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Williane Tibúrcio Facundes

mostra de artigos
(organizadora)

TOMO I

CIÊNCIAS JURÍDICAS
na Amazônia Sul-Ocidental

EAC
Editor
Copyright © by autores, 2023.
All rigths reserved.

Todos os direitos desta edição pertencem aos autores. Nenhuma parte desse
livro poderá ser reproduzida por qualquer meio ou forma sem a autorização
prévia da organizadora pelo e-mail <willitiburcio@gmail.com >. A violação
dos direitos autorais é crime estabelecido na lei nº 9.610/98 e punido pelo art.
184 do Código Penal. As informações contidas em cada capítulo são de inteira
responsabilidade dos autores, bem como o alinhamento dos textos às normas
da ABNT e da ortografia gramatical da língua portuguesa.

CAPISTA E DIAGRAMADOR
Eduardo de Araújo Carneiro
eac.editor@ gmail.com

CONSELHO EDITORIAL DA OBRA


Dr. Eduardo de Araújo Carneiro
Dr. Elyson Ferreira de Souza
Me. Adriano dos Santos Lurconvite
Esp. Simmel Sheldon de Almeida Lopes
Esp. Arthur Braga de Souza
Esp. Ícaro Maia Chaim

E-BOOK

F143c FACUNDES, Williane Tibúrcio (Org.).


Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental: mostra de
artigos / Williane Tibúrcio Facundes (organizadora). – 1.
ed. – Rio Branco: EAC Editor, 2023. 197 p.; il. 14,8x21
cm. Tomo I; Vol. 8. (E-Book)
ISBN: 978-65-00-72540-7
1. Ciências Jurídicas; 2. Direito; 3. Amazônia ; I. Título.
CDD 340.07
SUMARIO

APRESENTAÇÃO 05

1. O DIREITO PENAL E A APLICAÇÃO DO PRIN- 08


CÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA PELO SUPREMO TRI-
BUNAL FEDERAL E SUPERIOR TRIBUNAL DE
JUSTIÇA
Antônia Cristina da Silva Mendonça
João Paulo de Sousa Oliveira

2. A REDUÇÃO DO PODER JUDICIAL QUANTO 52


AO IMPULSO DA EXECUÇÃO NO PROCESSO DO
TRABALHO E OUTRAS ALTERAÇÕES DA RE-
FORMA TRABALHISTA
Renato da Silva Oliveira Marinho
Ícaro Maia Chaim

3. SISTEMA PRISIONAL NO BRASIL E A RESSO- 89


CIALIZAÇÃO DOS APENADOS COM PRIMAZIA A
DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA
Douglas Silva de Oliveira
Gilberto Jorge Ferreira da Silva

4. NOVOS ARRANJOS FAMILIARES SOB A 130


ÓTICA DO ORDENAMENTO JURÍDICO: EFEITOS
DA MULTIPARENTALIDADE
Vitória Silva de Oliveira Bandeira
Glauco Ferreira de Souza Ribeiro

5. O CONTROLE JUDICIAL SOBRE OS ATOS 165


ADMINISTRATIVOS DISCRICIONÁRIOS
Natan Torrejon Valente
Williane Tibúrcio Facundes
“Eu não troco a justiça pela soberba. Eu
não deixo o direito pela força. Eu não
esqueço a fraternidade pela tolerância. Eu
não substituo a fé pela superstição,
a realidade pelo ídolo.”
Rui Barbosa
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

APRESENTAÇÃO

A
presente obra reúne 05 (cinco) artigos
de concludentes do curso do direito do
Centro Universitário Uninorte, sob a or-
ganização da professora especialista Williane Tibúrcio
Facundes, tendo também a colaboração dos professores
mestres Gilberto Jorge Ferreira da Silva e Glauco Ferreira
de Souza Ribeiro e dos professores especialistas Ícaro
Maia Chaim e João Paulo de Sousa Oliveira dos quais
foram escritos em coautoria com o organizador e abor-
dam relevantes temas jurídicos, a saber.

Dentre os textos aqui presentes, aborda-se sobre


da importância dos efeitos da multiparentalidade sob a
perspectiva do ordenamento jurídico brasileiro, que busca
fortalecer e proteger as novas formas de arranjos familia-
res, procurando acompanhar o desenvolvimento do
mundo em uma análise histórica, juntamente com o de-
senvolvimento de uma pesquisa dos conceitos, das modi-
ficações da lei, da natureza jurídica, do papel realizado e
da perspectiva envolta da colaboração dos envolvidos.

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Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

Outra temática estudada é a indagação a respeito


da lei de Execução Penal brasileira, analisando se ela
cumpre todo o seu papel para que o apenado possa voltar
à sociedade. Dessa forma, o estudo tem por objetivo de-
monstrar que o respeito à dignidade da pessoa humana
deve ser um fundamento do Estado Democrático de Di-
reito suficiente para o intuito de se continuar buscando a
sanção penal menos desumana.

Segue tratando acerca da análise do princípio da


insignificância e como o Supremo Tribunal Federal e o
Superior Tribunal de Justiça determinam sua aplicação,
desvendando a criação desse instituto, de outros princí-
pios que se relacionam com este, bem como sua aplica-
bilidade e requisitos.

Outro tema abordado nesta obra é sobre a análise


dos atos administrativos discricionários, bem como do
controle judicial realizado sobre eles cuja fundamentação
teórica foi extraída a partir de uma análise doutrinária, por
meio de pesquisa de conceitos e entendimentos.

E por fim, um estudo acerca da análise que extin-


gue o impulso oficial do magistrado no curso do processo
de execução, além disso, discute-se algumas mudanças
práticas trazidas pela Reforma Trabalhista, como a nova

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Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

redação do artigo 878 da CLT e a instituição da prescrição


intercorrente, por meio da edição do artigo 11-A, também
da CLT.

Trata-se de uma obra coletiva e plural, que debate


temas interessantes à sociedade e, sem esgotar os as-
suntos, promove reflexões a respeito de situações viven-
ciadas diariamente em nosso corpo social. Daí se extrai a
sua relevância.

Prof. Esp. Williane Tibúrcio Facundes


Docente do Curso de Bacharelado em Direito pelo Cento
Universitário Uninorte. Graduada em Direito pela U:Verse. Especia-
lista em Psicopedagogia. Graduada em Letras Vernáculas pela Uni-
versidade Federal do Acre - UFAC.

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Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

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O DIREITO PENAL E A APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO DA
INSIGNIFICÂNCIA PELO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL
E SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

CRIMINAL LAW AND THE APPLICATION OF THE PRINCI-


PLE OF INSIGNIFICANCE BY THE FEDERAL SUPREME
COURT AND SUPERIOR COURT OF JUSTICE

Antônia Cristina da Silva Mendonça1


João Paulo de Sousa Oliveira2

MENDONÇA, Antônia Cristina da Silva. O direito penal e a


aplicação do princípio da insignificância pelo supremo tri-
bunal federal e superior tribunal de justiça. Trabalho de
Conclusão de Curso de graduação em Direito – Centro Uni-
versitário UNINORTE, Rio Branco, 2023.

¹Discente do 9º Período do Curso de Bacharel em Direito pelo Centro Uni-


versitário Uninorte.
2
Graduado em Direito pelo Centro Universitário UNIEURO, Brasília -DF.
Especialista em Advocacia Pública pela Universidade Candido Mendes –
UCAM -RJ. E Especialista em direito Tributário pelo Instituto Damásio de
Direito.

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Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

RESUMO

O presente artigo tem por objetivo analisar o princípio da in-


significância e como o Supremo Tribunal Federal e o Superior
Tribunal de Justiça determinam sua aplicação, desvendando
a criação desse instituto, de outros princípios que se relacio-
nam com este, bem como sua aplicabilidade e requisitos.
Nessa perspectiva, o estudo volta-se para além da aplicação
no juízo de primeiro grau, mas também para os Tribunais Su-
periores visando uma abordagem das jurisprudências com ob-
jetivo de que estas decisões possam ser parâmetro para casos
semelhantes e colaborem resultando em uma maior utilização
e reconhecimento desse importante princípio pelos aplicado-
res do direito desde os juízos de primeiro grau.

Palavras - chave: crime; insignificância; requisitos; aplicação;


reincidência.

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Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

ABSTRACT

This article aims to analyze the principle of insignificance and


how the Federal Supreme Court and Superior Court of Justice
determine its application, revealing the creation of this institute,
other principles that are related to it, as well as its applicability
and requirements. In this perspective, the study turns beyond
the application in the first degree judgment, but also to the Su-
perior Courts aiming at an approach to the jurisprudence in or-
der that these decisions can be a parameter for similar cases
and collaborate resulting in a greater use and recognition of
this important principle by the applicators of the law since the
first degree judgments.

Keywords: crime; insignificance; requirements; application;


recidivism.

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Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

INTRODUÇÃO

Este artigo analisa o princípio da insignificância, o qual


tem por característica primordial tratar de crimes de pouca ou
nenhuma relevância para o mundo jurídico, todavia, tais ques-
tões estão com maior frequência chegando aos tribunais su-
periores. Sendo este um tema de relevância significativa para
os aplicadores do direito e para os réus que podem beneficiar-
se desse instituto.
O princípio da insignificância atua de modo a limitar o
reconhecimento do fato típico em um dos seus substratos, pre-
cisamente na tipicidade material, excluindo-o e, tornando-o
atípico e, suprimindo sua dimensão material. Todavia, o que
se pode observar sobre esse princípio é que o mesmo não
possui previsão expressa em lei vigente, porém, os tribunais
vêm reconhecendo esse instituto na avaliação dos casos con-
cretos com o auxílio dos requisitos impostos pelos tribunais
superiores.
Ao longo deste trabalho temos o objetivo de elaborar
uma abordagem conceitual e demonstrar na prática através de
casos concretos já julgados a aplicação desse princípio, além
de conceituá-lo, fazer sua correlação com outros princípios,
para demonstrar sua aplicabilidade e as condições necessá-
rias para sua efetiva aceitação pelos julgadores.

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Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

Importante mencionar que durante a elaboração deste


estudo, verificou-se que para ser apreciado e aplicado, o prin-
cípio da insignificância deve necessariamente preencher to-
dos os requisitos impostos pelos tribunais superiores, comu-
mente abordados em pedido de habeas corpus.

1.1 CRIME

Nos últimos anos, muito se tem discutido na comuni-


dade jurídica acerca do princípio da insignificância, todavia,
para a compreensão da problemática em sua aplicação, vis-
lumbra-se a necessidade de conhecer e entender o conceito
de crime, pois este princípio incidirá na concepção do fato de-
lituoso afetando a recepção da tipicidade material, um dos
substratos que o compõem.
A doutrina expõe que crime é todo e qualquer ato prati-
cado mediante ação ou omissão proibido por legislação penal
vigente, de modo que a prática ensejará uma sanção, o termo
tem origem do latim crimen que significa “ofensa, acusação”.

O conceito analítico de crime compreende a es-


trutura do delito. Quer se dizer que crime é com-
posto por fato típico, ilícito e culpável. Com isso,
podemos afirmar que majoritariamente o con-
ceito de crime é tripartite e envolve a análise des-
tes três elementos. (MENDONÇA, 2018, p. 21)

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Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

O legislador definiu crime conforme dispõe a Lei de In-


trodução ao Código Penal em seu art. 1º.

Considera-se crime a infração penal que a lei co-


mina pena de reclusão ou de detenção, quer iso-
ladamente, quer alternativa ou cumulativamente
com a pena de multa; contravenção, a infração
penal a que a lei comina, isoladamente, pena de
prisão simples ou de multa, ou ambas, alternativa
ou cumulativamente. (BRASIL, 1940)

Para que uma conduta seja caracterizada como crime,


ela deve preencher a lista tríplice: fato típico, ilícito e culpável,
vale ressaltar ainda que de acordo com a teoria do crime, o
delito possui componentes cuja análise individual é indispen-
sável e sua denominação é de substratos.
Por conseguinte, o crime possui substratos que anali-
sados conjuntamente e em havendo comprovação do preen-
chimento total da lista tríplice: fato tipo, ilícito e culpável são
passíveis de sanções.

1.1.1 SUBSTRATOS DO CRIME

A essência do crime são os chamados substratos, ou


seja, do que é composto o delito punível penalmente, analisar
o substrato significa estudar a origem e o suporte deste que

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Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

abarca as mais diversas formas de condutas que violam os


bens jurídicos tutelados pelo direito penal brasileiro.

Assim como o corpo humano é composto por ca-


beça, corpo e membros, o crime é feito de fato
típico, ilicitude e culpabilidade. No entanto, em-
bora seja possível um corpo humano sem mem-
bros, não há crime se ausente qualquer de suas
partes componentes. Por isso, quem pratica um
fato típico em legítima defesa, não comete crime,
pois age amparado por causa de exclusão da ili-
citude – e, se não há ilicitude, não há crime.
Chamaremos os órgãos componentes do delito
de substratos. (CASTRO, Leonardo. 2015)

Nesse sentido, é importante compreender que o Brasil


adota a teoria finalista tripartite do crime, sendo ele composto
por fato típico, ilícito e culpável. Nesta senda, de acordo com
Fernando Capez:

[…] distinguiu-se a finalidade da causalidade,


para, em seguida, concluir-se que não existe
conduta típica sem vontade e finalidade, e que
não é possível separar o dolo e a culpa da con-
duta típica, como se fossem fenômenos distintos
(2017, p. 146).

A aplicação do princípio da insignificância incide sobre


o fato típico, pois a conduta possui os demais substratos, ilici-
tude e culpabilidade, ou seja, o fato possui previsão legal de

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Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

vedação, e o agente o pratica com animus, consciente da ilici-


tude, portanto não pode ser inimputável, possuindo culpabili-
dade. O substrato objeto de estudo pelo princípio da insignifi-
cância é o fato típico, que por sua vez possui elementos cons-
titutivos, como:

a) Conduta: O comportamento humano de ação ou


omissão praticado com uma finalidade;

b) Nexo causal: Relação da ação praticada com o re-


sultado, nexo de causalidade;

c) Resultado: Mudança no mundo físico ou jurídico a


partir da prática da ação;

d) Tipicidade em sentido estrito: Adequação da con-


duta com um tipo penal em abstrato.

Ou seja, o crime ocorre quando a conduta praticada


pelo agente tem nexo causal com o resultado, existindo nessa
relação a tipicidade formal, onde a conduta praticada tem pre-
visão em norma penal abstrata, adequação entre conduta e
norma.

Dessa forma, verifica-se que em um primeiro momento,


não há de se falar em aplicação do princípio da insignificância,

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Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

todavia, o magistrado, dotado de conhecimento técnico e jurí-


dico analisará a tipicidade material, que observa o prejuízo au-
ferido pela vítima em decorrência da prática do ato delituoso.

1.1.1.1 Fato típico, ilicitude e culpabilidade

Observando o cenário jurídico atual, é de comum co-


nhecimento acerca da teoria tripartite do crime, todavia estes
itens são pouco explorados em sua profundidade material a
que se deveria observar. Fato típico consiste na prática de
uma ação ou omissão que se amolda a um tipo penal positi-
vado, por exemplo “matar alguém – art. 121 do código penal”.
Na hipótese de ilicitude, pode haver casos em que fin-
dam na descaracterização do crime, são os casos de legítima
defesa, estado de necessidade, estrito cumprimento de um de-
ver legal e exercício regular de um direito. Culpabilidade exige
a plena consciência da prática de ato penalmente punível,
pode incidir a imputabilidade.

Pode-se afirmar com segurança que todo crime


é, em primeiro lugar, um fato típico (ou seja, pre-
visto num tipo penal). Quando alguém realiza
uma conduta não punida por qualquer lei penal,
é dizer, que não se subsume a nenhum tipo pe-
nal incriminador, pratica um indiferente penal.
Esse fato não é típico. (...) A mesma certeza
existe, ainda, quanto à ilicitude, parte

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Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

integrante do conceito de crime. Justamente por-


que nosso Código Penal declara não haver crime
quando o fato é praticado ao abrigo
de uma causa excludente de ilicitude (legítima
defesa, estado de necessidade, exercício regular
de um direito ou no estrito cumprimento de um
dever legal) (art. 23 do CP: “Não há crime
quando o agente pratica o fato...”). No que tange
à culpabilidade, há crime, ainda que ela não se
verifique. Quando uma pessoa comete um fato
típico e antijurídico, mas age sem culpabilidade,
nosso Código, em vez de dizer que
“não há crime”, como se viu acima, declara que
o agente é “isento de pena” (vide arts. 21, 22, 26
e 28 do CP). Essa técnica legislativa
não pode ser ignorada, sobretudo quando procu-
ramos analisar os elementos estruturais do
crime, segundo nosso ordenamento
jurídico. (ESTEFAM e GONÇALVES, 2018)

Desse modo, entende-se que o fato típico é aquele em


que sua prática é penalmente prevista em norma abstrata, a
ilicitude ocorre quando o fato típico não está amparado por ne-
nhuma excludente, como a legítima defesa. A culpabilidade é
a exigência de plena consciência do agente de que está prati-
cando um crime.

1.1.1.2 Elementos do fato típico

Tendo em vista que a teoria tríplice do crime determina


três vetores, fato típico, ilícito e culpável, deve-se observar que

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Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

o princípio da insignificância, objeto de estudo, recairá sobre


este primeiro.

No fato típico há quatro subelementos, estes incluem


conduta, resultado, nexo causal e tipicidade. O princípio da in-
significância recai sobre este último, a tipicidade, dividida em
formal e material, a formal é quando o fato praticado se amolda
com a norma penal incriminadora, influenciada pela teoria do
garantismo penal e pelo idealizado princípio da insignificância.
Abaixo, o infográfico que destaca o item em que o princípio
da insignificância ganha relevância.

Figura 01 – Princípio da insignificância

Fonte: própria autora

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Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

A partir da Constituição Federal de 1988, passou-se a


exigir a efetiva lesão ou perigo de lesão ao bem jurídico tute-
lado, de modo que acrescentou a tipicidade material, novo re-
quisito de tipicidade penal. É neste requisito que o princípio da
insignificância irá incorrer.
Destarte, a teoria do crime possui elementos que se
subdividem em itens cumulativamente essenciais para a ca-
racterização do delito, dispostos no infográfico acima. O prin-
cípio da insignificância recai no subelemento da tipicidade ma-
terial, esta dotada da falta de prejuízo à vítima ou de relevância
ínfima, assim sendo, não deve ser objeto de exame do direito
penal.

1.2 PRINCÍPIOS QUE DERAM ORIGEM À


INSIGNIFICÂNCIA

De acordo com o doutrinador Fernando Capez, um dos


grandes nomes de referência no direito penal, explica em pou-
cas palavras o princípio da insignificância da seguinte forma:

O Direito Penal é o segmento do ordenamento


jurídico que detém a função de selecionar os
comportamentos humanos mais graves e perni-
ciosos à coletividade, capazes de colocar em
risco valores fundamentais para a convivência

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Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

social, e descrevê-los como infrações penais, co-


minando-lhes, em consequência, as respectivas
sanções, além de estabelecer todas as regras
complementares e gerais necessárias à sua cor-
reta e justa aplicação. (CAPEZ, 2020, p.51).

Para entender melhor esse tema, primeiro deve-se ana-


lisar o princípio da intervenção mínima, da subsidiariedade, da
proporcionalidade e da fragmentariedade, essas quatro figu-
ras do direito penal em verdade representam apenas uma só,
ou seja, a máxima de que o direito penal só deve ser invocado
quando todos os outros ramos do direito não forem necessá-
rios para a resolução da lide.
O princípio da intervenção mínima, preconiza que nem
todo direito é passível de tutela penal do Estado, a criminali-
zação de uma conduta só se legitima se constituir meio neces-
sário para a proteção de determinado bem jurídico, a subsidi-
ariedade caracteriza-se pela ultima ratio, de modo que o direito
penal só deve atuar quando os demais ramos do direito se
mostrarem ineficazes para tutelar o bem jurídico.
Visto que o direito penal é o último recurso do Estado
para controle social, a proporcionalidade determina que a
pena deve ser proporcional ao injusto praticado, de tal forma
que o magistrado não pode ultrapassar os limites impostos
pelo legislador em virtude do dever de observância desse prin-
cípio.

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Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

A punição deve ser proporcional ao ato delitivo prati-


cado afastando-se a pessoalidade e vingança Estatal, e por
último, a fragmentariedade que nada mais é do que a filtração
das ações humanas, de modo que a fragmentariedade no di-
reito penal deve se preocupar apenas com os fragmentos de
ação humana que são ilícitas, tipificadas pelo legislador, não
sendo objeto, por exemplo, a maioria das condutas sociais co-
muns.
O princípio da insignificância não pode confundir-se
com a adequação social, pois a adequação social não pode
ser considerada formalmente típica porque a conduta passou
a ser aceita a partir das mudanças morais de toda uma socie-
dade, com relação ao princípio da insignificância, a conduta é
de mínima lesividade, é considerada típica ainda nos moldes
da lei em abstrato, todavia, sua ofensividade é quase ou ine-
xistente e sua reprovação social é ínfima. De acordo com Fer-
nando Capez (2020, p. 61):

Se a finalidade do tipo penal é tutelar um bem


jurídico, sempre que a lesão for insignificante, a
ponto de se tornar incapaz de lesar o interesse
protegido, não haverá adequação típica. É que
no tipo não estão descritas condutas incapazes
de ofender o bem tutelado, razão pela qual os
danos de nenhuma monta devem ser considera-
dos fatos atípicos.

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Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

Daniel Raizman afirma que o princípio da insignificância


parte da máxima de que o pretor (magistrado) não deve im-
portar-se com coisas pequenas.

Consiste na limitação à intervenção punitiva


quando a lesão ao bem jurídico for ínfima ou in-
significante. A exigência de que a conduta não
tenha por efeito uma lesão ínfima ou insignifi-
cante do bem jurídico encontra antecedentes na
velha máxima minima non curat praetor. (RAIZ-
MAN, 2019, p. 101).

Dessa forma, em razão dos princípios de intervenção


mínima, da subsidiariedade, da proporcionalidade e da frag-
mentariedade, surgiu o princípio da insignificância adotado
pelo ordenamento jurídico vigente, todavia, em suma, estes
são uma figura só e defendem que o direito penal deve valer-
se apenas de causas relevantes.

1.2.1 PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA PRÓPRIA

Também chamado de princípio bagatelar, a insignifi-


cância divide-se em própria e imprópria. Nos casos de insigni-
ficância própria o fato já nasce irrelevante, é atípico, nessa fi-
gura própria, a exemplo disso seria o furto de um clipe de pa-
pel, de valor inexpressivo, todavia o inquérito policial para apu-
ração não pode ser dispensado pela autoridade policial, tendo

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Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

em vista que somente quando o caso vai para o Ministério Pú-


blico é que caberá ao promotor de justiça formular o pedido de
arquivamento dos autos. Portanto, a insignificância própria se
fundamenta na ausência de tipicidade material da conduta pra-
ticada ou na irrelevância de seu resultado.

1.2.2 PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA IMPRÓPRIA

A insignificância imprópria comumente conhecida como


irrelevância penal do fato ocorre quando a prática da ação
nasce criminosa, relevante para o direito penal, todavia, por
algumas circunstâncias analisadas no caso concreto, o juiz en-
tende que não há mais necessidade de aplicação dos sansões
penais. Como por exemplo, o sujeito reparou o dano causado
à vítima, se arrependeu, o ônus do processo.
Claus Roxin, em sua obra “Política criminal y sistema
del Derecho Penal”, do ano de 1972 usou o termo princípio da
insignificância, segundo ele, o legislador não possui compe-
tência para, em absoluto, castigar pela sua imoralidade con-
dutas não lesivas a bens jurídicos.

Sendo o crime uma ofensa a um interesse diri-


gido a um bem jurídico relevante, preocupa-se a
doutrina em estabelecer um princípio para excluir
do Direito Penal certas lesões insignificantes.

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Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

Claus Roxin propôs o chamado princípio da in-


significância, que permite na maioria dos tipos
excluir, em princípio, os danos de pouca impor-
tância (MIRABETE, 2021, p. 119).

De acordo ainda com Claus Roxin, o princípio da insig-


nificância não é uma característica de um tipo de crime, mas
auxiliaria no próprio direito ao limitar o conteúdo literal de um
tipo formal a um comportamento socialmente aceitável, pois
causa danos menores e ínfimos a bens protegidos por lei.
Desse modo, o magistrado observando o caso concreto
deve ponderar sobre a relevância do fato para o mundo jurí-
dico e para a vítima, pois a aplicação de sansão penal muito
além da esfera jurídica gera prejuízos irreparáveis no mundo
social.

1.2.3 NATUREZA JURÍDICA

A natureza jurídica deste princípio de acordo com a


doutrina é de causa supralegal de exclusão da tipicidade ma-
terial. O Supremo Tribunal Federal e Superior Tribunal de Jus-
tiça já vem adotando este preceito na análise de casos con-
cretos.
A conduta que preenche os requisitos impostos pelo

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Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

Supremo Tribunal Federal de mínima ofensividade da con-


duta, ausência de periculosidade social, reduzidíssimo grau de
reprovabilidade do comportamento e inexpressividade da le-
são jurídica que se amoldam ao caso concreto terá sua tipici-
dade material desconsiderada pelo magistrado, tendo em vista
que sua lesividade, reprovação social e perigo ao bem prote-
gido é ínfima.
Desse modo, Eugenio Raúl Zaffaroni, uma das maiores
autoridades do direito penal mundial, no que tange à insignifi-
cância afirmou que o fundamento do princípio reside na ideia
da proporcionalidade que a pena deve guardar em relação à
gravidade do crime; nos casos de ínfima afetação do bem ju-
rídico, o conteúdo do injusto é tão pequeno que não subsiste
qualquer razão para imposição da reprimenda e ainda a mí-
nima pena aplicada seria desproporcional à significação social
do fato.

1.3 APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA

De acordo com o doutrinador Fernando Capez, esse


princípio não pode ser invocado pela autoridade policial, para
deixar de cumprir o seu dever de ofício, pois, a mercê da hipo-
tética ocorrência do delito, seja na forma consumada, seja na

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Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

forma tentada, cumpre tomar todas as providências necessá-


rias à opinio delicti. Portanto, à mercê da notitia criminis, a au-
toridade policial não tem o amparo legal necessário para invo-
car o princípio da insignificância e, com base nele, informar à
vítima que a conduta do suposto autor não constituiu crime.
Ou seja, o policial não pode de ofício dispensar o
agente que cometeu fato formalmente típico por considerar a
conduta de pouco ou nenhum potencial ofensivo e por sua pró-
pria autoridade dispensar o agente e informar ao prejudicado,
ainda que mínimo teor lesivo, que a conduta não é crime, po-
dendo o policial incorrer civilmente e criminalmente por tal con-
duta.
Doutrinariamente, o princípio da insignificância é co-
nhecido como “Princípio bagatelar”, Luiz Regis Prado a res-
peito desse tema explica:

[...] De qualquer modo, a restrição típica decor-


rente da aplicação do princípio da insignificância
não deve operar com total falta de critérios,202
ou derivar de interpretação meramente subjetiva
do julgador, mas ao contrário há de ser resultado
de uma análise acurada do caso em exame, com
o emprego de um ou mais vetores (PRADO,
2019, p. 107).

26
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

Logo, conclui-se que a autoridade policial não possui


poderes para determinar a aplicação do princípio da insignifi-
cância e se o fizer poderá sofrer sanções, tendo em vista que
a capacidade para julgar o referido é de autoridade do magis-
trado e Ministério Público.

1.3.1 REQUISITOS DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL

Conforme o Supremo Tribunal Federal, em açordão de


relatoria do ministro Celso de Mello em Sessão Virtual da Se-
gunda Turma, na conformidade da ata de julgamentos, Ses-
são Virtual de 25 de setembro a 02 de outubro de 2020. No
processo de Agravo Regimental improvido permanecendo de-
cisão anterior de habeas corpus 155.920 de Minas Gerais, re-
conheceu quatro requisitos para aplicação do princípio da in-
significância.

Cumpre salientar, por relevante, que o princípio


da insignificância – como fator de descaracteri-
zação material da própria tipicidade penal – tem
sido acolhido pelo magistério jurisprudencial
desta Suprema Corte (HC 87.478/PA, Rel. Min.
EROS GRAU – HC 92.463/RS, Rel. Min. CELSO
DE MELLO – HC 94.505/RS, Rel. Min. CELSO
DE MELLO – HC 94.772/RS, Rel. Min. CELSO
DE MELLO – HC 95.957/RS, Rel. Min. CELSO
DE MELLO, v.g.), como resulta claro de decisão

27
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

que restou consubstanciada em acórdão assim


ementado :
Tal postulado – que considera necessária, na
aferição do relevo material da tipicidade penal, a
presença de certos vetores , tais como ( a) a mí-
nima ofensividade da conduta do agente, ( b) a
nenhuma periculosidade social da ação, ( c) o re-
duzidíssimo grau de reprovabilidade do compor-
tamento e ( d) a inexpressividade da lesão jurí-
dica provocada – apoiou-se , em seu processo
de formulação teórica, no reconhecimento de
que o caráter subsidiário do sistema penal re-
clama e impõe, em função dos próprios objetivos
por ele visados, a intervenção mínima do Poder
Público.

