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Williane Tibúrcio Facundes

mostra de artigos
(organizadora)

CIÊNCIAS JURÍDICAS
na Amazônia Sul-Ocidental

EAC
Editor
Copyright © by autores, 2023.
All rigths reserved.

Todos os direitos desta edição pertencem aos autores. Nenhuma parte desse
livro poderá ser reproduzida por qualquer meio ou forma sem a autorização
prévia da organizadora pelo e-mail <willitiburcio@gmail.com >. A violação
dos direitos autorais é crime estabelecido na lei nº 9.610/98 e punido pelo art.
184 do Código Penal. As informações contidas em cada capítulo são de inteira
responsabilidade dos autores, bem como o alinhamento dos textos às normas
da ABNT e da ortografia gramatical da língua portuguesa.

CAPISTA E DIAGRAMADOR
Eduardo de Araújo Carneiro
eac.editor@ gmail.com

CONSELHO EDITORIAL DA OBRA


Dr. Eduardo de Araújo Carneiro
Dr. Elyson Ferreira de Souza
Me. Adriano dos Santos Lurconvite
Esp. Simmel Sheldon de Almeida Lopes
Esp. Arthur Braga de Souza
Esp. Ícaro Maia Chaim

E-BOOK

F143c FACUNDES, Williane Tibúrcio (Org.).


Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental: mostra de
artigos / Williane Tibúrcio Facundes (organizadora). – 1.
ed. – Rio Branco: EAC Editor, 2023. 311 p.; il. 14,8x21
cm. Tomo II; Vol. 1. (E-Book)
ISBN: 978-65-00-81562-7
1. Ciências Jurídicas; 2. Direito; 3. Amazônia ; I. Título.
CDD 340.07
SUMARIO

APRESENTAÇÃO 05

1. A INEFICÁCIA DO ESTATUTO DO DESARMA- 07


MENTO: A VIOLAÇÃO DO DIREITO CONSTITUCIO-
NAL À VIDA
Jonatan Freitas de Moraes
Williane Tibúrcio Facundes
2. TRÁFICO DE ÓRGÃOS 33
Jeronilson Aguiar dos Santos
Williane Tibúrcio Facundes

3. LEI N° 14.132/21, O ADVENTO DO CRIME DE 75


STALKING E SEUS EFEITOS JURÍDICOS A QUEM
O PRATICA
Ariane Cristina Vieira do Nascimento
Williane Tibúrcio Facunde

4. RESPONSABILIDADE CIVIL NO ABANDONO 127


AFETIVO VERSO
Aldrivana Domingos Ximenes
Williane Tibúrcio Facunde

5. PRINCÍPIO CONSTITUCIONAL DA FUNÇÃO 166


SOCIAL DA PROPRIEDADE
João Carlos Araújo Progênio
Simmel Sheldon de Almeida Lopes
“A base da sociedade é a justiça; o julga-
mento constitui a ordem da sociedade: ora
o julgamento é a aplicação da justiça”.
Aristóteles
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

APRESENTAÇÃO

A
presente obra reúne 06 (seis) artigos de con-
cludentes do curso do direito do Centro Univer-
sitário Uninorte, sob a organização da profes-
sora especialista Williane Tibúrcio Facundes, tendo também a
colaboração do professor especialista Símmel Sheldon de Al-
meida Lopes os quais foram escritos em coautoria com os au-
tores e abordam relevantes temas jurídicos, a saber.
Dentre os textos aqui presentes, o estudo aborda o prin-
cípio Constitucional da Função Social da Propriedade, que re-
quer que os proprietários usem seus bens de maneira benéfica
para a sociedade, equilibrando direitos individuais com inte-
resses sociais, ambientais e econômicos. Isso visa evitar pre-
juízos ao bem-estar público e promover desenvolvimento sus-
tentável e justiça social.
Outra temática estudada é sobre o tráfico de órgãos no
país envolve a compra, venda ou comércio ilegal de partes dos
órgãos humanos para transplantes ou outros fins médicos, re-
sultando em uma séria violação dos direitos humanos e em
consequências devastadoras para as vítimas envolvidas.
Segue tratando acerca da análise do Estatuto do De-
sarmamento e demonstrando suas falhas e ineficácia, uma
vez que foi criado para responder às necessidades do Estado
e aos anseios da sociedade brasileira ao buscar reduzir a cri-
minalidade no país por meio da limitação do acesso as armas
de fogo.

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Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

Outro tema abordado nesta obra será um breve estudo


acerca da responsabilidade civil no abandono afetivo dos fi-
lhos em relação aos pais na velhice, respaldando-se no prin-
cípio da dignidade da pessoa humana, nos direitos dos idosos
e na lei de responsabilização civil.
O presente artigo abrangerá a Lei 11.340/2006, dando
ênfase a Lei Maria da Penha, e conceitua a violência domés-
tica, onde será abordado o surgimento desta norma, e se ela
está sendo cumprida, desde a sua origem, aos dias atuais,
também é importante salientar os meios de assistências e pro-
teções para as vítimas.
E por fim, um estudo acerca do estudo da Lei
n14.132/21, que tipificou o crime de stalking, verbo em inglês
que significa perseguindo. É ressaltado os efeitos jurídicos
produzidos diante da conduta, como as penalidades, majora-
ções, incidências em outros crimes e minoração da pena, atra-
vés dos institutos despenalizadores.
Trata-se de uma obra coletiva e plural, que debate te-
mas interessantes à sociedade e, sem esgotar os assuntos,
promove reflexões a respeito de situações vivenciadas diaria-
mente em nosso corpo social. Daí se extrai a sua relevância.

Prof. Esp. Williane Tibúrcio Facundes


Docente do Curso de Bacharelado em Direito pelo Cento
Universitário Uninorte. Graduada em Direito pela U:Verse.
Especialista em Psicopedagogia. Graduada em Letras Vernáculas
pela Universidade Federal do Acre - UFAC.

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Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

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A INEFICÁCIA DO ESTATUTO DO DESARMAMENTO:
A VIOLAÇÃO DO DIREITO CONSTITUCIONAL À VIDA

THE INEFFECTIVENESS OF THE DISARMAMENT STATUTE:


THE VIOLATION OF THE CONSTITUTIONAL RIGHT TO LIFE

Jonatan Freitas de Moraes 1


Williane Tibúrcio Facundes2

MORAES, Jonatan Freitas de. A ineficácia do Estatuto do


Desarmamento: A violação do direito constitucional à
vida. Trabalho de Conclusão de Curso de graduação em Di-
reito – Centro Universitário UNINORTE, Rio Branco. 2023.

1
Discente do 9º período do curso de bacharelado em Direito pelo Centro
Universitário Uninorte.
2
Docente do Centro Universitário Uninorte. Graduada em Direito pela
U:VERSE. Especialista em Psicopedagogia pela Universidade Varzea-
grandense e Direito Digital pela Falculdade Metropolitana. Graduada em
Letras Vernáculas pela Universidade Federal do Acre- UFAC.

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Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

RESUMO

Introdução. É de grande entendimento que o Estatuto do


Desarmamento foi criado para responder às necessidades do
Estado e aos anseios da sociedade brasileira ao buscar
reduzir a criminalidade no país por meio da limitação do
acesso as armas de fogo. Objetivo. Diante desse contexto,
o objetivo geral delimitado consiste em apresentar o Estatuto
do Desarmamento e demonstrar suas falhas e ineficácia.
Método. A abordagem é quantitativa porque os dados foram
mensurados e quantificados. O estudo transversal descritiva
busca avaliar a frequência e distribuição de um tópico de
estudo em determinado grupo demográfico. Sabemos que as
etapas de um estudo abrangem o planejamento e a execução
que fazem parte de um processo sistematizado que
compreende etapas a serem executadas e detalhadas.
Resultados. O trabalho é de extrema relevância devido ser
de interesse nacional, e da sociedade, uma vez que o
apelidado Estatuto do Desamamento alcança em um direito
de âmbito social, além de proteger a incolumidade pública.
Conclusão. Verifica-se que a concessão do porte de armas,
é além de tudo, um ato discricionário da Polícia Federal.
Sendo assim a população que não atende as condições que
foram impostas pelo estatuto, não possui o direito de andar
livrementecom uma arma, mas só poderá possuir uma arma
se for em sua casa. E o resultado disso é o aumento do
número de homicídios a partir da referida lei.

Palavras-chave: desarmamento; estatuto; social.

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Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

ABSTRACT

Introduction. It is widely understood that the Disarmament


Statute was created to respond to the needs of the State and
the desires of Brazilian society by seeking to reduce crime in
the country by limiting access to firearms. Objective. Given
this context, the general objective is to present the Statute of
Disarmament and demonstrate its flaws and ineffectiveness.
Method. The approach is quantitative because the data was
measured and quantified. A descriptive cross-sectional study
seeks to assess the frequency and distribution of a study topic
in a given demographic group. We know that the stages of a
study include planning and execution, which are part of a sys-
tematized process comprising steps to be carried out and de-
tailed. Results. The work is extremely relevant because it is of
national interest, and of society, since the so-called Statute of
Disaffection reaches into a right of social scope, as well as pro-
tecting public safety. Conclusion. It can be seen that granting
the right to bear arms is, above all, a discretionary act of the
Federal Police. As a result, people who do not meet the condi-
tions imposed by the statute do not have the right to carry a
gun freely, but can only own a gun if it is in their home. The
result of this is an increase in the number of homicides since
the law was passed.

Keywords: disarmament; statute; social.

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Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

INTRODUÇÃO

É de grande entendimento que o Estatuto do


Desarmamento foi criado para responder às necessidades do
Estado e aos anseios da sociedade brasileira ao buscar
reduzir a criminalidade no país por meio da limitação do
acesso as armas de fogo. A lei nº 10.826 de 22 de dezembro
de 2003 sobre armas está em vigor há 15 anos e ainda é
duramente criticada, especialmente por sua potência. Nesse
contexto, se tornou um tema polêmico, pois seu objetivo
pretendia reduzir a criminalidade ao impor diversos
obstáculos à aquisição e porte de armas de fogo no Brasil.
A problematização da questão baseia-se no fato de
que o Brasil se encontra em um momento extraordinário em
que diferentes pessoas da sociedade estão defendendo a
política de desarmamento. Já que a questão está no centro
das divergências, com diferentes pontos de vista e opiniões,
em relação à restrição do acesso de civis às armas de fogo.
Mas essas não são as únicas linhas sobre as quais trabalha,
pois alguns institutos mostram como o Estatuto do
Desarmamento falhou em certos intentos, para os quais foi
aprovado, deixando milhares de vidas à mercê. Como
resultado, centenas de vidas são ceifadas a cada ano com

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Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

armas de fogo, masilegais oriundas da Bolívia e do Paraguai


e não armas legais registradas na Polícia Federal ou no
Exército Brasileiro.
Almeja-se que o leitor perceba que o Estatuto do
Desarmamento não foi eficaz para a população brasileira e
não obteve avanço na redução da criminalidade no país, além
disso que o ministro da justiça na época da criação da lei
10.826/2003, Márcio Thomaz Bastos em sua fala concluiu que
o estatuto do desarmamento não pretendia tirar arma de
bandidos, e por fim que o nordeste é a região mais desarmada
do Brasil e é a região com maior taxa de homicídios.
Atendendo aos atuais debates em torno da potência,
com a revogação do Estatuto em pauta, torna-se fundamental
entender esta legislação, os seus principais aspetos
conceptuais e característicos, bem como os seus resultados
práticos e observáveis durante a sua vigência, bem como os
posicionamentos dos advogados em relação à sua função
social. Para tanto, busca-se promover uma abordagem
adequada de elucidar todos os aspectos mais importantes do
estatuto do desarmamento sob um ponto de panorama crítico
quanto à sua força, relacionando a questão com as normas e
princípios constitucionais que dirigem o Estado Democráticode
Direito.
Desse modo, o trabalho é de extrema relevância

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Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

devido ser de interesse nacional, e da sociedade, uma vez


que o apelidado Estatuto do Desamamento alcança em um
direito de âmbito social, além de proteger a incolumidade
pública.

1.1 POLÍTICAS DE REGULAMENTAÇÃO DAS ARMAS DE


FOGO NO BRASIL

O índice de criminalidade só aumentou


sistematicamente desde a entrada em vigor do Estatuto, o
que tem causado especial relevância e atenção científica,
doutrinária, jurisprudencial e preocupação geral na esfera
social brasileira quanto à omissão do poder público, no
sentido de que o poder público tem diminuiu
significativamente. O número de crimes envolvendo morte
violenta por arma de fogo (Rebelo, 2015).
A partir de 2005 no Brasil , todas as armas de fogo de-
vem ser registradas com a idade mínima para posse de arma
de 25 anos . a certos grupos, como policiais. Para o cidadão
possuir uma arma legalmente, ele deve ter uma licença de
arma, que custa R$ 88,00 e pagar uma taxa a cada dez anos
para renovar o registro de arma. O registro pode ser feito on-
line ou pessoalmente na Polícia Federal (Brasil, 1997).
Até 2008, as armas não registradas podiam ser inicial-
mente registradas sem nenhum custo para o proprietário da

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Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

arma, a taxa de referência subsequente a cada década seria


então aplicada. O início das políticas de regulamentação de
armas de fogo no Brasil, surgiram ainda na época do Brasil
Colônia, em meados de 1530 a 1822 (Pavani, 2018). De
acordo com o acesso às armas, objeto de regulamentações,
em 1941, o porte de armas do Decreto-lei nº 3.688, de 3 outu-
bro, transversalmente em seu art. 19 discorresobre a posse ile-
gal de armas de fogo como uma contravenção penal, tendo
como punição, tão somente uma multa (Brasil, 1997).
Em 2005, a grande maioria da população brasileira vo-
tou contra a proibição da venda de armas e munições a civis
em um referendo. A Ordem Executiva nº 5.123, de 1º de julho
de 2004 permitiu que a Polícia Federal apreendesse armas de
fogo que não estivessem em seu porte por motivo justifi-
cado; legítima defesa não foi considerada um argumento vá-
lido.
Essas medidas tiveram resultados mistos. Inicialmente,
a taxa de criminalidade caiu, mas posteriormente aumentou
nos anos posteriores. O ano de 2012 marcou a maior taxa de
mortes por armas de fogo em 35 anos no Brasil, oito anos de-
pois que a proibição do porte de armas em público entrou em
vigor e 2016 viu o pior número de mortes por homicídio no Bra-

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Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

sil, com 61.619 mortos. O número de mortos aumentou nova-


mente em 2017 para 63.880, um aumento de 3,7% em relação
a 2016 (Facciolli, 2017).
Após o relaxamento das leis de armas em 2019 pelo
presidente Jair Bolsonaro , o número de mortes registradas
por homicídio foi 19% menor em relação a 2018 (51.558), en-
quanto em 2019 o número registrado foi de 41.635 sendo o
menor número de mortes por homicídio desde 2007. No en-
tanto, de acordo com especialistas, essa queda na taxa de ho-
micídios foi estimulada por várias causas, como políticas esta-
duais individuais, envelhecimento da população e uma trégua
entre organizações criminosas rivais. Nos dias atuais, esta-
mos soba vigência do estatuto do desarmamento, no entanto,
até ocorrer a promulgação da Lei 10.826/2003, ocorreram su-
cessivos normativos, baseados no Código Philippino, utilizado
durante o período colonial até o período imperial (Pavani,
2018).

1.1.1 INEFICÁCIA DO ESTATUTO DO DESARMAMENTO

De acordo com o Mapa da Violência 2015, do total de


armas no Brasil, 6,8 milhões são registradas e 8,5 milhões são
ilegais, com pelo menos 3,8 milhões nas mãos de criminosos.
Mais de 880.000 pessoas foram mortas por armas de fogo no

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Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

Brasil (seja por homicídio, suicídio ou tiro acidental) em 1980-


2012, de acordo com o Mapa da Violência de 2015. A última
pesquisa descobriu que 42.416 pessoas foram mortas por ti-
ros no país, o que dá uma média de 116 assassinatos todos
os dias (Nucci, 2009).
Em 2004, um ano após a promulgação do Estatuto do
Desarmamento, o número de homicídios por arma de fogo
caiu após mais de uma década de crescimento constante –
passando de 39.325 mortes em 2003 para 37.113 em 2004.
Com 15 milhões de armas (8 para cada 100.000 pessoas), o
Brasil ocupa a 75ª posição entre 184 países em número de
armas em posse de civis. Na pesquisa, conduzida pelo
Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crime
(UNODC) e pelo Small Arms Survey – um órgão internacional
que monitora o comércio de armas e conflitos armados em
todo o mundo – os Estados Unidos ficaram em primeiro lugar
com 270 milhões de armas em uma população de 318
milhões de pessoas (mais de 85 armas para cada grupo de
100.000 habitantes) (Facciolli, 2017).
De acordo com o Mapa da Violência 2015, do total de
armas no Brasil, 6,8 milhões são registradas e 8,5 milhões são
ilegais, com pelo menos 3,8 milhões nas mãos de criminosos.
Segundo o Ministério da Justiça, entre 2004 e julho deste ano,
671.887 armas de fogo foram entregues voluntariamente na

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Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

campanha “Entregue sua arma”, de acordo com o Estatuto do


Desarmamento (Jesus, 2017).
A munição usada pelos defensores da defesa do esta-
tuto do desarmamento é uma miríade de pesquisas e estudos
que mostram a eficácia das leis severas de controle de armas
e alertam contra o perigo de aumentar a disponibilidade de ar-
mas de fogo. No Mapa da Violência 2015, por exemplo, o pes-
quisador e sociólogo Júlio Jacobo Waiselfisz constatou que
160.036 vidas foram salvas graças ao maior controle de armas
introduzido pelo estatuto (Jesus, 2017).
Outro estudo, o Mapa das Armas de Fogo nas
Microrregiões Brasileiras, realizado por Daniel Cerqueira,
pesquisador do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada
(IPEA), constatou que um aumento de 1% no número de
armas de fogo em circulação pode aumentar em até
2%. Dados das Nações Unidas indicam que enquanto as
armas de fogo estão associadas a 40% dos homicídios
globais, no Brasil, 71% dos homicídios são causados por
armas de fogo (Facciolli, 2017).
Para enfrentar as ameaças ao Estatuto do
Desarmamento, 230 parlamentares formaram a Banca
Parlamentar de Controle de Armas, Vida e Paz, presidida pelo
deputado Raul Jungmann. O grupo espera contribuir para o
debate sobre a mudança de política para neutralizar a

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Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

influência da chamada “caucus da bala” (Nucci, 2009).


Segundo o levantamento do DataSUS preocupa
porque, nesta década e meia,as mortes violentas por armas
de fogo representaram 62% do total de assassinatos. Entre
1990 e 2004, a plataforma contabilizou 597.940 homicídios,
sendo 374.054 provocados por revólveres, pistolas e afins.
Agora, a realidade é diferente, e a quantidade de
brasileiros mortos por um ataque por bala desde o ano da
eleição, por si só, quase empata com o total de vidas
interrompidas desde 2005: 576.704 das 805.262 pessoas
mortas foram vítimas de tiro:

Figura 1: Gráfico de homicídios por arma


de fogo nos anos de 1992 a 2016

Fonte: IPEA (2020).

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Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

Nota-se (Figura 1) que de 1992 a 2016 os estados que


obtiveram mais homicídios por armas de fogo encontram-se
na região do Nordeste, sendo evidente os estados Ceará,
Piauí e Bahia, respectivamente.
Primeiramente, fala-se que arma de fogo impacta
negativamente na violência, e que vai aumentar os índices de
homicídios, porém não há relação nenhuma, pois afirmam
que a arma de fogo foi criada só para matar e não foi. A arma
é utilizada principalmente como uma grande possibilidade de
armamento de defesa, feita apenas para se defender.
Além disso, a mídia costuma expor que as armas
mistas vão parar nas mãos do crime organizado, sendo que,
isto é uma grande falácia, pois o armamento que bandidos
possuem são armamentos proibidos, o traficante não está
dando tiro nomorro de revólver calibre 38.
O que se observa diante essa situação, é que em
100% das afirmações desarmamentistas, são sempre
narrativas em cima de narrativas, sempre falácias e achismos
e sem lastro para estabelecer uma relação que cause efeito.
Deveras, quando defende-se o direito do cidadão de
bem ser respeitado, vai muito além do direto do cidadão de
escolher ter uma arma ou não, a grandeverdade é que houver
comprovações histórias, será possível enxergar que todas as
ditaturas que aconteceram no mundo foram procedidas por

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Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

um desarmamento.
A Ucrânia tornou-se um exemplo disso, é notável que
existe um governo distribuindo armas para as pessoas por
motivos de estarem todos desarmados. Com isso, a Polônia
tem revido sua legislação de controle de armas e tem criando
centros para as pessoas aperfeiçoarem seus treinamentos,
tudo isso por motivos de obterem medo de uma invasão. Já a
Suíça, por exemplo, que conseguiu obter êxito em se
defender, os nazista não conseguiram atingir seu objetivo
porque o país fornecia treinamento aos seus soldados.
O Texas que possui os seus clubes de tiro commais
membros do que qualquer exército do mundo, fortalece a
soberania de umpovo, então observa-se de cara que o Brasil
apresenta duas ameaças: a de uma ditadura e de um inimigo
externo que pode eventualmente nos usurpar das riquezas
naturais.
O desarmamento se tornou uma ponte para isso, além
disso, existe o fator primordial de que o desarmamento foi feito
para salvar vidas, a pergunta é: Que vidas que foram salvas
com o desarmamento?. Dessa maneira, percebe-se que as
únicas vidas que foram e poderão ser salvas, são dos
delinquentes, malfeitores e criminosos, justamente porque
houve um desarmamento da vítima, aumentando a
probabilidade da criminalidade atuar tranquilamente, adentrar

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Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

casas e cometer todo e quaisquer tipo de atrocidades e delitos.


As pessoas estão acondicionadas ao acovardamento,
então quando a sociedade precisa se impor/enfrentar uma au-
toridade e/ou um ilícito, uma injustiça, os cidadãos possuem
medo por estarem acondicionados a não reagir a qualquer
coisa. Entretanto, isso tem um efeito prático e de grande ma-
lefício, que é o enfraquecimento das instituições e as mesmas
passam por uma crise formidável, uma vez que nenhuma pes-
soa se levanta contra, ou seja um conjunto de pessoas aca-
bam se acovardando e o grande desafio é que existem pes-
soas de bem que são desarmamentistas.
Então, se um cidadão de bem pretende defender a
sua vida, família e seu patrimônio, é fundamental que obtenha
acesso a um meio legítimo apto para realizar essa defesa
imediata.
Consequentemente, a arma é igual a qualquer outra
arte marcial, é necessário treinar e aprender a manusear.
Compara-se a dirigir, para se tirar uma habilitação, é
necessário aprender primeiro, ou seja, precisa-se de aulas e
quando finalmente se aprende, éfundamental que o treino vire
uma rotina para se utilizar de forma adequada o seu
equipamento de defesa, pois, se não acontecer desta forma,
não faz jus comprar uma arma de fogo e deixá-la sem
utilidades na gaveta.

20
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

Por fim, o conteúdo desta temática tem como


finalidade expor o tratamento normativo legal dado às
diversas condutas relacionadas à movimentação de armas de
fogo, munição e acessórios, que foram elevadas a categoria
de crimes com o advento da Lei n. º 10.826/03. Como Estatuto
não definiu qual tipo de arma de fogo é permitido ouso para as
pessoas físicas ou cidadão civil, o artigo 10 do Decreto n. º
10.030/1997 definiu qual será a arma de uso permitido.
Raciocinando pela lógica de que mais armas sempre
vão significar mais crimes, consequentemente teria um
aumento desses crimes, sendo que temos mais armas
circulando. Oatirador esportivo, hoje, possui a prerrogativa de
portar uma arma do seu acervo, dasua casa até o clube, do
seu clube até a sua casa. São mais de 300 mil pessoas,
hipoteticamente, portando armas, e o número de casos
envolvidos em homicídios são insignificantes perto destes
números.
Atualmente, no Brasil, dados de armasregistradas
por estado destaca os 6 estados mais armados do Brasil que
são: Acre, Santa Catarina, Paraná, Mato Grosso e Rio Grande
do Sul e estes representam apenas6% dos homicídios no país.
Com isso, os 6 estados menos armadosrepresentam mais de
26% dos homicídios, ou seja, não há essa correlação da
tentativa de forçar do tipo que se liberar o armamento, vai

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Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

haver mais homicídios consequentemente, a prática está


mostrando isso, não há o que se discutir quando fala-se
emnúmeros.
Muitos sem dados reais dizem que é o mercado legal
que abastece o mercadoilegal, mais uma vez, é necessário
olhar isso com cuidado, porque não há nenhum estudo que
consiga comprovar isso, e em segundo cabe dizer que
tivemos uma campanha forte do desarmamento no Brasil, a
partir de 2003, onde milhares de armasforam entregues e 90%
das lojas onde vendiam armas fecharam.
O número de armas vendidas por ano praticamente
chegou a zero, os dados indicam que nesse momento havia
menos armas à disposição, mas tudo o que aconteceu foi que
o armamento da criminalidade não houve nenhum tipo de
desabastecimento, ou seja, os criminosos continuaram
armados, conseguindo o seu armamento no mercado negro.
Com isso, entende-se por fim que a venda no mercado
civil não foi legalmente, segundo que de 80%, apenas 20%
era de fabricação nacional, a maioria de calibre restrito.

1.2 DOS CRIMES DAS PENAS PREVISTAS NO ESTATUTO


DO DESARMAMENTO

Verifica-se que a concessão do porte de armas, é além

22
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

de tudo, um ato discricionário da Polícia Federal. Sendo assim


a população que não atende as condições que foram
impostas pelo estatuto, não possui o direito de andar
livrementecom uma arma, mas só poderá possuir uma arma
se for em sua casa. E o resultado disso é o aumento do
número de homicídios a partir da referida lei (Franco, 2012):

O Caráter discricionário do Estatuto do Desarma-


mento é, na verdade, seu maior problema, por-
que trata a concessão da licença de propriedade
de armas de fogo como um privilégio ao cidadão,
e não como um direito, o que deveria ser de fato
(Barbosa, 2015, p. 135).

O direito de portar arma é um direito humano essen-


cial, conforme Hornberger:

O direito de ter e portar armas representa a su-


prema, derradeira, fundamental e decisiva prote-
ção de um povo contra todos os tipos de tirania,
principalmente a tirania do estado, uma vez que
os funcionários de um governo sabem perfeita-
mente bem que armas nas mãos do povo forne-
cem oúnico meio prático de se resistir à tirania.
Governos sabem que uma sociedade desar-
mada acaba se tornando uma sociedade obedi-
ente frente a um estado tirânico e onipotente.
(2011, p.1).

23
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

1.3 DECRETO Nº 10.030, DE 30 DE SETEMBRO DE 2019

Conteúdo desta temática tem como finalidade expor o


tratamento normativo legal dado às diversas condutas
relacionadas à movimentação de armas de fogo, munição e
acessórios, que foram elevadas a categoria de crimes com o
advento da Lei n. º 10.826/03. Como Estatuto não definiu qual
tipo de arma de fogo é permitido ouso para as pessoas físicas
ou cidadão civil, o artigo 10 do Decreto n. º 10.030/19, 7
definiu qual será a arma de uso permitido.
O presidente da república, no uso da atribuição que lhe
confere o art. 84, caput, inciso IV, da Constituição, e tendo em
vista o disposto na Lei nº 10.826, de 22 de dezembro de 2003,
e no art. 2º, § 2º, da Lei nº 10.834, de 29 de dezembro de 2003.
Decreta:

Art. 1º Fica aprovado o Regulamento de Produ-


tos Controlados, constante do Anexo I. Art. 2º O
Decreto nº 9.607, de 12 de dezembro de 2018,
passa a vigorar com as seguintes alterações: "Art.
34-B. VIII - aos colecionadores, aos atiradores
desportivos, aos caçadores e às pessoas físicas
a que se referemos incisos I a VII e X do caput do
art. 6º da Lei nº 10.826, de 22 de dezembrode
2003, nos termos do disposto no Regulamento
de Produtos Controlados, aprovado pelo Decreto
nº 10.030, de 30 de setembro de 2019. Art. 3º O
Decreto nº 9.845, de 25 de junho de 2019, passa
a vigorar com a seguintes alterações: Art. 2º: § 1º

24
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

O Comando do Exército estabelecerá os parâ-


metrosde aferição e a listagem dos calibres no-
minais que se enquadrem nos limitesestabeleci-
dos nos incisos I, II e IV do caput, no prazo de
sessenta dias, contado da data de publicação
deste Decreto. § 2º Ato conjunto do Ministro de
Estado da Defesa e do Ministro de Estado da Jus-
tiça e Segurança Públicaestabelecerá as quanti-
dades de munições passíveis de aquisição pelas
pessoas físicas autorizadas a adquirir ou portar
arma de fogo e pelos integrantes dos órgãos e
das instituições a que se referem o § 2º do art. 4º
osincisos I a VII e X do caput art. 6º da Lei nº
10.826, de 2003, observada a legislação, no
prazo de sessenta dias, contado da data de pu-
blicação do Decreto nº 10.030, de 30 de setem-
bro de 2019." "Art. 3º. § 10. Os requisitos de que
tratam os incisos V, VI e VII do caput serão com-
provados, periodicamente, a cada dez anos,
junto à Polícia Federal, para fins de renovação
do Certificado de Registro. § 11. Os integrantes
das Forças Armadas, das polícias federais, esta-
duais e do Distrito Federal e os militares dos Es-
tados e do Distrito Federal, ao adquirirem arma
de fogo de uso permitido ou restrito ou renovarem
o respectivo Certificado de Registro, ficam dis-
pensados do cumprimento dos requisitos de que
tratam os incisos I, II, IV,V, VI e VII do caput. §
12. Os integrantes das entidades de que tratam
os incisos I, II, III, V, VI, VII e X do caput do art.
6º da Lei nº 10.826, de 2003, ficam dispensados
do cumprimento do requisito de que trata o inciso
II do caput deste artigo." Art. 4º O Decreto nº
9.846, de 25 de junho de 2019, passa a vigorar
com as seguintes alterações: "Art. 3º. § 1º Pode-
rão ser concedidas autorizações para aquisição
de arma de fogo de uso permitido em quantidade
superior aos limites estabelecidos no inciso I do

25
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

caput, a critério do Comando do Exército. § 2º


Para fins de registro de colecionadores, atirado-
res ecaçadores no Comando do Exército, o inte-
ressado deverá: 8 § 5º A aquisição de armas de
fogo por colecionadores, atiradores e caçadores
ficará condicionada à apresentação: I - de docu-
mento de identificação e Certificado de Registro
válidos; e II - da autorização de aquisição expe-
dida pelo Comando do Exército." (NR) "Art. 4º §
1º O colecionador, o atirador e o caçador propri-
etário de arma de fogo poderão adquirir até mil
munições anuais para cada arma de fogo de uso
restrito e cinco mil munições para as de uso per-
mitido registradas em seu nome e comunicará a
aquisição ao Comando do Exército, no prazo de
setenta e duas horas, contado da data deefetiva-
ção da compra, e informará o endereço em que
serão armazenadas. "Art. 5º § 5º A Guia de Trá-
fego a que refere o § 4º poderá ser emitida no sí-
tioeletrônico do Comando do Exército." (NR) Art.
5º O Decreto nº 9.847, de 25 de junho de 2019,
passa a vigorar com as seguintes alterações: Art.
2º. § 3º Ato conjunto do Ministro de Estado da
Defesa e do Ministro de Estado da Justiça e Se-
gurança Pública estabelecerá as quantidades de
muniçõespassíveis de aquisição pelas pessoas
físicas autorizadas a adquirir ou portar arma de
fogo e pelos integrantes dos órgãos e das insti-
tuições a que se referem os incisos I a VII e X do
caput do art. 6º da Lei nº 10.826, de 2003, obser-
vada a legislação, no prazo de sessenta dias,
contado da data de publicação do Decreto nº
10.030, de 30 de setembro de 2019." (NR) "Art.
3º.
§ 7º As ocorrências de extravio, furto, roubo, re-
cuperação e apreensão de armas de fogo serão
imediatamente comunicadas à Polícia Federal
pela autoridade competente.

