar de diversos mecanismos terem sido criados


com o propósito de proteger a vida e a integridade das
mulheres, ainda persiste um alto índice de crimes contra as
mesmas. De acordo com dados do Ministério da Saúde em
2013 e do Mapa da Violência 2015 (Flacso), 55,3% desses
crimes ocorreram no ambiente doméstico, e 33,2% dos
homicidas eram parceiros ou ex- parceiros das vítimas.
Diante desse contexto, tornou-se necessário criar um
mecanismo adicional para combater as diversas formas de
violência e proteger a vida das mulheres, fornecendo meios
mais concretos de segurança e apoio para aquelas que se
encontram vulneráveis diante dessas condutas por parte de
seus agressores.
Em 2022, a senadora Simone Tebet apresentou o
projeto de lei, que resultou na criação da lei 14.550/23 e trouxe
alterações relevantes na lei Lei Maria da Penha. O projeto de
lei entrou em vigor em 20 de abril de 2023, adicionando o § 6º
ao artigo 19, com o objetivo de reforçar a proteção e o amparo
institucional para essas vítimas, juntamente com a promoção
de igualdade substancial. “§ 6º As medidas protetivas de
urgência vigorarão enquanto persistir risco à integridade física,
psicológica, sexual, patrimonial ou moral da ofendida ou de
seus dependentes.” (BRASIL, 2023a)
Embora a Lei Maria da Penha já preveja a aplicação de

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Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

medidas protetivas de urgência, ainda existe uma lacuna


significativa, pois essas medidas não são efetivamente
capazes de lidar com a gravidade do problema enfrentado
diariamente por inúmeras mulheres.
O delegado de polícia Francisco Sannini destaca a
importância de tornar as medidas protetivas imediatas,
eliminando a burocracia de serem avaliadas pelo Poder
Judiciário, o que as torna ineficazes e diminui sua urgência.
Para serem compatíveis com a natureza emergencial, é
necessário criar um procedimento processual imediato,
permitindo que a vítima encontre uma solução rápida e
evitando que ela tenha contato com seu agressor até que uma
autoridade judicial decrete uma medida de proteção.
A importância desse instrumento legislativo surge de
uma omissão por parte do poder judiciário, uma vez que
decisões do Supremo Tribunal Federal exigiam que a vítima
comprovasse de alguma forma sua situação de vulnerabilidade
para quea Lei Maria da Penha fosse aplicada. O entendimento
é claro: a violência contra a mulher no âmbito doméstico,
familiar e afetivo não deve exigir comprovação para a
imposição de punições. Exigir isso contribui para o aumento
de casos.
Com o passar dos anos, tornou-se evidente que a
justiça e as políticas públicas não estavam cumprindo de

38
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

maneira eficaz seus deveres de proteger as vítimas. Isso levou


à criação do Artigo 24-A, que reflete uma crítica contundente
à ineficácia do sistema legal e do judiciário. Um dos principais
motivos para a criação do Artigo 24-A foi a ineficácia da justiça
em abordar de forma adequada os casos de violência
doméstica.
Muitas vítimas enfrentam desafios ao buscar justiça,
incluindo demora nos processos, falta de medidas protetivas
eficazes e impunidade dos agressores. A criação desse artigo
reflete a necessidade de aprimorar o sistema legal para
garantir uma resposta mais rápida e eficaz às vítimas.
O Artigo 24-A na Lei Maria da Penha não apenas tenta
ampliar o escopo da legislação, mas também representa uma
crítica ao cenário de hipertrofia legislativa e lentidão ao que
se refere o combate à violência doméstica.
A presença de artigos que abordam a medida protetiva
de urgência para vítimas de violência doméstica e familiar
contra a mulher, mas que não enfatizam sua naturezaurgente,
coloca em risco a integridade física, sexual, psicológica e
moral da mulher. Além disso, proporciona ao agressor a
sensação de segurança, pois a demora decorrente do excesso
de legislação pode acabar absolvendo-o.
Diante do exposto, a implementação da lei 14.550/23
foi uma medida eficaz valioisa para que o próprio delegado de

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Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

polícia tenha autoridade para decretar medidas protetivas,


mesmo na ausência de boletim de ocorrência, inquérito policial
ou ação penal ou cível.
A promulgação das leis mencionadas representa uma
evolução significativa no sistema jurídico, pois, apesar da
existência da lei Maria da Penha, ainda existem lacunas a
serem preenchidas.
A lei 11.340/06 busca combater a violência doméstica e
familiar contra as mulheres, tornando-se mais eficaz ao
garantir a aplicação imediata e urgente das medidas
protetivas. Procura-se assim fornecer amparo e proteção
estatal às vítimas desse crime, que ainda enfrentam altos
índices de violência.
A violência doméstica contra a mulher é um problema
grave que requer ações efetivas e abrangentes para ser
combatido. Existem diversas formas de enfrentar esse tipo de
violência e promover a proteção e o empoderamento das
mulheres, como por exemplo, o fortalecimento da legislação,
leis específicas como a lei Maria da Penha são essenciais na
luta para punir os agressores e garantir a proteção das vítimas.
É importante atualizar e fortalecer constantemente a
legislação, assegurando penas mais severas, ampliando a
abrangência da lei e agilizando os processos judiciais. O
acesso à justiça e serviços de apoio são fundamentais para que

40
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

as vítimas de violência doméstica tenham acesso facilitado à


justiça e a serviços de apoio, como abrigos, centros de
atendimento e acompanhamento psicológico. Investir na
estruturação desses serviços, capacitando profissionais para
lidar com esses casos delicados, é de extrema importância.
Também é essencial fornecer treinamento e
capacitação para os profissionais que lidam diretamente com
casos de violência doméstica, como policiais, juízes,
promotores e assistentes sociais. Esses profissionais devem
estar preparados para identificar os sinais de violência, tratar
as vítimas com empatia e oferecer o apoio necessário.
É importante destacar que o combate à violência
doméstica contra a mulher requer um esforço coletivo,
envolvendo o Estado, a sociedade civil, as instituições e cada
indivíduo. Somente com uma abordagem abrangente e
contínua será possível alcançar uma sociedade livre de
violência e garantir a segurança e dignidade das mulheres.
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva sancionou a Lei
14.674 de 2023, a qual assegura o direito de receber
assistência financeira para aluguel às mulheres que tenham
enfrentado violência doméstica. Neste cenário, o montante da
assistência será determinado por um magistrado, com base na
avaliação da precária condição social da vítima. O auxílio
aluguel oferece às mulheres que sofreram violência a

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Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

oportunidade de encontrar residências seguras e temporárias,


afastadas de seus agressores, enquanto trabalham na
reconstrução de suas vidas.
Contudo, é imperativo que esta legislação seja
acompanhada por medidas complementares, como a
expansão de abrigos e serviços de apoio para as vítimas,
juntamente com iniciativas de conscientização e prevenção da
violência contra a mulher. A efetividade da lei também estará
condicionada à sua execução eficaz e à garantia de acesso
justo e igualitário a essa assistência para todas as mulheres
que dela necessitam.
A implementação de leis como essa é de extrema
relevância pois podem prever medidas protetivas de urgência,
ordens de restrição ou afastamento do agressor, garantindo a
segurança da mulher e de seus filhos. As leis também podem
garantir o acesso a serviços de apoio, como abrigos
temporários, assistência jurídica e psicológica, e promover a
criação de redes de apoio para as vítimas.
As medidas de proteção ainda não são realidade em
todo o país, concentram-se nos grandes centros e nas
grandes metrópoles e não são considerados prioridades para
o planejamento governamental da maioria dos estados e
municípios. Há defasagem no número de funcionários, falta
capacitação da equipe e qualidade no atendimento, o que

42
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

dificulta ainda mais a árdua tarefa de implementar a rede


integral de atendimento e a política nacional no cotidiano da
vida de cada mulher brasileira.
Por fim, as novas leis podem incentivar a denúncia e a
busca por justiça. Ao criarum ambiente legal mais favorável, as
vítimas são encorajadas a denunciar os crimes e buscar a
proteção e a justiça que merecem. As leis também podem
fortalecer o sistema de justiça, capacitando a polícia, os
promotores e os juízes a lidar de forma mais eficaz com os
casos de violência contra a mulher.
No entanto, é importante ressaltar que a eficácia das
leis depende de sua implementação adequada, da
sensibilização e capacitação dos profissionais envolvidos e do
compromisso contínuo da sociedade em combater a violência
de gênero. As leis são apenas um componente de um esforço
mais amplo que requer educação, prevenção, conscientização
e mudança cultural para alcançar uma sociedade livre de
violência contra as mulheres.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O combate à violência doméstica, familiar e afetiva


contra a mulher é uma causa de suma importância que

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Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

transcende fronteiras geográficas, culturais e sociais. Essa


pesquisa se debruçou sobre a ineficiência de atuação estatal
e suas políticas públicas nesse contexto, com o objetivo de
compreender os desafios enfrentados e buscar soluções que
promovam uma sociedade mais justa e igualitária para todas
as mulheres.
Ao longo deste estudo, identifica-se os avanços
recentes que a Lei Maria da Penha trouxe ao panorama
jurídico e institucional brasileiro. No entanto, também
regulariza os desafios complexos que persistem. A
subnotificação de casos de violência, a demora na aplicação
da justiça, a necessidade de educação e sensibilização
contínua e o acesso desigual a serviços de apoio são apenas
algumas das questões que continuam a desafiar os esforços.
A violência contra a mulher é um problema sistêmico
que requer uma resposta igualmente abrangente e sistêmica.
Não pode ser resolvido exclusivamente por meio de políticas
públicas ou do sistema legal, mas exige uma mudança
profunda na cultura, nos valores e nas normas sociais que
perpetuam essa violência. É imperativo que a sociedade, o
Estado e as instituições trabalhem em conjunto para erradicar
esse problema social.
As recomendações e propostas visam contribuir para
essa jornada contínua. Requer-se uma revisão contínua das

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Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

políticas públicas, com ênfase na prevenção, na educação e


na conscientização. É fundamental aprimorar a capacitação
dos profissionais envolvidos na assistência às vítimas e na
aplicação da lei. Além disso, é urgente fortalecer a rede de
apoio às mulheres em situação de risco, garantindo o acesso
a abrigos, serviços de saúde e suporte psicológico.
Este estudo também ressalta a necessidade de uma
resposta global, onde a sociedade, as instituições
governamentais, as organizações da sociedade civil e a
comunidade acadêmica trabalham em parceria.
Ao encerrar esta pesquisa, se afirma a verdade de que
a ineficiência da atuação estatal e das políticas públicas no
combate à violência doméstica, familiar e afetiva contra a
mulher não pode ser tolerada. É uma falha que se deve
considerar e concordar para construir um futuro em que todas
as mulheres possam viver em segurança, com dignidade e
integridade exercendo seus direitos fundamentais. O caminho
a ser percorrido é longo, mas é um caminho que se deve trilhar
com determinação, em nome da justiça, da igualdade e da
humanidade.

45
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

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a mulher, nos termos do § 8º do art. 226 daConstituição Fe-
deral, da Convenção sobre a Eliminação de Todas as For-
mas deDiscriminação contra as Mulheres e da Convenção
Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violên-
cia contra a Mulher; dispõe sobre a criação dos Juizados
de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher. Diário
Oficial da República Federativa do Brasil. Disponível em:
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Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

BRASIL. Lei nº 13.505, de 08 de novembro de 2017. Acres-


centa dispositivos à Lei nº 11.340, de 7 de agosto de 2006
(Lei Maria da Penha), para dispor sobre o direito da mulher
em situação de violência doméstica e familiar de ter aten-
dimento policial e pericial especializado, ininterrupto e
prestado, preferencialmente, por servidores do sexo femi-
nino. Diário Oficial da República Federativa do Brasil. Dispo-
nível em: https://legis.senado.leg.br/norma/26278581/publica-
cao/26278701. Acesso em: 20 de agosto de 2022.

BRASIL. Lei nº 1.973, de 1º de agosto de 1996. Promulga a


Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradi-
car a Violência contra a Mulher, concluída em Belém do
Pará, em 9 de junho de 1994. Diário Oficial da República Fe-
derativa do Brasil. Disponível em: https://www.pla-
nalto.gov.br/ccivil_03/decreto/1996/d1973.htm. Acesso em:
13 de novembro de 2022.

BRASIL. Lei nº 14.550, de 19 de abril de 2023. Altera a Lei nº


11.340, de 7 de agostode 2006 (Lei Maria da Penha), para
dispor sobre as medidas protetivas de urgência e estabe-
lecer que a causa ou a motivação dos atos de violência e
a condição do ofensor ou da ofendida não excluem a apli-
cação da Lei. Diário Oficialda República Federativa do Brasil.
Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato
2023-2026/2023/lei/L14550.htm. Acesso em: 20 de junho de
2023.

BRASIL. Lei nº 14.674, de 14 de setembro de 2023. Para dis-


por sobre auxílio-aluguel a ser concedido pelo juiz em de-

48
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

corrência de situação de vulnerabilidade social e econô-


mica da ofendida afastada do lar. Diário Oficial da República
Federativa do Brasil. Disponível em: https://www.planalto.gov
.br/ccivil_03/_ato2023-2026/2023/lei/L14674.htm. Acesso em:
25 de outubro de 2023.

BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Súmula nº 588. A


prática de crime ou contravenção penal contra a mulher com
violência ou grave ameaça no ambiente doméstico
impossibilita a substituição da pena privativa de liberdade por
restritiva dedireitos. Brasília, DF. Superior Tribunal de
Justiça, 2017. Disponível em: https://www.stj.jus.br/
internet_docs/biblioteca/clippinglegislacao/Sumula_587_588_
5 89_2017_terceira_secao.pdf. Acesso em: 03 de maio de
2023.

BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Súmula nº 589. É


inaplicável o princípio da insignificância nos crimes ou
contravenções penais praticados contra a mulher no âmbito
das relações domésticas. Brasília, DF. Superior Tribunal de
Justiça, 2017. Disponível em: https://www.stj.jus.br/internet
_docs/biblioteca/clippinglegislacao/Sumula_587_588_5
89_2017_terceira_secao.pdf. Acesso em: 10 de abril de 2023.

BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Súmula nº 600.


Para a configuração daviolência doméstica e familiar prevista
no artigo 5º da Lei n. 11.340/2006 (Lei Maria daPenha) não se
exige a coabitação entre autor e vítima. Brasília, DF. Superior
Tribunalde Justiça, 2017. Disponível em: https://www.stj
.jus.br/internet_docs/biblioteca/clippinglegislacao/Sumula_60
0_2017_ Terceira_Secao.pdf. Acesso em: 18 de agosto de
2022.

BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. RECURSO ESPECIAL


Nº 1.643.218 - MS (2016/0326549-0). Brasília, DF. Superior

49
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

Tribunal de Justiça, 2017. Disponível em: https://www.stj


.jus.br/websecstj/cgi/revista/REJ.cgi/MON?seq=70482370&ti
po=0&nreg=201603265490&SeqCgrmaSessao=&CodOrgaoJ
gdr=&dt=20170323&formato=PD F&salvar=false. Acesso em:
05 de setembro de 2022.

BLUME, B. 5 Pontos sobre a Lei Maria da Pe-


nha. Disponível em: https://www.politize.com.br/lei-maria-da-
penha-tudo-sobre/. Acesso em: 04 de maio de 2022.

CAVALCANTI, Stela Valéria Soares de Farias. Violência do-


méstica contra a mulherno Brasil. 2. ed. Salvador: Podivm,
2018. Acesso em: 14 de maio de 2022.

CORRÊA, Láris Ramalho; MATOS, Myllena Calasares de. Lei


Maria da Penha: do papel para a vida. Comentários à Lei
11.340/06 no ciclo orçamentário. CFEMEA – Centro Femi-
nista de Estudos e Assessoria. Brasília – DF: CECIP, 2007. Dispo-
nível em: http://www.cfemea.org.br. Acesso em: 20 de agosto de
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Violência doméstica. Lei Mariada Penha (Lei 11.340/2006)
comentada artigo por artigo. São Paulo: RT, 2007. Disponível
em:https://www.editorajuspodivm.com.br/media/juspodivm_m
aterial/material/file/JUS253 8-Degustacao.pdf. Acesso em: 18
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DIAS, Maria Berenice. A Lei Maria da Penha na Justiça São


Paulo: Revista dos Tribunais, 2007. Disponível em: https://pe-
riodicos.unicesumar.edu.br.
Violência doméstica e familiar - Breves comentários ao
Art. 7o da lei 11.340/06(Lei Maria da Penha) -
Artigo de Direito Penal. Disponível em:

50
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

https://www.direitonet.com.br/artigos/exibir/3645/Violencia-
domestica-e-familiar- Breves-comentarios-ao-Art-7o-da-lei-
11340-06-Lei-Maria-da-Penha. Acesso em: 12 de outubro de
2022.

FORUM BRASILEIRO DE SEGURANÇA PÚBLICA. A LEI


MARIA DA PENHA E AS MEDIDAS PROTETIVAS DE UR-
GÊNCIA. Disponível em: https://forumseguranca.org.br/wp-con-
tent/uploads/2022/11/dpj-folder-a-lei-maria- da-penha.pdf. Acesso
em: 11 de julho de 2022.

51
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

2
A APLICABILIDADE DA LEI DE VIOLÊNCIA DOMÉSTICA
A MULHERES TRANSGÊNEROS

THE APPLICABILITY OF THE DOMESTIC VIOLENCE


LAW TO TRANSGENDER WOMEN

Priscilla Ketlem Albuquerque da Silva3


Williane Tibúrcio Facundes4

SILVA, Priscilla Ketlem Albuquerque da. A aplicabilidade da


lei de violência doméstica a mulheres transgêneros.. Tra-
balho de Conclusão de Curso de graduação em Direito – Cen-
tro Universitário UNINORTE, Rio Branco. 2023.

3
Discente do 9º período do curso de bacharelado em Direito pelo Centro
Universitário Uninorte.
4
Docente do Centro Universitário Uninorte. Graduada em Direito pela
U:VERSE. Especialista em Psicopedagogia pela Universidade Varzea-
grandense e Direito Digital pela Falculdade Metropolitana. Graduada em
Letras Vernáculas pela Universidade Federal do Acre- UFAC.

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Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

RESUMO

Introdução. Este estudo trata-se de uma pesquisa qualitativa,


em que o objetivo foi analisar o feminicídio e seus vínculos
com a cultura machista, bem como, as performances deste fe-
nômeno. Objetivo. O objetivo principal é demosntrar a impor-
tância de amparar as transgeneros femininas com a aplicabili-
dade da Lei Maria da Penha. Método. Atraves de pesquisa
predominantemente quantitativa, sendo possível ter maior co-
nhecimento do problema apresentado. Resultados. Nota-se
que um dos grandes avanços da atualidade que a mulher
transgenero conquistou foi a Lei Maria da Penha. Conclusão.
Nota-se que a legislação vigente no ordenamento jurídico esta
punindo de forma mais severa e com maior rigor, principal-
mente devido as grandes tragedias associadas à violência
contra a mulher. Esse artigo tem como objetivo descrever a
violência doméstica contra as mulheres transgêneros, analisar
a conexão existente entre as ocorrências policiais de violência
as vítimas, para servir de base para implementação de políti-
cas públicas no enfrentamento da problemática

Palavras-chave: feminicídio; machismo; mulheres transgêne-


ros; conflitos.

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Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

ABSTRACT

Introduction. This study is qualitative research, in which the


objective was to analyze feminicide and its links with sexist cul-
ture, as well as the performances of this phenomenon. Goal.
The main objective is to demonstrate the importance of sup-
porting female transgenders with the applicability of the Maria
da Penha Law. Method. Through predominantly quantitative
research, it is possible to have greater knowledge of the pro-
blem presented. Results. It is noted that one of the great ad-
vances currently achieved by transgender women was the Ma-
ria da Penha Law. Conclusion. It is noted that the current le-
gislation in the legal system is punishing more severely and
more rigorously, mainly due to the great tragedies associated
with violence against women. This article aims to describe do-
mestic violence against transgender women, analyze the con-
nection between police reports of violence against victims, to
serve as a basis for implementing public policies to tackle the
problem.

Keywords: femicide; male chauvinism; transgender women;


conflicts.

54
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

INTRODUÇÃO

Ao analisar o machismo, percebe-se que a sociedade


determina desde cedo o papel de homens e mulheres trans-
gêneros. A definição de papéis de gênero é apenas uma pe-
quena expressão das relações complexas de dominação entre
gêneros arraigada na cultura da sociedade. E representam as
forças que o machismo executa, direta e indiretamente sobre
as pessoas.
O feminicídio acontece pelos padrões culturais que per-
passam as práticas de atentados contra a vida, a saúde e dig-
nidade do sexo feminino, onde todos colaboram para essas
práticas, não somente a sociedade em geral, mas até mesmo
o estado negligencia a situação (Gebrim e Borges, 2014).
Importante dizer que o grande aumento do número de
mulheres transgêneros vítimas de violência doméstica durante
o período de pandemia, despertou interesse da sociedade
face a problemática, entretanto esta relação, está diretamente
ligada ao menosprezo ou discriminação à condição de mulher.
Outro viés é a falta de implementação de políticas públicas vi-
sando diminuir esse tipo de crime. Partindo dessas primícias,
é necessário que estados e municípios precisam dispor de lo-
cais adequados para abrigar as mulheres transgêneros víti-
mas em situação de eminente perigo.

55
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

Diante de todo este cenário apresentado – pergunta-


mos: O que fazer para conscientizar a população, e governan-
tes para tentar mitigar a violência doméstica contra as mulhe-
res transgêneros? Nesse aspecto, a pesquisa compõe um le-
vantamento teórico cujo objetivo é analisar a aplicabilidade da
lei de violência doméstica a mulheres transgêneros transgê-
neros.

2.1 ASPECTOS HISTÓRICOS SOBRE A DESIGUALDADE


DE GÊNERO

Ao longo da história, as mulheres existiram em uma cul-


tura que as percebe como inferiores e subservientes aos ho-
mens. Anteriormente limitadas aos estreitos limites da esfera
doméstica, as mulheres agora estão avançando para reivindi-
car seu lugar de direito na sociedade.
Essa luta vem ocorrendo há séculos, começando na
Grécia por volta de 196 dC, quando as mulheres eram vistas
como meros objetos, existindo apenas para fornecer aos ho-
mens gratificação sexual sem levar em consideração suas pró-
prias emoções. Suas funções primárias incluíam reprodução,
culinária e tecelagem, todas destinadas a satisfazer suas con-

56
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

trapartes masculinas. Em decorrência das injustiças enfrenta-


das, as mulheres passaram a reivindicar seus direitos e aca-
baram conquistando o direito ao uso do transporte público - a
primeira de muitas conquistas que virão.
Desde muito tempo, a mulher veio buscando derrubar
mais uma grande muralha: ter influência no governo, ter direito
de voto e de se eleger. Mas essa conquista só se concretizou
em 1920, e ainda parcialmente, quando ela tinha o direito de
votar, mas não de ser votada.
No Brasil, os movimentos a favor do voto feminino tive-
ram início na revolução industrial, graças aos sindicatos, cons-
tituídos de operários e operárias que buscavam melhores con-
dições de vida. Apesar das diversas conquistas obtidas pelas
mulheres no decorrer da história, dentre as principais dificul-
dades dos tempos modernos, está à violência contra a mulher
que, muitas vezes, sofre esses abusos dos próprios parceiros.
Dessa forma, faz-se relevante estudar esse tipo de crime.
Embora existam leis que amparam as mulheres, sabe-
se que, no Brasil e em algumas partes do mundo, elas não são
respeitadas, além de serem criadas por homens que estão no
poder, dificultando a igualdade entre os gêneros. Nem toda
mulher tem a consciência de que as coisas estão mudando.
Mesmo com as leis que as protegem, muitas das vezes são
maltratadas pelos maridos e não denunciam, não buscam

57
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

ajuda, e isso só contribui para que a violência no país au-


mente, e que cada vez mais sejam exploradas (Probst, 2014).
Um dos grandes avanços da atualidade que a mulher
brasileira conquistou foi a Lei Maria da Penha, número
11.340/06, decretada pelo Congresso Nacional e sancionada
pelo Presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que cria meios para
acabar, prevenir e erradicar a violência doméstica e familiar
contra a mulher e pune de forma severa os agressores (Priore
e Bassanezi, 2017).
Segundo Izumino (2018), existe uma prevalência histó-
rica do sexo masculino sobre o feminino, sendo a família e a
economia os lugares centrais onde esta estratificação de gê-
nero é produzida e mantida. Acerca dos papéis de gênero,
Dias (2017) acompanha a ideia de a Constituição Federal de
1988 (CF/88) traz enfaticamente a igualdade entre os sexos,
quando, garante, efetiva e reforça princípio da isonomia e,
proíbe diferenças por motivo de sexo. Diz o texto da Carta
Magna:

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distin-


ção de qualquer natureza, garantindo-se aos bra-
sileiros e aos estrangeiros residentes no País a
inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à
igualdade, à segurança e à propriedade, nos ter-
mos seguintes: I - homens e mulheres são
iguais em direitos e obrigações, nos termos desta
Constituição; [...]

58
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

Art. 7º São direitos dos trabalhadores urbanos e


rurais, além de outros que visem à melhoria de
sua condição social: [...] XXX - proibição de dife-
rença de salários, de exercício de funções e de
critério de admissão por motivo de sexo, idade,
cor ou estado civil;
Art. 226. A família, base da sociedade, tem espe-
cial proteção do Estado. § 5º Os direitos e deve-
res referentes à sociedade conjugal são exerci-
dos igualmente pelo homem e pela mulher. (Bra-
sil, 1988)
A discriminação que relega as mulheres a um papel se-
cundário e subserviente aos homens é uma questão antiga.
Existe uma noção preconcebida de que os homens são desti-
nados a espaços públicos, enquanto as mulheres estão confi-
nadas ao espaço privado de suas casas. Os homens susten-
tam suas famílias enquanto as mulheres cuidam de suas ca-
sas; ambos cumprindo seus respectivos papéis.
A sociedade atribuiu um papel paternalista aos homens,
esperando que as mulheres fossem submissas. Isso cria duas
esferas distintas: uma de dominação, que é externa e produ-
tiva, e outra de submissão, que é interna e reprodutiva (Islas,
2010, p. 05).
Esta discriminação entre homem e mulher acompanhou
a história da civilização e, apesar de ter a igualdade formal
garantida, pouca igualdade material, de efetiva aplicação se
observa. Desde Aristóteles são apregoados os direitos à igual-

59
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

dade. E, formalmente, a igualdade foi estabelecida como prin-


cípio mundial na Declaração dos Direitos do Homem, apro-
vada pela ONU em 1948. No Brasil, desde a Constituição do
Império tem-se esta garantia formal (Hoffmann e Leone,
2012).
Para demonstrar o ponto de absurda inferioridade e
submissão, reporta-se ao histórico Código de Manu, que dis-
punha: “A mulher, durante a infância, depende de seu pai,
durante a mocidade, de seu marido, em morrendo o marido,
de seus filhos, se não tem filhos, dos parentes próximos de
seu marido, porque a mulher nunca deve governar-se à sua
vontade” (Hermann, 2017).
O Código Civil Brasileiro de 1916 considerava a mulher
relativamente incapaz, determinando a obrigatoriedade de au-
torização do marido para trabalhar ou para gerir seus bens.
Este dispositivo legal vigorou até 1962 quando foi editado o
Estatuto da Mulher Casada, a partir do qual a mulher não mais
foi considerada incapaz e dependente do marido após o casa-
mento. Todavia, estes papéis de gênero são incutidos no indi-
víduo desde muito cedo. As meninas brincam de boneca e ca-
sinha (mundo privado) e, os meninos brincam de carrinho, de
bola e bicicleta (mundo público). Dias (2017) diz que:

60
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

Os padrões de comportamento instituídos distin-


tamente para homens e mulheres levam à gera-
ção de um verdadeiro código de honra. A socie-
dade outorga ao macho um papel paternalista,
exigindo uma postura de submissão da fêmea.
As mulheres acabam recebendo uma educação
diferenciada, pois necessitam ser mais controla-
das, mais limitadas em suas aspirações e dese-
jos. Por isso o tabu da virgindade, a restrição ao
exercício da sexualidade e a sacralização da ma-
ternidade. Ambos os universos, ativo e passivo,
distanciados mas dependentes entre si, buscam
manter a bipolaridade bem definida, pois ao au-
toritarismo corresponde o modelo de submissão.

Islas (2010) compartilha deste mesmo pensamento


quando trata dos papéis de gênero colocando os homens em
uma posição dominante e as mulheres em uma posição
subordinada, na sociedade tradicional, patriarcal.

A estrutura social é que prescreve uma série de


funções para o homem e para a mulher, como
próprias ou “naturais” de seus respectivos gêne-
ros. Essas diferem de acordo com as culturas, as
classes sociais e os períodos da história. A mai-
oria dessas caracterizações, estabelecidas pela
sociedade, é transmitida via família, pois essa é
a fonte fundamental de transmissão de normas e
valores da cultura, ensinando aos indivíduos o
que significa ser masculino e feminino a partir do
nascimento.

61
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

Também Islas (2010) sustenta que crenças culturais


acerca da superioridade masculina têm ligação direta com as
relações de poder entre homens e mulheres e,
consequentemente, a relação agressiva que pode se
estabelecer entre os gêneros.
O autor aponta ainda que esta ideia de superioridade
masculina “não surge simplesmente de traços inerentes aos
machos entre nossas espécies, mas deve-se a um processo
complexo de aprendizado social”.
Assim, é justamente neste contexto de diferenças entre
o indivíduo homem e o indivíduo mulher que entra a violência.
O fato é que quando essa superioridade é desafiada, um
homem pode se sentir compelido a usar a violência para
afirmar sua identidade.
Neste mesmo sentido, ao ser atribuído ao homem e a
mulher papéis ideias, e é neste contexto que surge e se
justifica a violência, como forma de compensar possíveis
falhas no cumprimento ideal dos papéis de gênero. Muitas
mulheres se libertaram das normas tradicionais, sustentando-
se como o próprio trabalho, acarreando mudanças na
interação entre o casal (Guimarães, 2017).
O homem pode sentir-se atacado e diminuído, levando
a um relacionamento competitivo, com conflitos de gênero,
culminando na violência como subsídio para voltar ao status

62
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

quo ante. Todavia, a violência doméstica e familiar é uma


realidade universal, decorrente de uma sociedade machista e
hierarquizada, na qual a mulher é constantemente cobrada
para desempenhar funções próprias, e quando isto não ocorre
como se espera, acaba ocorrendo à agressão por parte de seu
par. Durante séculos, na sociedade o direito de um homem
castigar sua mulher estava assegurado para a lei e legitimado
culturalmente (Gregori, 2012).
Para Izumino (2018), quando é utilizada nos estudos
sobre violência contra mulher, a categoria de gênero permite
que esta passe a ser vista enquanto conflito de gênero, ou
seja, enquanto um conflito que se origina da oposição entre os
sexos e da oposição dos papéis sexuais socialmente
constituídos.
Essa nova abordagem da violência contra a mulher
permite ainda que possa ser considerada como resultado de
relações de poder que se constituem nas relações entre
pessoas, em seu cotidiano, e se desenvolvem em múltiplas
direções, estabelecendo diferentes possibilidades de
dominação e submissão. Parece não importar quão evoluída
está se tornando a humanidade, a violência irracional insiste
em segui-la.

63
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

2.1.1 A VIOLÊNCIA CONTRA A MULHER

No Brasil, as formas mais comuns de violência


doméstica estão associadas às ameaças, as lesões corporais,
os crimes contra a honra e, após histórico agressivo, o
feminicídio (Hoffmann e Leone, 2012).
A violência contra a mulher é comprovada, tanto por es-
tatísticas apresentadas por ONG’s e órgãos públicos, quanto
pela observação da média das atividades policiais e forenses
onde a violência doméstica e familiar contra a mulher ocupa
grande espaço. A impunidade se elege como um dos fatores
perpetuadores deste tipo de violência. Para transformar esta
realidade, faz-se necessário recorrer à lei para concretizar
uma sociedade justa através da igualdade de gêneros, que se
constitui em direto humano basilar, cuja ausência é conse-
quência da falta de vários outros direitos humanos dele decor-
rentes (Gonçalves e Lima, 2006).
Deste modo, pelo fato da origem da violência doméstica
e familiar contra a mulher ser tão antiga quanto à própria hu-
manidade, torna-se importante analisá-la frente ao objetivo do
presente trabalho, buscando, assim, melhor compreender o
surgimento de uma lei para coibir este tipo de violência. Per-
cebe-se a necessidade de os governos, empresas, instituições

64
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

de ensino e pesquisa e a imprensa assumirem de maneira de-


finitiva que a violência contra a mulher não deve ser compac-
tuada, nem mesmo ser vista como normal. Muitas vezes, as
agressões são provenientes de parceiros motivados por senti-
mento de posse sobre a vida e as escolhas de suas compa-
nheiras (Filho, 2017). Neste contexto, o Brasil promulgou a Lei
11.340 de 7 de agosto de 2006, conhecida como Lei Maria da
Penha. A Lei 11.340 é deixa bastante evidente seus objetivos
desde o Artigo 1º que diz:

Art. 1º Esta Lei cria mecanismos para coibir e


prevenir a violência doméstica e familiar contra a
mulher, nos termos do § 8º do art. 226 da Cons-
tituição Federal, da Convenção sobre a Elimina-
ção de todas as Formas de Violência contra a
Mulher, da Convenção Interamericana para Pre-
venir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mu-
lher e de outros tratados internacionais ratifica-
dos pela República Federativa do Brasil; dispõe
sobre a criação dos Juizados de Violência Do-
méstica e Familiar contra a Mulher; e estabelece
medidas de assistência e proteção às mulheres
em situação de violência doméstica e familiar.

