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ESCOLA DA MAGISTRATURA DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO

Turma: CPV B 22023


Disciplina/Matéria: DIREITO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE
Sessão: 09 - Dia 28/07/2023 - 08:00 às 09:50
Professor: TADEU ANTONIO VALVERDE

09 Tema: Justiça Restaurativa. Resolução Alternativa de Conflito na Justiça Infanto-Juvenil.


Reparação. Práticas restaurativas. Adolescente em Conflito com a Lei e sua aplicação.

1ª QUESTÃO:
a) O que se entende por justiça restaurativa, quais são as suas características e qual a base legal para a
sua aplicação?
b) Quem é o público-alvo e quais os critérios de atendimento na justiça restaurativa do núcleo de
justiça juvenil?
c) Qual a metodologia aplicada?

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RESPOSTA:
a)
A Justiça Restaurativa é incentivada pelo Conselho Nacional de Justiça por meio do Protocolo de
Cooperação para a difusão da Justiça Restaurativa firmado em agosto de 2014 com a Associação dos
Magistrados Brasileiros (AMB).
Segundo o juiz Asiel Henrique de Sousa, do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios
(TJDFT), a Justiça Restaurativa é uma prática que está buscando um conceito. Em linhas gerais pode-
se dizer que se trata de um processo colaborativo voltado para resolução de um conflito caracterizado
como crime, que envolve a participação maior do infrator e da vítima. Surgiu no exterior, na cultura
anglo-saxã. As primeiras experiências vieram do Canadá e da Nova Zelândia e ganharam relevância
em várias partes do mundo.

Em desenvolvimento no Brasil acerca de dez anos, a Justiça Restaurativa elenca o quadro do modelo
consensual de justiça, elemento o qual contribui para o amadurecimento da Justiça Criminal no Brasil,
bem como, a possibilidade alternativa de observação das condições humanitárias dos indivíduos
envolvidos em conflitos, bem como, a participação e protagonismo de ambos na resolução desse
mesmo conflito.
Nesse elemento, para conceituação, o Conselho Econômico e Social da ONU (2002) define a Justiça
Restaurativa como qualquer processo no qual a vítima e o ofensor e, quando apropriado, quaisquer
outros indivíduos ou membros da comunidade afetados por um crime, participam ativamente na
resolução das questões oriundas do crime, geralmente com a ajuda de um facilitador, é discutida
como uma possível alternativa a essa situação de barbárie.

A aplicação da Justiça Restaurativa na seara da justiça juvenil encontra apoio na Convenção


Internacional sobre os direitos da criança , em seu artigo 40, assegura ao adolescente acusado ser
tratado de modo a:

1. promover e estimular seu sentido de dignidade e de valor; portanto, que o processo tenha um
caráter emancipatório, valorizando sua condição de sujeito de direito e, por conseguinte, responsável;
2. fortalecer o respeito da criança pelos direitos humanos e pelas liberdades fundamentais de terceiros,
permitindo entrever a abertura a um processo dialógico, que é ínsito à JR; e
3. estimular sua reintegração e seu desempenho construtivo na sociedade, com ênfase na garantia de
seus direitos sociais e, novamente, à sua emancipação pessoal.

Uma nova perspectiva de Justiça se amolda, aplicável também na Justiça da infância e da juventude
com o propósito de proporcionar uma justiça social para todos os jovens, possibilitando ao mesmo
tempo para a sua proteção e para a manutenção da paz e da ordem na sociedade, em consonância com
o estabelecido nos art. 1º e 4º das Regras de Beijing .

Por essa razão, no âmbito do garantismo juvenil, faz-se necessário conceituar o garantismo penal
juvenil como elemento de enfrentamento