De acordo ainda com decisão do mesmo tribunal o en-


tendimento é pacificado e encontra-se em mais de um dispo-
sitivo acerca dos requisitos basilares para a aplicação do prin-
cípio da insignificância nos casos concretos.

EMENTA: PROCESSUAL PENAL. AGRAVO


REGIMENTAL EM HABEAS CORPUS. FURTO
QUALIFICADO. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂN-
CIA.

1. O entendimento do STF é firme no sentido de


que o princípio da insignificância incide quando
presentes, cumulativamente, as seguintes condi-
ções objetivas:
(i) mínima ofensividade da conduta do agente;
(ii) nenhuma periculosidade social da ação;
(iii) grau reduzido de reprovabilidade do compor-
tamento;

28
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

(iv) inexpressividade da lesão jurídica provo-


cada, ressaltando, ainda, que a contumácia na
prática delitiva impede, em regra, a aplicação do
princípio.
Hipótese de paciente condenado pelo crime de
furto qualificado pelo abuso de confiança, não
estando configurados, concretamente, os requi-
sitos necessários ao reconhecimento da irrele-
vância material da conduta.
2. Agravo regimental desprovido.
(HC 175945 AgR, Relator(a): ROBERTO BAR-
ROSO, Primeira Turma, julgado em 27/04/2020,
PROCESSO ELETRÔNICO DJe-119 DIVULG
13-05-2020 PUBLIC 14-05-2020).

a) Mínima ofensividade da conduta: conduta com o mí-


nimo potencial lesivo, que é praticamente inofensiva.

b) Ausência de periculosidade social: a conduta não


lesa nenhum perigo para a sociedade, não gera ne-
nhum temor.

c) Reduzidíssimo grau de reprovabilidade do comporta-


mento: a conduta praticada não apresenta ou apresenta
baixíssimo grau de reprovação social.

d) Inexpressividade da lesão jurídica: a conduta foi irre-


levante para fins penais.

O juiz deve analisar o valor subjetivo em relação a ví-


tima. Como por exemplo: Determinados agentes entram em

29
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

uma residência humilde, roubam somente um porta-retratos


de uma idosa, mas esse porta retratos possuía uma foto do
único filho que já havia morrido, economicamente valia menos
de 15 reais, porém, o objeto tinha um altíssimo valor emocional
para a vítima.
O ministro do Superior Tribunal de Justiça, Sebastião
Reis Júnior, durante a sessão do dia 01/06/2021, posicionou-
se e apontou o grande número de processos que devem ser
julgados pela corte. Na visão do ministro, é absurdo julgar um
Habeas Corpus que discute a insignificância de um furto do
valor de R$ 4,00.

1. O princípio da insignificância em matéria penal


deve ser aplicado excepcionalmente, nos casos
em que, não obstante a conduta, a vítima não te-
nha sofrido prejuízo relevante em seu patrimônio,
de maneira a não configurar ofensa expressiva
ao bem jurídico tutelado pela norma penal incri-
minadora. Assim, para afastar a tipicidade pela
aplicação do referido princípio, o desvalor do re-
sultado ou o desvalor da ação, ou seja, a lesão
ao bem jurídico ou a conduta do agente, devem
ser ínfimos.
2. In casu, conquanto o presente recurso não te-
nha sido instruído com o laudo de avaliação das
mercadorias, tem-se que o valor total dos bens
furtados pelo recorrente - pacotes de biscoito,
leite, pães e bolos -, além de ser ínfimo, não afe-
tou de forma expressiva o patrimônio das víti-
mas, razão pela qual incide na espécie o princí-

30
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

pio da insignificância, reconhecendo-se a inexis-


tência do crime de furto pela exclusão da ilici-
tude. Precedentes desta Corte.
3. Recurso provido, em conformidade com o pa-
recer ministerial, para conceder a liberdade ao
recorrente, se por outro motivo não estiver preso,
e trancar a ação penal por falta de justa causa.
(RHC 23.376/MG, Rel. Ministro NAPOLEÃO NU-
NES MAIA FILHO, QUINTA TURMA, julgado em
28/08/2008, DJe 20/10/2008)

Desse modo, verifica-se que os requisitos de mínima


ofensividade da conduta do agente, nenhuma periculosidade
social da ação, grau reduzido de reprovabilidade do compor-
tamento e inexpressividade da lesão jurídica provocada vem
sendo adotados para a aplicação do princípio da insignificân-
cia nos casos concretos, possuindo julgados neste sentido
pelo Superior Tribunal de Justiça e Supremo Tribunal Federal.

1.3.2 APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA


NOS CASOS DE REINCIDÊNCIA

O entendimento pela aplicação do princípio da insignifi-


cância pelo Superior Tribunal Justiça e pelo Supremo Tribunal
Federal já é pacificado nos termos dos requisitos do HC
175945 AgR, de relatoria do Ministro Roberto Barroso, da pri-
meira turma, Processo Eletrônico DJe-119 Divulg 13-05-2020
Public. 14-05-2020, requisitos que possibilitam a aplicação do

31
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

princípio em referência nos casos de reincidência, com ressal-


vas.
Segundo Superior Tribunal Justiça, o princípio da insig-
nificância pode ser aplicado para o réu reincidente porque
esse princípio exclui a tipicidade material do crime e na dosi-
metria da pena a reincidência seria circunstância agravante,
ou seja, a conduta de roubar uma caneta independente da
reincidência, não seria analisada, pois foi uma conduta atípica
que não possui lesividade, tendo em vista que a reincidência
só seria relevante na segunda fase da dosimetria da pena.
Segundo o Supremo Tribunal Federal, entende-se que
o fato da pessoa ser reincidente, o princípio da insignificância
pode também ser aplicado. Todavia, há decisões no sentido
da não aplicação desse princípio nos casos do réu reincidente
específico (que praticou o mesmo fato reiteradas vezes) ou
seja, o Supremo Tribunal Federal não admitiu o reconheci-
mento desse princípio de acordo com determinados casos
concretos analisados.

EMENTA: HABEAS CORPUS. FURTO. PRINCÍ-


PIO DA INSIGNIFICÂNCIA. INAPLICABILI-
DADE. REITERÂNCIA DELITIVA. ABRANDA-
MENTO DE REGIME INICIAL DE CUMPRI-
MENTO DA PENA. ORDEM CONCEDIDA DE
OFÍCIO.

32
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

1. A orientação firmada pelo Plenário do SU-


PREMO TRIBUNAL FEDERAL é no sentido de
que a aferição da insignificância da conduta
como requisito negativo da tipicidade, em crimes
contra o patrimônio, envolve um juízo amplo, que
vai além da simples aferição do resultado mate-
rial da conduta, abrangendo também a reincidên-
cia ou contumácia do agente, elementos que,
embora não determinantes, devem ser conside-
rados (HC 123.533, Relator Min. ROBERTO
BARROSO, Tribunal Pleno, DJe de 18/2/2016).
2. Busca-se, desse modo, evitar que ações típi-
cas de pequena significação passem a ser con-
sideradas penalmente lícitas e imunes a qual-
quer espécie de repressão estatal, perdendo-se
de vista as relevantes consequências jurídicas e
sociais desse fato decorrentes.
3. A aplicação do princípio da insignificância não
depende apenas da magnitude do resultado da
conduta. Essa ideia se reforça pelo fato de já ha-
ver previsão na legislação penal da possibilidade
de mensuração da gravidade da ação, o que,
embora sem excluir a tipicidade da conduta,
pode desembocar em significativo abranda-
mento da pena ou até mesmo na mitigação da
persecução penal.
4. Não se mostra possível acatar a tese de atipi-
cidade material da conduta, pois não há como
afastar o elevado nível de reprovabilidade assen-
tado pelas instâncias antecedentes, ainda mais
considerando os registros do Tribunal local
dando conta de que o paciente é contumaz na
prática delituosa, o que desautoriza a aplicação
do princípio da insignificância, na linha da juris-
prudência desta CORTE.
5. Quanto ao modo de cumprimento da repri-
menda penal, há quadro de constrangimento ile-
gal a ser corrigido. A imposição do regime inicial

33
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

semiaberto, com arrimo na reincidência e nos


maus antecedentes, parece colidir com a propor-
cionalidade na escolha do regime que melhor se
coadune com as circunstâncias da conduta de
furto de bem pertencente a estabelecimento co-
mercial, avaliado em R$ 130,00 (cento e trinta re-
ais). Ainda, à exceção dos antecedentes, as de-
mais circunstâncias judiciais são favoráveis, ra-
zão por que a pena-base fora estabelecida pouco
acima do mínimo legal (cf. HC 123.533, Tribunal
Pleno, Rel. Min. ROBERTO BARROSO), de
modo que o regime aberto melhor se amolda à
espécie.
6. Ordem de Habeas Corpus concedida, de ofí-
cio, para fixação do regime inicial aberto para
cumprimento da reprimenda.
(HC 135164, Relator(a): MARCO AURÉLIO, Re-
lator(a) p/ Acórdão: ALEXANDRE DE MORAES,
Primeira Turma, julgado em 23/04/2019, PRO-
CESSO ELETRÔNICO DJe-170 DIVULG 05-
08-2019 PUBLIC 06-08-2019)

Em um dos casos concretos, um determinado cidadão


furtou dois queijos, mas que foram restituídos, na cidade de
Juiz de Fora em Minas Gerais, o Ministro do Superior Tribunal
Federal, Felix Fischer, votou contra a aplicação do princípio da
insignificância, usando como sustentáculo que por ser reinci-
dente, não foi um fato isolado e teve maior repercussão nega-
tiva, todavia, o Supremo Tribunal Federal, optou pela absolvi-
ção, o relator Celso de Mello explicou:

34
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

A análise objetiva do caso em exame conduz ao


reconhecimento da configuração, na espécie, do
fato insignificante, a descaracterizar, no plano
material, a tipicidade penal da conduta em que
incidiu a ora paciente, eis que estão presentes
todos os vetores cuja ocorrência autoriza a apli-
cação do postulado da insignificância (HC
155920 / MG - MIN. CELSO DE MELLO).

Ainda em outro julgado do então presidente do Superior


Tribunal de Justiça (STJ), ministro João Otávio de Noronha
(2020) a época, determinou que:

O paciente, segundo consta do acordão, osten-


tava oito condenações transitadas em julgado.
Somam-se a isso as informações do documento
no qual se destacou que, afora aquela passa-
gem, o paciente, nos últimos 12 meses, havia
tido seis procedimentos policiais.

Nesse caso em concreto, para Noronha, “os autos tra-


zem componentes que revelam a acentuada reprovabilidade
do comportamento do paciente, a reincidência e maus antece-
dentes em crimes de natureza patrimonial, que indicam a ha-
bitualidade delitiva” trazendo um novo olhar para esse enten-
dimento já pacificado, que a habitualidade em condutas deliti-
vas reiteradas pode afastar a aplicação do principio da insig-
nificância.

35
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

A 1ª Turma indeferiu, em julgamento conjunto,


habeas corpus nos quais se postulava tranca-
mento de ação penal em virtude de alegada
atipicidade material da conduta. Ademais, cas-
sou-se a liminar anteriormente deferida em um
deles (HC 110.932/RS). Tratava-se, no HC
109.183/RS, de condenado por furtar, com
rompimento de obstáculo, bens avaliados em
R$ 45,00, equivalente a 30% do salário mí-
nimo vigente à época. No HC 110.932/RS, de
acusado por, supostamente, subtrair, medi-
ante concurso de pessoas, bicicleta estimada
em R$ 128,00, correspondente a 50% do valor
da cesta básica da capital gaúcha em outubro
de 2008. Mencionou-se que o Código Penal,
no art. 155, § 2º, ao se referir ao pequeno valor
da coisa furtada, disciplinaria critério de fixa-
ção da pena – e não de exclusão da tipicidade
–, quando se tratasse de furto simples. Con-
signou-se que o princípio da insignificância
não haveria de ter como parâmetro tão só o
valor da res furtiva, devendo ser analisadas as
circunstâncias do fato e o reflexo da conduta
do agente no âmbito da sociedade, para deci-
dir sobre seu efetivo enquadramento na hipó-
tese de crime de bagatela. Discorreu-se que o
legislador ordinário, ao qualificar a conduta in-
criminada, teria apontado o grau de afetação
social do crime, de sorte que a relação exis-
tente entre o texto e o contexto – círculo her-
menêutico – não poderia conduzir o intérprete
à inserção de norma não abrangida pelos sig-
nos do texto legal. Assinalou-se que, consec-
tariamente, as condutas imputadas aos auto-
res não poderiam ser consideradas como inex-
pressivas ou de menor afetação social, para

36
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

fins penais, adotando-se tese de suas atipici-


dades em razão do valor dos bens subtraídos.
O Min. Luiz Fux, relator, ponderou que não se
poderia entender atípica figura penal que o Có-
digo assentasse típica, porquanto se atuaria
como legislador positivo. Aduziu que, por me-
nor, ou maior, que fosse o direito da parte, se-
ria sempre importante para aquela pessoa que
perdera o bem. Aludiu à solução com herme-
nêutica legal. O Min. Marco Aurélio comple-
mentou que a atuação judicante seria vincu-
lada ao direito posto. Enfatizou haver baliza-
mento em termos de reprimenda no próprio
tipo penal. Admoestou que o furto privilegiado
dependeria da primariedade do agente e, na
insignificância, esta poderia ser colocada em
segundo plano. O Min. Dias Toffoli subscreveu
a conclusão do julgamento, tendo em conta as
circunstâncias específicas de cada caso. Ante
as particularidades das situações em jogo, a
Min. Rosa Weber, acompanhou o relator, po-
rém sem adotar a fundamentação deste. Vis-
lumbrava que o Direito Penal não poderia –
haja vista os princípios da interferência mínima
do Estado e da fragmentariedade – atuar em
certas hipóteses.
(STF: HC 109.183/RS, rel. Min. Luiz Fux,
12.06.2012 e HC 110.932/RS, rel. Min. Luiz
Fux, 1ª Turma, j. 12.06.2012, noticiados no In-
formativo 670).

Destarte, no ano de 2017, ocorreu um furto em uma loja


de utilidades na cidade de São Paulo, e a condenação havia
sido imposta pelo juízo da 4ª Vara Criminal do Foro da Barra

37
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

Funda. O Habeas Corpus foi impetrado pela Defensoria Pú-


blica do Estado de São Paulo contra decisão monocrática do
Superior Tribunal de Justiça que na decisão afastou a aplica-
ção do princípio da insignificância em razão de o réu ter come-
tido outras infrações e haver contra o mesmo, condenações
por crimes contra o patrimônio.
O réu da ação foi condenado pela 4ª Vara Criminal do
Foro da Barra Funda a três anos e seis meses de reclusão,
em regime fechado, pelo furto de um conjunto de três panelas
avaliado em R$ 100.
A ministra relatora verificou a presença dos quatro re-
quisitos exigidos pela jurisprudência do Supremo Tribunal Fe-
deral: a mínima ofensividade da conduta do agente, a ausên-
cia de periculosidade social da ação, o reduzidíssimo grau de
reprovabilidade do comportamento e a inexpressividade da le-
são jurídica provocada. De modo que a conduta praticada pelo
apenado não possuía qualquer desconformidade com esses
vetores que fosse suficiente para justificar a manutenção da
sentença condenatória.
Analisando o caso a Ministra do Supremo Tribunal Fe-
deral, Rosa Weber, argumentou que o fato ocorrido e descrito
nos autos do processo revelava ainda que o réu tendo consu-
mado o furto, o fez sem o emprego de qualquer tipo de violên-
cia ou grave ameaça.

38
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

Com relação a esse aspecto, respeito esse en-


tendimento no sentido de afastar a aplicação
do princípio da insignificância aos acusados
reincidentes ou de habitualidade delitiva com-
provada, contudo, levando em conta as cir-
cunstâncias peculiares do caso (valor ínfimo
de R$ 114,36 e ausência de violência), en-
tendo que razão assiste à defesa e, assim, re-
conheço a atipicidade da conduta do agra-
vante. Portanto, diante dos fundamentos ex-
postos, dou provimento ao agravo regimental
para conceder a ordem de habeas corpus a fim
de determinar a absolvição do agravante Cle-
dilson da Conceição Hora, com fundamento no
artigo 386, inciso III, do CPP (Proc. 0021419-
76.2018.8.25.0001, 9ª Vara Criminal de Ara-
caju/SE). É como voto.
(STF: AG.REG. NO HABEAS CORPUS
198.437 SERGIPE, RELATOR : MIN. RI-
CARDO LEWANDOWSKI, 2ª Turma,
05.04.2022).

Desse modo, conclui-se que o Superior Tribunal de Jus-


tiça e Supremo Tribunal Federal ao analisar os casos concre-
tos mesmo sendo estes reincidentes delimitam a aplicação do
principio da insignificância com base nos requisitos de mínima
ofensividade da conduta do agente, a ausência de periculosi-
dade social da ação, o reduzidíssimo grau de reprovabilidade
do comportamento e a inexpressividade da lesão jurídica pro-
vocada.

39
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

1.3.3 APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA


NOS CRIMES CONTRA A ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA

De acordo com a súmula 599 do Superior Tribunal de


Justiça, o princípio da insignificância não se aplica aos crimes
praticados contra a administração pública.
Ocorre que há julgado que não aplicou essa súmula ao
caso concreto, como por exemplo: A Sexta Turma do Superior
Tribunal de Justiça em 2018 afastou a aplicação da súmula
599 e aplicou o princípio da insignificância a crime contra a
administração pública. Ao prover o recurso habeas corpus, por
unanimidade, o colegiado avaliou que as peculiaridades do
caso autorizam a não aplicação do enunciado.

PENAL. PROCESSUAL PENAL. RECURSO


ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. DANO
QUALIFICADO. INUTILIZAÇÃO DE UM CONE.
IDOSO COM 83 ANOS NA ÉPOCA DOS FA-
TOS. PRIMÁRIO. PECULIARIDADES DO CASO
CONCRETO. MITIGAÇÃO EXCEPCIONAL DA
SÚMULA N. 599/STJ. JUSTIFICADA. PRINCÍ-
PIO DA INSIGNIFICÂNCIA. INCIDÊNCIA. RE-
CURSO PROVIDO.
1. A subsidiariedade do direito penal não permite
tornar o processo criminal instrumento de repres-
são moral, de condutas típicas que não produ-
zam efetivo dano. A falta de interesse estatal
pelo reflexo social da conduta, por irrelevante
dado à esfera de direitos da vítima, torna inacei-
tável a intervenção estatal-criminal.

40
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

2. Sedimentou-se a orientação jurisprudencial no


sentido de que a incidência do princípio da insig-
nificância pressupõe a concomitância de quatro
vetores: a) a mínima ofensividade da conduta do
agente; b) nenhuma periculosidade social da
ação; c) o reduzidíssimo grau de reprovabilidade
do comportamento e d) a inexpressividade da le-
são jurídica provocada.
3. A despeito do teor do enunciado sumular n.
599, no sentido de que O princípio da insignifi-
cância é inaplicável aos crimes contra a adminis-
tração pública, as peculiaridades do caso con-
creto – réu primário, com 83 anos na época dos
fatos e avaria de um cone avaliado em menos de
R$ 20,00, ou seja, menos de 3% do salário mí-
nimo vigente à época dos fatos – justificam a mi-
tigação da referida súmula, haja vista que ne-
nhum interesse social existe na onerosa inter-
venção estatal diante da inexpressiva lesão jurí-
dica provocada.
4. Recurso em habeas corpus provido para de-
terminar o trancamento da ação penal n.
2.14.0003057-8, em trâmite na 2ª Vara Criminal
de Gravataí/RS.
(STJ: RECURSO EM HABEAS CORPUS Nº
85.272 - RS (2017/0131630-4),Rel. Min. Nefi
Cordeiro, 6ª Turma)

O relator do recurso a época do STJ, ministro Nefi Cor-


deiro, ressaltou que o réu era primário, tinha 83 anos na época
dos fatos e o cone avariado custava menos de R$ 20, ou seja,
menos de 3% do salário-mínimo vigente à época. “A despeito
do teor do enunciado 599, as peculiaridades do caso concreto

41
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

justificam a mitigação da referida súmula, haja vista que ne-


nhum interesse social existe na onerosa intervenção estatal
diante da inexpressiva lesão jurídica provocada”, explicou o
ministro.
Em outro caso concreto o Superior Tribunal de Justiça
analisou a importação de pequena quantidade de medica-
mento para uso próprio, optou por autorizar a excepcional apli-
cação do princípio da insignificância.

A importação de pequena quantidade de medi-


camento destinada a uso próprio denota a mí-
nima ofensividade da conduta do agente, a au-
sência de periculosidade social da ação, o redu-
zidíssimo grau de reprovabilidade do comporta-
mento e a inexpressividade da lesão jurídica pro-
vocada, tudo a autorizar a excepcional aplicação
do princípio da insignificância.
(ut, REsp 1346413/PR, Rel. p/ Acórdão Ministra
MARILZA MAYNARD – Desembargadora convo-
cada do TJ/SE -, Quinta Turma, DJe
23/05/2013). No mesmo diapasão: REsp
1341470/RS, Rel. Ministra MARIA THEREZA DE
ASSIS MOURA, SEXTA TURMA, julgado em
07/08/2014, DJe 21/08/2014.

Portanto, conforme verificado, paulatinamente a juris-


prudência vem afastando a aplicação da súmula 599 do Supe-
rior Tribunal de Justiça, e passando a adotar apenas os requi-
sitos impostos pelo Supremo Tribunal Federal à medida que

42
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

os casos concretos permitem determinar o cabimento do prin-


cípio da insignificância.

1.3.4 APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA


NOS CRIMES COM VIOLÊNCIA CONTRA A MULHER

De acordo com a súmula 589 do Superior Tribunal de


Justiça não se aplica o princípio da insignificância nos crimes
ou contravenções penais praticados contra a mulher no âmbito
das relações domesticas.

Súmula 589 do STJ - É inaplicável o princípio da


insignificância nos crimes ou contravenções pe-
nais praticados contra a mulher no âmbito das re-
lações domésticas. (Súmula 589, TERCEIRA
SEÇÃO, julgado em 13/09/2017, DJe
18/09/2017)
"[...] LESÕES CORPORAIS. VIOLÊNCIA DO-
MÉSTICA. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA.
IMPOSSIBILIDADE DE INCIDÊNCIA. [...] 1. A ju-
risprudência do STJ orienta que o princípio da in-
significância não se aplica a delitos praticados
em ambiente doméstico devido ao relevante des-
valor da conduta, mesmo diante da preservação
ou do restabelecimento da relação familiar e de
o agressor ser dotado de condições pessoais fa-
voráveis. [...]" (AgRg no AREsp 845105 SP, Rel.
Ministro REYNALDO SOARES DA FONSECA,
QUINTA TURMA, julgado em 19/04/2016, DJe
29/04/2016)

43
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

"[...] LESÃO CORPORAL. VIOLÊNCIA DOMÉS-


TICA. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA OU
BAGATELA IMPRÓPRIA. NÃO APLICAÇÃO.
[...] 1. No que toca aos delitos com violência à
pessoa, no âmbito das relações domésticas, não
têm aplicação tanto o princípio da insignificância,
que importa no reconhecimento da atipicidade do
fato, como tampouco da bagatela imprópria, pelo
qual se reconhece a desnecessidade de aplica-
ção da pena, tendo este Superior Tribunal de
Justiça firmado entendimento no sentido da rele-
vância penal de tais condutas." (AgRg no REsp
1543718 MS, Rel. Ministra MARIA THEREZA DE
ASSIS MOURA, SEXTA TURMA, julgado em
03/09/2015, DJe 22/09/2015)

Assim, o Superior Tribunal de Justiça e Supremo Tribu-


nal Federal entendem que os delitos praticados com violência
contra a mulher, devido à expressiva ofensividade, periculosi-
dade social, reprovabilidade do comportamento e lesão jurí-
dica causada, perdem a característica de insignificante e ba-
gatelar e por isso deve ser observado pelo direito penal. Pre-
cedentes nesse sentido: STJ. 5ª Turma. HC 333.195/MS, Rel.
Min. Ribeiro Dantas, julgado em 12/04/2016. STJ. 6ª Turma.
AgRg no HC 318.849/MS, Rel. Min. Sebastião Reis Júnior, jul-
gado em 27/10/2015. STF. 2ª Turma. RHC 133043/MT, Rel.
Min. Cármen Lúcia, julgado em 10/5/2016 (Info 825). Con-
forme determinou o Supremo Tribunal Federal na decisão:

44
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

Princípio da insignificância e violência domés-


tica. Inadmissível a aplicação do princípio da in-
significância aos delitos praticados em situação
de violência doméstica. Com base nessa orien-
tação, a Segunda Turma negou provimento a re-
curso ordinário em “habeas corpus” no qual se
pleiteava a incidência de tal princípio ao crime de
lesão corporal cometido em âmbito de violência
doméstica contra a mulher (Lei 11.340/2006, Lei
Maria da Penha)” (RHC 133043/MT, Segunda
Turma, DJe 20/05/2016). (Supremo Tribunal Fe-
deral)

Nesse mesmo sentido, o Superior Tribunal de Justiça


determinou:

A jurisprudência desta Corte Superior está con-


solidada no sentido de não admitir a aplicação
dos princípios da insignificância e da bagatela
imprópria aos crimes e contravenções praticados
com violência ou grave ameaça contra mulher,
no âmbito das relações domésticas, dada a rele-
vância penal da conduta, não implicando a re-
conciliação do casal atipicidade material da con-
duta ou desnecessidade de pena. Precedentes”
(HC 333.195/MS, Quinta Turma, DJe
26/04/2016)

Em vista disso, constata-se que o princípio da insignifi-


cância nos casos de violência contra mulher não pode ser as-
sistido pelos tribunais em observância à súmula, mas essen-
cialmente em decorrência da reprovabilidade dos atos, um dos

45
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

vetores impostos pelo Supremo Tribunal Federal, esses veto-


res são cumulativos, ou seja, a não adequação do caso con-
creto com qualquer um deles afasta imediatamente a aplica-
ção do princípio da insignificância e suas nuances no pro-
cesso.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O presente trabalho não teve por finalidade esgotar o


debate do tema, todavia, conclui-se que o princípio da insigni-
ficância está solidificado na doutrina e jurisprudência. Por ser
um princípio de extrema importância, advindo da doutrina
(Claus Roxin) e consolidado na jurisprudência ((HC 175945
AgR, Relator(a): ROBERTO BARROSO, Primeira Turma, jul-
gado em 27/04/2020), encontra-se em constante mutação e
ampliação, como podemos observar de sua aplicação aos cri-
mes nos casos de reincidência (HC 175945 AgR, de relatoria
do Ministro Roberto Barroso, da primeira turma, Processo Ele-
trônico DJe-119 Divulg. 13-05-2020), e na mitigação da Sú-
mula 599 do Superior Tribunal de Justiça que determina a ina-
plicabilidade do princípio nos crimes contra a administração
pública.

46
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

Nos Tribunais Superiores, já possui assento em reitera-


das decisões, desde que observados os requisitos impostos
pelas cortes máximas do Brasil, o que garante estabilidade
deste princípio, mantendo assim a segurança jurídica aos ci-
dadãos, tornando-se um importante instrumento para a aplica-
ção da justiça. Todavia, sua aplicação, não se verifica nos ca-
sos de violência doméstica (Súmula 589 do Superior Tribunal
de Justiça).
O princípio da insignificância tem força estruturante no
direito, ademais quando se verifica que o código penal como
ultima ratio não deve preocupar-se com questões ínfimas, afim
de evitar a inflação do judiciário com matérias e casos que não
possuem sequer reprovabilidade, em suma, este ramo deve
preocupar-se em acolher a proteção de bens jurídicos mais
relevantes.
Desse modo, ficou demonstrado que já foram determi-
nados os requisitos indispensáveis para a aplicação do Princí-
pio da Insignificância, sendo eles: a mínima ofensividade da
conduta do agente, nenhuma periculosidade social da ação,
grau reduzido de reprovabilidade do comportamento e a inex-
pressividade da lesão jurídica provocada, portanto, o que se
conclui definitivamente é que os requisitos dispostos são os
pilares para a aplicação ou afastamento desse instituto de ex-
clusão supralegal da punibilidade.

47
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

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Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

2
A REDUÇÃO DO PODER JUDICIAL QUANTO AO IM-
PULSO DA EXECUÇÃO NO PROCESSO DO TRABALHO
E OUTRAS ALTERAÇÕES DA REFORMA TRABALHISTA

THE REDUCTION OF JUDICIAL POWER REGARDING


THE IMPULSE OF EXECUTION IN THE LABOR PROCESS
AND OTHER CHANGES ON LABOR REFORM

Renato da Silva Oliveira Marinho3


Ícaro Maia Chaim4

MARINHO, Renato da Silva Oliveira. A redução do poder ju-


dicial quanto ao impulso oficial da execução no processo
do Trabalho e outras alterações da Reforma Trabalhista.
Trabalho de Conclusão de Curso de graduação em Direito –
Centro Universitário UNINORTE, Rio Branco, 2023.

