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SOLUÇÃO NÃO CONSENSUAL DE CONFLITOS:


TEORIA GERAL DO PROCESSO

Professora Dra. Gabriela Oliveira Freitas

Belo Horizonte
2024
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“O Direito é construído pela humanidade como


necessidade inapartável desta e produzido pela atividade
humana em incessante elaboração de estruturas formais
diferenciadas e adequadas à regulação dos interesses
prevalentes em cada época.” (Rosemiro Pereira Leal).
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1. NOÇÕES INTRODUTÓRIAS DE DIREITO PROCESSUAL


1.1 Direito e Sociedade
1.2 Conceitos Básicos
1.2.1 Direito Processual
1.2.2 A Ciência Processual
1.2.3 Judicialização da Vida

2 NORMAS PROCESSUAIS
2.1 Normas Jurídicas Materiais
2.2 Normas Jurídicas Processuais
2.3 A Lei Processual no Espaço
2.4 A Lei Processual no Tempo

3 CICLO HISTÓRICO DA ATIVIDADE JURISDICIONAL


3.1 Introdução
3.2 Breve Histórico sobre o Direito Processual Romano
3.3 Direito Processual Moderno
3.3.1 Estado Liberal
3.3.2 Estado Social
3.3.3 Estado Democrático de Direito
3.4 Histórico do Direito Processual no Brasil

4 SUJEITOS DO PROCESSO
4.1 Juiz
4.2 Partes: Autor e Réu
4.2.1 Litisconsórcio
4.3 Advogado
4.4 Ministério Público
4.5 Auxiliares da Justiça
4.5.1 Escrivão
4.5.2 Oficial de Justiça
4.5.3 Perito
4.5.4 Intérprete
4.5.5 Conciliador e Mediador
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4.6 Advocacia Pública


4.7 Defensoria Pública

5 TRILOGIA ESTRUTURAL DO PROCESSO


5.1 Teorias do Processo
5.1.1 Processo como contrato
5.1.2 Processo como quase-contrato
5.1.3 Processo como relação jurídica
5.1.4 Processo como situação jurídica
5.1.5 Processo como instituição
5.1.6 Processo como procedimento em contraditório
5.1.7 Teoria Constitucionalista do Processo
5.1.8 Teoria Neoinstitucionalista do Processo

6 PRINCÍPIOS DO DIREITO PROCESSUAL


6.1 Devido Processo Legal
6.2 Isonomia
6.3 Contraditório
6.4 Ampla defesa
6.5 Duplo Grau de Jurisdição
6.6 Fundamentação das Decisões
6.7 Princípio da Publicidade
6.8 Princípio da Disponibilidade ou do Dispositivo
6.9 Princípio da Imparcialidade do Juiz
6.10 Princípio da Lealdade Processual
6.11 Princípio da Razoável Duração do Processo
6.12 Cooperação

7 PRESSUPOSTOS PROCESSUAIS
7.1 Pressupostos de Existência ou de Constituição
7.2 Pressupostos de Validade
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1. NOÇÕES INTRODUTÓRIAS DE DIREITO PROCESSUAL

1.1 Direito e Sociedade

Comumente as obras jurídicas iniciam-se com uma breve análise sobre a obra “As
Aventuras de Robinson Crusoé”, do escritor inglês Daniel Defoe, com o objetivo de ilustrar o
brocado jurídico ubi societa ubi jus (onde há sociedade, há direito). De fato, a obra de ficção
demonstra a necessidade da eleição de normas para regulamentar a vida em sociedade.
No referido livro, Robinson Crusoé é um naufrago, que sobrevive na mais completa
solidão em uma ilha por anos. Após mais de 15 anos, o protagonista descobre que,
surpreendentemente, não estava sozinho na ilha e salva a vida de um nativo selvagem fugitivo
que estava prestes a sacrificado por um grupo de canibais vindo do continente, decidindo
chamá-lo “Sexta-Feira”, numa alusão ao dia da semana em que o encontrou. A partir deste
momento, surge a necessidade de se estabelecer regras de convivência, a fim de reduzir os
conflitos entre os dois moradores da ilha e de resolver os conflitos que surgissem.
Na obra “Teoria Geral do Processo”, de Grinover, Dinamarco e Cintra, afirma-se que
“só não haveria lugar para o direito na imaginária hipótese de um ermitão vivendo em local
deserto, sem convívio com ninguém e sem a subordinação a um Estado soberano, como no
caso do legendário Robinson Crusoé, antes da chegada do índio Sexta-Feira à sua ilha isolada
no mundo.” (GRINOVER; DINAMARCO; CINTRA, 2015, p. 40).
A razão dessa correlação entre a sociedade e o direito está na função ordenadora que
este exerce naquela, representando o canal de compatibilização entre os interesses que se
manifestam na vida social, de modo a traçar as diretrizes, visando prevenir e compor os
conflitos que surgem entre seus membros.
Assim, esclarece Humberto Theodoro Junior que é “impossível a vida em sociedade
sem uma normatização do comportamento humano”, sendo necessário que o Estado não só
elabore as leis, devendo também instituir “meios de imposição coativa do comando expresso
na norma” (THEODORO JUNIOR, 2022, p. 3).
Também vale mencionar o ensinamento de Ada Pellegrinni Grinover, Cândido Rangel
Dinamarco e Antônio Augusto Cintra:
(...) pelo aspecto sociológico, o direito é geralmente apresentado como uma
das formas – sem dúvida a mais importante e eficaz dos tempos modernos –
do chamado controle social, entendido como o conjunto de instrumentos de
que a sociedade dispõe na sua tendência à imposição dos modelos culturais,
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dos ideais coletivos e dos valores que persegue, para a superação das
antinomias, das tensões e dos conflitos que lhe são próprios. (GRINOVER;
DINAMARCO; CINTRA, 2015, p. 42).

Desse modo, existindo a vida em sociedade, identifica-se a necessidade de normas


para regulamentar o comportamento dos cidadãos e, ainda, de regulamentar os procedimentos
cabíveis para efetivar os direitos desses cidadãos. Todavia, não se pode dizer que o direito
simplesmente surgiu porque as pessoas vivem em sociedade. O direito é uma construção
racional, produzido em conformidade com os interesses de cada época. Assim:
É o direito produto racional e dinâmico de controle sociopolítico-econômico
em vários níveis temporais de elaboração humano-técnica, à medida que os
grupos sociais surgem, organizando-se a si mesmos por regramentos técnico-
jurídicos convenientes. (LEAL, 2018, p. 22)

Diante da construção de normas e regramentos técnicos para a convivência e a


estruturação da sociedade, também se identifica a necessidade de um Direito Processual, para
regular os conflitos. Porém, não se pode tratar esse Direito Processual como algo imanente à
sociedade, inexistem direitos inerentes ao próprio ser humano, sendo todos criados a partir de
um esforço racional e, comumente, em razão de uma necessidade histórica.
Diante disso, tem-se que, em razão do aumento da complexidade das relações
humanas, também há um aumento dos conflitos. Surgindo novos conflitos, deve-se
empreender esforços para construir normas processuais capazes de promover as soluções
necessárias.

1.3 Conceitos Básicos

1.2.1 Direito Processual

O Direito Processual pode ser entendido como o conjunto de normas que regulamenta
o processo. É o ramo do Direito que possui como objeto de estudo a função jurisdicional,
exercida pelo Estado. No Estado Democrático de Direito, o exercício de poder soberano, uno
e indivisível, inclui o exercício de três funções: legislativa, administrativa e jurisdicional. É
justamente esta última função que é estudada pela Teoria Geral do Processo.
Sobre o conceito de Direito Processual:
O direito processual se preocupa com o processo e seus princípios, com o
procedimento (ação) e com a jurisdição, sempre com o objetivo de construir
o processo como sendo um espaço discursivo para que os litigantes (autor e
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réu) possam resolver um conflito de interesses. (BRÊTAS; SOARES, 2011,


p. 1).

Alexandre Freitas Câmara esclarece que, apesar de inexistir uma definição unânime
utilizada pelos doutrinadores, este ramo do direito pode ser compreendido como “o ramo da
ciência jurídica que estuda e regulamenta o exercício, pelo Estado, da função jurisdicional”
(CÂMARA, 2013, p. 7).

Importância dos estudos de Direito Processual – compreensão da escola processual e


pensamento ideológico do processo – necessários para entender o objetivo da norma e
possibilitar as críticas.

CONCEITOS RELEVANTES:
Processo: “procedere” – proceder ordenado, caminhar para frente.
Processar: deduzir pretensão em juízo.
Pretensão: fatos e fundamentos jurídicos narrados pelo autor ou pelo réu (pretensão resistida).
Lide: conflito de interesses.
Autos: materialização dos atos processuais.

1.2.2 A Ciência Processual

É importante, para compreender o estudo do Direito Processual, diferenciar a Técnica


Jurídica e a Ciência jurídica. A técnica jurídica é o conjunto de procedimentos eficientes e a
Ciência Jurídica é o conjunto de conhecimentos autoproduzidos e recriados da técnica. A
partir da análise da técnica, ou seja, da prática jurídica, é possível elaborar uma Ciência,
compreendida como “atividade que tem por objeto o esclarecimento da técnica e das teorias e
ideologias da técnica”, que busca a “produção e o crescimento esclarecido do conhecimento
pela testificação teorizada dos enunciados técnicos-teóricos” (LEAL, 2018, p. 74).
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A Ciência Processual contemporânea é resultado de inúmeras transformações que se


procederam, ao longo da história, pela atuação dos aplicadores do direito e pela incansável
colaboração dos estudiosos do direito.
Até o século XIX, não se falava em uma Teoria Geral do Processo, uma vez que a
ação (direito de movimentar o Judiciário) era concebida como desdobramento do próprio
direito material e o instituto jurídico do processo como sinônimo de procedimento. Naquela
época, o Direito Processual consistia em uma simples parte, mero apêndice, do Direito
Privado, sem que fosse atribuída autonomia científica àquela matéria.
Atualmente, o Direito Processual é tratado como uma parte do Direito Público,
possuindo plena autonomia. Veja-se:
A comprovação de que o direito processual independe do direito material é
justamente demonstrada na possibilidade de se ajuizar uma ação sem que
haja direito material algum que proteja. Assim, o exercício do direito de ação
independe da existência do direito material e, por tal razão, é possível que a
parte que deduziu pretensão sem a existência do direito material tenha uma
sentença, mas sem o reconhecimento do direito pleiteado. (BRÊTAS;
SOARES, 2011, p. 03).

A análise da ciência processual busca uma efetividade normativa, ou seja, uma


aplicação dos institutos processuais de acordo com os princípios e regras constitucionais, de
modo a oferecer, concomitantemente, legitimidade e eficiência na aplicação do direito.
O processo não pode ter uma imagem de um “mal a ser resolvido”, muito pelo
contrário, ele representa uma garantia constitucional complexa de:
▫ Legitimidade e participação popular na formação das decisões;
▫ Limitação e adequação da atuação dos sujeitos processuais (advogados, juízes,
Ministério Público e partes);
▫ Viabilização dos direitos (especialmente fundamentais).
Percebe-se que a ciência processual vai permitir o exercício da atividade jurisdicional,
de forma a garantir a participação dos interessados e a efetividade de seus direitos.