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àsinobservâncias aos direitos fundamentais, bem como, na aplicação da Justiça aos adolescentes em
conflito com a lei.
Nesse elemento, para FERRAJOLI (2000), o Estado Constitucional de Direito pode ser visto como um
novo modelo de direito e de democracia, por tal motivo, orienta ainda Luigi Ferrajoili, o Garantismo é a
outra cara do Constitucionalismo, uma vez que lhe correspondem a elaboração, implementação dos
instrumentos de garantias de direitos que assegurem "o máximo de efetividade dos direitos
constitucionalmente reconhecidos." Por tal conceituação, o elemento da Justiça Restaurativa apresenta-se,
desde as primeiras discussões acerca da sua difusão no Brasil, como a melhor alternativa para a resolução
de conflitos e efetivação da justiça. Além disso, a partir da Resolução 225 do Conselho Nacional de
Justiça (CNJ), a Justiça Restaurativa passou a ter um carácter "vinculante", pois, foi estabelecida
metas nacionais de implementação desse método de Justiça nos Tribunais do Brasil. Ou seja, ao invés de
versar sobre transgressões e culpados, a Justiça Restaurativa, materializa a possibilidade concreta de
participação individual e social, democratização do atendimento, acesso a direitos, afirmação de
igualdade em espaços de diálogo, em ambientes seguros e respeitosos, valorização das diferenças, por
meio de processos socio-pedagógicos que considerem os danos, os responsáveis pelos mesmos e os
prejudicados pela infração.

Dentro da Justiça Penal Juvenil, a prática restaurativa torna-se uma alternativa avançada na resolução de
conflitos entre o adolescente em conflito com a lei, bem como, estabelece uma ponte com a comunidade a
qual sentiu algum tipo de dano causado pela infração. Ou ainda, esse elemento de proteção, possibilita a
abertura de um outro espaço, onde seja presente familiares, amigos ou pessoas próximas do infrator ou da
vítima, que são componentes da infração e coadjuvantes da vontade de reparo e/ou restauração da
confiança na comunidade.
Em efeito, no Sistema de Justiça da Infância e Juventude, a Justiça Restaurativa possibilita uma mudança
na ótica de responsabilização penal juvenil, pois, é observada a necessidade de participação dos
envolvidos em conflitos, bem como, levando em consideração à "questão social", a precariedade social a
qual a criança e o adolescente no Brasil estão expostos, de modo que, a justiça restaurativa acaba por
permitir a reafirmação e a proteção aos direitos e garantias fundamentais desses indivíduos e o acesso à
justiça dos adolescentes em conflito com a lei.
Por tal motivo, a Justiça Restaurativa na efetivação da justiça, torna-se uma ferramenta que
instrumentaliza a aproximação do adolescente com a comunidade, tendo em vista, não a sua internação ou
separação do convívio social, ao invés disso, permite-se uma nova possibilidade de interação social do
adolescente com

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acomunidade por meio dos círculos restaurativos que possibilitam a participação dos envolvidos no
conflito, bem como na delimitação de tarefas do adolescente com a comunidade, como bem orienta o
inciso III do art. 112 do ECA.

Dentre suas características, manifestam-se a voluntariedade na participação, multidisciplinaridade


na intervenção, empoderamento dos envolvidos, horizontalidade das relações, valorização das
soluções dialogadas, ressignificação do papel do ofendido e da comunidade no processo, a busca pela
reintegração sem estigmas do ofensor na sociedade, bem como confidencialidade do procedimento -
para que os envolvidos possam demonstrar sinceridade, em vez de esconder suas intenções e opiniões.

No âmbito internacional, a Resolução 2002/12 do ECOSOC fixa-se como marco basilar para a
fixação das características e princípios inerentes às diferentes modalidades de Justiça Restaurativa.
Versando sobre a terminologia correta a ser empregada nessas práticas, os objetivos gerais de sua
implementação, bem como demarcando algumas diretrizes para a operação dos programas de
restauração, seu desenvolvimento continuo e acompanhamento pelos órgãos governamentais.
A citada resolução determina que os acordos advindos dos processos restaurativos, sempre que
possível devem ser judicialmente supervisionados e, quando oportuno, homologados judicialmente,
ganhando status de qualquer sentença, ou seja, a lei daquele caso concreto.

No âmbito nacional, no ano de 2005, o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento em
parceria com a Secretaria de Reforma do Judiciário, do Ministério da Justiça, foram responsáveis por
dar apoio técnico e financiar a instauração de três projetos de Justiça Restaurativa em Porto Alegre,
São Caetano do Sul e Brasília.