A Lei recebeu esse nome em homenagem à Maria da


Penha Maia Fernandes que foi uma mulher que sofreu durante
seis anos a violência doméstica por parte de seu marido, que
tentou matá-la duas vezes, uma com arma de fogo, eu a
deixou paraplégica, e outro por afogamento e eletrocussão,

65
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

após essas tentativas ela tomada de coragem o denuncio.


Porém, seu marido só foi punido após 19 anos de julgamento
e ficou apenas dois anos preso, para a revolta dela e de todos
(Rabelo e Saraiva, 2006).
Devido todo o aspecto sofrido, Maria da Penha recorreu
ao Centro pela Justiça do Direito Internacional e o Comitê
Latino-Americano de Defesa dos Direito da Mulher, formalizou
uma denúncia, que após ser analisada, tornou-se lei. Neste
sentido, o objetivo principal da Lei é punir de maneira severa
o agente da violência doméstica. Inclusive, a Lei 11.340
alterou o Código Penal Brasileiro de forma que os agressores
têm suas penas de detenção aumentadas, passando de um
ano para três, além de prever medidas protetivas que vão da
saída do agressor da domicio da vítima e a proibição de sua
aproximação (Rabelo e Saraiva, 2006).
Para Gonçalves e Lima (2006) é interesse público que
tal violência cesse, não podendo o Estado tolerá-la. Há muito
que a violência doméstica deixou de ser um problema apenas
familiar, o governo deve intervir nestes casos e combater
essas manifestações. Para tanto, é necessário desenvolver
mecanismos que coíbam a violência contra a mulher. Com a
Lei em vigor, cada vez mais se aumenta o número de
processos contra os agressores, são frequentes as prisões em
flagrante e as mulheres passam a lutar por seus direitos.

66
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

Todavia, a maior limitação para a eficácia plena da à Lei


11.340 é o fato de muitas mulheres não denunciarem os
agressores. Tal condição se dá devido ao receio de ficar só,
de não conseguir sustentar a família, o medo de vingança por
parte do agressor, entre outros motivos crime (Gonçalves e
Lima, 2006).
Outra dificuldade é a falta de fiscalização no
cumprimento das medidas protetivas, visto que a justiça não
dispõe de meios suficientes para proteger a vítima durante sua
rotina diária, possibilitando o retorno do agressor que,
frequentemente, emprega ameaças, violência, ou mesmo,
comete homicídio contra as vítimas. Não se pode considerar
que a Lei Maria da Penha discrimina os homens, visto que se
trata de um mecanismo direcionado a um indivíduo que sofre
uma discriminação específica, no caso, violência contra a
mulher, portanto, necessita de condições exclusivas para
sanar essa ausência de direitos e violências (Dias, 2017).
Neste aspecto Gonçalves e Lima (2006), a Lei Maria da
Penha define cinco manifestações de violência doméstica e
familiar, destacando-se que existem outros tipos de violências
também englobadas pela Lei: violência psicológica; violência
física; violência sexual; violência patrimonial e violência moral.
Sabe-se também que, a violência está presente em
todas as classes sociais e independente das condições e dos

67
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

meios, podendo ser a vítima de classe econômica alta ou


baixa, branca ou negra, jovem ou idosa, com deficiência,
indígena, vivendo na zuna rural ou urbana, de determinada
religião ou ateia, com nível de escolaridade elevado ou baixo.
Toda mulher pode sofrer violência, uma vez que, no Brasil o
processo social, histórico e cultural se construiu em bases
carregadas de desigualdades (Hoffmann e Leone, 2012).
Inclusive, com o passar do tempo, as denúncias de
mulheres contra seus agressores têm aumentado, após a
criação da Lei Maria da Penha, ocorreu um acréscimo de
aproximadamente 600%. Não se pode afirmar que o aumento
de delações indica um crescimento no número de crimes
contra a mulher, haja vista que outros elementos devam ser
considerados, caracterizando-se como fatores que
possibilitaram e encorajaram as mulheres a realizarem as
denúncias. Tais condições favoráveis relacionam-se
diretamente ao aparato legal que se estabeleceu a favor das
vítimas, o aumento da confiança nas políticas públicas e
sociais e o acesso à informação (Rinaldi, 2017).
A Lei Maria da Penha define a violência doméstica
contra a mulher, trazendo em seu bojo a busca pelo legislador
em criar mecanismos para coibir e prevenir este tipo de
violência. Estando nos termos da Constituição Federal
Brasileira de 1988 e de tratados internacionais ratificados pela

68
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

República Federativa do Brasil, bem como, estabelecendo


medidas de assistência e proteção às mulheres nesta situação
(Calhau, 2012). Entende-se por agressor aquele que agride,
que ataca outrem por meio de atos e palavras. Dessa forma,
agressão é a ação ou efeito de agredir, investida, ataque,
provocação, hostilidade, ofensa, acometimento, conduta
caracterizada por intuito destrutivo (Vaitsman, 2011).
O fato é que com a criminalização da violência que
acontece no espaço doméstico e familiar, redefinem-se os
sentidos da individualidade, dos direitos, das
responsabilidades e, as fronteiras entre o mundo público e o
mundo privado. Quando fala-se em violência doméstica, tem-
se que considerar o sentido mais abrangente do termo
doméstico. Assim, violência é o ato de violentar,
constrangimento físico e moral, uso da força, emprego ilegal
da força, coação, em detrimento de uma pessoa para obrigá-
la a efetuar algo contra sua vontade, opressão, alteração
danosa do estado físico da pessoa. É um dos fenômenos ais
complexos e abrangentes que a humanidade convive ao longo
da história (Rinaldi, 2017).
Já a vítima é a pessoa arbitrariamente violentada,
sacrificada aos interesses ou paixões alheias, ferida, que sofre
algum infortúnio, ou que sucumbe a uma desgraça, que sofre
dano, aquele contra quem se perpetuou o crime. O Código

69
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

Penal trata da vítima e, eventualmente, refere-se à mesma


como ofendido. Imperioso esclarecer que a vítima tem o
sentido de ofendido ou parte e, ainda, pessoa ofendida, ou
seja, o sujeito passivo de delito, em outras palavras, aquele
que foi diretamente prejudicado (Rabelo e Saraiva, 2006).
A mulher encontra no imaginário, feminino e masculino,
um lugar de mulher vítima cuja definição primeira é dada pela
passividade e submissão, modelos de comportamento que
têm sua permanência explicada pela presença de elementos
estruturais (com a educação ou a tradição judaico-cristã que
coloca a mulher como submissa ao homem) ou de elementos
conjunturais, tais como fatores econômicos, falta de
oportunidade de estudo e trabalho, etc. (Probst, 2014). Diante
da complexidade deste tipo de violência, a violência doméstica
e familiar, do fato desta violência ser multicausal, e da
dificuldade em interromper seu ciclo por meio de ações
isoladas, acredita-se que um trabalho de prevenção seja
imprescindível, tornando-se necessária uma combinação de
ações em diferentes níveis, individual, familiar e comunitário
(Priore e Bassanezi, 2017).
O problema grave dos tempos modernos, com relação
aos direitos do homem, não é mas o de fundamentá-los, mas
o de protegê-los. Assim, a missão do Direito Penal é proteger
os valores fundamentais para a subsistência do corpo social,

70
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

tais como a vida, a saúde, a liberdade, denominados bens


jurídicos. Essa proteção é exercida não apenas pela
intimidação coletiva, mas conhecida como prevenção gera e
exercida mediante a difusão do temor aos possíveis infratores
do risco da sanção penal, mas sobretudo pela celebração de
compromissos éticos entre o Estado e o indivíduo, pelos quais
se consigna respeito às normas, menos por receio de punição
e mais pela convicção da necessidade de justiça (Larraín,
2010).
A proteção dos bens jurídicos, ou seja, os valores
essenciais para convívio do homem em sociedade, deve ser
primordial, pois toda lesão a estes ofende a toda coletividade
e a paz social. O Estado compete a imposição de metas e
deveres à todos os cidadãos, com vistas à construção de uma
sociedade livre, justa e solidária; à redução das
desigualdades; à promoção do bem comum; ao combate ao
preconceito de sexo e quaisquer outras formas de
discriminação; ao resgate da cidadania e ao respeito
inarredável da dignidade humana (Izumino, 2018).
Entende-se por obrigação primária do sistema judiciário
responder às necessidades de justiça social, não lhe sendo
permitido perpetuar desequilíbrios na sociedade. Neste
sentido, uma sociedade que não protege e não presta
assistência às vítimas, não obtém índices de cidadania dignos

71
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

ao momento histórico que a humanidade está vivenciando.


Esse mesmo aspecto de expectativa da resposta do cidadão
é o que embaso posicionamento do que diz que grande parte
da população vive privado dos direitos básicos, convivendo
com desigualdades, injustiça, impunidade violação dos
direitos humanos (Islas, 2010).
No Brasil, o conceito de violência doméstica contra a
mulher vem sendo desenvolvido como violência de gênero,
que é exatamente a violência que tem como alvo a pessoa do
sexo feminino, social e culturalmente mais fragilizado. Con-
tudo, propagar-se que as teorias de gênero são insuficientes
para compreender e transformar as relações de desigualdade
entre os sexos, pois por ser genérico e individual, o gênero
não identifica as causas do vetor dominação-exploração.
A autora aponta a ordem patriarcal como sistema histó-
rico de organização da sociedade e os regimes políticos tais
como a falocracia, o androcentrismo, o viriarcado e a primazia
masculina como pilares da opressão desse sistema. Capita-
lismo, por conseguinte, se alimentou desse sistema a partir da
criação de duas categorias até então inexistentes: o proletari-
ado e as donas-de-casa. A partir daí, cria-se a dicotomia dos
espaços de relação social e trabalho: o público e o privado. Ao

72
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

primeiro é atribuída a função da produção, da disputa, da acu-


mulação de capital, das decisões políticas, hegemonicamente
ocupados pelos homens.
Ao segundo fica resguardado o cuidado, as relações
afetivas, a reprodução, a educação dos filhos, sendo as mu-
lheres responsabilizadas pela execução dessas tarefas, po-
rém sem o poder de decisão sobre o mesmo. Tal fato acontece
devido à construção histórica da família e do lar como propri-
edade do homem, independente da classe social que ocupa.
Essas afirmações foram propagadas ao longo de séculos por
instituições como a igreja, a escola e os meios de comunica-
ção. O casamento monogâmico garante ao homem a tutela
sobre um núcleo social chamado família para ser reconhecido
como homem de bem, atribuindo a este o poder de mando em
todos os indivíduos que a compõem.
O movimento feminista deu representação ao sofri-
mento das mulheres, nomeou-o, chamou-o de violência. Esse
percurso foi necessário para que depois de sabermos do que
sofremos, partir para almejarmos saídas, planejá-las, reivin-
dicá-las. Dessa forma, as mulheres puderam se ver como víti-
mas de violência e esse reconhecimento, com seus avanços
e possibilidades, ofereceu a oportunidade de sair desse lugar.
Com isso, as feministas puderam formular as demandas para

73
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

os setores políticos e, consequentemente, a academia incor-


porou essa temática e iniciou o desenvolvimento de novos co-
nhecimentos sobre as relações de gênero e o sofrimento psí-
quico.
No Brasil, anualmente, um número entre 3 e 4 milhões
de mulheres são agredidas em suas residências por pessoas
íntimas. Em sua IV Conferência Mundial sobre a Mulher, a Or-
ganização das Nações Unidas concluiu que a violência contra
a mulher pode se manifestar de diferentes formas e nos mais
diversos espaços da sociedade, independentemente da
classe social, da idade, da raça/etnia, do tipo de cultura ou do
grau de desenvolvimento econômico do país.
Alguns estudos chamam a atenção para os impactos da
violência à saúde física e mental das mulheres, e que trouxe-
ram uma grande contribuição para essa discussão que a vio-
lência é uma importante causa de adoecimento das mulheres.
A violência traz para a saúde da mulher consequências nega-
tivas, de peso comparável às causadas pelas doenças do co-
ração, pela tuberculose, pela infecção pelo HIV e pelos cânce-
res. Isso torna a vítima uma usuária em potencial dos serviços
do setor saúde que, por sua vez, não conseguem absorver a
grande demanda e apresenta diversas falhas.
O sociólogo Pierre Bourdieu (2012), em seus estudos

74
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

sobre dominação masculina, vem dizer que salvo alguns pou-


cos acidentes históricos e apesar de estabelecidas pela or-
dem, as relações de dominação se perpetuam apesar de tudo
tão facilmente, e que condições de existência das mais intole-
ráveis possam permanentemente ser vistas como aceitáveis
ou até mesmo como naturais, complementando ao dizer que
sempre viu na dominação masculina, e no modo como é im-
posta e vivenciada, o exemplo por excelência desta submissão
paradoxal, decorrente daquilo que ele vem chamar de violên-
cia simbólica.
A violência praticada contra as mulheres, especial-
mente a doméstica é um mecanismo que fundamenta subor-
dinação frente ao masculino, visto que há um sistema simbó-
lico que hierarquiza e legitima uma ordem geral de controle
sobre os corpos femininos.
A questão da legitimidade também é bastante discutida
por Bourdieu (2012), para ele a experiência dóxica torna a di-
visão socialmente construída entre os sexos, como naturais,
evidenciando e reconhecendo assim, o processo de legitima-
ção da dominação masculina, mantendo ainda, o paradoxo da
divisão de gêneros, e por conseguinte, a dominação mascu-
lina, como algo natural. Isso nos leva a pensar em como ocor-
rem na prática, a dominação masculina ou a violência domés-
tica.

75
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

Segundo Bourdieu (2012), o campo doméstico é um


dos lugares em que a dominação masculina se manifesta de
maneira mais indiscutível (e não só através do recurso à vio-
lência física), não se restringindo apenas ao lar, mas também
a instituições como a igreja, as escolas e o Estado. Dados da
Secretaria Municipal de Saúde de Belo Horizonte e do estado
de Minas Gerais, possibilitam afirmar que o uso de medica-
mentos para dormir é 40% maior nas mulheres que vivem em
situação de violência conjugal, do que, nas mulheres em uni-
ões não violentas. O consumo de ansiolíticos é 74 vezes su-
perior em mulheres abusadas sexualmente. De acordo com
Bourdieu (2012):

Só uma ação política que leve realmente em


conta todos os efeitos de dominação que se
exercem através da cumplicidade objetiva entre
as estruturas incorporadas (tanto entre as mulhe-
res quanto entre os homens) e as estruturas de
grandes instituições em que se realizam e se pro-
duzem não 14 só a ordem masculina, mas tam-
bém toda a ordem social (a começar pelo Estado,
estruturado em torno da oposição entre sua mão
direita, masculina, e sua mão esquerda, femi-
nina, e a Escola, responsável pela reprodução
efetiva de todos os princípios de visão e de divi-
são fundamentais, e organizada também em
torno de oposições homólogas) poderá, a longo
prazo, sem dúvida, e trabalhando com as contra-
dições inerentes aos diferentes mecanismos ou

76
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

instituições referidas, contribuir para o desapare-


cimento progressivo da dominação masculina.

Criado em abril de 2006 pelo governo federal o serviço


Ligue 180 já registrou 791,4 mil atendimentos. Apenas sobre
informações envolvendo a Lei Maria da Penha foram 293,8 mil
registros entre 2007 e outubro de 2009. O perfil geral indica
que 93% das denúncias são feitas pela própria mulher agre-
dida, 78% das vítimas são alvo de lesão corporal leve ou ame-
aças e 69% das mulheres sofrem agressões diariamente. O
algoz, segundo o levantamento é o companheiro em 50% dos
casos. Em 33% das situações, as vítimas vivem com o agres-
sor há mais de 10 anos.
Nos 86.844 relatos de violência registrados pelo serviço
telefônico, os agressores são, na sua maioria, os próprios
companheiros. Quanto ao tipo de violência, do total desses re-
latos, 53.120 foram de violência física; 23.878 de violência psi-
cológica; 6.525 de violência moral; 1.645 de violência sexual;
1.226 de violência patrimonial; 389 de cárcere privado; e 61
de tráfico de mulheres. Na maioria das denúncias de violência
registrada no Ligue 180, as usuárias do serviço declaram so-
frer agressões diariamente.
A violência física é o caso mais comum de agressão
contra as mulheres, seguido de coerções psicológicas (amea-
ças em geral), morais (xingamentos e situações humilhantes),

77
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

sexuais e patrimoniais. As vítimas mais frequentes são mulhe-


res negras (43,3%) com idade entre 20 e 40 anos (56%), ca-
sadas ou em união estável (52%) e com escolaridade equiva-
lente ao Ensino Médio (25%). Na relação de denúncias por
estados da federação, o Estado de São Paulo aparece na pri-
meira colocação, com 87,4 mil chamadas em 2009. Rio de Ja-
neiro e Minas Gerais aparecem na segunda e terceira posi-
ções, respectivamente, com 33,8 mil e 18,2 mil registros.

Não restam dúvidas de que historicamente, filo-


soficamente e culturalmente a mulher foi e é ví-
tima de grave carga discriminatória, contada
desde o ponto de vista sociológico quanto do Di-
reito, o que fora alvo da análise do ponto de vista
da criminologia, em toda uma evolução que mos-
trou o tratamento dado à mulher, seja do ponto
de vista como criminosa ou vítima. (Bonifácio;
Cavalcanti, 2021, p. 614 e 615),

Em termos proporcionais, o Distrito Federal é a unidade


da federação que mais recorreu ao Ligue 180, com 462,5 aten-
dimentos para cada grupo de 50 mil mulheres. A importância
dos serviços especializados no atendimento às mulheres que
vivem em situação de violência é reconhecida por diversos se-
tores da sociedade e sua manutenção defendida pelas orga-
nizações vinculadas ao movimento de mulheres.

78
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

2.2 FEMINICÍDIO

Entende-se por feminicídio crimes perpetuados por condi-


ções de ser mulher, o que acontece através das perspectivas histó-
ricas, onde a mulher é dominada pelo homem, o que é incentivado
pela cultura machista, o feminicídio é a violência que acontece atra-
vés da desigualdade de gênero (Fernandes, 2015). Em 09 de Março
de 2015, a Legislação Sancionou a lei 13.104/2015, que se trata do
feminicídio, onde caracteriza crime hediondo, os assassinatos de
mulheres, por razões de gênero, o que também ocorre a partir do
preconceito, exclusão, submissão das mulheres aos homens, vinda
de uma cultura ou realidade patriarcal. Atualmente o que observa-
mos na mídia, são os assassinatos perpetuados pelos esposos, na-
morados atuais ou ex-companheiro. A mídia revela como um crime,
comum passional, sem relatar a verdade sobre o preconceito de gê-
nero (De Mello e Ramos, 2015).
O feminicídio é o último ato da violência contra as mulheres,
o mesmo passou a ser conhecido no Brasil após o sancionamento
da Lei, o patriarcado impõe um posicionamento à mulher de submis-
são e silêncio e quando esse modelo é indagado percebe-se a pior
forma da violência, ou seja, o assassinato da mulher (Da Rosa e
Piber, 2017).
Existem diversos aspectos que influenciam para os assassi-
natos de mulheres, entre eles, estão os padrões culturais, o ma-
chismo elevado, o contexto familiar, os fatores econômicos, os rela-
cionamentos existentes, a ausência de acessibilidade, a educação,

79
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

a força física do homem e da mulher no ambiente cultural, as fun-


ções sociais que são determinadas ao homem, são a de domínio
sobre a mulher, como se a mesma fosse desígnio do pai ou marido,
essa determinação se caracteriza pelo símbolo patriarcal, no qual a
mulher é subestimada pela imagem masculina (Nunes e Assunção,
2019).
O feminicídio ainda passa despercebido pela sociedade e a
mídia tem um papel importante, mesmo atuando contra a violência,
ela ainda demonstra despercebidamente a cultura patriarcal e es-
condem essas mortes, colocando a culpa nas vítimas. O patriarcado
ao longo da evolução colocou a figura dos homens como protetiva
em relação a deveres, quando ocorre um conflito somente os ho-
mens põem em ordem a situação (Meneghel et al., 2013).
Um estudo importante, de caráter transversal permitiu quan-
tificar e tipificar os feminicídios ocorridos no município de Porto Ale-
gre entre 2006 e 2010, foi analisado inquéritos que demonstram um
grande percentual de feminicídios e que a maioria das vítimas já
tinha um histórico de violência cometido por parceiros, o estudo per-
mitiu analisar, a fração de crimes perpetuados por gêneros (Marga-
rites, Meneghel E Ceccon, 2017).
Um estudo qualitativo por meio de uma abordagem etnográ-
fica, no qual os resultados encontrados por análise de conteúdos
perceberam-se, em algumas falas que meninos, colaboram com a
submissão da mulher ao homem, com o simbolismo sexual relacio-
nada à imagem da mulher e com as questões de abuso e violência.
Com este estudo conclui-se que com a inclusão da temática gênero,

80
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

pode-se abrir um grande espaço para discussão, a fim de gerar uma


reflexão, essencialmente, nos casos de discriminação, agressão, vi-
olência e feminicídio, em que o machismo é internalizado na socie-
dade (De Sousa e Silva, 2019).
Conforme a organização mundial da saúde (OMS), a adoles-
cência é designada entre a infância e a fase adulta, em que a faixa
etária condiz dos 10 aos 19 anos, nesta fase o indivíduo passa por
diversas evoluções, entre elas, as orgânicas, psicológicas e com-
portamentais, ou seja, uma fase importante para seu desenvolvi-
mento. Assim, a definição de gênero está sempre em modificação,
pois, segue os padrões que advém de uma sociedade antiga, os
adolescentes demonstram seus conceitos de gênero, a partir de seu
ambiente social (Amaral et al., 2017).
Atualmente a diferença sobre o gênero tem como espelho a
vulnerabilidade dos adolescentes, como sua saúde, a gravidez na
adolescência. Em relação ao desenvolvimento das sociedades a
evolução sobre questões de gênero e sexualidade na fase da ado-
lescência, se desenvolvem a partir do que é repassado cultural-
mente pelos pais ou responsáveis, todos que condiz de seu contexto
social (Amaral et al., 2017).
Sobre o conceito de gênero, ele é determinado pela socie-
dade ao longo do processo da história, a maneira de serem feminino
ou masculino, como os mesmos devem se vestir, comportar diante
da sociedade, como as crianças devem brincar e os tipos de brinca-
deiras, quais as profissões devem seguir, entre outros. O prejulga-

81
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

mento sobre as questões de gênero é construído despercebida-


mente e tudo inicia principalmente no ambiente familiar, antiga-
mente a preferência era ter um filho homem, pois o mesmo já nascia
designado a certos padrões comportamentais e ocupação que o di-
ferenciava do sexo feminino (Almeida et al., 2017).
A soberania masculina está envolvida em todas as esferas
universais, o que afirma isso são as formas que, envolve as ques-
tões da divisão sexual, as estruturas biológicas e os fatores sociais,
no qual, um grupo de ideias, pensamentos, percepções e ações são
compartilhadas, em que até as próprias mulheres se sobrepõe a
essa realidade. O machismo está relacionado aos comportamentos
e crenças, em que o sujeito não aceita a igualdade de direitos entre
homens e mulheres e parte de um princípio em que o homem exerce
um poder sobre o sexo feminino, o machista é aquele que favorece
as atitudes que estão sempre colocando o homem como um ser su-
perior em relação à mulher (Sepulveda e Sepulveda, 2019).
Os homens naturalizam um poder de soberania que é per-
passado pelo seu contexto familiar, pela sua religião entre outros,
em que designam uma autoridade sobre tudo, principalmente sobre
as mulheres, sendo que as mesmas se opõem a todos os papeis
orientados pelo homem, resultando em uma mulher submissa e su-
bordinada (Ledesma, 2019). O gênero faz parte do meio sociocultu-
ral, que possui critérios para diferenciar como: a raça, a classe, a
orientação sexual, a identidade de gênero, a idade entre outros cri-
térios a mais (Dantas, 2020).

82
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

A agressão por parte do parceiro trata-se da violência física,


psicológica, sexual, patrimonial e moral. Esses comportamentos são
de dominação e tentem a ficar cada vez mais intensos levando a
variadas formas de agressões como as verbais, às ameaças de
morte e até mesmo ao homicídio (Rios, 2020). Cabe destacar que o
feminicídio e feminismo não são as mesmas coisas, feminismo é a
busca pelos direitos da mulher, sejam eles, sociais, econômicos ou
culturais e a tentativa de diminuir todas as formas de discriminação
e diminuição contra a mulher (Gonçalves e Scandola, 2017).
O feminicídio acontece por razões de gênero, com tudo, é
importante ressaltar em levar essas temáticas para debates em gru-
pos para fazer uma reflexão e entenderem as definições. O femini-
cídio é um tipo de crime perpetrado por ódio e discriminação contra
a mulher por sua condição de gênero (Sadalla, 2017).
Também é importante saber, a origem do termo feminicídio
e por que ele existe, com isso a autora Rios (2020), explicou a ter-
minologia, existem dois termos, que descrevem as diversas práticas
de violência e levam a morte de mulheres.
O termo femicídio, foi utilizado pela primeira vez por Diane
Russel em 1976, em seu depoimento no tribunal de justiça de crimes
praticados contra as mulheres. Porém em 2004, a deputada Marcela
Lagarde, mexicana configurou o termo para feminicídio, com o ob-
jetivo de concretizar a impunidade da violência contra a mulher.
As concepções do machismo estão enraizadas na cultura da
sociedade como um todo. Nas diretrizes econômicas, políticas, reli-
giosas, na mídia e até no mesmo no grupo familiar, quando se fala

83
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

em contexto familiar se demonstra a ações patriarcais nas quais a


imagem masculina é sinônima de autoridade.
Assim a mulher está em uma situação submissa à represen-
tação autoritária do homem, sendo obrigada pela cultura machista a
se dispor aos desejos do marido ou do pai. Com tudo, analisando o
resultado percebe-se a sutileza do machismo, por isso as práticas
acabam passando despercebida (Sepulveda e Sepulveda, 2019).
Em uma amostra de 30 alunos de ambos sexos, 73% afir-
maram nunca ter sofrido com o machismo. Nas escolas pode-se no-
tar a diferenciação de gênero, nas brincadeiras, nas piadas, nas
ações, nas conversas.
Construindo essas percepções de preconceito de gênero.
Este estereótipo inicia-se desde a gestação, quando querem saber
se o bebe vai ser menino ou menina, para escolher, as cores de
roupas, os brinquedos designados (De Alcantara, 2017).
Qualquer ação ou atitude que inferiorize a mulher e exalta o
homem, em todos os contextos, até mesmo nas instituições escola-
res, resulta que as pessoas acreditem serem normais essas atitu-
des, valorizando o sexo masculino e menosprezando o sexo femi-
nino, sendo isso machismo.
Percebe-se que as diferenças entre os gêneros são desen-
volvidas no contexto social. As meninas são consideras mais reser-
vadas e os meninos barulhentos. Essas atitudes tratam-se da dife-
renciação de gêneros, que quando realizadas pelas crianças que
vão à escola, faz com que aumente a frequência das práticas ma-
chistas.

84
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

As ideologias de gênero que rodeiam as relações, na maioria


das vezes são invisíveis, nos comportamentos e atitudes silencio-
sas, que acabam se tornando tão comuns e imperceptíveis, até
mesmo pelas vítimas. Esse padrão de divisão entre os gêneros está
arraigado no contexto social e as pessoas reproduzem essas cren-
ças de dominação e divisão.
Segundo estudos, o feminicídio teve sua origem ligada ao
patriarcalismo, as condutas foram repassadas pela sociedade, sur-
gindo assim as práticas machistas onde o sexo masculino acredita
que a mulher é sua propriedade (Soares, 2019).
Chama-se a atenção o fato de a maioria dos assassinatos
ocorrerem no espaço doméstico e serem praticados por companhei-
ros ou ex-companheiros. Isso se alinha a cultura machista e precisa
de uma punição mais severa aos agressores, para diminuir a violên-
cia de gênero.
Assim, é importante debater temáticas relacionadas ao femi-
nicídio que levem os adolescentes a refletirem e mudar sua visão
em relação às práticas preconceituosas de gênero que levam ao
machismo.
Para que estas não gerem um ato de inferiorizarão da mulher
em vários contextos. Esses debates oportunizam o desenvolvi-
mento, a promoção da igualdade e o respeito de gênero e principal-
mente quebra esse paradigma de que o homem tem um predomínio
sobre a mulher.

85
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

2.3 A LEI MARIA DA PENHA APLICADA À MULHER


TRANSGÊNERO

Impressionante atenção que a violência doméstica e


familiar, definida como um problema social, passou a merecer
recentemente. Transformou-se em uma assunto permanente
na mídia e nas conversas cotidianas, além de ter se convertido
em alvo central de políticas públicas iniciativas privadas
(hoffmann e Leone, 2012).
A Lei Maria da Penha coloca o Brasil entre os países
com a legislação mais avançada do mundo, com o que estará
cumprindo os compromissos assumidos das convenções
internacionais de proteção a mulher. A lei triplica a punição
para homens que agridem mulheres, e, também, estabelece
uma série de mecanismos de proteção às vítimas. Nesse
sentido a lei de violência doméstica e familiar contra a mulher
altera o Código Penal e a lei de execuções penais,
endurecendo as punições e prevendo atendimento tantas
vítimas quanto aos agressores. A nova lei Ainda representa
avanços ao cumprir as convenções internacionais de defesa
dos direitos da mulher (Hoffmann e Leone, 2012).
Publicada em 8 de agosto de 2006, em 22 de setembro
do mesmo ano, entre em vigor a Lei número 11.340/06, bati-
zada de Lei Maria da Penha, em homenagem a senhora Maria

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Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

da Penha Maia Fernandes, Biofarmacêutica, Que passou por


vários anos de suplício e tortura no recôndito da vida conjugal,
sofrendo duas tentativas de homicídio perpetradas por seu
marido Marco Antônio Heredia Viveiros, Professor universitá-
rio e economista, Resultando No estado paraplégico da vítima
(Hermann, 2017).
Na época, ela tinha 38 anos e era mãe de três filhos,
com idades entre dois e seis anos. A primeira tentativa foi em
29 de maio de 83, quando ele simulou um assalto fazendo uso
de uma espingarda, e ela ficou paraplégica; alguns dias após,
pouco mais de uma semana, nova tentativa, ele buscou ele-
trocuta-la por meio de uma descarga elétrica enquanto ela to-
mava banho, em Fortaleza Ceará (Hermann, 2017).
Em junho de 1983, iniciaram as investigações, a
denúncia foi oferecida em setembro de 1984; em 1991 o réu
foi condenado pelo Tribunal do juri a oito anos de prisão,
recorreu em liberdade, e um ano depois teve seu julgamento
anulado. Levado a novo julgamento em 1996, foi imposta a
pena de 10 anos e seis meses, recorreu em liberdade e
somente 19 anos e seis meses depois do fato foi preso em
setembro de 2012, cumprindo dois anos de pena.
Atualmente, encontra-se em liberdade. Maria da Penha
recorreu a comissão interAmericana de direitos humanos,
órgão integrante Da organização dos estados americanos,

87
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

que com minou por condenar o estado brasileiro pela de longa


injustificável no processo penal de responsabilização do
agressor, sua luta pela condenação do agressor perdurou
cerca de 20 anos (Guimarães, 2017).
A corajosa atitude de haver recorrido a uma corte
Internacional de Justiça transformou o caso da senhora Maria
da Penha Maia sirnandes em acontecimento emblemático,
pelo que ele Gilcy baluarte do movimento feminista em prol da
luta por uma legislação penal mais rigorosa na repressão aos
delitos que envolvessem as diversas formas de violência
doméstica e familiar contra a mulher. Desse desse forçou,
chega até nós uma lei específica de combate as diversas
formas de violência doméstica e familiar contra mulher, a Lei
número 11.340/06 (Guimarães, 2017).
Trata-se de uma lei que versa sobre um tema polêmico
e complexo, a violência doméstica e familiar. Por isso essa lei
carece de ambientação no em torno institucional onde está
inserida. A todo um sistema institucional, relacionado as
atividades jurídicas, políticas e sociais que precisa adaptar-se
para operacional e logo atingir seu propósito. Ignorar essa
dinâmica entre sistemas operativos e sistemas valor ativos e
desconhecer a própria condição de sobrevivência do direito na
sociedades democráticas (Bennett, 2015).