26
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

No tocante a arma de fogo, foi criada a Lei n° 10.826/03,


Estatuto do Desarmamento, a qual grande parte vigora até
hoje. Foi promulgada com a função degarantir a segurança
pública, e com o intuito de diminuir a criminalidade. Porém
essaideia não foi aceita por grande parte da população. Aquela
parte que presa pelo direito público, mas também o de
autodefesa:

[...] O desapontamento popular, acompanhado


de um aumento seletivo na divulgação da crimi-
nalidade, com uma pitada de demagogia eleito-
reira, são ocombustível para o surgimento de no-
vas leis, apresentadas como nova versão da pe-
nicilina, que são elaboradas, a toque de imprensa,
sem a mínima racionalidade, em descompasso
com o sistema (Garcia, 2008, p. 151).

A eficácia da norma jurídica, consoante ao que leciona


Maria Helena Diniz (2020, p. 51) trata-se da:

Eficácia vem a ser a qualidade do texto norma-


tivo vigente de poder produzir,ou irradiar, no seio
da coletividade, efeitos jurídicos concretos, su-
pondo, portanto, não só a questão de sua condi-
ção técnica de aplicação, observância, ou não,
pelas pessoas a quem se dirige, mas também de
sua adequação em face da realidade social, por
ele disciplinada, e aos valores vigentes na socie-
dade, o que produziria ao seu sucesso.

27
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

Dessa feita, embora a legislação seja rigorosa, e preveja


a existência de órgãos fiscalizadores da produção e do
comércio de armas de fogo em todo o país, com competência
para distinguir as características e a propriedade de cada uma
delas, diversas pesquisas apontam que são justamente as
armas de caráter ilegal que movimentam a indústria do crime.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Entende-se que com o Estatuto e seu extremo rigor


na aquisição e posse de armas de fogo, percebe-se que um
pequeno e seleto grupo de pessoas poder adquiri-las
legalmente e um número ainda mais restrito poder utilizá- las
no dia a dia por meio de posse, energizando diretamente o
comércio ilegal de armas e munições. Não se pode
negligenciar que o número de assassinatos e atos de violência
aumenta a cada ano, o que traz consigo um crescente
sentimento de insegurança social. Que a lei do Desarmamento
teve um efeito diferente do pretendido, é um fato óbvio e
comprovado, e pode-se argumentar que ela só poder
efetivamentedesarmar o cidadão cumpridor da lei.
Em suma, a posse e o porte de armas acabam sendo
ainda mais essenciais para proteger a segurança pessoal e
familiar do povo, conter o crime organizado e até mesmo

28
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

manter a soberania nacional, pontua-se que um governo


monopolizado pela força concentrada representa lado, risco
ao Estado democrático de Direito, porém, poruma população
armada é capaz de sustentá-lo.
O trabalho mostra o quão falho é o Estatuto do
Desarmamento, como evidenciado apenas pelo índice. Além
disso, também foi demonstrado que a legislação restritiva em
matéria de armas de fogo afecta apenas uma parte da
população que acredita e obedece às leis estabelecidas pelo
Estado, e os criminosos nunca se preocuparão em obedecer
à lei.
Ademais, é nítido que a ideologia desarmamentista
deve ser revista. Portanto, parecem ser ideias que surgiram
em um contexto social e temporal completamente diferente, e
aqueles que impuseram tais restrições sempre buscaram uma
espécie de calma em meio à rebelião ou vingança da
população local, apenas com armas nas mãos. Portanto,
deveria tornar-se um consenso que o desarmamento é um
fracasso.
O comércio ilegal de armas de fogo está longe de
terminar, no sentido de que os criminosos estarão sempre
armados, ao contrário do cidadão brasileiro que se vê sujeito
a leis restritivas que lhe impossibilitam ou dificultam a
obtenção de uma arma de fogo. Dessa forma, continuar a

29
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

cometer tais erros só trará satisfação ao criminoso, que se


encontrará numa posição confortável, pois não encontrará
resistência ou confronto ao atacar civis adequados,
desarmados e sujeitos ao crime.
Neste sentido, a solução para o problema da violência
armada é claramente não limitar o uso de armas de fogo a
cidadãos bem-intencionados, negando-lhes o direito à
autoproteção quando o Estado falha. Mas, a maior repressão
aos criminosos é que eles continuam a usar armas para
cometer vários crimes e não se importam com a fiscalização
do Estado devido ao sentimento de impunidade que
atualmente consideram enorme.
Por último, importa referir que as restrições às armas de
fogo constituem uma posição ultrapassada e obsoleta que
deve ser rejeitada, restaurando assim o direito dos cidadãos
idóneos de defenderem a sua integridade física e moral,
centrando-se apenas na proibição e punição dos criminosos,
mas não querendo pessoas que gozam de todos os direitos e
que procuram menos interferência estatal e maior liberdade.

REFERÊNCIAS

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política. Consulex: Revista Jurídica, v. 15, n. 346, p. 27-28,
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30
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

BARBOSA, Bene; QUINTELA, Flávio. Mentiram para mim


sobre o desarmamento. Edição 1, Vide Editorial, 2015.

BRASIL. Decreto nº 10.030, de 30 de setembro de 2019.


Disponível em: https://www2.camara.leg.br/legin/fed/de-
cret/2019/decreto-10030-30-setembro-2019- 789175-publi-
cacaooriginal-159118-pe.html. Acesso em: 23/10/2022.

BRASIL. Decreto-lei 24.602, de 6 de julho de 1934. Dispõem


sobre instalação e fiscalização de fábricas e comércio de
armas munições, explosivos, produtos químicos agres-
sivos e matérias correlatas. Disponível em: http://www.pla-
nalto.gov.br/ccivil_03/decreto/1930-1949/d24602.htm.
Acesso em: 18 de outubro de 2022.

CAMIN, Pedro. Márcio Thomáz Bastos admite: “o objetivo


do desarmamento nãoé tirar as armas dos bandidos” You
tube, 2021. Disponível em: https://www.youtube.com/watc
h?v=l7DaEkuB0YQ. Acesso em: 06 de março de 2023.

FACCIOLLI, Ângelo Fernando. Lei das Armas de Fogo. Curi-


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HORNBERGER, Jacob. O direito de portar armas é um di-


reito humano essencial. 2011. Disponível em:
http://www.mises.org.br/Article.aspx?id=954. Acesso em: 02
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HALBROOK, Stephen P. Hitler e o desarmamento: como o


nazismo desarmou osjudeus e os “inimigos do Reich”.
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Disponível em: https://forumseguranca.org.br/publicacoes

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Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

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NUCCI, Guilherme de Souza. Leis Penais e Processuais Pe-


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PAVANI, Gabriel Bacini. A Ineficácia do Estatuo do Desar-


mamento no Brasil: Umaproposta de flexibilização da Lei
10.826/2003 como garantia do direito fundamento à segu-
rança. Orientadora: Professora Ms. Ana Flávia Messa. 2018.
Monografia apresentada como requisito para conclusão do
curso de bacharelado emDireito da Faculdade de Direito da
Universidade Presbiteriana Mackenzie. Disponível:
https://dspace.mackenzie.br/handle/10899/20034. Acesso
em: 18 de outubro de 2022.

REBELO, Fabrício. Após o Estatuto do Desarmamento,


homicídios com uso de arma de fogo são os que mais
crescem. 2015. Disponível em: https://rebelo.jusbra-
sil.com.br/artigos/266705338/apos-o-estatuto-do-desarma-
mento- homicidios-com-uso-de-arma-de-fogo-sao-os-que-
mais-crescem. Acesso:09/03/2023.

32
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

2
TRÁFICO DE ÓRGÃOS

TRÁFICO DE ÓRGANOS

Jeronilson Aguiar dos Santos3

Williane Tibúrcio Facundes4

SANTOS, Jeronilson Aguiar dos. Tráfico de órgãos. Trabalho


Conclusão de Curso de graduação em Direito – Centro Uni-
versitário UNINORTE, Rio Branco. 2023.

3
Discente do 9° período do curso de bacharelado em Direito pelo Centro
Universitário Uninorte.
4
Docente do Centro Universitário Uninorte. Graduada em Direito pela
U:VERSE. Especialista em Psicopedagogia pela Universidade Varzea-
grandense e Direito Digital pela Faculdade Metropolitana. Graduada em
Letras Vernáculas pela Universidade Federal do Acre - UFAC.

33
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

RESUMO

Introdução. O tráfico de órgãos no país envolve a compra,


venda ou comércio ilegal de partes dos órgãos humanos para
transplantes ou outros fins médicos, resultando em uma séria
violação dos direitos humanos e em consequências devasta-
doras para as vítimas envolvidas. Objetivo. Diante do ex-
posto, estudar as leis que o Brasil possui para o combate a
esse crime, como também, determinar os instrumentos jurídi-
cos capazes de inibir o tráfico de órgãos. Método. Por meio
da análise a legislação brasileira e internacional correlacio-
nada ao tráfico de órgãos, bem como os esforços em anda-
mento para combater esse crime. Isso insere a análise de leis
de proteção de vítimas, penalidades para os infratores e me-
didas de prevenção. Resultados. Nota-se que o Brasil tem in-
troduzido leis mais rigorosas e específicas que visam punir o
tráfico de órgãos e aplicar penalidades mais rígidas para os
transgressores. Isso ajuda a criar um ambiente onde o tráfico
de órgãos é menos tolerado e mais punido. Nesse contexto,
diversos países têm cooperado internacionalmente para com-
bater o tráfico de órgãos. Isso inclui o compartilhamento de
informações, colaboração na aplicação da lei e a implementa-
ção de convenções e tratados internacionais. Conclusão. Re-
conhecer que o tráfico de órgãos continua sendo um entrave
considerável em várias partes do mundo. A coordenação in-
ternacional contínua, a conscientização pública e o fortaleci-
mento das medidas legais e de aplicação da lei são essenciais
para combater esse crime de forma eficaz.

Palavras-chave: tráfico de órgãos; combate; lei; penalidades;


colaboração.

34
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

RESUMEN

Introducción: El tráfico de órganos en el país resulta en com-


pra, venta o comercio ilegal de partes de órganos humanos
para trasplantes u otros fines médicos, resultando en una
grave violación de los derechos humanos y consecuencias de-
vastadoras para las víctimas involucradas. Meta: Teniendo en
cuenta lo anterior, estudiar las leyes seguidas en Brasil para
combatir este delito, así como determinar los instrumentos le-
gales capaces de inhibir el tráfico de órganos. Método: Por
medio del análisis de la legislación brasileña e internacional
relacionada con el tráfico de órganos, así como de los esfuer-
zos en curso para combatir este delito, esto incluye un análisis
de las leyes de protección a las víctimas, sanciones para los
infractores y medidas de prevención. Resultados: Es impor-
tante decir que Brasil ha introducido leyes más estrictas y es-
pecíficas destinadas a castigar el tráfico de órganos y aplicar
penas más estrictas a los transgresores. Esto ayuda a crear
un entorno en el que el tráfico de órganos sea menos tolerado
y más castigado. Siendo así, varios países han cooperado in-
ternacionalmente para combatir el tráfico de órganos, esto in-
cluye compartir información, colaborar con las fuerzas del or-
den e implementar convenciones y tratados internacionales.
Conclusión: Reconocer que el tráfico de órganos sigue
siendo un obstáculo considerable en muchas partes del
mundo. La coordinación internacional continua, la sensibili-
zación pública y el fortalecimiento de las medidas legales y de
aplicación de la ley son esenciales para combatir este delito
con eficacia.

Palabras clave: tráfico de órganos; combate; ley; sanciones;


colaboración.

35
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

INTRODUÇÃO

O tráfico de órgãos é uma questão alarmante que de-


safia a ética médica, os direitos humanos e a legislação em
todo o mundo, incluindo o Brasil. Essa prática criminosa en-
volve a compra, venda ou comércio ilegal de órgãos humanos,
muitas vezes explorando pessoas vulneráveis em situações
desesperadoras.
Apesar das rigorosas leis e regulamentações existentes
no Brasil para regulamentar a doação e transplante de órgãos,
o tráfico ainda persiste como uma séria ameaça à dignidade e
à vida humana.
A Lei Brasileira nº 9.434/1997 estabeleceu um sistema
de doação de órgãos baseado em princípios de voluntarie-
dade, altruísmo e anonimato, com o objetivo de garantir a in-
tegridade e a equidade no processo de transplante. No en-
tanto, apesar dessas medidas, casos de tráfico de órgãos têm
ocorrido, desafiando a integridade do sistema e demonstrando
a complexidade do problema.
O tráfico de órgãos muitas vezes envolve uma rede cri-
minosa que explora a desigualdade econômica e social, enga-
nando e coagindo indivíduos a venderem seus órgãos ou até
mesmo realizando remoções ilegais de órgãos de pessoas vi-
vas. Essa prática não apenas coloca em risco a vida e a saúde

36
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

dos doadores, mas também compromete a eficácia dos pro-


gramas legítimos de doação e transplante.
A batalha contra o tráfico de órgãos no Brasil requer não
apenas o fortalecimento contínuo das leis e regulamentações,
mas também uma abordagem abrangente que envolva a cons-
cientização pública, a educação sobre doação legal de órgãos
e o fortalecimento das instituições encarregadas de monitorar
e regular os transplantes.
É crucial combater essa prática criminosa para proteger
a dignidade humana, os direitos fundamentais e a confiança
no sistema de saúde brasileiro.

2.1 O CRIME DE TRÁFICO DE ÓRGÃOS NO BRASIL

O tráfico de órgãos humanos é de fato tipificado no di-


reito penal brasileiro através do artigo 15 da Lei nº 9.434/1997.
O dispositivo legal descreve a conduta de comprar e vender
tecidos, órgãos e partes do corpo humano como crime.
Os núcleos do tipo penal são os verbos "comprar" e
"vender", que se referem à aquisição ou comercialização ilegal
de partes do corpo humano. De acordo com essa legislação,
o indivíduo que cometer o crime de tráfico de órgãos pode ser
sujeito a uma pena de reclusão que varia de 3 (três) a 8 (oito)
anos, além de multa, cujo valor pode variar entre 200 (duzen-
tos) e 360 (trezentos e sessenta) dias-multa.

37
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

Essa tipificação criminal tem como objetivo coibir e pu-


nir severamente a prática criminosa de tráfico de órgãos, pro-
tegendo a integridade do sistema de doação e transplante de
órgãos, bem como preservando a pudor e os direitos elemen-
tares das pessoas envolvidas.
A pena considerável busca desencorajar indivíduos de
se envolverem em atividades ilegais relacionadas ao comércio
de órgãos do corpo humano, reforçando a importância do res-
peito à vida e à saúde humanas. Transplantes Inter Vivos:
Transplantes de órgãos entre pessoas vivas são regulamenta-
dos pela Lei n.º 9.434/97 no Brasil.
Essa lei permite o transplante de órgãos, tecidos ou par-
tes do corpo humano entre pessoas vivas, desde que haja pa-
rentesco de até o quarto grau ou por afinidade até o segundo
grau, ou que seja autorizado judicialmente nos demais casos.
Além disso, a legislação exige uma série de requisitos para
garantir que o processo seja transparente, ético e seguro para
todas as partes envolvidas.
Isso inclui avaliação médica rigorosa, bem como avali-
ação psicológica para garantir que não haja coerção ou explo-
ração do doador. Transplantes Post Mortem: Para os trans-
plantes post mortem, a legislação brasileira exige a autoriza-
ção expressa do doador ou de seus familiares.

38
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

Isso é regulamentado pelo Código Civil Brasileiro, que


estabelece que a remoção de órgãos e tecidos de pessoas fa-
lecidas para fins de transplante deve ser feita com autorização
prévia. No caso de não haver expressa manifestação do fale-
cido em vida, a decisão recai sobre seus familiares diretos.
A Lei n.º 9.434/97 também estabelece critérios rigoro-
sos para garantir que a retirada de órgãos após a morte seja
realizada de maneira ética e respeitosa. Comercialização e Al-
truísmo: A legislação brasileira enfatiza o caráter altruísta dos
transplantes de órgãos, tecidos e partes do corpo humano.
A comercialização é proibida e considerada crime, de
acordo com o teor da Lei n.º 9.434/97. Isso significa que a do-
ação de órgãos não pode ser motivada por interesses finan-
ceiros ou lucrativos. No cerne dessas leis e regulamentações
está a busca por proteger a dignidade e os direitos dos indiví-
duos, garantindo que a doação e o transplante de órgãos se-
jam realizados de forma ética, legal e altruísta. Isso também
visa a evitar a exploração de pessoas vulneráveis em situa-
ções de desespero.
O Código Civil brasileiro também contém disposições
relacionadas à disposição de partes do corpo, incluindo ór-
gãos, nos artigos 13 a 15. Esses artigos estabelecem parâme-
tros importantes para a doação de órgãos entre vivos, garan-
tindo a proteção dos direitos e da integridade dos doadores.

39
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

A Lei n.º 9.434/97 que normatiza a doação de órgãos,


tecidos e partes humanas no país, demonstra no artigo 9º, §3º
a 8º, critérios para a doação de órgãos, conforme aponta a
autora:

A Lei n.º 9.434/97, art.9º, §3º a 8º, e o Decreto


n.º 2.268/97, arts. 15, §1º a 8º, e 20, parágrafo
único, também admitem a doação voluntária,
feita, preferencialmente, por escrito e na pre-
sença de duas testemunhas, por pessoa juridica-
mente capaz, especificando o órgão, tecido ou
parte do próprio corpo que será retirado para efe-
tivação de transplante ou enxerto ou de trata-
mento de pessoa que identificará, desde que
haja comprovação da necessidade terapêutica
do receptor. Esse documento deverá ser expe-
dido pelo Ministério Público em atuação no local
do domicílio do doador, com protocolo de recebi-
mento na outra, como condição para concretizar
a doação. Dispensa-se essa formalidade docu-
mental em casos de doação de medula óssea
(Diniz, 2014, p. 435).

Com a integração de novas tecnologias de comunica-


ção como a internet, a comercialização humana tornou-se in-
controlável, não somente de órgãos e tecidos, como também
de mulheres e de crianças para prostituição, prática comum na
antiguidade. A sede pelo lucro se sobressaiu sob a ética e a
moral e até mesmo sob a legalidade jurídica da comercializa-
ção, pouco importando as penalidades a ela cominadas (Diniz,
2014).

40
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

O tráfico de pessoas é um assunto complexo e terrível,


a qual envolve diversos interesses, e como citado anterior-
mente, faz parte da história. Apesar de já se ter superado, em
tese, a distinção entre as raças e classes econômicas, o mer-
cado humano nunca deixou de existir, seja para mão-de-obra,
exploração sexual ou uso do corpo para fins terapêuticos e
medicinais, como o transplante de órgãos e cobaias para tes-
tes experimentais (Alencar, 2007).
O mercado humano também pode ser classificado em
interno, quando sucede dentro das fronteiras de um mesmo
país, ou internacional quando a pessoa é traficada para outro
Estado (Alencar, 2007).
O tráfico de pessoas possui diversas modalidades, po-
dendo ser para fins de exploração sexual, trabalho forçado e
servidão, trabalho doméstico, ou ainda para a remoção de ór-
gãos (Teresi, 2012)
O Crime Transnacional Relativo à Prevenção, Repres-
são e Punição do Tráfico de órgãos, especialmente Mulheres
e Crianças, é um primordial instrumento internacional que pro-
cura extinguir o tráfico de pessoas, notoriamente nos casos
que contornam mulheres e crianças. No Brasil, como parte da
comunidade internacional, declarou esse Protocolo por meio
do Decreto nº 5.017, de 12 de março de 2004, incorporando

41
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

suas diretrizes no cenário legal nacional, conforme se verifica


a seguir:

Art. 3º – Definições: Para efeitos do presente


Protocolo: a) A expressão "tráfico de pessoas"
significa o recrutamento, o transporte, a transfe-
rência, o alojamento ou o acolhimento de pes-
soas, recorrendo à ameaça ou uso da força ou a
outras formas de coação, ao rapto, à fraude, ao
engano, ao abuso de autoridade ou à situação de
vulnerabilidade ou à entrega ou aceitação de pa-
gamentos ou benefícios para obter o consenti-
mento de uma pessoa que tenha autoridade so-
bre outra para fins de exploração. A exploração
incluirá, no mínimo, a exploração da prostituição
de outrem ou outras formas de exploração se-
xual, o trabalho ou serviços forçados, escrava-
tura ou práticas similares à escravatura, a servi-
dão ou a remoção de órgãos.

Há estimativas que o tráfico de pessoas movimenta pró-


ximo de 31 bilhões de dólares por ano, perdendo apenas para
o tráfico de armas e de drogas, enquanto o tráfico de órgãos,
sendo uma das modalidades do tráfico de pessoas, chega a
movimentar de 7 a 13 bilhões de dólares (Ávila, 2008).
A dificuldade de desmanchar essas redes multibilioná-
rias se dá por causa da invisibilidade que os doadores têm pe-
rante a sociedade, em vista que os 36 doadores, geralmente,
são pessoas pobres, os quais passam despercebidos pela so-
ciedade.
Além disso, muitos médicos e pessoas envolvidas no
esquema acreditam que estão fazendo um bem à sociedade

42
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

ao indicarem o comércio de órgãos aos pacientes. Como não


há igualdade financeira entre doadores e pacientes, os inter-
mediários do mercado clandestino dão um “incentivo” para que
as pessoas “doem”, e cobram do receptor pelo serviço pres-
tado (Ávila, 2008).
A falta de visibilidade dos doadores e sua vulnerabili-
dade podem torná-los alvos fáceis para intermediários sem es-
crúpulos. Esses intermediários frequentemente se aproveitam
da situação de desespero e vulnerabilidade dos doadores para
obter ganhos financeiros indevidos, criando assim um ambi-
ente propício para a exploração.
Governo Federal do Brasil, em parceria com a União
Europeia, tomou a iniciativa de abordar e inibir o tráfico de pes-
soas por meio da produção de um manual específico. O tráfico
de pessoas é um crime grave que viola os direitos humanos e
explora indivíduos vulneráveis de diversas maneiras.
Um manual desse tipo pode fornecer uma base educa-
cional sólida e estratégias para combater esse problema com-
plexo e multifacetado. Além disso, a cooperação internacional,
como a colaboração entre o Brasil e a União Europeia, é es-
sencial para lidar com questões transnacionais como o tráfico
de pessoas. A cartilha expõe como atuam as redes do tráfico
para a ampliação do seu comércio ilícito:

43
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

A globalização do crime internacional dá-se pe-


los mesmos motivos que os das instituições legí-
timas, seja pela possibilidade de inserir seus pro-
dutos através do livre comércio, seja pelas bre-
chas dos sistemas jurídicos, visando sempre ob-
ter lucro. Trocam-se técnicas de logística, meca-
nismos de comunicação e até mesmo pessoas,
com a finalidade de obter melhores resultados
(Teresi, 2012, p. 44).

De acordo com Andrade (2011), as cirurgias de trans-


plante são realizadas em países cuja fiscalização é ineficiente,
além de grande índice de corrupção das entidades governa-
mentais, o que possibilita a construção de excelentes centros
cirúrgicos com ótima infraestrutura. A mesma autora ainda cita
que conforme dados da OMS, o Brasil está entre os cinco pa-
íses que mais fornecem órgãos ao mercado clandestino.
O tráfico de órgãos no mercado humano tem como re-
ceptores, geralmente, pessoas ricas que não querem subme-
ter nenhum familiar ao procedimento de transplantação e re-
correm ao comércio ilegal para a obtenção de um órgão. Do
contrário, os doadores são os indivíduos mais vulneráveis da
sociedade, aqueles que vendem parte do corpo em troca da
sobrevivência, aceitando quantias irrisórias como pagamento,
mas sendo convencidos de que foram bem pagos.
Estes doadores dificilmente recorrem a polícia após te-
rem feito a cirurgia, pois são ameaçados pelos corretores de
órgãos, além disso, a falta de informação também os cala
(ALENCAR, 2007).

44
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

Apesar de a Organização Mundial da Saúde (OMS) de-


clarar oficialmente que é contra qualquer comercialização de
partes do corpo humano, considerando a prática proibida, mui-
tos médicos e administradores de grandes hospitais acabam
adotando medidas antiéticas para a solução do problema de
falta de órgãos, indicando aos pacientes a possibilidade de
compra de um órgão pelo mercado clandestino, prática esta
considerada inadmissível pela Organização Mundial da Saúde
(Pessini; Barchifontaine, 2014).
Guedes (2016) explica que nos casos em que um cida-
dão falece os próprios médicos ou corretores de órgãos acio-
nam em as famílias e lhes incentivam a vender os órgãos do
falecido. Este incentivo pode se dar de duas maneiras: a pri-
meira mediante o pagamento de certa quantia em dinheiro à
família, ou, ainda, o corretor de órgãos se disponibiliza a pagar
todas às custas do funeral, e em troca recebe os órgãos que
precisa para alimentar o mercado clandestino

2.1.1 PROTOCOLO DE PALERMO

O Protocolo de Palermo continua sendo a principal


fonte do tráfico de pessoas, definindo os elementos fundamen-
tais para a definição do crime, bem como conceituou o tráfico

45
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

de pessoas elencando como modalidade o tráfico de órgãos


(Teresi, 2012).
O Protocolo de Palermo é um tratado internacional que
visa combater o tráfico de pessoas, especialmente mulheres e
crianças, por meio de medidas de prevenção, repressão e as-
sistência às vítimas.
Esse protocolo foi adotado em 2000 em Palermo, na
Itália, como um complemento ao tratado das Nações Unidas
de encontro ao Crime Organizado Transnacional. O Brasil é
um dos países assinantes dessa convenção, tendo firmado em
2004. O artigo 2º do Decreto n.º 5.017/2004 presume sobre os
objetivos do tratado, quais são:

Art. 2º - Objetivo: Os objetivos do presente Pro-


tocolo são os seguintes: a) Prevenir e combater
o tráfico de pessoas, prestando uma atenção es-
pecial às mulheres e às crianças; b) Proteger e
ajudar as vítimas desse tráfico, respeitando ple-
namente os seus direitos humanos; e c) Promo-
ver a cooperação entre os Estados Partes de
forma a atingir esses objetivos.

O protocolo prevê a criação de leis para prevenção e


combate ao tráfico de pessoas promovendo a cooperação en-

46
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

tre os países que assinaram o protocolo para juntos combate-


rem este crime organizado, bem como prevê a proteção das
vítimas e a segurança (Andrade, 2015).
Já o artigo 3º do referido decreto estipula quais são os
elementos necessários para o enquadramento típico do crime
como tráfico de pessoas. Três são os elementos necessários:
os atos, os meios e a finalidade de exploração (Teresi, 2012).
O Protocolo de Palermo foi a primeira legislação inter-
nacional que abordou sobre o tráfico de pessoas no geral, no
entanto ele não foi específico em relação ao tráfico de órgãos
e ao turismo de órgãos, os quais foram discutidos e conceitu-
ados na Declaração de Istambul (Guedes, 2016).
A primeira legislação brasileira relativa à retirada de ór-
gãos e tecidos do corpo humano foi a Lei n.º 4.280 de 1963,
que previa sobre a extirpação de órgãos de pessoas falecidas,
somente, sem regulamentar o transplante de órgãos entre vi-
vos.
Esta legislação era mais específica para o transplante
de córnea, e previa a necessidade de autorização do cônjuge
ou parentes até segundo grau do falecido, ou ainda, que hou-
vesse uma declaração do falecido em vida na qual ele de-
monstrava sua intenção de ser doador de córnea (COLTRI et
al., 2015).

47
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

2.2 A VULNERABILIDADE DO SISTEMA ÚNICO DE SAÚDE


PÚBLICA EM RELAÇÃO AO TRÁFICO DE ÓRGÃOS

O Sistema Único de Saúde (SUS) no Brasil, apesar de


muito criticada nacionalmente, principalmente pelas condições
socioeconômicas de quantidade significativa da população é
um dos grandes palcos do tráfico internacional de órgãos, cujo
modus operandi está intrinsecamente ligado à vulnerabilidade,
causada pelas desigualdades sociais profundas. Nessa pers-
pectiva, infelizmente o Brasil faz parte desta realidade.
Apesar da existência de políticas de transplante de ór-
gãos dentro da rede de saúde pública, a escassez de órgãos
disponíveis e as limitações na estrutura hospitalar e logística
contribuem para a formação de extensas e morosas filas de
espera para transplantes. Esse cenário coloca muitos indiví-
duos em uma corrida contra o relógio, devido à urgência em
obter o tratamento necessário.
A espera pelo atendimento afeta de forma significativa
o bem-estar dos pacientes, a chance de melhoria, a natureza
e ampliação das sequelas, bem como a vida dos familiares e
da sociedade. A condição aumenta mais quando os prazos
são longos. A imprevisibilidade é um fator que dificulta a es-
quematização dos pacientes e seus familiares, bem como a

48
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

atividade do sistema de saúde e do sistema produtivo em que


atuam em atividades laborais.