1.2.3 Judicialização da Vida

Em razão da crescente complexidade das relações humanas, assim como pela abertura
democrática do Judiciário, percebe-se um crescente número de demandas judiciais e, por
consequência, um aumento na intervenção do Judiciário em questões que antes eram,
predominantemente, resolvidas por outros meios, como políticas públicas, administração e
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legislação. Esse fenômeno é chamado de Judicialização e tem sido objeto de debate, pois
envolve questões relacionadas à efetividade do sistema de justiça, à separação das funções do
Estado e ao papel do Estado na solução de conflitos e na garantia dos direitos dos cidadãos.
Nesse sentido:
A judicialização decorre do modelo de Constituição analítica e do sistema de
controle de constitucionalidade abrangente adotados no Brasil, que permitem
que discussões de largo alcance político e moral sejam trazidas sob a forma
de ações judiciais. Vale dizer: a judicialização não decorre da vontade do
Judiciário, mas sim do constituinte. (BARROSO, 2009, p. 20)

A judicialização ocasiona consideráveis desafios, como a sobrecarga do Poder


Judiciário, a morosidade na resolução de processos, o ativismo judicial e a judicialização da
política, em que questões que deveriam ser decididas pelo Legislativo ou pelo Executivo
acabam sendo decididas pelo Judiciário.
Com isso, o Judiciário brasileiro apresenta uma absurda quantidade de procedimentos
em tramitação, o que faz com que, frequentemente, se discuta sobre a morosidade do
Judiciário. Veja-se:
O Poder Judiciário finalizou o ano de 2022 com 81,4 milhões de processos
em tramitação, aguardando alguma solução definitiva.
(...)
O que se verifica, portanto, é que desde 2020 o judiciário tem enfrentado
nova série de aumento dos casos pendentes, com crescimento de R$ 1,8
milhão entre 2021 e 2022 (2,2%). Pela primeira vez na série histórica, o
volume de processos em tramitação superou 80 milhões. Cabe lembrar que, a
série histórica de 2020 em diante passou a considerar os termos
circunstanciados, antes não computados, e que representam cerca de 1,3
milhão de processos em tramitação. (CNJ, Justiça em Números, 2023).

Não se pode negar que é impossível falar em eficiência e razoável duração do tempo
procedimental em uma estrutura que conta com menos de 20 mil magistrados para julgar os
mais de 80 milhões de casos.
Como técnica para enfrentamento destes desafios, tem-se investido em outros métodos
de resolução de conflitos, principalmente pela via consensual, seja no curso de um
procedimento judicial ou de forma extrajudicial. Tem-se investido no incentivo à conciliação
e à mediação, além de outros métodos capazes de conduzir à adequada solução de conflitos.
Na tentativa de ampliar as possibilidades de resolução de conflitos, notadamente
diante da crise do Judiciário, o Código de Processo Civil de 2015 passou, não só a incluir a
mediação e conciliação, como fase do procedimento comum, mas também passou a incentivar
que a solução consensual de conflitos seja buscada pelo Judiciário, por advogados, defensores
públicos e membros do Ministério Público. Veja-se:
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Art. 3º Não se excluirá da apreciação jurisdicional ameaça ou lesão a direito.


§ 1º É permitida a arbitragem, na forma da lei.
§ 2º O Estado promoverá, sempre que possível, a solução consensual dos
conflitos.
§ 3º A conciliação, a mediação e outros métodos de solução consensual de
conflitos deverão ser estimulados por juízes, advogados, defensores públicos
e membros do Ministério Público, inclusive no curso do processo judicial.
(BRASIL, 2015).

Vale destacar que, antes mesmo da entrada em vigor do atual CPC, o Conselho
Nacional de Justiça (CNJ) já havia editado a Resolução nº 125/2010, dispondo sobre a
“Política Judiciária Nacional de tratamento adequado dos conflitos de interesses no âmbito do
Poder Judiciário”, em que consta:
(...) cabe ao Judiciário estabelecer política pública de tratamento adequado
dos problemas jurídicos e dos conflitos de interesses, que ocorrem em larga e
crescente escala na sociedade, de forma a organizar, em âmbito nacional,
não somente os serviços prestados nos processos judiciais, como também os
que possam sê-lo mediante outros mecanismos de solução de conflitos, em
especial dos consensuais, como a mediação e a conciliação. (CNJ, 2010).

A referida Resolução 125/2010 do CNJ foi um significativo marco na promoção da


desjudicialização, incentivando a criação de centros judiciários de solução de conflitos e
cidadania (CEJUSCs), que se tornaram importantes ferramentas para oferecer à população
meios alternativos e mais rápidos para resolver seus conflitos, além de contribuir para
diminuir a sobrecarga do Judiciário.
A título de exemplo, menciona-se o acordo histórico celebrado no Tribunal de Justiça
de Minas Gerais, em 2021, sobre os danos decorrentes do rompimento da barragem do
Córrego do Feijão em Brumadinho. Sobre o acordo, consta de notícia publicada no endereço
eletrônico do Tribunal:
Pelo acordo celebrado, que visa à reparação socioambiental e
socioeconômica e a título de antecipação da indenização dos danos coletivos
e difusos, no total estimado em R$ 37.726.363.136,47 (trinta e sete bilhões,
setecentos e vinte e seis milhões, trezentos e sessenta e três mil, cento e
trinta e seis reais e quarenta e sete centavos), haverá transferência de renda e
obras para melhorar a qualidade de vida dos atingidos, além de
investimentos no Rodoanel da Região Metropolitana de Belo Horizonte –
entroncamento entre a BR-381, BR-040 e BR-262, para por fim aos gargalos
do atual Anel Rodoviário; recursos para o pagamento do Programa de
Transferência de Renda à população atingida e investimentos na recuperação
de municípios da Bacia do rio Paraopeba. Recursos também serão destinados
para áreas de saúde, saneamento e infraestrutura. (TJMG, 2021).

O referido acordo consiste em exemplo concreto dos benefícios da desjudicialização,


demonstrando que é possível alcançar uma solução eficaz para conflitos demasiadamente
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complexos por meio do diálogo e da negociação, sem a necessidade de recorrer a longos e


custosos processos judiciais.
Destaque-se que a busca por tais medidas autocompositivas não pode ter como
finalidade simplesmente “esvaziar as prateleiras do Poder Judiciário”, sob pena de
desconsiderar o “compromisso com a humanização dos conflitos”, “garantindo-se apenas a
maior eficiência da máquina judiciária” (MEIRELLES; MIRANDA NETTO, 2018, p. 125). A
desjudicialização não significa a eliminação do Judiciário, mas sim a busca por alternativas
eficazes e eficientes para resolver os conflitos, garantindo que se chegue a uma solução
adequada, de forma mais rápida e acessível.
Além disso, não se pode ignorar que nem todo conflito é passível de resolução pela via
extrajudicial e consensual, de modo que se sobressai a contínua importância do Direito
Processual e, por consequência, da atividade jurisdicional, que será objeto de estudo nesta
disciplina.
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2 NORMAS PROCESSUAIS

2.1 Normas Jurídicas Materiais

Normas jurídicas materiais são as que disciplinam imediatamente a cooperação entre


pessoas e os conflitos de interesses ocorrentes na sociedade, escolhendo qual dos interesses
conflitantes e em que medida, deve prevalecer e qual deve ser sacrificado. Trata-se de
conjunto de normas de valoração das condutas sociais, visando à proteção dos interesses
considerados essenciais à manutenção de uma dada formação social cuja aplicação é
garantida, pelo aparelho coativo do Estado.
Segundo Luiz Wambier e Eduardo Talamini:
O direito material, por si só, é visto sob o prisma de sua própria finalidade,
cuida apenas das relações jurídicas em que o cumprimento da norma se dá
espontaneamente por aqueles que estejam a isso obrigados, seja por força de
lei, seja em razão de contrato. (WAMBIER, TALAMINI, 2015, p. 58)

Essas normas estabelecem os princípios fundamentais que regem as relações entre os


indivíduos e os limites dentro dos quais essas relações devem ocorrer. Em outras palavras,
elas determinam o conteúdo dos direitos e deveres dos cidadãos e das instituições em diversos
contextos.
Por exemplo, quando se aborda o Direito de Família, as normas de direito material
estabelecem as regras para um casamento, sobre regime de bens, sobre a partilha em caso de
divórcio. No Direito do Trabalho, as normas de direito material regulamentam as formas de
contratação de um empregado, o exercício da jornada de trabalho, direitos dos trabalhadores,
dentre outras.

2.5 Normas Jurídicas Processuais

São as normas que, apenas de forma indireta, contribuem para a resolução dos
conflitos interindividuais, mediante a disciplina da criação e atuação das regras jurídicas
gerais ou individuais destinadas a regulá-los diretamente. É o conjunto de normas jurídicas
que dispõem sobre a constituição dos órgãos jurisdicionais e sua competência, disciplinando
essa realidade chamada processo.
As normas jurídicas materiais constituem o critério de julgar, de modo que, não sendo
observadas, dão lugar ao “error in judicando”; as processuais constituem o critério do
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proceder, de maneira que, uma vez desobedecidas, ensejam a ocorrência do “error in


procedendo” (vício no procedimento).
O direito processual é um conjunto de normas que tem por objetivo disciplinar os atos
de vontade dos órgãos jurisdicionais e partes, para a criação da norma do caso concreto
(decisão do conflito) e sua eventual execução.
O que distingue fundamentalmente o direito material do direito processual é que este
trata das relações entre atores processuais, da posição de cada um deles no processo, da forma
de realizar os atos processuais, sem se preocupar, diretamente, com o bem da vida que é o
objeto do interesse primário das pessoas, por elas disputado, e que dá azo ao litígio.

2.6 A Lei Processual no Espaço

No que tange à lei processual no espaço, vigora o princípio da territorialidade. Assim,


em regra, aplica-se a lei brasileira aos processos brasileiros, não se admitindo a aplicação de
leis estrangeiras em nosso território.
Sobre o princípio da territorialidade, leciona Humberto Theodoro Junior:
É universalmente aceito o princípio da territorialidade das leis processuais,
ou seja, o juiz apenas aplica ao processo a lei processual do local onde
exerce a jurisdição.
Esse princípio decorre da natureza da função jurisdicional que está ligada à
soberania do Estado, de modo que dentro de cada Território só podem
vigorar as próprias leis processuais, não sendo admissível, outrossim, a
pretensão de fazer incidir suas normas jurisdicionais perante tribunais
estrangeiros. (THEODORO JUNIOR, 2010, p. 20).

A aplicação da lei processual no espaço encontra previsão nos artigos 13 e 16 do


Código de Processo Civil:
Art. 13 A jurisdição civil será regida pelas normas processuais brasileiras,
ressalvadas as disposições específicas previstas em tratados, convenções ou
acordos internacionais de que o Brasil seja parte.

Art. 16 A jurisdição civil é exercida pelos juízes e pelos tribunais em todo o


território nacional, conforme as disposições deste Código. (BRASIL, 2015).