88
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

Acerca das inovações a de vindas da Lei Maria da


Penha, Destaca-se o novo conceito de violência doméstica e
familiar contra a mulher, no que tem de abrangência tipos
classificastes vivos de violência, foi largamente ampliado.
Cabe ressaltar ainda, que este conceito nunca antes existiu
em nenhuma lei brasileira. Além disso a Lei número 11.340/06
não criar novos tipos penais, apenas complementar tipos pré
estabelecidos, como pode ser observado no seguintes artigos:
art. 41: caráter especializando te, excluindo benefícios
despenalizadores (Gregori, 2012).
Art. 43 e 44: alteração de penas, estabelecendo nova
mas durante e agravante; art. 20 e 42: possibilidade de prisão
preventiva. A Lei número 11.340/06 diz em seu capítulo quinto:
“I – no âmbito da unidade doméstica, compreendida como o
espaço de convívio permanente de pessoas, com ou sem
vínculo familiar, inclusive as esporadicamente agregadas”.
Incluem-se aí, pela hermenêutica, as pessoas que trabalham
na residência. Este conceito, de unidade doméstica, remete ao
sentido mais amplo de proteção da Lei (Brasil, 2006).
Também aponta que “II – no âmbito da família,
compreendida como a comunidade formada por indivíduos
que são ou se consideram aparentados, unidos por laços
naturais, por afinidade ou por vontade expressa”. Tem-se aqui,
o correspondente ao formato atual, onde não quer dizer que

89
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

seja a tradicional família composta pelo pai, pela mãe e pelos


filhos. Entram nesta nova dinâmica, inúmeras possibilidades
de famílias: pai ou mãe e filhos, pai ou mãe e seus filhos mais
madrasta ou padrasto e seus filhos; podendo entrar nesta
última, ainda mais os “novos” filhos em comum, em qualquer
modelo podem estar inseridos avós, etc. (Brasil, 2006).
Deste modo, através do conceito de família, vislumbra-
se ao sentido mais estrito de proteção da lei. “III – em qualquer
relação íntima de afeto, na qual o agressor conviva ou tenha
convivido com a ofendida, independentemente de coabitação”.
A lei amparou, através deste dispositivo, as relações de
namoro, por exemplo. Pois, a Lei permite entender família
como qualquer relacionamento afetivo íntimo e estável (Brasil,
2006).
Ainda relativo a esses aspectos, é importante destacar
o sujeito ativo e passivo. A que se verificar que, o sujeito
passivo da violência doméstica e familiar, é próprio. A Lei já
enseja isto ao citar “violência doméstica e familiar contra a
mulher”. Já, em relação ao sujeito ativo, este pode ser tanto
um homem, quanto uma mulher. Como no caso da patroa
agredir a empregada doméstica, ou no caso das relações
homoafetivas, entre duas mulheres (Gonçalves e Lima, 2006).
Já nas disposições preliminares da legislação, encontra-se

90
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

tudo a que ela se propõe e como fazê-lo. Cabendo aos seus


artigos, um aprofundamento:

Art. 1º Esta Lei cria mecanismos para coibir e


prevenir a violência doméstica e familiar contra a
mulher, nos termos do § 8º do art. 226 da Cons-
tituição Federal, da Convenção sobre a Elimina-
ção de Todas as Formas de Violência contra a
Mulher, da Convenção Interamericana para Pre-
venir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mu-
lher e de outros tratados internacionais ratifica-
dos pela República Federativa do Brasil; dispõe
sobre a criação dos Juizados de Violência Do-
méstica e Familiar contra a Mulher; e estabelece
medidas de assistência e proteção às mulheres
em situação de violência doméstica e familiar.
Art. 2º Toda mulher, independentemente de
classe, raça, etnia, orientação sexual, renda, cul-
tura, nível educacional, idade e religião, goza dos
direitos fundamentais inerentes à pessoa hu-
mana, sendo-lhe asseguradas as oportunidades
e facilidades para viver sem violência, preservar
sua saúde física e mental e seu aperfeiçoamento
moral, intelectual e social.
Art. 3º Serão asseguradas às mulheres as condi-
ções para o exercício efetivo dos direitos à vida,
à segurança, à saúde, à alimentação, à educa-
ção, à cultura, à moradia, ao acesso à justiça, ao
esporte, ao lazer, ao trabalho, à cidadania, à li-
berdade, à dignidade, ao respeito e à convivên-
cia familiar e comunitária.
§ 1º O poder público desenvolverá políticas que
visem garantir os direitos humanos das mulheres
no âmbito das relações domésticas e familiares
no sentido de resguardá-las de toda forma de ne-
gligência, discriminação, exploração, violência,
crueldade e opressão (Brasil, 2006).

91
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

Em linhas gerais, a Lei Maria da Penha prevê: Retirada dos


crimes de violência doméstica do Âmbito de abrangência da Lei
9.099/95; Detenção de três meses a três anos ao agressor, nos ca-
sos de lesão, substituindo, e mais importante do que isto, impossi-
bilidade a pena das cestas básicas; Possibilidade de decretação da
prisão preventiva a qualquer momento; Afastamento do lar e impo-
sição de alimentos provisionais; Encaminhamento a programas de
reabilitação do autor; Proteção policial a vitima ou garantia de ser
abrigada em local seguro; Possibilidade de se afastar do trabalho
por até seis meses, sem perda de vínculo; Caracterização da vio-
lência psicológica como crime, assim como a violência patrimonial
(inclusive a destruição de instrumentos de trabalho ou a retenção de
documentos pessoais); Atendimento em programas assistenciais e
assistência judiciária gratuita; Criação de Juizados de Violência Do-
mestica e Familiar contra a Mulher, com competência para os pro-
cessos cíveis e criminais, em que haverá um mediador, que preci-
sará ter formação superior, e também uma equipe interdisciplinar;
de Delegacia de Atendimento à Mulher; e integração entre Poder
Judiciário, Ministério Publico, Defensoria Pública e as áreas de se-
gurança e assistência (Brasil, 2006).
Há um ponto muito importante na nova lei, relativo À
“integração operacional do Poder Judiciário, do Ministério Pú-
blico e da Defensoria Pública com as áreas da segurança pú-
blica, assistência social, saúde, educação, trabalho e habilita-

92
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

ção;”, e, à “capacitação permanentes das Policias Civil e Mili-


tar, da Guarda Municipal, do Corpo de Bombeiros e dos pro-
fissionais pertencentes aos órgãos e às áreas enunciados...”
(Filho, 2017). Considera-se a importância deste aspecto “inte-
gração operacional”, uma vez que a união de esforços e troca
de ideias é indispensável no combate deste mal que assola a
coletividade, que é a violência. E, tanto mais, quando esta en-
volve relações de afeto, que é o caso da violência domestica
e familiar. Porque, consoante Larraín (2010):

Como as vitimas em geral entram em contato


com a policia antes de chegarem ao sistema ju-
diciário, à reação da policia é fundamental para
permitir que as mulheres insistam em sua causa
e detenham a violência.
...A complexidade das intervenções na violência
domestica exige educação e treinamento especí-
ficos para os profissionais que atuam nessa área
crítica... Essa falta de treinamento muitas vezes
a uma nova agressão, na medida em que rea-
ções equivocadas... são prejudiciais para as víti-
mas.

Deste mesmo pensamento compartilham outros


doutrinadores, dentre eles, Porto (2017):

Reconhecendo o legislador que, de regra, as au-


toridades policiais serão as primeiras a ter con-
tato com mulher vítima de violência doméstica,
valorizou sobremaneira sua função, prestigiando

93
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

o trabalho mais dedicado e humano que já vem


sendo desenvolvido de forma pioneira em dele-
gacias especializadas em defesa da mulher ou
mesmo nas delegacias distritais, bem como pela
Polícia Militar, cujo treinamento já contempla au-
las de direitos humanos.

O fato é que a violência é um problema complexo, de


origem multifatorial, relacionado a temas como assistência
social, educação, saúde e segurança pública e, portanto, as
pastas governamentais respectivas devem assumir as
exigências legais pertinentes ao enfrentamento da violência
doméstica. Espera-se que os profissionais operem como
agentes facilitadores que, em nome de valores como liberdade
individual, independência e autonomia, deem suporte ao
processo de fortalecimento das vítimas.
Esse processo não pode, contudo, envolver
julgamentos ou ser induzido, já que ele não deve, por
definição, suprimir aquilo que se pretende resgatar. A vítima e
somente a vítima escolherá o momento certo para abandonar
seu agressor (Dias, 2017).
Ainda com relação ao imprescindível papel das
autoridades competentes e/ou profissionais designados à
assistência da mulher vítima de violência doméstica e familiar,
reiteradamente enfatizada a necessidade de humanização no
trato pessoal, encontra-se na lei, em seus artigos 11 e 12, o

94
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

rol de providências a serem tomadas. Tratando das medidas


protetivas de urgência, tem-se nas disposições gerais nos
artigos 18 a 21 da Lei Maria da Penha, deveras o caráter
urgente preponderante. Tudo direciona para uma ação rápida
com vistas à proteção da mulher e seus filhos de
consequência ainda mais gravosas (Camargo, 2012).
Tem-se também, no artigo 22, as medidas protetivas
de urgência que obrigam o agressor, dentre as quais, já
supramencionadas: afastamento do lar; proibição de
aproximação da ofendida, filhos e demais familiares,
prestação de alimentos provisionais, suspensão da posse ou
restrição do porte de armas. Há também, as medidas
protetivas de urgência à ofendida: encaminhamento da
ofendida e seus dependentes a programas de proteção e/ou
atendimento; recondução ao lar após afastamento do
agressor; ou afastamento do lar sem prejuízo de seus direitos
(Calhau, 2012).
Pode-se colacionar a respeito das medidas protetivas
de urgência a ofendida, concernente ao fato de bem abrigá-
las, juntamente com seus filhos, informando da permanência
de seus direitos. Assim, o estabelecimento de casas abrigo
para mulheres vítimas e violência doméstica e seus filhos
menores é uma obrigação do Estado de modo geral, mas
como no esdrúxulo pacto federativo brasileiro, as exigências

95
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

sempre recaem predominantemente sobre os municípios, é


previsível que serão estes os responsáveis pela organização
dos albergues (Araújo, 2013).
Todavia, há a justa expectativa de que Estados e União
ingressem com recursos auxiliares para a construção ou
manutenção destes estabelecimentos, o que não é possível é
que os entes federativos fiquem empurrando-se
reciprocamente a obrigação imposta legalmente, até porque o
sucesso nos resultados da Lei 11.340/06 depende em muito
da necessária infraestrutura para sua realização.
Este afastamento da vítima nem sempre deverá ser em
direção à casa de abrigo, podendo sê-lo também ao domicílio
de familiares, o que, na maioria das vezes até consulta melhor
aos interesses da ofendida, por representar melhores
acomodações e um ambiente mais receptivo e afetuoso para
a vítima e seus dependentes (Vaitsman, 2011).
Orientação a ser dada aos policiais a fim de que a re-
passem às vítimas da violência: o afastamento de casa, em
situação de violência doméstica, sobretudo quando tal se dá
de modo responsável, se possível, com o acompanhamento
dos filhos, jamais importa em qualquer prejuízo posterior no
curso de eventual processo de separação ou dissolução de
união estável. Tal esclarecimento se faz necessário na medida

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Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

em que é voz corrente que o cônjuge ou convivente que aban-


dona o lar, perde seus direitos no momento da partilha de
bens, da determinação da guarda dos filhos e da pensão ali-
mentícia (Rinaldi, 2017).
A Lei Maria da Penha prevê a criação das casas de
abrigo nas disposições transitórias, art. 35, inciso II. A
autoridade policial deve encaminhar a mulher em situação de
violência doméstica e familiar, bem como seus dependentes
menores para estes locais a fim de protegê-los. Quanto à
atuação do Ministério Público, o artigo 25 determina a
obrigatoriedade da intervenção deste; bem como o artigo 26
lista as atribuições do Ministério Público, trazendo um rol
exemplificativo.
Dentro este, atenta-se ao inciso II que traz uma
atribuição diferente ao Ministério Público, qual seja, manter um
banco de dados dos casos de violência doméstica e familiar.
A instituição atua como custus legis ou como parte, uma vez
que se trata de ação penal pública condicionada à
representação da ofendida (Rabelo e Saraiva, 2006).
Nas disposições transitórias da lei traz o artigo 33, a
necessidade de lutar pelo propósito desta, independente da
estrutura ideal. Enquanto não são criados os juizados
especializados, as varas criminais atenderão as demandas
cíveis e criminais decorrentes de violência doméstica e

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Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

familiar. As autoridades e profissionais designados devem


adaptar suas posturas, e o mal deve ser combatido. Bem como
há papel da educação mencionado no segundo capítulo,
importantíssimo também para frear esta cruel realidade
(Probst, 2014).
Neste sentido, no contexto de um sistema estrutural
punitivo insuficiente e deficiente, reduzirá os efeitos concretos
da Lei 11.340/06, reservando-lhe, prioritariamente, um vão
efeito simbólico, posto que, atentando-se para os possíveis
impactos de suas disposições sobre o sistema de justiça, é
possível vaticinar que as medidas mais importantes para a
implementação dos seus objetivos, a estruturação de órgãos
policiais e judiciais especializados em violência de gênero e a
consecução de políticas públicas de saúde e educação contra
tal violência em realidade serão relegadas a segundo plano,
prevalecendo apenas as atividades policiais e judiciais
improvisadas, últimas que deveriam vir recrutadas para darem
seu contributo em sede de um Estado Democrático de Direito
(Priore e Bassanezi, 2017).
Fato é que é necessário agir como recursos que se tem,
pois bem mais emblemático que a questão da estrutura, volta-
se a dizer, é o estado psicológico abalado da mulher, reflexo
do tratamento dado a este tipo de violência por ela sofrido.
Esta é a finalidade trazida pela Lei Maria da Penha.

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Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

Há uma grande diferença entre o anseio da vítima,


vinculada a um só caso, para ela especial, significativo, raro,
e interesse da autoridade ou agente policial, que tem naquele
fato um a mais de sua rotina diária, marcada muitas vezes por
outros de bem maior gravidade; ainda, assoberbada pelo
volume, impõe-se naturalmente à autoridade a necessidade
de estabelecer prioridades. As deficiências burocráticas, por
outro lado, aumentam geralmente a decepção. Não há
funcionários suficientes e preparados. Não há veículos
disponíveis para diligências rápidas. Tudo ocasiona demora e
perda de tempo (Muller, 2014).
Para tirar a violência doméstica e familiar da posição
secundária que, às vezes, ainda parece manter, é necessária
uma união de esforços, no que se refere à atenção dada ao
assunto e à vítima, pois o que se percebe é a insuficiência de
recursos, uma vez que leis nem sempre são cumpridas.
Outro aspecto é colocado inconscientemente pelas
mulheres agredidas, levando-as a permanecerem nas
relações abusivas, destacam-se: esperança de que o marido
mude o comportamento, isolamento com perda dos laços
damiliares e sociais, negação social, barreiras que impedem o
rompimento, crenças no tratamento dos agressores, riscos de
morte e dependência econômica (Larraín, 2010).

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Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Embora existam leis que amparam as mulheres, sabe-


se que, no Brasil e em algumas partes do mundo, elas não são
respeitadas. Mesmo com as leis que as protegem, muitas das
vezes as mulheres são agredidas por seus companheiros e
não denunciam, não buscam ajuda, e isso só contribui para
que a violência no país aumente.

Nota-se que um dos grandes avanços da atualidade


que a mulher brasileira conquistou foi a Lei Maria da Penha,
número 11.340/06, que cria meios para acabar, prevenir e er-
radicar a violência doméstica e familiar contra a mulher e pune
de forma severa os agressores.

Nenhuma mulher deve ser exposta à dor de ter sua li-


berdade, autonomia e direito restrito. Nota-se que a legislação
vigente no ordenamento jurídico está punindo de forma mais
severa e com maior rigor, principalmente devido as grandes
tragédias associadas à violência contra a mulher.

Percebe-se que não existe uma solução imediata para


as violências em geral, é preciso melhorar a qualidade da
prestação jurisdicional das vítimas e de seus familiares, propi-
ciando mais segurança. Se houvesse segurança e proteção

100
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

adequada, junto com o cumprimento das leis, os crimes de vi-


olência contra a mulher diminuiriam.

Trata-se de um conjunto de fatores que além de tudo,


devem proporcionar educação de qualidade, melhor distribui-
ção de renda, igualdade social e formar cidadãos mais cons-
cientes de seus atos.

A partir de análises cientificas e doutrinárias, é possível


apresentar um diagnóstico da situação da violência doméstica
- analisando a conexão existente entre as ocorrências policiais
de violência interpessoal e servir de base para implementação
de políticas públicas no enfrentamento visando a implementa-
ção de políticas públicas com a finalidade de minimizar a pro-
blemática.

Verifica-se que é necessário fazer uma reflexão sobre


abordar as temáticas para serem trabalhadas a fim de trazer
uma conscientização a todos, trabalhar temas como: violência
doméstica, violência simbólica, feminicídio entre outras formas
de violência contra a mulher para evitar descender essas prá-
ticas.

Embora existam leis que amparam as mulheres, sabe-


se que, no Brasil e em algumas partes do mundo, elas não são
respeitadas. Mesmo com as leis que as protegem, muitas das

101
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

vezes as mulheres são maltratadas pelos maridos e não de-


nunciam, não buscam ajuda, simplesmente aceitam, e isso só
contribui para que a violência no país aumente.

Portanto, um dos grandes avanços da atualidade que a


mulher brasileira conquistou foi a Lei Maria da Penha, número
11.340/06, que cria meios para acabar, prevenir e erradicar a
violência doméstica e familiar contra a mulher e pune de forma
severa os agressores.

Nenhuma mulher deve ser exposta à dor de ter sua li-


berdade, autonomia e direito restrito. Nota-se que a legislação
vigente no ordenamento jurídico está punindo de forma mais
severa e com maior rigor, principalmente devido as grandes
tragédias associadas à violência contra a mulher.

Por fim, não existe uma solução imediata para as vio-


lências em geral e, em especial, o feminicídio, é preciso me-
lhorar a qualidade da prestação jurisdicional das vítimas e de
seus familiares, propiciando mais segurança.

Se houvesse segurança e proteção adequada, junto


com o cumprimento das leis, os crimes de violência contra a
mulher diminuiriam. Trata-se de um conjunto de fatores que
além de tudo, devem proporcionar educação de qualidade,
melhor distribuição de renda, igualdade social e formar cida-
dãos mais conscientes de seus atos.

102
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

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mulher na reincidência da violência física do parceiro. Revista Bra-
sileira de Ciências Criminais. São Paulo: Revista dos Tribunais,
ano 14, n. 63, p. 309, Nov. – dez. 2006.

108
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

3
O PARTO ANÔNIMO COMO DIREITO
FUNDAMENTAL DA GESTANTE

ANONYMOUS DELIVERY AS A
FUNDAMENTAL RIGHT OF PREGNANT WOMEN

Esla Corrêa Gomes Freitas5


Williane Tibúrcio Facundes6

FREITAS, Esla Corrêa Gomes. O parto anônimo como di-


reito fundamental da gestante. Trabalho de Conclusão de
Curso de Graduação em Direito – Centro Universitário UNI-
NORTE, Rio Branco. 2023.

5
Discente do 9º período do curso de bacharelado em Direito pelo Centro
Universitário Uninorte.
6
Docente do Centro Universitário Uninorte. Graduada em Direito pela
U:VERSE. Especialista em Psicopedagogia pela Universidade Varzea-
grandense e Direito Digital pela Faculdade Metropolitana. Graduada em
Letras Vernáculas pela Universidade Federal do Acre- UFAC.

109
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

RESUMO

Introdução. O presente estudo trata sobre os projetos de lei


relacionados ao instituto do parto anônimo que oferecem pro-
postas para o abandono desumano de crianças recém nasci-
das, bem como um tratamento prioritário às gestantes que não
possuem condições sejam elas financeiras ou psicológicas, ou
ainda, que não querem por quaisquer motivo assumir seus fi-
lhos. Objetivo. O objetivo deste artigo é expor que, apesar de
não estar previsto de forma expressa, o parto anônimo é um
assunto de extrema importância, pois possui como fim garantir
direitos constitucionalmente positivados e acelerador ao sis-
tema de adoção utilizado atualmente, que apesar de apresen-
tar pontos positivos, não há como não criticar a mora e a bu-
rocracia que se submete a genitora, a criança que espera por
um lar e a família substituta que anseia a conclusão do pro-
cesso com êxito. Método. Este estudo baseou-se em uma
abordagem qualitativa de pesquisa, de caráter exploratório,
por meio de uma pesquisa bibliográfica. Essa pesquisa torna-
se qualitativa, pois tem seu foco em uma análise no parto anô-
nimo, no abandono de crianças e o aborto ilegal no Brasil, pro-
curando concentrasse na qualidade de vida da genitora e da
criança, ou seja, de que modo o mesmo pode afetar positiva-
mente ou negativamente na vida de milhares de pessoas no
Brasil. Resultados. O propósito da instituição do Parto Anô-
nimo no Brasil, aparece como alternativa para resguardar a
dignidade e a integridade física e psíquica de crianças aban-
donadas pelas mães, como forma de colocação em família
substituta, garantindo, dessa forma, o direito ao convívio fami-
liar, e assegurando as mães que não pretendem ficar com os
filhos um direito digno de acompanhamento e não responder
por ato de abandono pela justiça brasileira. Conclusão. O que
se pretende não é esconder a maternidade socialmente rejei-
tada, mas garantir a liberdade à mulher de ser ou não mãe do
filho que gerou, com amplo acesso à rede pública de saúde.
As crianças terão, a partir de então, resguardadas o direito à

110
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

vida, à saúde e à integridade e potencializado o direito à con-


vivência familiar.

Palavras-chave: parto anônimo; criança; maternidade; mulher;


saúde.

ABSTRACT

Introduction. he present study deals with the bills related to the


institute of anonymous childbirth that offer proposals for the
inhumane abandonment of newly ill children as well as priority
treatment for pregnant women who do not have financial or
psychological conditions, or who do not want to The present
study deals with the bills related to the institute of anonymous
childbirth that offer proposals for the inhumane abandonment
of newly ill children as well as priority treatment for pregnant
women who do not have financial or psychological conditions,
or who do not want to any reason take your children. Goal. The
objective of this article is to expose that, although it is not ex-
pressly foreseen, anonymous childbirth is an extremely impor-
tant subject, as its purpose is guarantee constitutionally affir-
med rights and accelerate the adoption system currently used,
which despite having positive points, there is no way to not to
criticize the delay and bureaucracy that the mother submits,
the child who is waiting for a home and the surrogate family
that longs for the conclusion of the process with success. Me-
tod. This study was based on a qualitative research approach,
of an exploratory nature, through a bibliographic research. This
research becomes this is a qualitative study, as it focuses on
an analysis of anonymous childbirth, child abandonment and
illegal abortion in Brazil, seeking to concentrate on the quality
of life of the mother and child, that is, how it can positively or
negatively affect the lives of thousands of people in Brazil. Re-
sults. The purpose of the institution of anonymous childbirth in

111
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

Brazil appears as an alternative to safeguard the dignity and


physical and psychological integrity of children abandoned by
the mothers, as a form of placement in a substitute family, thus
guaranteeing the right to family life, and ensuring that the
mothers do not they intend to keep their children a right worthy
of accompaniment and not answer for an act of abandonment
by the Brazilian Justice. Conclusion. The aim is not to hide the
socially rejected motherhood, but to guarantee the freedom of
the woman to be or not the mother of the child she has gene-
rated, with wide access to the public health network. From then
on, children will have their right to life, health and integrity sa-
feguarded, and their right to coexistence will be strengthened
familiar.

Keywords: anonymous childbirth; child; motherhood; woman;


health.

INTRODUÇÃO

Este artigo discute sobre o crescente número de abor-


tos e crianças abandonadas no país, e consequentemente so-
bre o propósito da instituição do Parto Anônimo no Brasil, o
qual aparece como alternativa para resguardar a dignidade e
a integridade física e psíquica de crianças abandonadas pelas
mães, como forma de colocação em família substituta, garan-
tindo, dessa forma, o direito ao convívio familiar, e assegu-
rando as mães que não pretende ficar com os filhos um direito

112
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

digno de acompanhamento e não responder por ato de aban-


dono pela justiça brasileira, temas estes já amparado na Cons-
tituição Federal de 1988 e no E.C.A – Estatuto da Criança e
do Adolescente.
A partir do momento em que se defende o parto anô-
nimo, defende também o direito de resguardar a criança da
subsistência, pois evita o abandono e consequente a morte,
bem como o seu direito a viver com dignidade, ao permitir que
a criança tenha um lar de afeto. Em nosso ordenamento jurí-
dico, a doutrina da proteção da criança foi dotada pela Consti-
tuição em seu artigo 227, que preconiza pela proteção espe-
cial e prioritária, colocando não só a família, mas a sociedade
e o Estado como dever de garantir este direito.
A pergunta de pesquisa que norteia este estudo é:
Como o ordenamento jurídico protege o parto anônimo? O pri-
meiro Projeto de Lei n° 2747/2008, foi apresentado em 11 de
fevereiro de 2008 pelo então Deputado Eduardo Valverde (PT-
Rondônia), que destaca a criação de mecanismos para coibir
o abandono materno. Já o segundo Projeto de Lei n°
3.220/2008, foi proposto após um amplo debate pelo IBDFAM,
e foi apresentado em 09 de abril de 2008 por iniciativa do en-
tão Deputado Sérgio Barradas Carneiro (PT- Bahia), que des-
taca regular o direito ao parto anônimo.
É de suma importância esclarecer que, os projetos de

113
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

lei supracitados, tem o objetivo de instituir no Brasil a possibi-


lidade que a mãe tem de manter-se no anonimato, não sendo
declarada sua identidade antes e após o parto, o que, por con-
sequência, não seria assumida a maternidade da criança que
gerou.
Assim, explica-se que, o instituto do parto anônimo visa
evitar os filhos indesejados para não serem vítimas de aban-
dono, aborto ou infanticídio, e seja assegurado à mãe o direito
ao anonimato. Em suma, o presente trabalho pretende contri-
buir para o debate acerca do parto anônimo no Brasil, anali-
sando as principais mudanças decorrentes de sua implemen-
tação.

3.1 ORIGEM DO PARTO ANÔNIMO

Para dá-se início neste artigo vejamos um breve con-


ceito de Parto Anônimo dado por Daniele Bogado Bastos de
Oliveira (2010, web) com base nos Projetos de Lei brasileiro
n° 3.320/08 e 2.747/08:

A ideia do parto anônimo é permitir à mulher,


sem se identificar, dar à luz e/ou entregar o bebê
para a adoção no próprio hospital (que, por
exemplo, teria berços com sensores) o que po-
deria acontecer em dois momentos: depois do
nascimento, quando a mãe deixa o filho em por-

114
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

tinholas nos hospitais destinadas a este fim e an-


tes do nascimento quando a mãe comparece no
hospital declarando que não quer a criança, que-
rendo realizar o pré-natal e o parto sem ser iden-
tificada. E ai, neste segundo, caso a gestante te-
ria acompanhamento psicossocial, bem como
explicação das consequências jurídicas de seu
ato e da importância dos filhos terem conheci-
mento das próprias origens. [...]. Trata-se, então,
da possibilidade da mãe biológica não assumir a
maternidade da criança que gerou, ficando isenta
de qualquer responsabilidade.

O parto anônimo é um termo novo, mas sua essência é


antiga, e surgiu na idade média como roda dos expostos ou
roda dos enjeitados. Esse instituto, encontrou na França e na
Itália o pioneirismo da iniciativa, a qual foi estendida a outros
países europeus. Teve início no Brasil por intermédio de Por-
tugal, nos meados de 1950.
O instituto do parto anônimo no Brasil começou a ser
discutido quando alguns Projetos de Lei perante ao Congresso
Nacional foram apesentados. Na idade média ele era conhe-
cido como “roda dos enjeitados” ou “roda dos expostos” onde
as mães que não queriam seus filhos por quaisquer motivos
colocasse-os em um determinado artefato e num movimento
a criança era colocada no interior de determinada instituição.
Laura Affonso da Costa Levy (2010, web) esclarece
que:

115
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

O nome roda se deu pelo fato de ser fixado no


muro ou na janela, normalmente das Santas Ca-
sas de Misericórdias, hospitais ou conventos, um
artefato de madeira no qual era colocada a cri-
ança e mediante um giro era conduzida ao inte-
rior daquelas dependências. Um toque a campa-
inha, ou um badalar de sino era o sinal de que
mais uma criança se encontrava na “roda” e que
quem a colocou não queria ser identificada.

Com o intuito de diminuir o alto índice no abandono de


crianças recém-nascidas, alguns países como a Áustria,
França, Itália, Luxemburgo, Bélgica, Estados Unidos e dentre
outros, instituíram um mecanismo legislativo denominado
“parto anônimo”, cujo objetivo é oferecer às mães que desejam
abandonar seus filhos de forma clandestina, ou ainda promo-
ver um aborto, a alternativa de deixá-lo no próprio hospital
onde der à luz, para assim ser encaminhado para adoção, pre-
servando o sigilo da identidade da genitora. (Terto, 2015).
Essa roda dos expostos foi a primeira iniciativa do po-
der público de atendimento a criança, pois histórias de aban-
dono sempre foram realidade mundial. Então entende-se por
parto anônimo o direito que toda mulher/mãe tem de entregar
o seu filho de forma sigilosa e voluntaria para a adoção a outra
família. Devendo todo o processo ser intermediado pelo Es-
tado seguindo o trâmite legal, pois com isso haverá a garantia
da proteção tanto dos genitores quanto da criança.
Atualmente, em pleno século XXI, o Brasil se encontra

116
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

em condições trágicas em relação ao abandono de recém-


nascidos. Diariamente, a mídia noticia abandonos de diversas
maneiras. Mães sem nenhuma estrutura, tanto financeira,
quanto psicológica, abandonam seus filhos em becos, sacos
de lixos, quintais ou até mesmos jogados as margens de ro-
dovias. Se observarmos de uma maneira mais minuciosa, es-
ses atos são constantes, e estão ligados a várias questões
principalmente as socioeconômicas.
A Lei do parto anônimo garante a proteção tanto do re-
cém-nascido, quanto da mãe, pois se os órgãos competentes
acompanharem essas mulheres, durante todo o seu pré-natal
e durante o parto, consequentemente diminuiria o número de
abortos, e evitaria com que na busca desesperada por uma
solução, colocassem a própria vida em risco com ingestão de
altas doses de medicamentos ou então se submeterem a pas-
sar por procedimentos que na maioria dos casos são realiza-
dos em clínicas clandestinas.

3.1.1 O PARTO ANÔNIMO E O DIREITO

Dos Direitos e Garantias Fundamentais constitucionais,


do direito à vida, à liberdade, à igualdade, (art. 5°, CF/88). Da
não discriminação entre os filhos da relação do casamento ou
fora dele, ou por adoção disciplinada no § 6º, artigo 227 da

117
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

mesma Constituição. A família ganhou garantias nos sujeitos


que a compõem, passando a garantir judicialmente os pactos
afetivo-jurídicos que se celebra com as comunidades do
afeto, a exemplo das famílias decorrentes de adoção, como
ensina Paulo Luiz Netto Lôbo:

O afeto não é fruto da biologia. Os laços de


afeto e de solidariedade derivam da convivência
e não do sangue. A história do direito à filiação
confunde-se com o destino do patrimônio fami-
liar, visceralmente ligado à consangüinidade le-
gítima. Por isso, é a história da lenta emancipa-
ção dos filhos, da redução progressiva das de-
sigualdades e da redução do quantum despó-
tico, na medida da redução da patrimonialização
dessas relações. O desafio que se coloca aos
juristas, principalmente aos que lidam com o di-
reito de família, é a capacidade de ver as pes-
soas em toda sua dimensão ontológica, a ela su-
bordinando as considerações de caráter bioló-
gico ou patrimonial. Impõe-se a materialização
dos sujeitos de direitos, que são mais que ape-
nas titulares de bens. A restauração da primazia
da pessoa humana, nas relações civis, é a con-
dição primeira de adequação do direito à reali-
dade e aos fundamentos constitucionais. (2000,
p.56).

Lôbo (2008, p. 37) divide os princípios jurídicos aplicá-


veis ao Direito de Família em “fundamentais e gerais ao qual
refere ao melhor interesse da criança, onde entra o debate
acerca do parto anônimo: o princípio maior da dignidade hu-

118
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

mana, o do melhor interesse da criança e o princípio da afeti-


vidade”.
O propósito da instituição do Parto Anônimo no Brasil,
o qual aparece como alternativa para resguardar a dignidade
e a integridade física e psíquica de crianças abandonadas pe-
las mães, como forma de colocação em família substituta, ga-
rantindo, dessa forma, o direito ao convívio familiar, e assegu-
rando as mães que não pretende ficar com os filhos um direito
digno de acompanhamento e não responder por ato de aban-
dono pela justiça brasileira, temas estes já amparado na Cons-
tituição Federal de 1988 e no E.C.A – Estatuto da Criança e
do Adolescente.
As tentativas de regulamentar o Parto Anônimo no Bra-
sil, através dos Projetos de Leis n° 2.747, 2.834 e 3.220 todos
do ano 2008, projetos estes encaminhados para apreciação
pelos Deputados Eduardo Valverde, Carlos Bezerra e Sérgio
Barradas Carneiro, porém não foram aprovadas. A publicação
do DCD (Diário da Câmara dos Deputados) de 8 de junho de
2011, confirma e justifica seu arquivamento:

Os projetos contrariam a Convenção sobre os Di-


reitos da Criança, ratificada pelo Brasil em 1990,
que em seu art. 7º garante aos filhos o direito de
conhecer os pais, ser educada por eles, bem
como o direito de preservar sua identidade e
suas relações familiares, previsto no art. 8º
dessa Convenção. Um outro dado é a contramão

119
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

das proposições em relação à Lei máxima do


país sobre infância e adolescência, o Estatuto da
Criança e do Adolescente (Lei nº 8.069, de
1990), que entre outras determinações, prevê:
(citados os artigos 10, 15 e 17, ECA, DCD,
08/06/2011). (Diário da Câmara dos Deputados,
jun. 2011).

O parto anônimo, ao buscar a proteção do direito à vida


e da personalidade humana, segue a esteira de que, indepen-
dente da atitude que se tome, é um dever de todos manterem
uma luta constante em favor do respeito à dignidade do ho-
mem, aos princípios e valores fundamentais previstos e garan-
tidos através do Estatuto da Criança e do Adolescente em
seus artigos 19 e 19A:

Art. 19. É direito da criança e do adolescente ser


criado e educado no seio de sua família e, ex-
cepcionalmente, em família substituta, assegu-
rada a convivência familiar e comunitária, em
ambiente que garanta seu desenvolvimento in-
tegral.
Art. 19-A. A gestante ou mãe que manifeste inte-
resse em entregar seu filho para adoção, antes
ou logo após o nascimento, será encaminhada à
Justiça da Infância e da Juventude. O direito da
gestante de entregar seu filho para adoção, o di-
reito a criança a vida, a uma família substituta, é
assegurada pela constituição e aparada pela Lei
do Estatuto da Criança e do Adolescente. (Brasil,
1990).