Especificamente, na Justiça Juvenil Restaurativa, temos a Convenção sobre os Direitos da Criança


da ONU e o Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo - Lei 12.594/2012 (Sinase), que em
seu art. 35, III, coloca a justiça restaurativa e as práticas comumente a ela vinculadas como meio
prioritário de resolução de conflitos.

b) O público-alvo das atividades restaurativas são adolescentes e crianças em conflito com a lei, as
vítimas dos atos infracionais, bem como suas famílias e pessoas da comunidade com interesse em
firmar um acordo.

c) Independente da origem da demanda, judicial ou extrajudicial, ao chegar no centro realizador de


práticas restaurativas designado para conduzir àquele processo, todos os envolvidos passam por uma
triagem na qual são informados sobre o que é justiça restaurativa, quais os objetivos daquelas
práticas, para que possam escolher permanecer ou não.
Quando o autor do ato infracional recusa-se a participar seu processo volta para o Juizado da Infância
e Juventude onde prosseguirá normalmente. No entanto, quando a vítima se recusa a participar ou não
pode participar porque mudou de cidade ou estado, o processo restaurativo ocorre normalmente com a
participação do autor do ato infracional, da sua família e entes da comunidade.

2ª QUESTÃO:
ANA CLARA, criança de 10 anos, diariamente passava por constrangimentos perpetrados por seus
colegas de escola pelo fato de possuir massa corporal acima do peso apresentado pelas demais
crianças de sua faixa etária. Ofendida por ser chamada de "gorda" e excluída dos círculos de amizade
por considerarem que não tinha condições físicas de participar das brincadeiras, a criança passou a
apresentar transtornos de comportamento, fato que ocasionou, inclusive, seu afastamento temporário
das atividades escolares. Tal situação atualmente é denominada bullying. No caso especifico, é
possível a aplicação do programa de Justiça Restaurativa para crianças? Sendo positivo, como se
daria essa aplicação, o atendimento e os agentes envolvidos? Em caso ser apurado ato infracional, é
possível o adolescente ser inserido no programa?

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RESPOSTA:
Base no modelo utilizado no programa de Justiça Restaurativa em São Caetano do Sul,
desenvolvido sob a responsabilidade da Vara e da Promotoria da Infância e da Juventude.

Sim. Em duas vertentes distintas:

Uma educacional - que ocorre no próprio ambiente escolar - e outra jurisdicional - na Vara da
Infância e da Juventude.

Conta com o apoio da diretoria Regional de Ensino, do Conselho Tutelar, do Conselho Municipal dos
Direitos da Criança e do Adolescente, da Escola Paulista de Magistratura e das OnG's CECIP (Centro
de Criação e Imagem Popular) e CNV (Comunicação Não-Violenta).

Integram a equipe multidisciplinar diretamente envolvida com o programa juiz, promotor, assistentes
sociais, as diretoras das escolas, os facilitadores, pedagogos, entre outros profissionais.
Nesta, os Círculos Restaurativos são realizados nas próprias escolas, em salas especialmente
destinadas ao programa, e os professores desempenham o papel de facilitadores.

O público alvo são os alunos de 4º a 8º série e do ensino médio das respectivas escolas, podendo
haver, portanto, até mesmo a participação de crianças - o que é inviável na faceta jurisdicional do
programa.

Nas escolas em que há crianças, os Círculos são chamados de “Cirandas Restaurativas”.

Nesta vertente, qualquer conflito é passível de ser encaminhado a um Círculo Restaurativo, mesmo
que não compreenda ato infracional, mas simples infração escolar disciplinar, sendo que se dá ênfase
aos casos relacionados ao chamado bullying.

Qualquer pessoa pode pedir que seja realizado o Círculo e, geralmente, a iniciativa é tomada por
professores ou pelos envolvidos.

É necessário que haja a concordância das partes em participar do projeto.

Pode haver, conforme o caso, a participação do Conselho Tutelar, que é responsável por fazer a
avaliação referente aos problemas sociofamiliares subjacentes aos conflitos e por realizar o
encaminhamento para atendimento pelo serviço público, se for necessário.

Todos os casos atendidos na vertente escolar, inclusive os relativos a infrações disciplinares, após o
cumprimento do acordo, são encaminhados ao juízo, que os registra, fiscaliza o teor do acordo e, se
for o caso de prática de ato infracional, o Juiz, a pedido do Ministério Público, pode, com fulcro no
artigo 126 do Estatuto da Criança e do Adolescente, homologar a remissão sem aplicação da medida
socioeducativa.

Já na vertente jurisdicional do programa, o público alvo são os adolescentes em conflito com a lei.

Este projeto atua na fase inicial do processo de conhecimento.