3
Discente do 9º período do Curso de Bacharelado em Direito pelo Centro
Universitário Uninorte. Graduado em Comunicação Social com habilitação
em Jornalismo pela Universidade Federal do Acre. Pós-graduado em Di-
reito do Trabalho pela Faculdade Alfa América. Técnico Judiciário do Tri-
bunal Regional do Trabalho da 14ª Região, ocupante do Cargo de Diretor
de Secretaria da 2ª Vara do Trabalho de Rio Branco.
4
Docente, graduado em Direito pela Faculdade Barão do Rio Branco, Pós-
graduado em Direito Processual Civil pela Universidade Anhanguera. Ad-
vogado. Assessor Jurídico na Procuradoria Geral do Estado do Acre. Co-
ordenador do Curso de Direito do Centro Universitário Uninorte.

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Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

RESUMO

Após a repercussão na mídia da Lei n. 13.467/2017, popular-


mente conhecida como Reforma Trabalhista, surgiram preo-
cupações com a extinção do impulso oficial nas execuções tra-
balhistas e a redução do poder do magistrado trabalhista. Este
estudo busca investigar se a alteração realmente acaba com
o impulso oficial do juiz durante o processo de execução ou se
é apenas uma medida restritiva. Além disso, são discutidas
neste artigo algumas mudanças práticas trazidas pela Re-
forma Trabalhista, como a nova redação do artigo 878 da CLT
e a introdução da prescrição intercorrente através do artigo 11-
A, também da CLT. Essas mudanças têm impacto significativo
no sistema jurídico trabalhista e exigem uma análise mais de-
talhada.

Palavras-chave: execução trabalhista; reforma trabalhista;


impulso oficial.

ABSTRACT

After the media repercussion of Law No. 13,467/2017, popu-


larly known as the Labor Reform, concerns arose regarding the
elimination of the official drive in labor executions and the limi-
tation on the judge’s power. This study aims to investigate
whether the alteration truly eliminates the official drive of the
judge during the execution process or if it is merely a restrictive
measure. Additionally, this article discusses some practical
changes brought by the Labor Reform, such as the new wor-
ding of Article 878 of the CLT (Consolidation of Labor Laws)
and the introduction of intercurrent prescription through Article
11-A, also of the CLT. These changes have a significant impact
on the labor legal system and require careful analysis.

Keywords: labor executions; labor reform law; intercurrent


prescription.

53
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

INTRODUÇÃO

Antes de imergir ao tema central deste artigo, é funda-


mental compreender a origem do Direito do Trabalho. Para
tanto, é necessário estabelecer o conceito deste ramo especi-
alizado do direito, que abrange o conjunto de normas que re-
gulam a relação entre trabalhadores e empregadores, indivi-
dual e coletivamente.
No Brasil, a competência da Justiça do Trabalho foi am-
pliada após a reforma do judiciário pela Emenda Constitucio-
nal nº 45, em 2004. Agora, essa competência abrange o julga-
mento de dissídios, individuais ou coletivos, envolvendo todas
as relações de trabalho, em sentido amplo, inclusive aquelas
com regras específicas, não se limitando às relações de em-
prego.
Porém, é importante destacar que, segundo o entendi-
mento consolidado na Súmula 331 do Tribunal Superior do
Trabalho (TST), a Justiça Comum é a responsável por proces-
sar e julgar as relações de trabalho no âmbito jurídico-admi-
nistrativo, ou seja, aquelas que envolvem entes públicos e
ocupantes de cargos comissionados, funções de confiança e
contratos temporários ou provisórios.

54
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

2.1 PRINCÍPIOS DO DIREITO DO TRABALHO

Sendo o direito do trabalho um ramo autônomo do Di-


reito, específico, possuindo características próprias que defi-
nem sua identidade. Dentre estas principais características é
possível listar os seguintes princípios.

2.1.1 PRINCÍPIO DO "IN DUBIO PRÓ-OPERÁRIO"

O princípio do in dubio pro misero, também conhecido


como in dubio pró-operário, é um princípio do Direito Traba-
lhista que estabelece que, em casos de ambiguidade ou incer-
teza na interpretação da legislação trabalhista, a decisão deve
favorecer o trabalhador, que é a parte mais vulnerável na re-
lação de trabalho.
Esse princípio estabelece o objetivo de equilibrar a re-
lação entre empregado e empregador, protegendo os direitos
fundamentais do trabalhador, como a preservação da digni-
dade da pessoa humana, a igualdade e a garantia de um tra-
balho digno.
Em síntese, o princípio busca garantir a justiça social
nas relações de trabalho e assegurar a segurança do traba-
lhador quando existem lacunas ou ambiguidades na legislação
trabalhista.

55
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

2.1.2 APLICAÇÃO DA NORMA MAIS FAVORÁVEL

No âmbito do Direito do Trabalho, é imprescindível que


as normas sejam interpretadas de forma ampla. Dessa ma-
neira, quando há mais de uma norma aplicável a uma situa-
ção, a que mais beneficia o empregado deve ser utilizada.
Esse princípio busca resguardar os trabalhadores de
possíveis prejuízos decorrentes de ambiguidades ou falta de
clareza na legislação, além de promover condições dignas de
trabalho e fortalecer a proteção social. A justiça social nas re-
lações trabalhistas é um valor fundamental, devendo-se sem-
pre priorizar o lado hipossuficiente, ou seja, o trabalhador.

2.1.3 APLICAÇÃO DA CONDIÇÃO MAIS BENÉFICA

No âmbito do Direito do Trabalho, assim como há a apli-


cação da norma mais favorável, também é aplicada a condição
mais benéfica ao trabalhador quando há mais de uma lei re-
gulamentando o mesmo fato da relação empregatícia. Essa
situação também ocorre quando há duas condições em leis
distintas, cabendo ao operador do direito orientar-se pela apli-
cação da condição que mais beneficia o trabalhador.

56
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

2.1.4 IRRENUNCIABILIDADE DOS DIREITOS SOCIAIS

A efetividade do direito do trabalho estaria comprome-


tida se os trabalhadores tivessem a capacidade de renunciar
às proteções que lhes são legalmente garantidas. Com o ob-
jetivo de salvaguardar os direitos trabalhistas, o princípio da
irrenunciabilidade foi estabelecido, tornando nulas quaisquer
renúncias que possam ocorrer de forma temerosa.
É válido mencionar que uma renúncia tácita pode ocor-
rer caso o trabalhador não busque seus direitos durante ou
após o contrato de trabalho, ou caso esses direitos sejam al-
cançados pela prescrição ou pela decadência. Contudo, é cru-
cial notar a intenção do legislador de evitar que o trabalhador,
vulnerável que o é, seja pressionado a renunciar a direitos ine-
rentes ao contrato de trabalho.

2.1.5 CONTINUIDADE DA RELAÇÃO DE EMPREGO

Em qualquer trabalho, é essencial manter a continui-


dade, a fim de garantir a manutenção da sustentabilidade fa-
miliar e econômica da sociedade. Em países com economias
estáveis, a troca de emprego só ocorre mediante uma justifi-
cativa plausível, seja por parte do empregado ou do emprega-
dor.

57
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

No Brasil, entretanto, o empregador tem o direito de de-


mitir sem justa causa, o que é entendido por alguns especia-
listas como violação do princípio da continuidade da relação
de emprego e da convenção 158 da OIT, que tem como obje-
tivo proteger o trabalhador da rescisão contratual sem motiva-
ção aparente.

2.1.6 PRIMAZIA DA REALIDADE SOBRE O CONTRATO

O princípio mais característico e específico do direito do


trabalho brasileiro é que todos os contratos, exceto o contrato
de trabalho, devem ser feitos por escrito. O contrato de traba-
lho pode ser celebrado de forma tácita ou verbal. Isso significa
que, se a dinâmica da relação de emprego mudar em relação
ao que foi previamente estabelecido, prevalecerão os fatos so-
bre o contrato escrito.

Em outras palavras, a realidade é o verdadeiro contrato


e mudará conforme a relação empregatícia mudar. É impor-
tante ressaltar que o contrato escrito não deve ser ignorado,
mas sim modificado para se adequar à necessidade da rela-
ção de trabalho.

58
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

2.2 FONTES DO DIREITO DO TRABALHO

O conceito de fonte representa o local de nascente, sua


gênese. O Direito do Trabalho utiliza-se das fontes gerais do
direito, mas devido à sua especificidade, também possui fon-
tes peculiares, destacando-se os princípios que são específi-
cos do Direito do Trabalho.

Existem diversas fontes que fundamentam o Direito do


Trabalho, sendo elas internacionais, estatais, sociais e contra-
tuais. As fontes internacionais são compostas pelas conven-
ções e recomendações da OIT e pela aplicação do Direito
Comparado do Trabalho.

As fontes sociais, por sua vez, englobam a doutrina, os


usos e costumes e, de certa forma, a equidade. As fontes es-
tatais são representadas por normas que surgem do exercício
dos Poderes do Estado, como decretos, leis, resoluções e ju-
risprudência.

Por fim, as fontes contratuais incluem o contrato cole-


tivo de trabalho, o contrato individual de trabalho e o regula-
mento da empresa, estabelecidos pelos próprios agentes da
relação trabalhista.

59
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

2.3 O PROCESSO DO TRABALHO E A REFORMA


TRABALHISTA

De grande repercussão na imprensa nacional, a Lei


13.467 de 2017, causou grande alvoroço ao divulgar que teria
fim o impulso oficial nas execuções que tramitam perante a
Justiça do Trabalho. Em verdade, a alteração trazida restringe
o impulso oficial sem, contudo, o extinguir.
Popularmente conhecida como “Reforma Trabalhista”,
a Lei 13.467/2017 carreou mudanças que representaram
grandes impactos na tramitação processual perante a Justiça
do Trabalho, especialmente no tocante ao curso da execução
trabalhista.
Tem-se que Reforma Trabalhista trouxe modificações
no Direito Material do Trabalho e no Direito Processual do Tra-
balho, inovando em alguns procedimentos da fase de execu-
ção trabalhista, como, por exemplo, na restrição da execução
de ofício pelo magistrado, impondo verdadeiros freios ao po-
der de ação do Juiz e trazendo os interessados ao protago-
nismo na relação processual.
Assim, é extremamente importante e imprescindível
que os operadores do Direito conheçam e dominem as normas
processuais inerentes ao impulsionamento da execução no

60
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

processo do trabalho, a fim de compreender, entender e de-


senvolver a habilidade de determinar a melhor condução aos
processos diante da atual rotina processual e das possibilida-
des de sua atuação.
Os procedimentos abarcados pela execução no pro-
cesso do trabalho foram objeto de diversas modificações com
a vigência da Lei 13.467/2017. Neste cenário, realizar-se-á
uma análise sobre como se dá alguns procedimentos na exe-
cução trabalhista após vigorar a referida Lei, especialmente no
tocante ao impulsionamento dos atos no processo pela parte
interessada.
Outro fator considerável acerca da mudança promovida
pela Reforma Trabalhista é que esta trouxe de maneira defini-
tiva para o processo do trabalho a possibilidade de aplicação
direta da prescrição intercorrente, sem mais necessitar da apli-
cação subsidiária das normas do Processo Civil.
É importante registrar que a própria legislação traba-
lhista (Artigo 8º, §1º, da CLT) assevera que “o direito comum
será fonte subsidiária do direito do trabalho”, naquilo em que
não for incompatível com os seus princípios fundamentais.
Neste sentido, é necessário indagar se essas altera-
ções têm representado medidas eficazes e efetivas na presta-
ção da jurisdição, tornando mais célere a execução ou se vão
de encontro aos interesses do trabalhador hipossuficiente,

61
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

sendo a lei, agora, considerada demasiadamente procedimen-


tal.
Para abordar essa temática, apresenta-se algumas ob-
servações e considerações acerca dos procedimentos adota-
dos na fase de execução processual a partir do advento da
Reforma Trabalhista (Lei 13.467/2017).

2.3.1 A FASE DE EXECUÇÃO TRABALHISTA ANTES DA


REFORMA TRABALHISTA

A execução compreende um conjunto de vários atos


praticados pela Justiça do Trabalho destinados à satisfação da
obrigação fixada em um título executivo judicial ou extrajudicial
que não foi cumprido de forma espontânea pelo devedor.
É importante que se tenha conhecimento de que a fase
de execução no Processo do Trabalho é, sem dúvida, uma dos
maiores entraves para a solução dos processos trabalhistas,
no tocante a sua satisfação.
Processos em fase de execução que demoram anos
para serem resolvidos sempre representaram o maior óbice
aos resultados apresentados pelas Varas do Trabalho e, con-
sequentemente, o maior entrave à entrega da prestação juris-
dicional efetiva, por meio do crédito alimentar da verba traba-

62
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

lhista. As Varas do Trabalho dos Tribunais Regionais do Tra-


balho de todo Brasil sempre tiveram dificuldade em solucionar
definitivamente a fase de execução.
Tal fato encontra justificativa em vários aspectos, que
vão do empregador sem condição financeira para arcar com
os pagamentos oriundos da determinação judicial, a emprega-
dores que não cumprem com seus deveres por deliberação
espontânea ou ainda devido à própria forma do procedimento
executivo adotado.
Outro fator importante é o fato de que, na Justiça do
Trabalho, opera-se o Jus Postulandi, uma das razões da exis-
tência do impulso oficial do processo de execução. O instituto
do Jus Postulandi concede à parte que assim desejar, o direito
de ingressar com reclamação trabalhista e praticar todos os
atos processuais sem assistência por advogado, inclusive na
fase de execução e atribuindo ao magistrado o dever de im-
pulsionar a execução.
Este instituto se faz presente na processualística espe-
cial, que tem sua matriz ideológica na hipossuficiência do tra-
balhador e na origem da Justiça do Trabalho com a represen-
tação classista, já extinta da Justiça do Trabalho.
Nesse diapasão, verifica-se que o impulso oficial nas
execuções tem sua origem no jus postulandi sendo caracterís-

63
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

tica própria do Direito do Trabalho calcado na proteção ao hi-


possuficiente, face ao caráter alimentar do direito tutelado pela
matéria.
Portanto, é explícito que o conteúdo da redação ante-
rior do art. 878 da CLT, caput, se fazia próprio do processo do
trabalho, já que não há disposição semelhante em outros ra-
mos processuais do direito brasileiro. Antes da vigência da Re-
forma Trabalhista, o artigo 878 da CLT, trazia a seguinte reda-
ção:

Art. 878 - A execução poderá ser promovida por


qualquer interessado, ou ex officio pelo próprio
Juiz ou Presidente ou Tribunal competente, nos
termos do artigo anterior.
Parágrafo único - Quando se tratar de decisão
dos Tribunais Regionais, a execução poderá ser
promovida pela Procuradoria da Justiça do Tra-
balho. (BRASIL, 1943)

Em razão disso, era possível verificar, na prática, que


os advogados trabalhistas atuavam, em sua grande maioria,
de maneira rasa, superficial, numa postura “cômoda” em rela-
ção à tramitação processual que era conduzida pelo magis-
trado.
Em regra, os interessados ao ingressarem com a ação
trabalhista, apresentavam a petição inicial e, na sequência,
participavam das audiências até o encerramento da instrução
processual. A partir de então, bastava que aguardassem, pois,

64
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

após o momento da prolação da sentença, quando se tinha o


trânsito em julgado e/ou o inadimplemento de eventual acordo,
o processo era impulsionado de ofício pelo Juízo, sem que se
exigisse qualquer manifestação da parte credora.
Em mais detida análise, esse comportamento pode ser
considerado como uma inversão fática da aplicação do princí-
pio da inércia do poder judiciário. Extrai-se que, o poder judi-
ciário, provocado apenas quando do protocolo da ação traba-
lhista, findava por suprir a inércia do credor/interessado até o
fim do processo de execução, elegendo e praticando as medi-
das executórias que entendia pertinentes e suficientes para a
busca da garantia da execução e manutenção da tramitação
processual.
Por esses e outros motivos, a execução trabalhista era
conhecida como aquela em que o empregado “ganhava, mas
não levava”. Isso porque ocorria com muita frequência a frus-
tração das medidas executórias, que eram tomadas, em sua
grande parte, de ofício, pelo Juízo trabalhista.
Torna-se necessário frisar que a sobrecarga de proces-
sos nos quais eram exigidas a atuação e impulsionamento
pelo próprio juízo era fator de frustração das execuções, a uma
pela grande quantidade de processos, tornando-se demasiado
pesado o labor, a outra pela própria situação econômica des-
favorável ao sucesso das medidas executivas tomadas.

65
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

O poder faculdade de promover a execução buscava a


celeridade do processo trabalhista, na tentativa de efetivar a
entrega da tutela jurisdicional ao trabalhador. Contudo, não se
pode negar que a utilização de tal poder gerou, por muitos
anos, certo comodismo por parte daqueles que atuam na Jus-
tiça do Trabalho, vez que não eram chamados a impulsionar
os processos. Esta era a dinâmica processualística aplicável
ao processo do trabalho anteriormente à vigência da Lei
13.467/2017.

2.4 A REFORMA TRABALHISTA E A LIMITAÇÃO DA EXE-


CUÇÃO DE OFÍCIO

A partir de 11 de novembro de 2017 passou a ter vigên-


cia no Brasil a conhecida Reforma Trabalhista, Lei
13.467/2017, que trouxe mudanças na CLT de caráter material
e processual, dentre elas, a cessação do poder concedido ao
magistrado de impulsionar, de ofício, as execuções.
Analisando o escopo do processo trabalhista, é evi-
dente que muitos procedimentos no curso do processo traba-
lhista sofreram grandes alterações com a Reforma Trabalhista
objeto da Lei 13.467/2017.
In casu, observa-se que a referida Lei poderá agravar a

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situação quanto a morosidade na solução da execução pro-


cessual. Isso porque a referida Lei dificultou a resolução dos
processos trabalhistas em alguns aspectos, tendo como ponto
de destaque a restrição no poder de impulsionamento da exe-
cução de ofício pelo magistrado. O artigo 878 da CLT, após a
Reforma Trabalhista, passou a ter a seguinte redação:

Art. 878. A execução será promovida pelas par-


tes, permitida a execução de ofício pelo juiz ou
pelo Presidente do Tribunal apenas nos casos
em que as partes não estiverem representadas
por advogado. (Redação dada pela Lei nº
13.467, de 2017)

Com esta nova redação atribuída ao dispositivo legal, o


legislador limitou o poder do magistrado de promoção dos atos
executórios, estabelecendo permissão apenas nos casos que
o trabalhador/autor não está representado por advogado, no
exercício do jus postulandi.
Como já foi dito, o jus postulandi é marca característica
do protecionismo do judiciário trabalhista ao hipossuficiente.
Tal princípio é aplicado ainda, por motivos semelhantes, nos
Juizados Especiais (Lei 9.099/1995) e sua importância é de
grande valia na seara trabalhista.
Diante disso, pode-se dizer que o legislador manteve a
proteção ao trabalhador que não tem assistência de advo-

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Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

gado, delegando ao magistrado trabalhista o poder de condu-


ção do processo, promoção dos atos executórios e demais
atos necessários para a manutenção da tramitação proces-
sual.
A Reforma Trabalhista trouxe também alterações
quanto à liquidação no processo do trabalho. A nova redação
pós-reforma trouxe a faculdade do Juízo atribuir às partes o
dever de apurar o quantum devido, reforçando a ideia da ne-
cessidade de que a parte demonstre o seu interesse no pros-
seguimento da ação.
Isto pode se justificar pela própria aplicação do novo ar-
tigo 878, que prevê que a execução deve ser promovida pelas
partes. Se a parte deve promover os atos de execução, é con-
siderado razoável que a parte interessada também apure e in-
dique o valor que pretende executar, especialmente quando
não estiver exercendo o jus postulandi.Quanto a liquidação, a
CLT reformada pela Lei 13.467/2017 traz as seguintes dispo-
sições:

Art. 879
Art. 879 - Sendo ilíquida a sentença exequenda,
ordenar-se-á, previamente, a sua liquidação, que
poderá ser feita por cálculo, por arbitramento ou
por artigos.
§ 1º - Na liquidação, não se poderá modificar, ou
inovar, a sentença liquidanda nem discutir maté-
ria pertinente à causa principal.

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§ 1º-A. A liquidação abrangerá, também, o cál-


culo das contribuições previdenciárias devidas.
§ 1º-B. As partes deverão ser previamente inti-
madas para a apresentação do cálculo de liqui-
dação, inclusive da contribuição previdenciária
incidente.
§ 2º Elaborada a conta e tornada líquida, o juízo
deverá abrir às partes prazo comum de oito dias
para impugnação fundamentada com a indica-
ção dos itens e valores objeto da discordância,
sob pena de preclusão.
§ 3o Elaborada a conta pela parte ou pelos ór-
gãos auxiliares da Justiça do Trabalho, o juiz pro-
cederá à intimação da União para manifestação,
no prazo de 10 (dez) dias, sob pena de preclu-
são.

O parágrafo primeiro ‘B’ do Artigo 879 da CLT atribuiu


ao juízo o dever de intimar as partes para apresentação dos
cálculos de liquidação da Sentença. Assim, reforça-se a limi-
tação ao impulsionamento pelo Juízo Trabalhista, restabele-
cendo a aplicação do princípio da inércia inerente ao Poder
Judiciário.
Quanto à liquidação, a doutrina diverge quando tenta
atribuir-lhe uma fase específica. Alguns doutrinadores enten-
dem que a liquidação compõe etapa da execução no processo
do trabalho, o que justificaria a atribuição pelo legislador do
ônus às partes quanto à elaboração dos cálculos.
Outros acreditam que a liquidação se encontra em uma
fase pré-executiva, uma vez que as partes são chamadas ao

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contraditório e a homologação da conta será a Decisão termi-


nativa de tal fase.
O fato é que, independentemente da corrente doutriná-
ria, da mesma forma que o impulsionamento da execução, o
legislador manteve a proteção ao trabalhador hipossuficiente,
no exercício do jus postulandi, permitindo ainda que “órgão da
Justiça do Trabalho”, vide §3º, do artigo 879 da CLT.
Restou clara a tentativa do legislador em limitar os atos
executórios praticados de ofício pelo magistrado quando da
instituição da Lei 13.467/2017, no entanto, trata-se de uma
restrição relativa.
Não é absoluta a interpretação de que estaríamos di-
ante do fim da execução de ofício no processo do trabalho.
Esta ideia encontra reforço no escopo do que dispõe o artigo
765 da CLT: “Art. 765 - Os Juízos e Tribunais do Trabalho te-
rão ampla liberdade na direção do processo e velarão pelo an-
damento rápido das causas, podendo determinar qualquer di-
ligência necessária ao esclarecimento delas.”
Assim, em que pese a nova disposição da Lei, trazida
pela reforma trabalhista vede o impulsionamento da execução
de ofício, pelo juiz trabalhista, a manutenção integral do artigo
765 na CLT, aparenta ter deixado um escape para a condução
do processo pelo magistrado, à justificativa de se obter o an-
damento rápido das causas trabalhistas.

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Pode-se reforçar que, atualmente, conforme a regra le-


gal, a parte credora/interessada é quem tem titularidade para
impulsionar a execução, alimentando o Juízo das informações
necessárias para a satisfação da dívida exequenda.
Há dentre os operadores do direito quem declare que
tal fato poderá tornar a execução mais paritária e equânime.
Isso porque o magistrado usava de todos os meios para ga-
rantir a execução em detrimento do devedor/executado.
Mauro Schiavi, faz um breve esclarecimento sobre o assunto:

Um dos temas que sempre colocou o processo


do trabalho à frente do processo civil, com rela-
ção a sua efetividade, tem lugar na possibilidade,
não só dos atos executórios, mas como a própria
execução se iniciar de ofício, ou seja, por inicia-
tiva do juiz. O art. 878 da CLT, com a reforma,
tem esse panorama alterado. Agora, apenas nos
casos em que as partes não estiverem assistidas
por advogado, poderá a execução ter início de
ofício pelo juiz. (2021)

É de clara percepção que, na metodologia anterior, o


executado (inadimplente) sempre seria colocado em situação
de prejuízo, se comparado ao poder-dever do Juízo de impul-
sionar, coordenar e determinar a execução. Não que se de-
fenda o inadimplemento dos devedores, mas a parte exe-
quente, mais interessada no deslinde da causa, mantinha-se
aguardando o impulsionamento e desdobramento dos atos
praticados pelo Juízo.

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Extrai-se que, mesmo com a permissão irrestrita da


execução de ofício pela CLT, até o início de novembro de
2017, os credores trabalhistas demoravam anos e mais anos
para receber seu crédito. Deste modo, depreende-se que, a
execução com o impulsionamento do Juízo já tomava bastante
tempo até a sua solução, consequentemente, com a extinção
desta modalidade de impulsionamento da execução, provavel-
mente tornar-se-á mais prolongada a duração do processo de
execução, ou menos efetiva.

2.4.1 A REFORMA TRABALHISTA E A APLICAÇÃO DA


PRESCRIÇÃO INTERCORRENTE AO PROCESSO DO
TRABALHO

Registra-se que, antes de a Lei 13.467 viger, todas as


execuções eram tomadas de ofício pelo magistrado. Atual-
mente, o impulsionamento dos processos trabalhistas deve
ser realizado pelas partes. Diante disso, há alegações de que
como consequência do término da execução ex officio, terá
lugar a morosidade e à eventuais fraudes que tendem a se
agravar ainda pela aplicação da prescrição intercorrente no
Processo do Trabalho, sugerindo-se violações aos princí-
pios do Direito do Trabalho como a celeridade e a proteção
do trabalhador.

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A fim de contextualizar melhor a situação, explica-se


o que a prescrição é a perda do direito de exigir algo. Em
regra, para ocorrência da prescrição, deve haver o trans-
curso de prazo sem ação pela parte interessada. Assim, diz
que ocorreu a prescrição quando a inércia da parte interes-
sada se prolongou pelo tempo previsto em Lei para a perda
do direito de exigir algo.
No Processo do Trabalho, o artigo 11 da Consolida-
ção das Leis Trabalhistas ensina acerca do prazo prescrici-
onal aplicável aos trabalhadores urbanos e rurais, como
sendo de 5 anos, limitados a 2 anos após a extinção do con-
trato de trabalho e ainda traz outras questões atinentes à
matéria. Vejamos o texto da CLT (1943):

Art. 11. A pretensão quanto a créditos resultantes


das relações de trabalho prescreve em cinco
anos para os trabalhadores urbanos e rurais, até
o limite de dois anos após a extinção do contrato
de trabalho.
I – (revogado);
II – (revogado).
§ 1º O disposto neste artigo não se aplica às
ações que tenham por objeto anotações para fins
de prova junto à Previdência Social.
§ 2º Tratando-se de pretensão que envolva pe-
dido de prestações sucessivas decorrente de al-
teração ou descumprimento do pactuado, a pres-
crição é total, exceto quando o direito à parcela
esteja também assegurado por preceito de lei.
§ 3º A interrupção da prescrição somente ocor-
rerá pelo ajuizamento de reclamação trabalhista,

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Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

mesmo que em juízo incompetente, ainda que


venha a ser extinta sem resolução do mérito, pro-
duzindo efeitos apenas em relação aos pedidos
idênticos.

Já o termo “prescrição intercorrente” está relacionado


à prescrição que ocorre durante o curso do processo. Esta
modalidade de prescrição não tinha sua aplicação admitida
no processo do trabalho antes da edição da Reforma Tra-
balhista.
Não se pode olvidar que a extinção da execução de ofí-
cio trouxe como uma de suas principais consequências a pres-
crição intercorrente. A Lei 13467/2017 trouxe expressamente
em seu texto este instituto, que antes não era aplicado na Jus-
tiça do Trabalho, conforme previsto na Súmula 114 do Tribunal
Superior do Trabalho. “Súmula nº 114 do TST. PRESCRIÇÃO
INTERCORRENTE (mantida) - Res. 121/2003, DJ 19, 20 e
21.11.2003. É inaplicável na Justiça do Trabalho a prescrição
intercorrente.”
Fez-se, assim, ao Processo do Trabalho, uma espécie
de equiparação formal ao Processo Civil, no qual as partes
impulsionam o feito, sem qualquer iniciativa do juiz nesse sen-
tido. Consequentemente, muitos doutrinadores acreditam que
estas alterações proporcionam a extinção de inúmeras de-

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mandas trabalhistas que, pela inércia do exequente, eventual-


mente deixem de cumprir comando ou ordem do juiz na fase
de execução.
Ocorre que, caso a parte exequente não impulsione o
feito, indicando os meios que deseja que a execução seja pro-
cedida, o processo poderá ser extinto, quando se houver es-
coado o prazo previsto para tal.
Como relatado, caso o exequente não promova a exe-
cução, requerendo ao Juízo novos atos, o processo passará
pela contagem do prazo para aplicação da da prescrição inter-
corrente. Assim sendo, salienta-se que, antes de a Reforma
Trabalhista viger, a prescrição intercorrente não era sequer
aplicada ao Processo do Trabalho, isto porque a execução de-
veria ser tomada de ofício pelo juiz.
Deste modo, caso a parte não tenha o devido cuidado
em manifestar seu interesse e requerer meios para o prosse-
guimento do feito, poderá o processo ser arquivado definitiva-
mente, aplicando-se o instituto da prescrição intercorrente.
Antes da Reforma Trabalhista, a prescrição intercor-
rente não podia ser aplicada em qualquer hipótese durante a
execução. O artigo 878 da CLT permitia que não só as partes,
mas também qualquer pessoa e o juiz da causa pudessem
promover os atos de execução. Esta determinação de impulso

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Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

oficial limitava, assim, a aplicação irrestrita da prescrição inter-


corrente.
Com a reforma trabalhista, lei 13.467/17, o legislador
trouxe para o processo do trabalho a prescrição intercorrente,
acrescentando à CLT o art. 11-A:

Art. 11-A. Ocorre a prescrição intercorrente no


processo do trabalho no prazo de dois anos.
§ 1o A fluência do prazo prescricional intercor-
rente inicia-se quando o exequente deixa de
cumprir determinação judicial no curso da execu-
ção.
§ 2o A declaração da prescrição intercorrente
pode ser requerida ou declarada de ofício em
qualquer grau de jurisdição.