120
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

O direito à vida é o mais fundamental de todos os direi-


tos e constitui-se pré-requisito à existência e exercício de to-
dos os demais direitos. Aparado na Constituição de 1988, Di-
niz (2001) diz:

O direito à vida, por ser essencial ao ser humano,


condiciona os demais direitos da personalidade.
A Constituição Federal de 1988, em seu artigo
5º, caput, assegura a inviolabilidade do direito à
vida, ou seja, a integralidade existencial, conse-
quentemente, a vida é um bem jurídico tutelado
como direito fundamental básico desde a con-
cepção, momento específico, comprovado cien-
tificamente de formação da pessoa. Se assim é,
a vida humana deve ser protegida contra tudo e
contra todos, pois é objeto de direito personalís-
simo. O respeito a ela e aos demais bens ou di-
reitos correlatos decorre de um dever abso-
luto erga omnes por sua própria natureza, ao
qual a ninguém é lícito desobedecer. (...) Garan-
tido está o direito à vida pela norma constitucio-
nal em cláusula pétrea, que é intangível, pois
contra ela nem mesmo há o poder de emendar.
(...) A vida é um bem jurídico de tal grandeza que
se deve protegê-lo contra a insânia coletiva, que
preconiza a legalização do aborto, a pena de
morte e a guerra, criando-se normas impeditivas
da prática de crueldades inúteis e degradantes.
(2001, p. 22).

É nesse sentido que o Estatuto da Criança e do Ado-


lescente propõe a proteção à vida, pois, em seu artigo 7º fala
que “a criança e adolescente têm direito à vida e à saúde, me-
diante a efetivação de políticas sociais públicas que permitam

121
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

o nascimento e o desenvolvimento sadio e harmonioso, em


condições dignas de existência”. Já o art. 19. Diz que “toda
criança e adolescente tem direito a ser criado e educado no
seio da sua família e, excepcionalmente, em família substi-
tuta”, a ligação entre o direito à vida e à dignidade é, portanto,
ligada a uma possível adoção.
Segundo o escritor Moraes, (2000) os projetos de lei
que tentam instituir o parto anônimo condiz com essa perspec-
tiva de defesa da vida, pois visam à sua garantia, a partir do
momento em que garantem ao nascituro o direito à existência
e à integridade física, evitando que a criança seja abandonada
pelo genitor que não deseja firmar a parentalidade. (Moraes,
2000).
A partir do momento em que se defende o parto anô-
nimo, defende também o direito de resguardar a criança da
subsistência, pois evita o abandono e consequente a morte,
bem como o seu direito a viver com dignidade, ao permitir que
a criança tenha um lar de afeto. Em nosso ordenamento jurí-
dico, a doutrina da proteção da criança foi dotada pela Consti-
tuição em seu artigo 227, que preconiza pela proteção espe-
cial e prioritária, colocando não só a família, mas a sociedade
e o Estado como dever de garantir este direito.

Art. 227. É dever da família, da sociedade e do


Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao

122
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida,


à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à
profissionalização, à cultura, à dignidade, ao res-
peito, à liberdade e à convivência familiar e co-
munitária, além de colocá-los a salvo de toda
forma de negligência, discriminação, exploração,
violência, crueldade e opressão.
§ 1º O Estado promoverá programas de assistên-
cia integral à saúde da criança, do adolescente e
do jovem, admitida a participação de entidades
não governamentais, mediante políticas especí-
ficas e obedecendo aos seguintes preceitos:
I – aplicação de percentual dos recursos públicos
destinados à saúde na assistência materno-in-
fantil;
II - criação de programas de prevenção e atendi-
mento especializado para as pessoas portadoras
de deficiência física, sensorial ou mental, bem
como de integração social do adolescente e do
jovem portador de deficiência, mediante o treina-
mento para o trabalho e a convivência, e a facili-
tação do acesso aos bens e serviços coletivos,
com a eliminação de obstáculos arquitetônicos e
de todas as formas de discriminação. (Brasil,
1988).

A proteção integral da criança não se encontra apenas


no artigo 227 da Constituição Federal, mas está prevista tam-
bém nos artigos do Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei
n.º 8.069 de 13 de julho de 1990). Pela proteção integral da
criança, entende-se que primeiramente à família, a sociedade
e ao Estado, cabem a responsabilidade em ofertar à criança
todas as medidas que lhe oportunizem um desenvolvimento
físico, psíquico e social necessário e satisfatório à defesa e
promoção de seus direitos, de maneira diferenciada, global e

123
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

especializada.
Com o reconhecimento do afeto como princípio jurídico
norteador das relações de filiação e a necessidade de se con-
ferir valorização e pleno desenvolvimento da criança e sua
personalidade, o parto em anonimato constitui uma efetivação
da doutrina da proteção integral da criança, à medida em que
lhe garante a possibilidade de ser inserida em uma família,
oferecendo-lhe vida com dignidade, evitando a mácula do
abandono trágico, a tentativa do infanticídio ou o aborto crimi-
noso, garantindo-lhe, enfim, o seu melhor interesse. (Diniz,
2001).
Albuquerque (2010) bem revela a necessidade de en-
frentar o parto anônimo como uma política pública voltada ao
melhor interesse da criança, pois o parto anônimo deve ser
enfrentado não só como uma alternativa para evitar o aborto e
assegurar o anonimato da mãe, mas também como uma polí-
tica pública de proteção à criança. Para assegurar os direitos
constitucionais, das mães e das crianças, os Projetos de Leis,
2.747, 2.834, 3.220/2008, justificam-se pelo abandono de re-
cém-nascidos, em lixões, beira de estrada, porta de casas
desconhecidas, tornando-se uma realidade recorrente.
A Lei do parto anônimo protege as mulheres angustia-
das, desesperadas com uma gravidez indesejada, que come-
tem o aborto, podendo matar até a si próprias com ingestão

124
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

de medicamentos e em clinicas clandestinas ou, até mesmo,


o infanticídio tendo como escopo um acompanhamento por um
rápido processo de adoção da criança por uma família. Este
rápido processo de adoção da criança servirá para que ela não
fique esperando por anos dentro de um abrigo, sem uma fa-
mília que possa dar o que ela precisa e merece, pois há muitas
que querem fazer adoção, mas o processo no Brasil é por de-
mais demorado. (Albuquerque, 2010).
Para tanto, muitos doutrinadores abordam a cultura do
Brasil no que diz respeito ao entendimento de “família” e nesse
sentido, Fachin, (1999) ressalta que:

A família como fato cultural, está antes do Di-


reito e nas entrelinhas do sistema jurídico. Mais
que fotos nas paredes, quadros de sentido, pos-
sibilidades de convivência. Na cultura, na histó-
ria, prévia a códigos e posterior a emoldurações.
No universo jurídico, trata-se mais de um mo-
delo de família e de seus direitos. Vê-la tão só
na percepção jurídica do Direito de Família é
olhar menos que a ponta de um “iceberg”. Ante-
cede, sucede e transcende o jurídico, a família
como fato e fenômeno. (p. 14).

Dessa forma, Fachin (1999), enaltece o instituto da fa-


mília e nesse sentido, elevam-se alguns questionamentos a
respeito do parto anônimo, se este encontra respaldo jurídico,
se de fato é a solução para o abandono de recém-nascidos

125
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

por suas genitoras, ou o parto anônimo está ligado a imple-


mentação de políticas públicas? Sabe-se que todos esses
questionamentos são pertinentes e encontra-se resposta na
sociedade, no Estado, nas Políticas Públicas e nos próprios
cidadãos brasileiros.

3.2 ASPECTOS DESTACADOS DOS PROJETOS DE LEI


SOBRE O PARTO ANÔNIMO NO BRASIL

Primeiramente, importante destacar-se que, na tenta-


tiva de solucionar um problema de muita complexidade corres-
pondente ao abandono materno e paterno, e buscando ainda,
proteger a criança por um possível abandono, foi apresentado
perante o Congresso Nacional dois Projetos de Lei que dispõe
sobre o Parto Anônimo.
O primeiro Projeto de Lei n° 2747/2008, foi apresentado
em 11 de fevereiro de 2008 pelo então Deputado Eduardo Val-
verde (PT- Rondônia), que destaca a criação de mecanismos
para coibir o abandono materno. Já o segundo Projeto de Lei
n° 3.220/2008, foi proposto após um amplo debate pelo IB-
DFAM, e foi apresentado em 09 de abril de 2008 por iniciativa
do então Deputado Sérgio Barradas Carneiro (PT- Bahia), que
destaca regular o direito ao parto anônimo.

126
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

É de suma importância esclarecer que, os projetos de


lei supracitados, tem o objetivo de instituir no Brasil a possibi-
lidade que a mãe tem de manter-se no anonimato, não sendo
declarada sua identidade antes e após o parto, o que, por con-
sequência, não seria assumida a maternidade da criança que
gerou.
Assim, explica-se que, o instituto do parto anônimo visa
evitar os filhos indesejados para não serem vítimas de aban-
dono, aborto ou infanticídio, e seja assegurado à mãe o direito
ao anonimato.
Nesse sentido, dispõem os Projetos-de-Lei
n.°2.747/2008 e n.°3.220/2008, respectivamente:

Artigo 4°. A rede do SUS garantirá a mãe, antes


do nascimento, que comparecer aos Hospitais
declarando que não deseja a criança, contudo,
quer realizar o pré-natal e o parto, sem ser iden-
tificada. Artigo 2°. É assegurada à mulher, du-
rante o período da gravidez, ou até o dia em que
deixar a unidade de saúde após o parto, a possi-
bilidade de não assumir a maternidade da cri-
ança que gerou.

Os projetos de lei citados a cima apresentam algumas


poucas semelhanças, no entanto isentam a mãe de qualquer
responsabilidade civil ou criminal, sendo que, neste último
caso, somente o Projeto-de-Lei n° 3.220/2008, excetua a hi-
pótese prevista no artigo 123 do CP: matar sobre a influência

127
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

do estado puerperal, o próprio filho, durante o parto, ou logo


após.
Dessa forma, Fernanda Molinari tem entendido sobre a
proposta dos Projetos-de-Lei, senão vejamos:

O primeiro (PL n° 2.747/08) não define a expres-


são “parto anônimo”, limitando-se a dizer que são
asseguradas à mulher condições para a sua rea-
lização, garantindo-lhe acompanhamento psico-
lógico; o segundo (PL n° 3.220/08), por sua vez,
afirma ser assegurado à mulher, durante o perí-
odo da gravidez ou até o dia de deixar a unidade
de saúde, após o parto, a possibilidade de não
assumir a maternidade da criança que gerou,
sendo lhe oferecido atendimento psicossocial.
(2010, p. 106)

Nesta mesma esteira, com base nos projetos de lei


apresentados ao Congresso Nacional (PL n°2.747/08 e PL
n°3.220/08), Fernanda Molinari aponta que:

Segundo o primeiro projeto, a responsabilidade


pelas formalidades e encaminhamentos à ado-
ção será dos médicos e enfermeiros que aco-
lhem a criança abandonada, bem como do dire-
tor do hospital, sem mencionar a participação do
Juizado da Infância e Juventude. Para o se-
gundo, os profissionais da saúde que acolherem
o bebê, assim como a direção do hospital ou uni-
dade de saúde onde ocorreu o nascimento, ou
onde a criança foi deixada, serão responsáveis
pelas formalidades e o encaminhamento da cri-
ança ao juizado, consoante dispõe o artigo 14.
Deverá ainda, pelo segundo projeto, a unidade
de saúde onde ocorreu o nascimento, no prazo
máximo de 24 horas, informar o fato ao Juizado

128
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

da Infância e Juventude da Comarca, por meio


de formulário próprio, e, tão logo tenha condições
médicas, a criança deve ser encaminhada ao lo-
cal indicado pelo mesmo Juizado. (2010, p. 106-
107).

É importante deixar esclarecido que, de acordo com o


Projeto de Lei n.°3.220/08, o registro da criança nascida de
Parto Anônimo deverá ser realizado pelo Juizado da Infância
e Juventude, contendo um registro civil provisório, em que
constará um prenome. Destaca-se que este projeto concede à
mãe o direito de escolher o nome que será dado a criança
“abandonada”. Já o Projeto de Lei n°2.747/08 é omisso a tais
questões, deixando implícito que a criança somente será re-
gistrada quando for concretizada a adoção.
O artigo 226, §7º da Constituição Federal Brasileira
consagrou o direito ao planejamento familiar, determinando ao
Poder Público o dever de promoção, de forma não coercitiva,
de ações preventivas e educativas, com o objetivo de informar
a sociedade sobre meios, métodos e técnicas disponíveis para
a regulação da fecundidade.
Tal diretriz constitucional foi regulamentada através da
Lei nº 9.263/1996, que veda qualquer controle demográfico e
determina que o Sistema Único de Saúde preste, a partir de
sua rede de serviços, atenção integral à saúde de mulheres,
homens e casais, em todos os níveis, tais como assistência à

129
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

concepção e à contracepção; ao atendimento pré-natal; à as-


sistência ao parto, ao puerpério e ao neonato, dentre outros.
A despeito das disposições legais, o que se percebe na
prática é a pouca vontade do Estado em promover políticas
públicas nesse sentido, tais como a educação sexual, princi-
palmente para adolescentes, e a melhoria do acesso aos mé-
todos contraceptivos eficazes.

3.2 O DIREITO DA MULHER SOBRE A LIVRE ESCOLHA


DE EXERCER OU NÃO A MATERNIDADE

De uma maneira geral, a gravidez e o nascimento de


uma criança são momentos mágicos da vida de uma mulher
(ou não); um período de descobertas e de afirmação da auto-
nomia feminina. Entretanto, nem sempre é assim, isso porque
existem situações em que a mulher não se sente preparada
para assumir tamanha responsabilidade, seja por questões fi-
nanceiras; seja em decorrência da falta de apoio do pai da cri-
ança, que, na maioria das vezes, acaba abandonando-a no
momento em que descobre a gravidez; seja por ter uma família
desestruturada; seja por medo de perder o emprego; e outras
tantas razões, que muitas vezes não fazem sentido.

130
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

A imagem de uma mulher, responsável pela administra-


ção do lar e pela criação dos filhos, elemento de uma institui-
ção familiar sacralizada, ainda está muito arraigada a precei-
tos antigos que normalmente passam de geração em geração,
e acaba influenciando a incapacidade da sociedade compre-
ender os motivos do seu desejo de não assumir a materni-
dade, etiquetando-a com uma expressão carregada de pre-
conceito, e cria-se então um estigma que carregará consigo
até o final de sua vida.
Nesse sentido, não se pode impor àquela que não ti-
nha planos de engravidar um papel que não deseja exercer, o
de ser mãe, pois isto violenta a própria razão de ser da mater-
nidade e acaba por prejudicar gravemente quem, na verdade,
deveria ser protegida: a criança, que consequentemente so-
frerá durante toda a sua vida o constrangimento de ser criada
por aquela que lhe rejeita desde o seu nascimento.
A verdade é que nem toda mulher nasce predestinada
a oferecer o amor que uma criança necessita. Cada uma reage
de uma forma muito particular ao nascimento de um filho, po-
dendo ocorrer situações em que o próprio ato de entrega se
traduz num mais belo gesto de amor, que apesar de muitas
vezes pode também ser carregado de dor e sofrimento pela
perda.
Sem falsas romantizações, devemos aceitar que essa

131
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

desvinculação também pode ser um momento de alívio, após


uma gestação não planejada, que na maioria de seus casos é
fruto de abuso, e é causadora de um forte sentimento de ne-
gação experimentado pela grávida.
Assim, considerando que o amor materno não está
atrelado à condição de mulher, deve-se assegurar a esta, em
respeito à sua autonomia enquanto ser humano, a liberdade
de, consciente e convenientemente, fazer suas próprias esco-
lhas.

3.4 O PARTO ANÔNIMO COMO INSTRUMENTO DE SAL-


VAMENTO DE VIDAS

De acordo com uma pesquisa obtida pelo UOL de 2015


a julho de 2021, 18,7 mil crianças e adolescentes entre 0 e 18
anos deram entrada em serviços de acolhimento por aban-
dono pelos pais ou responsáveis. Ao todo, o país tem hoje
29,2 mil crianças e adolescentes em 4.594 abrigos. Em média,
8 crianças são abandonadas por dia no país. Muitos bebês são
encontrados ainda com o cordão umbilical.
De acordo com o artigo 134 do Código Penal, o respon-
sável por abandonar uma criança pode receber uma pena de
detenção de 6 meses a 3 anos, e em casos de abandono, é
difícil encontrar o responsável, porque é crime. Se todas as

132
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

mães soubessem que estão amparadas pela lei para entregar


a criança às Varas da Infância, isso não aconteceria, o que
diminuiria drasticamente o número de crianças abandonadas
jogadas as ruas, em extrema vulnerabilidade.
“As situações de abandono mais comuns são bebês en-
contrados até no lixo, ou crianças e adolescentes andando nas
ruas depois de fugir de casa. Até localizarmos os pais, a gente
coloca em acolhimento. Às vezes, os pais deixam em hospitais
crianças que têm graves problemas de saúde”, explica a juíza
Katy Braun do Prado, da Vara da Infância, da Adolescência e
do Idoso de Campo Grande (MS).
Daí vemos a necessidade de criar através do Poder Le-
gislativo, soluções que garantam uma efetiva proteção jurídica
desse bem maior, como seria o caso, dentre outras possíveis
iniciativas, da implementação do parto anônimo ou de uma de
suas derivações no ordenamento jurídico luso-brasileiro.
Isto porque, o principal objetivo do parto anônimo, é ga-
rantir não só o direito de o nascituro ter sua vida preservada,
nascendo em condições dignas de existência, mas também
evitar que sua genitora se submeta a procedimentos sem as
mínimas condições obstétricas, causando também risco a sua
própria vida. Por tudo isso, e para a preservação não só de
uma vida, e sim de milhares, melhor seria garantir à criança a

133
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

oportunidade de nascer em condições dignas, e de ser inse-


rida num ambiente formado por indivíduos que estarão ansio-
sos para lhe amar desde os seus primeiros dias de existência.

3.5 ENTREGAR AO INVÉS DE ABORTAR CLANDESTINA-


MENTE

O abortamento é a interrupção precoce de uma gesta-


ção antes que o feto seja capaz de sobreviver fora do corpo
da mãe. O aborto pode ocorrer de maneira intencional ou de
maneira totalmente espontânea, sendo, em ambos os casos,
um processo doloroso para a mulher. É importante destacar
que o aborto intencional é uma pratica proibida no Brasil e tal
conduta é criminalizada.
Segundo dados de pesquisa publicada no periódico
The Lancet e replicados pela Organização Mundial da Saúde,
em todo o mundo, entre os anos de 2010 e 2014, foram reali-
zados em média 25 milhões de abortos induzidos clandestinos
por ano, havendo a estimativa de que 30 mulheres a cada cem
mil que realizaram abortos desta natureza evoluíram a óbito,
em regiões desenvolvidas, aumentando para 220 mortes a
cada cem mil interrupções voluntárias de gestações em regi-
ões em desenvolvimento.
No Brasil, apesar da prática ser, em regra, ilegal, muitas
mulheres, que não têm condições de criar um filho e, mesmo

134
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

assim, não fazem uso de métodos contraceptivos, em muitos


casos por falta de conhecimento, acabam recorrendo à inter-
rupção da gravidez por meio de clínicas clandestinas, com
péssimas condições sanitárias.
O programa de televisão brasileiro “Fantástico”, no dia
06 de outubro de 2019, noticiou a história da universitária de
jornalismo que havia montado um esquema de abortos provo-
cados clandestinos, realizados em quartos de hotéis, em Belo
Horizonte, capital de Minas Gerais. Segundo as investigações,
antes da descoberta desta atividade, mais de duzentas inter-
rupções de gravidezes ilegais já haviam sido realizadas, num
período de três anos.
O preço era tabelado de acordo com o tempo de gesta-
ção e variava entre R$ 3.000,00 (três mil reais) e R$ 8.000,00
(oito mil reais), sendo o procedimento escuso realizado a partir
da ministração de medicamento usado no meio veterinário.
De acordo com a base de dados do Ministério da Sa-
úde do Brasil, nos últimos dez anos, o Sistema Único de Sa-
úde registrou, em uma média anual, duzentas mil internações
hospitalares de mulheres que deram entrada manifestando al-
gum tipo de sequela derivada de procedimento de aborta-
mento. Ainda, 796 (setecentos e noventa e seis) mulheres
morreram, entre os anos de 2008 e 2018, em decorrência de
todos os tipos de abortamentos, ou seja, uma média anual de

135
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

aproximadamente 80 mulheres evoluem a óbito no sistema ofi-


cial de saúde, em decorrência de procedimentos abortivos,
muitos deles ilegais. Segundo reportagem do site de notícias
G1, só no primeiro semestre do ano de 2020, conforme dados
do Ministério da Saúde do Brasil, foram realizadas 80.948 cu-
retagens e aspirações, procedimentos que geralmente tem re-
lação com a interrupção de gravidez provocada.
Por tudo visto até aqui, imagino que a institucionaliza-
ção do parto anônimo, ou de uma das figuras derivativas já
estudadas, encontraria menos resistência na casa de leis, ser-
vindo de alternativa àquelas mulheres que desde o período
gestacional manifestam o interesse em não estabelecer qual-
quer relação jurídica com o neonato, servindo aquela figura
jurídica como um mecanismo de resguardo para a vida de mi-
lhares de grávidas e nascituros, a partir da manutenção da
gravidez até o nascimento.

3.6 O PARTO ANÔNIMO COMO MELHORAMENTO NO


PROCESSO DE ADOÇÃO

A legalização do parto anônimo no Brasil também teria


o benefício de dar celeridade aos processos de adoção, que
são caracterizados por um rito eivado de morosidade e buro-

136
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

cracia, o que acaba desmotivando a maioria dos futuros ado-


tantes, que precisam enfrentar muitos obstáculos, até se tor-
narem juridicamente pais da criança adotada. Isso porque,
pelo procedimento atualmente adotado em nosso território,
ainda que a mulher manifeste o desejo de não exercer a ma-
ternidade, ela deverá necessariamente registrar a criança em
seu nome, formando um vínculo jurídico materno, antes de en-
tregá-la para adoção.
Enquanto essas crianças aguardam os futuros adotan-
tes, uma considerável quantidade de crianças passam a viver
institucionalizada em um abrigo público, geralmente com pés-
sima estrutura e com uma quantidade de crianças acima do
suportado pela instituição, por um longo período, sofrendo um
estado de angústia e ansiedade à espera de um novo lar, sa-
bedoras de que, quanto maior o tempo de acolhimento, menor
será a chance de serem escolhidas, haja vista que os candi-
datos à adoção têm preferência por crianças de pouca idade.
Essa preferência por recém-nascidos ocorre em decor-
rência da ânsia dos pretendentes à adoção em vivenciar todas
as fases de desenvolvimento da criança, diminuindo, por con-
sequência, qualquer tipo de sequela psicológica e emocional
que este possa ter sofrido até a sua desvinculação da família
natural.

137
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

Especificamente em relação ao sistema de normas bra-


sileiro, outro fator que, é pernicioso para a rápida solução da
situação jurídica da criança abandonada, é a positivação da
adoção como medida excepcional, primando o Estatuto da Cri-
ança e do Adolescente brasileiro pela manutenção do menor
na família biológica (natural ou extensa), conforme disposto no
artigo 39, §1º da referida lei.
Considerando os fatos expostos acima, acredito que a
legalização do parto anônimo ou de uma de suas derivações
teria o benefício de, em hipóteses excepcionais, simplificar o
sistema de adoção, no Brasil, a partir da criação de um proce-
dimento mais eficaz, que agilizaria a entrega da criança à nova
família, na medida em que não haveria a necessidade de pri-
meiramente se encerrar um vínculo legal preexistente.
Em suma, com a indicação da mulher pela preferência
ao nascimento anônimo, o recém-nascido seria registrado
sem a indicação parental e, logo após seu nascimento seria
cadastrado no sistema de adoção. Assim, a genitora que cla-
ramente demonstrar o interesse de desvincular-se do bebê sai
de cena, passando tal função a ser ocupada por ascendentes
sócio afetivos, que deveram ser devidamente inscritos no ca-
dastro de adoção.
Logo após ser manifestada a vontade dos adotantes em
incluir a criança em seus respectivos projetos parentais, que

138
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

são baseados no afeto e no respeito, e, após o estágio de con-


vivência, estaria o magistrado apto a constituir o vínculo de
filiação entre adotantes e adotado, finalizando o processo em
tempo muito mais adequado com aquilo que disciplina o prin-
cípio do melhor interesse da criança, nos termos do que pre-
conizam os artigos 3º, nº 1 e 21º da Convenção sobre os Di-
reitos da Criança.
Considerando os tempos atuais, em que estamos vi-
vendo, que a quantidade de potenciais interessados em assu-
mir de forma voluntária a criança de forma afetiva aumenta
exponencialmente, e o número de menores aptos à adoção
vem diminuindo, se torna inadmissível que não encontremos
soluções para destravar o arcaico procedimento vigente, au-
mentando, por consequência, o quantitativo de crianças com
maiores chances de serem escolhidas por uma nova família.

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Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

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https://news.un.org/pt/story/2017/09/1595981. Acesso em
ago/23

143
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

4
ASPECTOS JURÍDICOS E ÉTICOS DO SIGILO MÉDICO E
OS LIMITES DA INVIOLABILIDADE DO DIREITO À
INTIMIDADE DO PACIENTE

ETHICAL AND JURIDICAL ASPECTS OF MEDICAL


SECRECY AND THE LIMITS OF THE INVIOLABILITY
OF THE PATIENT’S RIGHT TO PRIVACY

Luiz Felipe Barbosa de Alencar7


Kevin Oliveira Mendonça8

ALENCAR, Luiz Felipe Barbosa de. Aspectos jurídicos e éti-


cos do sigilo médico e os limites da inviolabilidade do di-
reito à intimidade do paciente. Trabalho de Conclusão de
Curso de graduação em Direito – Centro Universitário UNI-
NORTE, Rio Branco, 2023.

7
Discente do 8º Período do Curso de Bacharel em Direito pelo Centro Uni-
versitário Uninorte.
8
Docente, advogado, pós-graduado em Direito Civil e Tributário pela Uni-
versidade de Araguera e em Direito Penal pelo IBMEC.

144
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

RESUMO

Introdução. O presente artigo trata da importância do sigilo


médico, que está presente desde os tempos mais remotos, co-
nhecido no mais antigo documento da história da medicina, o
Juramento de Hipócrates. Objetivo. Diante do presente con-
texto, realizou-se o estudo buscando indicar as situações em
que o médico pode ou deve violar o sigilo profissional, a partir
dos limites do sigilo médico de acordo com o Código Penal e
o Código de Ética Médica. Método. Por meio de um levanta-
mento bibliográfico produziu-se um estudo detalhando as con-
tradições acerca da temática e limites que a matéria possui no
âmbito do Direito Constitucional, Penal e no Código de Ética
Médica, bem como em artigos científicos. Resultados. Apesar
de vários autores apontarem para a garantia do sigilo médico
como garantia absoluta, alguns autores ressaltam sobre as cir-
cunstâncias em que a violação do sigilo profissional pode ser
necessária. A existência de uma justa causa para revelar o
segredo deixa de configurar crime. Para os autores, são con-
sideradas razões justas para a quebra do sigilo a notificação
de doença infectocontagiosa à saúde pública; a comunicação
de crime de ação pública à autoridade policial competente
quando o paciente for possível vítima de crime. No entanto,
não é permitido expor o paciente a um procedimento criminal.
Conclusão. Apesar da garantia legal do sigilo médico e do re-
conhecimento de que intimidade e privacidade são direitos
constitucionais, não existe apenas um direito absoluto, mas
vários, e não há apenas uma realidade, mas várias que preci-
sam ser analisadas de acordo com o risco que impõem. Assim,
é comum que esses direitos sejam contrapostos a outros igual-
mente importantes. Nesse ínterim, tanto o Código Penal do
Brasil como o Código de Ética Médica estabelecem que há
ressalvas para o sigilo médico. E mesmo que a garantia da
inviolabilidade da intimidade, da vida privada, da honra e da
imagem das pessoas seja constitucionalmente prevista, o bem

145
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

maior deve ser analisado pelo médico e poderá quebrar o si-


gilo.

Palavras-chave: sigilo médico; segredo médico; ética médica.

ABSTRACT

Introduction. The following article discusses the importance of


medical secrecy, which has been present since the most anci-
ent of times, known in the oldest document of the history of
medicine, The Hippocratic Oath. Objective. Within this context,
this study has been performed seeking to indicate the situa-
tions in which the doctor can or should violate professional
secrecy, from the limits of medical secrecy according to the
Penal Code and the Medical Code of Ethics. Method. Through
a bibliographic weighing, a study was perfomed detailing the
contradictions around the thematic and limits this matter con-
tains in the scope of Constitutional Rights, Penal Code and the
Medical Code of Ethics, as well as in scientific articles. Results.
Although many authors point to the guarantee of medical se-
crecy as absolute, some authors highlight the circumstances in
which the violation of medical secrecy could be necessary. The
existence of a just cause to reveal the secret makes it not a
crime. To the authors, fair reasons for the breach of professio-
nal secrecy include the notification of an infectious disease to
the public health; the communication of a crime of public action
to the competent authorities when the patient is a potential vic-
tim of crime. However, it is forbidden to expose the patient to a
criminal proceeding. Conclusion. Despite the legal guarantee
of medical secrecy and the acknowledgement that intimacy
and privacy are constitutional rights, there is not one absolute
right, but several, and there is not only one reality, but many
that need to be analyzed accordingly to the risk they impose.
Thus, it is common these rights are overlapped to other equally

146
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

important ones. In this interim, the Brazilian Penal Code as well


as the Medical Code of Ethics establish that there are caveats
regarding medical secrecy. And even if the guarantee of the
inviolability of intimacy, of private life, of honor and of a per-
son’s image is constitutionally provided, the greater good must
be analyzed by the medical professional, who may breach the
secrecy.

Key-words: medical secrecy; medical ethics

INTRODUÇÃO

Este artigo buscou apresentar um estudo sobre o sigilo


profissional médico, detalhando as contradições acerca da te-
mática que levam a debates a respeito das possibilidades e
limites desta matéria.
É notável que a literatura jurídica sobre o sigilo médico
profissional no âmbito do Direito Penal Médico brasileiro não
é expressiva, ainda que atualmente o tema tenha despertado
muito interesse tanto sob a ótica jurídica como médica. E ape-
sar da escassa bibliografia, a questão do segredo médico é
tão antiga quanto o Direito e a Medicina (Campos; Destro,
2020, p. 2).
Os mesmos autores esclarecem que o segredo médico,
desde sua origem, desperta singular interesse à ciência penal,

147
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

desafia conceitos instituidores da ética e transpõe diversas in-


terpretações e formas de proteção no exercício da medicina.
Do ponto de vista cronológico, o segredo médico re-
monta aos mais longínquos períodos da humanidade, inici-
ando a partir dos escritos de Hipócrates, que se tornaram re-
ferência a todos os estudos sobre o tema.
O segredo médico compreende as informações relata-
das pelos pacientes ao profissional, as informações percebi-
das pelo médico durante o tratamento e aquelas descobertas
pelo médico, mesmo quando o paciente não tem o intuito de
informar. O segredo abrange, pois, tudo o que chega ao co-
nhecimento do médico, em decorrência do exercício da sua
profissão (Santos et al., 2012, p. 1).
Nessa ótica, entende-se que no exercício da medicina
o silêncio determinado ao médico visa coibir a divulgação ou
a disseminação de informações particulares do paciente, em
que o médico tomou conhecimento por ocasião da prática de
suas atividades, limitando acesso a terceiros a revelação não
consentida, sob uma regência moral e ética, de maneira a as-
segurar a vontade do paciente (Destro, 2020, p. 25).
A fundamentação da garantia do sigilo, conforme Ri-
beiro (2015, p. 8), baseia-se em assegurar uma relação de
confiança entre o médico e os seus pacientes, já que a comu-

148
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

nicação desses dados pessoais feita pelo paciente ao seu mé-


dico não é realizada em condições de igualdade, nem de
forma totalmente voluntária: o paciente tem a necessidade de
procurar ajuda para ter seu diagnóstico e tratamento. E em
contrapartida, espera que o médico lhe assegure o sigilo das
informações a ele reveladas.
Como forma de garantir a privacidade das pessoas, o
Art. 154 do Código Penal (1940) estabelece como crime contra
a inviolabilidade dos segredos: “revelar a alguém, sem justa
causa, segredo, de que tem ciência em razão de função, mi-
nistério, ofício ou profissão, e cuja revelação possa produzir
dano a outrem”.
É correto afirmar que o Conselho Federal de Medicina
corrobora com o Código Penal quando lemos no Art. 73 do
Código de Ética Médica (2018) que é vedado médico: “revelar
fato de que tenha conhecimento em virtude do exercício de
sua profissão, salvo por motivo justo, dever legal ou consenti-
mento, por escrito, do paciente”.
Com base nessa perspectiva é possível considerar
que o sigilo médico deve ser sempre mantido, existindo três
únicas hipóteses expressas no código de ética médica para
quebra desse: (i) autorização por escrito do paciente, (ii) dever
legal e (iii) motivo justo. Este último tem sido a principal causa
de opiniões divergentes na classe médica, principalmente pelo

149
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

conflito criado entre os valores éticos e a consciência moral


subjacente.
Por se tratar de uma questão que extrapola a dimen-
são deontológica do sigilo profissional e demanda do médico
atitudes e comportamentos que se fundamentam em valores,
princípios éticos e morais, com repercussões sociais e jurídi-
cas, o tema apresentado possui grande relevância e merecida
discussão.
Nesse sentido, o presente artigo busca indicar as situ-
ações em que o médico pode ou deve violar o sigilo profissio-
nal, apresentando informações sobre os limites do sigilo mé-
dico de acordo com o Código Penal e o Código de Ética Mé-
dica, identificar e analisar as situações específicas em que o
médico deverá violar o sigilo profissional.