2.2.1 PROBLEMAS DE COMPATIBILIDADE E DE


INCENTIVOS

No Brasil, a preferência por ordem cronológica advém


sob limitações que convém caracterizar. É fundamental que
haja total anuência entre a clínica e entre doador do órgão do-
ado e o receptor. Os possíveis recebedores podem selecionar
o local de operação do transplante, a aparição de um potencial
doador deve ser notificada por todos os hospitais, o que faz
com que a disponibilidade da equipe médica seja crucial
quando o órgão é encontrado.
A doação e transplante de órgãos apresentam uma sé-
rie de dificuldades. A equipe médica responsável por comuni-
car a doação não ganha incentivo algum extra por esse ato. A
manutenção da vida de pacientes com morte cerebral por 48
ou 72 horas é um desafio em muitos hospitais devido à falta
de infraestrutura, recursos ou pessoal, especialmente consi-
derando o tempo necessário para encontrar um doador com-
patível após a confirmação da doação e não é raro que se
passem mais de 24 horas, devido às exigências legais, até que
tudo se resolva.

49
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

Os médicos podem se esbarrar com a difícil escolha en-


tre manter um doador em estado de morte cerebral ou socorrer
um paciente na UTI. Além disso, é incompatível com a forma-
ção dos nossos médicos e demais profissionais de saúde re-
conhecer a possibilidade de falecimento de pacientes. Por di-
versos motivos, inclusive religiosos, as pessoas têm dificul-
dade em doar seus órgãos. Um ponto desfavorável é o receio
de que o atendimento médico seja omisso ao ser reconhecido
como doador.
Atualmente, há uma CPI em andamento na Câmara Fe-
deral sobre o comércio ilegal de órgãos no Brasil, há denún-
cias de assassinato de pacientes para a obtenção e comércio
de órgãos para transplantes, além de vantagens nas filas por
escolhas de médicos, políticos e autoridades.
A lista de espera para transplantes são instrumentos
essenciais para garantir que os órgãos disponíveis sejam alo-
cados da maneira mais justa e eficiente possível. No Brasil e
em muitos outros países, essas listas são gerenciados por au-
toridades de saúde, como o Ministério da Saúde, através de
sistemas informatizados. De acordo com o BRASIL (2016),
são três condições determinantes: simetria dos grupos sanguí-
neos, tempo de espera no SUS e gravidade da doença.

50
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

Para entender as filas no SUS, é importante considerar


o excesso de demanda, seja ela local ou global, momentânea
ou permanente, que é determinado em três níveis:

a) No âmbito governamental, é estabelecido o valor


destinado ao orçamento da saúde;

b) As autoridades individuais e as instituições médicas,


científicas, jurídicas e empresariais atuantes no setor
são responsáveis por decidir sobre os benefícios e des-
pesas das internações, além de determinar as soluções
para as clássicas questões da economia: Como as eta-
pas serão executadas, principalmente no caso das filas;

c) No âmbito dos profissionais de saúde, especialmente


os médicos, que avaliam as necessidades clínicas dos
pacientes.

A demora no atendimento pode levar a um agrava-


mento das condições de saúde dos pacientes, reduzindo suas
probabilidades de cura e contribuindo o risco de complicações.
Isso pode resultar em sofrimento físico e emocional, afetando
demais a qualidade de vida dos pacientes. Pacientes e suas
famílias frequentemente enfrentam uma grande carga emoci-

51
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

onal ao lidar com a incerteza e a espera por tratamentos mé-


dicos.
Além disso, há custos financeiros associados a essa
espera, como despesas com transporte e cuidados extras de
saúde. A demora no atendimento pode sobrecarregar os hos-
pitais e clínicas, levando a problemas de eficiência, congesti-
onamento e até mesmo atrasos no tratamento de outras con-
dições. Isso pode impactar negativamente a qualidade dos
serviços prestados.

2.2.2 AS FILAS E O ACESSO AO SUS

Impacto das Filas de Espera: A demora no atendimento


pode ter consequências sérias, indo desde o agravamento das
condições de saúde até a morte, em casos graves. Pacientes
em situações desafiadoras, como idosos, crianças e pessoas
gravemente doentes, podem sofrer ainda mais com a espera,
especialmente quando não há leitos adequados.
O sofrimento desnecessário e a impossibilidade de re-
ceber tratamento adequado podem comprometer o bem-estar
físico e emocional dos pacientes. Equidade no Acesso: A equi-
dade é um dos pilares fundamentais do sistema de saúde. No
entanto, a forma como as filas são gerenciadas e os critérios
de priorização podem afetar a equidade.

52
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

A priorização baseada na ordem de chegada pode não


ser justa, pois não leva em consideração a gravidade ou ur-
gência dos casos. A equidade também é afetada por fatores
socioeconômicos, como a capacidade de buscar tratamento
na esfera privada, o que pode levar a disparidades no acesso
entre diferentes grupos de renda.
Complexidade da Priorização: Decidir quem deve ser
atendido primeiro é uma tarefa complexa para os profissionais
de saúde. Eles muitas vezes precisam levar em consideração
a probabilidade de sobrevivência e o tempo de sobrevida dos
pacientes.
A avaliação das probabilidades de sucesso do trata-
mento também é uma preocupação importante na tomada de
definição sobre a prioridade. Financiamento e Equidade: A
análise da equidade é influenciada pela complexa interação
entre financiamento do setor de saúde e a carga tributária.
O acesso a serviços de saúde muitas vezes é afetado
pelas desigualdades socioeconômicas, e as políticas de finan-
ciamento têm implicações diretas sobre como os recursos são
alocados. Dilemas Éticos e Sociais: As decisões de prioriza-
ção enfrentam dilemas éticos, como decidir entre pacientes
em condições críticas.
O sistema de saúde pode ser confrontado com pres-

53
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

sões sociais quando a espera é percebida como injusta ou ex-


cessivamente longa. Resolver esses desafios exige uma abor-
dagem multidisciplinar que considere não apenas critérios mé-
dicos, mas também fatores sociais, econômicos e éticos.
Estratégias que visam melhorar a eficiência do sistema,
aumentar a capacidade de atendimento, reduzir as filas de es-
pera e garantir a equidade no acesso são fundamentais para
fornecer cuidados de saúde justos e eficazes para todos os
cidadãos.

2.2.3 PRECARIEDADE DO SUS


Nesse sentido, a insegurança a respeito da proteção
dessa prerrogativa, advém com cautelas e cuidados indispen-
sáveis à saúde. O sistema atual é precário diante do atual ce-
nário e demanda, como também, com a insuficiência de meios
suficientes para abranger o direito à saúde, conforme com a
constituição. A respeito disso, Marcus Vinicius Polignano
(2010) ratifica:

A crise do sistema de saúde no Brasil está pre-


sente no nosso dia a dia podendo ser constatada
através de fatos amplamente conhecidos e di-
vulgados pela mídia, como: filas frequentes de
pacientes nos serviços de saúde falta de
leito hospitalares para atender a demanda da
população; escassez de recursos financei-
ros, materiais e humanos para manter os ser-

54
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

viços de saúde operando com eficácia e eficiên-


cia atraso no repasse dos pagamentos do Mi-
nistério da Saúde para os serviços convenia-
dos; baixos valores pagos pelo SUS aos di-
versos procedimentos médicos hospitalares
aumento de incidência e ressurgimento de diver-
sas doenças transmissíveis; denúncias de
abusos cometidos pelos planos privados e pelos
seguros de saúde.

De acordo com o jurista Juliano Heinen (2010), os direi-


tos prestacionais, como o direito à saúde detém um custo e
isso delimita sua dependência financeira, intransponível pelo
próprio Estado.

2.2.4 PERFIL DOS TRAFICANTES DE ÓRGÃOS DENTRO


DO SUS
Atores Envolvidos: Aliciadores/Intermediários: São pes-
soas que têm a função de identificar, recrutar e persuadir víti-
mas vulneráveis a venderem seus órgãos. Eles geralmente
possuem habilidades persuasivas, conhecem as fraquezas e
as necessidades das vítimas e podem ser conhecidos ou do
mesmo grupo étnico para ganhar a confiança.
Profissionais Médicos e Enfermeiros: Embora estejam
menos envolvidos na cadeia de tráfico em comparação com
os intermediários, ainda podem estar envolvidos. Enfermeiros
e assistentes podem desempenhar papéis em facilitar a ope-
ração.

55
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

Outros Facilitadores Públicos e Privados: Isso inclui


hospitais, centros de transplante, laboratórios, companhias
aéreas e outros que fornecem informações, infraestrutura e
suporte para os intermediários. Pacientes/Compradores: Al-
guns pacientes buscam adquirir órgãos ilegalmente para
transplantes. Isso pode envolver turismo de transplante, onde
o paciente viaja para onde a vítima está para realizar a cirur-
gia.
Estratégias de Aliciadores: Os aliciadores geralmente
constroem confiança com as vítimas e exploram suas neces-
sidades e fraquezas. Eles prometem melhorias na vida da ví-
tima e oferecem soluções para seus problemas, como ques-
tões financeiras. Táticas de persuasão são usadas para con-
vencer as vítimas de que a venda de um órgão é uma oportu-
nidade para uma vida melhor.
Motivações e Valores Distorcidos: A exploração de se-
res humanos com fins lucrativos é o ponto central dessas prá-
ticas ilegais. Os envolvidos estão motivados pelo ganho finan-
ceiro, muitas vezes à custa da saúde e dos direitos das víti-
mas.
A busca por lucro muitas vezes leva a uma desvaloriza-
ção do valor humano, onde as pessoas são tratadas como
commodities em vez de seres humanos dignos de respeito. O

56
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

combate a essa atividade criminosa exige cooperação interna-


cional, regulamentações rigorosas, conscientização pública e
ação efetiva por parte das autoridades de saúde e aplicação
da lei.
A conscientização sobre os riscos e impactos do tráfico
de órgãos é crucial para prevenir essa exploração terrível e
proteger os direitos humanos. A posicionamento da Organiza-
ção Mundial da Saúde (OMS) contra qualquer forma de co-
mercialização de partes do corpo humano está alinhada com
princípios éticos e valores humanitários.
A prática de compra de órgãos no mercado clandestino
não apenas incentiva atividades ilegais, como também explora
pessoas vulneráveis e perpetua desigualdades sociais. A falta
de órgãos para transplantes é uma questão complexa que pre-
cisa ser abordada de maneira ética, legal e transparente.
Soluções baseadas em compra de órgãos ilegalmente
não resolvem o problema de forma sustentável e podem cau-
sar danos significativos aos pacientes, além de corroer a con-
fiança pública no sistema de saúde como um todo.
No contexto do tráfico de órgãos: a discrepância signi-
ficativa entre o que os intermediários lucram e o que os doa-
dores vulneráveis recebem. Essa dinâmica perpetua as desi-
gualdades sociais e explora a fragilidade das pessoas em ca-
sos de necessidade.

57
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

Combater essa prática nefasta requer uma abordagem


abrangente, que inclua a aplicação rigorosa da lei, a conscien-
tização pública, a melhoria das condições socioeconômicas
das populações vulneráveis e a implementação de regulamen-
tações eficazes para o transplante legal e ético de órgãos. É
essencial abordar tanto a oferta quanto a demanda, garan-
tindo que os doadores não sejam explorados e que os recep-
tores possam acessar transplantes de órgãos de maneira justa
e legal.

2.3 OS INSTRUMENTOS JURÍDICOS PARA COIBIR O


CRIME DE TRÁFICO DE ÓRGÃOS

Nesse contexto, é notório enfatizar que enfrentar eficaz-


mente o tráfico de órgãos requer uma abordagem abrangente,
que integre dimensões políticas, sociais e criminais de forma
coesa. Isso se deve à ligação intrínseca entre esse problema
e a vulnerabilidade das vítimas em termos sociais, à lacuna
existente em políticas públicas efetivas, bem como à impera-
tiva melhoria da capacidade das entidades de segurança pú-
blica, incluindo investimentos em sua estrutura.
Além disso, assume papel essencial a implementação
de reformas internas e a promoção de diálogos internacionais

58
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

com outras nações que também encaram esse fenômeno de-


litivo. Essa cooperação visa a criação de uma sinergia global
para concretizar ações conjuntas e estratégias harmonizadas
no enfrentamento ao tráfico de órgãos.
A Constituição Federal de 1988 prevê em seu artigo
199, § 4º sobre a criação de uma lei para firmar os critérios e
regulamentações relativo à retirada de órgãos, tecidos e par-
tes do corpo humano, vedando, inclusive, qualquer tipo de co-
mercialização do corpo (Coltri et al., 2015):

Art. 199 - A assistência à saúde é livre à iniciativa


privada. [...] § 4º A lei disporá sobre as condições
e os requisitos que facilitem a remoção de ór-
gãos, tecidos e substâncias humanas para fins
de transplante, pesquisa e tratamento, bem
como a coleta, processamento e transfusão de
sangue e seus derivados, sendo vedado todo
tipo de comercialização.

Nesse sentido, tendo em vista o dispositivo na Consti-


tuição Federal de 1988, foi publicada a Lei n.º 8.489 em 1992,
que disciplinou um pouco além sobre o transplante de órgãos,
tecidos e partes do corpo humano entre vivos e post mortem.
A lei, já no seu artigo 1º, estipulava expressamente que qual-
quer comercialização relativa as partes do corpo humano era
vedada, devendo o ato de disposição ser gratuito (Coltri et al.,
2015).

59
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

2.3.1 A LEI N.º 9.434/97

A Lei n.º 9.434/97 manteve as disposições acerca da


doação de órgãos intervivos e post mortem, e a necessidade
de as doações serem a título gratuito, sendo vedado qualquer
tipo de comercialização, conforme já disposto no § 4º do artigo
199 da Constituição Federal (COLTRI et al., 2015).
“Art. 1º - A disposição gratuita de tecidos, órgãos e par-
tes do corpo humano, em vida ou post mortem, para fins de
transplante e tratamento, é permitida na forma desta Lei.”
A lei inovou em relação a alguns aspectos, como: a ve-
dação da retirada de órgãos de corpos não identificados, de
acordo com o artigo 6º; o aconselhamento de que as autoriza-
ções relativas as doações entre vivos fossem feitas mediante
um instrumento por escrito na presença da duas testemunhas,
conforme estipulado no artigo 9º, § 4º; a determinação da
morte encefálica e a necessidade de sua comprovação medi-
ante técnicas medidas instituídas pelo Conselho Federal de
Medicina (artigo 3º), e por fim, mas muito relevante, é que a lei
instituiu a doação presumida, ao determinar que todo cidadão
era doador presumido, a menos que constasse em sua car-
teira de identidade ou carteira nacional de habilitação o con-
trário, conforme artigo 4º (Coltri et al., 2015).
Relativamente as três primeiras inovações, ressalta-se

60
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

que foram de grande importância, até mesmo para dificultar a


comercialização de órgãos ou furto de órgãos, tendo em vista
a burocracia exigida, que antes da lei não era prevista, o que
facilitava a ação do mercado humano.
No entanto, quanto a quarta inovação havia a crítica de
que isso contribuía para o comércio de órgãos, uma vez que
os familiares nem saberiam que os órgãos dos seus entes fa-
lecidos teriam sido retirados, por desconhecerem a lei, e até
pela ação de funcionários corruptos do sistema de saúde, que
poderiam desviar os órgãos para o mercado clandestino ao
invés de encaminharem para o sistema nacional de transplan-
tes (Diniz, 2014).
Diniz (2014) ainda testifica que a comunidade jurídica
também criticou muito o previsto no artigo 4º da Lei n.º
9.434/97, pois o Estado estava se apropriando do corpo hu-
mano, ao presumir que todo cidadão brasileiro maior de idade
e com capacidade jurídica era doador, o Estado estava “esta-
tizando o corpo humano”, violando os direitos fundamentais de
personalidade e liberdade individual.
As inovações trazidas pela Lei n.º 9.434/97 também
atingiram a seara penal, sendo que o artigo 15 da referida lei
prevê sanções a quem comercializar ou facilitar o comércio de
órgãos (Namba, 2015):

61
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

Art. 15 - Comprar ou vender tecidos, órgãos ou


partes do corpo humano: Pena - reclusão, de três
a oito anos, e multa, de 200 a 360 dias-multa.
Parágrafo único. Incorre na mesma pena quem
promove, intermedeia, facilita ou aufere qualquer
vantagem com a transação.

Neste aspecto, o artigo 15 da Lei de Transplantes de


Órgãos prevê uma sanção penal para quem comprar ou ven-
der órgãos, tecidos ou partes do corpo humano, tendo em vista
que conforme determinado no artigo 1º da referida lei, a dispo-
sição dos órgãos e tecidos deve se dar de forma gratuita, com
fim altruístico e humanitário, sem haver a intenção de lucro
com a comercialização, haja vista o corpo humano ser indis-
ponível (Buonicore, 2011).
Além das leis e alterações citadas, recentemente foi pu-
blicada a Lei n.º 13.344/2016, que incluiu o artigo 149-A no
Código Penal Brasileiro, abrindo o leque de modalidades do
tráfico de pessoas, sendo que antes ele era limitado ao tráfico
de pessoas para fim sexual (Jornal do Senado, 2016):

Art. 149-A - Agenciar, aliciar, recrutar, transpor-


tar, transferir, comprar, alojar ou acolher pessoa,
mediante grave ameaça, violência, coação,
fraude ou abuso, com a finalidade de: I - remo-
ver-lhe órgãos, tecidos ou partes do corpo; [...].
Pena - reclusão, de 4 (quatro) a 8 (oito) anos, e
multa

62
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

A Lei n.º 13.344/2016 foi resultado da Comissão Parla-


mentar de Inquérito (CPI) do tráfico de pessoas que aconteceu
em 2011 e 2012 no Senado Federal, sendo que o projeto de
lei n.º 479/2012 buscou a adequação da legislação nacional
relativa ao tráfico de pessoas ao Protocolo de Palermo, tendo
em vista que o Brasil assinou o referido protocolo se compro-
metendo com o combate ao tráfico de pessoas, do qual resulta
o tráfico de órgãos (Jornal do Senado, 2016).
Legislação e Vontade do Doador: A falta de legislação
clara que reconheça o querer do doador em vida pode criar
obstáculos para a doação de órgãos. Muitas vezes, os médi-
cos não têm respaldo legal para contrariar as decisões da fa-
mília, mesmo quando o paciente expressou sua vontade de
ser um doador. Ter leis que garantam o respeito à vontade do
doador em vida é fundamental para evitar conflitos e incerte-
zas, permitindo que as vontades do paciente sejam conside-
radas
Sistema Informatizado e Transparência: Um sistema in-
formatizado que permita às equipes médicas acessar informa-
ções sobre doadores potenciais e pacientes que já se admitem
como doadores é crucial para agilizar o processo de trans-
plante.
Esse sistema pode garantir a transparência, a rastrea-
bilidade e a eficiência no processo de espera e transplante,

63
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

facilitando a correspondência entre doadores e receptores


compatíveis. Diante disso, que o Estado deve acatar funda-
mentalmente três missões primordiais, conforme exposto:

Garantir que os órgãos retirados sejam alocados


aos pacientes receptadores segundo critérios
médicos de justiça; desenvolver esforços para
que todo paciente receba o transplante que ne-
cessita; e exercer a vigilância para que os trans-
plantes sejam realizados com segurança. (Ro-
cha, 2009, p. 08)

Sistema Nacional de Transplantes (SNT) como um mé-


todo de defesa do Estado para os órgãos a serem transplan-
tados e todo o processo relacionado à doação e transplante
de órgãos. O SNT é uma estrutura fundamental para garantir
a legalidade, a ética e a transparência em todo o ciclo de doa-
ção e transplante.
A criação e manutenção do SNT refletem o compro-
misso do Estado em proteger a saúde pública, promover o
bem-estar da população e garantir que a doação e o trans-
plante de órgãos sejam conduzidos de maneira ética, justa e
legal.
Desse modo, ROCHA (2009), ensina que para fins dos
programas de transplante de órgãos, cabe aos Estados-Mem-
bros, e aos Municípios zelar pela execução da política ema-
nada do Estado, devendo destinar os recursos recolhidos para

64
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

estes fins especificamente para a manutenção dos programas


de transplante. Tal explicação é baseada no artigo a seguir:

Art. 5º As Secretarias de Saúde dos Estados, do


Distrito Federal e dos Municípios ou órgãos equi-
valentes, para que se integrem ao SNT, deverão
instituir, na respectiva estrutura organizacional,
unidade com o perfil e as funções indicadas na
Seção seguinte. § 1º Instituída a unidade referida
neste artigo, a Secretaria de Saúde, a que se vin-
cular, solicitará ao órgão central o seu credenci-
amento junto ao SNT, assumindo os encargos
que lhes são próprios, após deferimento. § 2º O
credenciamento será concedido por prazo inde-
terminado, sujeito a cancelamento, em caso de
desarticulação com o SNT. § 3º Os Estados po-
derão estabelecer mecanismos de cooperação
para o desenvolvimento em comum das ativida-
des de que trata este Decreto, sob coordenação
de qualquer unidade integrante do SNT. (Rocha,
2009).

2.3.2 CENTRAIS DE NOTIFICAÇÃO, CAPTAÇÃO E DISTRI-


BUIÇÃO DE ÓRGÃOS - CNCDOS

As CNCDOs são unidades executivas do Sistema Na-


cional de Transplantes (SNT) que operam no âmbito estadual.
Elas são responsáveis por coordenar as atividades de notifi-
cação, captação e distribuição de órgãos dentro do âmbito do
SNT.
A fundamentação legal das CNCDOs é estabelecida no
decreto e na legislação que regulamentam o Sistema Nacional

65
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

de Transplantes. Prevenção de Abusos e Caráter Não Rentá-


vel: A intervenção do Estado na gestão das atividades de
transplantes é necessária para evitar abusos e exploração de
terceiros que possam tentar negociar órgãos.
A preocupação do Estado é garantir que a doação de
órgãos não assuma características de um negócio rentável,
mas seja fundamentada na solidariedade, na vida e na digni-
dade humana. Respeito à Vida e Dignidade Humana: A Cons-
tituição Federal de 1988 e o Código Civil de 2002 refletem a
preocupação do Estado com o respeito à vida e à dignidade
humana em todas as fases do andamento de doação e trans-
plante. Esses documentos legais enfatizam a importância de
garantir que o processo de doação seja inegociável, ético e
baseado em princípios humanitários.
Legislação Pertinente: A Lei 9.434/1997, que trata da
remoção de órgãos, membros e partes do corpo humano para
transplantes e tratamentos médicos, é um marco legal impor-
tante nesse contexto. As modificações trazidas pela Lei
10.211/2001 complementaram e fortaleceram as disposições
da Lei 9.434/1997, reforçando o caráter não negociável e ético
do processo de doação e transplante.
Essas regulamentações e intervenções do Estado são
vitais para garantir que os processos de doação e transplante
de órgãos sejam realizados de maneira ética, respeitando os

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Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

valores fundamentais da vida, da dignidade humana e da as-


sistência. Elas protegem tanto os doadores quanto os recep-
tores, evitando a exploração e assegurando a confiabilidade e
a integridade do sistema de transplantes.
A Lei nº 9.434/1997 aborda a questão da análise da
morte encefálica como uma medida para dificultar a ação de
traficantes de órgãos e tecidos. Esse é um ponto crucial para
garantir a integridade e a transparência do processo de doa-
ção e transplante de órgãos. Em última análise, a legislação
que estabelece critérios rigorosos para a análise da morte en-
cefálica é fundamental para evitar qualquer possibilidade de
abuso e exploração no processo de doação de órgãos, garan-
tindo a confiabilidade e a legitimidade do sistema de transplan-
tes. Conforme o artigo 3°.

Art. 3º A retirada post mortem de tecidos, órgãos


ou partes do corpo humano destinados a trans-
plante ou tratamento deverá ser precedida de di-
agnóstico de morte encefálica, constatada e re-
gistrada por dois médicos não participantes das
equipes de remoção e transplante, mediante a
utilização de critérios clínicos e tecnológicos de-
finidos por resolução do Conselho Federal de
Medicina. § 1º Os prontuários médicos, contendo
os resultados ou os laudos dos exames referen-
tes aos diagnósticos de morte encefálica e có-
pias dos documentos de que tratam os arts. 2º,
parágrafo único; 4º e seus parágrafos; 5º; 7º; 9º,
§§ 2º, 4º, 6º e 8º, e 10, quando couber, e deta-
lhando os atos cirúrgicos relativos aos transplan-
tes e enxertos, serão mantidos nos arquivos das

67
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

instituições referidas no art. 2º por um período


mínimo de cinco anos. (Brasil,1997).

Garantir a lisura e transparência dos métodos de doa-


ção ou transplante de órgãos, bem como das medidas legais
tomadas para combater o tráfico de órgãos. Armazenamento
de Documentos: A exigência de manter os prontuários médi-
cos e outros documentos relacionados aos procedimentos de
doação e transplante por pelo menos cinco anos é uma salva-
guarda importante.
Esses documentos podem servir como prova em inves-
tigações e sindicâncias, contribuindo para a transparência e a
legalidade do processo. Revisão da Legislação: é crucial que
a legislação esteja em constante revisão para se adaptar às
mudanças culturais e às evoluções dos procedimentos clíni-
cos.
A Lei nº 10.211/2001 é um exemplo disso, demons-
trando a necessidade de atualização e aprimoramento das leis
para enfrentar os desafios emergentes. Tráfico de Órgãos: O
Brasil, juntamente com outros países da América Latina, en-
frenta a ameaça do tráfico de órgãos.
O tráfico de órgãos muitas vezes assume característi-
cas de crime organizado, com redes complexas e conexões
internacionais, com isso, penais legislação brasileira possui

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Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

artigos específicos para tratar do tráfico de órgãos, como o ar-


tigo 15 da Lei nº 9.434/1997. disso, outras tipificações penais
relacionadas aos procedimentos de doação e transplantes,
como os artigos 17 e 18, também desempenham um papel im-
portante na coibição dessas práticas ilegais.
Combate ao Tráfico de Órgãos: O combate ao tráfico
de órgãos requer ações conjuntas, envolvendo não apenas a
legislação, mas também a cooperação internacional, o fortale-
cimento das investigações e a conscientização pública.
Enfrentamento dos Desafios: A combinação de regula-
mentações legais rigorosas, conscientização pública e esfor-
ços internacionais é fundamental para enfrentar o tráfico de
órgãos e proteger a integridade do sistema de doação e trans-
plante.
O desafio de combater o tráfico de órgãos exige uma
abordagem multidimensional, que envolva não apenas o as-
pecto legal, mas também a sensibilização da sociedade, o for-
talecimento das instituições de saúde e a colaboração interna-
cional para prevenir essa prática criminosa e preservar os prin-
cípios éticos e humanitários dos transplantes.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Em suma, o tráfico de órgãos no Brasil é uma realidade


perturbadora que desafia os princípios éticos, a legislação e

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Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

os direitos humanos. Apesar das leis rigorosas estabelecidas


para regular a doação e transplante de órgãos no país, o trá-
fico persiste como uma ameaça à dignidade humana e à inte-
gridade do sistema de saúde. A exploração de pessoas vulne-
ráveis, muitas vezes em situações desesperadoras, para a ob-
tenção ilegal de órgãos é um crime grave que requer uma res-
posta firme por parte das autoridades, da sociedade civil e da
comunidade médica.
A implementação eficaz da Lei nº 9.434/1997 e o forta-
lecimento das instituições responsáveis pelo monitoramento e
regulamentação dos transplantes são fundamentais para com-
bater essa prática criminosa. Além das medidas legais, é es-
sencial investir em educação pública e conscientização sobre
a importância da doação legal de órgãos. A promoção da cul-
tura da doação altruísta, baseada na solidariedade e no res-
peito à vida humana, pode contribuir para reduzir a demanda
por órgãos ilegalmente obtidos e enfraquecer as redes de trá-
fico.
A luta contra o tráfico de órgãos é um desafio árduo que
pressupõe empenhos planejados em nível nacional e interna-
cional. O Brasil, como signatário de convenções internacionais
e defensor dos direitos humanos, tem a responsabilidade de
enfrentar esse problema de frente, garantindo que o sistema
de doação e transplante de órgãos seja transparente, ético e

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Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

centrado no bem-estar humano.


No cerne dessa questão, está a preservação da digni-
dade humana e o compromisso de proteger os direitos funda-
mentais de todos os cidadãos. O Brasil deve continuar a tra-
balhar incansavelmente para erradicar o tráfico de órgãos, as-
segurando que a saúde e a vida das pessoas permaneçam
como prioridades absolutas em sua sociedade.

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Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

3
LEI N° 14.132/21, O ADVENTO DO CRIME DE STALKING E
SEUS EFEITOS JURÍDICOS A QUEM O PRATICA

LAW 14.132/21, THE ADVENT OF THE CRIME OF STALKING


AND ITS LEGAL EFFECTS ON THOSE WHO PRACTICE IT

Ariane Cristina Vieira do Nascimento5


Williane Tibúrcio Facundes6

NASCIMENTO, Ariane Cristina Vieira. Lei n° 14.132/21, o advento


do crime de stalking e seus efeitos jurídicos a quem o pratica.
27 páginas. Trabalho de Conclusão de Curso de graduação em Di-
reito – Centro Universitário UNINORTE, Rio Branco. 2023.

5
Discente do 9º período do curso de bacharelado em Direito pelo Centro
Universitário Uninorte. Graduada em Ciências Sociais pela Universidade
Federal do Acre - UFAC.
6
Docente do Centro Universitário Uninorte. Graduada em Direito pela
U:VERSE. Especialista em Psicopedagogia pela Universidade Varzea-
grandense e Direito Digital pela Faculdade Metropolitana. Graduada em
Letras Vernáculas pela Universidade Federal do Acre - UFAC.