Tem-se assim, que, no Processo do Trabalho, a pres-


crição intercorrente converge para uma consequência direta
do que dispõe o artigo 878 da CLT, pois antes da reforma tra-
balhista não poderia o juiz ser inerte ao impulsionamento do
feito. Se a parte, portanto, não impulsionar o feito, incorrerá na
prescrição intercorrente, comprometendo o seu crédito.
A prescrição intercorrente no processo do trabalho visa,
além de outros fatores, garantir a duração razoável do pro-
cesso, princípio constitucional disposto no artigo 5º, LXXVIII,
da Constituição Federal, prevendo o fim do processo inerte e
possibilitando a redução do número de execuções trabalhistas
em trâmite.

76
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

Necessário esclarecer também que o instituto da pres-


crição intercorrente tem aplicabilidade em qualquer grau de ju-
risdição e pode ser declarada de ofício, conforme consta no
parágrafo segundo do artigo 11-A da CLT.
Com o objetivo de solucionar o impasse havido entre a
determinação da Lei 13.467/2017 quanto a prescrição inter-
corrente e a Súmula 114 do Tribunal Superior do Trabalho, foi
publicada a Recomendação nº. 03/2018 do TST, esclare-
cendo, já no seu artigo primeiro, que a prescrição intercorrente
apenas poderia ter reconhecimento “após expressa intimação
do exequente para cumprimento de determinação judicial no
curso da execução”.
Dessa maneira, compreende-se que a intenção foi as-
segurar a aplicação das modificações implementadas pela Re-
forma Trabalhista de maneira coerente, em conformidade com
os outros dispositivos legais e extralegais, teorias doutrinárias
e decisões judiciais que regulamentam o Direito e o Processo
do Trabalho no sistema jurídico brasileiro.
Considera-se que o legislador responsável pelo pro-
cesso reformista dificultou a situação da parte credora traba-
lhista, até mesmo na definição do prazo de aplicação da pres-
crição intercorrente, já que, no Processo Civil, tem-se o prazo
prescricional de 5 (cinco) anos e no Processo do Trabalho
apenas 2 (dois) anos.

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Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

Diante dos fatos exposto e do princípio da proteção ao


hipossuficiente, o fim da execução de ofício não deveria des-
prestigiar o caráter alimentar da verba trabalhista, limitando-se
de forma demasiada a proatividade do juiz do trabalho, fa-
zendo com que se retarde, ainda mais, a rapidez do processo
e a efetividade das decisões judiciais.

2.5 OUTRAS ALTERAÇÕES DE IMPACTO AO PROCESSO


TRABALHISTA

A Reforma Trabalhista, como reformulação proposta à


CLT para fins de melhoria do cenário econômico e do quadro
de desemprego verificado no Brasil, trouxe ainda outras medi-
das que impactaram o processo do trabalho. Para isto, tanto
normas materiais do trabalho quanto normas processuais fo-
ram atingidas ou novas normas foram criadas, visando alcan-
çar o objetivo proposto.

2.5.1 PREVALÊNCIA DO NEGOCIADO SOBRE O LEGIS-


LADO

Uma das principais mudanças diz respeito às negocia-


ções entre empregados e empregadores por meio de acordos

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ou convenções coletivas. A Lei 13.437/2017 ampliou as possi-


bilidades de negociação nestes institutos, prevalecendo os ter-
mos negociados sobre o legislado, exceto naquilo em que a
Lei não dispuser como vedado.
Para isso, a Lei trouxe os novos dispositivos 611-A e
611-B. No artigo 611-A, estão descritos em um rol exemplifi-
cativo sobre quais matérias receberam outorga do legislador
possibilitando a negociação dos direitos trabalhistas. Nos ca-
sos apontados no dispositivo deverão prevalecer os termos
negociados em convenção ou acordo coletivo.
Já no artigo 611-B, o legislador pontuou os assuntos
sobre os quais não é lícito à convenção coletiva ou acordo co-
letivo fazer supressão ou redução de direitos ao trabalhador.
Transcrevo o dispositivo:

Art. 611-B. Constituem objeto ilícito de conven-


ção coletiva ou de acordo coletivo de trabalho,
exclusivamente, a supressão ou a redução dos
seguintes direitos: (Incluído pela Lei nº 13.467,
de 2017)
I - normas de identificação profissional, inclusive
as anotações na Carteira de Trabalho e Previ-
dência Social; (Incluído pela Lei nº 13.467, de
2017)
II - seguro-desemprego, em caso de desemprego
involuntário; (Incluído pela Lei nº 13.467, de
2017)
III - valor dos depósitos mensais e da indeniza-
ção rescisória do Fundo de Garantia do Tempo
de Serviço (FGTS); (Incluído pela Lei nº 13.467,
de 2017)

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Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

IV - salário mínimo; (Incluído pela Lei nº 13.467,


de 2017)
V - valor nominal do décimo terceiro salário; (In-
cluído pela Lei nº 13.467, de 2017)
VI - remuneração do trabalho noturno superior à
do diurno; (Incluído pela Lei nº 13.467, de 2017)
VII - proteção do salário na forma da lei, consti-
tuindo crime sua retenção dolosa; (Incluído pela
Lei nº 13.467, de 2017)
VIII - salário-família; (Incluído pela Lei nº 13.467,
de 2017)
IX - repouso semanal remunerado; (Incluído pela
Lei nº 13.467, de 2017)
X - remuneração do serviço extraordinário supe-
rior, no mínimo, em 50% (cinquenta por cento) à
do normal; (Incluído pela Lei nº 13.467, de 2017)
XI - número de dias de férias devidas ao empre-
gado; (Incluído pela Lei nº 13.467, de 2017)
XII - gozo de férias anuais remuneradas com,
pelo menos, um terço a mais do que o salário
normal; (Incluído pela Lei nº 13.467, de 2017)
XIII - licença-maternidade com a duração mínima
de cento e vinte dias; (Incluído pela Lei nº 13.467,
de 2017)
XIV - licença-paternidade nos termos fixados em
lei; (Incluído pela Lei nº 13.467, de 2017)
XV - proteção do mercado de trabalho da mulher,
mediante incentivos específicos, nos termos da
lei; (Incluído pela Lei nº 13.467, de 2017)
XVI - aviso prévio proporcional ao tempo de ser-
viço, sendo no mínimo de trinta dias, nos termos
da lei; (Incluído pela Lei nº 13.467, de 2017)
XVII - normas de saúde, higiene e segurança do
trabalho previstas em lei ou em normas regula-
mentadoras do Ministério do Trabalho; (Incluído
pela Lei nº 13.467, de 2017)
XVIII - adicional de remuneração para as ativida-
des penosas, insalubres ou perigosas; (Incluído
pela Lei nº 13.467, de 2017)
XIX - aposentadoria; (Incluído pela Lei nº 13.467,
de 2017)

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Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

XX - seguro contra acidentes de trabalho, a cargo


do empregador; (Incluído pela Lei nº 13.467, de
2017)
XXI - ação, quanto aos créditos resultantes das
relações de trabalho, com prazo prescricional de
cinco anos para os trabalhadores urbanos e ru-
rais, até o limite de dois anos após a extinção do
contrato de trabalho; (Incluído pela Lei nº 13.467,
de 2017)
XXII - proibição de qualquer discriminação no to-
cante a salário e critérios de admissão do traba-
lhador com deficiência; (Incluído pela Lei nº
13.467, de 2017)
XXIII - proibição de trabalho noturno, perigoso ou
insalubre a menores de dezoito anos e de qual-
quer trabalho a menores de dezesseis anos,
salvo na condição de aprendiz, a partir de qua-
torze anos; (Incluído pela Lei nº 13.467, de 2017)
XXIV - medidas de proteção legal de crianças e
adolescentes; (Incluído pela Lei nº 13.467, de
2017)
XXV - igualdade de direitos entre o trabalhador
com vínculo empregatício permanente e o traba-
lhador avulso; (Incluído pela Lei nº 13.467, de
2017)
XXVI - liberdade de associação profissional ou
sindical do trabalhador, inclusive o direito de não
sofrer, sem sua expressa e prévia anuência,
qualquer cobrança ou desconto salarial estabe-
lecidos em convenção coletiva ou acordo coletivo
de trabalho; (Incluído pela Lei nº 13.467, de
2017)
XXVII - direito de greve, competindo aos traba-
lhadores decidir sobre a oportunidade de exercê-
lo e sobre os interesses que devam por meio dele
defender; (Incluído pela Lei nº 13.467, de 2017)
XXVIII - definição legal sobre os serviços ou ati-
vidades essenciais e disposições legais sobre o
atendimento das necessidades inadiáveis da co-
munidade em caso de greve; (Incluído pela Lei
nº 13.467, de 2017)
XXIX - tributos e outros créditos de terceiros; (In-
cluído pela Lei nº 13.467, de 2017)

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Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

XXX - as disposições previstas nos arts. 373-A,


390, 392, 392-A, 394, 394-A, 395, 396 e 400
desta Consolidação. (Incluído pela Lei nº 13.467,
de 2017)
Parágrafo único. Regras sobre duração do traba-
lho e intervalos não são consideradas como nor-
mas de saúde, higiene e segurança do trabalho
para os fins do disposto neste artigo. (Incluído
pela Lei nº 13.467, de 2017)

2.5.2 GRUPO ECONÔMICO

Uma outra mudança ocorrida foi o referente aos requi-


sitos da responsabilidade do grupo econômico. Agora, exige-
se como requisitos a existência do interesse integrado, a efe-
tiva comunhão de interesse e atuação conjuntas das empre-
sas dele integrantes, não sendo a mera identidade dos sócios
suficientes para a caracterização do referido grupo, conforme
o disposto no inserto parágrafo terceiro do artigo 2º, da CLT:

§ 3o Não caracteriza grupo econômico a mera


identidade de sócios, sendo necessárias, para a
configuração do grupo, a demonstração do inte-
resse integrado, a efetiva comunhão de interes-
ses e a atuação conjunta das empresas dele in-
tegrantes. (Incluído pela Lei nº 13.467, de 2017)

Assim sendo, constata-se que a exigência desses re-


quisitos poderá ser utilizada como argumento protelatório por

82
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

parte dos empregadores que tenham intenção de ocultar seus


bens, ante a execução processual.

Com a entrada em vigor da Reforma Trabalhista, em


2017, a responsabilidade solidária passou a ser mais bem de-
finida e regulamentada, trazendo mais segurança jurídica
tanto para as empresas quanto para os trabalhadores, con-
forme o texto do parágrafo segundo, do artigo 2º da CLT:

§ 2º. Sempre que uma ou mais empresas, tendo,


embora, cada uma delas, personalidade jurídica
própria, estiverem sob a direção, controle ou ad-
ministração de outra, constituindo grupo indus-
trial, comercial ou de qualquer outra atividade
econômica, serão, para os efeitos da relação de
emprego, solidariamente responsáveis a em-
presa principal e cada uma das subordinadas.

Por um tempo, ao processo do trabalho foi entendido


como suficiente a situação de coordenação entre as empresas
para fins de reconhecimento do grupo econômico e atribuição
da responsabilidade solidária às empresas do mesmo grupo.

Contudo, o Tribunal Superior do Trabalho formulou en-


tendimento sobre este assunto que entendeu que tal interpre-
tação atenta contra o princípio da livre iniciativa, passando a
exigir provas dos laços entre as empresas.

83
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

2.5.3 SÓCIO RETIRANTE

Também é de suma importância destacar que houve


importante mudança com relação ao sócio retirante. A Conso-
lidação das Leis Trabalhistas passou a adotar a seguinte re-
dação após a vigência da Lei 13.467/2017:

Art. 10-A. O sócio retirante responde subsidiaria-


mente pelas obrigações trabalhistas da socie-
dade relativas ao período em que figurou como
sócio, somente em ações ajuizadas até dois
anos depois de averbada a modificação do con-
trato, observada a seguinte ordem de preferên-
cia:
I - a empresa devedora;
II - os sócios atuais; e
III - os sócios retirantes.
Parágrafo único. O sócio retirante responderá so-
lidariamente com os demais quando ficar com-
provada fraude na alteração societária decor-
rente da modificação do contrato.

Assim, tem-se que ele poderá ser responsabilizado pe-


las dívidas relativas ao período que figurou como sócio so-
mente nas ações ajuizadas até dois anos após a averbação
do respectivo contrato, sendo a responsabilização solidária
restrita às hipóteses em que houver comprovação de fraude à
execução, dificultando ainda mais o credor trabalhista de re-
ceber sua verba.

84
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

Embora as diversas modificações realizadas na CLT


ensejem o enfraquecimento e restrição das liberdades proces-
suais do magistrado, é nítido que o ponto central e mais rele-
vante a se destacar com a Reforma Trabalhista na fase de
execução do processo do Trabalho, é a extinção do impulsio-
namento da execução de ofício pelo magistrado trabalhista.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Diante dos apontamentos aqui realizados, é de se ob-


servar a extrema importância da abordagem ao assunto que,
com o advento da Reforma Trabalhista, promoveu alterações
no procedimento do processo de execução e os limites de atu-
ação do magistrado em impulsioná-la. Reforça-se que a reda-
ção trazida pelo novo artigo 878, da CLT impede que o Magis-
trado Trabalhista, nos casos em que o autor tenha constituído
advogado, inicie e/ou promova atos de execução por iniciativa
própria, de ofício.
Além do que, outras tantas alterações pontuais, mas
não menos importantes, passaram a dar o direcionamento cé-
lere e com vistas à redução do número de execuções traba-
lhistas em trâmite ou até, do número de ações protocoladas,
com a determinação de aplicação da prescrição intercorrente.
Quanto ao direito processual do trabalho, as mudanças

85
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

na CLT introduziram novas regras e procedimentos que são


capazes de proporcionar soluções mais eficazes e justas aos
conflitos entre as partes envolvidas. Em sua maioria, esses
conflitos são de natureza sociológica e econômica e não ape-
nas financeira, como se tornou comum no processo judicial
atual.
Estas alterações são complementares àquelas primei-
ras, de direito material, sobretudo no que diz respeito a maior
segurança jurídica e a maior previsibilidade de custos na con-
tratação. Ao analisar o texto, é perceptível que o intuito do le-
gislador, a médio e longo prazo, era provocar um impacto sig-
nificativo nas atividades e na estrutura da Justiça do Trabalho
por meio da Lei 13.467/2017.
O objetivo é amplamente divulgado como sendo a re-
dução substancial do número de demandas apresentadas, re-
dução do tempo de tramitação dos processos e a diminuição
considerável dos custos processuais para o Erário.
Entretanto, nas entrelinhas, verifica-se a redução do
poder judicial, que deixou de atuar de ofício nas ações traba-
lhistas, passando apenas a atender os desejos das partes.
Ademais, também fica claro o objetivo da reformulação dada
às leis trabalhistas buscou incentivar a resolução amigável de
conflitos oriundos das relações de trabalho.

86
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

REFERÊNCIAS

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– CLT Comparada e Comentada. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2018.
SCHIAVI, Mauro. Manual Didático de Direito do Trabalho. JUS-
PODIVM. 2ª Ed. 2021.

87
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

SCHIAVI, Mauro. ‘A Reforma Trabalhista e o Processo do Traba-


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SILVA, Homero Batista Mateus Da. Comentários à Reforma Tra-
balhista. 1ª Ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2017.
Site acessado: https://www.tst.jus.br/web/guest/-/mantida-pres-
cri%C3%A7%C3%A3o-intercorrente-aplicada-a-processo-iniciado-
antes-da-reforma-trabalhista, Mantida Prescrição Intercorrente
Aplicada a Processo Iniciado Antes da Reforma Trabalhista.
Acesso em 30/03/2022.
Site acessado: https://www.migalhas.com.br/coluna/direito-traba-
lhista-nos-negocios/351874/grupo-economico-trabalhista--respon-
sabilidade-executiva, Grupo Econômico Trabalhista – Responsa-
bilidade Executiva – Novas Perspectivas Após Recente Decisão
do STF. Acesso em 10/05/2022.

88
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

3
SISTEMA PRISIONAL NO BRASIL E A RESSOCIALIZA-
ÇÃO DOS APENADOS COM PRIMAZIA A DIGNIDADE DA
PESSOA HUMANA

EL SISTEMA PRISIONERO EN BRASIL Y LA RESOCIALI-


ZACIÓN DE PERSONAS CONVENCIDAS DE LA PRIMA-
CÍA DE LA DIGNIDAD DE LA PERSONA HUMANA

Douglas Silva de Oliveira5


Gilberto Jorge Ferreira da Silva6

OLIVEIRA, Douglas Silva de. Sistema Prisional no Brasil e


a Ressocialização dos Apenados com Primazia da Digni-
dade da Pessoa Humana. 2023. Trabalho de Conclusão de
Curso (Bacharel em Direito) – Centro Universitário UNINORTE
– Rio Branco, 2023.

5
Discente do 10° Período do Curso de Bacharel em Direito do Centro Uni-
versitário Uninorte.
6
Graduado em Direito pela Universidade Federal do Acre (UFAC), defen-
sor público do Estado do Acre, professor do centro universitário Uninorte,
pós-graduado em processo civil (UCAM) e mestre em direito pela Univer-
sidade de Santa Cruz do Sul (UNISC, defensor público – Defensoria Pú-
blica do Estado do Acre, com atuação no TJAC e Tribunais Superiores.
Professor do Centro Universitário Uninorte.

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Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

RESUMO

A origem que desencadeia o surgimento da punição é muito


remota, pois no início da vida social de uma pessoa, ela sofre
consequências por seus atos. Apesar da antiga relevância do
veredicto, o sistema prisional brasileiro não é considerado uma
ferramenta de recuperação satisfatória complexa. As condi-
ções ineficientes do sistema prisional brasileiro não oferecem
um ambiente adequado para que os criminosos se reintegrem
à sociedade. No Brasil, são poucos os planos que visam pre-
venir o retorno de detidos, o que mostra uma necessidade ur-
gente de mudança. A Lei de Execução Penal Brasileira (LEP)
é considerada uma das leis mais moderna do mundo. Por-
tanto, a questão é: A Lei de Execução Penal (LEP) brasileira
cumpre todo o seu papel para que o apenado possa voltar à
sociedade? Dessa forma, o artigo tem como objetivo demons-
trar que o respeito à dignidade da pessoa humana deve ser
um fundamento do Estado Democrático de Direito, suficiente
para o intuito de se continuar buscando a sanção penal menos
desumana.

Palavras-chave: direito penal; lei de execução penal; sistema


prisional; ressocialização.

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Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

RESUMEN

El origen que desencadena la aparición del castigo es muy re-


moto, pues al inicio de la vida social de una persona, ésta sufre
las consecuencias de sus actos. A pesar de la relevancia an-
terior del veredicto, el sistema penitenciario brasileño no se
considera una herramienta satisfactoria de recuperación com-
pleja. Las condiciones ineficientes del sistema penitenciario
brasileño no brindan un entorno adecuado para que los delin-
cuentes se reintegren a la sociedad. En Brasil, hay pocos pla-
nes que tengan como objetivo evitar el retorno de los deteni-
dos, lo que muestra una necesidad urgente de cambio. La Ley
de Ejecución Penal (LEP) brasileña es considerada una de las
leyes más desarrolladas del mundo. Por lo tanto, la pregunta
es: ¿La Ley de Ejecución Penal (LEP) brasileña cumple todo
su papel para que el condenado pueda volver a la sociedad?
De esta forma, el artículo pretende demostrar que el respeto a
la dignidad de la persona humana debe ser un fundamento del
Estado Democrático de Derecho, suficiente a los efectos de
seguir buscando la sanción penal menos inhumana.

Palabras llave: derecho penal; ley de ejecución penal; sis-


tema penitenciario; resocialización

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Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

INTRODUÇÃO

O artigo ora apresentado tem por escopo analisar a Lei


de Execução Penal e a sua contribuição para a ressocializa-
ção do condenado em conjunto com o Princípio da Dignidade
da Pessoa Humana. Com o passar dos anos é perceptível a
necessidade de se construir novos sistemas prisionais para
abrigar um número cada vez maior de criminosos, dessa
forma, pode-se observar um alto nível de reincidência já que
os programas de ressocialização, apesar de existirem, não
são efetivamente praticados da forma correta.
O presente artigo foi desenvolvido em quatro capítulos
a saber: a origem e evolução das penas, a evolução histórica
da pena e da prisão no Brasil, a lei de Execução Penal: a res-
socialização do preso, e a dignidade da pessoa humana como
paradigma.
Inicialmente será apresentado um breve histórico sobre
a origem e evolução das penas privativas de liberdade e das
prisões desde sua criação até os dias atuais. Logo após será
feita uma exposição sobre a Lei de Execução Penal no que se
refere a sua natureza e objetivo, assim como a ressocialização
do preso.
Finalmente. Será exposto um tópico sobre os proble-
mas encontrados para a ressocialização no sistema prisional

92
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

brasileiro. É importante lembrar que a lei de Execução Penal


brasileira é vista como uma das mais avançadas do mundo e
reconhece a ressocialização do preso como sendo um dos
seus direitos. Neste sentindo, é importante questionar, onde
reside à falha para que a ressocialização não seja efetivada?
O artigo tem como objetivo apresentar um estudo apon-
tando as falhas no sistema prisional para contribuir com uma
melhoria para tal procedimento, uma vez que a ressocializa-
ção do preso é de grande interesse para o contexto social.
A metodologia de pesquisa utilizada foi a bibliográfica e
documental, foram consultados livros, artigos publicados, do-
cumentos eletrônicos pertinentes ao tema, assim como a le-
gislação vigente que dispõe sobre a matéria em estudo.

3.1 ORIGEM E EVOLUÇÃO DAS PENAS

Nos tempos primitivos as penas já começaram a ser


aplicadas. Iniciando com o período da vingança privada que
se estendeu até o século XVIII, nesse período não se podia
admitir a existência de um sistema orgânico de princípios ge-
rais, pois os grupos sociais dessa época eram envoltos em um
ambiente mágico e religioso. Fenômenos como a seca e a
peste eram considerados castigos divinos, por práticas que
exigiam reparação. (COSTA, 1999) A vingança penal pode ser

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Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

dividida em diversas fases como: vingança privada, vingança


divina e vingança pública.
Na chamada fase da vingança privada, após o cometi-
mento de um crime, acontecia a reação a da vítima, dos pa-
rentes e até de um determinado grupo social, que agiam de
forma desproporcional à ofensa, atingindo não só o ofensor,
como todo o seu grupo (tribo). Não existia um limite para revi-
dar a agressão, assim como a vingança de sangue foi um dos
períodos em que a vingança era muito frequente entre os gru-
pos primitivos como forma de punição. Mas essa vingança pri-
vada não pode ser considerada como uma instituição jurídica
porque era uma reação natural e instintiva, devendo ser con-
siderada como uma realidade sociológica.
Com o passar do tempo, a vingança privada produziu
duas regulamentações, o talião e a composição. Apesar de ser
chamada de pena de talião, não se tratava propriamente de
uma pena, era um instrumento moderador da pena. Consistia
em aplicar no delinquente ou ofensor, o mesmo mal que ele
causou a vítima, na mesma proporção. (CANTO, 2000). Já na
composição, o ofensor tinha a possibilidade de fazer a compra
da sua liberdade, com dinheiro, gado, armas, entre outros. Foi
adotada pelo Código de Hamurabi e de Manu, foi muita aceita
pelo Direito Germânico, sendo a origem das indenizações cí-
veis e das multas penais. (OLIVEIRA, 2001).

94
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

Tem-se depois a vingança divina, aqui a religião tem


uma grande influência decisiva na vida dos povos antigos. A
repressão ao ofensor tinha a “ira” da divindade que foi ofen-
dida com o crime, a aplicação da sanção penal ficava como
tarefa dos sacerdotes, que eram os mandatários dos deuses.
A administração das penas era cruéis e desumana, a força fí-
sica era usada como um meio de intimidação (CANTO, 2000).
Com o desenvolvimento político surge a vingança pú-
blica na comunidade, que continha figura do chefe ou da as-
sembleia, aqui a pena passa a perder a sua característica de-
sumana para se transformar em uma sanção imposta em
nome de uma autoridade pública que representa os interesses
da comunidade.
O responsável pela punição passar ser o soberano, o
rei, príncipe ou o regente, mas mesmo assim esse exercia a
sua autoridade em nome de Deus e inúmeras abusos eram
cometidos. (COSTA, 1999). Segundo Hobes, o estado passar
a surgir como uma instituição que assegura uma restrição à
liberdade imposta a cada indivíduo a si mesmo, como uma
maneira de cessar o estado de guerra de todos contra todos.

3.1.1 A PENA NA IDADE MÉDIA

A Idade Média é marcada por inúmeros acontecimentos

95
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

históricos, especialmente no meio político, assim a idade mé-


dia é marcada pela cada do Império Romano e a invasão da
Europa pelos conhecidos “povos bárbaros”.
Neste período da história, o Direito Canônico tinha
grande influência porque a igreja adquiria cada vez mais poder
e suas decisões eram executadas por tribunais civis. A pena
passa a ser marcada pela forma como era aplicada, o ofensor
não tinha chances de defesa, para provar a sua inocência era
necessário que o delinquente caminhasse sobre o fogo ou
mergulhasse em água fervente. A pena possuía um caráter
divino, era uma época em que a teologia e a política eram es-
tritamente ligadas ao eixo do Direito Divino, a atividade do so-
berano era confundida com o Estado, já que essa atividade
era concedida por Deus.
Na Idade Média tudo era derivado de Deus, o direito de
punir não fugiu a essa regra, dessa forma a pena consistia em
uma espécie de represália pela violação divina e tinha como
objetivo a salvação da alma para a vida eterna. Era imposto
um castigo a todas as condutas imorais que afrontasse a igreja
ou o Estado na figura do Soberano, a este castigo foi dado o
termo poena, que em latim significa castigo, expiação ou su-
plício. A igreja exercia uma grande influência na sociedade,
nesta época houve a peste negra, que foi ocasionada pela
grande população de ratos, em consequência da ordem da

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Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

própria igreja que ordenou que todos os gatos fossem queima-


dos, pois, de acordo com eles, gatos eram a reencarnação do
diabo.
Vale mencionar que foi nessa época que surgiu o pri-
meiro substituto para pena de morte, a igreja, para punir cléri-
gos faltosos, usava como penalidade a reclusão em celas ou
a internação em mosteiros. Surge, então, a privação da liber-
dade como pena, ou seja, a prisão eclesiástica, que tinha
como finalidade fazer com que o delinquente refletisse e arre-
pendesse da infração cometida. O cárcere era como uma pe-
nitencia e meditação, assim surgindo a palavra penitenciária.
Essa é a grande contribuição da Idade Média para a pena.
(CALDEIRA, 2023).

3.1.2 A PENA NA IDADE MODERNA

Idade Moderna se inicia com o movimento do Ilumi-


nismo e todas as novas ideologias vindas do Renascimento,
com obras de ideias liberais a exemplo do Marquês de Becca-
ria, que traz ideia de que a pena só é justa quando necessária.
Essa época é considerada como uma época de revolução so-
cial.
Nessa época os feudos foram substituídos pelas mo-

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Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

narquias absolutas, a pena passar a ser aplicada para de-


monstrar o poder do monarca, a pena era aplicada sem a mí-
nima proporção como o delito que era cometido, não possuía
nenhum conteúdo jurídico e nem qualquer objetivo de ressoci-
alização do condenado. Não se levava em consideração que
por trás do crime existia uma realidade vivida, seres humanos,
cujo o futuro moral e social era resultado de um problema para
se resolver. (CALDEIRA, 2023).
As sanções eram severas e prevista nas Ordenações
do Reino, tinham como objetivo intimidar a população e reafir-
mar o poder do soberano. O crime cometido ofendia a pessoa
do Rei e a punição deveria ser com muito sofrimento, consti-
tuindo um aviso para que as ordens do monarca fossem obe-
decidas.

3.1.3 A PENA NA IDADE CONTEMPORÂNEA

A Idade Contemporânea tem início a partir da Revolu-


ção Francesa, é o período especifico atual da história do
mundo ocidental. O seu início foi muito marcado pela filosofia
iluminista, que levantava a importância da razão. Nessa época
existia um sentimento de que as ciências sempre descobririam
novas soluções para os problemas humanos e que a civiliza-
ção poderia progredir a casa ano com novos conhecimentos.