Quando o conflito chega ao fórum, faz-se a sua avaliação durante a oitiva informal do adolescente ou
na audiência de apresentação. Se houver a admissão de responsabilidade pelo adolescente e a
aceitação dos envolvidos para participar do programa restaurativo, o processo é suspenso e as partes
são encaminhadas para oPré-Círculo

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com as assistentes sociais, que, após, agendam os Círculos, os quais se realizam nas escolas em que os
adolescentes estãomatriculados.
Não há a exclusão pré-determinada de casos associada à natureza do ato infracional, podendo participar
do programa crimes violentos, como roubo e estupro, se a vítima aquiescer.

Os atos infracionais que mais comumente fazem parte do programa são ameaças, roubos, furtos,
agressões físicas e ofensas verbais.
Os Círculos são realizados sob o encaminhamento do fórum, com a participação da assistente social e de
membros da escola, sendo que estudantes são incentivados a participar como co-facilitadores. A Vara e a
Promotoria são responsáveis por controlar os termos do acordo. Após, o Juiz o homologa e concede a
remissão prevista no artigo 126, parágrafo único, da Lei 8.069/1990, cumulada com a medida
socioeducativa prevista no acordo. Caso haja o seu descumprimento, pode ser realizado novo círculo.

Para corroborar o acima exposto, convém transcrever trecho do artigo publicado no periódico da
Universidade Santa Cecília:

“Deve-se dar atenção especial ao âmbito escolar, pois é nesse cenário onde ocorre a maior frequência do
número de violência entre crianças e adolescentes, através do bullying. Grande é o número de vítimas
todos os dias dentro das escolas. Vítimas que merecem a atenção necessária para não carregarem
cicatrizes emocionais pelo resto de suas vidas. É essencial dar a elas empoderamento para que se sintam
necessárias naquele determinado meio social, valorizadas, e, possibilitando, dessa forma, a atenuação do
desequilíbrio de poder que afeta o convívio das crianças, promovendo a harmonia social.
Neste sentido, se constata a possibilidade de aplicação da Justiça Restaurativa no âmbito escolar,
notadamente em casos de bullying, onde verifica-se a conveniência de seu uso no restabelecimento das
relações estudantis.
...
Como dito anteriormente, o bullying é o abuso sistemático do poder, desta forma, as práticas da Justiça
Restaurativa devem ser aplicadas com o intuito de extinguir os problemas ocasionados por esse
desequilíbrio. Deve haver suporte e responsabilidade da comunidade escolar, junto com os meios que
busquem valorizar e empoderar as crianças afetadas pela agressão. (...)
Quando um jovem praticar bullying, os representantes da instituição escolar podem promover a
participação do mesmo em conjunto com seus responsáveis legais e a vítima, para que deste modo
possam bucar a reparação do dano, moral e material, e a responsabilização por parte do agressor.
Nesse sentido, a legislação brasileira prevê aplicação de medidas socioeducativas, possibilitando práticas
restaurativas, em hipótese de criança e adolescente cometer ato infracional, em seu artigo 101 do Estatuto
da Criança e do Adolescente - Lei 8069/90.
Neste diapasão, fica demonstrda a compatibilidade entre o ECA e a aplicação da Justiça Restaurativa. O
inciso IV, em especial, trata da “inclusão em programa comunitário ou oficial deauxílio à

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família, à criança e ao adolescente.”


De fato, o artigo 101 em sua quase interidade traz elementos que facilitem a aplicação de vários
elementos da Justiça Restaurativa em relação ao Bullying. Relembrando, tratando-se essa conduta de
causa disruptiva nas relações tradicionais de poder, enfatizza-se a necessidade e conveniênia da
aplicação das medidas restaurativas no cotidiano.”
(MELO, Talita Maciel de; BARBOSA, Rosangela. Justiça Restaurativa aplicada no Estatuto da
Criança e do Adolescente e em relação a casos de bullying. Disponível em ).

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Turma: CPV B 22023


Disciplina/Matéria: DIREITO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE
Sessão: 10 - Dia 28/07/2023 - 10:10 às 12:00
Professor: TADEU ANTONIO VALVERDE

10 Tema: Infrações administrativas contra a criança e o adolescente. Procedimento de apuração de


infrações administrativas. Procedimento de portarias e expedição de alvará. A prevenção geral e
especial no Estatuto. Formas de controle. Proteção dos direitos individuais, difusos e coletivos.
Ação Civil Pública. Mandado de Segurança. Outras ações previstas no Estatuto da Criança e do
Adolescente. Recursos.