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Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

RESUMO

Introdução. O presente estudo trata da Lei n14.132/21, que tipificou


o crime de stalking, verbo em inglês que significa perseguindo. É
ressaltado os efeitos jurídicos produzidos diante da conduta, como
as penalidades, majorações, incidências em outros crimes e mino-
ração da pena, através dos institutos despenalizadores. Objetivo.
neste estudo, foi apresentada a origem do delito, sua inspiração,
que se deu pela lei americana, também é discutida a contravenção
penal anteriormente usada nesse tipo de conduta. O estudo da ên-
fase na incidência dos crimes de feminicídio, ameaça, e violência
doméstica (Lei Maria da Penha), e também apresenta o crime na
modalidade virtual, conhecido como cyberstalking. Método. a cons-
trução do artigo se deu através da análise de casos práticos, leis
que serviram de embasamento para a criação da lei objeto deste
estudo, entendimentos de doutrinadores e jurisprudência pátria
acerca da matéria. Resultados. com o advento da Lei n° 14.132/21,
as condutas de perseguição ganharam um fim, e ainda, a criminali-
zação da conduta serviu como meio de prevenção para crimes de
maior potencial ofensivo, como o feminicídio, considerando que com
a investigação do agente pelo crime de stalking, tem-se ciência da
obsessão do agente pela vítima, e as medidas que possam vir a ser
tomadas por este. Conclusão. Deste modo, conclui-se que a ins-
tauração da Lei objeto deste artigo, especificou uma conduta que
anteriormente era enquadrado em uma contravenção penal, sendo
sua justificativa uma forma esporádica de perturbação da tranquili-
dade. No entanto, atualmente o ato de perseguir alguém reiterada-
mente e habitualmente é considerado crime, previsto expressa-
mente no art. 147-A do Código Penal Brasileiro.

Palavras-chaves: perseguição; crime; stalking; conduta; obsessão.

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Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

ABSTRACT

Introduction.The present study deals with Law n14.132/21, which


typified the crime of stalking, an English verb that means stalking. It
is emphasized the legal effects produced in the face of conduct, such
as penalties, increases, incidences on other crimes and reduction of
the penalty, through the decriminalizing institutes. Objective. in this
study, the origin of the offense was presented, its inspiration, which
was given by American law, the criminal offense previously used in
this type of conduct is also discussed. The study of the emphasis on
the incidence of crimes of femicide, threat, and domestic violence
(Maria da Penha Law). Method. the construction of the article took
place through the analysis of practical cases, laws that served as the
basis for the creation of the law object of this study, understandings
of indoctrinators and homeland jurisprudence on the matter. Re-
sults. with the advent of Law Nº.14.132/21, the conduct of persecu-
tion came to an end, and also, the criminalization of the conduct ser-
ved as a means of prevention for crimes of greater offensive poten-
tial, such as femicide, considering that with the investigation of the
agent for the crime of stalking, one is aware of the obsession of the
agent by the victim, and the measures that may be taken by him.
Conclusion. Thus, it is concluded that the establishment of the Law
object of this article, specified a conduct that was previously framed
in a criminal misdemeanor, and its justification is a sporadic form of
disturbance of tranquility. However, currently the act of persecuting
someone repeatedly and is usually considered a crime, expressly
provided for in art. 147-A of the Brazilian Penal Code.

Keywords: persecution; crime; stalkin; conduct; obsession.

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Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

INTRODUÇÃO

O presente estudo elenca as mudanças inerentes a


conduta específica de perseguir alguém, que deixou de ser
aplicada a contravenção penal de perturbação da tranquili-
dade, prevista no art. 65 da lei n.3.688/41.
Ressalta-se a necessidade do uso desse mecanismo
legal como meio preventivo para a evolução da conduta para
crimes de maior potencial ofensivo, analisando o histórico do
agente, e suas intenções para com a vítima, tem-se a ideia de
que há a possibilidade de novas investidas que possam vir a
incidir em outros crimes. Neste sentido destaca-se a incidên-
cia do crime de stalking nos crimes de: ameaça, feminicídio e
violência doméstica, posto que, em suma maioria dos casos,
a perseguição antecede uma ação atroz.
É demonstrado neste artigo, a prática de perseguição
por meios virtuais, denominado de cyberstalking, e como as
investidas em âmbito digital tendem a evoluir para abordagens
presenciais.
A pergunta de extrema relevância feita neste estudo é:
como se prova o crime de stalking? Em intento à resposta
desta pergunta, foi analisado os tipos de prova admitidos em
uma ação penal, salientando as provas cabíveis à produção
em um caso concreto, quais sejam, depoimento pessoal da

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Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

vítima, prova testemunhal; provas documentais, neste artigo,


apresentamos a prova documental por meio de capturas de
tela de mensagens recebidas pela vítima quando da prática de
cyberstalking, e filmagens de câmeras de segurança, que
comprovam as abordagens sofridas pela vítima); intercepta-
ção eletrônica, como meio de verificar as ações por meio de
computadores ou smathphones do agente em relação a ví-
tima, como buscas por informações da mesma, ou de pessoas
próximas, que possam facilitar suas investidas; quebra de si-
gilo de dados de localização, esta prova tende a ser eficiente
para comprovar que o stalker passou a frequentar os mesmos
lugares de sua vítima, e também, na ausência de registros de
câmeras de segurança, a prova testemunhal e a quebra de
sigilo de dados de localização tendem a ser muito útil nas in-
vestigações; por fim, a busca e apreensão, para uma análise
aprofundada de todos os passos do stalker, compreendendo
todos os seus mecanismos usados para as abordagens, como
também seus próximos passos.

3.1 CRIME DE STALKING

Em 31 de março de 2021, foi criada a lei que dispõe


acerca o crime de perseguição, mais conhecido como stalking,
trazendo as penas deste crime e sua aplicabilidade, descre-
vendo a conduta e o enquadramento desta, qual seja, o ato no

79
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

qual o agente persegue reiteradamente a vítima, restringindo-


lhe a liberdade de locomoção, e ameaçando sua integridade
física.
Inicialmente, em seu projeto de lei, o nomen iuris era
“perseguição obsessiva”, porém, na lei vigente, ficou determi-
nado apenas “perseguição”, pois com a adesão do termo ob-
sessiva, poderia gerar a interpretação de condição de obses-
são para a tipificação do crime, restringindo sua aplicabilidade
em casos concretos.
Todavia, o quesito obsessão não é tão distante do delito
em questão, muito pelo contrário, se faz bastante presente em
sua prática, visto que a conduta é reiterada, insistente, e prin-
cipalmente obsessiva.
Consiste em um crime comum, possuindo apenas a
sua modalidade dolosa, pois a prática é reiterada, inexistindo
a possibilidade de uma perseguição “culposa”. Esta conduta
está prevista na Sessão I do Código Penal Brasileiro, incluso
no rol dos crimes contra a liberdade pessoal, sendo o bem ju-
rídico tutelado a liberdade pessoal.
Quanto a sua consumação, esta dar-se-á na prática
reiterada de perseguição, que de algum modo afete a sua li-
berdade ou esfera de privacidade, restrinja sua liberdade de
locomoção e ameace sua integridade psicológica e/ou física.
Não obstante é o entendimento de Andreucci:

80
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

A consumação ocorre com a prática reiterada da


perseguição, caracterizando crime habitual. No
caso de ameaça à integridade física ou psicoló-
gica da vítima, a consumação se dá independen-
temente de qualquer resultado naturalístico, ca-
racterizando crime formal. Já na restrição à ca-
pacidade de locomoção e na invasão ou pertur-
bação da esfera de liberdade ou privacidade da
vítima, há necessidade de resultado naturalístico
para a consumação, tratando-se de crime mate-
rial. (2021, p.350).

Neste ínterim, temos três pilares para a configuração do


crime de stalking, quais sejam:

a) ameaça à integridade física e/ou psicológica: consiste na


anunciação por parte do stalker, de sua intenção de provocar
alguma ação grave ou um mal injusto para a vítima, que oca-
sione danos físicos e consequentemente psicológicos, visto
que a vítima sofre uma grande pressão por parte do agente,
podendo ocasionar prejuízos para a saúde mental da vítima,
e em razão da imprevisibilidade do stalker, o receio torna-se
recorrente, considerando que o mesmo pode lhe fazer algum
mal a qualquer momento.

b) restrição da liberdade de locomoção: como visto no item


anterior, há um grande emprego de medo na vítima, onde a
mesma a qualquer custo quer evitar uma abordagem ines-
perada, pois não tem controle das ações do stalker, nem se

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Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

quer sabe em qual momento ele irá agir, portanto, para evitar
ser surpreendida, a vítima acaba tendo sua liberdade de lo-
comoção restringida, evitando sair para não ter um encontro
desagradável com o stalker, uma vez que nesta fase da res-
trição da liberdade de locomoção, o stalker deixa claro que
tem informações acerca da vítima, e pode aparecer em qual-
quer local que esta esteja, ele mostra à vítima que ela está
sob seu domínio. E em consequência de a vítima estar ame-
drontada e não sair para determinados locais como medida
de evitar uma abordagem indesejada, o agente causa um
efeito controlador sobre a vítima, e consequentemente, con-
segue com que esta faça suas vontades, pois junto com a
obsessão, vem também o ciúmes, e o fato da vítima estar
com sua liberdade comprometida, agrada o agente visto que
a vítima não irá encontrar outras pessoas.

c) invasão da esfera de privacidade: por fim, neste item são


englobados os dois itens anteriores, considerando que a ví-
tima neste estágio do crime, está sob o domínio do agente,
em razão das ameaças e restrições de liberdade, podemos
interpretar este item como a última fase do delito, visto que
este é o objetivo do agente, entrar na esfera de privacidade
da vítima, entrar na sua intimidade. Vemos que na referida
Lei que tipifica esta conduta, não diz uma ação específica da
perturbação de privacidade ou invasão, apenas demonstra
de uma forma genérica que há interferência na privacidade
da vítima, em outras palavras, a conduta é livre, podendo ser

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Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

essa invasão, a ação de ir e vir, invasão de redes sociais, a


invasão de domicílio, aparições em ambientes ocasionais
frequentados pela vítima, abordagens e investidas em ambi-
ente de trabalho, academia, faculdade e dentre outros locais.

3.1.1 CONTRAVENÇÃO PENAL DE PERTURBAÇÃO DA


TRANQUILIDADE (ART. 65 DA LEI N.3.688/41)

Anteriormente, pela falta de norma legal específica,


nos casos de perseguição era utilizada a contravenção penal
de perturbação da tranquilidade (art. 65 da Lei 3.688/41). No
entanto, a contravenção penal de perturbação da tranquili-
dade, não é específica à conduta trazida neste artigo, consi-
derando que em seu caput não está prevista ação de perseguir
alguém, assim, a perturbação dita no dispositivo, pode ser in-
terpretada de várias formas.

Art. 65. Molestar alguém ou perturbar-lhe a tran-


quilidade, por acinte ou por motivo reprovável:
(Revogado pela Lei nº 14.132, de 2021)
Pena – prisão simples, de quinze dias a dois
meses, ou multa, de duzentos mil réis a dois
contos de réis.(Revogado pela Lei nº 14.132, de
2021). (Brasil, 1941)

Observa-se que no dispositivo in verbis, a


interpretação é ampla quanto à perturbação, assim, verifica-

83
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

se certa dificuldade no enquadramento da conduta de


perseguição, na contravenção entabulada.
Embora usada para este tipo de conduta, a
contravenção penal de perturbação da tranquilidade difere do
crime de stalking, uma vez que o delito discutido, tem como
principal característica a perseguição, o ato de perseguir uma
pessoa.
Por outro lado, a contravenção de perturbação da
tranquilidade não era a conduta específica no tocante à
perseguição, porém, na falta de norma regulamentadora,
utilizava-se a contravenção supracitada.

3.1.2 HABITUALIDADE DA CONDUTA

O crime de stalking exige habitualidade, noutras


palavras, este se configura através da prática reiterada de
perseguição, portanto, o crime de stalking inexiste em sua
forma tentada. Ressalta-se que por tratar-se de conduta
habitual, é um delito tipificado somente como doloso, haja
vista que a perseguição é intencional, prejudicial à vítima e
conduta não ocasional.
Em observação ao ilustre Código Penal Brasileiro, em
seu art. 147-A, verifica-se a palavra “reiterada” como um
requisito para a configuração do delito. Então, surge a

84
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

seguinte questão: Como é configurada a reiteração?


A lei não estabelece uma quantidade de condutas para
que seja reconhecida a reiteração, sendo exigido como
requisito para o enquadramento do delito, a prática da
conduta de forma habitual.
Portanto, se a prática da conduta se deu apenas duas
vezes, não podemos falar em stalking, visto que apenas duas
vezes, não configura no requisito de reiterabilidade, visto que
se o ato é praticado de forma esporádica, não há o
cumprimento do requisito supracitado, porquanto, não há
uma conduta habitual.
Considerando que houve uma primeira abordagem, e
depois outra conduta similar, ainda não se enquadra na
reiteração exigida para este tipo penal.

3.2 CYBERSTALKING

Quando falamos em stalking, em um primeiro momento,


em razão da ascensão da internet, pensamos em “bisbilhotar
redes sociais”, pois esse foi o termo adotado pelos internautas
para quem analisa minunciosamente o perfil de alguém em
determinada rede social. No entanto, devemos levar em conta
três pilares bases para a tipificação deste crime:

85
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

1) repetitividade: a conduta deve ser repetitiva, praticada di-


versas vezes, reiteradamente.
2)persistência: na mesma linha da repetitividade, a prática é
persistente, o agente tem um objetivo e é firme neste ele per-
siste até que a vítima ceda às suas investidas.
3)imprevisibilidade: as abordagens do agente não são con-
sentidas pela vítima, portanto, a mesma não sabe quando
será a próxima ação do stalker. Um dos efeitos mais notáveis
nas condutas de stalking em relação à imprevisibilidade, está
no medo causado na vítima, onde a esta, amedrontada, teme
a chegada do stalking em diferentes lugares, restringindo a
sua liberdade e sua vida social.

A imprevisibilidade se dá tanto pelo tipo de conduta que


possa decorrer da perseguição, exemplo: agressão, ou até
mesmo homicídio. Como também quando irá ocorrer a perse-
guição. A vítima, já desconfortável e receosa com a situação,
vive em constante desconfiança de quando poderá ser surpre-
endida pelo stalker.
Nas palavras de Auriney Uchoa de Brito, o termo
cyberstalking faz referência a perseguição através do uso da
internet: “Embora não haja uma definição universalmente
aceita de cyberstalking, o termo é utilizado para se referir à
perseguição de outra pessoa através do uso da internet ou ou-
tros dispositivos de comunicações eletrônicas. (Brito, 2013).”

86
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

Nesta linha de raciocínio, vemos que o stalking não ne-


cessariamente deve ser praticado de forma presencial, como
também é tipificado quando da conduta por meio virtual. O
cyberstalking, por tratar-se de ação que depende do uso da
tecnologia, é uma modalidade posterior à perseguição tradici-
onal (presencial), mas nem por este motivo, deixa de ser me-
nos ocorrente, muito pelo contrário, o cyberstalking tende a
anteceder o stalking em sua modalidade convencional, uma
vez que conforme o agente adquire informações acerca da ví-
tima, mais propício se torna uma futura abordagem. Também
no entendimento de Auriney Uchoa de Brito, o cyberstalking
pode ser definido como stalking on-line, sendo o assédio por
intrusão fora da esfera virtual, definido como Stalking off-line.
Essa prática, portanto, após o incremento tecnológico,
ganhou uma classificação quanto à sua forma, podendo ser
dividido em Stalking off-line e Stalking on-line. O primeiro ge-
ralmente exige que o perseguidor e a vítima estejam localiza-
dos na mesma área geográfica. No segundo, os cyberstalkers
oscilam de localização, pois não há a necessidade de proximi-
dade do local em que a vítima se encontra, posto que nessa
modalidade, a consumação se dá por meios virtuais.
Por conseguinte, ressalta-se que o cyberstalking pode
evoluir para abordagens presenciais, ou até mesmo ações de
caráter extremamente periculoso em razão da fixação que o

87
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

agente possui pela vítima. Destaco o pensamento de Auriney


Brito quanto à evolução do cyberstalking

Os perseguidores da internet, ou como são co-


nhecidos em outros países, os cyberstalkers,
possuem uma fixação doentia pela vítima. Sua
obsessão pode direcionar o perseguidor a extre-
mos, fazendo desse tipo de investigação algo de-
safiador e potencialmente perigoso (Brito, 2013).

É sabido que atualmente, com o avanço da tecnologia,


na era digital, as redes sociais vêm conquistando cada vez
mais espaço no cotidiano dos indivíduos, em virtude de sua
praticidade de comunicação, informação e produtividade.
As redes sociais conquistaram um lugar na vida de cada
indivíduo, gerando até mesmo fonte de renda, como é o caso
de influenciadores digitais, que monetizam em cima das pub-
lis. As publis são propagandas feitas para o público de deter-
minada rede social, é um ramo da publicidade onde o influen-
ciador, faz uma publicação falando de determinada marca,
produto ou serviço, e recebe por essa publicação, uma vez
que com o alcance que o influenciador tem em sua plataforma
de trabalho (redes sociais), pode atrair clientes para as mar-
cas, visto que atualmente, muitas pessoas pesquisam pela in-
ternet antes de realizar uma compra ou contratar algum ser-
viço.

88
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

Neste diapasão, temos os stories, que são postados di-


ariamente para que os internautas acompanhem a vida de
seus influenciadores favoritos. Todavia, é notório que vários
vídeos e fotos publicados em tempo real, do seu dia a dia, car-
regam muita informação, senão vejamos.
Um influenciador que compartilha a sua rotina, está in-
formando suas tarefas cotidianas, alguns casos, há filmagens
dos locais, e até mesmo referenciando a localização de onde
se encontram, frisando que os “stories” são postados em
tempo real. Com isso o stalker recebe muitas informações, que
consequentemente acarretam em planejamento e execução
de investidas, haja vista a facilidade proporcionada pela ví-
tima, otimizando as abordagens do agente.
Com essa ferramenta de stories, é possível acompa-
nhar o indivíduo, sendo esta ferramenta de grande vantagem
para o agente, pois ele pode acompanhar em tempo real a vida
de sua vítima, ganhando tempo para estudar e planejar suas
abordagens, colhendo informações como locais que a vítima
costuma frequentar, bem como os horários em que ela vai até
esses locais, horários que a vítima chega em casa, e se vive
sozinha. São diversas informações que são disponibilizadas,
inconscientemente pela vítima em suas redes sociais, que po-
dem lhe expor a situações de perigo, como ser vítima de
stalking.

89
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

Mas afinal, o que é cyberstalking? Trata-se da conduta


de perseguição por meio virtual. Haja vista a facilidade de co-
municação via internet, se tornou muito mais prático a sociali-
zação neste meio, mas como todo bônus tem seu ônus, com
tamanha flexibilidade de comunicação, decorre também as im-
portunações no meio virtual, sendo a mais comum delas, o as-
sédio. Nessa esfera, temos o assédio por intrusão, que é nada
mais que o crime de perseguição estudado neste artigo.
Sabe-se que nas plataformas digitais, é possível reali-
zar contato com terceiros mediante o chat disponibilizado nos
sites e aplicativos de mídias sociais, e também, é possível blo-
quear um bate-papo indesejado. Todavia, o simples fato de
bloquear alguém, não impede ninguém de ser vítima de
stalking, uma vez que é possível criar outra conta, para conti-
nuar as importunações.
Outro ponto que também torna a vítima demasiada-
mente vulnerável, são os “recebidos” que fazem parte das pu-
blis. Este ato consiste no recebimento de um produto de de-
terminada marca, para testar e dar suas considerações acerca
do produto, vale ressaltar que nas publis, a negociação con-
siste em um acordo, onde é pactuado um valor entre as partes
para que o/a influenciador(a) realize a publicação acerca do
produto.

90
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

Deste modo, verifica-se que para que os influenciado-


res recebam o produto, é necessário passar seu endereço
para as marcas. Alguns influenciadores mais experientes pos-
suem caixa postal, porém, os influenciadores novatos, não
possuem, e precisam passar seus endereços.
Posto isto, temos a ação do stalker diante das figuras
públicas da internet. É sabido que no crime de stalking, o
agente cria uma obsessão pela vítima, sendo capaz de qual-
quer coisa para atingir seu objetivo. Isso inclui, dentro da mo-
dalidade do cyberstalking, a criação de perfis falsos, pas-
sando-se por lojas/marcas, forjando uma parceria apenas para
conseguir o endereço da vítima.
Frise-se que os stalkers são minunciosamente calculis-
tas, visto que tendem a desempenhar esforço em dobro para
realizar contato, uma vez que a vítima evito este contato. Por-
tanto, eles premeditam qualquer ação para que nada fuja de
seus planos, no caso dos perfis falsos, primeiro, o agente vai
moldando o perfil, seguindo outras contas e realizando publi-
cações que deem a entender que é verídica a marca/loja. As-
sim, o stalker consegue fazer contato com a vítima sem levan-
tar suspeitas.
Frise-se que no cyberstalking, a vítima não tem con-
trole sobre o agente, e também não há uma “área de segu-

91
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

rança”, visto que o simples bloqueio não obsta uma nova abor-
dagem. Nestes casos, a vítima se sente totalmente ameaçada
na esfera virtual, e as ameaças englobam ações físicas, como
por exemplo, ameaças através de SMS (mensagens de texto),
coagindo a vítima a restringir sua liberdade de locomoção, por
frases proferidas pelo stalker no sentido de “quando você sair
esterei te esperando”, ou “vou te encontrar onde quer que você
esteja”
Nem sempre o cyberstalking decorre de uma comuni-
cação entre as partes, este pode se dar através do constante
e reiterado monitoramento sobre a vítima, com intuitos diver-
sos, como por exemplo, criação de perfis falsos, que necessi-
tam de conteúdo para parecer reais, nesses casos, o agente
tende a perseguir virtualmente a pessoa a qual ele está se
passando, para realizar postagens que asseverem sua con-
duta, tal ação comina o crime de falsidade ideológica, previsto
no artigo 299 do Código Penal Brasileiro.
As vítimas mais comuns de cyberstalking são celebri-
dades, pois estas estão sempre expostas na mídia, acarre-
tando uma maior visibilidade em cima delas, sendo isso, um
ponto positivo para o stalker, visto que este consegue ter mai-
ores informações acerca de sua vítima, através dos canais de
notícias.

92
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

O agente que tem como vítima uma celebridade, tem


acesso à informações como sua localização, sua vida pessoal,
que dificilmente consegue ser privada, em razão dos inúmeros
sites que noticiam cada passo seu. Por este motivo, por ter
tanto conhecimento acerca da vida da celebridade a qual per-
segue, o agente tem a ilusão de intimidade com a vítima, pois
tem detalhes acerca de sua vida, ele sente que são próximos,
e quer materializar essa intimidade.
Insta mencionar que os agentes, em sua maioria, so-
frem de algum distúrbio psicológico, o que pode levar-lhes a
crer que seu comportamento deriva de uma conduta recíproca
da vítima.
É importante realçar que o cyberstalking não necessa-
riamente é praticado somente por um agente, este pode ser
praticado inclusive por grupos, como podem ser vítimas não
só apenas um indivíduo, como também duplas, grupos e até
mesmo organizações/associações. Dentre os motivos da prá-
tica do cyberstalking estão desde vingança, sentimento não
correspondido e até mesmo ameaças com fim de vantagens
financeiras.
Um exemplo de cyberstalking bem conhecido no Brasil
é o caso da apresentadora de TV Ana Hickmann, onde um
homem hospedou-se no mesmo hotel que a apresentadora, e
rendeu um membro de sua equipe, obrigando-o a levá-lo ao

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Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

quarto de Ana, frise-se que o stalker estava armado no mo-


mento da invasão. Informações da imprensa relatam que o
agente atirou cotra outra assistente da apresentadora que es-
tava no local, mas este foi morto com sua própria arma, pelo
mesmo assistente que o levou até o quarto da apresentadora.

3.3 CONSEQUÊNCIAS DA PRÁTICA DO CRIME DE


STALKING

Este delito tem como pena reclusão de 6 (seis) meses


a 2 (dois) anos e multa. E suas causas de aumento de pena
estão previstas nos incisos I, II e II, in verbis:

Art. 147-A.Perseguir alguém, reiteradamente e


por qualquer meio, ameaçando-lhe a integridade
física ou psicológica, restringindo-lhe a
capacidade de locomoção ou, de qualquer forma,
invadindo ou perturbando sua esfera de
liberdade ou privacidade.

Pena – reclusão, de 6 (seis) meses a 2 (dois)


anos, e multa.
§ 1º A pena é aumentada de metade se o crime
é cometido:
I – contra criança, adolescente ou idoso;
II – contra mulher por razões da condição de
sexo feminino, nos termos do § 2º-A do art. 121
deste Código;
III – mediante concurso de 2 (duas) ou mais
pessoas ou com o emprego de arma.
§ 2º As penas deste artigo são aplicáveis sem
prejuízo das correspondentes à violência. (Brasil,
1940)

94
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

Frise-se que no inciso II, temos a majoração da pena


se o ato é praticado contra pessoa do sexo feminino, pela sua
condição de gênero. Neste diapasão, fazendo uma análise da
conduta praticada contra a mulher, levamos em conta que
incidem outros crimes, como a violência psicológica, assédio
e até mesmo feminicídio.
Neste crime, temos a liberdade individual como bem
tutelado, visto que a ação principal é a restrição da liberdade,
mediante perseguições, ameaças e investidas continuas e
insistentes por parte do agente. Trata-se de crime comum, ou
seja, qualquer pessoa pode atuar no polo ativo (agente, bem
como qualquer indivíduo pode figurar no polo passivo
(vítima), entretanto, há causas de aumento de pena em
relação ao polo passivo, no parágrafo 1º da referida lei, como
destacado anteriormente, sendo estas:

1) quando praticado contra pessoa do gênero feminino;


2) quando praticado contra criança, adolescente ou idoso;
3) quando houver concurso de 2 (duas) ou mais pessoas ou
emprego de arma.

Tais majorações serão estudadas mais na frente com


mais detalhes. Insta destacar que a conduta do stalking é

95
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

imprevisível, tendo em vista que a obsessão e persistência


podem acarretar um dano maior dos quais a vítima já se
encontra sofrendo.
Neste sentido, temos a recusa da vítima a realizar
contato com o agente, essa rejeição, ocasiona ainda mais
desejo no autor, e com a sua insistência, a vítima acaba
realizando contato a fim de suplicar pelo fim das
perseguições. Todavia, esse contato gera uma esperança no
autor, acarretando no aumento das perseguições, e na
medida que a vítima faz contato para que este cesse com as
abordagens, o sentimento de intimidade criado pelo agente
só aumenta, ocasionando novas condutas, que para ele, são
necessárias para conseguir seu objetivo.
A rejeição por parte da vítima, pode levar a atitudes
extremas, onde a obsessão passa a ser acompanhada pela
ira, pois a vítima o rejeita, rejeita todos os seus esforços, e o
agente se vê frustrado, então, passa a querer chamar a sua
atenção a todo custo, e até mesmo vingar-se por todas as
recusas e demonstrações de desapreço que a vítima tem
para com ele.
Quando o agente passa a ter raiva da vítima, seu
objetivo não é mais só fazer parte de sua vida, mas sim ter a
vítima para si, e poder dominá-la. Nessa linha, verifica-se a
presença da manipulação, onde o agente consegue fazer

96
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

com que a vítima se abstenha de coisas das quais ele não


gosta que a mesma faça, como por exemplo, sair com
amigos, visitar lugares, e dentre outras coisas. A manipulação
consiste no medo implantado na vítima, onde a mesma
acredita que se sair de sua residência, que é a sua área de
segurança, encontrará com o autor, e temendo esse
encontro, restringe suas saídas.
Outra forma de manipulação é o terror psicológico
causado na vítima, fazendo com que ela alucine ver o stalker
em lugares que ele não está, por medo de encontrá-lo. Nesse
tipo de manipulação, a vítima perde a noção dos fatos, e
consequentemente, se abstém de conhecer pessoas e
lugares, e quando se encontra fora de sua área de segurança,
logo quer retornar, pois teme uma abordagem inesperada do
stalker, que sempre ocorre de forma inesperada.
No tocante ao terror psicológico analisado acima,
temos o termo “terrorismo psicológico”, que traz essa mesma
analogia. Nas palavras de Rogério Greco, o stalking pode ser
interpretado como um tipo de “terrorismo psicológico”, onde a
vítima assombrada pelas perseguições, perde totalmente a
sensação de segurança, e até mesmo a noção da verdade,
pois o medo é tão grande, que ao sair, pensamentos de
receio do encontro com o stalking a assolam, e mesmo que
este não esteja presente no local, ele se faz presente nos

97
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

pensamentos da vítima, tendo em vista que a mesma teme


por ser surpreendida mais uma vez.

É uma espécie de terrorismo psicológico, onde o


autor cria na vítima uma intensa ansiedade,
medo, angústia, isolamento pelo fato de não
saber exatamente quando, mas ter a certeza de
que a perseguição acontecerá, abalando-a
psicologicamente, impedindo-a, muitas vezes,
de exercer normalmente suas atividades.
Figurativamente, o comportamento do agente se
equipara a um gotejamento constante, criando
uma situação de perturbação, desconforto,
medo, pânico. (Greco, 2021.)

Deste modo, é nítido os danos psicológicos causados


à vítima, a qual se torna vulnerável à possíveis danos físicos,
como veremos no tópico a seguir.

3.3.1 DA INCIDÊNCIA DA LEI MARIA DA PENHA (VIOLÊN-


CIA DOMÉSTICA) NO CRIME DE STALKING

O stalking traz consigo um desejo de correspondência,


porém, existem casos em que o stalker já fez parte da vida da
vítima, o que facilita em suas abordagens, visto que conhece
a rotina da mesma, seu ciclo social e os lugares no qual a
mesa costuma frequentar.
Assim, com tantos meios para surpreender a vítima, o
agente, na oportunidade da abordagem, movido pela raiva,

98
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

este faz uso de violência contra a vítima, sendo esta do sexo


feminino, incidindo então, o crime de violência doméstica, tam-
bém conhecido como Lei Maria da Penha. A Lei Maria da Pe-
nha é vislumbrada no delito, nas seguintes hipóteses:

- Da ação na qual o stalker, no ato da perseguição, causa


danos psicológicos a vítima, decorrente de suas investidas e
táticas que afetam diretamente a mesma.