Do mesmo medo, o art. 1º do Código de Processo Penal estabelece que o referido


código se aplica em todo território brasileiro. Diante disso, tem-se que, nos Tribunais
brasileiros, aplica-se a legislação processual nacional.
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2.7 A Lei Processual no Tempo

No que diz respeito à aplicação da lei processual no tempo, ou seja, nos casos de
conflito temporal de leis processuais, poderiam ser adotados três posicionamentos:
• Unidade Processual – o processo é todo regido pela lei vigente na data de sua
instauração (tempum regit processum);
• Fases Processuais – postulatória, saneamento, probatória, decisória e recursal – em
curso o processo na entrada da vigência da lei nova, esta não disciplina a fase ainda
não encerrada, que é regida pela lei anterior, somente as fases seguintes obedecem a
lei nova;
• Atos Processuais Isolados ou Isolamento dos atos – aplica-se a lei vigente no
momento da prática do ato processual (tempus regit actum) mesmo que o processo já
esteja em curso.

No Direito Brasileiro, adota-se a teoria do isolamento dos atos processuais, a fim de


assegurar a estabilidade e a segurança jurídica. Segundo essa teoria, as normas processuais
devem ser aplicadas de acordo com a legislação em vigor no momento da prática de cada ato,
evitando a aplicação retroativa de mudanças legislativas que possam prejudicar a justiça e a
equidade do processo.
Assim, a lei processual, a partir do momento de sua entrada em vigor, tem aplicação
imediata, abrangendo inclusive os processos em curso. A lei processual, porém, não será
aplicada aos processos já acabados, nem ocasionando a revisão dos atos já praticados nos
procedimentos ainda em curso, pois possui como principal característica a irretroatividade,
tendo em vista o princípio de que o tempo rege o ato (tempus regit actum).
Art. 14, CPC A norma processual não retroagirá e será aplicável
imediatamente aos processos em curso, respeitados os atos processuais
praticados e as situações jurídicas consolidadas sob a vigência da norma
revogada. (BRASIL, 2015)

Similar é a previsão contida no art. 2º do Código de Processo Penal: “A lei processual


penal aplicar-se-á desde logo, sem prejuízo da validade dos atos realizados sob a vigência da
lei anterior” (BRASIL, 1941).
Sobre a aplicação da teoria do isolamento dos atos processuais, cita-se o seguinte
julgado do Superior Tribunal de Justiça:
AGRAVO INTERNO. AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. DIREITO
INTERTEMPORAL. TEORIA DO ISOLAMENTO DOS ATOS
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PROCESSUAIS. REEXAME DE PROVAS. SÚMULA N. 7/STJ.


FUNDAMENTOS DO ACÓRDÃO. NÃO IMPUGNAÇÃO. INCIDÊNCIA
DO VERBETE 283 DA SÚMULA/STF.
1. À luz do princípio tempus regit actum e da Teoria do Isolamento dos Atos
Processuais, os atos processuais devem observar a legislação vigente ao
tempo de sua prática, sob pena de indevida retroação da lei nova para
alcançar atos já consumados.
2. A ausência de prequestionamento impede o conhecimento da questão pelo
Superior Tribunal de Justiça. Incidência da Súmula 211 do STJ.
3. Não cabe, em recurso especial, reexaminar matéria fático-probatória
(Súmula n. 7/STJ).
4. Ante a ausência de impugnação de fundamento autônomo, aplica-se, por
analogia, o óbice da Súmula 283 do STF.
5. Agravo interno a que se nega provimento.
(AgInt no AREsp n. 2.201.599/SP, relatora Ministra Maria Isabel Gallotti,
Quarta Turma, julgado em 19/6/2023, DJe de 22/6/2023.)

No âmbito processual penal, um interessante e emblemático caso sobre a aplicação da


lei processual no tempo refere-se ao julgamento do caso Nardoni. Quando iniciado o
procedimento, encontrava-se em vigor o art 607 do Código de Processo Penal, que dispunha
que “O protesto por novo júri é privativo da defesa, e somente se admitirá quando a sentença
condenatória for de reclusão por tempo igual ou superior a 20 (vinte) anos, não podendo em
caso algum ser feito mais de uma vez” (BRASIL, 1941). Todavia, quando da prolação da
sentença, momento em que surgiria a oportunidade de utilização do referido recurso, o citado
artigo já se encontrava revogado, de modo que não foi possível apresentar o pedido de novo
júri.
Diante disso, tem-se que os atos processuais já praticados na vigência da lei anterior
não são revistos em razão da promulgação de uma nova legislação. Do mesmo modo, ainda
que o procedimento ainda esteja em curso quando da promulgação de uma nova lei, os atos
processuais a serem praticados observarão a lei vigente quando do momento de sua prática.
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3 CICLO HISTÓRICO DA ATIVIDADE JURISDICIONAL

3.1 Introdução

A solução dos conflitos entre os homens nem sempre se deu da forma que se conhece
atualmente, seja na via judicial ou extrajudicial. Antes de o Estado chamar para si a tarefa de
“dizer o Direito”, o que ocorria era a solução dos conflitos via vingança privada, ou seja,
sempre os mais fortes vencendo os mais fracos.
Com o passar dos tempos, o Direito aparece como uma das formas de controle social,
com o fim de solucionar os conflitos de maneira mais razoável. Surge, então, a importância de
se definir os valores protegidos pelo Direito e, o que importa de forma específica para os
estudos de Direito Processual, os procedimentos que devem ser observados na aplicação do
Direito ao caso concreto.
É importante ressaltar que num primeiro momento não existia a figura do Estado a
regular os conflitos existentes em sociedade. Pode-se considerar que nesse tempo imperava a
vingança privada (AUTOTUTELA), que era caracterizada principalmente pelo uso da força,
em que o grupo dos mais fracos acabava dizimado pelo grupo dos mais fortes.
Posteriormente, o Estado passou a controlar a solução dos conflitos que aconteciam
em sociedade.
Nas fases primitivas da civilização dos povos, inexistia um Estado suficientemente
forte para superar os ímpetos individualistas dos homens e impor o direito acima da vontade
dos particulares: por isso não só inexistia um órgão estatal que, com soberania e autoridade,
garantisse o cumprimento do direito, como ainda não havia sequer legislação.

3.2 Breve Histórico sobre o Direito Processual Romano

No período de 450 a. C, denominado de LEGIS ACTIONES, as partes só podiam


manipular as chamadas AÇÕES DA LEI, que eram em número de cinco. O procedimento era
solene e obedecia a um ritual de palavras e gestos indispensáveis. Bastava um erro para que
litigante perdesse a demanda. Também era oral e composto de duas partes, sendo a primeira
fase perante o magistrado, que concedia a ação da lei e fixava o objetivo do litígio, e outra
perante cidadãos árbitros, aos quais cabia a coleta das provas e sentença (não havia
advogados).
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O papel de magistrado era exercido, na realeza, pelo rei, e, na república, pelos


cônsules. A partir de 367 a.C., data da criação da pretura, os cônsules se limitam a exercer a
jurisdição graciosa, passando a contenciosa para os pretores.
Em torno do século V a. C., inicia-se o PERÍODO FORMULAR, em que foram
abolidas as leges actiones, criando um sistema de arbitragem oficial, com as figuras dos
jurisconsultos (convocadores do povo para deliberar sobre projetos de lei) e do pretor
(magistrado nomeado pelo governo), que, por via dos éditos (programa público de critérios de
aplicar o direito vigente), exercia funções jurisdicionais de fornecer a fórmula ao árbitro.
A fórmula era o esquema abstrato que serve de modelo geral para, no caso concreto,
com as adaptações necessárias, redigir-se o documento, fixando-se o objeto da demanda a ser
julgada pelo juiz. O iudicium é o documento concretamente redigido de acordo com o modelo
(fórmula).
Em geral, as ações da lei e o processo formulário estão submetidos ao ordo iudiciorum
privatorum, que compreendia duas fases: uma primeira, in iure, ou seja, diante do magistrado,
e outra apud iudicem, perante o iudex, no caso um juiz particular.
Ampliaram os poderes do pretor, que passou a nomear o árbitro e instruí-lo, por meio
de fórmulas, sobre como deveria conduzir a demanda e proferir a sentença.
Sobre o período formular, leciona Humberto Theodoro Junior:
Com o avanço do Império Romano por grandes territórios, surgiram novas e
complexas relações jurídicas, cujas soluções não mais se comportavam nos
acanhados limites das legis actiones.
Aboliram-se, por isso, as ações da lei, ficando o magistrado autorizado a
conceder fórmulas de ações que fossem aptas a compor toda e qualquer lide
que se lhe apresentasse.
O procedimento, em linhas gerais, era o mesmo da fase das legis actiones: o
magistrado examinava a pretensão do autor e ouvia o réu. Quando concedida
a ação, entregava ao autor uma fórmula escrita, encaminhando-o ao árbitro
para julgamento. Já, então, havia intervenção de advogados, e os princípios
do livre convencimento do juiz e do contraditório das partes eram
observados. (THEODORO JUNIOR, 2010, p. 9).

Esse período marca o encerramento do ciclo da justiça privada, ou seja, a Justiça


deixa de ser exercida pelos particulares e passa a ser monopolizada pelo Estado.
Veja-se:
Quando o Império Romano percebeu que a arbitragem e o árbitro poderiam
servir como instrumento de poder, permitindo a fiscalização e aplicação do
direito romano aos romanos, transformou-se essa técnica de resolução
exclusiva do Estado (monopólio) e passou também a indicar árbitros, que
recebiam o nome de praetor. (BRÊTAS; SOARES, 2011, p. 6).
19

Por fim, na Roma Antiga, inicia-se o período da COGNITIO EXTRA ORDINEM/


COGNIÇÃO EXTRAORDINÁRIA, em que os particulares não mais podiam utilizar a
arbitragem, existindo somente a jurisdição monopolizada pelo Estado (arbitragem estatal
obrigatória). Na cognitio extra ordinem, todo o processo tramitava perante uma mesma
pessoa, funcionando pelo Estado, que concentrava as funções e os poderes exercidos pelos
magistrados e juízes.
O procedimento, em geral, passa a ser mais prolixo e demorado, com o predomínio do
escrito sobre a oralidade anterior, inclusive no tocante às provas.
Surge, então, a jurisdição, entendida como uma atribuição estatal de aplicação do
direito ao caso concreto para resolução de conflitos e proíbe-se a resolução privada dos
conflitos, ou seja, a autotutela (ressalvando-se algumas exceções). O processo surgiu com a
arbitragem obrigatória. Desse modo, tem-se que a origem da jurisdição é a figura da
arbitragem privada.
Veja-se:
Depreende-se que a jurisdição, em sua origem, é a estratificação histórica da
figura da arbitragem legalmente institucionalizada e praticada, de modo
exclusivo e monopolístico, pelo Estado. A jurisdição, quando não está
previamente condicionada, como veremos, à principiologia legal do
processo, cuja plataforma jurídica fundamental se encontra insculpida na
maioria das constituições modernas, é mera atividade de julgar e descende
diretamente da primeva arbitragem, onde a clarividência dos sacerdotes e o
carismático senso inato de justiça dos pretores e árbitros é que marcavam e
vincavam o acerto e a sabedoria de suas decisões (LEAL, 2018, p. 22).