1ª QUESTÃO:
CIRILO, adolescente, devidamente representado por seu pai, propôs ação em que pretendeu a
obtenção de uma autorização para atuar como DJ, até que atinja a maioridade civil.
O juízo do Juizado da Infância e Juventude julgou improcedente o pedido, uma vez que o Estatuto da
Criança e do Adolescente veda a concessão de autorizações em sentido amplo, geral e irrestrito,
exigindo-se o exame casuístico e fundamentado de cada evento em que CIRILO porventura
pretender realizar apresentações, de modo que a autorização deverá ser sempre requerida perante a
Vara da Infância e da Juventude do local de cada evento.
A defesa de CIRILO interpôs recurso de apelação na qual insistiu na tese de que seria admissível a
autorização ampla, na medida em que as circunstâncias específicas de cada evento seriam sempre
examinadas previamente, por ocasião da concessão do alvará de funcionamento do próprio evento.
Além disso, a defesa sustentou a possibilidade de a autorização concedida pelo juízo da comarca do
domicílio do adolescente disciplinar a participação, sem que haja a necessidade de requerimento
individual em cada comarca da apresentação.
A partir da situação hipotética acima descrita, analise, fundamentadamente, se os argumentos
defensivos merecem acolhimento.

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RESPOSTA:
art. 149, II, "a" e §2º, Lei 8.069/90: "Compete à autoridade judiciária disciplinar, através de
portaria, ou autorizar, mediante alvará:
...
II - a participação de criança e adolescente em:
a) espetáculos públicos e seus ensaios;
...
§2º - As medidas adotadas na conformidade deste artigo deverão ser fundamentadas, caso a caso,
vedadas as determinações de caráter geral."

art. 147, I, Lei 8.069/90: "A competência será determinada:

I - pelo domicílio dos pais ou responsável;"

"CIVIL. PROCESSUAL CIVIL. PROCEDIMENTO DE JURISDIÇÃO VOLUNTÁRIA.


AUTORIZAÇÃO JUDICIAL DE ADOLESCENTE PARA PARTICIPAÇÃO EM
ESPETÁCULO PÚBLICO. OMISSÃO. INOCORRÊNCIA. QUESTÃO EXPRESSAMENTE
DECIDIDA NO ACÓRDÃO RECORRIDO. PRETENSÃO DE AUTORIZAÇÃO JUDICIAL
AMPLA, GERAL E IRRESTRITA, ATÉ QUE O ADOLESCENTE ATINJA A MAIORIDADE
CIVIL. IMPOSSIBILIDADE. VEDAÇÃO CONTIDA NO ART. 149, §2º, DO ECA. REGRA
QUE NÃO AUTORIZA, CONTUDO, O ENTENDIMENTO DE QUE SERIA NECESSÁRIO
FORMULAR PEDIDOS INDIVIDUAIS EM CADA COMARCA DE APRESENTAÇÃO.
COMPETÊNCIA DO LOCAL DO DOMICÍLIO DO ADOLESCENTE FIRMADA NO ART.
147 DO ECA. POSSIBILIDADE DE O JUÍZO EM CONTRADITÓRIO ESTIPULAR
PREVIAMENTE DETERMINADOS CRITÉRIOS E DIRETRIZES PARA CONCESSÃO DA
AUTORIZAÇÃO. PROXIMIDADE DO JUÍZO COM A ENTIDADE FAMILIAR E
NECESSIDADE DE ESTABELECIMENTO DE CRITÉRIOS UNIFORMES QUE JUSTIFICAM A
FIXAÇÃO DE COMPETÊNCIA. DISTANCIAMENTO FÍSICO ENTRE AS COMARCAS DE
AUTORIZAÇÃO E DE PARTICIPAÇÃO NO EVENTO. IRRELEVÂNCIA. USO ADEQUADO
DE INSTRUMENTOS DE COOPERAÇÃO JUDICIÁRIA NACIONAL. AUXÍLIO DIRETO E
SIMPLIFICADO ENTRE JUÍZOS. POSSIBILIDADE.
1- Ação ajuizada em02/10/2019. Recurso especial interposto em 24/08/2020 e

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atribuído à Relatora em 26/04/2021.