- Da conduta de perseguição frequente, onde o stalker, em


conhecimento da localização da vítima, por já ter frequen-
tada este meio em razão de vínculo anterior com a mesma,
vai de encontro a ela, sem o consentimento mútuo, e na
oportunidade, faz uso de violência, independente de resul-
tado lesivo. Haja vista que o simples fato do agente dirigir-se
até o local em que vítima se encontra, e utilizar de violência
para atingir os objetivos premeditados, gera um dano psico-
lógico na vítima, inibindo-a a restringir suas atividades, por
medo de um eventual encontro indesejado.

- Da presença de difamação, calúnia e injúria contra a vítima,


o que fere a sua moral, e afeta diretamente nas relações pes-
soais e profissionais da ofendida.

- Da ação na qual o stalker, movido por motivo de amor, raiva


ou vingança, vandaliza, subtrai, retém, deteriora ou impede
o uso regular de algum bem da vítima, na intenção de afetá-
la, unicamente para chamar sua atenção.

99
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

Ante o exposto, não se pode olvidar da incidência do


crime de feminicídio na conduta do stalking. Como já demons-
trado, os próximos passos do agente são incertos, visto que
este tem como principal característica a imprevisibilidade, fa-
zendo com que a vítima seja pega desprevenida em suas in-
vestidas.
Tal imprevisibilidade abre espaço para condutas violen-
tas, uma vez que como dito acima, a vítima se encontra vulne-
rável no momento do encontro, dando a oportunidade ao stal-
ker, de tomar medidas extremas para atingir seu objetivo. Vale
ressaltar que o autor, por conta das frustrações em suas ten-
tativas de contato, pode inicialmente ter um objetivo, como por
exemplo, criar uma intimidade e estabelecer um vínculo com
a vítima, mas, pelas recusas por parte da vítima, seu objetivo
pode ficar “apagado” e a raiva tomar seu lugar, ocasionando
assim, uma obsessão ainda mais doentia, acompanhada de
um plano de vingança, pois o stalker não suporta a rejeição.
Nesta esfera de rejeição, deve-se elencar os dois efei-
tos causados pelo sentimento de rejeição:

a) o stalker após a rejeição, sente-se ainda mais motivado


para concluir seu objetivo, qualquer que seja, pois enxerga a
rejeição como um desafio. Geralmente, a figura do agente
nutre um interesse amoroso na vítima, portanto, a rejeição

100
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

lhe deixa ainda mais motivado para conseguir fazer parte da


vida de sua vítima.
b) nesta outra hipótese, o stalker se sente frustrado, e to-
mado pelo rancor, deposita na vítima sentimentos de raiva,
demasiadamente inconformado, o agente planeja uma vin-
gança contra a vítima, nessa hipótese, o stalker deseja o so-
frimento da vítima, seu desejo é que a mesma também sofra,
porém, ele planeja ações violentas para praticar contra a ví-
tima em um momento oportuno, uma vez que para o stalker,
não há dano psicológico, ele não percebe que prejudica a
vítima com a conduta de perseguir. Por este motivo, para
fazê-la sofrer, o agente entende necessário causar-lhe dano
físico.

Vislumbra-se que o stalking é uma espécie de violência


contra a mulher, visto que a violência psicológica se caracte-
riza pelo dano à saúde psicológica da mulher, vemos que as
condutas são semelhantes às da violência psicológica, quais
sejam, constrangimento, manipulação, propagação do medo,
tormenta, perda da liberdade (no amplo sentido, abrangendo
desde a liberdade de locomoção como também a liberdade de
expressão, uma vez que a vítima teme ter alguma atitude que
chateie o agente).
Ademais, os casos de violência doméstica, em sua
grande maioria, a vítima antes da ocorrência do fato, já havia

101
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

sido perseguida por um tempo, até que a perseguição se tor-


nou ação violenta contra a vítima.
A Lei Maria da Penha, em seu art.12-C, dispõe que o
stalking praticado na esfera doméstica, é uma conduta apta
para a aplicação de medida protetiva, conforme a previsão in
verbis:

Art. 12-C. Verificada a existência de risco atual


ou iminente à vida ou à integridade física ou psi-
cológica da mulher em situação de violência do-
méstica e familiar, ou de seus dependentes, o
agressor será imediatamente afastado do lar, do-
micílio ou local de convivência com a ofendida.
(Brasil, 2006)

Além da incidência da Lei Maria da penha no crime de


stalking quando sua prática se dá na esfera doméstica/familiar,
há que se falar na majoração da pena quando praticado contra
mulher, em razão de seu gênero. Ocorrendo a majoração da
pena até a metade, se a prática do delito se der nesta hipó-
tese.

3.3.2 DA INCIDÊNCIA DO FEMINICÍDIO NO CRIME DE


STALKING

Assim como há a incidência do crime de Violência Do-


méstica, temos também a incidência do crime de Feminicídio,

102
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

que decorre de medidas extremas tomadas pelo agente. Nesta


hipótese, assim como na anterior, antes da ação extrema, o
agente pratica a perseguição com a vítima, com condutas in-
trusivas, este interfere na esfera de privacidade da vítima, pro-
curando realizar algum tipo de contato, ensejado por uma re-
ciprocidade que este acredita existir.

Vale destacar que o stalker cria uma falsa ilusão de in-


timidade com a vítima, e na medida que esta faz contato com
ele, mesmo que para implorar a cessação das abordagens, ele
entende como uma resposta a suas insistências, pois ele com-
preende esse contato como uma demonstração de afeto, visto
que a vítima respondeu, ela sabe que ele está lá, tem ciência
de que ele quer fazer contato, e o contato foi realizado.

Estudos realizados nos Estados Unidos apontam que


as vítimas de feminicídio, antes de serem assassinadas, foram
vítimas de stalking, assim como algumas vítimas de stalking
que denunciaram o crime, um tempo depois forma assassina-
das por seus stalkers.

Com base nos estudos apresentados acima, tem-se


que a criminalização do stalking é um meio de prevenção ao
feminicídio, uma vez que essa conduta antecede o assassi-
nato. Portanto, se a vítima realizar a denúncia, há uma maior
probabilidade de evitar uma ação extrema do agente.

103
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

É comum a incidência da conduta de perseguição em


crimes de violência contra a mulher, sendo esta, uma antece-
dente ao crime de feminicídio, que está em pauta neste tópico.
Salienta-se que além do assédio por intrusão, há muitas outras
condutas a serem vislumbradas em um caso de feminicídio,
como lesão corporal, estupro e não distante da análise, a vio-
lência psicológica, que assim como o stalking, acompanha
grande parte dos crimes de violência contra a mulher.

Como já dito anteriormente, o crime de perseguição


tem como pena reclusão de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos e
multa, considerando ainda a majoração da pena em até a me-
tade em razão do crime ser praticado contra mulher por sua
condição de gênero. Sendo que com a incidência do feminicí-
dio, são acrescentados de 15 a 30 anos de pena.

Há que se falar que, a vítima nem sempre tem noção


que está sendo perseguida, pois dentro do crime de stalking,
há a modalidade de cyberstalking, onde ocorre a ação do
agente no âmbito virtual, e nem sempre é realizado contato
entre as partes, ocorrendo a perseguição através de monito-
ramento.

Vejamos uma análise mais aprofundada desta modali-


dade no próximo tópico.

104
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

3.3.3 STALKING CUMULADO COM AMEAÇA

Não obstante das incidências apresentadas anterior-


mente, há que se falar na incidência do crime de ameaça nos
casos de stalking.
Verifica-se que na prática do crime objeto deste estudo,
há uma grande predominância de ameaça, que é potencial-
mente usada para coibir a vítima a realizar aquilo que o agente
deseja. As ameaças variam desde ameaçar compartilhar fotos
íntimas nas redes sociais, machucar alguém próximo, encon-
trar a vítima (encontro obviamente em oposição à vontade da
vítima), e até mesmo ameaça de morte.
Neste ínterim, temos o caso de stalking praticado con-
tra a atriz Jodie Foster, onde o stalker, após assistir o filme
Taxi Driver, criou uma obsessão pela atriz, frise-se que o stal-
ker insistia por contato com a triz de variadas maneiras, che-
gando até a se matricular na mesma universidade que ela,
quando soube que Jodie Foster estaria estudando em Yale.
Então, motivado pela obsessão doentia que sentia por Jodie
Foster, John Hinckley Jr (stalker), escreveu uma carta para a
atriz, ameaçando-a, na carta o stalker contava que pretendia
matar o então presidente dos Estados Unidos Ronald Reagan,
caso a atriz continuasse negando suas investidas.

105
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

Posto isto, no dia 30 de março de 1981, o stalker baleou


Ronald Reagan, como havia informado o que planejava fazer,
em uma de suas cartas para Jodie Foster. Convém mencionar
que a tentativa de assassinato contra o atual presidente à
época, foi inspirada no filme Taxi Driver, filme este que deu
início à obsessão de Hinclkey por Foster.
Diante do caso exposto, vemos a grande influência dos
Estados Unidos, para a tipificação do stalking no Brasil, visto
que os EUA foram o primeiro país a tipificar o crime. Não obs-
tante, a Dinamarca foi o primeiro país a adotar uma legislação
anti-stalking, porém o crime foi tipificado como crime somente
foi convertido em lei no ano de 1989, após o assassinato da
atriz Rebecca Schaeffer. Tal tipificação foi espelho não só para
o Brasil, como para tantos outros países no mundo.

3.4 DOS INSTITUTOS DESPENALIZADORES DO CRIME


DE STALKING

Por ter sua pena máxima em dois anos, o stalking é um


crime de menor potencial ofensivo, sendo assim, compete ao
Juizado Especial Criminal o julgamento deste crime. Ademais,
verifica-se a presença de institutos despenalizadores em sua
cominação legal. Dentre os institutos despenalizadores no

106
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

crime de stalking estão presentes: composição civil dos danos


transação penal, suspensão condicional do processo.
a) Transação Penal: Este instituto, diz respeito a um
acordo realizado entre o réu e o Ministério Público, onde este
concorda em antecipar o cumprimento da pena na forma de
multa, ou a restrição de direitos, para que com o cumprimento
destes, ocorra o arquivamento da lide.
Nucci define a Transação Penal como:

(...) um acordo entre o órgão acusatório, na hipó-


tese enunciada no art. 76 da Lei 9.099/95, e o
autor do fato, visando à imposição de pena de
multa ou restritiva de direitos, imediatamente,
sem a necessidade do devido processo legal,
evitando-se, a discussão acerca da culpa e os
males trazidos, por consequência, pelo litígio na
esfera criminal (2006, p. 76).

Este instituto é previsto a sua aplicação em ações pe-


nais públicas, e embora não tenha previsão expressa de sua
aplicabilidade em ações penais privadas, leva-se em conta a
analogia do in bonam partem, onde o réu pode usufruir dos
benefícios do instituto, sendo sua aplicação cabível indepen-
dente se a ação é pública ou privada.
A Transação Penal tem como efeito a extinção da puni-
bilidade, ao passo que cumprido o acordo, e este homologado
em juízo, estará extinta a sua punibilidade. Porém, deve-se

107
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

observar alguns requisitos impostos para o cabimento da


Transação Penal:

1- O agente não ter condenação por sentença definida


pela prática de crime com pena privativa de liber-
dade;
2- Não ter sido concedido anteriormente ao agente o
instituto despenalizador, no prazo de cinco anos,
pela aplicação de pena de caráter restritivo ou pecu-
niário.
3- Não possuir indicação de antecedentes, conduta so-
cial e personalidade, como também, a ocorrência de
motivos e circunstâncias favoráveis à aplicação do
instituto.

Assim, por tratar-se de um direito subjetivo do autor de


fato, cabendo, obrigatoriamente ao Ministério Público, o ofere-
cimento da transação penal. Nesse sentido, é o entendimento
de Jesus:

Desde que presentes as condições da transação,


o Ministério Público está obrigado a fazer a pro-
posta ao autuado. A expressão, hoje, tem o sen-
tido de dever. Presentes suas condições, a tran-
sação impeditiva do processo é um direito penal
público subjetivo de liberdade do autuado, obri-
gando o Ministério Público à sua proposição. No

108
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

sentido de que se trata de um direito do autor do


fato. Caso o Ministério Público não proponha a
transação ou se recuse a fazê-lo, deve funda-
mentar a negativa (1997, p.76).

Deste modo, diante dos requisitos elencados acima, ve-


mos que é completamente cabível a aplicação deste instituto
em um caso concreto do crime de stalking.
b) Composição Civil dos Danos: Esse instituto traz a hi-
pótese de aplicação das responsabilidades elencadas nos ar-
tigos 186, 187 e 927 do Código Cível, para a esfera do Pro-
cesso Penal, vemos que nos artigos mencionados acima te-
mos as seguintes responsabilidades civis:

Art. 186. Aquele que, por ação ou omissão volun-


tária, negligência ou imprudência, violar direito e
causar dano a outrem, ainda que exclusivamente
moral, comete ato ilícito.
Art. 187. Também comete ato ilícito o titular de
um direito que, ao exercê-lo, excede manifesta-
mente os limites impostos pelo seu fim econô-
mico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costu-
mes.
Art. 927. Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e
187), causar dano a outrem, fica obrigado a re-
pará-lo.
(Brasil, 2002)

Portanto, a composição civil dos danos diz respeito a


responsabilidade do stalker em indenizar a vítima pelos danos

109
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

causados, dentro da seara do processo penal. É importante


destacar que nada impede a aplicação da composição civil dos
danos em crimes de ação penal pública incondicionada, sendo
este completamente cabível, podendo acarretar efeitos diver-
sos no caso concreto. Assim é o entendimento de Mirabete:

Evidentemente, homologada a composição, não


ocorre a extinção da punibilidade quando se tra-
tar de infração penal que se apura mediante ação
penal pública incondicionada, prosseguindo-se
na audiência preliminar com eventual proposta
de transação ou, não sendo esta apresentada,
com o oferecimento da denúncia pelo MP. Entre-
tanto, se a composição dos danos ocorrer, deve
ser ela objeto de consideração do MP, quando
da oportunidade de oferecer a transação, e do
juiz, como causa de diminuição de pena ou cir-
cunstância atenuante (arts. 16 e 65, III, b, última
parte, do CP). Além disso, é evidente que a com-
posição impedirá uma ação ordinária de indeni-
zação fundada no art. 159 do CC, ou a execução,
no cível, da eventual sentença condenatória (art.
91, I, do CP) (1997, p. 78).

Deste modo, a aplicação do instituto composição civil


dos danos, não interfere na continuidade da ação penal, sendo
de competência do Ministério Público, o oferecimento da Tran-
sação Penal, conforme prevê o princípio da obrigatoriedade.
O oferecimento da denúncia deve observar os requisitos ne-
cessários, na falta destes, será o feito arquivado.

110
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

Embora em grande parte dos casos, a composição civil


dos danos seja aplicada na fase preliminar do processo, ela
pode ser utilizada a qualquer momento, uma vez que tem
como objetivo atender os interesses da vítima e do autor, re-
parando os danos causados.
Neste ínterim, a depender do caso concreto, considerando a
proporção dos danos sofridos pela vítima, esta pode aceitar o
acordo, se achar melhor ser indenizada, visto que os danos causa-
dos dificilmente serão reparados, uma vez que o maior dano sofrido
é o psicológico. Assim, o instituto em questão pode beneficiar am-
bas as partes.
c) Suspensão Condicional do Processo: Também conhecido
como “sursis”, este instituto tem como finalidade, a suspensão do
processo por um período de prova, podendo variar de 29 (dois) a 4
(quatro) anos, desde que preenchidos alguns requisitos, conforme
a seguir:
1 crimes com pena mínima igual ou inferior a 1 ano (no crime
de stalking, temos a pena de reclusão de 6 (seis) meses a 2 (dois)
anos), com exceção dos delitos que envolvam violência doméstica
e familiar contra a mulher;
2 não possuir condenação em outro crime, ou não ser parte
em algum outro processo.
Ainda que aplicado em penas de reclusão, o SURSIS tam-
bém pode ser instituído em penas pecuniárias (multa), pois assim,
é o entendimento do Supremo Tribunal Federal, conforme o julgado
a seguir:

111
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

AÇÃO PENAL. CRIME CONTRA RELAÇÕES


DE CONSUMO. PENA. PREVISÃO ALTERNA-
TIVA DE MULTA. SUSPENSAO CONDICIONAL
DO PROCESSO. ADMISSIBILIDADE. RECUSA
DE PROPOSTA PELO MINISTÉRIO PÚBLICO.
CONSTRANIMENTO ILEGAL CARACTERI-
ZADO. HC CONCEDIDO PARA QUE O MP
EXAMINE OS DEMAIS REQUISITOS DA ME-
DIDA. INTERPRETAÇÃO DO ART. 89 DA LEI N°
9.099/95. (…) Entendo que entra no âmbito de
admissibilidade da suspensão condicional a im-
putação de delito que comine pena de multa de
forma alternativa à privativa de liberdade, ainda
que esta tenha limite mínimo superior a 1 (um)
ano. Nesses casos, a pena mínima cominada,
parece-me óbvio, é a de multa, em tudo e por
tudo, menor em escala e menos gravosa do que
qualquer pena privativa de liberdade ou restritiva
de direito. É o que se tira ao art. 32 do Código
Penal, onde as penas privativas de liberdade,
restritivas de direitos e de multa são capituladas
na ordem decrescente de gravidade. Por isso, se
prevista, alternativamente, pena de multa, tem-
se por satisfeito um dos requisitos legais para a
admissibilidade de suspensão condicional do
processo. É o que convém ao caso. (STF, 2ª T.,
HC 83.926-6, rel. Min. Cezar Peluso — j.
07.08.07.)

Portanto, destaca-se a disposição do afastamento de


reincidência, com fundamento no art. 64, i, do Código Penal
Brasileiro, no qual há a possibilidade aplicação da suspensão
condicional do processo em uma nova ação penal, decorridos

112
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

5 (cinco) anos do processo em que fora anteriormente conce-


dido o instituto em questão.
Podemos notar que este instituto, em um caso con-
creto, seria facilmente aplicado no crime de stalking, conside-
rando que sua pena máxima é de 2 (dois) anos, podendo ser
majorada até a metade caso o crime seja cometido entro de
algumas das hipóteses previstas no parágrafo §1º e seus inci-
sos, da Lei nº14.132.
Cabe ressaltar que há certa omissão no diploma legal
quanto a aplicabilidade deste instituto nas ações penais priva-
das, uma vez que o referido diploma elenca a sua aplicação
apenas em ações penais públicas, visto que menciona o Mi-
nistério Público no artigo que trata da composição civil dos
anos, conforme o entabulado a seguir:

Art. 89. Nos crimes em que a pena mínima comi-


nada for igual ou inferior a um ano, abrangidas
ou não por esta Lei, o Ministério Público, ao ofe-
recer a denúncia, poderá propor a suspensão do
processo, por dois a quatro anos, desde que o
acusado não esteja sendo processado ou não te-
nha sido condenado por outro crime, presentes
os demais requisitos que autorizariam a suspen-
são condicional da pena.
(Brasil, 1940).

Por fim, temos o acordo de não persecução penal, que


foi introduzido no ordenamento jurídico através do novo pacote

113
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

anticrime. Este instituto consiste na decisão do Ministério Pú-


blico, após a apuração dos fatos, no tocante a denunciar o
agente ou arquivar a investigação criminal. Convém ressaltar
que, dependendo da situação, e se as circunstâncias forem
favoráveis, há a possibilidade da realização de um acordo en-
tre o agente e o Ministério Público, com a finalidade da inves-
tigação não ser prosseguida para a fase de processo judicial.
Ou seja, mesmo que haja provas suficientes para o ofereci-
mento da denúncia, a ação penal pode não ser instaurada.
Deste modo, verifica- se que o acordo de não persecu-
ção penal, trata-se de um negócio jurídico de natureza extra-
processual. Frise-se que para que seja celebrado o acordo,
faz-se necessário preencher alguns requisitos, quais sejam:

I a confissão, devendo esta ser formal e circunstanciada


da prática do crime a qual lhe foi imputado;
II o crime não pode ter sido comido mediante violência
ou grave ameaça;
III a pena mínima do crime deve ser inferior a 4 (quatro)
anos;
IV o crime não pode ser passível de transação penal;
V o agente deve ser não-reincidente;
VI conduta não habitual, sua prática não pode ser reite-
rada ou profissional;

114
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

VII Não ter celebrado acordo, transação penal ou sus-


pensa condicional do processo nos 5 (cinco) anos an-
teriores ao crime;
VIII A conduta não pode envolver violência doméstica
ou familiar, bem como não pode envolver violência con-
tra a mulher;

Com base nos requisitos, vemos que este instituto se-


ria cabível até o item III, pois a partir deste item, o stalker deixa
de preencher os requisitos para a aplicação deste instituto,
visto que no item IV destaca que a conduta não pode ser ca-
bível a transação penal, e como demonstrado acima, o crime
de stalking preenche os requisitos para a aplicação da transa-
ção penal. Como também no item VI diz que a conduta não
pode ser reiterada, contudo, essa é uma das características
principais presentes na prática do delito, prevista inclusive no
caput do art. 147-A, que traz a previsão legal do crime de per-
seguição.

3.4.1 COMO SE PROVA O CRIME DE STALKING?

Quando falamos em provas, devemos levar em consi-


deração o que se destaca à luz do artigo 32 da Lei nº 9.099/95
que dispõe o que segue: “Art. 32. Todos os meios de prova

115
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

moralmente legítimos, ainda que não especificados em lei, são


hábeis para provar a veracidade dos fatos alegados pelas par-
tes. (Brasil, 1995).”
Tendo em vista o tipo de conduta praticada, deve se
levar em consideração os aspectos mais marcantes deste
crime, como a imprevisibilidade, receio, apreensão, vulnerabi-
lidade, contato indesejado e a obsessão. Destacado estes
pontos, é possível notar a dificuldade para produzir provas,
visto que o agente tende a ser perspicaz nas suas ações, para
que não seja surpreendido com um efeito negativo diante das
práticas perseguidoras. Assim, a prova fundamental, e que na
fase inicial será a primeira que a vítima venha a produzir, é o
depoimento pessoal da vítima, que dará a sua versão dos fa-
tos, apresentando outras provas que consiga produzir, como
veremos a seguir:
Por tratar-se de conduta referida por assédio por intru-
são, a prova testemunhal é deveras importante neste tema,
considerando que dentro de suas características principais
predomina-se a imprevisibilidade, em função disso, torna-se
mais difícil a produzir provas, pois a vítima não sabe quando
ocorrerá invasão de sua privacidade, obstando uma possível
filmagem ou fotografia do momento da abordagem, haja vista
que a única reação da vítima mediante a ação da stalker, é
tentar sair da situação o quanto antes. Há que se falar que a

116
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

prova testemunhal também pode ser de um terceiro que co-


nheça o agente, e possa fornecer informações relevantes à
investigação, como por exemplo, condutas similares que o
stalker teve antes de idealizar sua obsessão pela vítima.
Por este motivo, é de suma importância a prova teste-
munhal, considerando que é o depoimento de um terceiro que
não é parte ativa ou passiva da conduta, mas que estava pró-
xima quando se deu a abordagem.
Por sua vez torna-se mais fácil de provar o crime na
modalidade cyberstalking, isto pois com as ferramentas de
computadores e smartphones, é possível realizar uma captura
de tela das mensagens enviadas pelo agente, bem como pode
ser efetuada interceptação telefônica e quebra de sigilo de da-
dos de localização, esta produção de prova diz respeito à
prova documental.
Ressalta-se que tanto a interceptação telefônica,
quanto a quebra de sigilo de dados de localização também são
um meio de produção de provas na modalidade convencional,
pois como dito anteriormente, o cyberstalking tende a antece-
der o stalking convencional. E mesmo que a perseguição não
decorra da esfera virtual, ainda assim, esses dois instrumen-
tos de produção de provas e fazem útil para a comprovação
do crime, haja vista que pode conter indícios de ações preme-
ditadas a prática do crime.

117
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

Um exemplo seria ligações pra o trabalho da vítima,


bem como para pessoas próximas (neste meio, a pessoa que
recebe a ligação pode testemunhar), e no geral, condutas in-
vestigativas para adquirir informações sobre a vítima.
Quanto à quebra do sigilo de dados de localização,
como o próprio nome já diz, acessando os dados de localiza-
ção do stalker, é possível confirmar que este esteve no ende-
reço da vítima, em locais que a mesma frequenta e até no seu
trabalho. Salienta-se que na falta de prova documental refe-
rente a registros de câmeras de segurança, a quebra de sigilo
de dados de localização se faz extremamente eficiente, pois é
possível comprovar que o agente esteve nos locais frequenta-
dos rotineiramente pela vítima, tendo acesso as datas em que
este esteve em tal localização, podendo ser usada ainda a
prova testemunhal como complemento da produção de pro-
vas.
É de bom grado destacar que uma das provas mais efi-
cientes na comprovação da conduta, é o registro em câmeras
de segurança, visto que neste ato, é possível observar com
clareza e ter noção das abordagens realizadas pelo agente,
bem como se há alguma incidência de outros crimes apresen-
tados neste estudo, quais sejam: ameaça, violência doméstica
e feminicídio. Além do mais, com os registros de câmeras de

118
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

segurança também é possível saber a data em que o fato ocor-


reu, e se ocorrido mais de uma vez perante as câmeras, a
quantidade de vezes, como também desde quando ocorreu.
Um exemplo da comprovação de stalking mediante fil-
magens de câmeras de segurança, é a perseguição no ambi-
ente de trabalho, no qual a vítima tem sua esfera de privaci-
dade violada, com importunações e até mesmo ameaças.
É recorrente os casos de perseguição no ambiente de
trabalho, e como dito anteriormente, trata-se de crime comum,
podendo qualquer pessoa figurar no polo ativo. Por conse-
guinte, o agente pode ser um colega de trabalha, que por in-
veja, rejeição, vingança ou qualquer outro motivo, dê início a
uma série de perseguições, assediando, restringindo a liber-
dade da vítima e imputando-lhe receio.
É notório que com a evolução tecnológica, o meio e
comunicação ficou ainda mais prático para a sociedade, pois
com apenas um click é possível enviar mensagens instantâ-
neas a qualquer pessoa, independente da distância. E como
toda inovação, esta tem seus benefícios, como demonstrado,
e seus malefícios.
A comunicação no meio virtual veio para somar na atu-
alidade, isso é fato, porém, assim como existem pessoas que
fazem uso deste meio para ações sem cunho mal intencio-

119
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

nado, existem pessoas cobertas de más intenções, que apro-


veitam dessa facilidade para executar condutas ruins, e muitas
vezes ilícitas, como é o caso dos Cyberstalkings.
Muito se foi ressaltado no presente artigo, que o cybers-
talking, na maioria das vezes, antecede a perseguição de
forma física (presencial), portando, um meio de prova desta
perseguição, são as capturas de tela, das mensagens envia-
das à vítima, e até mesmo outras ações praticadas pelo stalker
no meio virtual, que gerem prejuízo à saúde física e psicoló-
gica da vítima, restrinjam sua liberdade de locomoção bem
como invadam sua esfera de privacidade. Sendo este outro
mecanismo de prova bastante usado para comprovação desta
conduta, são as capturas de tela de menagens e outros meios
virtuais que o agente faz uso para praticar suas importuna-
ções.
Nas capturas de tela, é possível vislumbrar não so-
mente as ameaças e ofensas proferidas pelo stalker, como
também as datas das mensagens, o que é de suma importân-
cia, uma vez que a conduta deve ser reiterada e habitual, por-
tanto, havendo a comprovação da reiteração das ações medi-
ante as datas, torna-se mais fácil para a configuração do
crime.

120
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

Outro ponto importante das capturas de tela, são as es-


pécies de ameaça que são proferidas pelo agente, pois a de-
pender do tipo de ameaça, pode ser evitado um mal pior.
Um exemplo seria ameaça de morte, com a comprova-
ção da ameaça mediante capturas de tela das mensagens,
pode ser evitado a execução da conduta, haja vista que estará
comprovado o intento do agente em realizar tal ação. Nestes
casos, a tipificação do stalking serve como uma medida de
prevenção para crimes mais ofensivos à dignidade humana.
Não obstante, elenca-se a busca e apreensão, que se
faz um meio eficiente de produção de provas, visto que pode
ser expedido mandado de apreensão do aparelho celular,
computador ou qualquer outro dispositivo do agente, usado
como mecanismo por este para praticar suas investidas, con-
tendo não somente mensagens no stalker com a vítima, como
também outras informações importantes para se fazer provas
as intenções do stalker, como por exemplo, pesquisas acerca
da vítima ou familiares dela, compra de equipamentos e arma-
mentos, histórico de localização, fotos e dentre outros indícios
contundentes para a comprovação do crime.
Por fim, a produção de provas deve ser efetuada den-
tro dos procedimentos legais, para que não decorra nenhum
prejuízo ao processo.

121
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Portando, considerando todo o exposto no estudo rea-


lizado, é possível verificar que a lei do stalking viabiliza não só
a conduta de perseguição, como também é usado como me-
canismo de prevenção de futuros delitos contra a vítima, posto
que há um histórico de intenção do agente quanto a vítima, por
esta razão, há riscos da evolução da conduta para crimes de
maior potencial ofensivo.
Neste ínterim, o presente artigo busca demonstra-se a
incidência do crime de perseguição em outros crimes que se
correlacionam à conduta do agente. Elenca-se a incidência do
crime de ameaça, do crime de feminicídio e do crime de vio-
lência doméstica. Ressaltando que o stalking, na maioria dos
casos, tende a preceder tais crimes, por este motivo, podem
ser utilizado como meio de prevenção para possíveis avanços
de conduta que venham a apresentar um índice de periculosi-
dade ainda maior para a vítima.
É retratado também a perseguição na modalidade vir-
tual, denominada de cyberstalking, frisando que o cybers-
talking, tem os mesmos efeitos do stalking tradicional, e pode
até mesmo anteceder uma investida presencial, pois de
acordo com a intensidade do contato, ocorre a motivação do
stalker para agir e concluir seu objetivo, qual seja este.