Com a queda do Império Romano, inicia-se a Idade Média, em que o processo se


divide entre o que era aplicado pelos bárbaros e pela Igreja Católica. Em ambos, o processo
era acusatório, rígido e as provas eram produzidas por meio de ordálias. As ordálias são
espécies de provas judiciárias, usadas para determinar a culpa ou a inocência do acusado por
meio da participação de elementos da natureza, cujo resultado é interpretado como um juízo
divino.

3.3 Direito Processual Moderno

Para que seja possível analisar como o Direito Processual se desenvolveu no Estado
Moderno, torna-se necessário analisar também os paradigmas estatais que foram adotados,
uma vez que, em cada paradigma, muda-se a atuação do Estado, abrangendo a função
jurisdicional.
20

A partir do momento que surge o Estado de Direito, o Direito passa a ser uma
ressonância do Estado em que se encontra – ou seja, não é possível compreender o Direito,
sem antes entender o Estado ao qual ele está vinculado.

3.3.1 Estado Liberal

As Revoluções Burguesas, com mais destaque para a Revolução Francesa, foram


levadas a cabo com o pressuposto de se buscar uma ruptura com os chamados Modelos de
Estados Absolutistas, que eram Estados nos quais o Poder Executivo (rei/monarca) tinha o
direito de vida ou morte sobre seus súditos.
Como contraponto, o Estado Liberal tem como característica a não intervenção na vida
dos cidadãos, devendo apenas garantir uma segurança mínima, sem nenhuma preocupação
social.
Com isso, sinaliza-se ao cidadão a ideia de que ele é autossuficiente. Ou seja, todo
cidadão pode exercer o chamado “Princípio da Autonomia da Vontade”, o que representa que
este pode, por meio de sua vontade, fazer acordos de índole patrimonial – os contratos. Assim,
em termos práticos, o Liberalismo gera um Estado que não se preocupa com os cidadãos e um
cidadão que, em tese, por meio de sua liberdade contratual, pode fazer o que bem entender. É
aqui que surge a primeira principiologia do contrato: a autonomia das vontades ou autonomia
privada.
Como reflexo, vigorava um modelo legalista-normativista de produção do direito,
calcado na prevalência da lei, sobrando ao juiz a função de mero burocrata que aplica a lei ao
caso concreto. Diante disso, o Judiciário atua, não só com imparcialidade, mas com máxima
postura de passividade.
Assim:
O modelo de processo preconizado pelo Estado Liberal se lastreia em
princípios ligados à igualdade formal das partes, à escritura (processo
escrito) e à dispositividade. Busca-se, sobretudo, uma posição máxima de
imparcialidade e passividade por parte do juiz. O contraditório, por sua vez,
resume-se á mera bilateralidade de audiência (dizer e contradizer), sendo o
juiz um verdadeiro ‘estranho’ ao objeto litigioso. Reduz-se a uma esfera
‘pública’ do processo a mero mecanismo de resolução de conflitos.
(PAOLINELLI, 2014, p. 15).

E mais:
O liberalismo processual foi marcado por um processo essencialmente
escrito e apegado ao rigor excessivo e à observância de formas previamente
definidas, posicionando a atuação das partes em função do princípio do
21

dispositivo, uma vez que o juiz apresentava-se quase como um espectador,


limitando-se a proclamar o desfecho do procedimento em favor de um dos
contendores. (VIEIRA, 2014, p. 6).

Vê-se, portanto, que, nos Estados Liberais, mesmo no Direito Processual, prevalece a
autonomia das partes, que, praticamente, instauravam uma competição perante o juiz, que
permanecia como mero espectador.

3.3.2 Estado Social

No fim século XIX, o liberalismo gera um aumento exponencial da desigualdade,


criando um cenário de divisão das classes sociais. Insatisfações com esse modelo imposto
pela burguesia fazem gestar movimentos sociais, tais como movimentos sindicais, no sentido
de terem, todos, seus direitos individuais garantidos.
Assim, o Estado de Bem-Estar Social (Welfare State), para tentar quebrar a lógica
liberal, é um Estado fortalecido, que tem o objetivo de promover um projeto de inclusão
social de seus cidadãos. O problema é que ele já nasce com outro pressuposto: que o cidadão
é hipossuficiente e precisa do Estado para auxiliá-lo em absolutamente tudo.
A partir da década de 20 os Estados se desnaturam, sendo chamados de autoritários.
Ou seja, o que o Estado reputa ser melhor para o povo é imposto a ele com a justificativa de
que o “interesse público” é mais importante que o interesse individual de cada um dos seus
cidadãos. Por conseguinte, há uma ingerência excessiva na vida do cidadão, incluindo na
atividade jurisdicional.
O Judiciário, na tentativa de corrigir as mazelas sociais ocasionadas pelo liberalismo,
assume para si a função de fazer justiça e promover a paz social, o que acaba lhe conferindo
demasiados poderes. Veja-se:
A ideia socializante de processo parte do pressuposto de que é necessário
enfraquecer o papel das partes e se reforçar o papel da magistratura, porque
esta representa o Estado e seus objetivos. A função jurisdicional incorpora a
razão do Estado, ganhando vieses de engenharia social. O processo anuncia-
se como uma verdadeira ‘instituição estatal de bem estar social’ e encontra-
se moldado sob uma estrutura técnica centrada na oralidade e no discurso do
protagonismo judicante. O juiz exerce a função de compensador das
desigualdades materiais das partes e a legitimidade dos atos do poder estatal
é justificada por decisões complacentes à visão estatal de bem comum.
(PAOLINELLI, 2014, p. 18).

Esclarece André Leal que “o paradigma do Estado Social perdeu fôlego e mostrou-se
insuficiente ao enfrentamento das várias indagações oriundas do fenômeno da perda de
22

legitimidade do direito e do questionamento incessante do mito da autoridade” (LEAL, 2006,


p. 28).

3.3.3 Estado Democrático de Direito

Democracia deve ser compreendida como governo do povo, o que exige possibilitar a
participação popular, conferindo legitimidade à atuação do Estado nas esferas legislativa,
administrativa e judicial, nos termos dispostos no artigo 1º, parágrafo único, da Constituição
da República de 1988, segundo o qual “todo o poder emana do povo, que o exerce por meio
de representantes eleitos ou diretamente” (BRASIL, 1988).
E, como aponta Simone Goyard-Fabre, “é preciso que o princípio majoritário não seja
a supremacia absoluta e quase física da maioria sobre a minoria, mas seja acompanhado do
direito de existência de uma minoria: do que chamamos direito de oposição” (FABRE, 2003,
p. 308).
Portanto, tem-se que a instituição de um Estado Democrático de Direito depende da
possibilidade de participação contínua e irrestrita do povo, para que possa exercer oposição e
crítica, adotando-se, por isso, neste trabalho, a compreensão deste Estado como “não
dogmático” (LEAL, 2017, p. 116), conforme apresentado por Rosemiro Pereira Leal, que, em
sua Teoria Neoinstitucionalista do Processo. Rosemiro Pereira Leal afirma que o Estado
Democrático é gestado e “atuado por um direito que não se entrega ao paradigma, em sua
operacionalização, da alíbica ciência dogmática do direito, logo é concebido como Estado não
Dogmático”. (LEAL, 2013, p. 3)
Nesse mesmo sentido:
A instituição da democracia teve por objetivo a retirada da autoridade do
Estado, transferindo o poder para o povo, o que se dá não só pelo direito ao
voto, mas também pela possibilidade de fiscalização dos atos do Estado pelo
povo e pelo direito de participar ativamente na construção dos provimentos
estatais, sejam eles emanados pelo Executivo, Legislativo ou Judiciário.
(FREITAS; FREITAS, 2015, p. 27).

Ronaldo Brêtas de Carvalho Dias afirma que o Estado Democrático de Direito


representa uma fusão entre o Estado de Direito e o princípio democrático e acrescenta que:
(...) essa fusão permite criar um sistema constitucional marcado de forma
preponderante pela associação do poder político legitimado do povo
(democracia) com a limitação do poder estatal pelas normas constitucionais
e infraconstitucionais que integram seu ordenamento jurídico (Estado de
Direito), sobretudo aquelas pertinentes aos direitos fundamentais. (BRÊTAS,
2010, p. 147)
23

No que se refere ao princípio democrático, deve-se observar que democracia remete,


primariamente, à ideia “governo do povo”. Ou seja: democracia significa permitir a
participação do povo, conferindo legitimidade à atuação do Estado nas esferas legislativa,
administrativa e judicial, nos termos dispostos no artigo 1º, parágrafo único, da Constituição
da República de 1988, segundo o qual “todo o poder emana do povo, que o exerce por meio
de representantes eleitos ou diretamente” (BRASIL, 1988).
Assim, nessa matriz disciplinar, o poder é exercido em razão da vontade soberana do
povo, que, por meio de uma série de direitos e garantias consagrados no ordenamento
jurídico, também “possui direito de fiscalizar as formas de manifestação e aplicação de tal
poder” (MADEIRA, 2009, p. 22), o que garante a legitimação democrática da atuação do
Estado.
É o que assevera Ronaldo Brêtas:
Tudo isso significa permanente sujeição do Estado Brasileiro ao
ordenamento jurídico vigente, integrado por normas de direito (regras e
princípios jurídicos), emanadas da vontade do povo, que se manifesta por
meio dos seus representantes eletivos ou diretamente, por meio do plebiscito,
do referendo e da iniciativa popular, motivo da menção explícita da
Constituição brasileira ao princípio da reserva legal (ou princípio da
prevalência da lei), como garantia fundamental das pessoas (artigo 5º, II,), e
ao princípio da legalidade, estruturante do Estado de Direito brasileiro
(artigo 37). (BRÊTAS, 2006, p. 653).

Percebe-se que o Estado Democrático de Direito rompe com a teoria do Estado


Mínimo dos neoliberais e compromete-se, de modo amplo e irrestrito, “com a liberdade
política de participação para equacionar o número de demandas e as respostas surgidas na
problemática do povo” (LEAL, 2010, p. 34).
Além disso, Rosemiro Pereira Leal aponta o Estado Democrático de Direito como
“não dogmático”, ou seja, aberto às críticas, rompendo com o tratamento do Direito como
uma verdade absoluta imposta ao povo. Como alerta Roberta Maia Gresta “a dogmática
jurídica deliberadamente promove a blindagem dos fundamentos da produção normativa e a
interdição da problematização em torno da inconsistência e da aplicação do Direito”
(GRESTA, 2014, p. 3).
Esse novo paradigma modifica o conceito de processo, que não pode mais ser
compreendido como uma relação jurídica entre as partes, na qual um excesso de poderes é
conferido ao órgão julgador, diante da justificativa de busca pela justiça e paz social, dentre
outros escopos metajurídicos, bem como pela crença numa sapiência mística atribuída ao
próprio julgador.
24

Nessa nova conjuntura, o processo passa a ser compreendido como um procedimento


constitucionalizado realizado com estrita observância dos seus princípios institutivos
(contraditório, ampla defesa e isonomia), com o objetivo principal de garantir o efetivo
exercício dos direitos fundamentais e, ainda, garantir a possibilidade de fiscalidade das
atividades do Estado.

