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DIMENSÃO SOCIAL DO PROCESSO, DIREITO E DESENVOLVIMENTO

Antônio Pereira Gaio Júnior1

Um dos notáveis contributos que a processualística hodierna vem prestando


no plano do Direito e do justo é a tomada de consciência para com o imperativo
comprometimento axiológico de seus institutos objetivando a concreta realização do
bem da vida.
Vale dizer, neste sentido, que a visão macroscópica dos efeitos
socioeconômicos e políticos a que o manejo do “instrumento processo” pode
resultar, deveras, o eleva à condição de direito fundamental ao seu próprio uso!
Também impulsionando aludida condição, justifica-se que nas últimas
décadas, primorosa racionalidade vem contribuindo para o aprimoramento das
relações já estreitas entre Processo e Constituição2, sobretudo, no que toca aos

1- Pós-Doutor em Direito pela Universidade de Coimbra-PT. Doutor em Direito pela Universidade


Gama Filho. Mestre em Direito pela Universidade Gama Filho. Pós-Graduado em Direito Processual
pela Universidade Gama Filho. Professor Adjunto da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro –
UFRRJ. Membro Efetivo do Instituto Brasileiro de Direito Processual – IBDP. Membro Efetivo da
Comissão Permanente de Processo Civil do Instituto dos Advogados Brasileiros - IAB Nacional.
Membro do Comitê Brasileiro de Arbitragem – CBAr. Advogado, Consultor Jurídico e Parecerista.
www.gaiojr.adv.br.

2- Ver, por todos, TROCKER, Nicolò. Processo civile e Costituzione. Milano: Giuffrè, 1974.
No que toca ao aspecto temporal do estudo Processo-Constituição, bem observa José Ovalle Favela:
“Hasta hace poco tiempo, lós estudiosos del proceso civil se ocuparon em lo fundamenttal de las
normas y los principios contenidos en los códigos procesales civiles, com descuido del análisis de las
normas y los princípios que establece la Constitución acerca de esta matéria.” FAVELA, José Ovalle.
Tendencias actuales em el Derecho Procesal Civil. In: FERNÁNDEZ, José Luis Soberanes.
Tendencias actuales del Derecho. México, D.F.: Fondo de Cultura Económica, 2001, p.28.
Já, no que se refere á uma visão analítica das relações entre Processo e Constituição, DINAMARCO
leciona que tal questão “revela ao estudioso dois sentidos vetoriais em que elas se desenvolvem, a
saber:
a) no sentido Constituição-processo, tem-se tutela constitucional deste e dos princípios que devem
regê-lo, alçados ao plano constitucional; b) no sentido processo-Constituição, a chamada jurisdição
constitucional, voltada ao controle da constitucionalidade das leis e atos administrativos e à
preservação de garantias oferecidas pela Constituição (jurisdição constitucional das liberdades), mais
toda a ideia de instrumentalidade processual em si mesma, que apresenta o processo como sistema
estabelecido para a realização da ordem jurídica, constitucional inclusive.” DINAMARCO, Cândido
Rangel. A Instrumentalidade do Processo. 14 ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2009, p.26-27.
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valores fundamentais consagrados constitucionalmente, em especial a liberdade e
igualdade em vasto e intenso sentido, representações de um significado valorativo
transcendente: o justo.
Certo é que ditos valores dimensionam outros tantos que, em última análise,
resultam da própria ordem constitucional e da forma como a destinatária sociedade
a interpreta, acentuando a carga valorativa sobre o sistema processual e por isso,
promovendo os contornos necessários aos planos da instrumentalidade e
efetividade do processo, dado a sua ínsita vocação de instrumento protetivo e de
realização das liberdades públicas e dos direitos fundamentais em vastos e variáveis
sentidos.
Aliás, Fix Zamudio, em tal contexto certifica que “son numerosos los
constitucionalistas que consideram que la verdadera garantia de los derechos de la
persona humana consiste precisamente em su protección procesal, para lo cual es
preciso distinguir entre los derechos del hombre y las garantias de tales derechos,
que no son otras que los médios procesales por conducto de los cuales es posible
su realización y eficácia.3
Como instrumento para efetivação dos valores bem como a realização das
liberdades e direitos supracitados, se estará a compreender que o Processo leva
consigo toda a carga tipicamente comandada pela sua exata noção de que, mais do
que um meio estatal para a tentativa de realização prática do justo, é ele instrumento
social e democrático eivado de direitos e garantias imperativas que devem ser
respeitadas em sintonia com o estado democrático que se presencia em dado tempo
e espaço.
A genialidade chiovendiana já prenunciava há tempos o legítimo papel do
processo em nosso tempo: “Il processo deve dare per quanto è possibile
praticamente a chi ha um diritto quello e próprio quello ch’egli há diritto di
conseguire.”4
Pois bem, a dimensão social pela qual o processo deva ser vetorizado,
hodiernamente, é noção necessária deste instrumento da jurisdição, exatamente
porque nele é que o jurisdicionado deposita confiança– ainda que, por vezes, em

3- ZAMUDIO, Fix. La protección procesal de los derechos humanos. Madrid: Civitas, 1982, p.51 e 54.