98
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

Aqui as sociedades deveriam encontrar uma forma


justa e humana de punir os criminosos, a pena deixa de ser
uma reafirmação do poder do rei e passar a ser uma represália
em nome da sociedade, tem-se o criminoso como inimigo da
sociedade.
O Direito Penal é modernizado e marcado pelo Ilumi-
nismo com contribuições de, por exemplo: Montesquieu, Vol-
taire, Beccaria, Filangieri e Pagano, grandes pensadores ilu-
ministas e criadores de princípios no projeto de uma sociedade
baseada na razão, nasce, então, ideias sobre a soberania da
lei, da defesa dos direitos subjetivos e sobre as garantias ne-
cessárias em um processo penal.
Nesse período tem-se o início da Escola Clássica do
Direito Penal, baseada na ideia do livre arbítrio do ser humano,
a pena abandona o cárter cruel e irracional para se aproximar
de uma ideia racional e humanitária, criando uma proporcio-
nalidade entre o crime e a sanção. A pena não tinha um cará-
ter utilitário, a custodia tinha a função de guardar o corpo do
condenado para que, em um futuro, sofresse a punição, que
muitas vezes era a pena de morte ou mutilação.
Com a pobreza generalizada da época, houve um au-
mento no número de delinquentes, a morte, então, passou a
não ser a melhor solução para a punição dos crimes cometidos
já que não tinha a possibilidade de ser aplicada a tanta gente.

99
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

(BITENCOURT, 2011).
Com o desenvolvimento do sistema capitalista, esses
delinquentes passaram a ser aproveitados como mão de obra
gratuita. A privação de liberdade surge mais como um meio de
modo de produção capitalista do que como um proposito hu-
manitário de ressocialização do condenado porque havia uma
grande necessidade de mão de obra e uma necessidade de
controlar a grande massa de delinquentes.
A Escola Clássica defina a pena como um castigo e re-
tribuição, o condenado era ignorado e atenção voltava-se para
o crime e a pena que proporcional para este, mas o crime pas-
sou a ser tratado como um ente jurídico e a Escola Clássica
perde o espaço para a Escola Positiva que coloca o homem
como o centro do Direto Penal, trazendo a ressocialização.
A Escola Positiva teve grande influência para a indivi-
dualização da pena, levando em consideração a personali-
dade e a conduta social do criminoso. As Escolas Criticas ou
Ecléticas também desenvolveram uma concepção de que a
pena deveria funcionar com uma forma de defesa social.
Depois da Segunda Guerra Mundial, por conta dos cri-
mes cometidos contra a humanidade, houve a atualização da
Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão de 1789, e
para o respeito à dignidade da pessoa humana. No ano de
1954, foi aprovado o Programa Mínimo, considerando que a

100
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

luta contra a criminalidade dever ser buscada por meios pre-


ventivos de ação. Assim, o delito deixa de ser apenas um
ponto de partida abstrato, para ser estudado com base em
pesquisas de acordo com a realidade do agente. A pena deixa
de ser retribuía para ser utilizada como medida racional de tra-
tamento do agente, com intuito da ressocialização. (CORSI,
2023).

3.2 EVOLUÇÃO HISTÓRICA DA PENA E DA PRISÃO NO


BRASIL

A evolução da pena e da prisão no Brasil teve um longo


caminho até chegar nos dias atuais. Os castigos corporais
eram aplicados desde o império e as prisões sempre muito
precárias, hoje essa situação não pode ser mais vivenciada
pois vivemos em um estado democrático de direito.

3.2.1 EVOLUÇÃO DA PRISÃO

Em 1821, após um Decreto do príncipe regente D. Pe-


dro, tem-se o início de uma preocupação das autoridades com
as prisões, da mesma forma, a Constituição de 1824 reforçava
essa preocupação, de modo que especifica: “as cadeias serão
seguras, limpas e bem arejadas, havendo diversas casas para

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Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

a separação dos réus, conforme suas circunstâncias e natu-


reza dos seus crimes”. (BRASIL, 2023). No Brasil colonial, as
prisões eram usadas como compartimentos de espera da pu-
nição. Isso acontecia porque a detenção não possuía o obje-
tivo de punir, mas de castigar, os castigos corporais tinham
como objetivo intimidar pelo terror.
O código criminal de 1830 trouxe o surgimento das pe-
nas de prisão com o trabalho, o apenado precisava trabalhar
diariamente dentro dos presídios. Como as cadeias não eram
devidamente adequadas, o código determinava que, até que
fosse construídos novos estabelecimentos, a prisão com o tra-
balho deveria ser convertida em prisão simples, acrescida de
mais um sexto (SILVA, 2003).
Diante disso, dois estabelecimentos foram projetados,
um em São Paulo e outro no Rio de Janeiro. Esses estabele-
cimentos eram as casas de correção que foram inauguradas
entre os anos de 1850 e1852, contavam com oficinas de tra-
balho, pátios e celas individuais, possuíam um recinto espe-
cial, chamado calabouço, para abrigar os escravos fugitivos e
que foram entregues pelos proprietários para a autoridade pú-
blica. Tais estabelecimentos tinha como objetivo a regenera-
ção do condenado com base no regulamento do sistema de
Auburn. (CARVALHO FILHO, 2002).

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Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

Durante o período imperial no Brasil juristas começa-


ram a viajar para o exterior afim de alisar os sistemas peniten-
ciários, desde então começou uma discussão sobre a criação
de colônias penais marítimas, agrícolas e industriais, tem-se
uma preocupação com o estudo da personalidade do delin-
quente. De acordo com o Salla o delinquente passa a ser visto
“como um doente, a pena como um remédio e a prisão como
um hospital”. (SALLA, 1999).
No ano de 1920, em São Paulo, é inaugurada uma pe-
nitenciaria no bairro Carandiru. Foi o projeto Ramos de Aze-
vedo, é marcada como uma evolução das prisões no Brasil, foi
construída para 1.200 presos e oferecia o que tinha de mais
moderno em matéria de prisão, continha oficinas, escola, en-
fermaria, acomodações adequadas e segurança.
A Casa de Detenção de São Paulo é um outro marco
histórico na evolução das prisões no Brasil, ficou localizada
também no Carandiru, e chegou a hospedar mais de 8 mil pre-
sos, apesar de só ter vaga para 3.250 pessoas. Foi inaugurada
no ano de 1956 para presos que estavam à espera de julga-
mento, mas sua finalidade deixou de ser essa com o passar
dos anos porque passou a abrigar condenados também.
Era conhecida por sua miséria e pelos vários aconteci-
mentos de fuga, episódios de violência e massacres. Foi de-
sativada em 2002 pelo Governo Estadual e essa atitude ficou

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Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

conhecida como o “o fim do inferno”, prometendo a remoção


de mais de 7 mil presos para 11 novos presídios. (CARVALHO
FILHO, 2002).
A superlotação carcerária começou a preocupar as au-
toridades, diante disso houve uma reforma do Código Penal
em 1977, prevalecendo o entendimento de que as prisões de-
veriam ser para os crimes mais graves e os delinquentes mais
perigosos. A lei, então, institui a prisão albergue e estabeleceu
os atuais regimes de cumprimento da pena de prisão. A re-
forma de 1984 acentuou essa preocupação e criou as penas
alternativas. (SILVA, 2003).
O que se vê nos últimos anos são os crescentes índices
superlotação e criminalidade. O sentimento de impunidade
que pode levar a grandes retrocessos legislativos, que podem
manter em cárcere pessoas que, obviamente, não precisam
estar.

3.2.2 EVOLUÇÃO DA PENA

O período colonial no Brasil aconteceu entre os anos de


1500 e 1822. A primeira legislação a vigorar no país foram as
Ordenações Afonsinas, as mesmas de Portugal, foi promul-
gada por Dom Afonso V, em 1446, e ficou em vigor somente
até 1521, porque serviu apenas de base para a produção das

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Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

Ordenações Manuelinas.
A produção das Ordenações Manuelinas tivera início
por volta de 1512, mas só ficou pronta em definitivo no ano de
1521, vigorou no Brasil entre os anos de 1521 a 1603. O obje-
tivo principal dessa Ordenação era satisfazer o orgulho de D.
Manuel, pois este novo diploma era basicamente uma cópia
do código anterior, mas acrescido pelas leis extravagantes.
Essa ordenação não chegou a ser aplicada porque a justiça
era realizada pelos donatários. (TAKADA, 2023).
Após a revogação das Ordenações Manuelinas, entrou
em vigor o Código Filipino ou Ordenações Filipinas, esse foi
aplicado efetivamente no Brasil sob a administração direta do
reino, ficando em vigor a partir de 1603 até 1830.
A matéria penal estava no Livro 5 e este código ficou
conhecido por suas penas severas porque ignorava total-
mente os valores fundamentais humanos, continha um grande
número de condutas proibidas e punições brutais. A pena de
morte era aplicada de forma constante e sua execução tinha
algumas características peculiares, por exemplo, a morte pelo
fogo até o delinquente ser reduzido a pó e a morte por tormen-
tos, mutilações, marca de fogo, açoites, entre outros. (TA-
KADA, 2023).
O status pessoal do réu tinha uma grande influência

105
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

para aplicação das penas e para determinar o grau de puni-


ção. Para os indivíduos das classes inferiores ficavam as pu-
nições mais severas, já para a nobreza ficava garantido alguns
privilégios. Essas distinções também eram bastante relevan-
tes quando se tratava sobre o sexo do réu (BUENO, 2003).
Havia uma grande desproporção entre o delito prati-
cado e apena, o princípio da pessoalidade da pena, conhecido
atualmente, era totalmente desconsiderado/desconhecido,
pois a vergonha sofrido pelo delinquente era suportada por vá-
rias gerações. Um caso que representa muito bem essa época
é o do mártir da inconfidência mineira, José da Silva Xavier, o
Tiradentes. (DOTTI, 2023). destaca um trecho da sentença
que condenou Tiradentes:

Portanto condenam ao Réu Joaquim José da


Silva Xavier por alcunha o Tiradentes Alferes que
foi da tropa paga da Capitania de Minas a que
com baraço e pregão seja conduzido pelas ruas
publicas ao lugar da forca e nela morra morte na-
tural para sempre, e que depois de morto lhe seja
cortada a cabeça e levada a Villa Rica aonde em
lugar mais público dela será pregada, em um
poste alto até que o tempo a consuma, e o seu
corpo será dividido em quatro quartos, e prega-
dos em postes pelo caminho de Minas no sitio da
Varginha e das Sebolas aonde o Réu teve as
suas infames práticas e os mais nos sítios (sic)
de maiores povoações até que o tempo também
os consuma; declaram o Réu infame, e seus fi-
lhos e netos tendo-os, e os seus bens aplicam
para o Fisco e Câmara Real, e a casa em que
vivia em Villa Rica será arrasada e salgada, para

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Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

que nunca mais no chão se edifique e não sendo


própria será avaliada e paga a seu dono pelos
bens confiscados e no mesmo chão se levantará
um padrão pelo qual se conserve em memória a
infâmia deste abominável Réu.

Em 1822 teve início o período imperial, quando o Brasil


conquistou a independência de Portugal. Mas as Ordenações
Filipinas não foram revogadas imediatamente, a Assembleia
Constituinte de 1823 decretou a aplicação provisória da Legis-
lação do Reino.
Após a independência acontece uma ressignificação de
valores políticos, humanos e sociais, o Brasil passa a ser de-
senvolvido sob um manto de liberdade social, em 1824, foi ou-
torgada a primeira constituição que trazia garantias a liberdade
e direitos individuais, esse diploma previu a necessidade de
um código criminal fundado na justiça e equidade. (TAKADA,
2023).
No mesmo ano de 1823, foram encarregados de elabo-
rar um Código Penal os parlamentares José Clemente Pereira
e Bernardo Pereira de Vasconcelos, após a apresentação dos
projetos, deu-se preferência para o de Bernardo, que sofreu
alterações e veio a constituir o Código de 1830 que foi sanci-
onado pelo imperador D. Pedro I.
Nesse código surgiu a pena de privação de liberdade,

107
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

na qual substituiria as penas corporais. Esse código ainda pre-


via a pena de morte, mas foi revogado por D. Pedro II após o
episódio da execução de Mota Coqueiro, no Rio de Janeiro,
que foi acusado injustamente e depois de sua morte foi pro-
vado a sua inocência. (CANTO, 2000).

Após o golpe militar de Marechal Deodoro da Fonseca,


em 1889, o Brasil se tornou República e depois de avanços
sociais, como a promulgação da Lei Áurea, o Código Criminal
do império precisava ser refeito ou substituído.

O Decreto 847 foi promulgado em 11 de outubro de


1890, adotando os princípios da escola clássica, esse Código
possuía penas mais brandas e com uma característica de cor-
reção. No ano de 1934 houve a promulgação da Constituição
da Republica que extinguia as penas de morte, banimento,
confisco de bens e as de caráter perpetuo, com a exceção em
caso de guerra declarada.

Veio a Revolução de 1937, com o a entrada do Estado


Novo, o presidente Getúlio Vargas, pretendia fazer algumas
reformas legislativas e determinou de Alcântara Machado ela-
borasse um novo Código. Dessa forma, foi editado o Decreto
nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940, mas que só passou a
entrar em vigor em 1º de janeiro de 1942.

108
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

Em seguida foram editados o Código de Processo Pe-


nal (Decreto n. 3.689, de 3/10/1941), a Lei das Contravenções
Penais (Decreto n. 3.688, também de 3/10/1941), a Lei de In-
trodução ao Código Penal (9/12/1941) e o Código Penal Militar
(Decreto n. 6.227, de 24/1/1944). (CANTO, 2000).

Após a constituição de 1937, o Código Penal sofreu vá-


rias alterações, como a de 1984, pelas Leis nº 6.416 e 7.209.
A última alteração de 13 de julho de 1984, que entregou em
vigor a partir de 12 de janeiro de 1985, é o nosso atual Código
Penal.

A Lei nº 7.209, de 13 de julho de 1984, fez uma grande


reforma na parte geral do Código de 1940, trazendo a abolição
das penas acessórias e o sistema duplo binário. Entre as vá-
rias alterações pode-se citar o arrependimento posterior e um
artigo que trata especificamente sobre a reabilitação.

Após a promulgação da Carta Magna de 1988, algumas


alterações foram necessárias porque a nova Constituição con-
sagrava novas sanções penais. Sobreveio a Lei nº 9.714/98,
entre as alterações sofridas destaca-se o requisito de substi-
tuição da pena privativa de liberdade pela restritiva de direito.
Dessa forma pode-se observar diante das várias etapas a
pena sofreu uma grande evolução social desde dos tempos do
Brasil Império até o Estado democrático de Direito em que vi-
vemos.

109
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

3.3 A LEI DE EXECUÇÃO PENAL: A RESSOCIALIZAÇÃO


DO PRESO

A lei de execução penal preceitua em seu artigo 1º que


a execução penal nº 7.210/84, tem como objetivo proporcionar
condições harmônicas de integração social do condenado ou
internado. Dessa forma, analisaremos a sua natureza e objeto,
e os meios para ressocialização do preso.

3.3.1 NATUREZA E OBJETO DA LEI

A execução penal é classifica no Código de Processo


Penal como mista porque é jurisdicional, relacionada a solução
dos incidentes da execução; e administrativa, relacionada a
imposição de medida de segurança, entre outros.
A natureza jurídica da execução penal é definida por
Ada Pellegrini Grinover, (GRINOVER, 1987, p.7), como:

Na verdade não se nega que a execução penal é


uma atividade complexa, que se desenvolve, en-
trosadamente, nos planos jurisdicional e admi-
nistrativo. Nem se desconhece que dessa ativi-
dade participam dois Poderes estaduais: o Judi-
ciário e o Executivo, por intermédio, respectiva-
mente, dos órgãos jurisdicionais e dos estabele-
cimentos penais.

110
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

Ao elaborar a Exposição de Motivos da Lei de Execução


Penal, o legislador deixou claro que esta possui um instituto
hibrido, que impõe limites a extensão dos seus ramos, é o que
se observa ao fazer a leitura do artigo 16:

Art. 16: A aplicação dos princípios e regras do


Direito Processual Penal constitui corolário ló-
gico da interação existente entre o direito de exe-
cução das penas e das medidas de segurança e
os demais ramos do ordenamento jurídico, prin-
cipalmente os que regulam em caráter funda-
mental ou complementar os problemas postos
pela execução. (BRASIL, 2023).

Entende-se então que a execução penal possui duas


naturezas jurídicas, que são elas: uma jurisdicional que com-
pete ao Estado que administra os estabelecimentos penais e
uma outra que cabe ao Judiciário que trata das questões pro-
cessuais da execução da pena.
Em relação ao objeto, de acordo com o art. 1º da Lei de
Execução Penal: “A execução penal tem por objetivo efetivar
as disposições de sentença ou decisão criminal e proporcionar
condições para a harmônica integração social do condenado
e do internado.” Dessa forma, de acordo com o autor Mirabete,
o tratamento dos condenados, deve ter como objetivo, na me-
dida em que a lei permita, incentivar a vontade de viver con-

111
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

forme a lei e se manter com o produto do seu trabalho, bus-


cando devolver a responsabilidade e o respeito a si mesmo.
(MIRABETE, 2006).
Para o autor Falconi, (FALCONI, 1998, p. 122), toda a
sistemática da pena deve ter como objetivo a reinserção do
delinquente, é um trabalho que deve ser feito desde o início,
até antes do condenado está na situação de preso e apenado.
Esse autor comenta que:

[...] reinserção social é um instituto do Direito Pe-


nal, que se insere no espaço próprio da Política
Criminal (pós-cárcere), voltada para a reintrodu-
ção do ex-convicto no contexto social, visando a
criar um modus vivendi entre este e a sociedade.
Não é preciso que o reinserido se curve, apenas
que aceite limitações mínimas, o mesmo se co-
brando da sociedade em que ele reingressa. Daí
em diante, espera-se a diminuição da reincidên-
cia e do preconceito, tanto de uma parte como de
outra. Reitere-se: coexistência pacifica.

Dessa forma, o aspecto moral da pena deve ser visto


tanto pela humano, porque possui um fim educativo buscando
recuperar o apenado, como também procura uma defesa para
a sociedade, porque não deixa de preparar o apenado para
ser um elemento produtivo depois de reeducado para o conví-
vio com os seus semelhantes.
Pode-se verificar uma dualidade dos objetivos da Lei de
Execução Penal. De acordo com Thompson a lei possui várias

112
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

ordens de finalidade, como reprimir, prevenir, além de buscar


a regeneração do criminoso para reintegra-lo na sociedade
após o cumprimento de sua pena. (THOMPSON, 1993).
Conclui-se que a natureza jurídica e o objeto da pena
não é único, ou seja, visa tanto a aplicação da sentença, como
também busca a recuperação do preso para que posterior-
mente possa ser reintegrado à sociedade.

3.3.2 RESSOCIALIZAÇÃO DO PRESO

O Código Penal de 1940 adota o sistema progressivo


da pena, era previsto um período inicial que não ultrapasse
três meses da pena de reclusão, de isolamento absoluto, se-
guido de um período com trabalho durante o dia e da possibi-
lidade de fazer a transferência para a colônia penal ou para
um estabelecimento similar, depois, finalmente chegando ao
livramento condicional. (MACHADO, 2023).
A Lei de Execução Penal ressalta a finalidade ressoci-
alizadora da pena, mesmo que os estabelecimentos penais
brasileiros não tenham programas efetivos para que este pro-
cesso ocorra de fato. Dessa forma, Nogueria esclarece que a
“pretensão de transformar a pena em oportunidade para pro-

113
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

mover a reintegração social do condenado esbarra em dificul-


dade inerentes ao próprio encarceramento”. (NOGUEIRA,
1996).
Existe uma contradição no que diz a lei e o que acon-
tece nos estabelecimentos prisionais. É claro que é preciso
respeitar os direitos dos reclusos, mas é fácil notar que a vida
nos presídios, em grande parte, não respeita os mínimos indí-
cios do direito fundamental da dignidade da pessoa humana.
Na concepção de Albergaria, 1996, p. 139:

[...] a ressocialização é um dos direitos funda-


mentais do preso e está vinculada ao welfaresta-
tate (estado social de direito), que (...) se empe-
nha por assegurar o bem estar material a todos
os indivíduos, para ajuda-los fisicamente, econo-
micamente e socialmente. O delinquente, como
individuo em situação difícil e como cidadão, tem
direito à sua reincorporação social. Essa concep-
ção tem o mérito de solicitar e exigir a coopera-
ção de todos os especialistas em ciências do ho-
mem para uma missão eminente humana e que
pode contribuir para o bem-estar da humanidade.

A ressocialização é frequentemente vista com um sig-


nificado de reeducar, reformar, reintegrar alguém para que
volte a conviver em sociedade. O apenado deve ser visto
como um indivíduo com um potencial a ser trabalhado para
poder superar as dificuldades que o levaram a cometer delitos,

114
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

dando-lhe oportunidades e ensinando-lhe atividade profissio-


nais honesta e criando hábitos de ordem, disciplina e uma re-
construção moral.
A Lei de Execução Penal é considera como uma das
mais avançadas, e se for cumprida integralmente, certamente
atingirá o objetivo da ressocialização de uma grande parcela
da população carcerária atual, até mesmo porque essa é a sua
finalidade. A lei é muito importante para reintegração já que
propicia direitos, deveres, trabalho, tratamento de saúde fí-
sica, integridade moral, entre outros, evitando que o preso fi-
que dentro do estabelecimento penal sem produzir nada. (MA-
CHADO, 2023).
Veja-se o artigo 10 da Lei de Execução Penal: Art. 10.
A assistência ao preso e ao internado é dever do Estado, ob-
jetivando prevenir o crime e orientar o retorno à convivência
em sociedade. Parágrafo único. A assistência estende-se ao
egresso. (BRASIL, 2023).
Pode-se concluir que o objetivo da execução é a efeti-
vação da sentença ou decisão criminal, demonstra que o sis-
tema não se compromete com a teoria da emenda ou recupe-
ração social do infrator. Sobre esse artigo, Mirabete (2006, p.
62) dispõe que:

115
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

A execução penal tem como princípio promover


a recuperação do condenado. Para tanto o trata-
mento deve possibilitar que o condenado tenha
plena capacidade de viver em conformidade com
a lei penal, procurando-se, dentro do possível,
desenvolver no condenado o senso de respon-
sabilidade individual e social, bem como o res-
peito à família, às pessoas, e à Sociedade em
geral.

A Lei de Execução Penal tem muitos elementos com-


plexos, mas é ela que prescreve os princípios e regra que po-
dem possibilitar a humanização do sistema penitenciário e a
ressocialização do preso. A lei faz com que se coloque em
pratica a decisão da sentença condenatória e estabelece que
deve haver condições mínimas para que o condenado se re-
cupere.

3.4 A DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA COMO PARA-


DIGMA

O objetivo do trabalho é demonstrar que o ideal da res-


socialização é que fosse considerado o princípio da dignidade
da pessoa humana na prática jurisdicional. Esse princípio é o
auxílio suficiente para que o direito penal não se torne uma
cega retribuição, ou seja, para que o direito punitivo não se
torne sem ideal e sem uma finalidade científica. A consagra-

116
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

ção desse princípio exige que o Estado, enquanto o preso es-


tiver sob sua custódia, garanta-lhe o acesso aos meios e for-
mas de sobrevivência que lhes proporcionem condições para
sua reabilitação moral e social.
O Princípio da Dignidade da Pessoa Humana garante,
de modo obrigatório, o respeito, a identidade e a integridade
de todo ser humano, assim, todos devem ser tratados com
respeito. A Constituição Federal em seu art. 5º XLIX assegura
aos presos o respeito à integridade física e moral e a LEP
afirma os demais direitos dos presos.

3.4.1 O TRABALHO COMO RESSOCIALIZAÇÃO

Como uma das formas de proporcionar a ressocializa-


ção do preso, a Lei de Execução Penal, de acordo com o art.
28, de que o trabalho do condenado terá finalidade educativa
e produtiva. O trabalho penitenciário deve ser organizado da
forma mais próxima possível da sociedade, ou seja, que o ape-
nado passe a ter alguns direitos trabalhista. É o que dispões o
artigo 32 da Lei de Execução Fiscal:

Art. 32. Na atribuição do trabalho deverão ser le-


vadas em conta a habilitação, a condição pes-
soal e as necessidades futuras do preso, bem
como as oportunidades oferecidas pelo mer-
cado.

117
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

§1º Deverá ser limitado, tanto quanto possível, o


artesanato sem expressão econômica, salvo nas
regiões de turismo.
§2º Os maiores de 60 (sessenta) anos poderão
solicitar ocupação adequada à sua idade.
§3º Os doentes ou deficientes físicos somente
exercerão atividades apropriadas ao seu estado.
(BRASIL, 2023).

Dessa forma, sendo obrigatório o trabalho é necessário


que este seja remunerado, o Estado fica responsável para pro-
ver a destinação desse rendimento, como podemos ver o que
dispõe o artigo 29 da Lei:

Art. 29. O trabalho do preso será remunerado,


mediante prévia tabela, não podendo ser inferior
a 3/4 (três quartos) do salário mínimo.
§1° O produto da remuneração pelo trabalho de-
verá atender:
a) à indenização dos danos causados pelo crime,
desde que determinados judicialmente e não re-
parados por outros meios;
b) à assistência à família;
c) a pequenas despesas pessoais;
d) ao ressarcimento ao Estado das despesas re-
alizadas com a manutenção do condenado, em
proporção a ser fixada e sem prejuízo da desti-
nação prevista nas letras anteriores.
§2º Ressalvadas outras aplicações legais, será
depositada a parte restante para constituição do
pecúlio, em Caderneta de Poupança, que será
entregue ao condenado quando posto em liber-
dade. (BRASIL, 2023).

O preso que está em cumprimento de pena privativa de


liberdade não pode exercer qualquer atividade laborativa por

118
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

conta da limitação da pena imposta, dessa forma, cabe ao Es-


tado atribuir trabalho que possa ser executado dentro do esta-
belecimento prisional e que, por consequência, lhe dê o direito
à remuneração.
A legislação brasileira reconhece a remição da pena
através do trabalho, o trabalho desempenha funções que tem
como objetivo proporcionar ao recluso a possibilidade de de-
senvolver alguma atividade produtiva e que funcione como um
redutor de pena, dessa forma, os dias trabalhados diminuem
a pena a ser cumprida.
A realidade brasileira, no entanto, mostra que o conde-
nado dispõe de bastante tempo livre nas prisões, que produz
efeitos como preguiça, desocupação, jogo, desequilíbrio, ou
seja, pode prejudica todas as esperanças do reajustamento
social do condenado.

3.4.2 ATIVIDADE CULTURAIS COMO RESSOCIALIZAÇÃO

Mesmo que sejam raramente acolhidas pelos sistemas


prisionais, é direito do preso o exercício de atividade profissi-
onais, intelectuais e artísticas, desde que sejam compatíveis
com a execução de sua pena.
A Lei 12.433, de 2011, sancionada pela ex-presidente
da República Dilma Rousseff, alterou a Lei de Execução Penal

119
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

e a acrescentou a redução da pena dos presos também pelo


estudo. Esse benefício da remição autoriza redução de uma
dia da pena a cada 12 horas de estudo, distribuída em três
dias, em atividades de ensino fundamental, médio, profissio-
nalizante, superior ou ainda de requalificação profissional:

Art. 126. O condenado que cumpre a pena em


regime fechado ou semiaberto poderá remir, por
trabalho ou por estudo, parte do tempo de exe-
cução da pena.
§1º A contagem de tempo referida no caput será
feita à razão de:
I - 1 (um) dia de pena a cada 12 (doze) horas de
frequência escolar - atividade de ensino funda-
mental, médio, inclusive profissionalizante, ou
superior, ou ainda de requalificação profissional
- divididas, no mínimo, em 3 (três) dias;
II - 1 (um) dia de pena a cada 3 (três) dias de
trabalho.
§2º As atividades de estudo a que se refere o §
1º deste artigo poderão ser desenvolvidas de
forma presencial ou por metodologia de ensino a
distância e deverão ser certificadas pelas autori-
dades educacionais competentes dos cursos fre-
quentados.
§3º Para fins de cumulação dos casos de remi-
ção, as horas diárias de trabalho e de estudo se-
rão definidas de forma a se compatibilizarem.
§4º O preso impossibilitado, por acidente, de
prosseguir no trabalho ou nos estudos continuará
a beneficiar-se com a remição.
§5º O tempo a remir em função das horas de es-
tudo será acrescido de 1/3 (um terço) no caso de
conclusão do ensino fundamental, médio ou su-
perior durante o cumprimento da pena, desde
que certificada pelo órgão competente do sis-
tema de educação.
§6º O condenado que cumpre pena em regime
aberto ou semiaberto e o que usufrui liberdade

120
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

condicional poderão remir, pela frequência a


curso de ensino regular ou de educação profissi-
onal, parte do tempo de execução da pena ou do
período de prova, observado o disposto no inciso
I do § 1º deste artigo.
§7º O disposto neste artigo aplica-se às hipóte-
ses de prisão cautelar.
§8º A remição será declarada pelo juiz da execu-
ção, ouvidos o Ministério Público e a defesa.
(BRASIL, 2023).