4.4 Histórico do Direito Processual no Brasil

Quando da colonização, o Brasil viveu sob o império das três grandes codificações
portuguesas, também chamadas de Ordenações: Afonsinas, Manuelinas e Filipinas. Tais feitos
resultam de uma ideia de sistematização das leis anteriores já existentes e vigentes em
Portugal.
Em 1446, o rei Afonso V promulgou o primeiro Código português, as Ordenações
Afonsinas. Em 1521, vieram as Ordenações Manuelinas e, em 1603, foram promulgadas as
Ordenações Filipinas, também conhecidas como Ordenações do Reino. O sistema de
Ordenações também foi utilizado no Brasil, enquanto ainda colônia de Portugal.
No momento de seu descobrimento, o Brasil como Colônia Portuguesa, estava assim
sob a égide das ordenações portuguesas, sendo as Afonsinas à que vigiam a época quando se
começou a sistematizar o direito de Portugal.
As principais características do processo, descritas pelas Ordenações eram as
seguintes: divisão em fases; forma escrita; alguns atos ocorriam em segredo de Justiça;
predominância do princípio dispositivo, realizando-se as fases processuais por impulso das
partes; as provas ficavam todas a cargo das partes.
Em 1822, quando o Brasil tornou-se independente, vigoravam as Ordenações
Filipinas. Por decreto imperial, as normas processuais do novo país continuaram sendo as das
Ordenações e das posteriores leis extravagantes, desde que não comprometessem a soberania
brasileira e o regime instaurado.
Após a edição do Código Comercial, em 1850, o Brasil instaurou normas para o
processamento das causas comerciais por meio do Regulamento nº 737, que pode ser
concebido como a primeira legislação processual brasileiro. Após a Proclamação da
República, uma das primeiras providências do governo foi aplicar o Regulamento também às
causas cíveis. Em 1890, o Regulamento nº 763 ampliou a aplicação do Regulamento nº 737
para o processamento também das causas cíveis.
25

A Constituição Republicana de 1891, além de instaurar a forma federativa e a


dualidade de justiça – a da União e a dos Estados –, cria a dualidade de processos, atribuindo
o poder de legislar sobre processo tanto à União como aos Estados federados. Tinha-se, assim,
o direito processual da União e os Códigos Estaduais de Processo Civil, baseados no modelo
federal. O primeiro Código Estadual a ser editado foi o Código Processual da Bahia, em 1915.
Diante da ineficiência da divisão de competências legislativas sobre processo entre
União e Estados, a Constituição de 1934 atribuiu primordialmente à União e, supletivamente,
aos Estados a competência para legislar sobre matéria processual. Em 1937, o Governo
nomeou uma comissão para a elaboração do Código Nacional de Processo Civil. Pedro
Batista Martins, elaborou um projeto que foi transformado em lei pelo Governo através do
Decreto-Lei nº 1.608, de 1939. O Código trazia uma parte geral moderna, ao mesmo tempo
em que continha uma parte especial antiquada.
Em 1973, o Código de 1939 foi reformado com base no anteprojeto do Ministro
Alfredo Buzaid. Pela Lei nº 5.869, de 11 de janeiro de 1973, o Código de Processo Civil foi
promulgado.
Em 15 de março de 2015, foi promulgado um novo Código de Processo Civil, com um
ano de vacatio legis, decorrente de uma intensa atividade legislativa iniciada em 2010, por
iniciativa do Senador José Sarney.
A redação inicial do Projeto, de autoria do Senador José Sarney, que primeiramente
tramitou no Senado Federal (Projeto de Lei nº 166/2010), foi resultado do trabalho de uma
Comissão de Juristas, nomeada no mês de setembro de 2009, presidida por Luiz Fux.
A elaboração de um novo Código de Processo Civil, conforme expresso em sua
Exposição de Motivos, buscou solucionar problemas como a morosidade do Judiciário, na
tentativa de trazer celeridade e efetividade do processo, simplificando os procedimentos.
Assim, manifestou-se o Luiz Fux na Exposição de Motivos:
Com evidente redução da complexidade inerente ao processo de criação de
um novo Código de Processo Civil, poder-se-ia dizer que os trabalhos da
Comissão se orientaram precipuamente por cinco objetivos: 1) estabelecer
expressa e implicitamente verdadeira sintonia fina com a Constituição
Federal; 2) criar condições para que o juiz possa proferir decisão de forma
mais rente à realidade fática subjacente à causa; 3) simplificar, resolvendo
problemas e reduzindo a complexidade de subsistemas, como, por exemplo,
o recursal; 4) dar todo o rendimento possível a cada processo em si mesmo
considerado; e, 5) finalmente, sendo talvez este último objetivo parcialmente
alcançado pela realização daqueles mencionados antes, imprimir maior grau
de organicidade ao sistema, dando-lhe, assim, mais coesão. (EXPOSIÇÃO
DE MOTIVOS, 2010).
26

Também afirmou o Relator que o desafio da elaboração do código consiste em


“resgatar a crença no judiciário e tornar realidade a promessa constitucional de uma justiça
pronta e célere” (EXPOSIÇÃO DE MOTIVOS, 2010).
Além disso, a promulgação do novo texto legislativo apresentou o objetivo de superar
alguns autoritarismos presentes no texto anterior e, assim, conectar a norma processual à
Constituição Federal de 1988. Assim, o CPC/2015 atribui o protagonismo processual às
partes.
27

4 SUJEITOS DO PROCESSO

Diz-se sujeito processual todo aquele que desempenha alguma função processual, “são
as pessoas que direta ou indiretamente participam do procedimento e contribuem para a
formação da sentença” (SOARES, 2020, p. 275). São objeto do Livro III, da Parte Geral do
Código de Processo Civil de 2015.

4.1 Juiz

O Juiz, representando o Estado, é um sujeito processual. Atua como dirigente do órgão


jurisdicional, equidistante dos demais sujeitos e com a responsabilidade de solucionar o
litígio. Há, consequentemente, uma relação que se estabelece entre o Estado-Juiz e os demais
sujeitos.
A principal função do juiz é dirigir o procedimento, em tempo razoável e garantindo a
observância da igualdade processual das partes. Sobre as funções do magistrado, dispõe o art.
139 do Código de Processo Civil:
Art. 139. O juiz dirigirá o processo conforme as disposições deste Código,
incumbindo-lhe:
I - assegurar às partes igualdade de tratamento;
II - velar pela duração razoável do processo;
III - prevenir ou reprimir qualquer ato contrário à dignidade da justiça e
indeferir postulações meramente protelatórias;
IV - determinar todas as medidas indutivas, coercitivas, mandamentais ou
sub-rogatórias necessárias para assegurar o cumprimento de ordem judicial,
inclusive nas ações que tenham por objeto prestação pecuniária;
V - promover, a qualquer tempo, a autocomposição, preferencialmente com
auxílio de conciliadores e mediadores judiciais;
VI - dilatar os prazos processuais e alterar a ordem de produção dos meios
de prova, adequando-os às necessidades do conflito de modo a conferir
maior efetividade à tutela do direito;
VII - exercer o poder de polícia, requisitando, quando necessário, força
policial, além da segurança interna dos fóruns e tribunais;
VIII - determinar, a qualquer tempo, o comparecimento pessoal das partes,
para inquiri-las sobre os fatos da causa, hipótese em que não incidirá a pena
de confesso;
IX - determinar o suprimento de pressupostos processuais e o saneamento de
outros vícios processuais;
X - quando se deparar com diversas demandas individuais repetitivas, oficiar
o Ministério Público, a Defensoria Pública e, na medida do possível, outros
legitimados a que se referem o art. 5o da Lei no 7.347, de 24 de julho de
1985, e o art. 82 da Lei no 8.078, de 11 de setembro de 1990, para, se for o
caso, promover a propositura da ação coletiva respectiva.
28

Ao dirigir o procedimento, o magistrado atua como “garantidor da democracia, do


contraditório, da ampla defesa, do devido processo legal, da celeridade e do processo com
duração razoável”, incumbindo-lhe “fiscalizar o cumprimento integral da lei” (SOARES,
2020, p. 275). O juiz é, portanto, o agente estatal responsável por conduzir o procedimento até
o provimento final, que deve ser fundamentado, observando o devido processo legal e a
igualdade processual.
Em sua atuação, o juiz realiza, principalmente, três tipos de atos: sentença, decisões
interlocutórias e despachos de mero expediente (art. 203, CPC).
Conforme prevê o art. 203, § 1º, do CPC, “sentença é o pronunciamento por meio do
qual o juiz, com fundamento nos arts. 485 e 487, põe fim à fase cognitiva do procedimento
comum, bem como extingue a execução” (BRASIL, 2015). Já as decisões interlocutórias são
aquelas proferidas no curso do procedimento, sem, no entanto, extingui-lo. Por fim, os
despachos são os demais pronunciamentos, sem conteúdo decisório, tendo, por objetivo, tão
somente garantir o adequado andamento processual.
Assim, se, ao final do procedimento, o juiz extingue o feito, reconhecendo (ou não) o
direito pretendido pelo autor, tem-se uma sentença. Se, no curso do procedimento, defere um
pedido de justiça gratuita, está-se diante da hipótese de uma decisão interlocutória. Por outro
lado, se apenas designa data para uma audiência, fala-se em despacho.
Por fim, os pronunciamentos colegiados dos Tribunais são denominados acórdãos (art.
204, CPC).
Sobre a atividade jurisdicional:
A principal atividade do juiz é emitir decisões. Decidir significa deliberar
sobre questões (pontos controvertidos) debatidas em juízo. Assim, as
sentenças, decisões interlocutórias e acórdãos são formas de decisões
judiciais que devem resolver questões controvertidas. Não pode haver
pronunciamento jurisdicional sem que tenha havido o devido contraditório.
(...)
A atividade jurisdicional não é livre. Não existe livre convencimento
judicial. Pelo contrário, a atividade judicial é vinculada à lei, às provas e aos
argumentos das partes e às interpretações vinculativas dos tribunais
superiores (art. 489, § 1º, do CPC). (SOARES, 2020, p. 276)

A atividade jurisdicional não pode, portanto, ser reduzida a mera “vontade do


intérprete (julgar conforme sua consciência), como se a realidade fosse reduzida à sua
representação subjetiva”, tendo em vista que a função do julgador se limita a ser “o aplicador
da lei como intérprete das articulações lógico-jurídicas produzidas pelas partes construtoras da
estrutura procedimental” (LEAL, 2010, p. 63).
29

No tocante à responsabilidade do magistrado, cumpre destacar que se trata de


responsabilidade subsidiária (a demanda deve ser direcionada ao Estado e não ao Juiz, caso o
Estado queira, deverá promover a ação de regresso contra o juiz), ocorrendo nas seguintes
hipóteses:
Art. 143. O juiz responderá, civil e regressivamente, por perdas e danos
quando:
I - no exercício de suas funções, proceder com dolo ou fraude;
II - recusar, omitir ou retardar, sem justo motivo, providência que deva
ordenar de ofício ou a requerimento da parte.
Parágrafo único. As hipóteses previstas no inciso II somente serão
verificadas depois que a parte requerer ao juiz que determine a providência e
o requerimento não for apreciado no prazo de 10 (dez) dias.