2- Os propósitos recursais consistem em definir: (i) se houve omissão relevante no acórdão recorrido; (ii)
se pode o juízo da comarca em que reside o adolescente conceder autorização judicial mais ampla,
fixando desde logo os parâmetros necessários ao desenvolvimento contínuo da atividade de disc-jockey,
de modo a tornar desnecessário pedido de autorização judicial a cada evento e em cada comarca em que o
adolescente venha a se apresentar.
3- Não há que se falar em omissão quando o acórdão recorrido efetivamente enfrenta a questão
controvertida, ainda que de maneira distinta daquela pretendida pela parte.
4- A partir da interpretação do art. 149, §2º, do ECA, conclui-se ser expressamente vedada a concessão de
autorização judicial ampla, geral e irrestrita, para que o adolescente participe de espetáculos públicos até
que atinja a sua maioridade civil, ainda que se faça acompanhar por seus pais ou responsáveis.
5- Da regra do art. 149, §2º, do ECA, todavia, não se extrai a conclusão jurídica dada pela sentença
e pelo acórdão recorrido à hipótese, no sentido de que seria necessário ao adolescente que pretenda
participar de espetáculos públicos formular pedidos individuais, a serem examinados e decididos
em cada comarca em que ocorrerá a respectiva apresentação.
6- É admissível que o juízo da comarca do domicílio do adolescente, competente em virtude da
regra do art. 147 do ECA, ao julgar o pedido de autorização judicial de participação em espetáculo
público, que estabeleça previamente diretrizes mínimas para a participação do adolescente em
atividade que se desenvolve de maneira contínua, fixando, após a oitiva dos pais e do Ministério
Público, os parâmetros adequados paraa realização

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da atividade profissional pela pessoa em formação.


7- Além da regra impositiva do art. 147 do ECA, a fixação da competência do juízo da comarca do
domicílio do adolescente para a concessão de autorização judicial que permita a apresentação em
espetáculos públicos decorre da proximidade e do conhecimento existente entre o juízo e a entidade
familiar e da necessidade de fixação de critérios uniformes para a concessão da autorização.
8- O hipotético prejuízo decorrente da concentração da competência do juízo da comarca do domicílio do
adolescente para autorizar a participação em espetáculos públicos, em especial em comarcas distintas,
pode ser drasticamente reduzido, até mesmo eliminado, mediante o uso adequado do instituto da
cooperação judiciária nacional (arts. 67 a 69, do CPC/15), que permite, de maneira simplificada e pela via
do auxílio direto, o cumprimento de providências e o atendimento de solicitações entre juízos distintos.
9- Recurso especial conhecido e parcialmente provido."
grifei
(STJ. Terceira Turma. Resp. 1.947.740/PR. Relatora Ministra Nancy Andrighi. Julgamento em
05/10/2021 - Informativo 714).

Trecho do acórdão acima mencionado:

"Com efeito, essa espécie de autorização, cuja característica marcante seria transferir os poderes de
gestão, escolha e desenvolvimento mental, psicológico, pessoal, físico, educacional e social
exclusivamente aos pais, sem nenhuma espécie de controle externo, fatalmente comprometeria o
adequado desenvolvimento da criança e do adolescente, transformando algo que deveria ser uma
atividade complementar, lúdica e de desenvolvimento de habilidades inatas, em uma verdadeira
atividade laboral ou profissional prematura e exploratória, que não se coaduna com os princípios
protetivos da Constituição Federal e do Estatuto da Criança e do Adolescente.
De outro lado, a solução jurídica dada pela sentença e pelo acórdão recorrido, no sentido de
condicionar às autorizações para que o recorrente se apresente como disc-jockey a pedidos individuais,
a serem formulados e decididos em cada comarca em que ocorrerá a respectivaapresentação, merece ser
melhor

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examinada diante de seu ineditismo, à luz das regras de competência do ECA e do CPC/15, do
princípio do melhor interesse da criança e do adolescente e da especial regra que flexibiliza a
adstrição ao pedido nos procedimentos de jurisdição voluntária (art. 723, parágrafo único, do
CPC/15)."