122
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

Os resultados apresentados na pesquisa demonstram


que pessoas que trabalham com internet, popularmente co-
nhecidos como influenciadores digitais, desconhecem que es-
tão sendo vítimas de stalking, e passam a tomar ciência deste,
quando as medidas tomadas pelo agente são drásticas, assim,
em análise ao perfil do mesmo, e as anteriores frustradas ten-
tativas de contato, se deparam com uma longa linha de inves-
tidas, que até então não obtiveram êxito, dessa forma, o
agente se vê obrigado a agir de maneira inesperada e de ex-
tremo risco.
Elenca-se os institutos despenalizadores que são cabí-
veis ao acusado, quando preenchido os requisitos, quais se-
jam, a transação penal, a composição civil dos danos e a sus-
pensão condicional do processo. E por fim, apresenta-se os
meios de provas admitidos e úteis para a comprovação do de-
lito, destacando os mecanismos que possam ser usados para
a produção destas, bem como a apresentação das provas no
processo penal.

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Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

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126
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

4
RESPONSABILIDADE CIVIL NO
ABANDONO AFETIVO INVERSO

CIVIL LIABILITY IN INVERSE


AFFECTIVE ABANDONMENT

Aldrivana Domingos Ximenes 7


Williane Tibúrcio Facundes8

XIMENES, Aldrivana Domingos. Responsabilidade civil no


abandono afetivo inverso. Trabalho de Conclusão de Curso
de graduação em Direito – Centro Universitário UNINORTE,
Rio Branco. 2023.

7
Discente do 9º período do curso de bacharelado em Direito pelo Centro
Universitário Uninorte. Graduada em Ciências Sociais pela Universidade
Federal do Acre - UFAC.
8
Docente do Centro Universitário Uninorte. Graduada em Direito pela
U:VERSE. Especialista em Psicopedagogia pela Universidade Varzea-
grandense e Direito Digital pela Faculdade Metropolitana. Graduada em
Letras Vernáculas pela Universidade Federal do Acre - UFAC.

127
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

RESUMO

Introdução. O presente estudo versa sobre a responsabili-


dade civil no abandono afetivo dos filhos em relação aos pais
na velhice, respaldando-se no princípio da dignidade da pes-
soa humana, nos direitos dos idosos e na lei de responsabili-
zação civil. Objetivo. Diante desse contexto, procedeu-se o
estudo de como o ordenamento jurídico brasileiro trata a res-
ponsabilidade civil no abandono afetivo inverso. Sendo assim,
buscou demonstrar a importância de tratar o idoso com digni-
dade, sendo ele possuidor do direito ao afeto por parte de seus
filhos. Método. O método de pesquisa utilizado foi o método
descritivo, com ênfase no estudo documental, objetivando
analisar a legislação nacional pertinente e os estudos jurídicos
existentes. Resultados. Nesse contexto, concluiu-se que é
possível responsabilizar civilmente os filhos devido à falta de
afetividade e de cuidados em relação aos pais idosos e que é
importante garantir os direitos e a dignidade humana destes.

Palavras-chave: responsabilidade civil; abandono; afeto;


idoso.

128
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

ABSTRACT

Introduction. This study deals with civil liability in affective


abandonment of children in relation to their parents in old age,
based on the principle of human dignity, the rights of the elder-
lys and the civil liability law. Goal. Given this context, we pro-
ceeded to study how the Brazilian legal system deals with civil
liability in inverse affective abandonment. Therefore, it sought
to demonstrate the importance of treating the elderly with dig-
nity, as they have the right to affection from their children. Me-
thod. The research method used was the descriptive method,
with emphasis on documental study, aiming to analyze the re-
levant national legislation and existing legal studies. Results.
In this context, it was concluded that it is possible to hold chil-
dren civilly responsible for the lack of affection and care for el-
derly parents and that it is important to guarantee their rights
and human dignity.

Keywords: civil liability; abandonment; affection; elderly.

129
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

INTRODUÇÃO

Este artigo aborda a questão da responsabilização civil


dos filhos em relação aos pais idosos em caso de abandono
afetivo que está atrelada ao dever de cuidado. Embora seja
um tema um tanto controverso na sociedade, observou-se a
relevância dele para o âmbito jurídico visto que a população
brasileira está envelhecendo devido ao aumento da expecta-
tiva de vida.

Com o aumento das pessoas acima de 60 anos de


idade, houve uma dilatação do número de casos de abandono
e negligência ao idoso no Brasil. Este trabalho tem por objetivo
analisar a responsabilização civil no abandono afetivo inverso
assim como falar dos direitos dos idosos e da importância do
respeito ao princípio da dignidade da pessoa humana.

A pergunta de pesquisa norteadora deste estudo é:


como o ordenamento jurídico brasileiro trata a responsabili-
dade civil no abandono afetivo inverso? Para responder tal
questionamento, se realizou uma vasta consulta bibliográfica
acerca do tema, abordando os direitos dos idosos que estão
interligados à dignidade da pessoa humana, a lei de respon-
sabilização civil e sua análise voltada para o abandono e a
falta de cuidado dos filhos com relação aos pais idosos.

130
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

O ordenamento jurídico brasileiro através da instituição


do Estatuto do Idoso buscou assegurar os direitos dos idosos
dando a incumbência da família o dever de amparo às pes-
soas idosas, assim como os tratar de forma digna e, por con-
sequência, lhes dar afeto com base no princípio da afetividade.

Pela Lei da Responsabilização Civil observou-se que


para que os filhos possam ser responsabilizados civilmente
por abandono afetivo deve haver três elementos: culpa, nexo
de causalidade e dano. Sem estes elementos não há respon-
sabilização civil. Portanto, cada caso deve ser analisado parti-
cularmente.

Resumidamente, o presente artigo pretende contribuir,


de forma qualitativa, para o debate acerca da responsabiliza-
ção civil dos filhos em relação aos pais na velhice, caso prati-
quem abandono afetivo, analisando a Lei de Responsabiliza-
ção Civil e o Estatuto do Idoso. O público-alvo almejado, em
princípio, são os acadêmicos do curso de Direito, mas po-
dendo ser estendido aos interessados na temática e a socie-
dade em geral. Busca-se também ampliar o conhecimento
dessa temática e evitar novos casos de abandono afetivo.

131
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

4.1 OS DIREITOS DOS IDOSOS FRENTE A DIGNIDADE DA


PESSOA HUMANA

A Lei nº 10.741/2003 foi promulgada, instituindo o Esta-


tuto do Idoso, com o propósito de regular os direitos assegu-
rados às pessoas com idade igual ou superior a 60 anos. Esta
lei trata da dignidade do idoso de forma qualitativamente di-
versa pelo fato do idoso estar em uma condição de pessoa
vulnerável, por causa de sua assimetria natural em um con-
texto individual de declínio das potencialidades psicofísicas,
assim como de sua dificuldade de se inserir num ambiente so-
cial culturalmente marcado por práticas discriminatórias.
Por esse Estatuto, as pessoas idosas devem ser trata-
das com a devida assistência tanto social como familiar a que
têm direito, sem lhes faltar dignidade humana, proteção e,
principalmente, afetividade por parte de seus filhos.
Segundo Rosenvald (2015), o idoso não é individual-
mente incapaz, mas ele faz parte de um grupo vulnerável. Por
suas peculiaridades, o idoso possui uma gradação de vulne-
rabilidade acentuada ou vulnerabilidade potencializada na
qual se apresenta em uma situação fática manifestada em di-
ferentes aspectos da vida.
Portanto, buscando conceder uma tutela francamente
positiva ao idoso, a Lei nº 10.741/2003 considera o princípio

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Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

da dignidade de forma bifronte, com eficácia positiva e nega-


tiva. Rosenvald (2015) assim explica:

Com relação à eficácia positiva, valorizou a au-


tonomia das pessoas idosas, inserindo dentre o
rol de direitos fundamentais relacionados à va-
lorização de sua liberdade a participação na
vida familiar (art. 10, inciso V). No que concerne
à eficácia negativa da dignidade da pessoa hu-
mana, traduziu o direito ao respeito como ‘a in-
violabilidade da integridade física, psíquica e
moral, abrangendo a preservação da imagem,
da identidade, da autonomia, de valores, ideias
e crenças, dos espaços e dos objetos pessoais’
(§ 2o, art. 10).

Priorizar a dignidade do idoso tanto ao que se refere ao


respeito quanto a sua autonomia, para além do dever do Es-
tado, é um dever familiar, como respalda os artigos 229 e 230
da Constituição Federal, in verbis:

Art. 229. Os pais têm o dever de assistir, criar e


educar os filhos menores, e os filhos maiores têm
o dever de ajudar e amparar os pais na velhice,
carência ou enfermidade.
Art. 230. A família, a sociedade e o Estado têm o
dever de amparar as pessoas idosas, assegu-
rando sua participação na comunidade, defen-
dendo sua dignidade e bem-estar e garantindo-
lhes o direito à vida.

Portanto, no tocante à velhice, o constituinte colocou


como papel essencial da família a proteção da pessoa idosa,
com base nos artigos acima referidos. Também contemplou

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Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

que os programas de apoio aos idosos devem ser realizados


de forma preferencial em suas residências, buscando manter
o contato direto com suas famílias (art. 230, § 1º, Constituição
Federal de 1988).
O Estatuto do Idoso também coloca a família como nú-
cleo essencial para o idoso, onde a convivência e a responsa-
bilidade familiar devem ser privilegiadas. Pois, se observou
que a estruturação de amparo aos indivíduos era insuficiente,
então o legislador buscou assegurar uma maior proteção aos
idosos. Diante disso, pode-se concluir que a coabitação do
idoso e sua família num lar é direito fundamental, sendo que
seu afastamento poderá apenas acontecer, caso haja paren-
tes, estes não tiverem condições de mantê-lo, conforme dis-
põe o artigo 3 º, V, do referido Estatuto.

4.1.1 PRINCÍPIO DA DIGNIDADE HUMANA

A dignidade da pessoa humana é tida como um princí-


pio da Constituição Federal de 1988, que está previsto em seu
artigo 1º, inciso III, como um valor e princípio fundamental.
Este princípio traz a valorização da pessoa dentro do ambiente
familiar, a protegendo em sua individualidade, e considerando
o indivíduo por ser pessoa. E com o intuito de dar ênfase à

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Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

garantia da dignidade dos idosos, foi instituído o já mencio-


nado artigo 230, da Constituição Federal.
A dignidade da pessoa humana compreende um núcleo
primordial das garantias fundamentais e dos direitos. E é a
partir dela que as garantias fundamentais e os outros direitos
se desenvolvem. Assim, Serpa (2013) afirma:

O princípio da dignidade da pessoa humana se-


gue fortemente ancorado na concepção filosófica
Kantiana no sentido de que o ser humano deve
ser sempre considerado como um fim e não um
meio, repudiando, assim, qualquer pretensão de
“coisificação ou instrumentalização” do homem.

Dessa forma, pode-se afirmar que a segurança dos di-


reitos fundamentais pelas Constituições não é um favor que o
Estado presta às pessoas, mas sim, se trata de fundamentos
inerentes à pessoa humana, que precisam ser assegurados
pelo Estado por meio do sistema jurídico e da segurança jurí-
dica que devem ser propostos pelas Constituições.
Serpa (2013) argumenta que existe uma posição dupla
em relação ao princípio da dignidade visto que ele se apre-
senta como norma, quando estiver se tratando da defesa do
mínimo existencial, e é também tido como elemento que con-
forma as outras normas, quando se manifestar como princípio.

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Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

Além disso, no Estatuto do Idoso, em seu artigo 10, vê-


se que é obrigação do Estado e da sociedade garantir a liber-
dade, o respeito e a dignidade à pessoa idosa como pessoa
humana e sujeito de direitos que estão assegurados na Cons-
tituição Federal e nas leis.
No supracitado artigo, em seu §3°, observa-se que o
princípio da dignidade da pessoa humana é de grande impor-
tância, e dele se subtraem três outros princípios: a existência
material mínima, a igualdade entre todos os homens e a auto-
nomia da vontade limitada pelo respeito a direitos fundamen-
tais.
A existência material mínima diz respeito aos recursos
que proporcionem uma vida humana com dignidade, isto é,
que seja garantindo a todos os idosos o mínimo de alimenta-
ção, vestuário, habitação e assistência à saúde, visto que a
existência material mínima é tida como um pressuposto para
o reconhecimento de uma existência digna.
Já o princípio da igualdade entre todos os homens
busca garantir a igualdade de oportunidades a pessoas idosas
em relação às outras pessoas, e estabelece que o seu trata-
mento seja diferenciado ou privilegiado caso as condições fí-
sicas e psíquicas diversas lhe tornarem a realização de algum
ato mais difícil do que a outras pessoas.

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Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

Por fim, a autonomia da vontade é um ponto fundamen-


tal quando se trata de dignidade da pessoa idosa, visto que é
a lesão que mais acontece. Corriqueiramente, o idoso é tra-
tado como uma pessoa que não possui o discernimento total
de seus atos. Porém, ele só se priva do direito de administrar
seus bens e sua vida pessoal, em casos de interdição. Isto
porque, primordialmente, os idosos devem ter sua liberdade
de escolha e sua autonomia individual respeitadas.
Portanto, para haver o respeito à dignidade da pessoa
idosa, além de manter os idosos preservados de qualquer ato
que configure uma ofensa à integridade psíquica ou física, de-
vem ser garantidos também a existência material mínima, o
respeito à isonomia e a autonomia da vontade.

4.1.2 O CONCEITO DE IDOSO E O ENVELHECER COMO


UM DIREITO FUNDAMENTAL

As palavras velho e idoso são usadas como sinônimas.


Porém, existem várias expressões para se referir às pessoas
idosas, sendo as mais comuns, melhor idade e terceira idade,
sendo consideradas politicamente corretas, usadas para dis-
farçar pensamentos preconcebidos sobre a velhice. Nesse di-
apasão, Villas Boas (2009) aduz:

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Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

Velho e idoso são dois termos quase sinônimos,


por analogia, uma vez que o processo de enve-
lhecimento afeta a todos, avança com a faixa etá-
ria de todos os viventes, mas de modos distintos
em tempo e espaço. Velho, porém, é um termo
mais depreciativo, se visto na sua pura conota-
ção unívoca, na consequente perda de sentidos
e vigor. Há idoso no seu quase pleno vigor e não
há velho que não tenha experimentado a fra-
queza orgânica visível.

Pelo Estatuto do Idoso, idoso é aquela pessoa com


idade igual ou superior a 60 (sessenta) anos. Portanto, o crité-
rio usado para classificação foi a idade, independentemente
do sexo, da lucidez, da vitalidade ou mesmo a condição física
e mental da pessoa.
Cada pessoa possui um processo de envelhecimento
diferente e o envelhecer é inerente ao curso da vida de toda
pessoa. Ser uma pessoa idosa não dar a entender que a pes-
soa está demente ou senil, significa que ela atingiu a idade
determinada pela lei.
Para Braga apud Berenice (2019), o conceito de idoso
se liga a três critérios: o cronológico, o psicobiológico e o eco-
nômico-social. O critério cronológico permite verificar a velhice
de forma concreta, concedendo direitos de amparo social re-
lacionados à idade, no entanto, não tendo em conta as dife-
renças pessoais, principalmente no que tange o aumento sig-
nificativo da expectativa de vida que vem ocorrendo. Então, a

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Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

Lei n. 13.466/2017 veio para quebrar esse abismo de diferen-


ças entre os idosos de 60 anos e 80 anos visto que estes últi-
mos devem ter suas necessidades priorizadas.
No critério psicobiológico, devem ser observadas as
condições físicas e psíquicas da pessoa idosa, ou seja, pro-
cura identificar qual seu estado de saúde, observando se o
idoso possui dificuldades de locomoção, de ordem física, ou
se tem lapsos de memória ou dificuldades de raciocínio, de
ordem psíquica.
E o critério econômico-social que analisa o patamar so-
cial da pessoa, segue o princípio no qual o hipossuficiente pre-
cisa de uma maior proteção quando comparado com o autos-
suficiente. Sendo o poder econômico responsável por grandes
diferenças de integração e desagregação da pessoa idosa no
âmbito familiar, pois o idoso pobre, por não ter renda ou apo-
sentadoria, acaba dependendo do auxílio de seus familiares,
já o idoso com poder econômico consegue manter financeira-
mente outros integrantes de sua família. Vale ressaltar que,
em algumas situações, a renda da aposentadoria do idoso é a
única da família.
O ordenamento jurídico do Brasil tem reconhecido a
vulnerabilidade do idoso estabelecendo normas que buscam
condições melhores de vida e proteção concreta de sua digni-

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Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

dade. No entanto, a maioria das leis sobre proteção aos direi-


tos dos idosos foram delineados em um tempo no qual a ex-
pectativa de vida era muito inferior à atual, que mostrava certa
vulnerabilidade a pessoas consideradas legalmente idosas.

Ademais, antes de promulgada a Constituição Federal


de 1988, a pessoa idosa não estava constitucionalmente pro-
tegida. Mas, atualmente, as normas protetivas que constam na
Constituição Federal, no Estatuto do Idoso e na Lei de Política
Nacional do Idoso têm por objetivo propiciar oportunidades,
garantindo os direitos sociais e criando condições que promo-
vam sua autonomia, integração e participação efetiva na soci-
edade, e não, impondo limitações, pois apesar de ser idoso, a
pessoa continua sendo cidadã devendo cumprir suas obriga-
ções e deveres. Sendo assim, Serpa (2013) afirma:

Toda proteção aos idosos é salutar quando vol-


tada para assegurar sua dignidade, mas injustifi-
cadas disposições legais limitadoras de direitos
devem ser repudiadas. Os idosos não são tacita-
mente incapazes, não são débeis e por muitas
vezes não estão abarcados por vulnerabilidades.
São capazes de gerir suas vidas e são titulares
de direitos e deveres como todo e qualquer cida-
dão.

As pessoas idosas possuem direitos iguais às outras


pessoas, pois são pessoas e apenas estão em outra fase da

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Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

vida. Ramos (2014) argumenta que “o velho não nasceu velho,


ele foi criança, adolescente e adulto para, finalmente, ser ve-
lho”. Portanto, se os direitos elementares não forem garantidos
desde a infância até a vida adulta, as pessoas se privam do
direito de se tornarem idosas, e o se tornar “velho” é um direito
fundamental do ser humano, sendo que o direito à vida com
dignidade é um direito essencial a todos.

Nesse interim, a concepção da velhice como um direito


humano fundamental tem como objetivo garantir o direito à
existência com dignidade durante o decorrer da vida de uma
pessoa, e encontra respaldo na Declaração Universal dos Di-
reitos Humanos, em seu artigo XXV, § 1º, que diz:

Todo ser humano tem direito a um padrão de


vida capaz de assegurar a si e à sua família sa-
úde, bem-estar, inclusive alimentação, vestuário,
habitação, cuidados médicos e os serviços soci-
ais indispensáveis e direito à segurança em caso
de desemprego, doença invalidez, viuvez, ve-
lhice ou outros casos de perda dos meios de sub-
sistência em circunstâncias fora de seu controle.

Enfim, para realmente ter-se o direito à velhice garan-


tido, é necessário que todos os direitos essenciais do ser hu-
mano estejam assegurados durante todas as etapas da vida
de uma pessoa, e não, apenas na velhice.

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Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

4.2 A LEI DE RESPONSABILIDADE CIVIL

A palavra responsabilidade se origina de spondeo, pa-


lavra latina na qual, relacionava o devedor aos contratos ver-
bais no direito romano. Então, como fato social, toda atividade
que cause prejuízo a outrem, traz em si, uma situação de res-
ponsabilidade.
Esta, por seu turno, tem como objetivo restabelecer o
equilíbrio moral e patrimonial causado pelo autor do dano. E é
o interesse em tal restabelecimento que está a fonte origina-
dora da responsabilidade civil.
Dessa forma, o responsável se encontra na posição de
alguém que, por infringir determinada norma, fica exposto a
consequências indesejáveis decorrentes de suas condutas
danosas, podendo ser obrigado a restabelecer o status quo
ante.
Insta fazer a diferenciação entre obrigação e responsa-
bilidade. A obrigação é a relação jurídica que dá ao sujeito
ativo (credor) o direito de reivindicar do sujeito passivo (deve-
dor) a execução de uma prestação determinada. Sendo assim,
a obrigação deve ser cumprida de forma livre e espontânea
por ser uma relação de natureza pessoal.
Acontecendo seu inadimplemento, aparecerá a respon-
sabilidade, que se apresenta como a consequência jurídica

142
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

patrimonial do não cumprimento dessa relação obrigacional.


Portanto, obrigação é um dever jurídico originário e a respon-
sabilidade é um dever jurídico sucessivo, que aparece conse-
quentemente por uma violação do dever originário.
A responsabilidade civil traz uma obrigação de repara-
ção ao dano provocado a alguém pela violação de um dever
jurídico, encontrando-se respaldo no artigo 186 do Código Ci-
vil o qual diz que: “aquele que, por ação ou omissão voluntária,
negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a ou-
trem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito”, e
também no artigo 927 do Código Civil, que diz que se alguém
através de ato ilícito provocar danos a outras pessoas fica obri-
gado a repará-lo. Nesse interim, Gonçalves (2021) afirma:

Responsabilidade civil é, assim, um dever jurí-


dico sucessivo que surge para recompor o dano
decorrente da violação de um dever jurídico ori-
ginário. Destarte, toda conduta humana que, vio-
lando dever jurídico originário, causa prejuízo a
outrem é fonte geradora de responsabilidade ci-
vil.

Ademais, vale frisar que o ordenamento jurídico supe-


rou o pensamento de que a sanção busca castigar o autor de
determinado comportamento antijurídico, por ação ou omis-
são. O que, na realidade, a sanção busca é ressarcir a vítima
do dano que lhe foi provocado de forma injusta.

143
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

Essencialmente, a responsabilidade civil tem natureza


jurídica reparadora, ou seja, tem por objetivo que o agente re-
pare o dano que causou à vítima. E a verdadeira fonte de res-
ponsabilidade é a obrigação preexistente.
Apenas surgirá a obrigação de reparação caso haja efe-
tivamente um descumprimento de uma obrigação ou de um
preceito prescrito em lei, ou seja, um ato ilícito. Colocando-se,
dessa forma, o dano como elemento necessário da responsa-
bilidade civil e devendo ser o dano considerado um prejuízo
concreto o qual deva ser indenizado.
A responsabilidade civil tem como função principal a
proteção da esfera jurídica de cada pessoa, através da com-
pensação dos danos causados por outras pessoas. No en-
tanto, ela comporta duas outras funções: a sancionatória ou
punitiva, e a preventiva ou dissuasora.
Dessa forma, a função principal da responsabilidade ci-
vil é restabelecer o equilíbrio jurídico-econômico que existia
antes entre o agente e a vítima e, por meio da indenização,
buscar a reparação, em caso de dano material, ou compensa-
ção, em caso de dano moral, pelo dano sofrido. Podemos, por-
tanto, dizer que esta função é reparatória ou compensatória.
A função sancionatória ou punitiva tem natureza e ob-
jetivos penais, com a imposição de uma sanção ao infrator
para retribuir a infração com um castigo proporcional através
da compensação de danos extrapatrimoniais.

144
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

Assim, a função punitiva visa reforçar as sanções por


meio da responsabilidade civil, de forma que o agente perceba
que seus atos terão consequências maiores do que o benefí-
cio obtido com a ação ilícita, na tentativa de dissuadi-lo de pra-
ticá-la. O seu objetivo é, portanto, desencorajar indiretamente
a prática de novas infrações.
A função preventiva cumpre o papel de diligência geral
e especial, que procura sinalizar a todos os cidadãos quais os
comportamentos que devem ser evitados, por serem reprová-
veis pelas perspectivas ética e legal. Essa função, às vezes,
também nomeada de educacional, parece ter por objetivo en-
sinar uma pessoa a se comportar melhor, mas, na realidade,
busca reduzir comportamentos nocivos.
Nesse sentido, sua base tem caráter pedagógico, ou
seja, visa desestimular o infrator a praticar condutas social-
mente intoleráveis e também prevenir condutas semelhantes
por parte de todos os potenciais infratores que se encontrem
na mesma situação.

4.2.1 RESPONSABILIDADE SUBJETIVA E RESPONSABILI-


DADE OBJETIVA

Ao analisarmos a responsabilidade civil, deve-se obser-


var se o elemento culpa está presente, pois há dois tipos de
responsabilidade: a subjetiva e a objetiva. Assim, destaca-se

145
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

o artigo 927 do Código Civil, o qual apresenta as duas hipóte-


ses de responsabilidades civis:

Art. 927 Aquele que, por ato ilícito (art. 186 e


187), causar dano a outrem, fica obrigado a re-
pará-lo. Parágrafo único. Haverá obrigação de
reparar o dano, independentemente de culpa,
nos casos especificados em lei, ou quando a ati-
vidade normalmente desenvolvida pelo autor do
dano implicar, por sua natureza, risco para os di-
reitos de outrem. (Brasil, 2002)

No caput do artigo supracitado, temos a responsabili-


dade civil subjetiva que é aquela que depende da culpa como
critério da obrigação de reparação do dano. Já seu parágrafo
único, fala da responsabilidade civil objetiva, onde a obrigação
de indenizar acontece sem que haja culpa do agente pelo fato
ocorrido.
Sendo assim, a legislação civil brasileira pressupõe a
possibilidade jurídica de responsabilização civil, seja na mo-
dalidade objetiva ou subjetiva, o que condiz com os princípios
constitucionais. Há que ter presente que o sistema dualista de
responsabilidade cumpre o inevitável dever de solidariedade
social que não se esgota na relação entre o cidadão e o Es-
tado, e cuja eficácia se revela necessária ao seu funciona-
mento.
Na teoria clássica, a culpa é tida como um fundamento
da responsabilidade, sendo assim, caso não haja culpa, não

146
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

há responsabilidade civil. Essa teoria é chamada de teoria da


culpa ou subjetiva. Nela, o causador do dano tem que ter co-
metido o ato com dolo ou culpa para haver responsabilidade
civil, ou seja, para que exista a responsabilização civil subje-
tiva e se tenha a obrigação de indenizar é necessário que o
indivíduo tenha violado um dever de diligência, e não somente
tenha procedido de forma ilícita.
No entanto, a lei estabelece que, em certas situações,
algumas pessoas devem reparar pelo dano causado indepen-
dentemente de culpa. Nesse caso, a responsabilidade é legal
ou objetiva visto que não depende de culpa, sendo necessário
que esteja configurado apenas o dano e o nexo de causali-
dade.
A teoria que contempla a responsabilidade objetiva é
chamada de teoria objetiva ou teoria do risco e postula que
todo dano precisa ser indenizado e recompensado por quem
estiver ligado a ele por um nexo de causalidade, independen-
temente de culpa. Ela é chamada assim, pois toda pessoa que
exerça alguma atividade está passível de causar danos a ter-
ceiros, sendo obrigado à reparação mesmo que sua conduta
esteja isenta de culpa.
Com a vigência do Código Civil de 2002, Lei nº 10.406,
de 10 de janeiro de 2002, foi preservado o princípio da respon-
sabilidade por culpa, mas trouxe avanços na adoção da teoria

147
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

da atividade perigosa e do princípio da responsabilidade sem


culpa nos casos previstos em lei.
Portanto, embora o Código Civil brasileiro regule muitos
casos especiais de responsabilidade objetiva, a regra é a teo-
ria subjetiva. É o que vemos no artigo 186, que colocou a culpa
e o dolo como elementos para a obrigação de reparar o dano.
Portanto, não é necessário que seja feita uma escolha entre
responsabilidade subjetiva e responsabilidade objetiva, pois
as duas formas de responsabilidade se harmonizam e se di-
namizam.
A pessoa deve ser responsabilizada, primeiramente,
por causa de sua ação ou omissão, seja culposa ou dolosa,
porém isso não quer dizer que a responsabilidade objetiva não
deva ser levada em consideração.

4.2.2 PRESSUPOSTOS DA RESPONSABILIDADE CIVIL

O artigo 186 do Código Civil reconhece como regra uni-


versal a obrigação de reparação de quem causar dano a ou-
trem. Nesse artigo se encontram evidentes quatro elementos
fundamentais da responsabilidade civil: ação ou omissão,
culpa ou dolo do agente causador, relação de causalidade e o
dano sofrido pela vítima.

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Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

Pela lei, a ação ou a omissão pode ser cometida por


qualquer pessoa que venha a provocar algum dano a outrem,
podendo ser derivada de ato próprio ou de ato de terceiro que
se encontra sob sua guarda, ou ainda, de danos provocados
por animais ou coisas que sejam de sua propriedade.
Ao analisarmos o artigo 186 do Código Civil, vemos que
o dolo se apresenta logo em seu início: “ação ou omissão vo-
luntária”, logo depois, se refere à culpa ao falar em “negligên-
cia ou imprudência”. O dolo decorre da vontade de praticar
uma violação de direito, sendo uma violação intencional, de
forma consciente, do dever jurídico. Já a culpa acontece por
falta de cuidado e atenção.
A relação de causalidade é a relação de causa e efeito
entre a ação ou omissão causada pelo agente e o dano pro-
vocado. Sem essa relação, não há a obrigação de indeniza-
ção. Portanto, se existir o dano, mas a causa não se relacionar
com a conduta do agente, não haverá relação de causalidade
e nem a obrigação de indenização.
O dano deve ser provado visto que, sem sua existência,
não há responsabilidade civil. Podendo ele ser material ou mo-
ral. A esse respeito, Gonçalves (2021) fala que: “o Código Civil
consigna um capítulo sobre a liquidação do dano, ou seja, so-

149
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

bre o modo de se apurarem os prejuízos e a indenização ca-


bível. A inexistência de dano é óbice à pretensão de uma re-
paração, aliás, sem objeto”.

4.3 A RESPONSABILIDADE CIVIL APLICADA AO


ABANDONO AFETIVO INVERSO

A responsabilidade civil tem afetado as relações famili-


ares, seja nas relações de conjugalidade ou de parentalidade.
Entre pais e filhos, o abandono afetivo, abandono paterno-filial
ou teoria do desamor é um dos assuntos mais abordados.
Nesse interim, se discute juridicamente se o pai deve indenizar
o filho moralmente, caso não conviva com ele durante a infân-
cia e a adolescência, e também ao contrário, se o pai pode
pedir indenização, caso haja abandono afetivo por parte de
seus filhos.
Vale salientar que o abandono dos pais na velhice é
prejudicial à saúde psicológica do indivíduo do mesmo modo
que o abandono de um filho por seus pais. Portanto, assim
como os pais possuem o dever de indenizar seus filhos pelos
danos e sofrimentos que o abandono causou, os idosos tam-
bém têm o direito a essa mesma compensação, visto que,
para o Poder Judiciário, o valor jurídico é o mesmo.