4.1 CONTEXTO HISTÓRICO E CONCEITUAL DO SIGILO


MÉDICO

A história do sigilo médico remonta ao século V a.C., na


Grécia, onde foi fundada uma escola médica que mudou os
rumos da medicina, sob a inspiração de Hipócrates (Destro,
2020, p. 14). Segundo o autor, registros históricos retratam
que Hipócrates ditou aos seus discípulos, naquela época, uma

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Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

regra de conduta, pautando a atuação do médico nas suas re-


lações com os outros indivíduos. Posteriormente, esse princí-
pio fez do segredo médico a afirmação ideal de regulamento,
constituindo-se em código de honra e dignidade.
A primeira referência que se tem conhecimento do si-
gilo médico está no Juramento de Hipócrates, que, em sua es-
sência, contém os preceitos fundamentais da ética médica, e
afirmava que “o sigilo deveria ser cumprido pelo médico virtu-
oso, por meio de atitude de discrição, para proteger os segre-
dos dos doentes” (Santos, et al., 2012, p. 1,2). Os autores
complementam afirmando que com o passar do tempo, a apli-
cação do sigilo foi se adaptando como um dever jurídico do
profissional médico, assumindo um caráter deontológico e le-
gal.
De acordo com Batlle (2022, p. 5) a confidencialidade
médica é a proteção das informações pessoais que o paciente
revela ao médico em uma relação de confiança. Na interpreta-
ção do autor, a confidencialidade não é absoluta, podendo ser
rompida sob rigorosa égide ético-legal. A privacidade, que
muitas vezes é aplicada como sinônimo de confidencialidade,
neste contexto, pode ser definida como o direito de a pessoa
controlar as informações sobre si mesma, garantindo a digni-
dade humana.
De acordo com a ótica de Campos e Destro (2020, p.

151
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

7), abordar o segredo e o sigilo médico profissional sem uma


visão unitária de significado, pode transparecer um desperdí-
cio. Segundo eles, nessa análise, a experiência jurídico-penal
recebe as influências da filosofia, da ética, da moral, dos cos-
tumes, da bioética, fornecendo elementos dogmáticos ao des-
dobramento do conceito de segredo médico e de sigilo médico
profissional.

4.1.1 CONCEITOS DOS TERMOS SEGREDO E SIGILO

Nas raras e consideráveis obras que abordam as


questões da atuação médica no Brasil e em outros países, é
habitual aos pesquisadores e especialistas em Direito e Medi-
cina uma percepção singular e harmônica dos termos segredo
e sigilo, ou ainda entre os termos segredo médico e sigilo mé-
dico. No entanto, na perspectiva de Destro (2020) este é um
terreno fértil e sinuoso para equívocos. De acordo com Silva
(2009 citado por Destro, 2020, p, 25):

SEGREDO. Do latim secretum (segredo, guar-


dado em segredo), exprime o que se tem em co-
nhecimento particular, sob reserva, ou oculta-
mente. É o que não se deve, não se quer, ou não
se pode revelar, para que não se torne público
ou conhecido. Segredo é, igualmente, o sigilo,
que exprime especialmente, o dever de não re-
velar o fato que se sabe, ou de que se tem notí-
cia, ou seja, o segredo não se deve violar.

152
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

SIGILO. Do latim sigillum (marca pequena, sinal-


zinho, selo), é empregado na mesma significa-
ção de segredo. No entanto, imperando nele a
ideia de que algo está sob selo, ou sinete, o sigilo
traduz, com maior rigor, o segredo que não pode
e nem deve ser violado, importando o contrário,
assim, em quebra do dever imposto à pessoa,
geralmente em razão da sua profissão ou ofício.
[...] Devassar o sigilo, isto é, revelar segredos
que devem ser conservados, constitui crime,
passível de punição.

Sales-Peres et al. (2008, p. 1) consideram que não se


constitui uma tarefa simples definir o conceito de sigilo profis-
sional. Segundo pesquisa realizada por eles, alguns autores
revelam que sua origem se pauta no verbo latino secenere,
cujo particípio, secretum, quer dizer reservado, escondido. Já
o dicionário Aurélio registra que “sigilo” é sinônimo de “se-
gredo”, e se refere a “sigilo profissional” como um “dever ético
que impede a revelação de assuntos confidenciais ligados à
profissão”.
Destro (2020, p. 28), no entanto, afirma que ainda que
os termos segredo e sigilo sejam frequentemente utilizados
como sinônimos, sob o ponto de vista do Direito, estes não
possuem significado idêntico.
O mesmo autor (p. 32) conceitua juridicamente o
termo segredo médico como: “todo fato, ato, documento ou in-
formação, de caráter íntimo ou não, que o médico conserva

153
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

voluntariamente oculto, impedindo de relatar a outrem, man-


tendo a privacidade do paciente ou de terceiros”.
Em uma ótica mais voltada para aspecto de princípios,
Jardim et al. (2019, p. 1) percebe o segredo médico como ca-
racterística moral obrigatória da profissão e pilar da relação
médico-paciente, tem base nas necessidades e direitos dos
cidadãos à intimidade.
Já o sigilo médico profissional é considerado como pe-
dra angular do sistema de responsabilidade penal médica no
Brasil, e conceituada juridicamente, segundo Destro (2020, p.
33), como:

Todo fato, ausente de notoriedade e que deve


ser preservado, que o médico tenha conheci-
mento em razão de sua atividade profissional,
cuja revelação do segredo a terceiros, total ou
parcial, salvo por justa causa ou no cumprimento
de dever legal ou com a autorização expressa do
paciente, possa acarretar dano a outrem.

Na perspectiva de Villa-Bôas (2015, p. 2) o sigilo pro-


fissional é considerado um direito do paciente e dever do mé-
dico. É um mecanismo de proteção ao paciente, no qual o pro-
fissional necessita observar seus aspectos na prática médica
diária, bem como suas repercussões éticas e jurídicas.
Anzanello et al. (2018, p. 9) referem que existem es-
pécies de sigilo profissional distintas em suas particularidades,

154
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

como o sigilo inerente à advocacia e o sigilo profissional mé-


dico. Conforme os autores, no caso da Medicina, o sigilo pro-
fissional é um princípio consagrado de maneira universal,
sendo reputado como uma das premissas mais rígidas e res-
peitadas pelos profissionais da área, compreendendo tanto as
confidências expressamente mencionadas pelo paciente
quanto aquelas descobertas pelo profissional no decorrer do
processo de cuidado.
O autor supramencionado, traz no âmbito de sua pes-
quisa, a definição de Hércules Sidnei Pires Liberal:

É o segredo médico uma espécie de segredo


profissional, devido pelos denominados confi-
dentes necessários, cujas confidências são ex-
postas por imperiosa necessidade de busca de
auxílio para reparação de um estado mórbido ou
de lesões de ordem moral ou patrimonial. Ali-
nham-se, neste caso, os sigilos impostos aos
profissionais que, para prestação de qualquer
tipo de serviço, necessitem penetrar na intimi-
dade do cliente. (2018)

4.2 ASPECTOS LEGAIS DO SIGILO MÉDICO

O segredo médico sempre despertou interesse parti-


cular à ciência penal, desafiando conceitos fundadores da

155
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

ética, instrumentando diversas interpretações e formas de pro-


teção das informações dos pacientes, no exercício da prática
médica (Campos; Destro, 2020, p. 6).
Portanto, a garantia ao sigilo tem fundamento para de-
fesa da intimidade do paciente, para resguardar suas informa-
ções pessoais, suas escolhas, diagnósticos, pudor, imagem fí-
sica e moral (Villas-Bôas, 2015, p. 3).
À vista disso, é possível entender que o relaciona-
mento entre o médico e seu paciente se constrói com base na
confiança, na compreensão mútua, na verdade, por meio da
relação de confidencialidade em que o médico conta com o
compromisso do paciente para expor as informações neces-
sárias, e o paciente espera do médico o seu compromisso com
o sigilo (Santos, et al., 2012, p. 1,2).

4.2.1 O DIREITO DA PROTEÇÃO À IMAGEM E PRIVACI-


DADE DAS PESSOAS

O intitulado Direito Penal Médico fomenta estudos


acadêmicos de significativa e complexa disciplina da ciência
penal, envolvendo diversos ramos do saber, dentre os quais,
a Medicina Forense. Além disso, tem sido campo fértil quanto
às questões de seu próprio desenvolvimento, nas quais se

156
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

destacam no plano da responsabilidade jurídico-penal, na le-


gitimação jurídica da atuação médica, nos interesses de pro-
teção dos pacientes, e no sigilo médico profissional (Campos;
Destro, 2020, p. 5).
A intimidade e a vida privada são valores tutelados so-
beranamente pela Carta Magna (Destro, 2020, p. 104).
O mesmo autor evidencia que diversas ordenações
amparam internacionalmente o direito à intimidade e à vida
privada, dos quais se podem citar: a Declaração Universal dos
Direitos Humanos, de 10 de dezembro de 1948; a Convenção
Europeia sobre os Direitos do Homem, de 4 de novembro de
1950; o Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos das
Nações Unidas, de 16 de dezembro de 1966; e a Convenção
Americana de Direitos Humanos, de 22 de novembro de 1969
(Pacto de San José da Costa Rica).
Nesse contexto, a Constituição da República Federa-
tiva do Brasil, de 1988, em seu artigo 5º, inciso X, erigiu à ca-
tegoria de direito individual fundamental, o direito à intimidade:
“são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a ima-
gem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo
dano material ou moral decorrente de sua violação” (Brasil,
1988).

157
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

Nessa perspectiva, é correto afirmar que a proteção à


imagem e privacidade das pessoas é mais que uma questão
bioética, é uma previsão legal.
A inviolabilidade dos segredos do paciente é tutelada
jurídica e penalmente (Prates; Marquardt, 2003, p. 2). De
acordo com os autores, a quebra do sigilo se trata de um crime
contra a liberdade individual e a eventual imprudência do pro-
fissional médico, que revele informações íntimas de seu paci-
ente que cause danos a este, deve ser punida, conforme a
previsão do artigo 154 do Código Penal Brasileiro, que trata
do crime de violação de segredo profissional “revelar alguém,
sem justa causa, segredo, de que tem ciência em razão de
função, ministério, ofício ou profissão, e cuja revelação possa
produzir dano a outrem” (Brasil, 1940, P. 52).
Já o Código de Ética Médica, em seu Capítulo IX, es-
tabelece que é vedado ao médico:

Art. 73 Revelar fato de que tenha conhecimento


em virtude do exercício de sua profissão, salvo
por motivo justo, dever legal ou consentimento,
por escrito, do paciente.
Parágrafo único. Permanece essa proibição: a)
mesmo que o fato seja de conhecimento público
ou o paciente tenha falecido; b) quando de seu
depoimento como testemunha (nessa hipótese,
o médico comparecerá perante a autoridade e
declarará seu impedimento); c) na investigação
de suspeita de crime, o médico estará impedido
de revelar segredo que possa expor o paciente a
processo penal.

158
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

Art. 74 Revelar sigilo profissional relacionado a


paciente criança ou adolescente, desde que es-
tes tenham capacidade de discernimento, inclu-
sive a seus pais ou representantes legais, salvo
quando a não revelação possa acarretar dano ao
paciente (Brasil, 2018, p. 9).

Diante de todos os aspectos históricos, éticos, morais


e jurídicos a respeito do segredo médico, Santiago (2021, p.
1, 2) o considera essencial para as relações sociais, estando
consagrado no Direito de maneira universal e tradicionalmente
sendo um dos princípios mais rígidos e respeitados pelos mé-
dicos, mantido desde a concepção hipocrática. De acordo com
a autora, tanto o Código Penal (Art. 154), como o Código de
Ética Médica (Art. 73) definem:

Como crime a revelação de informações conhe-


cidas a partir do exercício da profissão, ou seja,
no âmbito do atendimento médico, que se es-
tende desde a consulta, diagnóstico e exames
realizados, até o fim do tratamento.

Já para Udelsmann (2002, p. 8,9) são considerados


crimes possíveis de serem praticados por médicos no exercí-
cio da sua profissão, segundo o Código Penal (art. 154), “a
revelação de segredo profissional sem justa causa”.
Apesar de todo contexto sobre o sigilo e sua garantia
legal, cabe considerar que, ainda que intimidade e privacidade

159
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

sejam direitos fundamentais expressamente reconhecidos


pela Constituição, entretanto, não existe apenas um direito
fundamental, mas vários, e não há só uma realidade, mas vá-
rias, e, conforme as variáveis mudam, é comum que esses di-
reitos sejam contrapostos a outros igualmente importantes
(Mello, 2021, p. 172).

4.3 CRIME CONTRA A INVIOLABILIDADE DOS SEGRE-


DOS

Inicialmente se faz necessário a definição de crime, que


segundo Mello (2015, p. 1):

O crime, fenômeno humano, é fato gerador da


pena, que para ser aplicada pelo Estado exige
que antes este realize a persecução penal, se-
gundo o modelo legal e constitucional, posto que
o devido processo legal constitui direito individual
fundamental do indigitado autor.

Nesse ínterim, Udelsmann (2002, p. 8) elucida que “a


responsabilidade penal se origina pela ação ou omissão de um
fato típico antijurídico com nexo de causalidade e um dano pe-
nal”. E segue explicando:

Ao contrário da lei civil, são considerados ilícitos


penais (crimes e contravenções) somente aque-
les especificamente enumerados na lei: no Có-

160
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

digo Penal (CP), na Lei de Contravenções Pe-


nais e alguns outros em leis esparsas. Há, então,
absoluta necessidade que o ato cometido esteja
descrito com precisão na lei para que o agente
possa ser responsabilizado criminalmente e pe-
nalizado conforme prescreve o artigo 5 , inciso
XXXIX da CF e o artigo 1 do CP que têm a
mesma redação: "Não há crime sem lei anterior
que o defina. Não há pena sem prévia cominação
legal".

Deixando de lado as ponderações sobre os crimes co-


muns, importa destacar neste artigo os crimes inerentes à prá-
tica médica.
Para tanto, faz-se necessária uma breve definição de
“crime médico”, o qual Prates e Marquardt (2003, p. 2) revelam
como “a ação ou omissão, proibida por lei, sujeita a uma san-
ção penal, cuja prática coloca em perigo determinado bem ou
interesse pessoal ou coletivo”.
Nesse contexto, os autores abordam a violação de se-
gredo profissional como um dos principais crimes inerentes ao
profissional da medicina, e justificam que tal tipificação visa
proteger a liberdade individual de pessoas que tiveram que
confidenciar fatos de sua intimidade. E concluem discorrendo
que:

O ato criminoso também caracteriza-se pela in-


tenção do agente. São dolosos os delitos em que
existe a vontade de praticar a conduta conside-
rada crime. Essa conduta pode ser comissiva,
quando o sujeito pratica efetivamente o ato, ou

161
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

omissiva, quando deixa de fazer o que tinha por


obrigação. São culposos os crimes em que o
agente não quis praticar crime algum, entretanto,
acaba por cometê-lo, agindo com imprudência,
negligência e imperícia.
O crime de violação de segredo profissional é
uma infração penal tipicamente dolosa, que so-
mente se configura diante da vontade livre e
consciente do médico de revelar o segredo de
que tem conhecimento em razão de sua ativi-
dade laboral. (Prates e Marquardt 2003, p. 2)

Fica evidente, portanto, que tanto o Código Penal Bra-


sileiro (art. 154) quanto o Código de Ética Médica (art. 73) es-
tabelecem como crime a revelação de informações conheci-
das a partir do atendimento médico, que se desdobra desde a
consulta, diagnóstico e exames realizados, até o fim do trata-
mento.
Historicamente, o Código Penal Francês de 1810 foi o
primeiro a incriminar a violação do sigilo profissional (art. 378),
que punia a violação de segredo profissional pelos médicos e
demais profissionais da saúde, por funções temporárias e per-
manentes, de segredos que alguém lhes confiou (Santiago,
2021, p. 6).
Por sua vez, essa disposição seguiu inspirando outros
diplomas legais pelo mundo, como o Código Penal Espanhol
de 1822 e 1848, Código Penal Toscano de 1853, Código Penal
de Sardo de 1859 (Santiago, 2021, p. 6).

162
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

No Brasil foi apenas no Código Penal de 1890 (Brasil,


1890) que houve a primeira tipificação da violação de segredo
profissional, no qual o artigo 192 no capítulo IV, tratava acerca
das condutas contra o livre gozo e exercício dos direitos indi-
viduais. Mais tarde, no século XX, o país manteve a tutela do
segredo profissional no Código Penal de 1940 (art. 154), o
qual vige até os dias de hoje.
Contudo, na história do Direito Penal, os relatos dos
pressupostos da responsabilidade criminal, tratando da con-
duta médica passível de punição no crime de violação de se-
gredo profissional, apresentam especificidades decorrentes
do ato médico, os quais merecem ser discutidos.

4.4 A ÉTICA MÉDICA NA ERA DIGITAL

Na prática médica, a ética pode ser analisada sob três


aspectos: a relação médico-paciente, o relacionamento dos
médicos entre si e com a sociedade. No que diz respeito à
relação médico-paciente, esse aspecto abrange o sigilo.
Segundo Monte (2002, p.1) O estudo da ética além de
permitir o estabelecimento de normas para a convivência pa-
cífica entre as pessoas, ela orienta os profissionais para o res-
peito aos interesses dos indivíduos.

163
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

Os princípios que envolvem a confidencialidade, en-


frentados na prática cotidiana do exercício da medicina, estão
associadas à bioética. Destro (2020, p. 70-71) discorre que o
termo bioética foi citado pela primeira vez em 1970 por Van
Rensselaer Potter como:

a separação feita na filosofia moderna entre, por


um lado, a ciência e a tecnologia (que trariam fa-
tos) e, por outro, a ética (que cuidaria dos valo-
res), era a culpada pelos desastres que estavam
ameaçando a vida sobre o planeta [...] pensou na
bioética como uma “ciência da sobrevivência”.
Para construí-la, seria necessário reunir uma
ética (valores) e a ciência (fatos). A bioética nas-
ceu, portanto, como uma tentativa de pensar a
vida como um todo, sem separá-la da ciência e
da tecnologia. Estas devem estar a serviço da-
quela, e não são neutras sob o ponto de vista va-
lorativo.

Assim, a par da sua relevância na ciência penal, o se-


gredo médico e o sigilo médico profissional estão inseridos em
um grupo de valores que na bioética congrega termos como
ordem ética, relação entre o Direito e a moral e a Deontologia
(Destro, 2020, p. 71-72).
No século XXI, o mundo vivencia o avanço das novas
tecnologias e meios de comunicação, provocando um maior
anseio por informação. À medida que são incorporadas novas
tecnologias, percebe-se uma relativização preocupante do
conceito de privacidade. Esse fato se mostra pungente na área

164
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

da saúde, mais particularmente com os usos correlatos aos


prontuários dos pacientes (Rodrigues; Bentes, 2019, p. 2)
Paralelo a isso, nos dias atuais tem sido muito fácil cap-
turar e armazenar imagens e com aparelhos cada vez mais
portáteis. Em hospitais é comum testemunhar médicos, profis-
sionais de enfermagem, residentes e estudantes registrando
atendimentos aos pacientes ou “casos interessantes” em seus
celulares ou outros dispositivos móveis. Quase sempre isso
ocorre sem o devido consentimento do paciente (Carreiro,
2014, p. 1).
É fato que a documentação médica obtida através de
fotos ou vídeos pode nos trazer muitos benefícios, entre eles
pode-se elencar: a elaboração de aulas em apresentações
multimídia com objetivos educativos e de treinamento; docu-
mentação científica com fins de pesquisa; envio de imagens
no uso da telemedicina, o que permite a um especialista emitir
um parecer à distância; documentação através de imagens
para utilização em medicina forense e medicina legal. No en-
tanto, o uso ou armazenamento inadequado de tais dados
pode resultar em situações de risco para o paciente, principal-
mente através da exposição indevida da sua imagem e a que-
bra da confidencialidade (Carreiro, 2014, p. 1).
Freire (2004, p. 338) retrata que o Sistema de Saúde do
Brasil envolve uma rede de instituições públicas e privadas.

165
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

Nesse complexo sistemas se tem o Ministério da Saúde, Se-


cretarias Estaduais e Municipais de Saúde, Unidades de Sa-
úde (postos de saúde, hospitais, laboratórios, etc.), operado-
ras de planos de saúde, agências reguladoras, associações
profissionais, sociedades científicas, instituições acadêmicas,
consultórios médicos, entre outros. Em todos esses pontos de
atenção à saúde o ser humano é o foco principal, como paci-
ente. Nesse papel de paciente, a cada episódio com algum
ponto de atenção são gerados dados que são registrados, se-
jam em prontuários físicos (papel), como em prontuários ele-
trônicos (digital).
É evidente a importância do registro dessas informa-
ções, pois permitem tanto o cuidado ao paciente, quanto da-
dos para gestão da saúde: avaliação do perfil epidemiológico,
faturamento, planejamento, controle de infecção hospitalar,
gestão de recursos humanos, etc. (Freire, 2004, p. 338).
Por outro lado, Carreiro (2014, p. 1) relata que não há
nenhuma normatização ou fiscalização por parte das institui-
ções quanto ao uso dos dados registrados, gerando situações
que podem ser prejudiciais aos pacientes.
Ainda que por meio de um processo lento de implanta-
ção do uso de tecnologias na área da saúde, Freire (2004, p.
340) exemplifica que o Prontuário Eletrônico do paciente pode

166
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

incluir uma diversidade de dados dos pacientes, como infor-


mações sobre o estado e cuidados de saúde ao longo da vida,
e funções que auxiliam o profissional, das quais cita-se os mó-
dulo de crítica de prescrição, incorporação de protocolos clíni-
cos, integração com laboratórios e farmácias. O prontuário
também pode ser acessado fora dos limites institucionais, per-
mitindo integração com outros ambientes da rede de atenção
à saúde.
Contudo, sem mitigar a importância de uma ferramenta
como o prontuário eletrônico, é necessário se atentar aos ris-
cos associados à perda da privacidade das informações, bem
como ao seu uso indevido.

4.5 LIMITES DO SIGILO MÉDICO

Os estudos acerca de situações que envolvem a quebra


do sigilo profissional são complexos, em razão de estar direta-
mente relacionado a valores éticos que se conflitam com as-
pectos morais do paciente (Jardim et al., 2019, p. 2).
Como já relatado anteriormente, desde os tempos mais
remotos, a prática da medicina é baseada no princípio da con-
fidencialidade das informações dos pacientes, sendo o médico
o protagonista pela preservação dessas. O Juramento de Hi-

167
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

pócrates, um dos documentos de maior relevância para a Me-


dicina, já enfatizava a respeito do sigilo médico: “[...] Não rela-
tar o que no exercício do meu mister ou fora dele no convívio
social eu veja ou ouça e que não deva ser divulgado, mas con-
siderar tais coisas como segredos sagrados” (Jardim et al.,
2019, p. 2).
O Parecer PA nº 86/2016 (São Paulo, 2020, p. 7) faz
uma interessante observação em relação à a inviolabilidade
da intimidade:

A Constituição declara de forma genérica a invi-


olabilidade da intimidade, da vida privada, da
honra, da imagem das pessoas (art. 5o, X).
(...) A redação do art. 5o, X, mostra ter o legisla-
dor constituinte distinguido entre a intimidade e a
vida privada. Com base na teoria das esferas,
pode-se dizer que a intimidade é o espaço mais
reservado do indivíduo, no qual ele guarda os
seus segredos e espera que não sejam desco-
bertos. O âmbito da vida privada é maior, abran-
gendo a área dos relacionamentos pessoais e
particulares da pessoa, com a sua família, os
seus amigos.9
Em que pese a proteção de estatura constitucio-
nal, a intimidade não é um direito absoluto. De
fato, como apontou o ministro Celso do Mello, do
Supremo Tribunal Federal, Não há, no sistema
constitucional brasileiro, direitos ou garantias
que se revistam de caráter absoluto, mesmo por-
que razões de relevante interesse público ou exi-
gências derivadas do princípio de convivência
das liberdades legitimam, ainda que excepcio-
nalmente, a adoção, por parte dos órgãos esta-
tais, de medidas restritivas das prerrogativas in-
dividuais ou coletivas, desde que respeitados os

168
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

termos estabelecidos pela própria Constituição.

Quando analisamos a tutela penal do sigilo profissional,


prevista no artigo 154 do Código Penal, nos seguintes termos:

Art. 154 - Revelar alguém, sem justa causa, se-


gredo, de que tem ciência em razão de função,
ministério, ofício ou profissão, e cuja revelação
possa produzir dano a outrem:
Pena - detenção, de três meses a um ano, ou
multa de um conto a dez contos de réis. (Vide Lei
nº 7.209, de 1984). (grifo nosso.)

Mais a frente do Código Penal, no Capítulo III, dos cri-


mes contra a saúde pública, verificamos em seu Art. 269 “Dei-
xar o médico de denunciar à autoridade pública doença cuja
notificação é compulsória. Pena - detenção, de seis meses a
dois anos, e multa”.
É possível afirmar que o próprio Código Penal abre ex-
ceção ao Art. 154, pressupondo que a questão da inviolabili-
dade à intimidade não é de caráter absoluto.
O vigente Código de Ética Médica, editado pela Reso-
lução no 1.931/2009, do Conselho Federal de Medicina, esta-
belece no Art. 73 que “revelar fato de que tenha conhecimento
em virtude do exercício de sua profissão, salvo por motivo
justo, dever legal ou consentimento, por escrito, do paciente”
(grifo nosso).

169
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

Acerca da expressão “justa causa”, é importante escla-


recer que:

Em regra, a justa causa funda-se na existência


de estado de necessidade: é a colisão de dois
interesses, devendo um ser sacrificado em bene-
fício do outro; no caso, a inviolabilidade dos se-
gredos deve ceder a outro bem-interesse. Há,
pois, objetividades jurídicas que a ela preferem,
donde não ser absoluto o dever do silêncio ou si-
gilo profissional (São Paulo, 2020, P.9).

Assim, ainda que diante de todo contexto sobre o si-


gilo e sua garantia legal, Mello (2021, p. 172) considera que,
embora intimidade e privacidade sejam direitos fundamentais
expressamente reconhecidos pela Constituição, não existe
apenas um direito fundamental, mas vários, e não há só uma
realidade, mas várias, e, conforme as variáveis mudam, é co-
mum que esses direitos sejam contrapostos a outros igual-
mente importantes.

4.5.1 REQUISIÇÃO DE INFORMAÇÕES DE PACIENTES

Ao longo de toda a evolução no tocante ao sigilo, Sales-


Peres, et al (2008, p. 2) elucidam que nem a regra do sigilo nos
códigos deontológicos nem o direito à confidencialidade na
área legal conseguiram um consenso de aplicação. Desta
forma, esta questão ainda é desafiante diante do rápido

170
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

avanço e das novas conquistas das ciências biomédicas e tec-


nológicas.
A reflexão em torno da importância do segredo médico
implica na questão do sigilo profissional no âmbito da prova
penal, cuja natureza decorre de razões extraprocessuais,
abrangendo justificativas individuais ou fundamentos coletivos
na preservação do sigilo médico profissional (Campos; Destro,
2020, p. 4).
Um exemplo disso é que, no exercício de suas funções,
o Ministério Público poderá requisitar informações, exames
periciais e documentos para instruir procedimentos ou proces-
sos em que oficie. Nesta situação, Campos e Destro (2020, p.
4) apontam o membro do Ministério Público como responsável
pelo uso indevido das informações e documentos que requisi-
tar, inclusive nas hipóteses legais de sigilo.
Nessa conjuntura, o prontuário médico se enquadra
como um dos documentos a ser requisitado pelo Ministério Pú-
blico. Rodrigues e Bentes (2019, p. 6 e 8) abordam que os
prontuários dos pacientes são documentos por demais úteis,
não sendo recomendável restringir seu uso.
Enfatizam que sua utilização é relevante para pacientes
e suas famílias; interessa tanto aos médicos quanto às pró-
prias instituições de saúde privadas e públicas; que suas infor-

171
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

mações podem ser utilizadas em pesquisas, com vistas a au-


xiliar outras pessoas que venham a passar pelo mesmo qua-
dro; além de instrumento de defesa legal.
O próprio Código de Ética Médica, em seu Capítulo X,
Art. 89, a respeito de documentos médicos, estabelece que é
vedado ao médico, “liberar cópias do prontuário sob sua
guarda exceto para atender a ordem judicial ou para sua
própria defesa, assim como quando autorizado por escrito pelo
paciente”. (grifo nosso)
Rodrigues e Bentes (2019, p. 17), a respeito das requi-
sições do prontuário médico pela justiça, explica que quando
o STJ, por exemplo, coteja o direito ao acesso à informação,
é com vistas a possibilitar produção de provas, com o neces-
sário resguardo da privacidade e da dignidade do paciente, na
tentativa de encontrar soluções para os conflitos de interesse,
numa razoável e proporcional aplicação do Direito.
O Parecer PA nº 86/2016 (São Paulo, 2020, p. 6, 7)
pondera que não há divergência acerca do caráter sigiloso do
prontuário médico e documentos afins, produzidos a partir da
relação de confidencialidade entre médico e paciente:

Este sigilo decorre da proteção à intimidade, ga-


rantida pelo inciso X do artigo 5o da Constituição
Federal, segundo o qual “são invioláveis a intimi-
dade, a vida privada, a honra e a imagem das
pessoas, assegurado o direito a indenização pelo

172
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

dano material ou moral decorrente de sua viola-


ção”.

Ensina José Afonso da Silva que a intimidade,


em seu sentido mais restrito, abrange a inviolabi-
lidade do domicílio, o sigilo da correspondência,
o segredo profissional. Prossegue esclarecendo
que o último ‘obriga a quem exerce uma profis-
são regulamentada, em razão da qual há de to-
mar conhecimento do segredo de outra pessoa,
a guardá-lo com fidelidade’. O titular do segredo
é protegido, no caso, pelo direito a intimidade,
pois o profissional, médico, advogado e também
o padre-confessor (por outros fundamentos) não
pode liberar o segredo, devassando a esfera ín-
tima, de que teve conhecimento, sob pena de vi-
olar aquele direito e incidir em sanções civis e
penais.

Isso posto, o ponto que está a ensejar divergên-


cia reside na necessidade da intervenção judicial
para que sejam fornecidas informações acober-
tadas pelo sigilo médico, no âmbito de investiga-
ção criminal; ou, para aqueles que entendem em
sentido diverso, na possibilidade de sua solicita-
ção diretamente pela autoridade policial, tendo
em vista o exercício da função de polícia judiciá-
ria, prevista no artigo 144, § 4o , da Constituição
Federal, bem como as atribuições previstas na
Lei federal no 12.830/2013.

Por todo o exposto, é correto afirmar que a matéria so-


bre o sigilo médico não se cuida de direito absoluto, compor-
tando, portanto, relativização para atendimento do interesse
público e ponderação em relação a outros direitos igualmente
relevantes.

173
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

4.5.2 SITUAÇÕES QUE INDICAM A NECESSIDADE DE


QUEBRA DO SIGILO

O segredo pertence ao paciente, e o médico é detentor


das informações reveladas pelo paciente no decorrer de toda
a assistência. Para ser revelado, é necessário definir o motivo
justo, e é exatamente esse o maior conflito entre a comuni-
dade médica, pela dificuldade que muitos apresentam em de-
terminar o que seria de fato uma “justa causa” para a quebra
do sigilo, já que o Código de Ética Médica (2009) não define
quais são as situações que se enquadram como justa causa
(Jardim et al., 2019, p. 3).
Tomando por base os princípios orientadores da con-
duta profissional da bioética, proposta por Beauchamp e Chil-
dress (2001, apud Sales-Peres et al, 2008), para fundamentar
de forma ética a quebra de confidencialidade, deve-se consi-
derar quatro condições gerais:

a) quando houver alta probabilidade de aconte-


cer sério dano físico a uma pessoa identificável e
específica, estando, portanto, justificada pelo
princípio da não-maleficência;
b) quando um benefício real resultar da quebra
de sigilo, baseando-se essa decisão no princípio
da beneficência;
c) quando for o último recurso, depois de esgota-
das todas as abordagens para o respeito ao prin-
cípio da autonomia;
d) quando a mesma decisão de revelação puder

174
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

ser utilizada em outras situações com caracterís-


ticas idênticas, independentemente da posição
social do paciente, contemplando o princípio da
justiça e fundamentado no respeito pelo ser hu-
mano, tornando-se um procedimento generalizá-
vel.