4- CHIOVENDA, Giuseppe. Dell Azione Nascente dal Contratto Preliminare In: Saggi di Diritto
Processuale Civile. 2 ed. Roma: Foro It., 1930, n.3, p.110.
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forma diminuta – esperando alcançar sua verdade em tempos onde o
descumprimento de uma obrigação acertada é bom negócio para muitos. Espera o
cidadão ainda mais: a satisfação decorrente desta verdade, na medida em que, uma
vez reconhecida e não cumprida pela parte recalcitrante, necessitará ele,
novamente, de um instrumento apto a transformar a declaração formal de seu direito
em atividade dinâmica e realizadora concreta, no mundo dos fatos, do direto devido.5
Aliás, é exatamente em tal perspectiva que Cappelletti, em estudos de
vanguarda, já apontava para a aludida dimensão social do processo: “Sob esta nova
perspectiva, o direito não é encarado apenas do ponto de vista dos seus produtores
e de seu produto (as normas gerais e especiais), mas é encarado, principalmente,
pelo ângulo dos consumidores do direito e da Justiça, enfim, sob o ponto de vista
dos usuários dos serviços processuais.”6
Não olvidando as fundamentais transformações conceituais e pragmáticas
pelas quais vem a Ciência Processual experimentando, a partir, sobretudo, de novos
contornos em institutos formadores de sua própria “Trilogia Estrutural” – Ação,
Jurisdição e Processo – impende notar que o próprio alcance desta “nova“
perspectiva metodológica do processo e o movimento pela sua instrumentalidade7
rumo a um processo civil de resultados, marca a urgência na modificação de
posturas não somente dos operadores do direito, como também de todo o aparato
estatal, seja por meio de inovadoras performances nas estruturas física e
administrativa dos foros em geral e ainda na produção legiferante qualitativa, apta a
mirar, indubitavelmente, como centro das atenções, a efetividade, entendida aqui
como instrumentalização racional e razoável de entrega do bem da vida a quem,
exatamente, dele necessita. Afinal, o Direito (aqui, o Processo) deve ser instrumento
a tornar as pessoas mais felizes ou menos infelizes!

5- Michele Taruffo (Simplemente la verdad. El juez y la construcción de los hechos. Madrid: Marcial
Pons, 2010, p. 156), em notável síntese acerca do ambiente pelo qual o Processo opera, muito bem
leciona: “El proceso es, em realidad, también um ‘lugar’ em que se aplican normas, se realizan
valores, se aseguran garantias, se reconhecen derechos, se tutelan intereses, se efectúan
elecciones econômicas, se enfrentan problemas sociales, se asignan recursos, se determina el
destino de las personas, se tutela la liberdad de los indivíduos, se manifiesta la autoridad del Estado...
y se resuelven controvérsias por medio de decisiones deseablemente justas.”

6- CAPPELLETTI, Mauro. Problemas de reforma do processo civil nas sociedades contemporâneas.


In: GRINOVER, Ada Pellegrini et ali. O Processo Civil Contemporâneo. Curitiba: Juruá, 1994, p.15.

7- Cf. DINAMARCO, Cândido Rangel. Idem, p.17-25.


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Por outro lado, há que se debruçar sobre a perspectiva do direito como
instrumento estatal potencializador de reais e efetivas políticas afirmativas no
sentido de propiciar melhoria na qualidade de vida do cidadão comum, aptidão hoje
inevitável, inclusive do próprio desenvolvimento do Estado.
Despiciendo é dizer que o conceito de desenvolvimento, hodiernamente, se
relaciona não somente com a tradicional ótica de crescimento econômico, mas
sobretudo, na perspectiva de um avanço significativo no quadro das políticas sociais
voltadas à edificação da cultura de melhoria das condições daquela sociedade
destinatária de tais políticas. 8
Na verdade, ainda que pese esforços hercúleos do Direito no sentido de se
regular condutas – sua primordial gênese – há de prosperar avanços na Ciência
Jurídica, mais precisamente junto à noção de norma como cadenciadora de políticas
públicas voltadas ao desenvolvimento, propiciadora de melhoria das condições de
vida, depositando-se, por isso na mesma, a proteção, regulação e concessão de
direitos e ainda condicionando-a ao aprimoramento do tecido social a ela submetida,
reconhecendo então em dimensões largas, crescentes, o próprio exercício e respeito
aos direitos, como rotina. Aliás, em um sentido mediato, a serventia da norma
jurídica em sua dinâmica é o convívio social harmônico, no entanto há de vir esta
acompanhada da perspectiva social do aludido convívio, de forma a viabilizar
condições de melhoria das relações socioeconômicas e estruturais nas mais
variadas dimensões, seja cidadão-cidadão; cidadão – Estado; Estado – cidadão;
Estado – Estado etc.9