150
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

Embora haja muitas críticas de diversos setores da so-


ciedade, a responsabilidade civil resultante da omissão de cui-
dado vem sendo discutida pela doutrina de direito privado e
jurisprudência, sobretudo quando foi proferida a decisão do
Superior Tribunal de Justiça no REsp 1.159.242, de abril de
2012, que forneceu uma base jurídica mais concisa para a re-
solução de conflitos entre direitos fundamentais que envolvam
a solidariedade familiar e a liberdade do genitor.
No referido REsp, a Min. Relatora Nancy Andrighi res-
salta que o que está a se discutir é o imperativo biológico e o
dever constitucional de cuidar, visto que é um dever jurídico, e
não, o amar, pois ninguém é obrigado a amar. Dessa forma:

considerou o cuidado como um valor jurídico ob-


jetivo, sendo que a omissão do genitor no dever
de cuidar da prole atinge um bem juridicamente
tutelado – no caso, o necessário dever de cui-
dado (dever de criação, educação e companhia)
– importando em vulneração da imposição legal,
gerando a possibilidade de pleitear compensa-
ção por danos morais por abandono afetivo. (Ro-
senvald, 2015)

O mérito da decisão desse REsp propicia parâmetros


objetivos para o conflito entre os princípios da solidariedade e
da liberdade, já que a ilicitude do comportamento sai do pres-
suposto do “dever de amar” e vai para uma conduta antijurí-
dica objetiva que provém da omissão do dever de cuidado

151
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

apontado nos incisos I e II do artigo 1.634 do Código Civil.


Também importante salientar que a doutrina familista não tem
a pretensão de judicializar o amor, ou se descobrir um princí-
pio da felicidade.
Rosenvald (2015) argumenta que deve ter um certo dis-
tanciamento da ideia de abandono afetivo como fundamento
da responsabilidade civil, o que deve ser referenciado é o cui-
dado, que é uma espécie de amor. Em suas palavras:

O cuidado é um amor construído com dispêndio


de tempo e energia – o amor proativo da pós-
modernidade -, forjado em um processo diuturno
de providências, e sacrifícios; ou seja, atos ma-
teriais perfeitamente sindicáveis e objetivamente
aferíveis por um espectador privilegiado. Esse
cuidado ocorre a margem da miscelânea de sen-
timentos e emoções que permeiam a razão e o
instinto dos cuidadores. [...] Todavia, na privaci-
dade da relação filial, o adimplemento do cuidado
é o fato jurídico que interessa ao ordenamento
jurídico.

Por isso, Rosenvald (2015) mostra preocupação e cau-


tela quanto à semântica do abandono afetivo, pois para ele
“dar a um modelo jurídico um nome adequado é fundamental
para lhe emprestar precisão, eficácia e coerência com o sis-
tema jurídico”. No âmbito familiar, os componentes da família
devem se responsabilizar uns pelos outros, caso haja alguma
vulnerabilidade, sendo que esta responsabilidade não de-
pende do afeto em si.

152
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

Portanto, se trata de deveres de conduta objetivos que


provêm da filiação, e quando os deveres não são cumpridos
espontaneamente, o Estado intervém para responsabilizar e
para que a pessoa vulnerável possa ter a garantia de uma vida
digna. Vale ressaltar que o ato ilícito que advém da omissão
de cuidado contraria de forma direta o direito fundamental à
convivência familiar, previsto no artigo 227 da Constituição Fe-
deral.
A pessoa idosa não é um ser incapaz, mas faz parte de
um grupo considerado vulnerável. Os idosos, por suas espe-
cificidades, têm uma “vulnerabilidade especial” por estarem
em situação fática que se mostra em diversas situações de
suas vidas. E, embora exista essa vulnerabilidade, sua auto-
nomia e sua liberdade devem ser preservadas.
O ordenamento jurídico deve disponibilizar normas e
instrumentos a fim de incluir o idoso na sociedade, conser-
vando seus direitos fundamentais levando em consideração
suas diferenças naturais em relação aos mais novos. Conjun-
tamente com o Estado, a família deve fazer essa inclusão do
idoso. A esse respeito, Rosenvald (2015) fala:

A entidade familiar se assume como solidária


não apenas quando pais edificam a autonomia
de seus filhos, mas simetricamente quando os fi-
lhos preservam a autodeterminação dos pais que
se tornam velhos. O cuidado é um dever imaterial

153
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

imprescindível à estruturação psíquica de crian-


ças, adolescentes e idosos.

Em consequência, o ato ilícito acontecerá caso os filhos


maiores e capazes forem privados de companhia, visitação e
apoio psicológico, visto que a responsabilidade parental é mú-
tua. Portanto, além da obrigação de prestar alimentos aos pais
idosos e necessitados, estes têm o direito fundamental à con-
vivência que é tutelado, sendo que seu descumprimento con-
tradiz a Constituição Federal e deve ser sancionado pelo sis-
tema civil.

4.3.1 OS PRESSUPOSTOS DA RESPONSABILIDADE CIVIL


PELO ABANDONO AFETIVO INVERSO

4.3.1.1 A culpa

Ao analisarmos o ilícito culposo interligamos dois con-


ceitos. Além do comportamento contradizer o comportamento
que a norma preconiza, deve-se estar provado que aconteceu
uma violação do dever jurídico (dolo) ou, que não houve um
cumprimento do dever de cuidado através de negligência do
agente (culpa stricto sensu).
A negligência filial relacionada aos deveres de ajudar e
amparar os pais na velhice, carência ou enfermidade tem um

154
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

aspecto mais agravante, pois se trata de um ilícito que se es-


tende no tempo tornando a passagem da vida mais penosa. A
omissão não recai em um ato isolado, mas sim, numa ativi-
dade que acontece dia após dia, resultando em uma sonega-
ção do dever de amparo e cuidado que desestrutura psicofisi-
camente os seus ascendentes. Portanto, não estamos a falar
de uma culpa leve, mas de um comportamento antijurídico do-
loso ou permeado pela culpa grave do filho.
Sendo assim, para que o dolo seja constatado não é
necessário que se demonstre que o agente tinha o intuito de
causar prejuízos ou de provoca-los, sendo preciso somente
que ele tenha praticado o comportamento antijurídico tendo a
consciência de que deixou de cumprir um dever de cuidado.
Ao que se refere à reiterada omissão de cuidado, tendo
atos concretos que configurem negligência aos deveres de
ajudar e amparar os pais na velhice, carência ou enfermidade,
o filho pode refutar a culpa em juízo, “alegando a impossibili-
dade de se aproximar do pai pelo fato de, no passado, também
ter sido vítima de omissão de cuidado por parte daquele que
agora clama pela sua presença”. (ROSENVALD, 2015)
Sendo um elemento objetivo, a omissão de cuidado se
mostra pelo comportamento contraditório do filho em relação
à exigência normativa. No entanto, o elemento subjetivo da
culpa não deve ser deixado de lado, posto que, o exame da

155
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

estrutura psicológica daquele que negligenciou os deveres


convivenciais é necessário para avaliar se ele realmente evi-
tou conscientemente o dever de cuidado, ou se ele mesmo
seria capaz de desempenhar uma função solidária por lhe fal-
tar ferramentas emocionais.
Portanto, a recusa do filho em cuidar e dar afeto aos
pais idosos deve estar contextualizada e devidamente de-
monstrada de modo que o julgador tenha elementos objetivos
que permita excluir a culpa do filho pela impossibilidade dele
de atender ao dever constitucional de convivência e amparo.
A esse respeito, Rosenvald (2015) argumenta que di-
ante do dever ao qual estão sujeitos todos os filhos, o magis-
trado não pode simplesmente deixar de condenar aquele que
justifica o crime pelas contínuas agruras da vida visto que to-
dos estamos submetidos de algum modo ou outro, pois isso
seria sentimentalismo. Portanto, deve ser analisado o caso em
concreto, levando em consideração tanto o elemento objetivo
quanto o elemento subjetivo da culpa.
O fato é que o princípio da reparação integral não pode
ser desumano, e por isso, é importante moderar a indenização
por meio da justiça para suavizar a norma geral diante de cir-
cunstâncias específicas que coincidam com a concretude do
caso. Ou seja, a gradação da culpabilidade não afetará a veri-
ficação da presença da obrigação de indenizar (an debeatur),

156
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

que se satisfaz com o mínimo de culpabilidade, mas a exten-


são dessa obrigação (quantum debeatur), impedindo-a de ul-
trapassar o "limite humanitário".

4.3.1.2 Dano injusto

O dano moral é uma ofensa a um interesse existencial


que especificamente merece proteção. Saber se um determi-
nado interesse é ou não digno de proteção pelo ordenamento
jurídico é fato que só emerge após uma análise específica e
dinâmica dos interesses conflitantes em cada conflito especí-
fico, o que não leva a aceitações gerais supostamente válidas
para todos os casos, mas se limita a uma consideração de in-
teresses à luz de circunstâncias particulares.
Sempre que um tribunal assume que a configuração do
dano moral exige simplesmente que haja violação da digni-
dade da pessoa humana, sem necessidade de comprovar os
danos morais, há um desvio de perspectiva, o que se traduz
em uma consequência in re ipsa intrínseco ao próprio ato, que
interfere injustamente na dignidade da pessoa humana.
Em outras palavras, a demonstração desnecessária de
dor, lesão ou qualquer outra forma de dano à suscetibilidade
da vítima não deve ser motivada pelo fato de o dano moral ser
considerado um atentado à dignidade, mas pelo fato de que

157
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

esses sentimentos não passarão das possíveis consequên-


cias do dano moral, pois este se reflete na efetiva lesão do
bem existencial que especificamente merece proteção.
O dano moral apenas poderá ser presumido, ou in re
ipsa, em função das consequências sobre as variáveis subje-
tivas da vítima, mas nunca presumido quanto à própria evidên-
cia de sua existência, ou seja, para imputar dano à integridade
psicofísica da vítima (ascendentes). Não basta apenas afirmar
que a omissão do dever de cuidado lhe causou sofrimento ou
perda existencial.
Evidências por meio de relatórios psicológicos ou estu-
dos sociais que determinem não somente a presença de da-
nos psicológicos assim como sua extensão serão fundamen-
tais. Naturalmente, o dano tende a concretizar-se em maior ou
menor grau, porque é inerente à vulnerabilidade da pessoa
idosa, sobretudo se for agravada por uma doença, que a indi-
ferença do filho para tal contribua.
No entanto, não se pode descartar que a omissão de
cuidado originalmente atribuída ao filho possa ser substituída
pela presença de outras pessoas da família, inclusive cônjuge
ou companheiro, que lhe prestem o sustento. Acreditamos
também que a existência de um caráter afetivo forte e equili-
brado, apesar da evidência de delitos filiais, será um fator ade-
quado para neutralizar o dano psíquico do idoso.

158
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

Essa constatação objetiva na ponderação da conduta


supostamente lesiva e do interesse supostamente lesado é o
que seleciona o interesse existencial especificamente merece-
dor de proteção e mostra se há de fato um dano injusto e re-
parável.

4.3.1.3 Nexo causal

O nexo de causalidade desempenha um papel central


na teoria da responsabilidade civil. Antes de procurarmos o
culpado, localizamos o responsável. A causalidade pode ser
conceituada como uma relação de causa e efeito entre o fato
(comportamento) do agente e o dano. A responsabilidade pe-
los danos só pode ser imputada ao agente, se a prova de-
monstrar que a lesão patrimonial ou extrapatrimonial está ne-
cessariamente ou razoavelmente relacionada com a sua con-
duta ou atividade. Do ponto de vista da responsabilidade sub-
jetiva, apenas se examinará em um segundo momento se esta
ação também corresponde a um ilícito culposo.
No contexto da responsabilidade civil, o nexo de causa-
lidade tem duas funções: a primeira consiste em impor uma
obrigação de indenizar a pessoa cuja conduta foi a causa efe-
tiva do dano. A segunda é a de determinar a extensão desse
dano, sua medida. Isso quer dizer que, em congruência com o

159
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

nexo de causalidade, poderemos determinar quem reparará o


dano e qual seu valor.
Numa ação de indenização por negligência, o grau de
responsabilidade não será determinado por culpa, mas sim
pelo nexo de causalidade. Antes de especificar se a conduta
antijurídica filial foi qualificada por leviandade e aparente indi-
ferença à figura do ascendente, é preciso determinar o nexo
causal entre a omissão do amparo e o dano sofrido pelo geni-
tor.
Não faz sentido aferir efetivamente atos ilícitos, bem
como danos injustificados, se não estiver claro que a omissão
do agente foi causa necessária do evento lesivo, sobrema-
neira se não houver outra causa capaz de justificar a lesão.
Outros fatores por si só podem justificar danos aos in-
teresses existenciais, ou concorrer com as ações ilícitas do
descendente. O desenvolvimento de doenças degenerativas,
como o Alzheimer que é a forma de demência mais comum,
traz consigo uma série de sintomas que incluem confusão, ir-
ritabilidade, alterações de humor, comportamento agressivo,
dificuldades de linguagem e perda de memória a longo prazo.
O homem, naturalmente, se afasta da família e da soci-
edade. A triste conjunção de patologia incapacitante, somada
a um ambiente sem referências estabilizadoras, será uma

160
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

base para o agravamento do quadro disfuncional do idoso. Es-


ses fatores concorrentes serão levados em consideração, por-
que em uma ação de indenização o magistrado deve conside-
rar o fenômeno do nexo de causalidade devido à autoria plural.
A consequência será a divisão da indenização com o
filho sendo condenado em valor proporcional à sua participa-
ção na causa do resultado lesivo. Nesse sentido e com a re-
dação que é objeto de crítica, o artigo 945 do Código Civil, in
verbis: “Se a vítima tiver concorrido culposamente para o
evento danoso, a sua indenização será fixada tendo-se em
conta a gravidade de sua culpa em confronto com a do autor
do dano”.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Considerando a análise da legislação jurídica brasileira


e os artigos pertinentes ao tema, é possível concluir que os
filhos que não dão assistência aos seus pais que se encontram
na velhice, inclusive de forma afetiva, devem ser responsabili-
zados civilmente, caso seja comprovado que houve culpa,
dano e nexo de causalidade. Porém, cada caso deve ser ana-
lisado de forma particular, visto que ninguém é obrigado a
amar e dar afeto, ainda mais se em sua infância não recebeu
amor e afeto de quem deveria ter recebido.

161
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

Observou-se que o Estatuto do Idoso assegura a assis-


tência tanto social como familiar dos idosos ao que se refere à
dignidade humana, à proteção e, de forma implícita, à afetivi-
dade por parte dos filhos. E que o dever de amparo e assis-
tência cabe ao Estado, à família e à sociedade, e é um dever
constitucional onde a convivência e a responsabilidade devem
ser preferencialmente da família.
Pode-se afirmar também que para que haja o respeito
à dignidade do idoso e para que ele se mantenha preservado
de qualquer ato que configure uma ofensa à sua integridade
psíquica ou física, devem ser garantidos também a existência
material mínima, o respeito à isonomia e a autonomia da von-
tade.
Verificou-se que o pensamento do ordenamento jurí-
dico, de que a sanção busca castigar o autor de determinado
comportamento antijurídico, por ação ou omissão, foi supe-
rado. Pois, na realidade, o que a sanção busca é ressarcir a
vítima do dano que lhe foi provocado injustamente.
Constatou-se que ao pensarmos em abandono afetivo
devemos ter em mente o cuidado que é uma forma de amor
para que possa existir um elemento objetivo para configuração
da responsabilização civil. E o dano provocado deve ser um
prejuízo concreto para a obrigação de tal responsabilização.

162
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

Portanto, é possível a responsabilização civil dos filhos


perante seus pais idosos caso eles sejam abandonados afeti-
vamente e se sentirem lesados. No entanto, é necessário que
o magistrado analise o caso de forma específica para evitar
que haja uma monetização do afeto. Dessa forma, apenas nas
situações que ficarem comprovadas as consequências nega-
tivas do abandono do filho aos pais é que será justificável a
obrigação de reparo.

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Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

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165
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

5
PRINCÍPIO CONSTITUCIONAL DA FUNÇÃO
SOCIAL DA PROPRIEDADE

THE CONSTITUTIONAL PRINCIPLE OF


THE SOCIAL FUNCTION OF PROPERTY

João Carlos Araújo Progênio9


Simmel Sheldon de Almeida Lopes10

PROGÊNIO, João Carlos Araújo. Princípio constitucional da função


social da propriedade. Trabalho de Conclusão de Curso de Gradu-
ação em Direito – Centro Universitário UNINORTE, Rio Branco.
2023.

9
Discente do 9º período do curso de bacharelado em Direito pelo Centro
Universitário Uninorte.
10
Docente do Centro Universitário Uninorte. Graduada em Direito pelaU-
niversidade Federal do Acre; Técnico em Cadastro Imobiliário da Prefeitura
Municipal de Rio Branco; Chefe do Núcleo de Geotecnologia da Prefeitura
Municipal de Rio Branco - Decreto 276/2022 Advogado na Sheldon & Vas-
concelos Advocacia; Professor de Direito Financeiro e Orçamentário na
empresa Emerson Pré-Concursos; Professor de Direito Tributário na em-
presa empresa Emerson Pré-Concursos; Professor de Direito Civil no Cen-
tro Universitário Uninorte

166
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

RESUMO

Introdução. O estudo aborda o princípio Constitucional da Função


Social da Propriedade, que requer que os proprietários usem seus
bens de maneira benéfica para a sociedade, equilibrando direitos
individuais com interesses sociais, ambientais e econômicos. Isso
visa evitar prejuízos ao bem-estar público e promover desenvolvi-
mento sustentável e justiça social. Objetivo. Frente a essa situação,
a análise foi realizada levando em conta a posição da resolução
mencionada dentro das leis do Brasil. Além disso, houve uma avali-
ação sobre como ela poderia ser aplicada na prática em todo o país,
explorando ideias e visões de estudiosos sobre a importância do
princípio da função social da propriedade. Método. Utilizando funda-
mentos teóricos e examinando aspectos sociais, históricos e filosó-
ficos, foi elaborada uma avaliação da trajetória evolutiva da imple-
mentação do princípio da função social da propriedade. Isso não
apenas como um princípio isolado, mas também como um meio de
abordar desigualdades sociais. Resultados. A implementação do
princípio constitucional da função social da propriedade promoveu
um equilíbrio entre os direitos individuais de propriedade e o bem
comum. Isso resultou em uma abordagem mais equitativa e ecolo-
gicamente consciente no uso dos recursos, encorajando a contribui-
ção para o benefício público, o crescimento sustentável e a diminui-
ção das disparidades. Além desses efeitos, o princípio também in-
centivou os proprietários a adotarem uma postura socialmente res-
ponsável ao utilizar seus bens. Conclusão. Assim, o princípio cons-
titucional da função social da propriedade, seja urbana ou rural,
busca não apenas evitar a repetição de erros sociais, econômicos e
políticos enfrentados por gerações anteriores, mas também traz
consigo uma maior responsabilidade social e a aplicação coletiva da
lei.

Palavras-chave: função social; propriedade; princípio constitucional;


justiça social.

167
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

ABSTRACT

Introduction. The present study deals with the Constitutional prin-


ciple of the Social Function of Property l, which provides for the
responsibility of owners to use their assets in a way that benefits
the community. Present in many constitutions around the world,
this principle aims to balance individual property rights with the
social, environmental and economic interests of the community at
large. This implies that property should not be used in a way that
is detrimental to the public welfare and should contribute to sus-
tainable development and social justice. Goal. Faced with this sit-
uation, the analysis was carried out taking into account the posi-
tion of the resolution mentioned within the laws of Brazil. In addi-
tion, there was an evaluation of how it could be applied in practice
across the country, exploring ideas and views of scholars on the
importance of the principle of the social function of property.
Method. Using theoretical foundations and examining social, his-
torical and philosophical, an evaluation of the evolutionary trajec-
tory of the implementation of the principle of the social function of
property was elaborated. This is not only as an isolated principle,
but also as a means of addressing social inequalities. Findings.
The implementation of the constitutional principle of the social
function of property promoted a balance between individual prop-
erty rights and the common good. This has resulted in a more
equitable and ecologically conscious approach to the use of re-
sources, encouraging contribution to public benefit, sustainable
growth and the narrowing of disparities.In addition to these ef-
fects, the principle also encouraged owners to adopt a socially
responsible stance when using their assets. Conclusion. Thus,
the constitutional principle of the social function of property,
whether urban or rural, seeks not only to avoid the repetition of
social, economic and political mistakes faced by previous gener-
ations, but also brings with it greater social responsibility and col-
lective application of the law.

Keywords: social function; property; constitutional principle; so-


cial justice

168
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

INTRODUÇÃO

A discussão em torno do princípio constitucional da fun-


ção social da propriedade desempenha um papel fundamental
na análise e interpretação das relações entre indivíduos e pro-
priedades. Ao abordar esse tema, busca-se compreender
como a propriedade não deve ser vista apenas como um di-
reito absoluto, mas sim como um compromisso social.
A discussão sobre a função social da propriedade incita
reflexões acerca da responsabilidade do proprietário em utili-
zar seus bens de forma a contribuir positivamente para a co-
letividade, considerando questões econômicas, ambientais e
sociais. Isso enfatiza a necessidade de equilíbrio entre o exer-
cício do direito de propriedade e o bem-estar da sociedade em
geral, tornando-se, portanto, um tema relevante tanto no âm-
bito jurídico quanto no contexto sociopolítico.
A indagação central que orienta este estudo é: Como
propriedades rurais improdutivas e propriedades urbanas no-
civas passam despercebidas pela justiça social? Com o obje-
tivo de responder a essa pergunta, foi conduzida uma ampla
pesquisa bibliográfica sobre o assunto, abrangendo aspectos
históricos, legais e práticos ligados à execução da norma
constitucional de aplicar na forma de um princípio, a Função
social da propriedade.

169
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

A invisibilidade de propriedades rurais improdutivas e


urbanas nocivas à justiça social é um problema complexo. Na
zona rural, falta de critérios claros para produtividade e obstá-
culos burocráticos levam a terras ociosas, concentrando recur-
sos e excluindo pequenos agricultores. No meio urbano, negli-
gência com propriedades nocivas ocorre devido a influência
política/econômica dos donos, regulamentações complexas e
fiscalização insuficiente, resultando em riscos para saúde pú-
blica e meio ambiente.
Em ambos os casos, a ausência de um sistema eficaz
de monitoramento, fiscalização e penalização permite que es-
sas propriedades continuem a existir sem serem responsabili-
zadas pelos impactos negativos que geram. Para alcançar
uma justiça social genuína, é crucial implementar regulamen-
tações transparentes, promover a participação cidadã na to-
mada de decisões e fortalecer os mecanismos de responsabi-
lização para garantir que propriedades improdutivas ou noci-
vas não passem mais despercebidas
Em suma, o vigente trabalho busca afirmar que o es-
tudo do princípio constitucional da função social da proprie-
dade é importante porque estabelece que a propriedade pri-
vada não é absoluta, mas condicionada ao bem comum.
Isso equilibra interesses pessoais e públicos, promo-
vendo um desenvolvimento justo e sustentável. Além disso,

170
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

ajuda a criar políticas contra concentração de recursos e es-


peculação imobiliária, evitando desigualdades e exclusão. Ao
compreender isso, legisladores podem moldar leis que garan-
tam uso responsável e benéfico da propriedade, considerando
aspectos ambientais e comunitários. Portanto, estudar esse
princípio é essencial para equilibrar direitos individuais e ne-
cessidades coletivas, para um ambiente mais justo

5.1 DO DIREITO DE PROPRIEDADE E DA FUNÇÃO SOCIAL

5.1.1 BREVE EVOLUÇÃO DO DIREITO À PROPRIEDADE

Definir a tarefa privada nunca foi uma tarefa fácil para


os estudiosos, uma vez que o conceito varia de autor para
autor, e depende uma visão filosófica e ideológica. Rousseau,
em sua filosofia, acreditava que a propriedade privada surge
com a demarcação de terra, o que ocasionava a divisão dos
homens e as desigualdades sociais. Por outro lado, o
comunista Karl Marx, em suas obras como o Manifesto
Comunista (1848) e O Capital: Crítica de Economia Política
(1867), a propriedade privada nasce como consequência da
exploração da agricultura e do consequente domínio de um
grupo sobre outro.
A propriedade de terra é um espaço, ou seja, um

171
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

território demarcado ou não. Com efeito, apesar da


propriedade de terra existir desde a antiguidade, foi com a
luta da burguesia, com auge na Revolução Francesa, que o
direito à propriedade se tornou um direito imaleável nas
Cartas Constitucionais.
Em tempos remotos, a propriedade estava presente
nas tribos primitivas, na qual a propriedade privada dos
utensílios pessoais. Com o fim do nomadismo, os homens
começaram a se estabelecer em uma base territorial
determinada, surgindo a propriedade coletiva da terra
cultivada pela comunidade, realizado pela família ou por
grupos familiares, originando a propriedade familiar,
diferenciando da propriedade coletiva (da tribo).
Vale ressaltar que, na antiguidade clássica (século VIII
a.C. – V. D. C), além do 172conómica172 material, a mulher
e os filhos também eram propriedades do chefe de família,
sendo que tal propriedade, para os romanos, tinham três
características: exclusiva, absoluta e perpétua, tratando-se
de um direito individual, e não coletivo.
Na Idade Média (século V – XV), com a queda do
Império Romano e a ascensão do modelo de produção
feudal, a propriedade passou a ser entendida a partir de
uma visão coletiva, baseada na vassalagem, existindo o
vassalo (homem livre) que se submetia ao senhor (que

172
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

possuía terras), prestando serviços e recebendo “proteção” do


seu senhor em troca dos serviços, sendo considerado por
muitos estudiosos uma maneira jurídica do possuidor de terras
conceder parte de suas terras, pois o vassalo fazia o usufruto
das terras para produzir o seu sustento.
Em outra visão, o Rei tinha um poder ilimitado, e
em virtude desse poder, adquiria novas terras a depender da
sua vontade. Entretanto, com a criação da Magna Carta
(1215), o primeiro ato normativo, colocou a propriedade
privada no domínio do direito ao limitar o poder do Rei para a
aquisição de novas terras. Válida somente para o Rei e a
Nobreza, tal carta tinha o objetivo de regular a relação dessas
duas classes.
Mesmo com a criação de tal carta, o Rei João Sem
Terra (sec. XIII) é forçado pelos barões a assinar a Magna
Carta para submeter o Estado às leis, pois o Rei continuava
expandido suas terras. Tal Carta assinada pelo Rei João Sem
Terra é um marco, uma vez que é uma importante Carta para
o surgimento do Constitucionalismo.
Na Idade Moderna (final do século XV – XVIII) o sistema
feudal começa a entrar em declínio, e a burguesia, inspirada
pelos ideais do iluminismo e desenvolvimento do comércio e
da indústria, observava que garantir liberdade política e
173conómica era mais vantajoso para sua classe e outras

173
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

classes que não pertenciam, trazendo, novamente, a ideia da


propriedade como um direito individual que pregava o Direito
Romano.
A partir da revolução industrial, a terra não apenas
exercia o seu poder de uso, contudo, também surgiu a
possibilidade de compra e venda, com o uso comum das
terras públicas com finalidade de agricultura e de pecuária no
século XVIII, adquirindo a terra seu valor de mercado,
tornando-se um capital para os novos meios de produção
industrial.
Com as mudanças dos meios de produção, a
propriedade privada adquiriu características capitalistas,
como o monopólio, transformando-se em mercadoria,
fundado no pensamento liberal, a partir do século XVIII,
incorporando o direito à propriedade privada como direito
civil, incluído o direito de aquisição de propriedade entre as
liberdades individuais. Na Declaração dos Direitos do Homem
e do Cidadão, a propriedade era inviolável e sagrada.

5.1.2 PROPRIEDADE PRIVADA NA CONTEMPORANEI-


DADE

Com a revolução industrial, a propriedade tradicional


ganhou a sua função social e ambiental. Um marco importante
do novo conceito vem da Constituição de Weimar, em 1919

174
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

(Constituição alemã) que salienta que a propriedade privada


deve servir ao bem comum, afirmando os interesses
individuais do proprietário não podem se sobrepor aos
interesses coletivos e à preservação ambiental.
A 175onceção atual de propriedade privada contou
com as contribuições das antigas sociedades romana, grega
e feudal, contudo, em virtude das mais recentes codificações
atuais, o direito absoluto da propriedade privada não mais se
encontra respaldo no século XXI, em nenhum lugar do mundo
que adote um sistema que não seja opressor e não concentre
o poder inteiramente no Estado.
Ademais, com o sistema capitalista, a propriedade
privada passou a ter um significado de “legítima posse da
terra”, visto que abarca a propriedade no sentido tradicional e
propriedade sobre diversos bens materiais e abstratos.
Conforme ilustra palavras do Ministro Gilmar Mendes:

O conceito de propriedade sofreu profunda alte-


ração no século passado. A propriedade privada
tradicional perdeu muito do seu significado como
elemento fundamental destinado a assegurar a
subsistência individual e o poder de autoderter-
minação como fator básico da ordem social.
Como observado por Hesse, a base da subsis-
tência e do poder de autoderterminação do ho-
mem moderno não é mais a propriedade privada
em sentido tradicional, mas o próprio trabalho e

175
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

o sistema previdenciário instituído e gerido pelo


Estado” (Mendes, 2014, p. 328)

Nessa esteira, o significado de propriedade atual é mais


abrangente, o que não é foco desta pesquisa, uma vez que
aqui trataremos nos moldes da propriedade privada
tradicional, ou seja, a “posse de terra”, um espaço físico, à
moradia, ao trabalho, ao comércio, que é somente privada
porque é tão somente privada para alguns, conforme as
palavras de Marx:

Horrorizai-vos porque queremos abolir a proprie-


dade privada. Mas, em vossa atual sociedade, a
propriedade privada já está abolida para nove
décimos de seus membros; ela existe precisa-
mente porque não existe para esses nove déci-
mos. Censurai-vos, portanto, por querer abolir
uma propriedade cuja condição necessária é a
ausência de toda e qualquer propriedade para a
imensa maioria da sociedade” (Marx e Engels, p.
45).