Essa responsabilidade do magistrado é subsidiária, ou seja, somente pode ser


responsabilizado após reconhecida a responsabilidade do Estado.

4.2 Partes: Autor e Réu

As partes do processo são o autor (quem propõe a ação) e o réu (aquele que responde à
ação) e devem se preocupar em atuar no processo sem promover atos infundados,
desnecessários e protelatórios, cumprindo também as determinações judiciais. “Parte no
processo é qualquer sujeito de direito que sofrerá os efeitos do provimento jurisdicional, na
qualidade de autor ou de réu” (JAYME, 2023, P. 149).
Sobre as partes:
Assim, para a definição do conceito de parte (em termos democráticos)
precisamos conhecer três elementos, quais sejam: a) a verificação de quem
deduziu a pretensão ou foi validamente citado; b) a verificação de quem
sofre os efeitos da decisão e da coisa julgada; c) oportunizar o efetivo direito
de participação das partes no procedimento e o direito de influenciar a
decisão. (SOARES, 2020, p. 280)

André Del Negri esclarece que “são as partes processuais que orientam a
fundamentação da decisão (relação jurídica entre normas), e não mais uma vontade emanada
da esfera solitária de convicção do juiz” (DEL NEGRI, 2011, p. 87).

4.2.1 Litisconsórcio
30

O litisconsórcio consiste na pluralidade de pessoas atuando como parte no mesmo polo


da relação processual. “Dá-se o litisconsórcio quando há cumulação de partes (=centros de
interesse) em um ou ambos os polos da relação processual” (MEDINA, 2016, p. 224).
Litisconsórcio é a pluralidade de demandantes ou de demandados em um
mesmo processo. Assim, sempre que em um processo houver mais de um
demandante ou mais de um demandado, ter-se-á um processo litisconsorcial.
Pode formar-se o litisconsórcio por três diferentes razões (tendo-se, aí, as
chamadas três figuras do litisconsórcio): por comunhão de direitos ou
obrigações; por conexão de causas; por afinidade de questões (art. 113).
(CÂMARA, 2022, p. 95).

O litisconsórcio pode ser classificado de várias maneiras:


Ativo ou passivo: Ativo é quando há mais de um autor; passivo quando há mais de um
réu.
Simples ou unitário: No simples, o juiz pode decidir de forma diferente para cada
litisconsorte (mas pode decidir de forma igual – o que não transforma em unitário). Cada
litisconsorte tem uma lide distinta em relação ao demandado.
Ex.: Em um acidente de ônibus, os feridos em graus diferentes serão indenizados de na
medida de suas perdas/ferimentos.
No unitário, a decisão do juiz deve ser igual (unitária) para todos os litisconsortes. Há
uma única lide com relação ao demandado, por isso unitário.
Art. 116. O litisconsórcio será unitário quando, pela natureza da relação
jurídica, o juiz tiver de decidir o mérito de modo uniforme para todos os
litisconsortes.

Ex.: anulação de um casamento, visto que celebrado por autoridade incompetente – a


decisão deve ser igual para ambos os cônjuges.
Sobre isso:
“O litisconsórcio é unitário quando todos os litisconsortes têm,
obrigatoriamente, de obter o mesmo resultado no processo (art. 116, que fala
em decidir-se o mérito de modo uniforme para todos os litisconsortes). Ou
todos ganham (o mesmo bem jurídico), ou todos perdem (e, neste caso,
ficam privados do mesmo bem jurídico). É o que se dá quando, por exemplo,
o Ministério Público demanda, em face de um casal, a invalidação do
casamento. Neste caso, ou o casamento é invalidado ou não é. De qualquer
modo, o resultado para os litisconsortes será sempre o mesmo. Os
litisconsortes, neste caso, embora sejam diversos, são tratados no processo
como se fossem uma só parte (o que justifica a nomenclatura adotada:
litisconsórcio unitário).” (CÂMARA, 2022, p. 100).

Facultativo ou necessário: o litisconsórcio facultativo depende da vontade da parte


em formar o litisconsórcio:
31

Art. 113. Duas ou mais pessoas podem litigar, no mesmo processo, em


conjunto, ativa ou passivamente, quando:
I - entre elas houver comunhão de direitos ou de obrigações relativamente à
lide;
II - entre as causas houver conexão pelo pedido ou pela causa de pedir;
III - ocorrer afinidade de questões por ponto comum de fato ou de direito.

Litisconsórcio necessário ocorre em dois casos: a) quando a lei determinar - ex.:


usucapião de bem imóvel, em que se deve citar o antigo proprietário (registrado o imóvel em
seu nome) e todos os confinantes (confrontantes/vizinhos); b) quando assim exigir a relação
jurídica.
Art. 114. O litisconsórcio será necessário por disposição de lei ou quando,
pela natureza da relação jurídica controvertida, a eficácia da sentença
depender da citação de todos que devam ser litisconsortes.

Art. 115. A sentença de mérito, quando proferida sem a integração do


contraditório, será:
I - nula, se a decisão deveria ser uniforme em relação a todos que deveriam
ter integrado o processo;
II - ineficaz, nos outros casos, apenas para os que não foram citados.
Parágrafo único. Nos casos de litisconsórcio passivo necessário, o juiz
determinará ao autor que requeira a citação de todos que devam ser
litisconsortes, dentro do prazo que assinar, sob pena de extinção do processo.
(BRASIL, 2015).
OBS: Se o litisconsórcio for necessário no pólo passivo, o autor deverá requerer a
citação de todos os litisconsortes. Caso não o faça, o juiz concederá um prazo ao
autor para que tome esta atitude, sob pena de extinção do processo sem resolução do
mérito – o juiz não pode de ofício citar o litisconsorte faltante, sob pena de violar o
princípio da inércia.

Vale destacar que os atos praticados por um litisconsorte não produzem efeitos quanto
aos demais litisconsortes. Se, por exemplo, um deles reconhece juridicamente a procedência
do pedido ou confessa, só produzindo efeitos em relação a ele. Nesse sentido, dispõe o art.
117 do CPC:
Art. 117. Os litisconsortes serão considerados, em suas relações com a parte
adversa, como litigantes distintos, exceto no litisconsórcio unitário, caso em
que os atos e as omissões de um não prejudicarão os outros, mas os poderão
beneficiar.

Por fim, a legislação processual prevê a figura do litisconsórcio multitudinário, que


ocorre quando o litisconsórcio facultativo apresenta um número excessivo de litisconsortes,
que dificulta a defesa ou a rápida solução do litígio. Nesse caso, pode o juiz, de ofício ou a
requerimento, limitar o número de litisconsortes.
32

Art. 113. (...)


§ 1º O juiz poderá limitar o litisconsórcio facultativo quanto ao número de
litigantes na fase de conhecimento, na liquidação de sentença ou na
execução, quando este comprometer a rápida solução do litígio ou dificultar
a defesa ou o cumprimento da sentença.
§ 2º O requerimento de limitação interrompe o prazo para manifestação ou
resposta, que recomeçará da intimação da decisão que o solucionar.

4.3 Advogado

Nos termos do art. 133 da Constituição Federal, o advogado exerce função


indispensável à administração da Justiça, cabendo-lhe representar a parte em sua atuação em
juízo.
Como sujeito processual, o advogado desempenha o papel de facilitador, auxiliando na
compreensão e aplicação das normas jurídicas, na produção de provas e na resolução de
conflitos. Sua expertise técnica e conhecimento do direito são essenciais para orientar as
partes durante todas as fases do processo, desde a elaboração da petição inicial até a
apresentação de recursos em instâncias superiores.
Nesse sentido:
A participação do advogado como mandatário da parte é essencial para um
contraditório efetivo, substancial, que verdadeiramente permita à parte
influir na formação do resultado do processo. Afinal, é o advogado o
profissional habilitado a tratar das questões jurídicas (não só das questões de
direito, mas também do trato jurídico das questões fáticas, sendo certo que
fato e direito são absolutamente indissociáveis) de forma adequada. Sem
advogado a participação da parte seria meramente formal, incapaz de
consistir numa atuação juridicamente adequada. (CÂMARA, 2022, p. 92).

Assim, exige-se um advogado para que a parte possa se manifestar em um


procedimento.
Além da representação das partes, o advogado também exerce a defesa técnica e ética
dos interesses de seus clientes. Isso significa que ele deve agir de acordo com os princípios
éticos da profissão, respeitando a legalidade e a moralidade em todas as suas ações. Ao
mesmo tempo, o advogado deve possuir um conhecimento técnico sólido, garantindo que os
interesses de seus clientes sejam defendidos de forma competente e eficaz.
Assim:
O advogado (privado ou público) presta sempre um serviço público e exerce
função social. Isso significa que a função ou atividade advocatícia é muito
importante para a efetivação da jurisdição e do acertamento do direito
material. (...) Sua função social é no sentido de colaborar para a efetiva
prestação jurisdicional, evitando que as pessoas sejam condenadas sem a
33

devida manifestação de defesa e do contraditório. Sua função social está em


fazer com que as instituições públicas sejam fiscalizadas. (SOARES, 2020,
p. 285)

Essa representação deve ocorrer mediante a outorga de procuração da parte ao


advogado, para que este exerça os poderes previstos nesta procuração. A procuração transfere
o poder para exercício de funções gerais no procedimento, podendo, ainda, conter a
transferência de poderes específicos, referente a atos que, em tese, somente poderiam ser
praticados pela própria parte. Assim, dispõe o art. 105 do CPC:
Art. 105. A procuração geral para o foro, outorgada por instrumento público
ou particular assinado pela parte, habilita o advogado a praticar todos os atos
do processo, exceto receber citação, confessar, reconhecer a procedência do
pedido, transigir, desistir, renunciar ao direito sobre o qual se funda a ação,
receber, dar quitação, firmar compromisso e assinar declaração de
hipossuficiência econômica, que devem constar de cláusula específica.

As exceções mencionadas no artigo citado exigem previsão expressa na procuração,


para que o advogado possa exercer tais poderes.
Em caso de urgência, o advogado pode praticar atos mesmo sem procuração, devendo
juntar a procuração no prazo de 15 dias.
Art. 104. O advogado não será admitido a postular em juízo sem
procuração, salvo para evitar preclusão, decadência ou prescrição, ou para
praticar ato considerado urgente.
§ 1º Nas hipóteses previstas no caput, o advogado deverá,
independentemente de caução, exibir a procuração no prazo de 15 (quinze)
dias, prorrogável por igual período por despacho do juiz.
§ 2º O ato não ratificado será considerado ineficaz relativamente àquele em
cujo nome foi praticado, respondendo o advogado pelas despesas e por
perdas e danos.