Assim sendo, Jardim et al. (2019, p. 1) apontam sobre


a importância da observação da prática médica para orientar
as circunstâncias em que a violação do sigilo profissional po-
derá ser necessária.
De acordo com Prates e Marquardt (2003, p. 2), a exis-
tência de uma justa causa para revelar o segredo deixa de
configurar crime. Para os autores, são consideradas razões
justas para a quebra do sigilo a notificação de doença infecto-
contagiosa à saúde pública; e a comunicação de crime de
ação pública à autoridade policial competente quando o paci-
ente for possível vítima de crime. Já os casos em que a comu-
nicação expuser o paciente a um procedimento criminal, não
é permitido.
No caso do sigilo médico em relações com pacientes
com doenças infectocontagiosas, Jardim et al. (2019, p. 1) ex-
plicam que é uma situação em que o princípio da autonomia
do paciente pode ser discutido, visto que opção compromete
o princípio de justiça, em que, o médico, ao não revelar o se-
gredo de um paciente, estará colocando em risco a saúde de
outras pessoas.

175
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

Outra situação na qual o sigilo médico deve ser rom-


pido, conforme Santos et al. (2012, p. 7) é quando há risco de
dano físico ao paciente. Ou seja, nos casos em que a quebra
do sigilo resultar em um benefício maior para ele.
Corroborando com os autores acima, Taquette (2010,
p. 3) refere que em situações em que há necessidade de que-
bra do sigilo da consulta, mesmo que o paciente não concorde,
como no caso de: adolescentes grávidas que se negam a co-
municar esse fato aos responsáveis e comunicam a intenção
realizar aborto; ou pacientes com vírus da imunodeficiência
positivo (HIV+) que não aceitam compartilhar seu diagnóstico
com a família; e situações de adolescentes consumidores de
drogas ilícitas. Conforme a autora, a resistência em informar
tais situações de sua vida à família demonstra uma desarmo-
nia que pode e precisa ser enfrentada pela equipe de saúde,
sempre priorizando a preservação do direito do adolescente à
saúde.
Assim sendo, a violação do sigilo se justifica em situ-
ações bastante específicas e necessárias, sendo considerado
justa causa as condições em que há outra possibilidade, prin-
cipalmente quando implicar no benefício maior a outras pes-
soas (Santos et al., 2012, p. 7).
Os autores ainda defendem que se torna obrigatória a
comunicação de informações pessoais do paciente quando

176
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

houver indícios dele ser uma vítima de crime de ação pública,


uma vez que a proteção da integridade do paciente passa a
ser uma obrigação do médico. Outra situação é quando o pa-
ciente consente a sua quebra do sigilo, assim como previsto
no Código de Ética Médica, já que esse consentimento é ne-
cessário para autorizar o médico a depor em juízo como tes-
temunha, ressalvada a intenção do profissional em manter o
sigilo ou não.
Santiago (2021, p. 24) ratifica que o consentimento do
paciente reverbera como previsão legal para a revelação do
sigilo médico, ou quando a revelação estiver encoberta por
uma causa de justificação (a notificação de doença compulsó-
ria, por exemplo).

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A matéria acerca do sigilo profissional remonta desde o


século V a.C., e sua importância tem base na questão da con-
fiabilidade entre o paciente e o médico, na qual o paciente ne-
cessita da segurança de que seus segredos serão guardados
e colabora com as informações necessárias para o atendi-
mento médico.
Mesmo que o sigilo tenha se estabelecido desde a era

177
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

Hipocrática, ainda hoje desperta singular interesse à ciência


penal e tem sido um assunto que gera diversas interpretações,
no qual alguns mentores o defendem como caráter absoluto
em razão da ética que o envolve, já outros afirmam que não
há caráter absoluto e possui exceções.
Nesse ínterim, tanto o Código Penal do Brasil como o
Código de Ética Médica estabelecem que há ressalvas para o
sigilo médico. E mesmo que a garantia da inviolabilidade da
intimidade, da vida privada, da honra e da imagem das pes-
soas seja constitucionalmente prevista, o bem maior deve ser
analisado pelo médico e poderá quebrar o sigilo.
Assim, mesmo que seja imprescindível estabelecer
uma relação de confiança entre médico e paciente, para que
o paciente revele informações relevantes que auxilie o médico
a determinar o diagnóstico e tratamento, é imperativo que o
médico identifique se existe situações em que a quebra do si-
gilo é compulsória ou indispensável.
Nessa concepção, tanto o próprio paciente atendido é
alvo desse princípio (quando ele corre risco de tirar a própria
vida ou é exposto a violência), quanto terceiros que possam
estar em situação de vulnerabilidade se o segredo do paciente
não for revelado (em casos de agravos de notificação compul-
sória, por exemplo). Cabe ao médico, então, a avaliação da
situação em que a quebra é relativa.

178
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

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Dt/?lang=pt

182
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

5
A RESPONSABILIDADE DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA
FRENTE AOS CONTRATOS DE TERCEIRIZAÇÃO
DE MÃO DE OBRA

THE RESPONSIBILITY OF THE PUBLIC


ADMINISTRATION REGARDING LABOR
OUTSOURCING CONTRACTS

Diago Lucas Zumba Campos9


Ícaro Maia Chaim10

CAMPOS, Diago Lucas Zumba. A responsabilidade da Ad-


ministração Pública frente aos contratos de terceirização
de mão de obra. 21 páginas. Trabalho de Conclusão de Curso
de Graduação em Direito - Centro Universitário UNINORTE,
Rio Branco, 2023.

9
Discente do 10º período do Curso de Bacharel em Direito pelo Centro
Universitário UNINORTE.
10
Docente graduado em Direito pela Faculdade Barão do Rio Branco.
Pós-graduado em Direito Processual Civil pela Universidade Anhanguera.
Advogado. Assessor jurídico na procuradoria Geral do Estado do Acre.
Coordenador do Curso de Direito no Centro Universitário UNINORTE.

183
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

RESUMO

Introdução. Este artigo trata sobre o exame da responsabili-


dade e as condutas da Administração Pública, enquanto toma-
dora de serviço, diante dos contratos administrativos de tercei-
rização de mão de obra de serviço, considerando o seu poder-
dever de fiscalização do cumprimento das obrigações traba-
lhistas pela empresa privada em relação aos seus trabalhado-
res terceirizados. Objetivo. Dessa forma, é importante de-
monstrar que a responsabilidade subsidiária de prover os dé-
bitos oriundo dos contratos de trabalho que não foram cumpri-
das pela empresa privada contratada pode recair ao ente pú-
blico quando comprovado a culpa in vigilando da entidade. Mé-
todo. A partir disso, foi utilizado as fontes bibliográficas perti-
nentes ao tema, como artigos e doutrinas, bem como a utiliza-
ção de jurisprudências e de legislação, que regularizem o
tema. Resultados. É importante adotar condutas de fiscaliza-
ção do cumprimento dos direitos trabalhistas dos empregados
terceirizados, como criar comissões de fiscalização de contra-
tos ou utilizar a conta de depósito compartilhada. Conclusão.
A terceirização é um instrumento que pode ser muito benéfico
e econômico para o Estado, mas quando não há fiscalização,
pode gerar grandes danos ao erário e, consequentemente,
para a coletividade.

Palavras-chave: terceirização; contratos administrativos; res-


ponsabilidade subsidiária.

184
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

ABSTRACT

Introduction. This article deals with examining the responsibi-


lity and conduct of the Public Administration, as a service pro-
vider, in the face of administrative contracts for outsourcing
service labor, considering its power-duty to monitor compli-
ance with labor obligations by the private company in in relation
to its outsourced workers. Goal. Therefore, it is important to
demonstrate that the subsidiary responsibility for covering de-
bts arising from employment contracts that were not fulfilled by
the contracted private company may fall to the public entity
when the entity's guilt in vigilando is proven. Method. From
this, bibliographic sources relevant to the topic were used,
such as articles and doctrines, as well as the use of jurispru-
dence and legislation, which regularize the topic. Results. It is
important to adopt measures to monitor compliance with the
labor rights of outsourced employees, such as creating con-
tract inspection committees or using a shared deposit account.
Conclusion. Outsourcing is an instrument that can be very be-
neficial and economical for the State, but when there is no su-
pervision, it can cause great damage to the treasury and, con-
sequently, to the community.

Keywords: outsourcing; administrative contracts; subsidiary li-


ability.

185
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

INTRODUÇÃO

No Brasil, o modelo de contratação de empresas para


realizar serviços terceirizados é uma realidade que acontece
há mais de seis décadas, surgindo exatamente no ambiente
público e, posteriormente, também começou acontecer em
âmbito privado. Na verdade, o fenômeno da terceirização é
objeto de estudo da gestão administrativa, tendo passado por
diversos debates ao longo tempo e entendimentos jurídicos,
inclusive, o Tribunal Superior do Trabalho já entendeu que
essa prática não era permitida.
Atualmente, após a Lei Federal nº 13.429, de 2017, e a
Lei Federal nº 13.467, de 2017, famosas por trazer nova rou-
pagem para as normas que regem as relações de trabalho,
sendo conhecidas também como Reforma Trabalhista, foi pos-
sível ampliar conceitos e firmar entendimentos em relação a
terceirização. Com essas atualizações, um dos principais mar-
cos na legislação trabalhista foi a possibilidade de terceirizar
atividade-fim de uma organização, o que era vedado antes da
Reforma Trabalhista.
A partir disso, entendendo sobre a terceirização, é im-
portante dizer que ela tem papel fundamental no serviço pú-
blico, uma vez que as três esferas (União, Estado e Município)
possuem contratos administrativos de terceirização de mão de

186
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

obra de serviço, considerando os custos, a possibilidade de ter


empresas particulares cuidando de atividades auxiliares e co-
laborando para o desenvolvimento da Administração.
Por outro lado, pretende-se mostrar não tão somente
sobre as necessidades que existem no ambiente da Adminis-
tração Pública e as vantagens da contratação de mão de obra
terceirizada, mas principalmente o papel dos entes públicos
nessa relação, que vai além de tomador de serviço.
Nesse sentido, já era entendido pela Lei Federal nº
8.666, de 1993, e reforçado pela Lei Federal nº 14.133, de
2021, que é responsabilidade da contratada os encargos tra-
balhistas dos empregados. Contudo, os órgãos e entidades da
Administração Pública Direta e Indireta, sob o risco de respon-
der subsidiariamente, deve zelar pelo cumprimento dos encar-
gos laborais da empresa contratada com os funcionários, uma
vez que fiscalizar o contrato e zelar por isso é um poder-dever
da Administração.
Assim, objetivando minimizar os riscos de responder
subsidiariamente em relação às obrigações laborais devidas
aos trabalhadores se faz necessário uma análise mais deta-
lhada das condutas que a Administração Pública deve tomar,
enquanto figura como tomar de serviços, visando a diminuição
de danos aos cofres públicos, além de zelar pelo bom desem-
penho e eficiência do serviço público.

187
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

5.1 BREVES COMENTÁRIOS SOBRE A ADMINISTRAÇÃO


PÚBLICA

O Estado é uma entidade construída por uma coletivi-


dade política e juridicamente organizada em território especí-
fico, conforme preconiza a Constituição Federal da República.
No Brasil, a forma de Estado é a Federação, isto é, ocorre a
divisão de poderes, restando dividido as competências finan-
ceiras, administrativas e políticas, surgindo entes federativos
que recebem parcelas dessa autonomia, conforme estabele-
cido pela Carta Maior.
Dessa forma, os entes são compreendidos pela União,
os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, os quais pos-
suem autonomia para se organizarem administrativamente.
Considerando isso, resta entender a denominada “ad-
ministração pública”, a qual é comumente usada na linguagem
cotidiana e abarca inúmeros sentidos. Neste sentido, o seu
maior objetivo é atender o interesse coletivo, isto é, sobrepõe
à vontade de particulares.
Contudo, na seara jurídica, se faz necessário adotar
uma definição para que seja compreendido e aplicado às nor-
mas, teorias e outros ensinamentos que se perduram no Di-
reito. A partir disso, é importante compreender as duas princi-
pais definições adotas em relação a expressão, a seguir:

188
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

Por vezes, o termo se refere à função ou ativi-


dade de administrar os negócios, coisas e recur-
sos públicos. Nessa acepção, trata-se das ativi-
dades de gestão, gerenciamento, planejamento,
execução e implementação de políticas. Esse é
o sentido objetivo da expressão e, quando assim
utilizada, vem ela grafada com letras minúsculas.
Exemplificando: Marcos já participou de vários
cursos de capacitação sobre administração pú-
blica. Em outras ocasiões, a expressão se refere
às pessoas, entidades ou órgãos que executam
a tarefa de administrar a res publicae. Assim, a
locução adquire um sentido subjetivo, pois se re-
fere a sujeitos que administram. Quando utilizada
com essa finalidade, a expressão deve ser es-
crita com letras maiúsculas. Exemplo: Marcos
celebrou contratos com a Administração Pública.
(Pires, 2019)

Diante disso, a Administração Pública é o conjunto de


entidades, que segundo o Decreto-Lei nº 200, de 25 de feve-
reiro de 1967, se divide em duas categorias: Direta e Indireta.
A Administração Pública Direta é composta por serviços
integrados na estrutura administrativa dos entes das três esfe-
ras União, Estados, Distrito Federal e Municípios, sendo en-
carregados de executar os serviços públicos de maneira di-
reta. Enquanto isso, a Administração Pública Indireta é com-
posta pelas entidades que possuem personalidade jurídica
própria (autarquias, empresas públicas, sociedade de econo-
mia mista, fundações públicas, agências reguladoras, consór-
cios públicos), as quais são criadas para prestar atividade es-
pecífica.

189
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

Dessa forma, vale ressaltar que, para que seja atingido


o interesse público se faz necessário que a Administração Pú-
blica exerça suas atividades visando o interesse público, para
isso é atribuído a ela uma série de poderes com o foco em
realização de seus deveres e atividades, no âmbito adminis-
trativo da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Muni-
cípios, tais poderes são denominados por: poder regulamen-
tador, poder disciplinar, poder hierárquico e poder de polícia.
Caminhado até este ponto, resta definir a atuação da
Administração Pública na oferta de serviço público. O serviço
público, segundo de Pietro (2020), abrange atividades que fo-
ram assumidas pelo Estado, em razão de sua relevância para
o interesse público, que vai ser realizada em caráter exclusivo
ou não. Ainda, a Carta Constitucional trouxe vários exemplos
de serviços públicos, como o serviço postal, instalações de
energias elétricas, serviços de transportes, serviços de saúde,
educação, assistência social, entre outros.
Assim, a Administração Pública não é nem o Estado e
nem o Governo, mas sim com eles se relacionam, ou seja, a
estrutura ou a “máquina” que fará o Estado funcionar e se or-
ganizar, colocando em ação as decisões do Governo, como
por exemplo a contratação de pessoal, a realização de obras
públicas, entre outras demandas.

190
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

5.1.1 PRINCÍPIOS DO DIREITO ADMINISTRATIVO NORTE-


ADORES NO AMBIENTE DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA

Primeiramente, ressalta-se que o ramo do Direito Admi-


nistrativo, no Brasil, não possui um código normativo, como
em outros ramos do direito, os quais possuem suas normas
codificadas e unificadas, razão pela qual os princípios têm
grande peso, podendo ser vistos como regras gerais. No
campo doutrinário, pode ser observado como serão identifica-
dos e aplicados os princípios em cada caso no âmbito da Ad-
ministração. Ou seja, os princípios são tidos como regras a
serem observados no exercício do serviço público.
Segundo Mazza, os princípios do Direito Administrativo
cumprem as funções de hermenêutica, como esclarecimento
de algum dispositivo analisado, e como função integrativa, que
preenche lacunas existentes no ordenamento jurídico (2022,
p. 207).
No Direito Administrativo, existem dois princípios funda-
mentais, a supremacia do interesse público sobre o privado e
a indisponibilidade do interesse público, são princípios implíci-
tos, e importante dizer que os outros mandamentos de princí-
pios nesse ramo se desdobram dos dois principais comenta-
dos a seguir.
A supremacia do interesse público sobre o privado, que

191
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

pode ser chamado também de princípio do interesse público


ou da finalidade pública, dispõe que o interesse o bem-estar
coletivo deve ser mais importantes do que os interesses priva-
dos e individuais.
Como ensina Lummer (2020) “a supremacia do inte-
resse público não está acima de direitos e garantias funda-
mentais, principalmente aqueles que são oponíveis por parte
do indivíduo em face do Estado da sociedade”, mas leva-se
em conta o fato do interesse público ser relevante, por isso a
Administração Pública goza de certas prerrogativas.
Existem alguns exemplos clássicos da aplicabilidade do
princípio do interesse público, tendo como exemplo o poder de
desapropriação que o Estado possui, a prerrogativa de rescin-
dir unilateralmente contratos administrativos, a presunção de
legitimidades dos atos administrativos, a impenhorabilidades
dos bens públicos, e demais prerrogativas.
Em contrapartida, o princípio da indisponibilidade do in-
teresse público disciplina que os agentes públicos devem
atuar conforme determinado pela lei, ou seja, não podem atuar
conforme as suas próprias vontades, tampouco, renunciar po-
deres e competências que são conferidos ao ente público.
O princípio da indisponibilidade do interesse público de-
monstra que os órgãos públicos não podem transferir para es-
tranhos a sua função de proteção do interesse público, o que

192
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

tal fato só pode ser mudado por lei. Dessa forma, tem-se que
a Administração ou o agente público é responsável por guar-
dar e usar o bem em sintonia com a sua finalidade, mas não é
o dono da coisa pública, pois ela pertence ao povo.
Além disso, ao tratar dos princípios que se relacionam
com a Administração Pública é necessário destacar o art. 37
da Constituição Federal, que disciplina, principalmente, a obe-
diência aos princípios de legalidade, impessoalidade, morali-
dade, publicidade e eficiência (Brasil, 2023).
Em relação ao princípio da legalidade, “o exercício da
função administrativa não pode ser pautado pela vontade da
Administração ou dos agentes públicos, mas deve obrigatori-
amente respeitar a vontade da lei” (Mazza, 2022, p. 235). A
Administração Pública somente poderá agir e praticar atos que
estejam autorizados em lei, obviamente, os atos administrati-
vos não devem contrariar o que está positivado.
O princípio da impessoalidade implica na imparciali-
dade, isto é, não é permitido autopromoção de agentes ou au-
toridades, bem como implica na atuação dos servidores públi-
cos ser imputada ao Estado.
O princípio da moralidade administrativa defende o agir
com ética no exercício do serviço público, considerando pa-
drões da boa-fé, da lealdade, da probidade e da honestidade,
se diferindo da moral comum. Conforme destaca Pietro (2019)

193
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

"o princípio concretiza o direito subjetivo público a uma admi-


nistração honesta”. Ainda, a moralidade caminha ao lado da
probidade, a qual deve estar presente na conduta do agente
público e nos atos praticados.
O princípio da publicidade estar relacionado ao dever
de tornar público os atos administrativos oficiais, permitindo
que a coletividade possua acesso e conhecimento à informa-
ção, contribuindo com a transparência nas ações administrati-
vas, tendo relação com a exteriorização da vontade da Admi-
nistração Público. Obviamente que em algumas situações não
é recomendável tal publicidade, principalmente, se tratando de
segurança do Estado e da sociedade, bem como da intimidade
das pessoas envolvidas.
O princípio da eficiência tem relação com os resultados
das condutas da Administração Pública, visando a redução de
desperdícios, preocupado com a qualidade e produtividade do
Estado, bem como a economia, visando melhor aplicabilidade
da lei.
Além desses, é importante mencionar outros princípios
que tem grande relevância no serviço público que é o da se-
gurança jurídico, o da motivação, o da razoabilidade, da auto-
tutela, entre outros.
Neste sentido, entende-se que os princípios ocupam

194
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

função essencial no Direito Administrativo, uma vez que orien-


tam a execução dos serviços no âmbito do serviço público,
bem como também estão voltados para tomada de decisões
finais e condutas da Administração Pública, portanto, servem
como controle da atividade administrativa.

5.1.2 INGRESSO EM CARGO OU EMPREGO NA ADMINIS-


TRAÇÃO PÚBLICA

Os agentes públicos "é toda pessoa física que exerce


função pública de titularidade do Estado ou das pessoas jurí-
dicas da Administração Indireta" (Pietro, 2022). Diante disso,
a Constituição da República induz a existência de quatro gru-
pos de agentes públicos, os quais são estudados pelas doutri-
nas, sendo eles o agente político, os militares, os particulares
em colaboração com o Poder Público e o servidor público.
Os agentes políticos são àqueles que ocupam os car-
gos de altos escalões do Governo, sendo os Chefes do Poder
Executivo e seus principais auxiliares, sendo ainda as figuras
que estruturam o Poder Legislativo, o Poder Judiciário, o Ór-
gão Ministerial e outros. Para o doutrinador Antonio Bandeira
de Melo, "são os titulares dos cargos estruturais à organização
política do país, ou seja, ocupantes dos que integram o arca-
bouço constitucional do Estado, o esquema fundamental do

195
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

poder" (Mello, 2019, p. 255).


Os militares, segundo a Constituição da República, são
as pessoas físicas que prestam serviços às Forças Armadas,
Marinha, Exército e Aeronáutica, bem como às Polícias Milita-
res e Corpos de Bombeiros Militares dos Estados, do Distrito
Federal e dos Territórios, ainda abrangendo a Polícia Federal,
a Polícia Rodoviária Federal, as Polícias Civis, as Polícias Mi-
litares e Corpos de Bombeiros Militares, as Polícias Penais Fe-
deral, estaduais e distrital (Pietro, 2022).
Para os militares, regulamentando suas atuações será
aplicado regime jurídico próprio e com vínculo estatutário, que
obedecerá a instituição que pertença, devendo ser observado
a lei própria do militar, a qual vai dispor sobre o ingresso, es-
tabilidade, transferências e outros assuntos inerentes ao
cargo.
Os particulares em colaboração com o Poder Público
são aquelas pessoas físicas que prestam algum tipo de ser-
viço ao Estado, as quais não possuem vínculo ou contratação
de emprego e nem recebem remuneração para isso. Os mai-
ores doutrinadores na seara do Direito Administrativo conside-
ram essas pessoas como agentes públicos, e podem ser um
exemplo dessa categoria os estagiários, também membros de
organização da sociedade civil.

196
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

Os servidores públicos podem ser compreendidos pe-


los servidores estatutários, empregados públicos e servidores
temporários. São as pessoas que ocupam cargo público, pres-
tando serviços à União, aos Estados, ao Distrito Federal, aos
municípios e às entidades da Administração Pública Indireta.
Destaca-se o art. 37, incisos I e II da Constituição Fe-
deral, a seguir:

Art. 37. ...


I - os cargos, empregos e funções públicas são
acessíveis aos brasileiros que preencham os re-
quisitos estabelecidos em lei, assim como aos
estrangeiros, na forma da lei;
II - a investidura em cargo ou emprego público
depende de aprovação prévia em concurso pú-
blico de provas ou de provas e títulos, de acordo
com a natureza e a complexidade do cargo ou
emprego, na forma prevista em lei, ressalvadas
as nomeações para cargo em comissão decla-
rado em lei de livre nomeação e exoneração;
(Brasil, 2023)

Nesse sentido, a investidura aos cargos, empregos e


funções públicas acontecerão mediante concurso público,
obedecendo a igualdade. Nota-se que, a previsão constitucio-
nal ressalvou os casos de nomeações em cargos de assesso-
ramento em comissão, os quais são de livre nomeação e exo-
neração.
Por fim, nota-se que o concurso público obedece aos

197
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

princípios basilares do Direito Administrativo, como a legali-


dade, a impessoalidade, a moralidade e de eficiência, permi-
tindo que as pessoas que preencham os requisitos do con-
curso, participem do certame e disputem o cargo para adentrar
no serviço público. Ainda, a outra forma de laborar no serviço
público é pela terceirização, que será abordado adiante.

5.2 OS CONTRATOS ADMINISTRATIVOS E A TERCEIRI-


ZAÇÃO NO SERVIÇO PÚBLICO

Os contratos são negócios jurídicos, os quais podem


acontecer de maneira bilateral ou plurilateral, devendo com-
preender, principalmente, a função social de atender todas as
partes desse negócio jurídico, respeitando a sua vontade, con-
duta leal e satisfação dos interesses dos envolvidos. Diante
disso, a função social de um contrato está embasada no fato
desse negócio jurídico ter que ser bom para as partes do con-
trato, mas não podendo estar em confronto com o interesse
social.
A partir disso, tem-se os contratos administrativos, que
são àqueles realizados pela Administração Pública, entre os
entes públicos estipulando relação de vínculo de obrigações
com particulares, devendo se ater a algumas peculiaridades e

198
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

características próprias, que os diferencia dos contratos nor-


mais regidos apenas pelo Código Civil. Contudo, o Direito Civil
cuida das normas gerais contratuais, importando ao Direito
Administrativo, principalmente em razão de regulamentação,
os elementos essenciais, entre outros pontos.
Importante mencionar que, como ensina o ilustre dou-
trinador Mateus Carvalho (2021, p. 88), não se deve confundir
contratos administrativos “com todo e qualquer contrato cele-
brado pelo Poder Público”. Isto é, contratos administrativos
não se confunde com contratos da Administração. Inobstante
a isso, Pietro (2008), diz que nos contratos administrativos, a
Administração age como poder público, tendo poder de impé-
rio, caso fosse diferente, estaria sendo celebrado um contrato
regido apenas pelo Código Civil.
A Lei Federal nº 14.133, de 1º de abril de 2021, traz em
seu artigo segundo, algumas espécies de contratos, sendo
“alienação e concessão de direito real de uso de bens, com-
pra, locação, concessão e permissão de uso de bens públicos,
prestação de serviços, de obras e serviços de arquitetura e
engenharia, contratações de tecnologia da informação e co-
municação” (Brasil, 2021).
Ademais, além das espécies que podem ser encontra-
das na mencionada Lei, há também outros tipos de contratos,
que como disciplina o ilustre professor Matheus Carvalho

199
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

(2021, p. 135), doutrinariamente costumam apontar os contra-


tos de concessão, contratos de permissão de serviços públi-
cos e os contratos de gestão.
Dessa maneira, os denominados contratos administra-
tivos são a manifestação de vontade de duas ou mais partes,
tendo como objetivo celebrar um negócio jurídico, onde o Po-
der Público, atua com prerrogativas em razão do interesse pú-
blico, objetivando o bem coletivo. Por isso, são regidos, princi-
palmente, pelo direito público, dando certos privilégios a Ad-
ministração.

5.2.1 A TERCEIRIZAÇÃO DE MÃO DE OBRA NO SERVIÇO


PÚBLICO

Como visto alhures, existem diferentes formas de aden-


trar no setor público, porém a terceirização surge como um
instrumento para agregar ao serviço público maior eficiência
através da utilização de mão de obra de terceiros, sem a obri-
gatoriedade de concurso público, conforme preconiza a Cons-
tituição Federal.
A terceirização é um fenômeno bastante estudado nas
ciências econômicas e no âmbito da administração de empre-
sas (Silva, 2017), sendo popularmente conhecida com esse
nome. Todavia, é apenas um contrato de trabalho voltado para

200
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

execução de serviços por terceiros.


Ao tratar de terceirização no ambiente do serviço pú-
blico, destaca-se o Decreto-Lei nº 200, de 25 de fevereiro de
1967, o qual permitiu o uso da Administração Pública da exe-
cução indireta de atividades, através da celebração de negó-
cios jurídicos com particulares. Posteriormente, outras leis sur-
giram positivando sobre contratações públicas até a Constitui-
ção Federal de 1988 dispor sobre admissão em cargo ou em-
prego público mediante concurso público.
De outra forma, um pouco mais adiante, houve o De-
creto Federal nº 2.271, de 7 de julho de 1997, que disciplinava
sobre a contratação de serviços pelo Estado, visando o cum-
primento e a execução de atividades que deveriam ser reali-
zadas de forma descentralizada. Destaca-se também a aplica-
bilidade da Súmula nº 331 do Tribunal Superior do Trabalho,
que trazia distinção entre atividade-meio e atividade-fim,
sendo a atividade-fim não permitida no âmbito da Administra-
ção Pública até a reforma trabalhista. Conforme a seguir:

SÚMULA 331 – TST


CONTRATO DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS.
LEGALIDADE (nova redação do item IV e inseri-
dos os itens V e VI à redação) - Res. 174/2011,
DEJT divulgado em 27, 30 e 31.05.2011.
I - A contratação de trabalhadores por empresa
interposta é ilegal, formando-se o vínculo direta-
mente com o tomador dos serviços, salvo no
caso de trabalho temporário (Lei nº 6.019, de
03.01.1974).

201
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

II - A contratação irregular de trabalhador, medi-


ante empresa interposta, não gera vínculo de
emprego com os órgãos da Administração Pú-
blica direta, indireta ou fundacional (art. 37, II, da
CF/1988).
III - Não forma vínculo de emprego com o toma-
dor a contratação de serviços de vigilância (Lei
nº 7.102, de 20.06.1983) e de conservação e lim-
peza, bem como a de serviços especializados li-
gados à atividade-meio do tomador, desde que
inexistente a pessoalidade e a subordinação di-
reta.
IV - O inadimplemento das obrigações trabalhis-
tas, por parte do empregador, implica a respon-
sabilidade subsidiária do tomador dos serviços
quanto àquelas obrigações, desde que haja par-
ticipado da relação processual e conste também
do título executivo judicial.
V - Os entes integrantes da Administração Pú-
blica direta e indireta respondem subsidiaria-
mente, nas mesmas condições do item IV, caso
evidenciada a sua conduta culposa no cumpri-
mento das obrigações da Lei n.º 8.666, de
21.06.1993, especialmente na fiscalização do
cumprimento das obrigações contratuais e legais
da prestadora de serviço como empregadora. A
aludida responsabilidade não decorre de mero
inadimplemento das obrigações trabalhistas as-
sumidas pela empresa regularmente contratada.
VI - A responsabilidade subsidiária do tomador
de serviços abrange todas as verbas decorrentes
da condenação referentes ao período da presta-
ção laboral. (Brasil, 2023)

Destaca-se que, a Lei de Terceirização, sendo a Lei Fe-


deral nº 13.429, de 2017, que trata sobre a lei do trabalho tem-
porário e sobre as relações de trabalho de prestação de servi-
ços a terceiros, em conjunto com a “Reforma Trabalhista”, a
Lei Federal nº 13.467, de 13 de julho de 2017, implementaram

202
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

importantes alterações em mais de cem artigos na Consolida-


ção das Leis Trabalhistas, que tratavam, principalmente, sobre
jornada de trabalho, compensação de férias, salários, além de
introduzir novos princípios e novas modalidades de trabalho,
como o trabalho remoto.
Tratando-se do tema terceirização, a Lei Federal nº
13.429, de 2017, permitiu que fosse possível a terceirização
em todos os tipos de atividade, inclusive, na atividade-fim, o
que não era permitido anteriormente. Isto é, antes da Reforma
Trabalhista, era comum a terceirização apenas de serviços de
limpeza, de segurança e de conservação, como também de
atividade-meio. A partir da mudança com a Reforma Traba-
lhista foi possível garantir a terceirização de serviços de ativi-
dade-fim da empresa tomadora do serviço.
Importante dizer também que as mencionadas Leis
trouxeram um marco legal para a terceirização no Brasil, con-
siderando a positivação de direitos e garantias dos trabalha-
dores terceirizados. Nota-se que, o Direito do Trabalho é um
dos ramos mais fluídos, que precisa constantemente ser atu-
alizado, pois está ligado diretamente com as evoluções e rela-
ções de trabalho, tendo ligação com o capitalismo, a globali-
zação e outros fatores.
Para melhor compreensão do tema, a Lei Federal nº
13.467, de 2017, entendeu como terceirização de serviços “a

203
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

transferência feita pela contratante da execução de quaisquer


de suas atividades, inclusive sua atividade principal, à pessoa
jurídica de direito privado prestadora de serviços que possua
capacidade econômica compatível com a sua execução.
Ainda, até os dias atuais a Reforma Trabalhista, em re-
lação à terceirização no âmbito da Administração Pública
deixa comentários e discussões entre juristas e doutrinadores,
principalmente em relação a contratação de serviços para re-
alização de atividade-fim.
Na verdade, a mencionada Reforma tinha como obje-
tivo simplicidade e flexibilização nas relações de trabalho, com
o objetivo de melhorar as produções de trabalho, redução de
custo e obediência ao princípio da eficiência. Em razão disso,
os contratos administrativos que tenham como objeto a tercei-
rização de mão de obra seguirão as regras e regulamentos da
lei vigente de contratos administrativos e licitação, bem como
terá prazo de durabilidade, as responsabilidades, o dever de
fiscalização, e outros pontos essenciais de um contrato.
Por fim, os contratos administrativos de prestação de
serviços de mão de obra é um instrumento que visa a transfe-
rência de execução de serviços para terceiros, objetivando
maior produção das organizações públicas, tendo uma em-
presa privada responsável para atender às necessidades do
órgão ou entidade pública, sendo utilizados, principalmente,

204
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

na gestão de pessoal, manutenção predial, limpeza, segu-


rança, entre outros, considerando também as atividades-fim
do órgão ou entidade.

5.2.2 PONTOS POSITIVOS E NEGATIVOS DA TERCEIRIZA-


ÇÃO NO SERVIÇO PÚBLICO

Em primeiro lugar, apesar da legislação atual permitir


que seja possível terceirizar serviços de atividade-fim, é para
realização de atividade-meio que esse instrumento é mais uti-
lizado na Administração Pública. Em razão disso, é importante
dizer que é benéfico para o Estado contratar particulares para
realizar atividades que lhe são atípicas, como manutenção
predial, limpeza e segurança, enquanto o ente público se des-
dobra naquilo que é de fato da sua competência e tem grande
relevância para o desenvolvimento do Estado.
Dessa forma, é um ponto positivo para a Administração
Pública focar na sua atividade principal, permitindo que o ente
esteja concentrado nas suas funções essenciais e estratégi-
cas, enquanto a empresa contratada desenvolva as atividades
de suporte. Além disso, permite maior agilidade e flexibilidade
na execução dos serviços públicos, considerando que a Admi-
nistração Pública priorizaria suas ações nas demandas estra-
tégicas.