Deste modo, não há como falar em propriedade


privada sem usar a história no tempo, por meio de uma análise
sociológica do termo, para verificar o que é a propriedade
privada e a sua função social.

176
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

5.2 DA FUNÇÃO SOCIAL NO CONTEXTO BRASILEIRO AN-


TES DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988

“Função Social” é um termo que foi “criado” pelo


Jurista Francês Léon Duguit (1859-1928), responsável por
influenciar a teoria do Direito Público, na qual o jurista
argumenta que o direito de propriedade deveria ser uma
função social e o proprietário deveria usá-lo para o incremento
da riqueza e do bem comum.
Ao longo do período histórico do Brasil, tivemos várias
constituições, sendo 7 antes da Constituição Federal de 1988,
todas com suas peculiaridades da época que fora
promulgada, seja no império, no começo da república, em um
regime ditatorial ou na redemocratização, algumas ignorando
a função social da propriedade e outras legislando sobre,
contudo, sem efeitos práticos em razão de interesses de
poderosos que não visavam o bem-estar social.

5.2.1 CONSTITUIÇÃO DE 1824

A constituição e 1824, outorgada pelo Imperador D.


Pedro I e elaborada por um Conselho de Estado, garantiram a
plenitude do uso da propriedade. Nos seguintes termos, a
Constituição de 1824 (Brasil, 1824), in verbis:

177
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

Art. 179. A inviolabilidade dos Direitos Civis, e


178xceção178a dos Cidadãos 178xce-
ção178ado, que tem por base a liberdade, a
segurança individual, e a propriedade, é garan-
tida pela Constituição do 178xceção, pela ma-
neira seguinte.
XXII. E’garantido o Direito de Propriedade em
toda a sua plenitude. Se o bem publico legal-
mente verificado exigir o uso, e emprego da
Propriedade do Cidadão, será 178xce 178xce-
ção178ado 178xceção178ado do valor
178xce. A Lei marcará os casos, em que terá
logar esta 178xceç 178xceção, e dará as re-
gras para se determinar a indemnização.

Desta forma, além de garantir a plenitude do uso da


propriedade, a constituição de 1824 garantiu a possibilidade
de desapropriação. Entretanto, apesar de garantir tal direito, a
primeira Constituição do Brasil se omitiu sobre vários
problemas herdados pelas sesmarias e pelas terras
devolutas. Segundo o geógrafo Gustavo Pietro, a grilagem é
um traço característico e constitutivo da propriedade privada
da terra no Brasil:

Enquanto na Europa serviam para uma burgue-


sia vigorosa, ligada ao desenvolvimento da ma-
nufatura e da indústria, em luta contra uma aris-
tocracia em crise, no Brasil elas iriam ser defen-
didas pela aristocracia rural que se coadunava
com o Estado (Prieto, 2017).

178
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

Assim, na época da Constituição de 1824 (período


colonial) imperou um direito abstrato da propriedade, isto é, de
caráter perpétuo, visto que não havia uma previsão concreta e
explicativa para a diferença entre posse e propriedade, o que
facilitou a apropriação ilegal de terras por meio da
grilagem, não havendo nenhuma possibilidade no texto
constitucional de perda da propriedade para o uso público e
não existindo a função social da propriedade, o que tornou o
período colonial um verdadeiro “velho oeste de tomadas de
terras”.

Ademais, no período colonial, a propriedade era


inviolável, um direito absoluto, que, em hipótese alguma,
poderia ser “tomada”, mesmo se não atendesse a sua função
social, haja vista não haver tal previsão na época, tornando-
se a propriedade algo hereditário e sem função, existindo
poucas exceções, como a desapropriação constitucional.

5.2.2 CONSTITUIÇÃO DE 1891

Em 1870, surgiu no Brasil novos grupos


socioeconômicos, estes que tinham ideais diferentes do
aparelho engessado do Império, o que começou a gerar um
conflito político no País. O setor social principal que estava

179
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

insatisfeito com a monarquia era os cafeicultores paulistas,


um grupo da elite agrária que visava no café, uma vez que o
café estava tornando-se o principal produto da economia
nacional.

Com a Abolição da Escravatura (1888) e outros


acontecimentos históricos no país, o império terminou em
1889, quando o Marechal Deodoro da Fonseca comandou um
ato denominado de Primeira República ou República Velha
(1889-1930). Deste modo, em 1891, foi promulgada em 1891,
adotando o sistema presidencialista de governo, surgindo, no
Brasil, o sistema dos três poderes, isto é, Executivo,
Legislativo e Judiciária. A Constituição de 1891 é a primeira
constituição no sistema republicano de governo no Brasil,
decretando o fim da Monarquia.

Entretanto, ao adotar o modelo federalista, dando


autonomia para os estados e municípios, o que,
consequentemente, fortaleceu a elite agrária da época.
Apesar da instituição desse novo sistema, tal Constituição
continuou na mesma direção da constituição anterior, sendo
o direito da propriedade quase absoluto, existindo poucas
exceções, como, por exemplo, a desapropriação
constitucional, ainda existindo o problema de concentração
de terras.

180
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

5.2.3 CONSTITUIÇÃO DE 1934

Diferente das duas constituições anteriores, a


Constituição de 1934, influenciada pelas legislações
mexicanas (Constituição Mexicana de 1917) e alemã
(Constituição de Weimar de 1919), tal Constituição
estabeleceu muitos direitos coletivos e individuais, como o
voto secreto, voto feminino, o ensino primário, inovações
trabalhistas e o uso da propriedade ao interesse coletivo ou
social, tendo uma inovação significativa para aproximação da
função social da propriedade. Na prática, infelizmente, a
desapropriação social não passou de mera teoria, visto que
na época não fora editada nenhuma lei complementar para
tal instituto, existindo como um mero fantoche na
Constituição de 1934.

5.2.4 CONSTITUIÇÃO DE 1937

Promulgada por Getúlio Vargas, a Constituição de


1937 dá início a um período histórico controverso e liderado
por um líder controverso: O estado novo e a segunda fase da
Era Vagas. Na década de 30, a democracia liberal estava
cada vez mais desacreditada e o mundo se voltava para
ideologias totalitárias como o nazismo alemão ou o fascismo
italiano. Getúlio Vagas, concentrando o poder, promulgou,

181
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

então, uma Constituição com referências fascista, tanto que


a Constituição de 1937 ficou conhecida como a “Constituição
Polaca”, por ter leis autoritárias e fascistas, podendo ser
comparada com a Carta Magna Polonesa de 1935.
No que tange a função social da propriedade, a Cons-
tituição de 1934 nada modificou e não trouxe novidades, dei-
xando a cabo do legislador infraconstitucional, no seu art. 122
– o direito de propriedade, salvo a desapropriação por neces-
sidade ou utilidade pública, mediante indenização prévia. O
seu conteúdo e os seus limites serão os definidos nas leis que
lhe regularem o exercício – prevendo a desapropriação por
necessidade pública, contudo, deixando para a norma infra-
constitucional impor os termos, o que não acontecera, pois,
novamente, os interesses da elite prevaleciam.

5.2.5 CONSTITUIÇÃO DE 1946, 1967 e de 1969

A Constituição de 1964 surgiu em um contexto de


redemocratização após o fim do Estado Novo em 1945. Após
a Segunda Guerra Mundial (1939-1945) o mundo estava
“chocado” com os horrores que uma guerra pode causar,
alertando as autoridades que tais ideologias autoritárias não
seriam mais aceitas, ocorrendo, assim, uma época de
“redemocratização” em vários países, inclusive, no Brasil.
No artigo 147 da Constituição de 1946, a nova

182
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

Constituição estabeleceu, diferente das anteriores, os limites à


propriedade privada, condicionando ao bem-estar social,
podendo a Lei promover a justa distribuição da
propriedade, com igual oportunidade para todos.
Entretanto, o processo de redemocratização não durou
muito tempo, pois, em 1964, ocorreu o golpe militar, tal
ditadura que ignorou a lei anteriormente citada, exercendo, por
meio de governos autoritários, repressão contra urbanos, e,
principalmente, contra camponeses e trabalhadores rurais que
lutavam por moradia. Segundo o Relatório Final elaborado
pela Comissão Camponesa pela Verdade (2014):

As situações relatadas anteriormente mostram


como camponeses foram mortos, desaparece-
ram de maneira forçada, tiveram seus cadáve-
res ocultados e foram torturados. Trata-se de
situações exemplares de um panorama das
graves violações de direitos humanos ocorri-
dos no campo entre os anos 1946 e 1988 em
diferentes locais do País. São episódios que
revelam a barbaridade com a qual a repressão
atingiu os camponeses, assim como a vincula-
ção, em muitas situações, de agentes públicos
e privados na composição de uma estrutura
repressiva que atingia os que viviam no meio
rural.

Ainda, no período de repressão por militares, foi


instituída a Constituição de 1967 e de 1969, que teve somente

183
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

uma única mudança quanto a função social da propriedade,


colocando esta como princípio da ordem econômica (157,
inciso III) alegando o fator de segurança jurídica e estabilidade
social, não colocando em prática tal princípio, uma vez que
esse período revelou a barbaridade que o ser humano pode
cometer em virtude do poder, atingindo, principalmente,
camponeses que lutavam por uma moradia digna,
configurando uma estrutura repressiva que atingia os que
viviam no meio rural.

5.3 DA FUNÇÃO SOCIAL DA PROPRIEDADE NA CONS-


TITUIÇÃO FEDERAL DE 1988

A função social da propriedade foi vista pela primeira


vez no Brasil na Constituição de 1934, sendo uma condição
ao direito de propriedade, devendo que a propriedade urbana
e rural servir aos interesses do proprietário e atender às
necessidades e interessas da sociedade.
Segundo as palavras do jurista baiano Orlando
Gomes (Gomes, 2004) a função social pode se confundir com
o próprio conceito de propriedade, diante de um caráter
inafastável de acompanhamento, afirmando que a
propriedade é função social.
Na Constituição Federal de 1988, regida pelo estado

184
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

democrático de direito, existem muitos artigos e incisos


salientando sobre a função social da propriedade, posto que
o artigo base é o art. 5º, inciso XXII que diz que – a
propriedade atenderá a sua função social – apontando que a
propriedade terá que ter objetivos social de uma determinada
cidade, isto é, a propriedade não deve somente atender os
interesses do seu proprietário, contudo, deve atender os
interesses da coletividade.
Com base no Inciso XXII, do art. 5º, da Constituição
Federal, outros Incisos da Carga Magna cuidam de tratar dos
critérios para o cumprimento da Constituição. O primeiro cri-
tério está estampado no art. 182, parágrafo 2º, da CF, di-
zendo que – A propriedade urbana cumpre sua função social
quando atende às exigências fundamentais de ordenação da
cidade expressas no plano diretor – se tratando da função
social na política urbana, que, de acordo com o Capítulo II, a
propriedade urbana terá sua função social atendida quando
respeitar critérios estabelecidos pelo Plano Diretor de cada
município.
Por outro lado, a função social da propriedade rural
está disciplinada no art. 186, da Constituição Federal (1988),
estabelecendo que os critérios para o cumprimento desta fun-
ção social é

185
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

Art. 186. A função social é cumprida quando a


propriedade rural atende, simultaneamente, se-
gundo critérios e graus de exigência estabeleci-
dos em lei, aos seguintes requisitos: II – aprovei-
tamento racional e adequado; II – utilização ade-
quada dos recursos naturais disponíveis e pre-
servação do meio ambiente; III – observância
das disposições que regulam as relações de tra-
balho; IV – exploração que favoreça o bem-estar
dos proprietários e dos trabalhadores.

A função social também está presente como princípio


da ordem 186ndemniza, com objetivo de assegurar a justiça
social e a existência digna a todos, no art. 170, inciso III, da
Constituição Federal.
Há, ainda, uma série de dispositivos que disciplinam a
função social: art. 5º, XXIV, tratando-se sobre hipóteses de
desapropriação (necessidade pública, utilidade pública e
interesse social); inciso XXV, prevendo a possibilidade de uso
de bem particular em caso de iminente perigo público, com
186ndemnização ulterior; inciso XXVI, do art. 5º, tratando-se
sobre a impenhorabilidade da pequena propriedade rural; Art.
21, IX, dando a União competência para elaborar e executar
planos nacionais e regionais de ordenação territorial; Art. 190,
limitando o acesso à propriedade rural por estrangeiros; Art.
191, prevendo a usucapião 186nd-labore de imóveis rurais;
Art. 216, parágrafo 1º, tratando sobre a desapropriação como
instrumento de proteção do 186ndemnizaç cultural, dentre

186
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

outras.
Assim, a garantia da propriedade deve ser orientada
conforme os princípios e objetivos fundamentais da
República, como estabelecido nos arts. 1º e 3º, da
Constituição Federal. De forma objetiva, Gustavo Tepedino
diz, in verbis, que:

[...] o pressuposto para a tutela de uma situa-


ção proprietária é o cumprimento de sua fun-
ção social que, por sua vez, tem conteúdo pré-
determinado, voltado para a dignidade da pes-
soa humana e para a igualdade com terceiros
não proprietário (Tepedino,1993 ).

Deste modo, o Texto Maior tanto inclui a função social


da propriedade entre os princípios da atividade econômica
quanto os direitos e garantias individuais.
É importante ressaltar que, mesmo a propriedade
privada exercendo sua função social, a Constituição Federal
de 1988, traz institutos que o Estado poderá intervir na
propriedade privada. Uma dessas intervenções é a servidão
administrativa, prevista no art. 40 do Decreto-Lei n.º 3.365/41,
Decreto-Lei que trata das Desapropriações por utilidade
pública.
O objetivo da servidão administrativa é assegurar a
realização ou a conservação de obras, ou mesmo de viabilizar

187
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

a prestação de serviços públicos. Para fins de servidão


administrativa, caso a propriedade exerça a função social, tal
é importante para o valor da indenização, codificado pela
Constituição Federal com “justa indenização”, no Art. 5.º
XXIV; art. 182, parágrafo 3º, art. 184, da Constituição
Federal. Desta forma, o proprietário continua sendo dono do
imóvel, contudo, suportará a limitação do bem devido ao
princípio da supremacia do interesse público sobre o privado.
É evidente que, mesmo que a propriedade exerça a
função social, ainda poderá ela sofrer limitações do Estado,
existindo, nesse caso, uma 188 indenização justa.

5.4 DA FUNÇÃO SOCIAL RURAL

Diferente da função social urbana, a Constituição Fe-


deral de 1988 decidiu trazer, em seu artigo 186, os critérios e
graus de exigência para cumprir a função social da proprie-
dade rural. Sob essa ótica, a propriedade rural deve cumprir:
I – aproveitamento racional e adequada; II – Utilização ade-
quada dos recursos naturais disponíveis e preservação do
meio ambiente; III – observância das disposições que regu-
lam as relações de trabalho; IV – exploração que favoreça o
bem-estar dos proprietários e dos trabalhadores.

188
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

Tais Incisos acima são cumulativos e devem ocorrer


simultaneamente, ou seja, a utilização da propriedade rural
deve ser aproveitar de maneira racional e adequada a utiliza-
ção dos recursos naturais disponíveis, preservando o meio
ambiente, em observância, também, das disposições que re-
gulam o trabalho, sendo esse trabalho exercendo uma explo-
ração que favoreça o bem-estar dos proprietários e dos tra-
balhadores.
Deste modo, a função social da propriedade rural visa
o aproveitamento econômico, geração de emprego e
preservação do meio ambiente.
O Estado, exercendo seu poder de império, poderá,
usando a prevalência do interesse público sobre o particular
para atender a função social da propriedade, desapropriá-
la em quatro modalidades: direta, indireta, confiscatória e
sancionatória.
Em caso de utilidade pública ou necessidade do
Estado, o Estado poderá, direta ou indiretamente,
desapropriar uma propriedade. Desapropriação direta é a
mais conhecida, isto é, a clássica.
Nesta, o Estado entra em um “acordo” com o
particular, tendo uma indenização prévia antes da posse da
propriedade. Desapropriação indireta, ocorre quando o poder
público primeiro toma posse da propriedade e depois discute-

189
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

se o valor da indenização.
Por outro lado, a desapropriação confiscatória é
quando o poder público confisca uma terra que está sendo
utilizada para o cultivo de plantas psicotrópicas e não
autorizadas. Já a desapropriação sancionatória pode ocorrer
quando uma propriedade, urbana ou rural, não está
cumprindo a sua função social (Perdiz de Jesus, 2021).
Deste modo, a desapropriação correta para a
propriedade que não exercer sua função social, seja na
política urbana, rural, ambiental ou qualquer outra
codificação, é a desapropriação sancionatória, ocorrendo,
por óbvio, o não exercício da função social na desapropriação
confiscatória, haja vista que o cometimento de um ilícito
(cultivo de plantas psicotrópicas e não autorizadas) também
não está na adequação do princípio da função social da
propriedade.
Caso a propriedade rural não esteja exercendo sua
função social, a União tem a competência para desapropriar
por interesse social, para fins de reforma agrária, o imóvel
rural que não esteja cumprindo sua função social, mediante
prévia e justa indenização em títulos da dívida agrária, com
cláusula de preservação do valor real, resgatáveis no prazo
de vinte anos, a partir do segundo ano de sua emissão, e cuja
utilização será definida em lei (art. 184, da CF). Em outras

190
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

palavras, a propriedade rural que não for produtiva ou não for


tão utilizada por seu proprietário, poderá perder a propriedade
por desapropriação, ocorrendo o pagamento em até 20 anos.
Assim, deve a propriedade exercer sua função social,
ou, em caso de descumprimento, poderá o Estado,
desapropriá-lo com a devida indenização.
Por outro lado, não podemos confundir desapropria-
ção, uma cessão ao domínio público, compulsória e mediante
justa indenização de propriedade pertencente a um particular
(desapropriação direta, também chamada de clássica) com
expropriação da propriedade, esta que é um dos tipos de de-
sapropriação, a chamada desapropriação confiscatória, pre-
vista no artigo 243, da Constituição Federal de 1988, na qual
diz que - As propriedades rurais e urbanas de qualquer região
do País onde forem localizadas culturas ilegais de plantas
psicotrópicas ou a exploração de trabalho escravo na forma
da lei serão expropriadas e destinadas à reforma agrária e a
programas de habitação popular, sem qualquer indenização
ao proprietário e sem prejuízo de outras sanções previstas
em lei, observado, no que couber, o disposto no art. 5º.
No caso da confiscatória, o proprietário que, além de
não exercer sua função social, estiver cometendo, em
flagrante, o cultivo de plantas psicotrópicas ilícitas ou
empregando trabalho escravo na sua propriedade, poderá

191
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

sofrer com o confisco, sem qualquer indenização e sem


prejuízo de outras sanções previstas em lei. O princípio da
função social em casos do artigo 243, da Constituição
Federal, é tão sério, que conforme decisão do Supremo
Tribunal Federal – STF – a expropriação irá recair sobre a
totalidade do imóvel, ainda que o cultivo ilegal ou a utilização
de trabalho escravo tenham ocorrido em apenas parte dele –
RE 543974, julgado em 26/03/2009, podendo a expropriação
por cultivo de drogas ser afastada se o proprietário provar que
não teve culpa, conforme decisão do STF, no RE 635336,
julgado em 14/12/2016.
Deste modo, o princípio da função social, a cada caso,
o Estado poderá tomar atitudes diferentes, verificando qual
norma fundamental para o exercício do efetivo cumprimento
do dever legal a propriedade não cumpriu, e poderá a
desapropriação ser aplicada por motivo da propriedade não
ter exercido a função social, ou somente por interesse ou
necessidade pública, mesmo a propriedade tendo efetivado
tal princípio.
Em outra senda, de acordo com a Lei n.º 12.561/12,
existem várias obrigatoriedades para a propriedade rural
obedecer quanto a política de desenvolvimento ambiental, ou
seja, as propriedades rurais deverão manter: 1. Áreas de
Preservação Permanente – APP – que são aquelas que

192
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

devem mantidas intactas pelo proprietário ou possuidor do


imóvel rural, como, por exemplo, as faixas marginais de
qualquer curso d´água natural perene e intermitente,
excluídos efêmeros, desde a borda da calha do leito regular,
com as devidas larguras respeitas na alínea a) até e) do
Inciso I do art. 4º; 2. Cadastro Rural – CAR, criado no âmbito
do Sistema Nacional de Informação Sobre Meio Ambiente –
SINIMA, registro público de âmbito nacional, obrigatório para
todos os imóveis rural, com a finalidade de integrar as
informações ambientais das propriedades e posses rurais,
compondo base de dados para o controle, monitoramento,
planejamento ambiental e econômico e combate ao
desmatamento (art. 29); Licenciamento das Atividades
Rurais, devendo ser aplicado a atividades efetivas ou
potencialmente poluidoras ou degradadoras do meio
ambiente, buscando o órgão ambiental fazer controle e
fiscalização de meios eu não interfiram nas condições
ambientais; dentre outros.
Ainda, a Lei n.º 4.504/64 (Estatuto da Terra), traz, em
seu artigo 2º, parágrafo 1, alínea a), b), c) e d), que a terra
desempenhará integralmente a sua função social quando,
simultaneamente: favorece o bem-estar dos proprietários e
dos trabalhadores que nela labutam, assim como de suas
famílias; mantém níveis satisfatórios de produtividade;

193
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

assegura a conservação dos recursos naturais; observa as


disposições legais que regulam as justas relações de
trabalho entre os que a possuem e a cultivem.
Portanto, além da propriedade rural cumprir os incisos
fundamentais da função social do artigo 186, da Constituição
Federal, também deve respeitar a Lei n.º 12.561/12,
Resoluções do CONAMA 001/86, 001/87, 009/90, 013/90,
bem como a Lei n.º 4.504/64 (Estatuto da Terra), dentre
outras disposições.

5.5 A FUNÇÃO SOCIAL DA PROPRIEDADE URBANA E


OS DISPOSITIVOS LEGAIS VIGENTES

5.5.1 DO PLANO DIRETOR DA CIDADE

Nos termos da Constituição Federal, os Planos Direto-


res, conforme o art. 182, parágrafo 1º, são os instrumentos bá-
sicos da política de desenvolvimento e expansão urbana no
âmbito municipal.

Assim, são nesses planos diretores que


regulamentam a política urbana do município, impondo
sanções àqueles proprietários que não atenderem os
objetivos específicos da posse na cidade. Com efeito, pode
citar como exemplo o parcelamento ou edificação

194
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

compulsórios, impondo sobre a propriedade predial e


territorial urbana progressivo no tempo ou desapropriação
com pagamento mediante títulos da dívida pública, conforme
o art. 182, parágrafo 4º, Incisos I, II e III.
Em Rio Branco, município do Estado do Acre, o Plano
Diretor da cidade é a Lei n.º 1611/2006, na qual, no artigo 7º,
dispõe que a política municipal obedecerá a função social da
propriedade, nos seguintes termos:

Art. 7º Para efeitos desta Lei, constituem-se fun-


ções sociais do município de Rio Branco:

I - Viabilizar o acesso de todos os cidadãos aos


bens e aos serviços urbanos, assegurando-se
lhes condições de vida e moradia compatíveis
com o estágio de desenvolvimento do Municí-
pio;
II – Promover a conservação ambiental como
forma valorizada de uso do solo, através da im-
plementação de mecanismos de compensação
ambiental; III - Promover programas de habita-
ção popular, destinados a melhorar as condi-
ções de moradia da população carente;
IV - Promover programas de saneamento bá-
sico destinado a melhorar as condições sanitá-
rias e ambientais do seu território e os níveis de
saúde da população;
V - Garantir qualidade ambiental e paisagística
aos seus habitantes;
VI - Articular com os demais municípios de
sua região e com o Estado a racionalização da
utilização dos recursos hídricos e das bacias hi-
drográficas;
VII - Garantir às pessoas portadoras de defi-
ciência física condições estruturais de acesso a
serviços públicos e particulares de frequência

195
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

ao público, a logradouros e ao transporte cole-


tivo (Rio Branco (RB), 2006, p. 2-3)

Nesse sentido, a Constituição Federal dispõe sobre a


previsão da função social da propriedade, contudo, é de suma
importância os municípios reforçar as diretrizes por elas
implementadas, complementando para um entendimento
mais objetivo, que, segundo José Afonso (Silva, 2010) a
função urbanística atinge o ponto de atuação mais concreto
no nível municipal na forma expressa pelo Plano Diretor.
No caso do Plano Diretor de Rio Branco, as sanções
estão elencadas no artigo 18, da Lei n.º 1611/2006, tais como
o parcelamento, edificação ou utilização compulsória;
imposto predial e territorial urbano progressivo no tempo;
desapropriação com pagamento mediante títulos da dívida
pública, caso não promova seu adequado aproveitamento.

5.5.2 ESTATUTO DA CIDADE

O Estatuto da Cidade é a Lei que regulamenta a polí-


tica urbana Constitucional, sob a Lei n.º 10.257. Uma das nor-
mas da referida Lei é o artigo 39 que diz que – a propriedade
urbana cumpre sua função social quando atende às exigên-
cias fundamentais de ordenação da cidade expressas no
plano diretor, assegurando o atendimento das necessidades

196
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

dos cidadãos quanto à qualidade de vida, à justiça social e


ao desenvolvimento das atividades econômicas, respeitadas
as diretrizes previstas no art. 2º da referida Lei -, isto é, em
melhores palavras, diz José Afonso da Silva:

O Estatuto da Cidade, baixado pela Lei


10.257, de 10.7.2001, é que estabelece diretri-
zes gerais da política urbana, ao regulamentar
os arts. 182 e 183 da CF. Assume ele, assim,
as características de uma lei geral de direito ur-
banístico, talvez com certo casuísmo exage-
rado. Assim mesmo, cumpre ele as fiinções
supra indicadas de uma lei geral, na medida
em que institui princípios de direito urbanístico,
disciplina diversas figuras e institutos do direito
urbanístico, fornece um instrumental a ser uti-
lizado na ordenação dos espaços urbanos,
com observância da proteção ambiental, e a
busca de solução para problemas sociais gra-
ves, como a moradia, o saneamento que o
caos urbano faz incidir, de modo contundente,
sobre as camadas carentes da população”
(Silva, 2010, p. 153).

Deste modo, a Lei n.º 10.257, o Estatuto da cidade, é


uma Lei Geral para o cumprimento da função social da
propriedade, uma vez que institui princípios e normas gerais
urbanísticas, as quais são regulamentadas e detalhadas nos
Planos Diretores das Cidades.

197
Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

5.5.3LEI FEDERAL N.º 13.465/2017

No âmbito federal, por meio da Lei 13.465 de 2017, tal


lei dispõe sobre a regularização fundiária urbana, na qual, no
seu art. 10, Inciso VII, elenca-se os objetivos da REURB
(Regularização Fundiária Urbana) e garante a efetivação da
função social da propriedade.
Além disso, segundo Marcus Antonius da Costa
Nunes e Carlos Magno Alhakim:

A Reurb é um conjunto de normas e procedi-


mentos gerais, que abrange medidas jurídicas,
ambientais, sociais e urbanísticas com o obje-
tivo de tirar da irregularidade determinados nú-
cleos urbanos. Para Maux (2017) a Reurb em
linhas gerais, é conceituada como sendo o
processo que inclui medidas jurídicas, urba-
nísticas, ambientais, sociais e, registrais com
a finalidade de integrar assentamentos irregu-
lares ao contexto legal das cidades (Nunes e
Junior 2018).

Portanto, a regularização fundiária também dispõe so-


bre proteção da função social da propriedade, concretizando
tal e dando ênfase em proteger a permanência dos morado-
res vulneráveis de áreas não regulares por meio da priorização
da moradia digna, dentre outras normas importantes, como a
melhoria do meio ambiente urbano.

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Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O princípio constitucional da Função Social da Proprie-


dade é uma pedra fundamental no ordenamento jurídico de
muitos países, incluindo o Brasil. Esse princípio estabelece
que a propriedade não deve ser exercida apenas como um
direito absoluto do proprietário, mas também deve atender
aos interesses coletivos e à promoção do bem-estar social.
Ao longo das décadas, essa perspectiva evoluiu para
uma compreensão mais ampla da propriedade como um ins-
trumento para o desenvolvimento sustentável e a redução
das desigualdades.
Através do princípio da Função Social da Propriedade,
a legislação busca equilibrar os direitos individuais com as
necessidades da sociedade. Isso se reflete em diversas
áreas, como a regulação de terras urbanas e rurais, com o
objetivo de evitar a especulação imobiliária e garantir que as
áreas sejam usadas de maneira eficiente e para benefício da
coletividade. Além disso, o princípio orienta a implementação
de políticas públicas que buscam garantir moradia adequada
e acessível, bem como a preservação do meio ambiente.
Um dos aspectos notáveis desse princípio é sua capaci-
dade de adaptar-se às mudanças sociais e econômicas. À
medida que a sociedade evolui, as interpretações do que
constitui a "função social" da propriedade também podem

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Ciências Jurídicas na Amazônia Sul-Ocidental

mudar. Isso torna o princípio dinâmico e relevante para abor-


dar questões contemporâneas, como a expansão urbana, a
proteção de áreas indígenas e a preservação de patrimônios
culturais.
No entanto, apesar de seu potencial transformador, a
aplicação prática do princípio da Função Social da Proprie-
dade pode ser desafiadora. Questões como a definição pre-
cisa do que constitui o cumprimento dessa função, bem como
a resistência de interesses individuais, podem criar obstácu-
los. É importante que o sistema legal e os atores sociais tra-
balhem em conjunto para garantir que a implementação
desse princípio seja eficaz e justa.
Em conclusão, o princípio constitucional da Função
Social da Propriedade representa um avanço significativo
no entendimento da relação entre propriedade individual e
bem-estar coletivo. Sua aplicação tem o potencial de pro-
mover o desenvolvimento equitativo, a justiça social e a
sustentabilidade ambiental. Para que esses objetivos se-
jam alcançados, é fundamental um esforço contínuo de
adaptação das leis e políticas, assim como a conscientiza-
ção sobre a importância de se equilibrar os direitos indivi-
duais com as necessidades da sociedade.

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Este livro reúne oito artigos, na
área de Ciências Jurídicas,
redigidos por concludentes do
Curso de Direito da UNINORTE –
Ac, sob a supervisão do Profa. Esp.
Williane Tibúrcio Facundes.
EAC
Editor .

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