Como procurador da parte, o art. 40 do CPC prevê direitos do advogado, dentre os


quais se inclui examinar o processo, retirar os autos da secretária, caso sejam físicos, e pedir
vista.
Art. 107. O advogado tem direito a:
I - examinar, em cartório de fórum e secretaria de tribunal, mesmo sem
procuração, autos de qualquer processo, independentemente da fase de
tramitação, assegurados a obtenção de cópias e o registro de anotações, salvo
na hipótese de segredo de justiça, nas quais apenas o advogado constituído
terá acesso aos autos;
II - requerer, como procurador, vista dos autos de qualquer processo, pelo
prazo de 5 (cinco) dias;
III - retirar os autos do cartório ou da secretaria, pelo prazo legal, sempre que
neles lhe couber falar por determinação do juiz, nos casos previstos em lei.
34

Destaque-se que a parte pode trocar de advogado, revogando o mandato concedido e


nomeando novo advogado, podendo também o advogado renunciar ao mandato, caso em que
comunicará à parte, para que constitua novo advogado.

4.4 Ministério Público

Conforme prevê o art. 127 da Constituição Federal, “o Ministério Público é instituição


permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a defesa da ordem
jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis”
(BRASIL, 1988).
Suas funções estão elencadas no art. 129 do texto constitucional:
Art. 129. São funções institucionais do Ministério Público:
I - promover, privativamente, a ação penal pública, na forma da lei;
II - zelar pelo efetivo respeito dos Poderes Públicos e dos serviços de
relevância pública aos direitos assegurados nesta Constituição, promovendo
as medidas necessárias a sua garantia;
III - promover o inquérito civil e a ação civil pública, para a proteção do
patrimônio público e social, do meio ambiente e de outros interesses difusos
e coletivos;
IV - promover a ação de inconstitucionalidade ou representação para fins de
intervenção da União e dos Estados, nos casos previstos nesta Constituição;
V - defender judicialmente os direitos e interesses das populações indígenas;
VI - expedir notificações nos procedimentos administrativos de sua
competência, requisitando informações e documentos para instruí-los, na
forma da lei complementar respectiva;
VII - exercer o controle externo da atividade policial, na forma da lei
complementar mencionada no artigo anterior;
VIII - requisitar diligências investigatórias e a instauração de inquérito
policial, indicados os fundamentos jurídicos de suas manifestações
processuais;
IX - exercer outras funções que lhe forem conferidas, desde que compatíveis
com sua finalidade, sendo-lhe vedada a representação judicial e a consultoria
jurídica de entidades públicas.

O Ministério Público atua como parte autônoma e independente, buscando a defesa dos
interesses coletivos e individuais homogêneos, podendo ajuizar, em nome próprio, ações em
prol da coletividade, conforme prevê o art. 177 do CPC.
No âmbito processual penal, cabe ao MP ajuizar as ações penais incondicionadas ou
condicionadas à representação da vítima. Porém, sua atuação vai além da esfera penal. Pode
ajuizar Ação Civil Pública, para defender direitos dos consumidores, por exemplo, buscar
reparação por danos ambientais, pleitear que determino agente público promova
ressarcimento ao erário.
35

A título de exemplificação, menciona-se a Súmula 601 do STJ, que assim dispõe sobre
a atuação do órgão ministerial: “O Ministério Público tem legitimidade ativa para atuar na
defesa dos direitos difusos, coletivos e individuais homogêneos dos consumidores, ainda que
decorrentes da prestação de serviços públicos”.
Assim, o Ministério Público representa a sociedade como um todo e defende os
interesses difusos, coletivos e individuais indisponíveis, como questões relacionadas ao meio
ambiente, consumidor, criança e adolescente, entre outros. Ele atua como um guardião dos
direitos fundamentais e do interesse público.
Além de poder atuar como legitimado extraordinário, atua no processo civil como
custos legis (fiscal da ordem jurídica), nos casos previstos no art. 178 do CPC:
Art. 178. O Ministério Público será intimado para, no prazo de 30 (trinta)
dias, intervir como fiscal da ordem jurídica nas hipóteses previstas em lei ou
na Constituição Federal e nos processos que envolvam:
I - interesse público ou social;
II - interesse de incapaz;
III - litígios coletivos pela posse de terra rural ou urbana. (BRASIL, 2015).

Quando Ministério Público atua como fiscal da ordem jurídica, este é intimado para
intervir no procedimento, oportunidade em que oferta parecer antes do pronunciamento
judicial. Sobre esta atuação:
Nos casos em que intervém como fiscal da ordem jurídica, o MP terá vista
dos autos depois das partes, devendo ser intimado de todos os atos do
processo (art. 179, I), podendo produzir provas, requerer as medidas
processuais que considere pertinentes e recorrer (art. 179, II). O Ministério
Público tem prazo em dobro para a prática de atos processuais, que corre a
partir de sua intimação pessoal (art. 180), que se dá por carga, remessa ou
meio eletrônico (art. 183, § 1o, aplicável ao MP por expressa determinação
do art. 180, in fine). Não será duplicado o prazo, porém, nos casos em que
haja expressa previsão de um prazo para a manifestação do MP (art. 180, §
2o). (CÂMARA, 2022, p. 137).

Nas citadas hipóteses do art. 178 do CPC, a ausência de participação do MP ocasiona a


nulidade do procedimento.

4.5 Auxiliares da Justiça


36

São funcionários, servidores públicos ou não, que investidos do encargo público, no


exercício de suas tarefas, atendem às determinações do juiz, praticando, com isso, os atos de
vital importância para o desenvolvimento do processo.
O juízo é composto pelo juiz e pelos auxiliares da justiça que, sob a direção e em
conjunto com o magistrado, realizam a prestação da atividade jurisdicional, mediante a
necessária formação e desenvolvimento do processo. Os auxiliares da justiça, ou do juízo
consoante refere o artigo 139 do Código de Processo Civil, são responsáveis pelos demais
atos necessários ao desfecho da causa que não sejam de responsabilidade exclusiva do juiz.
Face à necessária imparcialidade com que devem atuar, sujeitam-se às regras de
impedimento ou suspeição da legislação processual.
Há quem classifique os auxiliares da justiça em duas categorias: os permanentes, que
prestam serviço em todo e qualquer processo que tramite pelo juízo e os eventuais, que,
mesmo sem vínculo permanente com o serviço público, atuam em alguns procedimentos
quando convocados para tanto pelo juízo.

4.5.1 Escrivão

É aquele que comanda, dirige a secretaria do cartório judicial, e por consequência,


coordena o trabalho exigido para o desenrolar de todos os atos processuais, e é ele o
responsável pela guarda dos autos dos processos, respondendo assim por eles. É quem auxilia
o magistrado na direção do processo.
Sobre as funções do Escrivão, dispõe o art. 152 do CPC:
Art. 152. Incumbe ao escrivão ou ao chefe de secretaria:
I - redigir, na forma legal, os ofícios, os mandados, as cartas precatórias e os
demais atos que pertençam ao seu ofício;
II - efetivar as ordens judiciais, realizar citações e intimações, bem como
praticar todos os demais atos que lhe forem atribuídos pelas normas de
organização judiciária;
III - comparecer às audiências ou, não podendo fazê-lo, designar servidor
para substituí-lo;
IV - manter sob sua guarda e responsabilidade os autos, não permitindo que
saiam do cartório, exceto:
a) quando tenham de seguir à conclusão do juiz;
b) com vista a procurador, à Defensoria Pública, ao Ministério Público ou à
Fazenda Pública;
c) quando devam ser remetidos ao contabilista ou ao partidor;
d) quando forem remetidos a outro juízo em razão da modificação da
competência;
V - fornecer certidão de qualquer ato ou termo do processo,
independentemente de despacho, observadas as disposições referentes ao
segredo de justiça;
37

VI - praticar, de ofício, os atos meramente ordinatórios. (BRASIL, 2015).

Atua, portanto, como auxiliar direto do juiz na condução dos procedimentos,


garantindo a regularidade e a eficiência do sistema judiciário.

4.5.2 Oficial de Justiça

É responsável pela execução dos procedimentos que tenham repercussão externa ao


juízo. Os oficiais de justiça são os mensageiros e executores de ordens judiciais.
Suas funções estão elencadas no art. 154 do CPC:
Art. 154. Incumbe ao oficial de justiça:
I - fazer pessoalmente citações, prisões, penhoras, arrestos e demais
diligências próprias do seu ofício, sempre que possível na presença de 2
(duas) testemunhas, certificando no mandado o ocorrido, com menção ao
lugar, ao dia e à hora;
II - executar as ordens do juiz a que estiver subordinado;
III - entregar o mandado em cartório após seu cumprimento;
IV - auxiliar o juiz na manutenção da ordem;
V - efetuar avaliações, quando for o caso;
VI - certificar, em mandado, proposta de autocomposição apresentada por
qualquer das partes, na ocasião de realização de ato de comunicação que lhe
couber. (BRASIL, 2015).

Deverá, em todas as diligências realizadas, certificar no respectivo mandado, o lugar,


dia e hora do ocorrido. Por cautela, há disposição acerca da conveniência de que tais medidas
sejam realizadas, sempre que possível, na presença de duas testemunhas. Embora
recomendado pela norma como meio de prova acerca da regularidade do ato, a presença das
testemunhas não é essencial à validade do ato.
Deve o oficial de justiça atender eventuais ordens do juiz a que estiver subordinado,
que podem ser as mais variadas, devendo, ainda, entregar o respectivo mandado em cartório
depois de realizadas as diligências.

4.5.3 Perito

O perito é o profissional que, em razão de seus conhecimentos técnicos e científicos, é


chamado para possibilitar a produção de prova, que envolva exame, vistoria ou avaliação (art.
464, CPC).
38

O perito é pessoa estranha ao quadro de funcionários permanentes da justiça,


escolhido pelo juiz para atuar, mediante remuneração, cujo ônus recai às partes, salvo nas
hipóteses de assistência judiciária gratuita. Dispõe o art. 95 do CPC que “cada parte adiantará
a remuneração do assistente técnico que houver indicado, sendo a do perito adiantada pela
parte que houver requerido a perícia ou rateada quando a perícia for determinada de ofício ou
requerida por ambas as partes” (BRASIL, 2015). O mesmo dispositivo legal, em seu
parágrafo 3º, indica a forma de remuneração do perito nas hipóteses em que a parte que
requerer a produção de prova for beneficiária da justiça gratuita:
Art. 95 (...)
§ 3º Quando o pagamento da perícia for de responsabilidade de beneficiário
de gratuidade da justiça, ela poderá ser:
I - custeada com recursos alocados no orçamento do ente público e realizada
por servidor do Poder Judiciário ou por órgão público conveniado;
II - paga com recursos alocados no orçamento da União, do Estado ou do
Distrito Federal, no caso de ser realizada por particular, hipótese em que o
valor será fixado conforme tabela do tribunal respectivo ou, em caso de sua
omissão, do Conselho Nacional de Justiça. (BRASIL, 2015).

O perito deve ter nível universitário, inscrição no respectivo órgão de classe e


especialidade na matéria objeto da perícia. Em regra, é nomeado pelo magistrado dentre
aqueles que estejam “devidamente inscritos em cadastro mantido pelo tribunal ao qual o juiz
está vinculado” (art. 156, § 1º, CPC).
Todavia, há expressa autorização legal que possibilita que o perito seja escolhido pelas
partes, de comum acordo (art. 471, CPC).
Uma vez nomeado pelo juízo, o perito investe-se de função pública, devendo cumprir
seu ofício dentro do prazo legal, promovendo a avaliação, vistoria ou exame e, em seguida,
apresentando laudo pericial, detalhado, sobre o objeto da prova. Poderá, no entanto, esquivar-
se da atribuição alegando motivo legítimo, que deverá ser apresentado no prazo máximo de
cinco dias contados da intimação ou do impedimento superveniente.
Como auxiliar do juízo, ao perito aplicam-se os motivos de impedimento e suspeição e
responde civilmente pelos danos que causar.