205
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

Ademais, para realização de concursos públicos é ne-


cessário um estudo do impacto-orçamentário, que nem sem-
pre existe recursos disponíveis para o seu feito, bem como
existem etapas e ações programadas, o que pode implicar em
demora excessiva, causando atrasos nas atividades da Admi-
nistração Pública, comprometimento na eficiência e gerar da-
nos para a coletividade.
Além disso, contar com a terceirização de mão de obra
especializada de empresas que tenham expertise ou melhores
habilidades em uma área específica é um grande ganho para
Administração Pública, uma vez que podem melhorar a quali-
dade e a eficiência dos serviços públicos.
Por outro lado, os pontos negativos da realização de
contratação de terceirização de mão de obra para a Adminis-
tração Pública estão interligados, principalmente, a perda de
controle sobre a qualidade e eficiência do serviço prestado,
uma vez que a Administração estaria dependendo de terceiros
para execução do serviço. Outrossim não é raro que essas
empresas estejam preocupadas com o lucro, fazendo com que
a qualidade dos serviços seja ruim.
Outro ponto de desvantagem da terceirização de mão
de obra é a precarização do trabalho, considerando a instabi-
lidade do emprego, o rebaixamento de salários, as desigual-
dades no ambiente do trabalho, uma vez que se a fiscalização

206
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

não for eficiente e diligente, podem ocorrer diversas falhas na


prestação de serviço, inclusive, exploração do trabalhador.
Importante mencionar também que o Estado deve estar
preocupado com a responsabilidade social. Nesse aspecto, se
a empresa não compartilha dos mesmos valores e objetivos
voltados para a coletividade, obviamente, haverá um desen-
contra nas expectativas de execução do serviço público.
A partir disso, pode-se dizer que a terceirização tem
pontos positivos e negativos no âmbito da Administração Pú-
blica, ao passo que é uma alternativa de redução de custos,
mas também pode apresentar riscos como o de perda de con-
trole da execução de atividades. Contudo, a regulamentação
e observância das vantagens e desvantagens vão ocorrer a
partir da vigilância e fiscalização dos contratos.

5.3 A RESPONSABILIDADE SUBSIDIÁRIA DO ENTE PÚ-


BLICO NOS CONTRATOS DE TERCEIRIZAÇÃO

Os contratos administrativos de contratação de mão de


obra terceirizada no serviço público merece maior atenção,
considerando a possibilidade de obrigar a Administração Pú-
blica a responsabilidade por realizar pagamentos de débitos
trabalhistas, quando comprovada a sua negligência em reali-
zar fiscalização no cumprimento das obrigações trabalhistas

207
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

da empresa contratada em relação aos seus empregados.


Nesse sentido, importante pontuar que esses contratos
se diferem dos demais justamente por se tratar de relações
humanas. Destaca-se o entendimento abaixo:

Ao contrário de outros segmentos jurídicos, em


que cláusulas contratuais de desoneração de
responsabilidade podem ser livremente pactua-
das, no direito do trabalho o objeto primordial é a
energia humana, a qual, uma vez empreendida,
é irrecuperável e irretornável, sendo considerado
imoral, além de ilegal, que o beneficiário dessa
força de trabalho simplesmente sonegue a con-
traprestação e se considere irresponsável pelas
reparações cabíveis. (Silva, 2017)

Dessa forma, o contratante, sendo este a figura que é


beneficiada da atividade laboral prestada não pode ficar de
fora do campo da responsabilidade, razão pela qual a respon-
sabilidade subsidiária surge como um instrumento para coibir
fraudes trabalhistas e representa uma alternativa dos empre-
gados receberem suas verbas trabalhistas.
Contudo, ressalta-se o que disciplina o art. 71 da Lei nº
8.666, de 1993, a seguir:

Art. 71. O contratado é responsável pelos encar-


gos trabalhistas, previdenciários, fiscais e comer-
ciais resultantes da execução do contrato.
§ 1º A inadimplência do contratado, com referên-
cia aos encargos trabalhistas, fiscais e comerci-
ais não transfere à Administração Pública a res-
ponsabilidade por seu pagamento, nem poderá

208
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

onerar o objeto do contrato ou restringir a regula-


rização e o uso das obras e edificações, inclusive
perante o Registro de Imóveis.
§ 2º A Administração Pública responde solidaria-
mente com o contratado pelos encargos previ-
denciários resultantes da execução do contrato,
nos termos do art. 31 da Lei nº 8.212, de 24 de
julho de 1991. (Brasil, 2023)

Nota-se que há explicitamente a previsão da responsa-


bilidade da contratada em relação aos débitos trabalhistas.
Apesar disso, conforme o tempo foi passando, e surgindo as
constantes demandas trabalhistas em relação aos serviços
terceirizados no âmbito público, adotou-se a ideia de que a
Administração Pública teria responsabilidade nos encargos
previstos acima quando comprovado a sua indiligência na fis-
calização do contrato administrativo, isto é, agindo de forma
comissiva ou omissiva. Esse entendimento é sedimentado na
Súmula 331 do TST, mencionada anteriormente.
Frisa-se ainda que o tomador do serviço somente po-
derá se responsabilizar durante o tempo em que se beneficiou
do contrato, considerando não haver responsabilidades por
encargos injustos e que fogem da normalidade de valores.
Nesse cenário, a terceirização virou algo banalizado, estando
associada à corrupção e fraudes trabalhistas, o que demandou
maior cautela do legislador e dos tribunais ao aplicar a norma.
Nessa perspectiva, a Lei Federal nº 14.133, de 2021,
manteve o entendimento em relação a responsabilidade da

209
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

empresa contratada, porém introduziu novas práticas na su-


pervisão de contratos de terceirização de mão de obra. Tal fato
ocorre considerando a necessidade atrasada de criação de
procedimentos mais firmes em relação ao dever de fiscalizar
do Estado. Conforme a seguir:

Art. 121. Somente o contratado será responsável


pelos encargos trabalhistas, previdenciários, fis-
cais e comerciais resultantes da execução do
contrato.
§ 1º A inadimplência do contratado em relação
aos encargos trabalhistas, fiscais e comerciais
não transferirá à Administração a responsabili-
dade pelo seu pagamento e não poderá onerar o
objeto do contrato nem restringir a regularização
e o uso das obras e das edificações, inclusive pe-
rante o registro de imóveis, ressalvada a hipó-
tese prevista no § 2º deste artigo.
§ 2º Exclusivamente nas contratações de servi-
ços contínuos com regime de dedicação exclu-
siva de mão de obra, a Administração respon-
derá solidariamente pelos encargos previdenciá-
rios e subsidiariamente pelos encargos trabalhis-
tas se comprovada falha na fiscalização do cum-
primento das obrigações do contratado.
§ 3º Nas contratações de serviços contínuos com
regime de dedicação exclusiva de mão de obra,
para assegurar o cumprimento de obrigações tra-
balhistas pelo contratado, a Administração, me-
diante disposição em edital ou em contrato, po-
derá, entre outras medidas:
I - exigir caução, fiança bancária ou contratação
de seguro-garantia com cobertura para verbas
rescisórias inadimplidas;
II - condicionar o pagamento à comprovação de
quitação das obrigações trabalhistas vencidas
relativas ao contrato;

210
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

III - efetuar o depósito de valores em conta vin-


culada;
IV - em caso de inadimplemento, efetuar direta-
mente o pagamento das verbas trabalhistas, que
serão deduzidas do pagamento devido ao con-
tratado;
V - estabelecer que os valores destinados a fé-
rias, a décimo terceiro salário, a ausências legais
e a verbas rescisórias dos empregados do con-
tratado que participarem da execução dos servi-
ços contratados serão pagos pelo contratante ao
contratado somente na ocorrência do fato gera-
dor.
§ 4º Os valores depositados na conta vinculada
a que se refere o inciso III do § 3º deste artigo
são absolutamente impenhoráveis.
§ 5º O recolhimento das contribuições previden-
ciárias observará o disposto no art. 31 da Lei nº
8.212, de 24 de julho de 1991. (Brasil, 2023)

Destaca-se que, a nova Lei trouxe um rol exemplifica-


tivo de ações que podem ser feitas pela tomadora de serviço
para assegurar que as obrigações trabalhistas serão cumpri-
das pela empresa contratada, demonstrando maior preocupa-
ção do legislador em enfrentar o problema recorrente de con-
denações do ente público em arcar com danos aos trabalha-
dores terceirizados ocasionados pelos seus empregadores.
Com as novas alterações, apenas nas situações de
contratação de serviços contínuos, que podem ser compreen-
didos melhor como o serviço que não tem interrupção, os
quais tenham regime de dedicação exclusiva, que a Adminis-
tração Pública responderá subsidiariamente.
Além disso, destaca-se o art. 117 da Lei Federal nº

211
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

14.133, de 2021, que prevê que a execução do contrato de-


verá ser acompanhada e fiscalizada por um ou mais fiscais do
contrato, sendo os fiscais representantes da Administração
Pública. A partir disso, fica claro a importância das comissões
fiscalizadoras dentro dos órgãos e entidades.
Na verdade, a nova Lei representa um avanço significa-
tivo em relação a responsabilidade subsidiária dos órgãos e
entidades nos contratos de mão de obra de serviços, conside-
rando que é uma das principais demandas dos Tribunais Re-
gionais do Trabalho, e que mesmo criando regras que intensi-
fiquem a fiscalização do contrato, visando a diminuição desses
encargos à Administração Pública, ainda assim os tribunais
vão criando entendimentos e formas de aplicabilidade, como
por exemplo, criando parâmetros do que pode ser considerado
ou não indícios de prova que a Administração atuou de forma
fiscalizadora em relação ao cumprimento das obrigações tra-
balhistas por parte da empresa contratada.
Destaca-se o entendimento jurisprudencial do Supremo
Tribunal Federal, considerando o Recurso Extraordinário
760.931, a seguir:

CONSTITUCIONAL, TRABALHISTA E PRO-


CESSUAL CIVIL. AGRAVO INTERNO NA RE-
CLAMAÇÃO. VIOLAÇÃO AO QUE DECIDIDO
NA ADC 16 E NO RE 760.931 TEMA 246-RG.

212
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

DECISÃO IMPUGNADA QUE ATRIBUIU RES-


PONSABILIDADE SUBSIDIÁRIA À RECLA-
MANTE SEM A DEMONSTRAÇÃO DE COM-
PORTAMENTO SISTEMATICAMENTE NEGLI-
GENTE OU DE NEXO DE CAUSALIDADE EN-
TRE A CONDUTA DO PODER PÚBLICO E O
DANO SOFRIDO PELO TRABALHADOR. SU-
PERADA A AUSÊNCIA DE TRANSCENDÊNCIA
DO RECURSO DE REVISTA (ART. 896-A DA
CLT) POR ABSOLUTA INCOMPATIBILIDADE
COM AS DECISÕES DESTA CORTE SOBRE A
TEMÁTICA. RECURSO PROVIDO PARA AFAS-
TAR A RESPONSABILIDADE DA RECOR-
RENTE.
(...)
2. Por ocasião do julgamento do RE 760.931, sob
a sistemática da Repercussão Geral, o Plenário
desta SUPREMA CORTE afirmou que inexiste
responsabilidade do Estado por débitos traba-
lhistas de terceiros, alavancada pela premissa da
inversão do ônus da prova em favor do trabalha-
dor.
3. No caso sob exame, não houve a comprova-
ção real de um comportamento sistematica-
mente negligente da agravante, tampouco há
prova do nexo de causalidade entre a conduta
comissiva ou omissiva do Poder Público e o dano
sofrido pelo trabalhador, a revelar presunção de
responsabilidade da reclamante, conclusão não
admitida por esta CORTE quando do julgamento
da ADC 16.
4. Recurso de agravo ao qual se dá provimento,
afastando, desde já, a responsabilidade da parte
recorrente. (Rcl 40.652-AgR, Redator para o
Acórdão Min. Alexandre de Moraes, Primeira
Turma, DJe de 5/11/2020)

Nota-se que, em regra, não é aplicada automatica-


mente a responsabilidade subsidiária, sendo analisado a
prova do nexo de causalidade entre a conduta comissiva ou

213
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

omissiva da Administração Pública e o dano sofrido pelo tra-


balhador terceirizado.
Contudo, é necessário a existência de provas que o
ente público tem agido de maneira diligente, incorrendo a
culpa in eligendo, demonstrando que o tomador de serviço não
fez uma boa escolha e não pesquisou sobre as condutas e
ética da empresa, bem como a culpa in vilando, ou seja, que
não realizou a boa fiscalização do contrato.
Assim, inexiste norma positivada que discipline como a
Administração Pública irá realizar o cumprimento da fiscaliza-
ção de obrigações trabalhistas da empresa contratada, ou
seja, os instrumentos e as ações que vai utilizar para retirar a
sua responsabilidade, porém é necessária a atenção com a
rotina adotada, uma vez que a norma deixou restou claro o
dever-poder de fiscalizar, além de ter afastado a responsabili-
dade subsidiária automática da Administração, resultando em
melhorias importantes para o serviço público.

5.3.1 ADOÇÃO DE CONDUTAS ASSERTIVAS PELA ADMI-


NISTRAÇÃO PÚBLICA PARA AFASTAR A RESPONSABILI-
DADE SUBSIDIÁRIA

O particular contratado deverá ser fiscalizado, pois essa


prerrogativa, na verdade, é um poder-dever da Administração

214
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

Pública, considerando que caso não fiscalize se tornará


omisso e poderá responder por eventuais danos causados
pela empresa contratada, principalmente em matéria traba-
lhista.
Conforme disciplinado na lei de licitações e contratos, a
execução do contrato deverá ser acompanhada e fiscalizada.
Isto é, deve-se designar agentes públicos para essa atividade,
podendo aplicar penalidades, bem como exigir o cumprimento
da obrigação.
A partir disso, a Administração deverá realizar anota-
ções, acompanhamentos, ter seus próprios registros em rela-
ção a execução do contrato, devendo o agente público contar
sempre com auxílio da equipe jurídica do órgão e de controle
da Administração Pública, para sanar eventuais dúvidas e dar
o melhor direcionamento em suas condutas.
Tal fiscalização é necessária não apenas pelo fato das
responsabilidades, mas principalmente por analisar se o ser-
viço está sendo prestado como deveria ser, uma vez que o
interesse público tem que estar em evidência, então a Admi-
nistração deve melhorar suas condutas e desprezar o que não
é de interesse coletivo.
Em relação a isso, visando afastar a reponsabilidade
subsidiária do ente, é importante adoção de medidas asserti-
vas no dever de fiscalização, principalmente considerando a

215
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

Lei Federal nº 14.133, de 2021, que trouxe de forma mais in-


tensa a importância da fiscalização desses contratos.
Como primeira medida, os órgãos e as entidades de-
vem constituir uma comissão fiscalizadora que tenha como ob-
jetivo específico acompanhar a execução dos contratos de ter-
ceirização de mão de obra. É importante que essa comissão
seja liderada por um cargo efetivo do Poder Público, que es-
teja instruído e capacitado para fazer essa vigilância, regis-
trando de forma adequada e fazendo a guarda desse registro
para eventual defesa em esfera judicial.
Outro ponto que significou grande avanço trazido pela
Lei mencionada é a conta-depósito vinculada bloqueada para
movimentação, que é um mecanismo que vem criando espaço
entre os entes, sendo utilizado como uma garantia de que a
empresa contratada irá realizar o pagamento da rescisão con-
tratual dos trabalhadores terceirizados.
É importante dizer que a fiscalização dos contratos é
importante durante a durabilidade e validade do contrato, po-
rém no final algumas empresas declaram falência, fogem de
cumprir com as obrigações trabalhistas, deixando de realizar
pagamentos de verbas rescisórias e gerando grandes proble-
mas para os trabalhadores terceirizados, que motivados por
essa situação buscam reparo na Justiça do Trabalho.

216
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

Nesse momento, embora a Administração Pública te-


nha sido diligente durante a vigência do contrato, acaba tendo
que se encarregar de realizar o pagamento das verbas resci-
sórias, pelos motivos explanados acima.
Por isso, a conta vinculada é um mecanismo que pre-
cisa ser adotado pelos órgãos públicos, porque é uma maneira
de preservar o cumprimento das obrigações trabalhistas por
parte da empresa contratada, considerando que a Administra-
ção Pública vai abrir essa conta e vai garantir que seja depo-
sitado valores referentes ao pagamento de férias, décimo ter-
ceiro, verbas rescisórias e outros tipo, tendo como finalidade
ser uma garantia de fundo de reserva de valores, e que a em-
presa contratada só vai conseguir ter esses valores liberados
com a autorização da Administração Pública, que será conce-
dida somente nos casos de pagamento de verbas aos tercei-
rizados.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Em virtude do exposto, pode-se dizer que a Administra-


ção Pública precisa estar concentrada nas regras e nos prin-
cípios que norteiam os atos e serviços públicos, considerando
que a supremacia do interesse público é sempre o alvo princi-
pal das ações e condutas da Administração.

217
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

Dessa forma, a terceirização no setor público surge


como uma maneira positiva de enfrentar e suprir demandas
recorrentes no âmbito da Administração Pública, permitindo
que os entes atuem de forma mais flexível e célere na execu-
ção do serviço público com auxílio de particulares, através dos
contratos administrativos de terceirização de mão de obra.
Acontece que, conforme debatido, a Administração Pú-
blica possui o dever-poder de fiscalizar esses contratos, se
preocupando se as empresas privadas estão comprometidas
em cumprir as suas obrigações não apenas em entregar o ob-
jeto do contrato, como também se está cumprindo com as obri-
gações legais trabalhistas com seus funcionários, ora terceiri-
zados.
A importância da fiscalização é tão clara que é citada
na Lei nº 8.666/1993, na Súmula 331 do TST, na Lei nº
14.133/2021, nos entendimentos jurisprudenciais, entre outros
dispositivos e orientações, considerando que o Estado, en-
quanto tomador de serviço e beneficiado com a prestação da
mão de obra não pode se eximir de suas obrigações.
Nesse sentido, é importante dizer que o Direito do Tra-
balho se relaciona com outros ramos do direito, e possui maior
fluidez nos avanços, pois precisa alcançar as mudanças coti-
dianas, de influência da globalização e do capitalismo. Nesse
sentido, a proteção do trabalhador é uma preocupação latente

218
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

e que merece destaque no ordenamento jurídico, razão pela


qual a responsabilidade subsidiária da Administração Pública
é essencial para contornar desigualdades e injustiças causa-
das por empresas que não cumprem obrigações de encargos
trabalhistas.
Seguindo essa ótica, não é interessante para a Admi-
nistração Pública assegurar e manter contratos com empresas
omissas e indiligentes com seus trabalhadores, motivo pelo
qual a fiscalização é importante, pois assegura que as rela-
ções aconteçam dentro da legalidade, bem como que seja
afastado a responsabilidade da Administração Pública frente
às irregularidades cometidas pela empresa contratada.
Dessa forma, é notória a importância que a Administra-
ção Pública, seguindo o que já se encontra positivado no or-
denamento jurídico, adote condutas assertivas e crie mecanis-
mos de checagem, rotinas de fiscalização e esteja preocupada
com as suas responsabilidades, o que vai ajudar afastar a res-
ponsabilidade subsidiária em demandas trabalhistas, gerando
automaticamente segurança jurídicas para essas relações.
Assim, para que haja responsabilidade subsidiária do
ente é necessário que seja demonstrada a conduta omissa em
realizar fiscalização dos contratos administrativos, motivo pelo
qual a Administração Pública deve adotar medidas para afas-

219
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

tar a responsabilidade desses encargos trabalhistas, principal-


mente pelo fato dos tribunais adotarem entendimentos diver-
sos do que pode ser ou não conduta omissiva, isto é, a fisca-
lização precisa ocorrer da maneira mais severa possível para
afastar a condenação.

REFERÊNCIAS

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2023. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais. 2023. Dispo-
nível em: https://www.jusbrasil.com.br/doutrina/manual-de-di-
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de 1988. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/cci-
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bro de 2023.
BRASIL. Decreto-Lei nº 5.452, de 1º de maio de 1943.
Aprova a Consolidação das Leis do Trabalho. Disponível em:
https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del5452.htm.
Acesso em: 21 de outubro de 2023.
BRASIL. Lei nº 14.133, de 1º de abril de 2021. Lei de Licita-
ções e Contratos Administrativos. Disponível em:
https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2019-
2022/2021/lei/l14133.htm. Acesso em: 25 de outubro de 2023.
BRASIL. Lei nº 8.666, de 21 de junho de 1993. Regulamenta
o art. 37, inciso XXI, da Constituição Federal, institui normas

220
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

para licitações e contratos da Administração Pública e dá ou-


tras providências. Disponível em: https://www.pla-
nalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8666cons.htm. Acesso em: 24 de
outubro de 2023.
BRASIL. Súmula 331 do TST. Disponível em:
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Reclamação 36.958 – São Paulo. Disponível em: https://re-
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PIRES, Gabriel. Manual de Direito Administrativo. São

221
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

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https://www.jusbrasil.com.br/doutrina/manual-de-direito-admi-
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Volume 1 - Parte Geral. - Ed. 2017. São Paulo: Editora Re-
vista dos Tribunais. 2017. Disponível em: https://www.jusbra-
sil.com.br/doutrina/curso-de-direito-do-trabalho-aplicado-vo-
lume-1-parte-geral-ed-2017/1205126444. Acesso em: 26 de
outubro de 2023.

222
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

6
A (IN)EFICÁCIA DO JUS POSTULANDI NA JUSTIÇA
DO TRABALHO NO QUE CONCERNE AO
EFETIVO ACESSO À JUSTIÇA

THE (IN)EFFECTIVENESS OF JUS POSTULANDI


IN LABOR COURT REGARDING THE
EFFECTIVE ACCESS TO JUSTICE

Marcus Phelype Monteiro de Albuquerque 11


Ícaro Maia Chaim12

MONTEIRO DE ALBUQUERQUE, Marcus Phelype. A (in)efi-


cácia do jus postulandi na justiça do trabalho no que con-
cerne ao efetivo acesso à justiça. Trabalho de Conclusão de
Curso de graduação em Direito – Centro Universitário UNI-
NORTE, Rio Branco. 2023.

11
Discente do 10° período do Curso de bacharelado em Direito pelo Centro
Universitário Uninorte.
12
Docente, graduado em Direito pela Faculdade Barão do Rio Branco. Pós-
graduado em Direito Processual Civil pela Universidade Anhanguera. Ad-
vogado. Assessor Jurídico na Procuradoria Geral do Estado do Acre. Co-
ordenador do Curso de Direito do Centro Universitário Uninorte.

223
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

RESUMO

Introdução. O presente artigo visa a análise do instituto do jus


postulandi no Processo do Trabalho e a sua efetividade na ga-
rantia do acesso à justiça. Objetivo. Em função disso, será ob-
servado a origem do instituto, sua definição, bem como sua
inserção na seara da Justiça do Trabalho, destacando quando
poderá ser utilizado e qual a sua função na seara trabalhista.
Método. Desta forma, foi realizada pesquisa exploratória bibli-
ográfica, em artigos publicados, doutrinas e precedentes jul-
gados sobre a temática. Resultados. Isto posto, resta a análise
sobre a permanência desse instrumento no ramo do direito
material e processual do trabalho, considerando o que dispõe
o art. 133 da Constituição Federal, que reconheceu a indispen-
sabilidade dos advogados frente à administração da justiça.
Conclusão. Diante disso, o fato de não estar assistido juridica-
mente, o litigante estará à mercê de grandes riscos e danos,
os quais podem comprometer a efetividade do acesso à jus-
tiça.

Palavras-chave: Jus Postulandi; acesso à justiça; indispensa-


bilidade do advogado.

224
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

ABSTRACT

Introduction. This article aims to analyze the instituto jus pos-


tulandi in the Work Process and its effectiveness in guarantee-
ing access to justice. Goal. As a result, it will be observed the
origin of the institute, its definition, as well as its insertion in the
Labor Court, highlighting when it can be used and what is its
function in the labor field. Method. In this way, an exploratory
bibliographic research was carried out, in published articles,
doctrines and precedents judged on a theme. Results. This
post restores the analysis of the permanence of this instrument
in the field of law and the procedural process of work, consid-
ering what is available in art. 133 of the Federal Constitution,
which requested the indispensability of lawyers before the ad-
ministration of justice. Conclusion. Therefore, the fact of not
being legally assisted, or the litigant is subject to great risks
and damages, which can compromise the effectiveness of ac-
cess to justice.

Key words: Jus Postulandi; access to justice; indispensability


of the lawyer.

225
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

INTRODUÇÃO

Este artigo aborda sobre o jus postulandi, instituto que


surgiu na antiguidade, com forte influência do mundo greco-
romano antigo, o qual deixou grande herança na construção
do Direito brasileiro. O referido instituto tem correlação com a
faculdade de postular em juízo, pessoalmente, sem a neces-
sidade de assistência de um procurador jurídico.
No Brasil, comumente, somente os advogados têm ca-
pacidade postulatória, no entanto, em alguns casos previstos
em lei, poderá o indivíduo litigar por si só, como na seara da
Justiça do Trabalho, trazido pelo art. 791 da CLT, o qual insti-
tuto é tido como um dos princípios basilares que norteiam este
ramo. Destaca-se que, tal princípio foi inserido no Processo do
Trabalho, como forma de garantir o direito constitucional de
acesso à justiça, caminhando de mãos dadas com outros prin-
cípios como o da simplicidade, informalidade, celeridade e ora-
lidade.
A partir disso, resta a análise do instituto do jus postu-
landi na Justiça do Trabalho, de acordo com a viabilidade no
ordenamento jurídico atual, compreendendo a sua aplicação e
em que hipóteses poderá ser utilizado, e se tal instrumento
pode acarretar danos ao litigante, por estar desassistido por
um advogado, considerando que a Constituição Federal de

226
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

1988, em seu art. 133, dispõe que são indispensáveis os ad-


vogados na administração da justiça.
Diante disso, o tema merece amplamente discussão,
principalmente com o advento da referida Carta Constitucio-
nal, o instituto passou a ser alvo de inúmeras críticas sob o
argumento de que não garante o efetivo acesso à justiça, as
partes que dele podem se valer, pois o aludido instituto apenas
estreita o caminho para o acesso ao Judiciário.
Deste modo, se faz necessário pontuar todos os refle-
xos do jus postulandi ao acesso à justiça, no âmbito da Justiça
do Trabalho, criados para auxiliar na maioria das situações as
partes sem advogado como a reclamação verbal, bem como
analisar também como os princípios contribuem na possibili-
dade de litigar desassistido juridicamente.
Nessa esteira, considerando a realidade contemporâ-
nea e compreensível dos problemas que se apresentam à so-
ciedade, com o intuito de tornar efetivos e não meramente sim-
bólicos os direitos fundamentais, tem-se como objetivo de-
monstrar que o efetivo acesso ao Judiciário, não pode se limi-
tar apenas em apresentar uma demanda, mas também em ter
seus direitos amplamente discutidos para se garantir a justiça,
e somente um profissional, com capacidade técnica, poderá
colaborar para tal fato.

227
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

Neste seguimento, resta demonstrado que o postulante


ao demandar na Justiça do Trabalho, através do jus postu-
landi, enfrenta uma série de dificuldades, que embora tenham
os procedimentos mais informalizados, não terá os mecanis-
mos e técnicas necessárias para provar seus direitos em juízo,
demonstrando a ineficácia do instituto na seara trabalhista, ne-
cessitando de outros meios como forma de garantir o acesso
à justiça a pessoas hipossuficiente, como no caso, uma assis-
tência gratuita.
Por fim, trata-se de um estudo baseado em pesquisa
exploratória, adotada a técnica bibliográfica, recorrendo às
fontes doutrinárias sobre o tema, através de juristas consagra-
dos como Fredie Didier, Alexandre Câmara, Leone Pereira e
Carlos Henrique Bezerra Leite, além de decisões jurispruden-
ciais e artigos publicados sobre o tema.

6.1 CONSIDERAÇÕES SOBRE O INSTITUTO DO JUS


POSTULANDI

O Direito Romano, através de seus monumentos legis-


lativos e doutrinários, influenciou muito o Direito Brasileiro, na
construção de pensamentos jurídicos e também como modelo
para alguns ramos da seara jurídica, como o direito civil, pro-
cesso civil e direito penal, os quais são os mais próximos do

228
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

sistema romanista. Importante mencionar que a civilização


grega tem grande importância na história do Direito Romano,
ponto que acaba refletindo também no Direito brasileiro.
Destaca-se que, como pontua Giordani (1996), a Grécia
não criou juristas, enquanto a Roma, fez do Direito o objeto de
uma jurisprudência profissional. Nesse sentido, é importante
pontuar a atuação dos tribunais atenienses, os quais não eram
marcados por profissionais do direito, mas que tinham o senso
de justiça, que era bem dominante à época.
Nessa esteira, observa-se o marco inicial do jus postu-
landi, na Grécia antiga, onde os indivíduos poderiam fazer uso
da prerrogativa de ingressar com ações, envolvendo interes-
ses individuais familiares ou interesses da sociedade como um
todo, sendo que tal prerrogativa era exercida por meio dos pró-
prios interessados, sem quaisquer ressalvas, a não ser aque-
las decorrentes das sanções oriundas de litigância temerária
(Menegatti, p. 25, 2011).
Vale ressaltar, como leciona o autor, somente no perí-
odo do processo formular, que foi surgir a figura do advogado,
no entanto, sendo apenas facultativa essa representação, do
qual o advogado exerceria seu auxílio sempre de forma gra-
tuita (Menegatti, 2011)

229
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

Diante disso, a possibilidade de litigar por si só, tem cor-


relação com as influências romanistas e da Grécia antiga, se-
guindo na formação do sistema jurídico brasileiro, sendo es-
sas influências presentes até então.
Em linhas gerais, o jus postulandi é o princípio que visa
a faculdade dada aos litigantes de postular, em juízo, sem a
necessidade de assistência jurídica de um advogado. Diante
disso, o indivíduo poderá realizar todos os atos processuais
para realizar sua defesa ou litigar contra alguém, poderá re-
querer e apresentar provas, interpor recursos, fazer perguntas
às testemunhas, entre outros atos processuais de seu inte-
resse.
Sobre o princípio, destaca-se que é uma expressão la-
tina, que tem relação com a capacidade de se postular no pro-
cesso, ou seja, “trata-se de autorização reconhecida a alguém
pelo ordenamento jurídico para praticar atos processuais”
(Leite, p. 452, 2013).
Este é o mesmo entendimento do ilustre doutrinador
Leite (2013, p. 401), quando de maneira simplista trata que o
presente instituto “nada mais é do que a capacidade de postu-
lar em juízo, também conhecida como capacidade postulató-
ria, que é a capacidade reconhecida pelo ordenamento
jurídico para a pessoa praticar pessoalmente, diretamente,
atos processuais”.

230
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

Ou seja, àqueles que sejam menos favorecidos e juridi-


camente hipossuficiente, poderão postular em juízo, sem a
presença de um advogado, garantindo o acesso à justiça.
É importante mencionar que, este é um instituto que
pode ser utilizado sempre que prevista a informalidade, bem
como a celeridade processual, como exemplo, é um instru-
mento muito utilizado nos juizados especiais, também é admi-
tido em habeas corpus, entre outros.
Por fim, esse instituto pode ser encontrado em várias
disposições normativas no direito brasileiro, definindo quando
será admitido, colocando as limitações e outras determina-
ções que estão positivadas, de acordo com o princípio consti-
tucional do acesso à justiça, além da celeridade no processo.

6.1.2 A FIGURA DO JUS POSTULANDI NO PROCESSO DO


TRABALHO

De acordo com a Consolidação das Leis Trabalhistas –


CLT, em seu art. 791, “os empregados e empregadores pode-
rão reclamar pessoalmente perante a Justiça do Trabalho e
acompanhar as suas reclamações até o final”. Tal entendi-
mento é reiterado no art. 839, quando prevê que a reclamação

231
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

trabalhista poderá ser apresentada pelos empregados e em-


pregadores, pessoalmente, ou seja, não estabelece que seja
obrigatória a intervenção de um procurador habilitado.
Dessa forma, o instituto em questão é um dos princípios
da Justiça do Trabalho, o qual permite que tanto o empregado,
quanto o empregador, litiguem em juízo sem a presença de
um advogado. No entanto, este é um instrumento que garante
a justiça a parte mais vulnerável da relação de emprego, qual
seja o empregado, o que se pode dizer que o aludido instituto
é também uma observância do princípio in dubio pró-operário,
que visa aplicar o que for mais benéfico ao trabalhador.
A Constituição Federal traz em seu art. 133, que a pre-
sença do advogado é indispensável à Administração da Jus-
tiça, no entanto, a norma não poderá anular o que dispõe o
art. 791 da CLT, sendo que esta lei específica.
Por corolário lógico, tal instrumento tem como objetivo
alcançar o princípio do livre acesso à Justiça, também cha-
mado de princípio da inafastabilidade da prestação jurisdicio-
nal, presente no artigo 5º, XXXV, da Carta Maior, visando ofe-
recer prestação jurisdicional a todos, sem distinção, inclusive
aos que não possuem condições financeiras para contratar
procurador jurídico.
A partir disso, a reclamação trabalhista, quando apre-
sentada pessoalmente, é feita de forma oral, reduzida a termo,

232
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

por um servidor da Justiça do Trabalho, e depois de formali-


zada, segue o mesmo trâmite processual, de acordo com seu
rito, assim como naquelas ações que são propostas por advo-
gado constituído nos autos.
Outro ponto que se deve atentar sobre referido instituto,
é que no art. 791 da CLT, usa a expressão “até o final” do
processo, no entanto, este é um ponto divergente na jurispru-
dência pátria, pois não se reconhece a possibilidade do jus
postulandi fora da Justiça do Trabalho, como em sede de re-
curso extraordinário (STF), ou de conflito de competência
(STJ), sendo indispensável ter advogado constituído para re-
presentar o litigante.
Além disso, as limitações podem ocorrer na própria Jus-
tiça do Trabalho, em seus graus de jurisdição, considerando
que só poderá litigar por si só no primeiro grau de jurisdição, e
em sede de recurso ordinário ou agravo de petição (PEREIRA,
2018, p. 303). Assim, como nos casos de recursos extraordi-
nários, que segundo a Súmulas 126 do TST, não cabe análise
de provas e fatos, só poderão ser aceitos por um advogado.
Diante disso, o Tribunal Superior do Trabalho, na Sú-
mula n. 425, determinou o seguinte:

Súmula n. 245 – TST. O jus postulandi das par-


tes, estabelecido no art. 791 da CLT, limita-se às
Varas do Trabalho e aos Tribunais Regionais do
Trabalho, não alcançando a ação rescisória, a

233
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

ação cautelar, o mandado de segurança e os re-


cursos de competência do Tribunal Superior do
Trabalho.