8- Ratificando tal concepção desenvolvimentista, VASCONCELOS, Marco Antonio; GARCIA, Manuel


Enriquez. (Fundamentos de economia. São Paulo: Saraiva, 1998, p. 205 ) apontam para a ideia de
que , em qualquer conceituação de desenvolvimento, há de se levar em conta e mesmo, deva incluir
“as alterações da composição do produto e a alocação de recursos pelos diferentes setores da
economia, de forma a melhorar os indicadores de bem-estar econômico e social (pobreza,
desemprego, desigualdade, condições de saúde, alimentação, educação e moradia).”Por outro lado,
avançando no conceito de desenvolvimento como liberdade, numa visão do próprio desenvolvimento
como um processo de expansão das liberdades reais, e ainda estas, tanto um meio de garantia
quanto um fim si mesma, através da fruição de outras importantes liberdades, fundamental a obra de
SEN, Amartya. Development as freedom. New York: Anchor Books, 2000, p. 297. Sobre o assunto
ver também o nosso Direito, Processo e Desenvolvimento: Pacto de Estado e a Reforma do
Judiciário. In: Revista Magister de Direito Empresarial, Concorrencial e do Consumidor, v.19, fev/mar.,
Magister: Porto Alegre, 2008, p.31-34.

9- Neste ínterim, Tércio Sampaio Ferraz Jr. em importantíssima obra-Função Social da Dogmática
Jurídica. São Paulo: RT, 1980, p.3-6), aponta para o enfrentamento de uma declarada crise da
dogmática jurídica em relação às exigências políticas, sociais e econômicas de nosso tempo e aí
acertadamente, assevera: “O problema atual, contudo, é ainda mais agudo na medida em que
ultrapassa os planos exegéticos e se coloca ao nível da participação da Dogmática no
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Cappelletti, em importantíssima obra10 acerca das temáticas que envolvem,
entre outras, a construção de razões em torno dos aspectos sociais e políticos
praticados no contexto do Processo Civil contemporâneo, aponta, dentre os eventos
e tendências evolutivas nos ordenamentos jurídicos do nosso tempo, três
movimentos de ação de pensamento na temática por ele denominada “Dimensões
do Direito e da Justiça”11
Dentre as dimensões pontuadas pelo festejado jurista, aqui merece atenção
especial aquela por ele denominada “Dimensão Social”, representada pelo problema
do acesso à justiça apresentada sob dois aspectos principais: a) a “efetividade dos
direitos sociais que não têm de ficar no plano das declarações meramente teóricas,
senão, devem, efetivamente, influir na situação econômico-social dos membros da
sociedade, que exige um vasto aparato governamental de realização”12; b) a “busca
de formas e métodos, a miúde, novos e alternativos, perante os tradicionais, pela
racionalização e controle de tal aparato e, por conseguinte, para a proteção contra
os abusos aos quais o mesmo aparato pode ocasionar direta ou indiretamente.”13
Afinado dito conjunto de ideias com a perspectiva do que afirmamos em
linhas atrás, já é tempo de se ter em mente a dimensão social, política, econômica e

desenvolvimento da sociedade, cujo processo de crescimento provocou uma enorme


diferenciação no sistema jurídico, tornando-o extremamente complexo e altamente ramificado,
com pontos de intersecção com outros planos sociais.” Mais adiante então, constata com clareza, já
sob um olhar do século passado que o “ século XX, no entanto, pressionado pelo advento das
sociedades de massa e pela necessidade de conceber o Direito como um instrumento-chave de
controle social, tende a modificar este quadro. Esta situação forçou o aparecimento das
pesquisas de base, a princípio ainda com intuitos imediatistas, tendo em vista a aplicação técnica
do Direito vigente, mas, pouco a pouco, também em razão da elaboração legislativa
como técnica de controle e instrumento do planejamento, fator de modificação da vida social,
passando-se desta forma para a própria dogmática.” (Grifo nosso)

10- CAPPELLETTI, Mauro. Processo, Ideologias e Sociedade. Trad. de Elício de Cresce Sobrinho.
Vol. I. Porto Alegre: Sérgio Antonio Fabris Editor, 2008.