Em alguns presídios do Brasil existe a possibilidade de


o condenado diminuir a sua pena com leitura de livros por meio
de programas estaduais, mas essas ações não estão discipli-
nadas na LEP. Em 2019, o senador Jorge Kajuru, apresentou
o PL 4.988/2019, que permite a remição de parte do tempo de
execução da pena mediante a participação voluntária do preso
em projeto de leitura com apresentação de resenha sobre o
livro lido, mas esse projeto ainda não tem relator.

3.4.3 O PROBLEMA DA RESSOCIALIZAÇÃO

O custo crescente do encarceramento e a grande falta


de investimento no setor por parte da administração pública,
consequentemente, gera uma superlotação das prisões. Den-
tre os grandes problemas do sistema penitenciário estão a
falta de condições necessárias à sobrevivência, falta de higi-
ene, regime alimentar deficiente, deficiência nos serviços mé-
dico, grande consumo de drogas, corrupção, abusos sexuais

121
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

frequentes, ambiente propício a violência, ou seja, tudo isso


causa uma falta de perspectiva de reintegração social.
A busca para ressocializar a pessoa condenada é uma
situação praticamente impossível nos dias atuais, é o que re-
lata Denise de Roure (1998), “Falar em reabilitação é quase o
mesmo que falar em fantasia, pois hoje é fato comprovado que
as penitenciárias em vez de recuperar os presos os tornam
piores e menos propensos a se reintegrarem ao meio social”.
Embora a Lei n 7.210/84 tenha sido feito muito cuida-
dosamente pelo legislador, o Poder Executivo não se igualou
para executar com maestria os comandos dos 204 artigos, que
se fossem bem executados certamente poderiam ter impedido
que o sistema prisional se encontrasse da forma que está. A
finalidade da pena tomou outro rumo, o que se pretendia era
a busca da ressocialização, no entanto, vem provocando a
marginalização, resultando em crimes de maior gravidade que
o incialmente praticado.
As prisões estão dominadas pela violência, onde deve-
ria ser aplicada as regras previstas nas legislações, o que pre-
valece é a “lei do mais forte”. Os indivíduos na busca da so-
brevivência dentro dos estabelecimentos, se adaptam ao com-
portamento imposto pelo código do recluso. Segundo Biten-
court (2011, p. 186):

122
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

A influência do código do recluso é tão grande


que propicia aos internos mais controle sobre a
comunidade penitenciária que as próprias autori-
dades. Os reclusos aprendem, dentro da prisão,
que a adaptação às expectativas de comporta-
mento do preso é tão importante para seu bem-
estar quanto a obediência às regras de controle
impostas pelas autoridades.

Esse código do recluso dispõe uma série de regras para


serem cumpridas por todos os detentos, o não cumprimento
acarreta várias sanções, como isolamento, violências sexuais
e até mesmo a morte.
Outro obstáculo encontrado pelos detentos após saí-
rem em liberdade é o preconceito da sociedade que se deixa
levar pelo sensacionalismo e preconceito criado pelos meios
de comunicação e acabada adotando uma postura que não é
humanista em relação aqueles que acabaram de sair das pri-
sões, a principal dificuldade é ingressar no mercado de traba-
lho, além de carregar a marca de ex-presidiário, a grande mai-
oria não possuem nem o ensino fundamental completo, muito
menos experiência profissional.
Fazendo analise de alguns artigos da Lei de Execução
Penal, o artigo 5º determina que os presos ao ingressarem no
sistema penitenciário, sejam classificados, segundo os seus
antecedentes e personalidades, para orientar a individualiza-
ção da execução penal. O artigo 6ª ordena que as classifica-
ções DOS apenados deverão ser feitas por intermédio de uma

123
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

Comissão Técnica de Classificação (CTC) e o artigo 7º dispõe


que a composição dessa CTC será presidida pelo diretor do
estabelecimento prisional e composta por dois chefes de ser-
viço, um psiquiatra, um psicólogo e um assistente social,
sendo a composição mínima de seis membros.
No entanto, em vários Estados não existe se quer essa
comissão, onde a sua falta é suprida com o remanejamento de
agentes penitenciários, mas, o próprio quadro de agentes para
a atividade fim já é deficitário.
De acordo com o Oliveira (2003, p. 227), é necessário
que existe a transformação do sistema prisional para que se-
jam proporcionados aos apenados condições para uma resso-
cialização, de forma que busque fornecer uma vida digna en-
quanto estiver cumprindo a sentença:

[...] Os caminhos estão abertos. Pois, não pode


a pena de prisão, apenas excluir o condenado da
sociedade, mas, sobretudo, buscar em sua ex-
clusão caminhos para ressocializá-lo, através do
trabalho e da educação, por exemplo.

Mesmo nos dias de hoje a pena não perdeu a caracte-


rística punitiva e repressora, a ressocialização, é na verdade,
um discurso retorico para que exista a manutenção do sis-
tema, pode-se considerar um desperdício de tempo para o
preso e um gasto inútil para o Estado.

124
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Diante de todo o trabalho exposto é possível perceber


que a Lei nº 7.210/84, a Lei de Execuções Penais brasileira,
segue o rito do direito moderno e enfatiza em seus dispositivos
o caráter humanístico do sistema prisional, essencialmente no
que concerne a reinserção do condenado a sociedade.
Não resta duvidas que o sistema prisional e as penas
evoluíram bastante com o tempo, a pena deixa visão de se
tratar “mal com o mal”, e passa a dar lugar a prevenção do ato
criminoso e a recuperação do condenado, mesmo que a puni-
ção ainda seja uma das finalidades da pena para reconhecer
o mal causado pelo delito.
É certo que a maioria dos presos não vê no trabalho
uma forma de ressocialização, mas sim como uma forma de
remissão da pena, mas esse não é um problema da Lei de
Execução e sim da conscientização do condenado. As ativida-
des culturais e educacionais também são elencadas na lei,
considerando que a maioria dos presos brasileiros não possui
além do ensino fundamental e aproximadamente 10% são
analfabetos, mas nem todos os estabelecimentos as oferecem
e muitas vezes é observado um certo desinteresse por muitos
presos.
Faz-se necessária uma reorganização e reavaliação do

125
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

sistema penitenciário brasileiro, e dessa forma, incluir novos


conceitos de condutas, de valores, de famílias, com a maior
rapidez possível. É necessário ainda desenvolver uma política
de conscientização na sociedade para deixar de agir com pre-
conceito, para que entendam que o ser humano é mutável e
capaz de se reabilitar, caso contrário estamos próximos de um
colapso de segurança nacional.
O grande número de reincidentes não é uma responsa-
bilidade da legislação penal, mas sim da falta de estrutura que
acaba por inviabilizar a eficácia da ressocialização do preso.
Pode-se observa que a Lei de Execução Penal é um diploma
que se preocupa com o programa de ressocialização, mas, no
entanto, não é respeitada no que se refere a vários direitos dos
apenados, é difícil ressocializar quando a grande parte dos es-
tabelecimentos penais não oferece condições mínimas de hi-
giene, segurança e saúde por exemplo.
Mais do que uma exposição de problemáticas, princí-
pios, dispositivos, esse artigo teve como objetivo tratar o ce-
nário real do sistema prisional brasileiro e proporcionar uma
reflexão sobre o tema para os operadores do Direito, vez que,
cabe aos mesmo zelar pelo direito dos presos, o cumprimento
da Lei de Execução Penal e o Princípio da Dignidade da Pes-
soa Humana.

126
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

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129
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

4
NOVOS ARRANJOS FAMILIARES SOB A ÓTICA DO
ORDENAMENTO JURÍDICO: EFEITOS
DA MULTIPARENTALIDADE

NEW FAMILY ARRANGEMENTS UNDER THE


PERSPECTIVE OF THE LEGAL SYSTEM: EFFECTS
OF MULTIPPARENTALITY

Vitória Silva de Oliveira Bandeira7


Glauco Ferreira de Souza Ribeiro8

BANDEIRA, Vitória Silva de Oliveira. Novos arranjos famili-


ares sob a ótica do ordenamento jurídico: efeitos da multi-
parentalidade. Trabalho de Conclusão de Curso de graduação
em Direito – Centro Universitário UNINORTE, Rio Branco,
2023.

7
Discente do 9º Período do Curso de Bacharel em Direito pelo Centro Uni-
versitário Uninorte.
8
Graduado em Direito pela Universidade Estadual da Paraíba. Mestre em
Ciências Jurídicas pela Universidade Federal da Paraíba.

130
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

RESUMO

O presente trabalho trata da importância dos efeitos da multi-


parentalidade sob a perspectiva do ordenamento jurídico bra-
sileiro, que busca fortalecer e proteger as novas formas de ar-
ranjos familiares, procurando acompanhar o desenvolvimento
do mundo em uma análise histórica, juntamente com o desen-
volvimento de uma pesquisa dos conceitos, das modificações
da lei, da natureza jurídica, do papel realizado e da perspectiva
envolta da colaboração dos envolvidos. A partir desse ponto
de vista, procedeu-se o estudo com base em pressupostos e
conceitos do Direito Civil e Processual Civil, discorrendo posi-
cionamento de doutrinadores civilistas acerca desse instituto
e de sua relevância.

Palavras-chave: afetividade; estrutura familiar; multiparentali-


dade; poder familiar; socioafetividade.

ABSTRACT

The presente work delas with the importance of the effects of


multiparentality from the perspective of the Brazilian legal sys-
tem, whithch seeks to sthengthen and protect the new forms of
Family arrangements, seeking to accompany the development
of a research of the concepts, changs in the law, the legal na-
ture, the role played and the prspective surrounding the colla-
boration of those involved. From this point of view, the study
was carrid out based on assumptions and concepts of Civil
Law and Civil Procedure, discussing the position of civil scho-
lars about this intitute and its relevance.

Keywords: affectivity; family structre; multiparentality; family


power; socioaffectivity.

131
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

INTRODUÇÃO

Diante da sociedade contemporânea na qual estamos


inseridos, é possível constatar diversas formas de constituição
do núcleo familiar que não se limitam somente a formação a
partir do matrimônio ou união estável. Entre essas formas,
pode-se dar ênfase ao fenômeno da multiparentalidade, que
no sentido mais amplo, representa a possibilidade, conforme
o ordenamento jurídico, de que um indivíduo tenha mais de
um vínculo parental, podendo ser tanto materno quanto pa-
terno a partir de um relacionamento socioafetivo entre as par-
tes.
O atual ordenamento jurídico brasileiro, infelizmente,
não acompanha o ritmo das mudanças que ocorrem em nossa
sociedade. Diante deste cenário, analisando a perspectiva
doutrinária, jurisprudencial, bem como as implicações e con-
sequências da ausência normativa acerca do processo de re-
gistro multiparental e da respectiva responsabilização civil dos
pais socioafetivos com o filho, ainda não possui, de maneira
clara e expressa, o reconhecimento da multiparentalidade so-
cioafetiva no âmbito legislativo.
Levando em consideração que esta relação, quando
reconhecida no registro civil, é ato irrevogável, exceto em ca-

132
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

sos que seja comprovado o vício ou simulação, faz-se neces-


sário discorrer sobre o tema e analisar os efeitos sucessórios
que dele dispõem, bem como os direitos e deveres efetivos
que são geradas a partir do momento que a família reconhece
o vínculo socioafetivo, tendo em vista que o atual entendi-
mento do Superior Tribunal Federal não sana todas as dúvidas
e questionamentos que envolvem este campo do direito de fa-
mília brasileiro.
No campo da legislação relativa às relações familiares,
a legislação procurou alargar o espaço para as boas relações,
a fim de criar uma oportunidade para maiores desenvolvimen-
tos relacionados com o amor. Ao introduzir o famoso afeto nas
relações humanas, percebeu-se que nele se encontrava a so-
lução para muitos ou quase todos os conflitos. Neste artigo,
percorreremos a necessidade de deixar o afeto entrar, os in-
fortúnios de sua presença e os triunfos de permitir que seja um
grande guia e um dos maiores princípios do direito de família
moderno.

4.1 MULTIPARENTALIDADE

Cada pessoa torna-se parte integrante do todo natural,


o organismo familiar, quando nasce. Ele permanece ligado a
ela durante toda a sua existência, mesmo quando forma uma
nova família. O entrelaçamento de múltiplas relações entre as

133
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

partes desta unidade leva a complexas disposições pessoais


e financeiras que são objeto do direito de família.
A filiação múltipla é uma relação constituída por vários
pais, ou seja, quando uma criança tem uma relação paternal
/ maternal com mais de um pai e/ou mais de uma mãe.
Quando na relação de paternidade ou maternidade é obser-
vada um vínculo emocional, não excluindo a percepção de
parentesco comum com base em ancestrais de sangue. Daí
o desenvolvimento da conjectura da paternidade socioemoci-
onal que, se não coincidir com a paternidade biológica e re-
gistrar, pode-se agregar a ela.
A Constituição Federal de 1988 trouxe uma forma de
sanar os vícios da lei anterior, a qual apenas reconhecia os
filhos oriundos do matrimônio e não permitia o direito do filho
ilegítimo de ser reconhecido pelo seu ascendente. No en-
tanto, a discussão passou a ser voltado somente para o es-
tado de filiação oriunda da relação biológica, por meio do sur-
gimento do teste de identificação genética desenvolvido pelo
geneticista Alec Jeffreys em 1985. (RUMJANEK 1997, Apud
GLANZ, 2005, p.533). Sobre o tema, elucida Vieira:

A filiação passa a se fundar, especialmente, no


vínculo de consanguinidade, uma vez que se tor-
nou possível aferir a existência ou não de des-
cendências genética com grau de certeza quase
que absoluto. A busca da verdade real foi simpli-

134
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

ficada pelo advento do exame de DNA, forte-


mente utilizado nas ações de investigação de pa-
ternidade. (VIEIRA 2015, p. 87)

A multiparentalidade é uma oportunidade legal onde


pais biológicos e/ou pais biológicos emocionais podem invo-
car princípios de dignidade humana e emoção, e assegurar
que a relação entre os pais seja mantida ou estabelecida.
Sabendo disso, é sabido que as famílias são estrutu-
radas e montadas em ampla variedade de padrões. Isso faz
com que a ideia de que a família seja baseada apenas nos
laços sanguíneos, relações biológicas ou civis estejam ultra-
passadas. Ao invés de proteger os direitos hereditários, pas-
sando a reconhecer a existência de relações interpessoais na
sociedade, os direitos individuais passaram a prevalecer.
A filiação múltipla, como também é denominada, é uma
forma de reconhecimento no campo jurídico, já que é notório
que, o que está acontecendo no mundo dos fatos confirma a
existência do direito da criança e do adolescente à convivên-
cia familiar por meio da paternidade biológica e da paterni-
dade socioafetiva.
No entanto, é justo ressaltar que é de extrema impor-
tância para a concretização dessa parentalidade múltipla que
haja uma relação vinculante entre os atores, ou seja, os pais

135
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

e o filho de pais múltiplos. Assim, a multigeração está direta-


mente relacionada ao princípio do sentimento constitucional
indireto. Portanto, múltiplas linhagens só podem ser reconhe-
cidas se houver laços afetivos entre uma das partes.
Em vista disso, Madaleno entende “[...] parentalidade
científica só pode ter sentido como relação de filiação quando
coincidir com a vinculação afetiva, jamais invertendo esses va-
lores, muito menos se a intenção se traduz em gerar dinheiro
no lugar de amor”. (MADALENO.2011 Apud FRÓES e SCH-
MITT SANDRIS).
Nesse sentido, o profº. Chistiano Cassettari ensina que
não constitui multiparentalidade a hipótese de a pessoa ter
duas mães ou dois pais em seu assento de nascimento, pois
ela pressupõe três ou mais pessoas no registro de nascimento
como pais. (Cassettari 2015, p. 159)
Assim, neste mesmo sentido, Endres (2016) expõe que
a multiparentalidade difere da biparentalidade paterna ou ma-
terna, que são os casos em que há somente dois pais ou duas
mães, que são comuns nos casos de relações homoafetivas.
Cabe ressaltar também que, obo (2018) afirma também, os
efeitos jurídicos próprios da tese do tema de repercussão ge-
ral 622 do STF, sobre a multiparentalidade e seus efeitos, que
restringem à parentalidade socioafetiva na hipótese de posse

136
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

do estado filho, não abrangendo a adoção ou a filiação assis-


tida heteróloga.

4.1.1 DO PÁTRIO PODER AO PODER FAMILIAR

Até o momento, percebe-se que os direitos familiares,


principalmente as instituições familiares, passaram por diver-
sas mudanças do ponto de vista existencial, com foco na pes-
soa e sua relação afetiva com o mundo, essas mudanças fo-
ram baseadas em princípios constitucionais e civil-constituci-
onais.

Em relação aos aspectos do desenvolvimento


físico, nessa fase o crescimento aumenta con-
sideravelmente, porém, é mais lento que o pe-
ríodo anterior. Geralmente os meninos são mais
altos e pesados que as meninas. Os sistemas
muscular, nervoso, respiratório, circulatório e
imunológico estão em processo de amadureci-
mento e todos os dentes já estão presentes.
Também nesse período o desenvolvimento mo-
tor avança rapidamente, sendo que as crianças
progridem em suas habilidades motoras gerais
e refinadas e na coordenação entre olhos e
mãos. A preferência pelo uso das mãos é evi-
dente a partir do terceiro ano” (PAPALIA; OLDS,
2000)

É importante notar que no contexto do Código Civil de


1916, a família era chefiada por um homem, baseado na au-

137
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

toridade da descendência e do casamento, que se caracteri-


zava assim pelo patriarcado que imperava na época. Dentro
da tradição religiosa, havia uma forte associação com a ideia
de casamento e procriação. A família era assim formada pelo
casamento, com exclusão de outros modelos, e uma de suas
principais funções era a reprodução. Portanto, as crianças
eram determinadas pelo parentesco e pela biologia.
Porém o Código Civil de 2002 e a Constituição Federal
de 1988 adaptaram-se às mudanças ocorridas na sociedade
e tomaram como princípios básicos o afeto, a solidariedade e,
sobretudo, a dignidade da pessoa humana. Assim, as relações
socioafetivas teriam, em tese, a prerrogativa de contar com
maior valorização do que as consanguíneas, reconhecendo-
se que existem vários modelos de família e que todos mere-
cem proteção nacional sem qualquer hierarquia entre eles, re-
sultando, dessa forma, um passo além do determinismo bioló-
gico.
Esta nova estrutura social fez também com que os prin-
cípios da igualdade de gênero, observado no artigo 226, § 5°,
e os interesses das crianças e dos jovens, artigo 227, tomas-
sem conta do texto da Constituição Federal de 1988.
Uma vez que agora temos direitos e responsabilidades
iguais de homens e mulheres casados e uma vez que estes
dois são responsáveis pelo desenvolvimento saudável e feliz

138
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

de seus filhos, não faz sentido falar em autoridade parental.


Essa definição foi abandonada e o termo “poder familiar” foi
acrescentado ao Código Civil de 2002, que não foi conside-
rado o mais adequado, pois é severamente criticado.
Em suma, o poder familiar consiste nos direitos e res-
ponsabilidades que os pais têm em relação aos filhos. No en-
tanto, é seguro dizer que há mais dever do que poder nos dias
de hoje, falando-se em responsabilidade.
Mudanças também foram feitas na Lei da Infância e da
Juventude, que deixou de ser uma instituição mestre e passou
a ser uma instituição assistencial. O profº. Carlos Roberto
Gonçalves (2017, p. 597), salienta que “o poder da família
nada mais é do que o dever público imposto pelo Estado aos
pais de controlar o futuro dos filhos”.
Assim, observa-se que a expressão utilizada anterior-
mente não corresponderia à situação atual, referindo-se à mu-
dança de posição da mulher, onde ela se tornou plenamente
apta para o trabalho, entendendo-se que o pai não é a única
autoridade. Nesse sentido, a instituição do poder familiar ga-
nhou um novo significado, que conforme o Profº. Silvio Rodri-
gues (Direito Civil, cit., v.6, p. 356), o poder familiar “é um con-
junto de direitos e obrigações conferidos aos pais em relação
às pessoas e bens dos filhos emancipados para sua prote-
ção”.

139
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

Nas palavras de Paulo Luiz Netto Lobô (n. 24. Síntese.


2004, p. 139.), o termo "poder familiar" é mais adequado do
que "poder patrimonial" utilizado no Código de 1916, mas
ainda não é o mais adequado, pois ainda se refere ao “poder".
Em leis estrangeiras, como a da França e da América do
Norte, a "autoridade parental" foi escolhida porque o conceito
de autoridade refere-se ao cumprimento de uma obrigação le-
gal com base nos interesses de outra pessoa, e não na coer-
ção física ou psicológica típica de autoridade, concluiu-se,
dessa forma que, a autoridade do pai colocava o poder ape-
nas no homem que era o chefe da família, de modo a reforçar
a desigualdade das famílias, custo de criar uma instituição
mais aceitável com poder familiar independente de ambos os
pais.
Embora esta instituição seja uma instituição legal cons-
titucionalmente protegida e regulamentada em livros próprios
na codificação Civil de 2002, a legislação nacional não possui
um conceito claro da palavra "família" devido ao seu signifi-
cado, vindo está a receber diversas conotações doutrinárias
ao longo do tempo:

A conceituação de família oferece, de plano, um


paradoxo para sua compreensão. O Código Civil
não a define. Por outro lado, não existe identi-
dade de conceitos para o Direito, para a Socio-
logia e para a Antropologia. Não bastasse ainda

140
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

a flutuação de seu conceito, como todo fenô-


meno social, no tempo e no espaço, a extensão
dessa compreensão difere nos diversos ramos
do direito. (VENOSA, 2010, p.01)

Quando o vínculo afetivo é reconhecido como princípio


e, por vezes, direito fundamental do direito de família, ocorre
uma mudança de paradigma que dá valor e lugar ao vínculo
como algo que permeia todas as relações familiares. Por isso
se diz que as relações de parentesco são menos importantes
do que aquelas que surgem dos vínculos de apego e da vida
familiar. A afetividade é o elemento central e definidor da união
familiar.
O poder familiar tem raízes distantes. No direito ro-
mano, que é a base da legislação moderna era vista como
uma espécie de cabeça absoluta. Os membros da família (es-
posa, filhos e escravos) eram “propriedade” do pai que podia
vendê-los, puni-los e até matá-los, ou seja, a Pátria Potestas
romana continha o poder de vida ou morte. Os membros da
família não tinham bens porque não tinham capacidade legal,
sendo todas as propriedades pertencentes ao pai, embora,
hoje possa ser observado o amor, esse vínculo afetivo não
uniu a família, ou seja, era um dever cívico.

Embora não tenha influenciado inicialmente o


Ocidente, é considerada a fonte original do prin-

141
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

cípio da proteção integral das crianças. Ele en-


tendia o poder da família como o poder dos pais
e o dever de proteger o grupo familiar. Difere da
Pátria Potestas romana por sua natureza tempo-
rária (o poder existe até certo ponto na vida da
criança), pela participação da mãe e pela capa-
cidade dos filhos de possuir bens. (GRISARD FI-
LHO, 2009, p. 38.).

Ao mesmo tempo, em decorrência da urbanização, da


revolução industrial e da reestruturação dos valores sociais
que vieram com o feminismo, o patriarcado foi esvaziado e,
portanto, abandonado e o poder paterno foi transformado e
renomeado, portanto, “poder familiar”, é nomenclatura aceita
pela doutrina e legislação brasileira.
No Brasil, a influência romana estendeu-se dos Decre-
tos do Reino de 1823 ao Código Civil de 1916. Segundo a
tradição patriarcal, a lei conferia autoridade paterna apenas
ao pai. Em 1962, surge a Lei 4.121, que muda o entendimento
e dá à mãe a oportunidade de participar com o pai como com-
panheira no exercício do poder paternal. A redação do art. 380
do Código Civil de 1916, após a entrada em vigor da referida
lei expressa que:

Art. 380. Durante o casamento compete o pá-


trio poder aos pais, exercendo o o marido com

142
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

a colaboração da mulher. Na falta ou impedi-


mento de um dos progenitores, passará o outro
a exercê-lo com exclusividade.
Parágrafo único. Divergindo os progenitores
quanto ao exercício do pátrio oder, prevalecerá
a decisão do pai, ressalvado à mãe o direito de
recorrer ao juiz, para solução da divergência.
(CÓDIGO CIVIL, 1916)

Essa Lei é um exemplo da mudança de entendi-


mento, dentre muitas outras que foram elaboradas e altera-
das pela Lei de 1916, tornando-se a legislação que deu ori-
gem ao Novo Código Civil de 2002. Além disso, a Constitui-
ção Federal de 1988 trouxe inovações inspiradas em novos
valores sociais que questionou a existência de um código
tão desatualizado.
A Constituição Federal introduziu inovações como: 1) a
família não vem mais apenas do casamento; 2) homens e
mulheres são iguais em termos de direitos e deveres, inclu-
sive em relação ao casamento; 3) igualdade dos filhos, legais
ou não, biológicos ou não.
Confirmando, dessa forma, a abertura do modelo de
família, a vitória do afeto sobre o determinismo biológico e a
igualdade dos cônjuges no casamento e entre os pais na pa-
ternidade. O Estatuto da Criança e do Adolescente, Lei nº
8.069/90, que leva em conta os novos valores constitucionais,
elege ambos os pais como destinatários do poder familiar e

143
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

enfatiza o objetivo de proteger os menores.

4.2 SOCIOAFETIVIDADE

A afetividade social é uma expressão criada pelo direito


brasileiro, que representa uma relação entre duas ou mais
pessoas caracterizadas por um forte vínculo afetivo e pelo
cumprimento dos deveres e cargos de pai, filho ou irmãos.
O conceito de conexão social começa com a paterni-
dade, mas provavelmente se estende à maternidade e a todos
os parentes, dessa forma, estende-se que a ideia para a pa-
ternidade com impacto social. A realidade das relações afeti-
vas que se desenvolvem ao longo da vida e se tornam um fato
jurídico não pode ser negada, seja a criação de famílias con-
jugais ou parentais. Por meio da relação familiar socioafetiva,
a mãe-pai pode ser mensurada em todas as suas especifici-
dades.
Ao admitir a multiplicidade de vínculos parentais, tais
decisões vinham relativizando a polêmica que, há décadas rei-
nava na academia e nos tribunais, em torno do conflito entre a
parentalidade biológica e a socioafetiva, verdadeira “escolha
de Sofia” (TARTUCE, 2014).
A ideia que vinha se firmando no Superior Tribunal de
Justiça levava em consideração quem tomava a iniciativa para

144
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

solicitar, em juízo, a constituição do um novo vínculo ou a des-


constituição do existente na ação negatória de parentalidade
proposta pelo pai registral ou por seus herdeiros, deveria pre-
valecer a socioafetividade ao passo que, na ação de investi-
gação proposta pelo filho, prevalece o laço biológico.

No entanto, no início de 2015, a 3ª Turma do STJ en-


tendeu por unanimidade que o pai registrado pode perder a
paternidade, contrariando a verdade biológica, se houver erro
de consentimento no registro, ainda possível manter um amor
inquestionável depois de morar junto.

Além das hipóteses investigadas, cabe destacar que as


técnicas de reprodução assistida heteróloga, que também po-
dem levar ao parentesco múltiplo, o que amplia sobremaneira
o universo de eventos capazes de configurar diversas linha-
gens.

Portanto, é possível afirmar que o vínculo genético não


é a única premissa verdadeira para que a filiação seja reco-
nhecida, pois concentra-se apenas na herança consanguínea.
Sendo assim, desvincular outros liames parentais da compo-
sição familiar como, por exemplo, adoção e parentalidade so-
cioafetiva, é fechar os olhos e ser omisso diante de realidades
sociais que precisam ser devidamente resguardadas pelo di-
reito brasileiro.

145
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

4.2.1 RESPONSABILIZAÇÃO CIVIL

O princípio da afetividade trata do princípio que coloca


o amor como valor jurídico e fator importante na formação da
estrutura familiar. Para proteger esse princípio, é preciso ob-
servar a situação real e analisar o comportamento das partes,
ou seja, buscar a objetividade a partir da subjetividade carac-
terística das relações.
Apesar de não constar explicitamente na legislação
brasileira, sabe-se que está implícito na Constituição Federal
de 1988, no Código Civil e em outras normas que compõem o
ordenamento jurídico. Neste sentido, Lobo esclarece:

O princípio da afetividade especializa, no âmbito


familiar, os princípios constitucionais fundamen-
tais da dignidade da pessoa humana (art. 1º, III,
CF) e da solidariedade (art. 3º, I, CF), e entre-
laça-se com os princípios da convivência fami-
liar e da igualdade entre cônjuges, companhei-
ros e filhos, que ressaltam a natureza cultural e
não exclusivamente biológica da família. (LÔBO
2012 apud SOUZA 2018, p.12).