Com isso, ao serem observados os precedentes da Sú-


mula nº 425 do TST, constatou-se que o objetivo do órgão foi
reduzir os danos causados, por exemplo, por um recurso in-
terposto de forma errônea, haja vista a alta complexidade dos
recursos remetidos a essa instância.
Além disso, a pessoa leiga não terá como elaborar um
recurso destacando os pontos essenciais de seu interesse,
sendo necessária o auxílio de um advogado. Demonstrando
que a faculdade trazida pelo art. 791 da CLT, não tem carac-
terística, podendo ser um empecilho no processo.
Vale destacar que, o jus postulandi é um tema que me-
rece ser debatido por apresentar uma série de lacunas e dis-
cussões, como pondera Schiavi, a seguir:

Sempre foi polêmica a questão do jus postulandi


da parte na Justiça do Trabalho. Há quem o de-
fenda, argumentando que é uma forma de viabi-
lizar o acesso do trabalhador à Justiça, principal-
mente aquele que não tem condições de contra-
tar um advogado. Outros defendem sua extinção,
argumentando que, diante da complexidade do
Direito Material do Trabalho e do Processo do
Trabalho, já não é possível a parte postular sem
advogado, havendo uma falsa impressão de
acesso à justiça deferir à parte capacidade pos-
tulatória (Schiavi, 2016, p. 331).

234
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

Assim, aplicado o instituto na seara trabalhista, ob-


serva-se que este faz parte dos princípios caracterizadores do
Processo do Trabalho, que são o princípio da simplicidade, da
informalidade e da celeridade processual.
Com isso, não se exige maiores formalidades por parte
da reclamação que é apresentada pessoalmente, no entanto,
é necessário que o autor indique o valor de todos os pedidos
trabalhistas, além do endereço do reclamado, sob pena de ar-
quivamento do processo e a condenação de custas por parte
do autor da lide.
Ou seja, por mais que seja uma forma de garantir o
acesso à justiça, tem-se que ainda apresentar algumas exi-
gências processuais, o que pode não ser benéfico ao litigante.

6.1.3 CAPACIDADE POSTULATÓRIA X CAPACIDADE


POSTULANDI

Como já elencado, o jus postulandi consiste na facul-


dade das partes ingressarem em juízo em defesa de seus pró-
prios direitos, exercendo atos processuais, sem a necessidade
de assistência advocatícia. Todavia, é importante ressaltar
que, o jus postulandi não deve ser confundido com a capaci-
dade postulatória, sendo dois conceitos distintos.

235
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

A capacidade postulatória é a capacidade conferida aos


advogados para praticar atos processuais em juízo. Dessa
forma, em regra, somente os bacharéis em Direito, com a
aprovação no Exame da Ordem dos Advogados do Brasil
(OAB) e inscrição nos quadros da entidade de classe, serão
aptos para ingressar em juízo, praticando atos, que poderão
sem considerados nulos, caso não sejam praticados por advo-
gados. Ou seja, conforme dispõe o próprio Estatuto dos Advo-
gados, Lei 8.906/94, nos artigos 1º e 3º, a capacidade postu-
latória é conferida a estes profissionais.
Destaca-se ainda que, a capacidade em questão, não
seria a capacidade de ser parte, mas sim a capacidade pro-
cessual ou de exercício. Dessa forma, Didier (2016, p. 335),
apresenta os seguintes ensinamentos:

A capacidade postulacional abrange a capaci-


dade de pedir e de responder. Têm-na os advo-
gados regularmente inscritos na Ordem dos Ad-
vogados do Brasil, os defensores públicos e os
membros do Ministério Público e, em alguns ca-
sos, as próprias pessoas não-advogadas, como
nas hipóteses dos Juizados Especiais Cíveis
(causas inferiores a vinte salários-mínimos), das
causas trabalhistas e do habeas corpus. (DI-
DIER, 2016, p. 335)

Sobre a capacidade processual, o referido autor, pon-


tua da seguinte maneira a “capacidade processual é a aptidão

236
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

para praticar atos processuais independentemente de assis-


tência ou representação (pais, tutor, curador etc.), pessoal-
mente, ou por pessoas indicadas pela lei, tais como o síndico,
administrador judicial, inventariante etc.” (DIDIER, 2016, p.
318-19).
Neste sentido, na Justiça do Trabalho, a capacidade
postulatória é a definição do que seria o jus postulandi, pre-
visto no art. 791 da CLT, isto é, a faculdade de as partes atu-
arem no processo sem a necessidade de representação legal.
Assim, o direito de ingressar em juízo sem a necessi-
dade de assistência de um advogado, não é uma anulação da
capacidade postulatória, tampouco, a conferência de capaci-
dade postulatória ao indivíduo, nada mais é que uma facul-
dade oportunizada, levando em consideração a situação eco-
nômica da parte, bem como a informalidade, que regem a Jus-
tiça do Trabalho, bem como os Juizados Especiais também,
os quais também admitem o jus postulandi.

6.2 O ACESSO À JUSTIÇA E A JUSTIÇA DO TRABALHO

A redemocratização do país brasileiro foi marcada com


a Constituição Federal de 1988, o qual trouxe inúmeras garan-
tias e direitos fundamentais aos cidadãos. A partir disso, um

237
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

dos direitos contemplados na Lei Maior, foi a do acesso à jus-


tiça, em seu art. 5º inciso XXXV, o qual dispõe que a lei não
excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça
ao direito.
Isto posto, o direito fundamental ao acesso à justiça,
surge como um mecanismo não apenas repressivo (quando
acontece a lesão), como também na via preventiva (ameaça
ao direito). Dessa forma, o Judiciário precisa encontrar um
equilíbrio entre as garantias processuais e a efetividade da ju-
risdição, criando formas de simplificar e ampliar esse acesso,
como por exemplo a adoção de sistema eletrônico do pro-
cesso, permitindo transações extrajudiciais, entre outros.
Dessa maneira, o acesso à justiça está inteiramente li-
gado ao Estado Democrático de Direito, pelo fato de não estar
relacionado somente ao fato de levar uma demanda ao Judi-
ciário, mas de ter essa demanda apreciada e resolvida. Com-
preendendo melhor o instituto, cita-se como exemplo, o direito
que a Constituição Federal assegura a assistência judiciária
integral e gratuita aos que comprovarem insuficiência de re-
cursos (art. 5º, LXXIV), além de garantir a gratuidade das
ações necessárias ao exercício da cidadania, como o habeas
corpus (art. 5º, LXXVII).

238
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

Como ensina Fredie Didier Junior, “não basta a simples


garantia formal do dever do Estado de prestar justiça; é neces-
sário adjetivar esta prestação estatal, que há de ser rápida,
efetiva e adequada” (DIDIER JUNIOR, 2005, p. 172). Com
isso, a garantia de uma prestação jurisdicional justa é o mí-
nimo que se espera de tal instituto.
No mesmo sentido, segue os ensinamentos do nobre
jurista Alexandre de Freitas Câmara, in verbis:

Isso porque não se pode ver, neste acesso, mera


garantia formal de que todos possam propor
ação, levando a juízo suas pretensões. Esta ga-
rantia, meramente formal, seria totalmente inefi-
caz, sendo certo que obstáculos econômicos
(principalmente), sociais e de outras naturezas
impediriam que todas as alegações de lesão ou
ameaça a direitos pudessem chegar ao judiciá-
rio. A garantia do acesso à justiça deve ser uma
garantia substancial, assegurando-se, assim, a
todos aqueles que se encontrem como titulares
de uma posição jurídica de vantagem, que pos-
sam obter uma verdadeira e efetiva tutela jurídica
a ser prestada pelo Judiciário. (Câmara, 2010, p.
38).

Diante disso, resta claro que não obstante o simples de-


ver de prestar a Justiça, sendo essa insuficiente, necessitando
também de uma prestação estatal rápida, efetiva e adequada.
Além disso, este ainda apresenta ser essencial, pelo fato de
ser um instrumento de diminuir as desigualdades sociais do

239
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

país, permitindo que o mais pobre tenha acesso à justiça e


defesa dos seus direitos.

6.2.1 PRINCÍPIOS DO DIREITO PROCESSUAL DO TRABA-


LHO QUE NORTEIAM O JUS POSTULANDI NA SEARA
TRABALHISTA

Os princípios que regem cada seara do direito, tem pa-


pel fundamental no âmbito processual, considerando que são
estes as verdadeiras bússolas para as condutas e atos pro-
cessuais de um processo, representando ser os regramentos
básicos a serem seguidos.
No tocante ao Direito Processual do Trabalho, os prin-
cípios advêm da Constituição Federal, como também do Pro-
cesso Civil, sendo este aplicado subsidiariamente, e também
os princípios do próprio Direito do Trabalho, os típicos.
Diante disso, para melhor compreensão do instituto do
jus postulandi na Justiça do Trabalho, resta fazer a sua corre-
lação com outros princípios, compreendendo a sua inserção
nesta seara, e o seu papel diante o acesso à justiça, previsto
na Constituição Federal.
Primeiramente, deve-se lembrar que o princípio da sim-
plicidade, é o que mais se relaciona com o instituto ora deba-
tido, considerando que o princípio visa a facilitação do acesso

240
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

do trabalhador na Justiça do Trabalho, promovendo também


um trâmite processual mais simples, descartando característi-
cas mais burocráticas e técnicas, para que se garanta a efetiva
prestação jurisdicional.
Soma-se a isso, o princípio da informalidade, o qual tem
relação com os procedimentos adotados no processo (sumá-
rio, sumaríssimo, ordinário e procedimento especial), conside-
rando que todos deverão se atentar à informalidade. Tal ca-
racterística não anula o fato de ser solene os atos praticados
na Justiça do Trabalho, mas sim uma forma de abrandamento
de rigores formais, para não comprometer o interesse público.
Para Leone Pereira (2018), a faculdade de postular em
juízo sem a presença de um advogado é um dos grandes fun-
damentos dos princípios da simplicidade e da informalidade.
Em razão disso, o princípio da oralidade surge no Pro-
cesso do Trabalho, como algo indispensável, pois quando a
parte aciona o Judiciário, através do jus postulandi, ela fará
isso de forma oral. Nesse diapasão, como pontua Pereira
(2018), as características desse princípio se concentram na
primazia das palavras, imediatidade, concentração dos atos
processuais em audiência, identidade física do juiz, irrecorribi-
lidade imediata das decisões interlocutórias, maiores poderes
instrutórios ao juiz, maior interatividade entre o magistrado e
as partes, e a possibilidade de conciliação.

241
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

Vale ressaltar que este princípio, visa a priorização da


palavra falada, bem como a concentração dos atos praticados,
estando de perfeito acordo com o princípio da simplicidade.
Oportunizando às partes de terem contato com o juiz, e como
bem leciona Pereira (2018), as características desse traduz o
princípio da cooperação.
Ambos os princípios constroem um caminho para o
acesso à ordem jurídica justa, através da celeridade proces-
sual, que também é um dos princípios basilares, e busca a
razoável duração do processo, principalmente na Justiça do
Trabalho, em que se discute muito sobre verbas de natureza
alimentar.
Outra forma de chegar à conclusão de um processo,
seria através do uso do princípio da conciliação, onde as par-
tes podem compactuar seus interesses e resolver a lide de
maneira amigável, sem depender de grandes atos processu-
ais. Importante ressaltar que, o empregado é a parte menos
favorecida e quando está diante do empregador, que poderá
estar representado por um advogado, poderá se tornar duvi-
dosa o acordo celebrado entre as partes, considerando que
um estará sem a técnica ao seu lado. Para isso, o Processo
do Trabalho adotou o princípio protecionista, para igualar o
obreiro a outra parte, no entanto, deve-se atentar quanto a efe-
tividade desse e outros princípios.

242
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

Assim, na seara trabalhista, o jus postulandi se apre-


senta como um instrumento de acesso à justiça pelos menos
favorecidos economicamente. Dessa maneira, o processo tra-
balhista deverá seguir a luz do acesso à justiça, se atentando
a sua duração razoável, bem como o devido processo legal e
os outros princípios norteadores, para que se chegue até a
melhor e justa decisão da lide.

6.2.2 JUS POSTULANDI E A INDISPENSABILIDADE DO AD-


VOGADO AO ACESSO À JUSTIÇA

O direito de litigar em juízo por si só, no âmbito da Jus-


tiça do Trabalho, com o advento do art. 133 da Constituição
Federal de 1988, bem como o Estatuto da OAB em delimitar
as atividades privativas do advogado, sendo ela a postulação
em qualquer órgão do Poder Judiciário, permitiu que fosse ins-
taurada a discussão sobre se tal instituto é totalmente válido,
considerando que a imprescindibilidade do advogado. No en-
tanto, como já demonstrado, a CLT é norma especial, não ca-
bendo a sua limitação por norma geral.
No entanto, cabe a análise da realidade da sociedade,
a qual pode levar à seguinte reflexão sobre o papel do advo-
gado que, se - de um lado, ao exercer a defesa técnica asse-
gura a plenitude do contraditório, é imprescindível - de outro,

243
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

a conscientização jurídica dos cidadãos e a cultura do exercí-


cio da cidadania, o torna dispensável em muitas outras situa-
ções.
O Direito do Trabalho constitui atualmente, segura-
mente, um dos mais, senão o mais, dinâmico dentro do ramo
do Direito e a presença do advogado especializado se faz ple-
namente necessária. Pretender-se que leigos penetrem nos
meandros do processo, que peticionem, que narrem fatos sem
transformar a lide em desabafo pessoal, que cumpram prazos,
que recorram corretamente, são exigências que não mais se
afinam com a complexidade processual.
O próprio especialista, por vezes, tem dúvidas quanto à
medida cabível em determinados momentos. E é a esse
mesmo leigo a quem, em tese, é permitido formular perguntas
em audiência, fazer sustentação oral de seus recursos perante
os tribunais. Na prática, felizmente, a ausência do advogado
constitui exceção e ao leigo não se permite fazer perguntas
em audiência, mesmo porque sequer saberia o que perguntar
(Oliveira, p. 209, 2008).
A partir disso, deve-se atentar se o princípio do jus pos-
tulandi, como assegurador do acesso à justiça, está cumprindo
sua função social de promover celeridade processual, mas,
principalmente, efetividade na prestação jurisdicional. Em-

244
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

bora, tenha sido construído com melhores intenções de garan-


tia de justiça à parte mais pobre, é plenamente possível refletir
se a falta de representação de um advogado não torna o pro-
cesso com mais vícios ou erro, levando em conta que, uma
decisão com falha, não garante efetividade.
Dessa maneira, não mais se pode prescindir da assis-
tência de advogado na Justiça do Trabalho, e a manutenção
do jus postulandi, que visava a proteger as partes, notada-
mente o trabalhador, tornou-se inútil e prejudicial aos interes-
ses deste, incapaz de compreender e, muito menos, se mover
dentro desse intrincado sistema judicial e processual. Não
mais é possível que operadores jurídicos, em sã consciência,
ou de boa-fé, continuem a defender a dispensabilidade do ad-
vogado na Justiça do Trabalho (Bomfim, p. 212, 2010).
Destaca-se ainda o fato que, a importância social do di-
reito trabalhista para o obreiro reforça o quanto é errada a ideia
de que a presença do advogado é dispensável ao acesso à
justiça, haja vista a relevância do direito em litígio, que não se
restringe ao cunho alimentar, mas também em verbas de ou-
tras naturezas.
Nesse mesmo sentido, é inevitável não tratar como de
alta complexidade as matérias que envolvem o cotidiano do
Direito do Trabalho e da Justiça do Trabalho, a não assistência
por advogado, ao invés de facilitar, acaba dificultando o

245
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

acesso, tanto do trabalhador como do tomador de serviços, à


Justiça (Schiavi, p. 310, 2013).
A presença do advogado no processo representa, pois,
quando menos, o equilíbrio, a igualdade técnica entre as par-
tes, ainda que em tese. Quando apenas uma delas comparece
com advogado, o que se vê, não raro, não é uma disputa justa,
mas um massacre daquela que está promovendo, pessoal-
mente, a defesa dos seus direitos e interesses (Teixeira Filho,
p. 237-238, 2009).
Embora, a Justiça do Trabalho tenha como princípios
basilares a simplicidade, informalidade, oralidade, celeridade,
entre outros, que auxiliam no jus postulandi. Vale ressaltar
que, os litigantes quando buscam solucionar problemas no Ju-
diciário, não tem noção alguma de seus direitos, e estes prin-
cípios estão ligados a formas procedimentais, mas como será
analisada a causa de pedir e o pedido, e como eles determi-
narão e enxergarão os seus direitos, não há nenhuma previ-
são, considerando que os servidores do Judiciário não estão
lá para prestação jurídica, mas sim para ouvi-los e simples-
mente registrar uma reclamação.
Importante mencionar também que, o grande ponto da
questão não é acabar com o acesso à justiça, pelo contrário,
como demonstrado este é um direito fundamental que constrói
o Estado Democrático de Direito, refletir sobre o jus postulandi

246
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

e o direito de acesso à justiça é justamente compreender o


contexto realístico do cenário brasileiro, principalmente em re-
lações de trabalho, onde se encontra a parte hipossuficiente.
Assim, a falsa sensação de um instrumento efetivo ao
acesso à justiça, acaba dispensando a atuação dos advoga-
dos no processo, permitindo que o indivíduo encare o judiciário
sozinho, muitas vezes sem nem entender qual é realmente a
sua função, sem compreender o que é direito ou não, e po-
dendo trazer sérios danos a vida do postulante. Tais danos e
tal importância técnica, podem ser plenamente perceptíveis se
observado a Súmula n. 425 do TST, que delimita a atuação do
jus postulandi somente no processo ordinário.

6.3 A INEFICÁCIA DO JUS POSTULANDI NO QUE TANGE


AO ACESSO À JUSTIÇA

Como já mencionado, a Constituição Federal e o Esta-


tuto da OAB, já ressaltaram que a presença do advogado é
indispensável para garantir os direitos buscados no Judiciário.
Evidentemente, toda regra tem sua exceção, na Justiça do
Trabalho, o princípio do jus postulandi é um grande exemplo
disso, é bastante utilizado para aqueles que buscam terem re-
conhecidos seus direitos trabalhistas, com os limites trazidos
pela Súmulas 425, também já comentada.

247
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

Nessa esteira, a indispensabilidade do advogado, tra-


zido pela Carta Magna, tem ligação com o fato deste ter papel
fundamental à administração da justiça, atendendo a outro
princípio fundamental, que é o do interesse público. Pois, o
advogado tem prerrogativas e direitos que muito contribuem
para que seja alcançando direitos e que seja a justiça cum-
prida, além disso, outro grande ponto determinante é o fato de
que o princípio da legalidade que rege toda atividade estatal,
bem como o princípio do devido processo legal, necessitam de
maior observância, e o advogado contribui para que ambos
sejam seguidos, tendo o dever de zelar pela dignidade da pes-
soa humana e os direitos e garantias fundamentais.
Tratando-se na seara trabalhista, a faculdade do patro-
cínio forense é uma decisão muito arriscada do trabalhador
que pretende pleitear direitos, tendo em vista que a depender
do caso, poderá sair mais caro do que se imagina.
A afirmativa pode ser explicada pelo fato de que o liti-
gante, que escolheu ingressar com reclamação trabalhista
sem advogado, mesmo que tenha tido seus pedidos julgados
procedentes, poderá ter sérios problemas para receber, caso
a outra parte não cumpra com a obrigação de pagar. Neste
caso, o juiz poderá fazer a execução de ofício, mas existem
muitas empresas que acabam fugindo de suas obrigações,

248
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

ocultando patrimônio e até cometendo o abuso da personali-


dade jurídica, restando a execução fadada ao insucesso.
Nesta situação, o magistrado não poderá paralisar suas
audiências, tampouco deixará de fazer seus despachos e de-
cisões, para indicar bens do devedor, pois esse seria o papel
desenvolvido pelo advogado, que identificaria os bens e con-
duziria o processo ou a execução de maneira adequando, para
que seja alcançada a justiça.
Evidentemente, as pessoas que optam pelo jus postu-
landi, são obreiros que dispõem de pouco recursos financei-
ros, o que acaba dificultando para custear as despesas pro-
cessuais sem comprometer o seu sustento e de sua família.
Acontece que, sem a qualidade técnica também resta prejudi-
cado provar a veracidade dos fatos e dispor de todos os meios
processuais de maneira correta, pois o advogado consegue
identificar e conduzir da melhor maneira.
Diante disso, ao dispensar o advogado, o trabalhador
poderá estará diante de uma “meia justiça”, considerando que
o jus postulandi ele é um facilitador para ingressar com uma
ação, mas ele não é uma garantia de acesso à justiça, pois
não se pode confundir o acesso ao Judiciário, com o acesso à
justiça, tendo em vista que esta última tem ligação com o al-
cance do objeto do processo, que é promover justiça, receber
seus direitos.

249
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

Com isso, o obreiro está jogado à própria sorte, sem


entender e compreender os momentos oportunos de realizar
algum ato processual, de quais melhores informações colher,
o que pode lhe prejudicar ou auxiliar para melhor convenci-
mento do juízo. E, o resultado dessas incertezas são respon-
didos em sentença, pois impossível esperar uma decisão justa
e acertada, sem uma boa instrução processual, pois os fatos
não foram considerados da melhor maneira, outro ponto rele-
vante é que, a outra parte com o maior poder econômico, con-
tará com uma defesa técnica, uma boa instrução, dificultando
ainda mais o caminho pelo direito.
Dessa maneira, não se pode falar em isonomia, no âm-
bito da Justiça do Trabalho, pois não há como fechar os olhos
para o fato de ter de um lado uma parte pobre, sem conheci-
mento técnico, sem saber de seus reais direitos, com poucos
documentos comprobatórios; e, de outro lado, uma parte com
alto poder aquisitivo, acompanhado de um patrocínio jurídico,
que construiu defesa, instruiu o processo, entende dos atos
processuais, discutiu com o cliente etc.
O ilustre doutrinador Daniel Assumpção, ensina que, no
que tange a igualdade processual, tanto o juiz, quanto a legis-
lação, devem garantir às partes uma paridade de armas (art.
139, I, CPC), como forma de equilibrar a disputa judicial entre
elas (Neves, 2017, p. 193).

250
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

Nessa esteira, segundo o entendimento de Mirabete, in


verbis:

A isonomia processual, por sua vez, reclama que


aos sujeitos parciais sejam concedidas as mes-
mas armas, a fim de que, paritariamente trata-
das, tenham idênticas chances de reconheci-
mento, satisfação ou asseguração do direito que
constitui o objeto material do processo. [...] para
que isso aconteça, tornam-se imprescindíveis,
igualmente, a par do contraditório dispositivo, a
concessão, ao acusado, ‘em geral’, da possibili-
dade de ampla defesa, com todos os meios e re-
cursos a ela inerentes (sobretudo a técnica, rea-
lizada, como visto, por um profissional dotado de
conhecimento jurídico específico), numa autên-
tica paridade de armas entre a acusação e a de-
fesa. (Mirabete, 2003, p. 44)

Como se observa, a igualdade é determinante para que


se tenha um processo justo, com ambas as partes assistidas
da melhor maneira, para garantir os seus direitos, fazendo
com que não haja vantagens nem para uma e nem para outra.
E, quando observado tal base processual, aplicada à
Justiça do Trabalho, percebe-se que, o jus postulandi é uma
verdadeira barreira no que concerne a igualdade entre as par-
tes. Assim, a parte que não tiver sido assistida por um advo-
gado, certamente estará em desvantagem em relação a outra
parte, não só em desvantagem, mas como fadada ao insu-
cesso na demanda processual.

251
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

Soma-se à isso, o fato de que além da pessoa não ter


a técnica para conduzir o processo, ela também está movida
pelas emoções, o que pode ser crucial para cometer erros pe-
rante o judiciário, pois no “calor” de suas emoções, pode aca-
bar se prejudicando, exagerando ou se esquivando de de-
monstrar o seu direito, sem o pleno discernimento de apontar
a essencialidade das coisas, implicando assim no seu direito.
Por fim, obviamente, o instituto do jus postulandi não foi
criado com o ideal de empecilho ou violação de direitos, mas
sim como instrumento utilizado pelos mais pobres para que
tenha acesso ao judiciário, bem como tornar a Justiça do Tra-
balho com mais simplicidade e celeridade, de fácil acesso e
como um instrumento de justiça. Todavia, com todos os direi-
tos conquistados até então, bem como os graves riscos que a
parte se coloca em não estar assistida juridicamente, o empre-
gado, na verdade, deixa de alcançar a justiça, de fato, para
apenas se aventurar no judiciário.

6.3.1 DEFENSORIA PÚBLICA COMO INSTRUMENTO DE


GARANTIR O PLENO ACESSO À JUSTIÇA PARA OS ME-
NOS FAVORECIDOS ECONOMICAMENTE

Demonstrado o quanto o jus postulandi é uma ferra-

252
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

menta que pode mais atrapalhar do que beneficiar o empre-


gado, tendo em vista que este é o mais que utiliza tal instituto,
resta necessário apontar as hipóteses para garantir que a pes-
soa, hipossuficiente, garanta, de fato, o acesso à justiça e ob-
tenha êxito na demanda, sem a discrepância isonômica, entre
quem está assistido juridicamente para aquele que está
usando o jus postulandi.
Desta forma, objetivando reduzir as perdas e garantir o
devido processo legal e a igualdade, se faz necessário a dis-
cussão de instalar a Defensoria Pública na seara trabalhista,
pois esta tem função essencial, no que tange a promoção de
direitos, conforme a redação do art. 134 da Carta Maior, a se-
guir:

Art. 134. A Defensoria Pública é instituição per-


manente, essencial à função jurisdicional do Es-
tado, incumbindo-lhe, como expressão e instru-
mento do regime democrático, fundamental-
mente, a orientação jurídica, a promoção dos di-
reitos humanos e a defesa, em todos os graus,
judicial e extrajudicial, dos direitos individuais e
coletivos, de forma integral e gratuita, aos neces-
sitados, na forma do inciso LXXIV do art. 5º desta
Constituição Federal. (Brasil, 1988)

Além disso, é plenamente possível trazer tal instituição


para a Justiça do Trabalho, como prevê a própria Lei Comple-
mentar n. 80/94, que trata sobre a organização da Defensoria
Pública, conforme se observa:

253
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

Art. 14. A Defensoria Pública da União atuará


nos Estados, no Distrito Federal e nos Territórios,
junto às Justiças Federal, do Trabalho, Eleitoral,
Militar, Tribunais Superiores e instâncias admi-
nistrativas da União.
§ 1o A Defensoria Pública da União deverá firmar
convênios com as Defensorias Públicas dos Es-
tados e do Distrito Federal, para que estas, em
seu nome, atuem junto aos órgãos de primeiro e
segundo graus de jurisdição referidos no caput,
no desempenho das funções que lhe são come-
tidas por esta Lei Complementar.
§ 2o Não havendo na unidade federada Defen-
soria Pública constituída nos moldes desta Lei
Complementar, é autorizado o convênio com a
entidade pública que desempenhar essa função,
até que seja criado o órgão próprio.
§ 3o A prestação de assistência judiciária pelos
órgãos próprios da Defensoria Pública da União
dar-se-á, preferencialmente, perante o Supremo
Tribunal Federal e os Tribunais superiores. (Bra-
sil, 1994)

Ademais, a Lei n. 5.584/70, que trata sobre a prestação


de assistência judiciária na Justiça do Trabalho, aponta que:

Art. 17. Quando, nas respectivas comarcas, não


houver Juntas de Conciliação e Julgamento ou
não existir Sindicato da categoria profissional do
trabalhador, é atribuído aos Promotores Públicos
ou Defensores Públicos o encargo de prestar as-
sistência judiciária prevista nesta lei.

Dessa maneira, é perceptível que a Defensoria Pública


da União, tem plena competência para realizar prestação judi-
ciária nas lides trabalhistas. No entanto, a Defensoria Pública

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Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

é um órgão autônomo, que foi criado a partir da Constituição


Federal, e que ainda encontra problemas em suas instalações,
com quadro pessoal um pouco limitado, principalmente nos in-
teriores dos estados.
Todavia, ainda assim, seria um órgão que traria muitos
ganhos para a Justiça do Trabalho, pois poderia contribuir
para que as pessoas menos favorecidas, pudessem ser devi-
damente assistidas e acompanhadas nos processos, garan-
tindo seus direitos e tendo alguém com capacidade técnica
para melhor compreender o processo, bem como evitar possí-
veis abusos e injustiças que podem ocorrer durante a discus-
são da lide, poderia melhor instruir o processo, tirar dúvidas do
assistido, entre outros.
Destarte, tal órgão pode ser substituído pelo jus postu-
landi e, efetivamente, garantir o verdadeiro acesso à justiça,
através da prestação judiciária gratuita, com o auxílio de pro-
fissional preparado para lutar pelos direitos trabalhistas do em-
pregado.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O jus postulandi é um instituto que oportuniza a parte


estar perante o Juízo do Trabalho, sem assistência jurídica,

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Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

com exceção aos casos previstos na Súmula n. 425 do Tribu-


nal Superior do Trabalho. Ou seja, poderá o empregado ou
empregador demandar na Justiça do Trabalho, com a dispen-
sabilidade de um advogado.
Todavia, a capacidade postulatória é aquela que so-
mente os advogados possuem, portanto, a possibilidade de in-
gressar em juízo sem estar com procurador forense, não anula
a capacidade postulatória, mas sim uma forma de permitir que
os mais pobres possam ter acesso ao Judiciário, de maneira
mais simples e informal, conforme os princípios que regem a
Justiça do Trabalho.
Acontece que, tal simplicidade e informalidade, pode
acabar se tornando um grande problema no que concerne ao
acesso à justiça. Tendo em vista que, ter acesso ao Judiciário,
não significa ter acesso à justiça, pois esta última só poderá
ser alcançada, principalmente, se observar o devido processo
legal e a isonomia entre as partes, de forma que nada prejudi-
que nenhuma das partes.
Diante disso, a figura do advogado torna-se indispensá-
vel, considerando seu conhecimento técnico e a sua capaci-
dade, pois permitir que uma pessoa leiga demande na Justiça
do Trabalho, sem conhecer os seus reais direitos, sem poder
esclarecer suas dúvidas, sem contar com uma instrução pro-
cessual técnica, sem entender sobre atos processuais, é, na

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Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

verdade, uma forma de promover uma grande desigualdade,


se considerar que a maioria dos empregados estão ao lado de
um advogado, os quais poderão conduzir o processo do jeito
mais favorável.
O grande problema disso é que tal fato pode acarretar
sérios danos a parte que litiga por si só, pois o desequilíbrio
processual, claramente atingirá a parte mais fraca. Dessa ma-
neira, não há dúvidas sobre o quanto tal instrumento é mais
prejudicial do que benéfico na Justiça do Trabalho, ainda é
uma forma de desvalorizar a atuação dos advogados, que já
tem inúmeras prerrogativas violados no cotidiano, e a falsa
sensação dado para a parte litigante da Justiça do Trabalho,
de que ela pode escolher se quer ou não ser assistida, é uma
grande afronta ao acesso à Justiça, ao interesse público e a
estes profissionais, que dedicam suas vidas para resguardar
os direitos e garantias das pessoas.
A luta pelo fim do jus postulandi na seara trabalhista é
um meio de trazer segurança jurídica, bem como de garantir
que direitos não serão violados ou deixados de ser observa-
dos, pois como mencionado, mesmo que o juiz tenha conduta
mais informal e auxilie o litigante, ele não poderá atuar como
um advogado, nem parar sua audiência para explicar as leis,
os ritos, os procedimentos, coisas que somente um advogado

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Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

poderia fazer pelo seu cliente. Ou seja, é extremamente ne-


cessário estar assistido por um advogado pela tecnicidade e
difícil compreensão do processo.
Assim, entendo a precariedade e a hipossuficiência das
pessoas, bem como o fato de alguns profissionais cobram no
início da prestação de serviço, para ingressar ou promover de-
fesa em ações na Justiça do Trabalho, uma forma de assegu-
rar o pleno acesso à justiça, seria inserir a Defensoria Pública
da União na Justiça do Trabalho, o que já é previsto legal-
mente, faltando sua efetiva aplicação, o que pode ser enga-
jado pela doutrina, pelos tribunais e militantes da seara traba-
lhista, em virtude dos vários erros e injustiças que podem oca-
sionar o jus postulandi.

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