2ª QUESTÃO:
O Ministério Público ofereceu representação contra TERTULINHO, adolescente, pela suposta
prática de ato infracional equiparado ao delito previsto no art. 33 da Lei 11.343/2006.
O magistrado da Vara da Infância e da Juventude rejeitou a representação, por ausência de justa
causa, uma vez que se trata de delito impossível, pela existência de flagrante preparado pela
autoridade policial, assim como pela falta de materialidade, já que não houve a apreensão de
entorpecente algum.
O parquet interpôs recurso de apelação, entretanto, o Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro
não conheceu do recurso, por ser intempestivo, sobrevindo, assim, o trânsito em julgado da decisão.
Em seguida, o Ministério Público ajuizou ação rescisória contra a decisão absolutória, sob o
fundamento de que a contagem do prazo teria sido equivocada, sendo tempestivo o apelo acusatório.
Como base na situação hipotética acima descrita, esclareça, fundamentadamente, se é cabível o
ajuizamento de ação rescisória para desconstituir coisa julgada absolutória no procedimento de
apuração de ato infracional.

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RESPOSTA:
Não é cabível o ajuizamento de ação rescisória no caso em concreto. Sob este entendimento, o
Superior Tribunal de Justiça, recentemente, apreciou a questão, a saber:

"RECURSO ESPECIAL. ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE.


REPRESENTAÇÃO POR ATO INFRACIONAL ANÁLOGO AO TRÁFICO DE DROGAS.
REJEIÇÃO. FALTA DE JUSTA CAUSA. TRÂNSITO EM JULGADO. AÇÃO RESCISÓRIA
PROPOSTA PELO MINISTÉRIO PÚBLICO. INADMISSIBILIDADE. APLICAÇÃO
SUBSIDIÁRIA DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL. REVISÃO CRIMINAL PRO
SOCIETADE. DESCABIMENTO. RECURSO ESPECIAL DESPROVIDO.
1. Embora as medidas socioeducativas tenham natureza pedagógica, é inegável que possuem,
igualmente, caráter sancionador e punitivo. Tanto é assim, que a sua imposição depende da
comprovação da prática de ato infracional, feita por meio de processo judicial, no qual devem ser
observadas as garantias do devido processo legal e do contraditório.
2. A admissão de ação rescisória, proposta pelo Ministério Público, visando a rescisão da coisa
julgada absolutória formada no processo de apuração de ato infracional, colocaria o menor em
situação mais gravosa do que o adulto, o que não é admitido por esta Corte Superior.
3. O art. 152 do Estatuto da Criança e do Adolescente estatui que lhe são aplicáveis,
"subsidiariamente as normas gerais previstas na legislação processual pertinente". No caso de
processo para apuração de ato infracional, as regras subsidiárias a serem aplicadas ao Estatuto da
Criança e do Adolescente, são aquelas relativas ao Código de Processo Penal que estabelece, em seu
arts. 621 e 626, que a revisão criminal é cabível tão-somente contra sentença condenatória e que o
julgamento proferido na revisional nunca pode agravar a situação do condenado.
4. No caso dos autos, o Juízo da Vara da Infância e da Juventude rejeitou a representação imputando a
prática de ato infracional ao tráfico de drogas, por falta de justa causa, sob os fundamentos de que se
cuidava de delito impossível, pela existência de flagrante preparado pela autoridade policial (Súmula
n. 145 do Supremo Tribunal Federal), bem assim em razão da falta de materialidade, porque não
houve a apreensão de nenhuma droga. O Parquet apelou, mas o recurso foi julgado intempestivo, em
acórdão que transitou em julgado.
5. Não obstante o Recorrente afirme que a intenção seria proteger e educar o menor, que é vulnerável,
observa-se que o real escopo da ação rescisória é reabrir a discussão acerca da prática do ato
infracional e aplicar ao menor medida socioeducativa por fato em relação ao qual foi definitivamente
absolvido, mostrando-se indevida a tentativa de usar a vulnerabilidade do menor em seu próprio
desfavor.
6. A tese trazida no recurso especial é construída a partir da premissa de que a prática do
atoinfracional

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ESCOLA DA MAGISTRATURA DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO

pelo Recorrido seria fato incontroverso, quando, na verdade, o fato incontroverso existente, inclusive
com formação de coisa julgada, é na direção de que o Recorrido não praticou ato infracional. Se não
houve ato infracional, não há pretensão socioeducativa a ser exercida, em qualquer de seus aspectos.
7. Recurso especial desprovido."
grifei
(STJ. Sexta Turma. Resp 1.923.142/DF. Relatora Ministra Laurita Vaz. Julgamento em
22/11/2022 - Informativo 759).

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