Além disso, segundo José de Oliveira Ascensão, em


seu livro, O direito: introdução e teoria geral. 13. ed. Coimbra:
Almedina, 2005, “os princípios são Orientações importantes
que decorrem não só do complexo jurídico, mas de todo o or-
denamento jurídico”, pelo que os princípios são a base do or-
denamento jurídico e geram consequências concretas para a

146
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

sociedade. Assim, embora o princípio da afetividade seja ape-


nas insinuado, a sensibilidade dos advogados em suas deci-
sões pode revelar que o amor é um princípio em nosso sis-
tema. E sobre o princípio da afetividade, a Constituição Fede-
ral de 1988 demonstra:

Art. 226. A família, base da sociedade, tem


especial proteção do Estado.
§ 4º Entende-se, também, como entidade fami-
liar a comunidade formada por qualquer dos
pais e seus descendentes. (BRASIL, 1988).
Art. 227. É dever da família, da sociedade e do
Estado assegurar à criança, ao adolescente e
ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à
vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao
lazer, à profissionalização, à cultura, à digni-
dade, ao respeito, à liberdade e à convivência
familiar e comunitária, além de colocá-los a
salvo de toda forma de negligência, discrimina-
ção, exploração, violência, crueldade e opres-
são. (Redação dada Pela Emenda Constitucio-
nal nº 65, de 2010)
§ 6º Os filhos, havidos ou não da relação do ca-
samento, ou por adoção, terão os mesmos di-
reitos e qualificações, proibidas quaisquer de-
signações discriminatórias relativas à filiação.
(BRASIL, 1988)

Uma vez que o princípio da afetividade está vinculado


a outros princípios constitucionais entre os indivíduos que
compõem a instituição da família, a posição do afeto como um
dos principais pilares da definição da família torna-se ainda

147
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

mais evidente e torna-se uma importante base jurídica. Assim


como explica, Jackelline Fraga Pessanha:

A família é a base da sociedade brasileira, haja


vista ser ancorada primeiramente em laços de
afeto, sabendo-se que o amor é o elo da comu-
nhão de vida plena entre pessoas, de forma pú-
blica, contínua e duradoura. (...) Afeto significa
sentimento de afeição ou inclinação para al-
guém, amizade, paixão ou simpatia, portanto é
o elemento essencial para a constituição de
uma família nos tempos modernos, pois so-
mente com laços de afeto consegue-se manter
a estabilidade de uma família que é indepen-
dente e igualitária com as pessoas, uma vez que
não há mais a necessidade de dependência
econômica de uma só pessoa. (PESSANHA
2011, p.2).

Na medida em que o princípio da afetividade se rela-


ciona com outros princípios constitucionais fundamentais en-
tre aqueles indivíduos que compõem a instituição familiar, fica
ainda mais evidente a posição do afeto como um dos princi-
pais pilares na definição de família, tornando-se essencial e
base para as decisões jurídicas neste âmbito.
No entanto, não devemos esquecer o fato de que a
decisão de reconhecer uma pessoa quando seu filho nasce
tem várias consequências, tanto psicológicas quanto jurídi-
cas. No campo psicológico, é importante mencionar que se
você reconhece alguém como criança, você tem um dever
para com essa pessoa, que em sua maioria é criança. Este

148
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

reconhecimento é irreversível, por isso é uma decisão muito


séria e deve ser tomada com responsabilidade.
No campo jurídico, deve-se sempre lembrar que os fi-
lhos socialmente influentes têm os mesmos direitos (e obriga-
ções) que os filhos biológicos, como o direito à pensão ali-
mentícia, o direito à herança, o direito à guarda etc.
O referido artigo 1.593 do Código Civil guarda íntima
relação com o artigo 227, parágrafo 6º da Constituição Fede-
ral, que determina que “os filhos, havidos ou não da relação
do casamento, ou por adoção, terão os mesmos direitos e
qualificações, proibidas quaisquer designações discriminató-
rias relativas à filiação.” (BRASIL, 2002)
Assim, Lôbo, ensina que “a filiação não é um dado da
natureza, e sim uma construção cultural, fortificada na convi-
vência, no entrelaçamento dos afetos, pouco importando sua
origem”. (LOBÔ, 2011). Ao dar provimento ao pedido da pri-
meira inclusão do nome da mãe socioafetiva no registro de
nascimento do filho, o desembargador Alcides Leopoldo e
Silva Junior, do TJSP, refere que:

Não se evidencia qualquer tipo de reprovação


social, ao contrário, pelo caminho da legalidade
(diversamente da via comumente chamada de
“adoção à brasileira”), vem-se consolidar situa-
ção de fato há muito tempo consolidada, pela
afeição, satisfazendo anseio legítimo dos reque-

149
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

rentes e de suas famílias, sem risco à ordem ju-


rídica (TRIBUNAL DE JUSTIÇA SÃO PAULO,
2012, p. 5).

Ao legalizar a multiparentalidade essa passa então a


trazer efeitos, não só no cotidiano da vida da família, que se
sente realizada, pois conseguiu tornar existente na área jurí-
dica o que já existia na realidade fática, mas também acarreta
em efeitos jurídicos. A partir da inclusão do pai socioafetivo no
registro de nascimento, se estabelece a filiação do filho em
relação a este em conjunto com os pais biológicos, bem como
todos os seus efeitos.

4.2.2 ESTRUTURAS FAMILIARES

O parentesco múltiplo preserva o relacionamento fami-


liar primário que já existe. Grosso modo, a geração múltipla
permite que avós e netos, tios e sobrinhos, irmãos e irmãs
mantenham seus próprios direitos pessoais, preservando as
relações familiares existentes, portanto, não é uma ruptura,
mas um complemento. Nesse sentido, foi acatado um pedido
de adoção visando o reconhecimento do impacto social ao
omitir o nome do pai biológico do acordo civil referente à me-
mória do pai em relação à filiação múltipla.
O envolvimento subsequente do princípio da afetivi-

150
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

dade depende de relações sociais e emocionais entre os in-


divíduos que transcendem a biologia para reconhecer. Dessa
forma, um fato social é criado por meio do vínculo de convi-
vência entre pessoas que, conseguindo se adequar às regras
da sociedade, assumem a posição de pai/mãe diante de outro
indivíduo, que é chamado de filho.
Do ponto de vista da aplicabilidade do princípio do
afeto, o acima é um reconhecimento indiscutível de pertenci-
mento por laços afetivos. No entanto, vale ressaltar que nada
impede uma descendência parente que não termine em vín-
culos afetivos, pois um vínculo pode ocorrer independente-
mente da genética.
No entanto, como explicam Almeida e Rodrigues
(2012), o pertencimento socioafetivo exige, além da condição
familiar da mãe/pai, a intenção do genitor de se tornar pai ou
mãe legalmente reconhecidos. Esta compreensão é reconhe-
cida pelo enunciado 519 da V Jornada de Direito Civil, no ano
de 2012, o qual determina que: “O reconhecimento judicial do
vínculo de parentesco em virtude de socio afetividade deve
ocorrer a partir da relação entre pai(s) e filho(s), com base na
posse do estado de filho, para que produza efeitos pessoais
e patrimoniais”.
O Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) dispõe
em seu Art. 41 que a adoção atribui a condição de filho ao

151
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

adotado, com os mesmos direitos e deveres, inclusive suces-


sórios, desligando-o de qualquer vínculo com pais e parentes,
salvo os impedimentos matrimoniais. Assim, entende-se que
a adoção rompe o vínculo jurídico com a família natural, não
podendo o adotado no futuro reivindicar um direito que per-
tence à sua personalidade, por exemplo o direito ao pronome
dos pais biológicos, pois tal direito tem sido cortado, em outras
palavras, não há relação com a família natural, no entanto,
optar por adotar romperia outros laços familiares.
Por analogia ao previsto no artigo 47, parágrafo 4º do
ECA em relação a adoção, não constará nenhuma observa-
ção no registro sobre o ato. O filho manterá as relações de
parentesco com a família dos pais biológicos, e passará a ter
relações de parentesco com os parentes do pai socioafetivo.
Quando tratar-se de filho menor, incumbirá ao pai socioafetivo
o poder familiar em conjunto com os demais. Na prática em
muitos pontos o poder familiar já é exercido pelo(a) pai/mãe
socioafetivo(a), assim apenas se regularizará os demais
itens.
Assim caberá ao pai socioafetivo em relação ao filho
dirigir-lhe a criação e educação, tê-lo em sua companhia e
guarda, conceder-lhe ou negar-lhe consentimento para casar,
nomear-lhe tutor por testamento ou documento autêntico, se
os outros dos pais não lhe sobreviverem, ou os sobrevivos
não puderem exercerem o poder familiar; representá-lo, até

152
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

aos dezesseis anos, nos atos da vida civil, e assisti-lo, após


essa idade, nos atos em que for parte, suprindo-lhe o consen-
timento, reclamá-lo de quem ilegalmente o detenha e exigir
que lhe preste obediência, respeito e os serviços próprios de
sua idade e condição, como dispõe o artigo 1.634 e incisos do
Código Civil.

4.3 APLICABILIDADE JURÍDICA

Neste tópico será analisado o posicionamento dos tri-


bunais e o enquadramento da qualificadora.

4.3.1 POSICIONAMENTO DE TRIBUNAIS

Em 21 de setembro de 2016, o Supremo Tribunal Fe-


deral (STF) entendeu que a existência de paternidade socio-
afetiva não dispensa a responsabilidade do pai biológico. Se-
gundo o relator, ministro Luiz Fux, o princípio da paternidade
responsável exige que os vínculos afetivos entre os envolvi-
dos, bem como os de origem biológica, sejam comprovados
pela legislação, não havendo empecilhos ao reconhecimento
simultâneo das duas formas – socioafetivo ou biológico –
desde que seja no melhor interesse da criança.
A base da existência multiparental é que devemos criar
igualdade entre laços biológicos e afetivos. Nem sempre foi

153
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

assim, pois havia a percepção de que um registro se sobre-


punha a outro e que ambos não podiam coexistir. Isso pode
ser confirmado pelo seguinte aditamento à Reclamação Cível,
que foi condenado pelo TJRS:

Apelação cível. Recurso adesivo. Investigação


de paternidade cumulada com anulação de re-
gistro civil. Adoção à brasileira e paternidade so-
cioafetiva caracterizadas. Alimentos a serem
pagos pelo pai biológico. Impossibilidade carac-
terizadas a adoção à brasileira e a paternidade
socioafetiva, o que impede a anulação do regis-
tro de nascimento do autor, descabe a fixação
de pensão alimentícia a ser paga pelo pai bioló-
gico, uma vez que, ao prevalecer a paternidade
socioafetiva, ela apaga a paternidade biológica,
não podendo coexistir duas paternidades para a
mesma pessoa. Agravo retido provido, à unani-
midade. Apelação provida, por maioria. Recurso
adesivo desprovido, à unanimidade (TJRS;
Apelação Cível 70017530965; 8a Câmara; Rel.
Des. José S. Trindade; j. 28.6.2007; p.
5.7.2007).

A parentalidade socioafetiva e biológica são diferentes


porque ambas têm origens de parentesco diferentes. Se o
afeto social nasce do amor, o biológico nasce do sangue. Por-
tanto, não podemos esquecer que a existência de descendên-
cia biológica sem vínculo entre pais e filhos é completamente
possível, e, portanto, um não pode dominar o outro; pelo con-
trário, eles devem coexistir porque são diferentes.

154
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

Essa questão de ambos os pais morarem juntos é ex-


tremamente importante, porque senão abrimos a porta para
injustiças e pessoas que podem se aproveitar do desenvolvi-
mento da doutrina e da jurisprudência que fez do Brasil um
dos países mais desenvolvidos do mundo sobre este assunto,
para que possa ser mal utilizado.
A primeira forma de interpretação, que chamamos de
forma clássica, normal e consistente, diz que a descendência
biológica, relativa do testador, segue conforme a vocação he-
reditária escrita no art. 1.829 do Código Civil de 1829.
No entanto, acontece que a herança não quer ser par-
tilhada com os irmãos bastardos, os filhos do fundador de
uma tradicional joalharia tentam concretizar a tese de que os
filhos nascidos fora do casamento não podem herdar a he-
rança do pai de seu parente, pois não exercem influência so-
cial sobre ele.
Ademais, podemos utilizar também o argumento de
que o art. 1.698 do Código Civil determina que, sendo várias
pessoas obrigadas a prestar alimentos, todas devem concor-
rer na proporção dos respectivos recursos, ou seja, se um dos
pais pode suportar sozinho a pensão, deverá fazê-lo, pois
para o alimentado é ruim fracionar a sua necessidade entre
várias pessoas, o que aumenta o risco de inadimplemento.
Para a parte final desse artigo, que estabelece a possibilidade

155
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

de o réu, nesse caso, chamar as outras pessoas também obri-


gadas a integrar a lide, deve haver prova de que ele, genitor
escolhido, não tem condições de arcar, sozinho, com o paga-
mento da pensão, o que justifica a divisão. Essa é a posição
do STJ:

Civil. Alimentos. Responsabilidade dos avós.


Obrigação complementar sucessiva. Litiscon-
sórcio. Solidariedade. Ausência. 1 – A obrigação
alimentar não tem caráter de solidariedade, no
sentido de que “sendo várias pessoas obrigadas
a prestar alimentos todos devem concorrer na
proporção dos respectivos recursos”. 2 – O de-
mandado, no entanto, terá direito de chamar ao
processo os corresponsáveis da obrigação ali-
mentar, caso não consiga suportar sozinho o
encargo, para que se defina quanto caberá a
cada um contribuir de acordo com as suas pos-
sibilidades financeiras. 3 – Neste contexto, à luz
do novo Código Civil, frustrada a obrigação ali-
mentar principal, de responsabilidade dos pais,
a obrigação subsidiária deve ser diluída entre os
avós paternos e maternos na medida de seus
recursos, diante de sua divisibilidade e possibi-
lidade de fracionamento. A necessidade alimen-
tar não deve ser pautada por quem paga, mas
sim por quem recebe, representando para o ali-
mentado maior provisionamento tantos quantos
coobrigados houver no polo passivo da de-
manda. 4 – Recurso especial conhecido e pro-
vido (REsp 658.139/RS; Rel. Min. Fernando
Gonçalves; Quarta Turma; j. 11.10.2005, DJ
13.3.2006; p. 326).

O julgamento acima deixa claro que como o dever de

156
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

cuidado é divisível, aquele que pode convidar outros no pro-


cesso é alimentado, não alimentado, então aceitamos a pos-
sibilidade de livre escolha.

Multiparentalidade – excepcionalidade – melhor


interesse da Criança: 1. O propósito recursal diz
respeito à possibilidade de concomitância das
paternidades socioafetiva e biológica (multipa-
rentalidade). 2. O reconhecimento dos mais va-
riados modelos de família veda a hierarquia ou
a diferença de qualidade jurídica entre as formas
de constituição de um novo e autonomizado nú-
cleo doméstico (ADI 4.277/DF). 3. Da interpreta-
ção não reducionista do conceito de família
surge o debate relacionada à multiparentali-
dade, rompendo com o modelo binário de famí-
lia, haja vista a complexidade da vida moderna,
sobre a qual o Direito ainda não conseguiu lidar
satisfatoriamente. (...) 5. O reconhecimento de
vínculos concomitante de parentalidade é uma
casuística, e não uma regra, pois, como bem sa-
lientado pelo STF naquele julgado, deve-se ob-
servar o princípio da paternidade responsável e
primar pela busca do melhor interesse da cri-
ança, principalmente em um processo em que
se discute, de um lado, o direito ao estabeleci-
mento da verdade biológica e, de outro, o direito
à manutenção dos vínculos que se estabelece-
ram, cotidianamente, a partir de uma relação de
cuidado e afeto, representada pela posse do es-
tado de filho. 6. As instâncias ordinárias afasta-
ram a possibilidade de reconhecimento da mul-
tiparentalidade na hipótese em questão, pois, de
acordo com as provas carreadas aos autos, no-
tadamente o estudo social, o pai biológico não
demonstra nenhum interesse em formar vínculo
afetivo com a menor e, em contrapartida, o pai
socioafetivo assiste (e pretende continuar assis-
tindo) à filha afetiva e materialmente. Ficou com-

157
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

provado, ainda, que a ação foi ajuizada exclusi-


vamente no interesse da genitora, que se vale
da criança para conseguir atingir suas preten-
sões." REsp 1674849/RS

A partir da referida súmula, confirmou-se que não há


prazo para ajuizar a ação de paternidade, pois se trata ape-
nas de petição e, portanto, é impossível, mas há lei para su-
cessivos processos de petição.
A multiparentalidade é uma forma de reconhecer no
campo jurídico o que ocorre no mundo dos fatos. Afirma a
existência do direito à convivência familiar que a criança e o
adolescente exercem por meio da paternidade biológica em
conjunto com a paternidade socioafetiva.
Em decisão inédita no ano de 2012, o Tribunal de Jus-
tiça de São Paulo deferiu pedido para acrescentar na certidão
de nascimento de um jovem de 19 anos o nome da mãe so-
cioafetiva, sem ser retirado o nome da mãe biológica. Esta
morreu três dias após o parto, sendo que quando o filho tinha
dois anos o pai se casou com outra mulher, postulante da
ação em conjunto com o enteado.
O jovem sempre viveu harmoniosamente com o pai, a
madrasta, que sempre chamou de mãe, bem como com a fa-
mília de sua mãe biológica, que nunca fora esquecida. O filho
que sempre conviveu entre as três famílias tem agora um pai,
duas mães e seis avós registrais. Para melhor entendimento,

158
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

colaciona-se o recorte jurisprudencial da ementa do acórdão:

“EMENTA: MATERNIDADE SOCIOAFETIVA.


Preservação da Maternidade Biológica. Res-
peito à memória da mãe biológica, falecida em
decorrência do parto, e de sua família. Enteado
criado como filho desde dois anos de idade. Fili-
ação socioafetiva que tem amparo no art. 1.593
do Código Civil e decorre da posse do estado de
filho, fruto de longa e estável convivência, aliado
ao afeto e considerações mútuos, e sua mani-
festação pública, de forma a não deixar dúvida,
a quem não conhece, de que se trata de paren-
tes - A formação da família moderna não-con-
sanguínea tem sua base na afetividade e nos
princípios da dignidade da pessoa humana e da
solidariedade. Recurso provido.” (TRIBUNAL DE
JUSTIÇA DE SÃO PAULO, 2012).

A solução reafirma a liberdade da Constituição Federal


de 1988 pela parentela socioafetiva, que tem tanta relevância
jurídica quanto à verificação biológica, não havendo qualquer
exemplo de sobreposição entre uma e outra. O artigo 1.593
do Código Civil define que “o parentesco é natural ou civil,
conforme resultado de consanguinidade ou outra origem”.
(BRASIL, 2002).
Numa interpretação de textos legais, o dispositivo apre-
senta a percepção de que os laços afetivos são tão relevantes
quanto os laços consanguíneos. Em algumas situações os la-
ços afetivos tornam-se superiores aos laços consanguíneos,
pois são aqueles que efetivamente concretizam os elos fami-
liares: o amor mútuo, o respeito e a solidariedade. Dessa

159
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

forma, a multiparentalidade é plenamente aceitável juridica-


mente, promove a família e vem ao encontro do melhor inte-
resse da criança e do adolescente.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

É notório que a sociedade evolui e novos arranjos fa-


miliares vão surgindo no passar do tempo. Com a constante
mudança da humanidade, o afeto passou a ser reconhecido
juridicamente de maneira que se equipara ao vínculo bioló-
gico.
A pouco tempo a multiparentalidade tem seu reconhe-
cimento, apesar de sempre existir, sendo este, fruto da plura-
lidade de inúmeros arranjos familiares que na atualidade se
resguardam aos direitos concedidos de uma relação, inde-
pendentemente de como ela se originou.
A partir das grandes mudanças sofridas pela sociedade
brasileira no instituto jurídico do direito da família, vale ressal-
tar a mudança relacionada ao estado de filiação. Anterior-
mente, os filhos considerados legítimos eram os nascidos
dentro da instituição matrimonial.
É importante salientar que a multiparentalidade não
descarta os deveres advindos do vínculo biológico, como tam-

160
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

bém deve ser atribuída aqueles que são oriundos de um rela-


cionamento socioafetivo, não havendo qualquer hostilidade
entre o vínculo biológico e o afetivo.
É significativo o avanço no direito de família no decor-
rer dos anos sobre o assunto e o reconhecimento da multipa-
rentalidade pode ser considerada uma referência nesse pro-
gresso, expandindo o direito de forma erga omnes, exercendo
os inúmeros princípios presentes na Constituição Federal de
1988, como o princípio do melhor interesse da criança e do
adolescente, a dignidade da pessoa humana, o princípio da
afetividade, dentre outros.
Assim sendo, a multiparentalidade busca garantir todas
as obrigações e direitos àqueles que desejam o reconheci-
mento do instituto de maneira igualitária e afetiva para todos
que integram determinado grupo familiar.
Conclui-se, dessa forma, que o reconhecimento desta
instituição até hoje só confirma e torna mais claro o entendi-
mento de que só há positividades para quem tem essa von-
tade, esse livre arbítrio, cujo objetivo é estritamente o bem da
coletividade a criança.
É importante sublinhar que este estudo não pretendeu
esgotar esta temática, que tem grande predominância nos
processos judiciais e está em constante evolução, e que visa

161
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

apenas contribuir para o progresso da jurisprudência e esti-


mular possíveis estudos futuros sobre o tema assunto.

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164
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

5
O CONTROLE JUDICIAL SOBRE OS ATOS
ADMINISTRATIVOS DISCRICIONÁRIOS

JUDICIAL CONTROL OVER DISCRETIONARY


ADMINISTRATIVE ACTS

Natan Torrejon Valente9


Williane Tibúrcio Facundes10

VALENTE, Natan Torrejon. O controle judicial sobre os atos


administrativos discricionários. Trabalho de Conclusão de
Curso de graduação em Direito – Centro Universitário UNI-
NORTE, Rio Branco, 2023.

9
Discente do 9º Período do Curso de Bacharel em Direito pelo Centro
Universitário Uninorte.
10
Docente do Centro Universitário UNINORTE. Graduada em Direito
pela U:VERSE. Docente do Centro Universitário Uninorte. Especialista Psi-
copedagogia pela Universidade Varzeagrandense. Graduada em Letras
Vernáculas pela UFAC.

165
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

RESUMO

Este artigo busca analisar e tratar dos atos administrativos dis-


cricionários, bem como do controle judicial realizado sobre
eles. A fundamentação teórica foi extraída a partir de uma aná-
lise doutrinária, por meio de pesquisa de conceitos e entendi-
mentos. O método indutivo foi utilizado nas diversas fases de
investigação e tratamento de dados. Nas diferentes fases da
pesquisa foram utilizadas as técnicas da categoria, do refe-
rente, do conceito operacional, da pesquisa bibliográfica e do
fichamento. Verificou-se uma grande diversidade de entendi-
mentos quanto à possibilidade de intervenção judicial nos atos
administrativos discricionários. Por fim, constatou-se a legiti-
midade do controle judicial sobre os atos administrativos dis-
cricionários.

Palavras-chave: atos administrativos; dicionários; controle ju-


dicial.

ABSTRACT

This article seeks to analyze and address discretionary admi-


nistrative acts, as well as the judicial control performed over
them. The theoretical foundation was extracted from a doctri-
nal analysis, through research of concepts and understan-
dings. The inductive method was used in the different phases
of research and data treatment. In the different phases of the
research, the category, the referent, the operational concept,
the bibliographical research, and the registration techniques
were used. A great diversity of understandings was verified as
to the possibility of judicial intervention in discretionary admi-
nistrative acts. Finally, the legitimacy of judicial control over
discretionary administrative acts was verified.

Keywords: administrative acts; discretionary; judicial control.

166
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

INTRODUÇÃO

Os atos administrativos representam o instrumento por


meio do qual o administrador público gere o Estado. Nesse
sentido, expressa a própria exteriorização da vontade daquele
que, legitimado pelo povo, possui a função de administrar em
prol do interesse coletivo.
Em virtude da grande quantidade de atos administrati-
vos praticados diariamente e a importância para todos os ad-
ministrados, torna-se imprescindível a sua compreensão.
Embora a sociedade do século XXI possua relativa no-
ção sobre a gerência do Estado, bem como da dicotomia ad-
ministrador e administrado, os meios pelos quais essa relação
se desenvolve são pouco explorados. Entretanto, na esfera ju-
rídica, a discussão a respeito da atuação dos agentes públi-
cos, apesar de antiga, tem se intensificado.
A discussão sobre a atuação administrativa não pode
limitar-se ao âmbito jurídico. Faz-se necessário que o povo
não assuma exclusivamente o papel de legitimador de deci-
sões que lhe são alheias, mas que seja interveniente, pois o
conhecimento desses procedimentos é fundamental para o
exercício da cidadania.
Os representantes da vontade popular, democratica-
mente eleitos, devem concretizar a vontade do povo. Nesse

167
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

contexto, há a necessidade de instrumentos que sirvam a esse


papel, entre eles está o ato administrativo.
Os atos administrativos constituem ferramenta para
que o administrador público possa gerenciar o interesse Esta-
tal. Expressam, portanto, a própria vontade do administrado,
no sentido de garantir a prevalência do interesse público.
São inúmeros os atos administrativos praticados todos
os dias. É essa produção intensa que permite a condução do
Estado Democrático de Direito. Parte deles são estritamente
vinculados ao que a lei determinada, outros admitem a discri-
ção do administrador.
Acontece que, embora a sociedade do século XXI se
mostre mais inteirada das relações administrador-adminis-
trado, a discussão acerca dos mecanismos de condução do
Estado mantém-se ainda muito restrita ao âmbito jurídico.
Em razão disso, o estudo desse instituto, de suas espé-
cies e, principalmente, sua amplitude como forma de exercício
dos Poderes, sobretudo do Poder Executivo, bem como a in-
terferência do Poder Judiciário sobre seu aspecto discricioná-
rio, é de grande valia no contexto acadêmico e também fora
dele.
É que essa intensa atividade tem gerado um energético
debate sobre a possibilidade ou impossibilidade de o Poder
Judiciário imiscuir-se da discricionaridade daquele que produz

168
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

o ato. Seria essa uma interferência constitucional ou inconsti-


tucional?
Este trabalho possui por objetivo abordar o ato adminis-
trativo como instrumento de condução estatal e, em consonân-
cia, aclarar o fenômeno do controle judicial sobre os atos ad-
ministrativos discricionários.
A fim de realizar uma elucidação introdutória acerca do
tema, será realizada uma perspectiva sobre os atos em si, com
a sua conceituação e principais aspectos. Ato contínuo, será
produzido um deslindamento sobre a discricionariedade admi-
nistrativa e, finalmente, será discutida interferência do Judici-
ário sobre os atos administrativos discricionários.
A metodologia adotada será de natureza qualitativa,
partindo-se de uma ampla pesquisa doutrinária acerca dos
atos administrativos, bem como sobre a possibilidade de con-
trole e os seus respectivos limites, que permita o esclareci-
mento daquilo que concerne ao tema e a formação de uma
tese.
Para tal propósito, o método indutivo será empregado
nas fases de investigação e tratamento dos dados. Aliado a
isso, durante a pesquisa, far-se-á uso das técnicas do refe-
rente, da categoria, do conceito operacional, da pesquisa bi-
bliográfica e do fichamento.

169
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

O método de abordagem a ser adotado será o dialético,


uma vez que os métodos de procedimento comparativo, bibli-
ográfico, histórico e documental, procede à coleta de teorias,
muitas vezes contrárias, para formar uma tese que coaduna
com as constantes transformações sociais.
Por todo o exposto, nota-se que este trabalho não terá
por objetivo esgotar a ampla discussão sobre o tema, mas, ao
contrário, contribuir para esse debate ganhe maior amplitude,
para que a sociedade geral, não só a acadêmica, possa co-
nhecer e opinar sobre o assunto.

5.1 ATO ADMINISTRATIVO

No ordenamento jurídico do Brasil não é possível en-


contrar uma definição legal de ato administrativo. Em vista
disso, muitos autores criaram definições para o referido termo
e, embora alguns conceitos apresentem mais requisitos e ou-
tros sejam mais restritos, no geral, as definições mostram-se
semelhantes. Costa (2001) assevera que a finalidade pública
constitui requisito essencial do ato administrativo. Assim, o
princípio da supremacia do interesse público deve ser o cerne
da Administração Pública, a qual irá desenvolver suas ativida-
des por meio do ato administrativo.

170
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

Em consonância, Mello (2015), considerando a essen-


cialidade do Estado, afirma que o ato administrativo em sen-
tido amplo constitui expressão do Estado, ou de quem lhe faça
as vezes, a exemplo daquele que, apesar de ter caráter pri-
vado, assume o exercício de uma função pública.
Outra importante abordagem é a que faz Di Pietro
(2020) ao destacar que esses atos se sujeitam ao regime jurí-
dico administrativo e, portanto, carregam características espe-
cíficas, com as prerrogativas e restrições específicas do poder
público, por exemplo.
A autora menciona ainda que, em vista disso, os atos
de direito privado e os atos administrativos são totalmente dis-
tintos. Explica que esses últimos produzem efeitos jurídicos
imediatos, o que também os distingue da lei, dos atos norma-
tivos e dos atos judiciais.
Compreende-se dos conceitos expostos que, os atos
administrativos sempre serão produto da função administra-
tiva, exercida por aqueles que representam o Estado, legitima-
dos para exercer tal função.
Dessarte, cuida-se de um ato que representa a instru-
mentalização da função administrativa. Concretiza a relação
entre administrador e administrado e, por isso mesmo, faz-se
necessário que preencha requisitos e observe procedimentos
para estar dotado de legitimidade.