11- Observa Cappelletti: “Trata-se, em primeiro lugar, da dimensão ‘constitucional’, que consiste na
busca de certos valores fundamentais que muitos ordenamentos modernos afirmaram com normas às
quais assina-se força de Lex superior vinculando o próprio legislador (ordinário), impondo sua
observância através de formas e mecanismos jurisdicionais especiais. (...). Uma segunda dimensão é
a ‘transnacional’, quer dizer, a tentativa de superar os rígidos critérios das soberanias nacionais com
a criação do primeiro núcleo de uma Lex universalis e com a constituição, portanto, do primeiro
núcleo de um ‘governo universal’ ou transnacional (...). Esta tentativa
reflete-se, em particular, na Declaração Universal dos Direitos do Homem de 1948 e nos Pactos que
na mesma Declaração vieram; (...). Uma terceira dimensão do Direito e da Justiça é a ‘social’ que nas
suas manifestações mais avançadas pode ser expressa na fórmula de uso corrente nos últimos anos:
acesso ao Direito e à Justiça.”Ob. cit.,p.379-381.

12- Idem, p.385.

13- Ibidem.
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jurídica que traz à carga o processo, este como instrumento do Estado apto a
contribuir para o desenvolvimento do país14, influenciando, mediante a prolação de
uma simples decisão judicial15, no emprego e desemprego, no reconhecimento de
débeis condições contratuais a gerar riqueza ou não, no amparo do hipossuficiente
assolapado em precárias condições de higiene e saúde, na restauração judicial da
dignidade da pessoa diante de aviltante tratamento concedido por parte de serviços
públicos ínfimos ofertados pelo próprio Estado (Previdência, Transporte, habitação,
lazer etc), dentre outras questões e situações.16
Nesta toada, ainda pese o pensamento de que as políticas públicas vinculam-
se ao exercício da realização dos objetivos fundamentais do Estado por parte dos
Poderes Executivo e Legislativo, sobretudo, no que concerne aos bens da vida,
estes traduzidos em larga medida nos direitos fundamentais sociais (ex vi do art. 6º
da CF/88), fato é que em inúmeras situações, ditas realizações de políticas públicas
não se realizam ou mesmo, se efetivam de forma insatisfatória, decorrendo disso
inegáveis lesões aos ditos direitos fundamentais, habilitando aos titulares de tais
direitos a apresentação junto ao Poder Judiciário de pleito restaurador do bem da
vida não satisfeito, realizando-se na medida do possível, portanto, a concretização

14- Sobre o importante papel das instituições no processo de desenvolvimento, ver, dentre muitos,
NÓBREGA, Maílson da. Brasil: um novo horizonte. In: ZYLBERSZTAJN, Décio; SZTAJN, Rachel.
(Orgs.) Direito e Economia. Análise Econômica do Direito e das Organizações. Rio de Janeiro:
Elsevier, 2005, p.291. Mais precisamente sobre a atividade judicante do Poder Judiciário no desígnios
desenvolvimentistas do Estado Brasileiro, confira PINHEIRO, Armando Castelar. Magistrados,
Judiciário e Economia no Brasil. In: ZYLBERSZTAJN, Décio; SZTAJN, Rachel. (Orgs.) Direito e
Economia. Análise Econômica do Direito e das Organizações. Rio de Janeiro: Elsevier, 2005, p.244-
283; NUSDEO, Fábio. Curso de Economia: Introdução ao Direito Econômico. 5 ed.. São Paulo: RT,
2008.

15- Vale frisar aqui a máxima sapiência de ZAFFARONI, ao realçar o importante papel do Poder
Judiciário nos desígnios do Estado hodierno: “O limite entre o político e o judicial não pode ser
definido formalmente no Estado moderno. A justiça moderna não pode ser‘apolítica’ nesse sentido, e
hoje mais do que nunca deve-se reconhecer que o poder judiciário é ‘governo’.” (Grifo nosso).
ZAFFARONI, Eugenio Raúl. Poder Judiciário. Crise, Acertos e Desacertos. Trad. Juarez Tavares São
Paulo: RT, 1995, p. 24.

16- A ideia de bem-estar dos indivíduos lastreada pelo caminho da prosperidade econômica, não fica
à margem também do pensamento econômico. Nisto: “A concepção de prosperidade econômica do
bem-estar dos indivíduos é abrangente. Ela reconhece não apenas nível de conforto material dos
indivíduos, mas também o grau de satisfação estética, seus e sentimentos pelos demais e, qualquer
outra coisa que eles possam valorizar, mesmo que intangível”. KAPLOW, Louis; SHAVELL, Steven.
Fairness versus Welfare, 114 Harv. L. Rev. 961, (200-2001), p.968.

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daquelas políticas públicas ora prometidas e não levadas a cabo pelos aludidos
Poderes promitentes.17
Diante disso e ratificando o pensamento já plasmado alhures, inegável é a
virtude do Processo como instrumento apto à efetivação de direitos, concorrendo
para a realização de uma concreta democracia social, esta promotora do
desenvolvimento no Estado hodierno.
Como nota final, o contributo da processualística pátria para com a massa
crédula em dias melhores é possível e real, sobretudo se a visão turva da
formalidade irracional e estéril, que tem no processo um fim em si mesmo e ainda
praticada de forma larga nos pretórios nacionais, se curve perante o exercício
prático da norma processual que, desejosa por seu alcance efetivo na satisfação dos
direitos, possa ir mais além, isto é, ser igualmente protagonista de parcela
contributiva aos desígnios desenvolvimentistas de nosso amado país.18

17- Sobre os direitos fundamentais como objeto do Processo Coletivo, potencializando neste a
realização de políticas públicas, ver CANELA JÚNIOR, Osvaldo. Controle Judicial de Políticas
Públicas. São Paulo: Saraiva, 2011, p. 150 e ss.

18- A dimensão transnacional da qualidade dos serviços públicos – aqui o Poder Judiciário – nos
países em desenvolvimento tem sido fator de atentas análises por parte do Banco Mundial, este que
junto a outros organismos multilaterais, iniciou nos anos 80 inúmeros projetos objetivando analisar o
estágio do Poder Judiciário com vistas à sua modernização no âmbito de aludidos países. Em
relatório intitulado O setor judicial na américa latina e no caribe: elementos da reforma, delineia-se a
visão de Poder judicante que deveria ser adotada por países em desenvolvimento, levando-se em
conta a busca da ampliação de investimentos estrangeiros e maior inserção no mercado
internacional. O supracitado documento constata, e aí aplicável ao cenário brasileiro, que: “ (...) o
Judiciário é incapaz de assegurar a resolução de conflitos de forma previsível e eficaz, garantindo
assim os direitos individuais e de propriedade”; “(...) a reforma do Judiciário faz parte de um processo
de redefinição do Estado e suas relações com a sociedade, sendo que o desenvolvimento econômico
não pode continuar sem um efetivo reforço, definição e interpretação dos direitos e garantias sobre a
propriedade. Mais especificamente, a reforma do judiciário tem como alvo o aumento da eficiência e
equidade em solver disputas, aprimorando o acesso à justiça que atualmente não tem promovido o
desenvolvimento do setor privado.” ( BANCO MUNDIAL. O setor judicial na américa latina e no caribe:
elementos da reforma. Documento técnico do banco mundial n. 319S. Washington, D.C., 1997, p. 6-
10). Insta apontar que, para o Banco Mundial, a crise do Poder Judiciário é compreendida como a
crise da Administração da Justiça, e sua ineficiência decorre da incapacidade de prestar um serviço
público a um preço competitivo, rápido e eficaz, em resposta às demandas que lhe são submetidas.
Por outro lado, notadamente, a concepção da atividade judicante como serviço é por demais estranha
à tradição brasileira, onde o Poder Judiciário foi estabelecido historicamente como um dos três
poderes de Estado. Contudo, tem-se “aos poucos repercutido na tradição político-jurídica nacional, e
uma de suas faces visíveis são os diagnósticos e processos de avaliação que se tem produzido para
analisar o funcionamento do Judiciário e propor mudanças em sua atuação”. (BARBOSA, Claudia
Maria. Poder Judiciário: reformaparaquê?. Disponível em:
<www.ambitojuridico.com.br/site/index.php?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=2339>. Acesso
em 20 de dezembro de 2009). De inegável contributo para as reformas processuais já operadas ( vide
o nosso Instituições de Direito Processual Civil. Belo Horizonte: Del Rey,2011, p.15-18) e em
andamento – até porque não se pode combater as patologias sem não menos conhecê-las – são os
diagnósticos apresentados anualmente pelo Conselho Nacional de Justiça, este que, desde sua
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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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instalação, tem prestado serviços relevantes nas áreas de inteligência e administração para a
eficiência do serviço público de justiça realizado pelo Poder Judiciário Brasileiro.

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