171
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

Nesse sentido, tendo em vista a importância desses


atos, torna-se imprescindível também tratar de alguns aspec-
tos essenciais, tais como os elementos e atributos que preci-
sam estar presentes para que um ato seja considerado admi-
nistrativo.

5.1.1 ELEMENTOS DO ATO ADMINISTRATIVO

Os elementos dos atos administrativos podem variar a


depender do doutrinador que os elenca. De todo modo, é im-
portante considerar, de forma geral, que alguns desses ele-
mentos são classificados como essenciais, independente-
mente de quem disserta.
O autor Mello (2015) atribui essencialidade aos elemen-
tos sujeito, forma, objeto, motivo e finalidade, pois considera
que são esses os elementos basilares, responsáveis por cons-
tituir o ato.
Quanto ao elemento vontade, Costa (2001) assevera
que, apesar de já ter sido considerado um elemento, a vontade
normativa é intrínseca tanto na norma quanto na vontade do
agente público, independentemente de se tratar de ato admi-
nistrativo discricionário ou não, pois mesmo nesses casos há
uma conexão entre a escolha e o que determina a norma.
Adiciona que aquilo que se entende por liberdade de
escolha no Direito Privado não o é no Direito Público, pois

172
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

neste último só é legítimo aquilo que a ordem jurídica autoriza,


enquanto que naquele tudo o que não for proibido será permi-
tido. Para o autor, no Direito Público a premissa é diferente,
volta-se para a vontade do ordenamento jurídico, traduzindo
princípios, valores e normas de cunho estatal.
Abordando especificamente cada um dos elementos
que compõem o ato administrativo, Mello (2015) conceitua o
objeto como a disposição jurídica do ato, ou seja, aquilo que
determina a lei é concretizado no ato e expresso pelo seu mo-
tivo. Em consonância, descreve o motivo como a situação, do-
tada de objetividade, capaz de autorizar ou exigir que o ato
seja praticado, sendo ele o fundamento fático do ato.
Quanto à finalidade, entende como sendo o bem jurí-
dico a que o ato deve atender, sendo esta sempre específica
para aquele ato. É considerado elemento teleológico, pois,
para ser previsto, o ato nasce com uma finalidade, a qual de-
verá ser perseguida.
Tratando desse tema, Di Pietro (2020) entende que o
ato administrativo, por ser uma espécie de ato jurídico, só
existe se capaz de gerar efeito jurídico. Isso é o que entende
por conteúdo do ato, seria a sua matéria, quer dizer, aquilo
que preenche o ato, qualificado para influir no ordenamento
jurídico.

173
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

A autora adiciona que a forma é aquilo que reveste o


ato, sua aparência, representa, pois, o aspecto externo. Su-
cede que não é sempre que a forma está pré-estabelecida, de
modo que às vezes pode ser livre, cabendo aquele que pratica
o ato revesti-lo da forma mais adequada.
O elemento que diz respeito ao legitimado para a prá-
tica do ato é o sujeito. Ao versar sobre ele, Di Pietro (2020) o
conceitua como aquele que assume uma posição ativa quanto
ao ato. Portanto, é aquele que cria, que inicia a existência, res-
ponsável pela sua gênese.
Esse elemento acaba assumindo uma posição essen-
cial porque é por meio do sujeito que o ato adquire e concretiza
seus demais elementos. É aquele que cria o ato que vai re-
vesti-lo de determinada forma. Ademais, é imprescindível que
o sujeito tenha competência para a prática daquele ato, pois,
caso contrário, será considerado ilegítimo.
Tendo isso em vista, cabe citar que Carvalho (2017) di-
vide os sujeitos do ato administrativo em agentes da Adminis-
tração e delegatários. Os agentes integram os órgãos que
compõem a Administração dos entes federados, no âmbito
dos Poderes Legislativo, Executivo e Judiciário. São assim
classificados também aqueles que fazem parte da Administra-

174
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

ção Indireta, composta por autarquias, sociedades de econo-


mia mista, fundações públicas e empresas públicas, exer-
cendo, assim, função considerada pública.
De outro lado, para o autor, os agentes delegatários são
assim classificados porque não fazem parte da estrutura orga-
nizacional da Administração. São aqueles que possuem o pa-
pel de desempenhar, por meio de delegação, uma função da
Administração, dispondo, pois, de legitimidade para criar atos
administrativos.
Tendo em vista que esses atos derivam da vontade da
Administração, contam com uma série de características que
os diferenciam dos demais atos que, por configurarem aspec-
tos diferencias, merecem ser abordados.

5.1.2 ATRIBUTOS DO ATO ADMINISTRATIVO

Tratando-se de atributos, tem-se que podem ser consi-


derados como qualidades dos atos administrativos, pois são
características que os diferenciam dos demais atos. A doutrina
atual considera a existência dos seguintes atributos: presun-
ção de legitimidade e veracidade, imperatividade, autoexecu-
toriedade e mérito administrativo. Di Pietro (2020, p. 4670),
abordando o assunto da presunção de legitimidade e veraci-
dade do ato administrativo, ensina o seguinte:

175
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

Embora se fale em presunção de legitimidade ou


de veracidade como se fossem expressões com
o mesmo significado, as duas podem ser desdo-
bradas, por abrangerem situações diferentes. A
presunção de legitimidade diz respeito à con-
formidade do ato com a lei; em decorrência
desse tributo, presumem-se, até prova em con-
trário, que os atos administrativos foram emitidos
com observância em lei. A presunção de vera-
cidade diz respeito aos fatos; em decorrência
desse tributo, presumem-se verdadeiros os fatos
alegados pela Administração. Assim ocorre com
relação às certidões, informações por ela forne-
cidas, todas dotadas de fé pública.

Importa esclarecer a razão de ser do atributo supra,


uma vez que essa dotação não foi criada para servir de legiti-
mação para abusos de poder, mas sim em razão do procedi-
mento formal que precede o nascimento do ato, bem como em
razão de emanar da figura do Estado soberano, é que se pre-
sume a legitimidade e veracidade.
Ainda aclarando sobre o atributo supra, a autora cita
como uma de suas consequências, a perduração do ato en-
quanto não declarada a sua invalidade pelo Poder Público,
produzindo efeitos enquanto e, por conseguinte, obrigando
aqueles a que se destina.
Em consonância, tem-se o atributo da imperatividade
que, para Mazza (2019), reflete a capacidade que o ato admi-
nistrativo possui para criar obrigações aos administrados, in-
dependentemente de anuência destes.

176
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

Adiciona que não se trata de atributo presente na tota-


lidade dos atos, pois alguns não contam com uma determina-
ção, é o caso dos atos administrativos enunciativos, permissi-
vos e os que concedem mera autorização.
Outro atributo considerado pela doutrina é a autoexecu-
toriedade, a qual possibilita que a Administração proceda à
execução de seus próprios atos, sendo prescindível, pois,
qualquer aval do Poder Judiciário para que o ato possa ser
concretizado.
Contudo, explica Di Pietro (2020), em relação a esse
atributo, é necessário parcimônia, pois não é a integralidade
de atos que dispõe do respectivo atributo, mas apenas aque-
les para os quais a lei prevê a auto execução.
Além dos casos de expressa previsão na lei, é possível
verificar a autoexecutoriedade nas hipóteses em que a urgên-
cia do ato autoriza que ele seja executado de plano, sendo
postergada a sua validação.
Por fim, cabe dissertar sobre o atributo tipicidade, o qual
traduz a obrigatoriedade da previsão em lei, para que um ato
administrativo seja criado. Nota-se uma clara correlação entre
a tipicidade e legalidade, pois aquele decorre desta.
Estando a Administração obrigada ao que dispõe a lei,
e tão somente ao que a lei autoriza, não há como existir um
ato que emana do exercício da função pública sem que a lei o

177
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

tenha previsto, pois, sendo de modo diverso, haveria grande


insegurança jurídica.
Por todo o exposto, verifica-se que os atributos dos atos
administrativos são particularidades que os diferem dos de-
mais atos. Essas características especiais derivam dos princí-
pios basilares do direito público, que norteiam toda a atividade
administrativa, quais sejam a supremacia do interesse público
e a indisponibilidade do interesse público.
Por emanarem da Administração, esses atos subme-
tem-se ao regime jurídico de direito público, destinando-se,
dessa forma, ao privilégio do interesse coletivo. Assim, é total-
mente incabível que esteja sujeito inteiramente à normas de
direito privado.
Em razão disso, diferencia-se atos administrativos de
atos de utilidade públicas, estes últimos, mesmo sendo de in-
teresse da sociedade, não se submetem ao regime de direito
público, ao contrário do que ocorre com os atos administrati-
vos:

Não custa nada observar que não é apenas o in-


teresse público concreto, ou o intento de benefi-
ciar a coletividade que caracteriza o ato adminis-
trativo. Alguns atos assemelham-se realmente a
atos administrativos, porque, em seu conteúdo,
estão direcionados ao atendimento de deman-
das da sociedade. Estando, porém, ao desam-
paro do regime de direito público, tais condutas
propiciam a prática de atos meramente privados;

178
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

são atos de utilidade pública, mas caracterizam-


se como atos privados, É o caso, por exemplo,
de atos praticados por agentes de algumas enti-
dades de caráter assistencial: mesmo voltados
para o público em geral, tais atos serão privados,
já que essas pessoas não têm vínculo jurídico
formal com a Administração, de onde se infere
que seus atos não estão subordinados ao regime
jurídico de direito público (CARVALHO FILHO,
2015, p. 103).

Todos esses conceitos, elementos e atributos diferen-


ciam os atos administrativos dos outros atos. Essa diferencia-
ção é importante em razão da essencialidade e ampla utiliza-
ção desse instituto no Estado Democrático de Direito.
Não se pode olvidar que por muito tempo o Estado era
administrado de forma autoritária, o poder se concentrava nas
mãos de uma ou de poucas pessoas, as quais criavam atos
sem qualquer vinculação à lei, exposição de motivos ou pres-
tação de contas.
Atualmente, os administrados dispõem de uma segu-
rança quanto aos atos que podem ser criados, os elementos
que devem estar presentes e os atributos de quem podem ser
dotados.
Percebe-se que o poder de escolha do administrado
tem sido cada vez mais diminuído. A necessidade de se ater
ao que prevê a norma, bem como respeitar os limites de liber-
dade que ela impõe, representa o avanço quanto à democra-
tização do Estado.

179
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

Isso posto, faz-se necessário esclarecer o que se deno-


mina de discricionariedade administrativa, uma vez que enten-
der do que se trata, bem como as limitações impostas ao po-
der decisivo do administrador público, permite compreender
como a democracia aparece nos atos administrativos.

5.2 ATOS ADMINISTRATIVOS DISCRICIONÁRIOS

Não há, na doutrina, um conceito pacífico de mérito ad-


ministrativo. Ademais, mesmo limitando o conceito ao âmbito
jurídico, a palavra pode assumir diferentes significados. Mazza
(2019) conceitua o mérito como a margem de liberdade que
os atos discricionários recebem da lei, o que possibilita ao
agente público, quando se depare com situações que extrapo-
lem a regulação legal, decidirem qual a melhor atitude a ser
adotada.
O autor considera que deve ser escolhida a melhor op-
ção dentre as possibilidades, pois há um juízo de conveniência
e oportunidade a ser realizado, o qual faz parte da própria fun-
ção administrativa. Justen Filho (2010) assevera que a expres-
são mérito, neste contexto, deve ser usada para apontar o
âmago da natureza decisória de que um ato administrativo é

180
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

dotado, o que somente é possível por meio de uma autoriza-


ção legislativa. São diversas as conceituações conferidas ao
termo mérito administrativo, dentre as quais destaca-se:

Nem todos os autores brasileiros falam em mé-


rito para designar os aspectos discricionários do
ato. Os que o fazem foram influenciados pela
doutrina italiana. É o caso de Seabra Fagundes
(1984:131) que, expressando de forma ade-
quada o sentido em que o vocábulo é utilizado,
diz que “o mérito se relaciona com a intimidade
do ato administrativo, concerne ao seu valor in-
trínseco, à sua valorização sob critérios compa-
rativos. Ao ângulo do merecimento, não se diz
que o ato é ilegal ou legal, senão que é ou não é
o que deveria ser, que é bom ou mau, que é pior
ou melhor do que outro. E por isto é que os ad-
ministrativistas o conceituam, uniformemente,
como o aspecto do ato administrativo, relativo à
conveniência, à oportunidade, à utilidade intrín-
seca do ato, à sua justiça, à finalidade, aos prin-
cípios da boa gestão, à obtenção dos desígnios
genéricos e específicos, inspiradores da ativi-
dade estatal (DI PIETRO, 2020, p. 496-497).

No mesmo sentido, Medauar (2000) afirma que o mérito


traduz o cerne do poder discricionário, o qual se perfectibili-
dade na conveniência e oportunidade do ato. É esse campo
decisório que serve para que o agente privilegie o interesse
público. Nota-se, portanto, que o mérito administrativo está to-
talmente correlacionado à discricionariedade do ato adminis-
trativo.

181
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

5.2.1 DISCRICIONARIEDADE

O termo discricionário significa discrição, arbítrio, ilimi-


tado, livre de condições ou restrições. No campo jurídico, dis-
cricionário caracteriza aquilo que é passível de discrição. O
conceito aplicado aos atos administrados é o de poder de de-
cisão do agente público (DISCRIONÁRIO, 2023).
Carvalho Filho (2015) deslinda que toda expressão de
vontade do administrador público na verdade é a vontade do
Estado e, por consequência, do próprio povo. Por isso mesmo,
todos os atos têm um motivo, são as razões, sejam de fato ou
de direito, que fizeram com que esse ato fosse se originassem.
O ato administrativo nasce com fundamento na lei, de-
vendo primar pelo interesse coletivo, de modo que o interesse
do agente público deve inexistir, prevalecendo sempre o obje-
tivo legal. De modo geral, a lei contempla todos os aspec-
tos do ato, de forma que o legislador já prevê toda a criação
do ato, não remanescendo nenhuma margem discricionária
àquele que irá concretizar o ato.
Sucede que a lei nem sempre contempla todos os as-
pectos do ato, nesses casos é que tem lugar a discricionari-
dade do agente. Por maior que seja o esforço do legislador
para regular todas as situações, bem como a integralidade dos

182
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

aspectos do ato, sempre haverá espaço para que o adminis-


trador possa adaptar o ato à realidade fática.
Contudo, dentro dessa discrição, a escolha não pode
ser aleatória, ou com base em motivos pessoais. Carvalho Fi-
lho (2015) dilucida que a discrição não deve ser desprendida.
Em que pese a ausência de regulação integral do ato, há as-
pectos do ato que serão sempre regulados, são aqueles que
concernem à forma, à finalidade e à competência do ato, os
quais serão sempre previstos em lei. Nesse sentido é que a
doutrina entende a discricionariedade no ato administrativo:

Se a situação de fato já está delineada na norma


legal, ao agente nada mais cabe senão praticar
o ato tão logo seja configurada. Atua ele como
executor da lei em virtude do princípio da legali-
dade que norteia a Administração. Caracterizar-
se-á, desse modo, a produção de ato vinculado
por haver estrita vinculação do agente à lei. Di-
versa é a hipótese quando a leu não delineia a
situação fática, mas, ao contrário, transfere ao
agente a verificação de sua ocorrência aten-
dendo a critérios de caráter administrativo (con-
veniência e oportunidade). Nesse caos é o pró-
prio agente que elege a situação fática geradora
da vontade, permitindo, assim, maior liberdade
de atuação, embora sem afastamento dos princí-
pios administrativos. Desvinculado o agente de
qualquer situação de fato prevista em lei, sua ati-
vidade reveste-se de discricionariedade, redun-
dando na prática de ato discricionário (CARVA-
LHO FILHO, 2015, p. 170).

183
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

É essa a máxima inerente ao ato administrativo discri-


cionário. O administrador está vinculado às disposições gerais
previstas em lei, e tão somente quanto ao que o legislador dei-
xou margem de discricionariedade é que haverá decisão, pau-
tada nos princípios de direito público.
É de grande valia deslindar o real significado da discri-
cionariedade porque não raras vezes, e de forma totalmente
equivocada, a possibilidade de escolha do agente público é
vista como um poder antidemocrático e autoritário, que as-
sume uma conotação negativa.
Fagundes (1991) assevera que administrar é, em sua
essência, aplicar a lei de ofício. Sendo assim, a discricionarie-
dade não significa ausência de lei, mas sim que a forma como
a lei disciplina aquele assunto faz surgir a necessidade de uma
maior atuação do agente público.
Dessa forma, mesmo quando decide de acordo com o
que julga ser o melhor, o julgamento nada mais é que a apli-
cação das normas jurídicas, não de modo totalmente vincu-
lado, mas sempre a fim de que sejam cumpridos os manda-
mentos legais.
A bem da verdade, para que haja a decisão, sobre boa
parte do ato já foi produzida lei. Por esse motivo é que não há
uma ação deliberada, pautada nas próprias ideias ou concep-
ções, mas de modo contrário, a escolha privilegia aquilo que

184
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

será mais benéfico para a sociedade como um todo, inclusive


para aquele que, por algum motivo seja afetado de forma ne-
gativa pelos efeitos do ato.
Isso posto, de maneira sintética, há elementos nos atos
que serão sempre vinculados, sejam eles discricionários ou
vinculados. De modo diverso, o mérito, verificado exclusiva-
mente nos atos discricionários, permite ao agente público ade-
quar o ato à realidade fática, atendendo aos princípios que
compõem o direito público.

5.3 CONTROLE JUDICIAL DOS ATOS ADMINISTRATIVOS


DISCRICIONÁRIOS

Conforme já exposto, o ato administrativo discricionário


deriva da atribuição, pelo Poder Legislativo, de margem de dis-
cricionariedade à Administração Pública. O jurista Cretella Jú-
nior (1975) correlaciona, como consequência direta do poder
de decisão atribuído à Administração Pública, o ato discricio-
nário. Nesse contexto, o define como manifestação unilateral
e concreta daquilo que é vontade do Estado.
O autor considera que a razão de ser dessa margem de
discrição reside na inviabilidade de que o agente, para cada
decisão a ser tomada, esteja completamente adstrito a minu-
ciosas regras, as quais o vinculem ponto a ponto, porque se

185
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

assim fosse, estaria fadado ao automatismo.


A discricionariedade é, de forma simples, a permissão
por meio da qual a norma possibilita ao órgão administrativo
decidir, dentro da realidade fática, a melhor postura a ser ado-
tada, sem olvidar que a Constituição perpetra por todos os âm-
bitos, e em todos os tipos de atos.
Di Pietro (2010) aduz que no direito brasileiro, a cons-
titucionalização do direito administrativo, analisada sob deter-
minado aspecto, sempre existiu. Afirma que se tornou notória
com a Constituição de 1934, com as disposições sobre o ser-
vidor público, responsabilidade civil do Estado, desapropria-
ção, mandado de segurança, ação popular, atribuição de ati-
vidades à competência exclusiva da União e a previsão de lei
sobre a concessão de serviços públicos.
Di Pietro (2010) avalia que, nas Constituições suces-
soras, a sistemática manteve-se, tornando-se extremamente
evidente na Constituição Federal de 1988, acentuando-se
conforme eram feitas as emendas constitucionais.
A autora destaca o fato de que foi introduzido um ca-
pítulo específico sobre a Administração Pública na Constitui-
ção, que prevê princípios a ela impostos já no início do artigo
37, abordando a ampliação das normas sobre servidores pú-
blicos, inclusive sobre seus vencimentos, proventos e pensão,

186
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

previsão de licitação para a celebração de contratos adminis-


trativos, ampliação da função social da propriedade para a
área urbana, além de muitas outras matérias de cunho admi-
nistrativo, evidenciando que essa constitucionalização é um
processo que iniciou há muito tempo.
Georges Abboud (2014) ensina que, na seara adminis-
trativa, embora o controle sobre as leis tenha sido intensificado
com o fenômeno do constitucionalismo e até pacificada a dis-
cussão sobre o tema, quanto ao controle dos atos administra-
tivos pelo Judiciário, o mesmo não aconteceu.
Entende o autor que, atualmente, é bem menos contro-
vertido o controle das leis, seja no aspecto material ou formal,
que dos atos administrativos, sobretudo porque, mesmo
quando o ato é considerado discricionário, haverá elementos
regulados que permitem o controle judicial.
A previsão legal desses elementos, anterior ao ato, é
que autorizaria, nos dizeres do autor, o controle externo da
atuação administrativa. O fundamento do controle seria justa-
mente a atribuição de discricionariedade pela lei, porque so-
mente nos seus estritos limites a discrição poderia ser exer-
cida. Por esse motivo é que muito se tem apontado esse con-
trole judicial como resposta aos abalos históricos à segurança
jurídica:

187
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

O controle judicial da discricionariedade adminis-


trativa, desse modo, não pode mais ser efetivado
apenas nas linhas limítrofes da verificação da le-
galidade estrita do ato administrativo em ques-
tão. Isto é, não basta ao Judiciário verificar se as-
pectos formais da composição do ato administra-
tivo estão em conformidade com a letra legal nor-
mativa. Não mais se aceita, em nome de inúme-
ros valores que estruturam o Direito – conforme
vastamente apontamos neste estudo – que o as-
pecto material do ato administrativo, com desta-
que ao seu teor discricionário, possa ficar fora da
análise jurisdicional. Assim, o que se conclui so-
bre o tema é algo muito simples e que guarda
coerência com o eixo estruturante desta tese: a
atividade discricionária estatal pertence ao uni-
verso da atuação pública do Estado, logo, não
pode estar dispensada da plena possibilidade de
correspondente controle jurisdicional, em todas
as dimensões possíveis, aptas a auxiliar o aten-
dimento dos objetivos da República estabeleci-
dos no art. 3° da CF/88 (FRANÇA, 2012, p.37).

De outro lado, queles que são contra a referida interfe-


rência, acredita que intervir na discricionariedade significa in-
terferência indevida em decisões políticas, o que feriria a inde-
pendência dos Poderes. Consoante Pinto (2018), os princípios
fundamentais previstos na Constituição Federal que embasam
a separação de poderes são concretizados pela divisão tripar-
tida das funções estatais, bem como pela manutenção de ór-
gãos autônomos e independentes em suas funções típicas e
o exercício de funções atípicas para possibilitar a fiscalização
e contenção dos demais poderes.
Neste cenário é que muitas vezes um Poder acaba por

188
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

interferir na esfera de atuação do outro. Entretanto, será abor-


dada a intervenção com foco naquilo que o Poder Judiciário
tem promovido nos atos administrativos originários do Poder
Executivo, sobretudo quando esses atos são dotados de dis-
cricionariedade.
De modo semelhante, Justen Filho (2010) discorre so-
bre o propósito da separação de poderes em tentar impedir o
desempenho autônomo da Administração. Entende que essa
função não pode desenvolver-se sem que esteja fundada na
lei. Cabendo ao Poder Judiciário proporcionar o efetivo cum-
primento e a guarda da Constituição.
Por isso é que existe a legalidade e o mérito, ambos
distintos entre si, mas coexistentes devido ao desmembra-
mento realizado entre as funções do Estado, bem como das
peculiaridades de que são dotados cada um dos Poderes. Há,
pois, a formação de um conjunto imprescindível ao desenvol-
vimento das funções estatais.
Cabe trazer à baila que, assim como há quem defenda
a interferência, há também aqueles que defendem a existência
da discricionariedade como de suma importância para garantir
a concretização da vontade da lei, com fundamento no fato de
que essa margem de escolha conferida ao agente público
pode ser extremamente prejudicial.
Para Vitorelli (2020), a discricionariedade é o Cavalo

189
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

de Troia do Estado de Direito, embora muitas vezes necessá-


ria. Para ele, o constitucionalismo pós-moderno, cada vez
mais embebido de conceitos jurídicos indeterminados, faz com
que diversos elementos, que antes compunham o universo da
escolha discricionária, passem a compor o universo da norma
e, com isso, sirvam de parâmetro de controle, não de liberta-
ção, deixando obscuro que tipo de conduta estão exigir do
agente.
Nada obstante, as funções de cada Poder não podem
ser invertidas. Ainda subsiste a atribuição constitucional da
Administração de promover os fins públicos:

Apesar do esforço teórico em se juridicizar o ato


administrativo discricionário, ainda não se che-
gou ao ponto de equiparar seu controle ao do ato
vinculado. Muito ao contrário. A questão da dis-
cricionariedade administrativa permanece como
uma necessidade não apenas teórica, mas tam-
bém técnica. A administração pública, mesmo à
luz da Constituição, continua responsável por
concretizar os fins públicos e por traçar os meios
adequados à consecução desses objetivos (OLI-
VEIRA, 2017, p. 220).

Nesse mesmo sentido é que Fagundes (2006) de-


fende a impossibilidade de que haja controle judicial sobre o
mérito do ato, pois entende que se trata de aspecto político.
Partindo deste entendimento, o mérito administrativo está ads-
trito à conveniência e à oportunidade e, por conseguinte,

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Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

imune à revisão por qualquer órgão do Judiciário, tendo em


vista a necessidade de se respeitar a margem de escolha do
agente público.
Ademais, verificou que ainda existem julgados repe-
tindo o mantra de que não cabe ao Poder Judiciário imiscuir-
se no mérito do ato administrativo, ou seja, verificar os aspec-
tos de conveniência e oportunidade:

Pela análise desses Julgados foi possível identi-


ficar um desbordamento de aspectos antes con-
siderados como passíveis de controle judicial dos
atos discricionários, assim como, um alarga-
mento do princípio da legalidade, para abranger
também a motivação e a finalidade do ato. Foi
ainda possível identificar uma maior incidência
de controle exercido com base em princípios
como a moralidade e a razoabilidade, dentre ou-
tros. Não obstante alguns julgados continuem a
mencionar o não cabimento do controle sobre os
aspectos de conveniência e oportunidade do ato,
essa ideia de um núcleo de discricionaridade, in-
suscetível de controle judicial, quer à luz da lega-
lidade, quer à luz dos princípios de Direito, não
mais pode subsistir em confronto com o inciso
XXXV, artigo 5°, da Constituição de 1988 (ANGI-
OLUCCI, 2014, p. 175).

O repensar da atividade judicial de controle não signi-


fica descuidar do funcionamento da gestão pública proba, ino-
vadora e eficaz. Compreendendo o Judiciário como instituição
mais adaptada para a execução de políticas públicas, faz-se
necessário acompanhar o desenvolvimento dos gestores e o

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Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

exercício desse papel de forma significativa, concretizando os


valores constitucionais.
Isto posto, independentemente da linha de entendi-
mento que se adote, seja ela no sentindo do amplo controle
dos atos administrativos ou da concessão de imunidade ao
mérito, a determinação constitucional da função típica de jul-
gar ao Poder Judiciário, e de administrar ao Poder Executivo,
não poderá ser infringida.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Por todo o exposto, nota-se que, em relação ao con-


trole judicial dos atos administrativos, o empenho deve ser no
sentido de evitar que o mérito extrapole os limites da discrici-
onariedade administrativa. Daí porque não basta a conclusão
de que esse controle é legítimo, é importante apontar qual a
sua dimensão.
O que este trabalho propõe é, acima de tudo, que o
controle judicial funcione como agente vigilante sobre a discri-
ção exercida nos atos administrativos. Não se faz necessário
que o Judiciário adentre ao mérito e decida sobre a oportuni-
dade e a conveniência, pois esta é função exclusiva do agente
público.

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Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

Contudo, é indispensável que, ao menor sinal de que


o mérito tenha ultrapassado as barreiras da discricionarie-
dade, recaindo, pois, em abuso de poder ou ilegalidade, haja
o devido controle jurisdicional, a fim de que seja preservado o
princípio da legalidade, bem como o da supremacia e indispo-
nibilidade do interesse público.
O controle excessivo é prejudicial, mas o devido con-
trole serve, e sempre servirá, ao eficiente funcionamento das
instituições e ao cumprimento das diretrizes principiológicas
dentro do Estado Democrático de Direito. A existência de um
Poder Executivo e de um Poder Judiciário não é em vão, mas
justificada na necessidade de que Poderes independentes e
harmônicos entre si exerçam essas diferentes funções dentro
do Estado.
O objetivo principal desta obra foi alcançado na me-
dida em que a simplicidade com que foi tratado o tema permitiu
a sua maior democratização. Tratar dos atos administrativos
por meio de uma análise histórica, descrevendo seus princi-
pais aspectos e versando sobre os seus diversos conceitos,
ocasionou o desenvolvimento de uma maior afinidade com o
tema, uma vez que nunca se pretendeu esgotar o debate, mas
apenas instigá-lo.
Desse modo, o estudo realizado permitiu a percepção
de que o radicalismo, consistente em adotar apenas a ideia de

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Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

total legitimidade do controle judicial ou de sua total ilegitimi-


dade, não é a postura que melhor privilegia o interesse cole-
tivo. Assim, restou demonstrado que o equilíbrio é o melhor
entendimento a ser adotado.

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TOMO I

Este livro reúne cinco artigos, na


área de Ciências Jurídicas,
redigidos por concludentes do
Curso de Direito da UNINORTE –
Ac, sob a supervisão do Profa. Esp.
Williane Tibúrcio Facundes.
EAC
Editor .

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