4.5.4 Intérprete

O intérprete é aquele que traduz para outrem o conteúdo escrito em linguagem


estrangeira ou outro código de comunicação, que revela o pensamento de alguém que não
39

consegue se expressar por uma deficiência orgânica ou física ou porque não conhece o
idioma.
Veja-se:
Art. 162. O juiz nomeará intérprete ou tradutor quando necessário para:
I - traduzir documento redigido em língua estrangeira;
II - verter para o português as declarações das partes e das testemunhas que
não conhecerem o idioma nacional;
III - realizar a interpretação simultânea dos depoimentos das partes e
testemunhas com deficiência auditiva que se comuniquem por meio da
Língua Brasileira de Sinais, ou equivalente, quando assim for solicitado.
(BRASIL, 2015)

Não é funcionário público, sendo, tal qual o perito, nomeado para atuar em um
determinado procedimento e exerce suas funções mediante remuneração.

4.5.5 Conciliador e Mediador

Diante das tendências atuais de autocomposição, o CPC/2015 passou a incluir, em seu


texto, na condição de auxiliares da justiça, o conciliador e o mediador, que podem atuar tanto
nos centros judiciários de solução consensual de conflitos, em fase pré-processual, como nas
tentativas de conciliação/mediação realizadas no curso do procedimento judicial.
Nos termos do art. 165 do CPC, o conciliador atua, preferencialmente, nos casos em
que não houver vínculo anterior entre as partes, enquanto o mediador atua nos casos em que
há vínculo anterior.
Conforme esclarece o CNJ: “Permite-se a atuação do estudante de ensino superior
como conciliador, desde que ele esteja capacitado na forma da Resolução CNJ n. 125/2010,
cabendo ao Juiz Coordenador do Centro Judiciário de Solução de Conflitos e Cidadania
(CEJUSC) zelar para que os casos encaminhados a esses conciliadores sejam compatíveis
com suas experiências pessoais e profissionais” (CNJ).
Para o exercício da função, que pode ser remunerada ou não, exige-se a capacitação
mediante curso realizado por entidade credenciada e inscrição no cadastro nacional e no
cadastro de tribunal de justiça ou de tribunal regional federal.

4.5 Advocacia Pública

A Advocacia Pública é órgão que compõe a Administração Pública, com a função de


“defender e promover os interesses públicos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos
40

Municípios, por meio da representação judicial, em todos os âmbitos federativos, das pessoas
jurídicas de direito público que integram a administração direta e indireta”.
Ao advogado público de Estado compete a missão de promover o colóquio entre o
interesse público decorrente da vontade dos representantes eleitos do povo, com o interesse
público advindo dos limites e possibilidades do ordenamento jurídico.
No âmbito processual, gozam de prazos em dobro e deve ser intimada pessoalmente
para praticar atos processuais.

4.6 Defensoria Pública


A Defensoria Pública é uma instituição fundamental para a garantia do acesso ao
Judiciário e a proteção dos direitos das pessoas que não têm condições financeiras de arcar
com os custos de um advogado particular. Encontra expressa previsão no texto constitucional,
que assim dispõe:
Art. 134. A Defensoria Pública é instituição permanente, essencial à função
jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe, como expressão e instrumento do
regime democrático, fundamentalmente, a orientação jurídica, a promoção
dos direitos humanos e a defesa, em todos os graus, judicial e extrajudicial,
dos direitos individuais e coletivos, de forma integral e gratuita, aos
necessitados, na forma do inciso LXXIV do art. 5º desta Constituição
Federal. (BRASIL, 1988).

Também prevê o art. 185 do CPC, que a Defensoria exerce “a orientação jurídica, a
promoção dos direitos humanos e a defesa dos direitos individuais e coletivos dos
necessitados, em todos os graus, de forma integral e gratuita”.
Sobre a atuação da Defensoria:
A Defensoria Pública é uma instituição extremamente relevante para a
defesa dos economicamente necessitados, e fundamental para que a
implementação da garantia constitucional de assistência jurídica integral e
gratuita aos hipossuficientes econômicos. A ela incumbe, nos termos do art.
185, exercer a orientação jurídica, a promoção dos direitos humanos e a
defesa dos direitos (individuais e supraindividuais) dos necessitados, em
todos os graus de jurisdição, de forma integral e gratuita. (CÂMARA, 2022,
p. 139).

Assim como a Advocacia Pública, também goza de prazos processuais em dobro e


deve ser intimada pessoalmente para atuar no procedimento.

5 TRILOGIA ESTRUTURAL DO PROCESSO


41

Os institutos jurídicos da jurisdição, ação e do processo compõe a chamada “Trilogia


Estrutural do Direito Processual”, expressão consagrada pelo jurista argentino Ramiro Podetti.
Uma correta compreensão desses institutos é essencial para que tenha um bom
aproveitamento em todas as disciplinas relacionadas à Teoria Geral do Processo (como, por
exemplo, Processo Civil, Penal e Trabalhista). De fato, todos os institutos estudados pela
Ciência Processual estão de alguma maneira relacionados a pelo menos um dos três institutos
mencionados.

5.1 Teorias do Processo

5.1.1 Processo como contrato

A teoria do Processo como Contrato, desenvolvida por Pothier, em 1800, preconizava


que o processo seria um contrato entre os litigantes, que se firmava com o comparecimento
espontâneo das partes em juízo para a solução do conflito. Coloca a vontade individual como
a única fonte do direito e dever, nada mais cabendo ao Estado senão atender aos pactos
advindos dos particulares.
Essa doutrina tem mero significado histórico, pois parte do pressuposto, hoje falso, de
que as partes se submetem voluntariamente ao processo e aos seus resultados, através de um
verdadeiro negócio jurídico de direito privado. Na realidade, a sujeição das partes é o exato
contraposto do poder estatal, que o juiz impõe inevitavelmente às pessoas independentemente
da voluntária aceitação.

5.1.2 Processo como quase-contrato

Em 1950, Savigny e Guényvau desenvolvem a teoria do Processo como Quase


Contrato, segundo a qual a parte que ingressava em juízo consentia em aceitar a decisão que
fosse proferida pelo juiz, fosse favorável ou desfavorável a sua pretensão, ainda que o réu não
aderisse espontaneamente ao debate.
Antônio Carlos de Araújo Cintra, Ada Pellegrini, Candido R. Dinamarco, declaram
que Savigny e Guényvau partiu de um erro metodológico que “consiste na crença da
necessidade de enquadrar o processo, a todo custo, nas categorias do direito privado”
(CINTRA; GRINOVER, DINAMARCO, p.282, 1996)
42

Tal teoria mostra-se insuficiente para o estudo da natureza jurídica do processo, tendo
em vista a jurisdição já ser obrigatória naquela época, tornando assim desnecessário o prévio
consentimento da parte para que o juiz pudesse proferir a decisão que lhe fosse favorável ou
desfavorável.

5.1.3 Processo como Relação Jurídica

Em 1868, em razão da contribuição de Oskar Von Büllow aos estudos de Direito


Processo, mediante a publicação da obra “Teoria das Exceções e dos Pressupostos
Processuais”, este “passa a ser considerado ramo autônomo do Direito, passando a integrar,
como já afirmado, o Direito Público” (CÂMARA, 2013, p. 11).
Inicia-se, com a publicação do referido livro do jurista alemão, a fase
científica do Direito Processual, assim denominada por ter sido uma fase em
que predominaram os estudos voltados para a fixação dos conceitos
essenciais que compõem a ciência processual, tais como os de ação, processo
e coisa julgada (CÂMARA, 2013, p. 11).

Büllow entende o Processo como uma relação jurídica entre autor, juiz e réu. Coloca o
juiz no centro do universo processual.
A atividade mediante a qual se desempenha em concreto a função
jurisdicional chama-se PROCESSO. Essa função não se cumpre, em
verdade, a um só tempo e com um só ato, mas através de uma série
coordenada de atos que se sucedem no tempo e que tendem à formação de
um ato final. ( LIEBMAN, 1985, p. 33)

Os teóricos dessa escola influenciaram o surgimento da doutrina instrumentalista, que conecta


“o Processo à Jurisdição, em escopos metajurídicos, definindo processo como se fosse uma
corda a serviço da atividade jurisdicional”, que culminaria na “Justiça Redentora para todos
os homens, trazendo-lhes paz e felicidade”. Esta teoria é estudada no Brasil pela chamada
“Escola Instrumentalista do Processo”, liderada por Ada Pellegrini Grinover, Cândido Rangel
Dinamarco e Antonio Cintra, sob a influência do italiano Enrico Tulio Liebman.
Os autores instrumentalistas consideram o procedimento como mero aspecto formal do
processo, ou seja, meio extrínseco de desenvolvimento do processo, meio pelo qual a lei
estampa os atos e fórmulas da ordem legal do processo até reduzi-lo à manifestação exterior
do processo, não se confundindo conceitualmente com este; os autos, por sua vez, são a
materialidade dos documentos em que se corporificam os atos do procedimento. Já o processo
poderia ser encarado pelo aspecto dos atos que lhe dão corpo e das relações entre eles e
igualmente pelo aspecto das relações entre os seus sujeitos, ou seja, formado por um vínculo
43

entre sujeitos. Conceituavam o processo como relação jurídica entre autor, réu e juiz. Nessa
versão, o processo é meio, método ou finalidade abstrata (metafísica) de se obter provimento,
em nada se distinguindo do procedimento.
Informa Alexandre Freitas Câmara que, segundo essa doutrina, “o processo deixa de
ser visto como mero instrumento de atuação do direito material e passa a ser encarado
como um instrumento que serve o Estado a fim de alcançar seus escopos sociais, jurídicos e
políticos” (CÂMARA, 2013, p. 12).
Sobre tais escopos metajurídicos do Processo, lecionam Candido Rangel Dinamarco,
Ada Pelegrini Grinover e Antônio Cintra que a jurisdição teria finalidade pacificadora, tendo
o Estado três escopos em seu exercício: sociais, políticos e jurídico. (CINTRA;
DINAMARCO; GRINOVER. Teoria Geral do Processo. São Paulo: Malheiros, 2006, p. 30).
a) baseia-se na divisão do processo em duas fases (...), com a crença de que
na primeira delas apenas se comprovam os pressupostos processuais e na
segunda apenas se examina o mérito, o que nem para o direito romano é
verdadeiro; b) o juiz tem obrigações no processo, mas inexistem sanções
processuais ao seu descumprimento; c) as partes não tem obrigações no
processo, mas estão simplesmente num estado de sujeição à autoridade do
órgão jurisdicional. (CINTRA; GRINOVER, DINAMARCO)

Informa Alexandre Freitas Câmara que, segundo essa doutrina, “o processo deixa de
ser visto como mero instrumento de atuação do direito material e passa a ser encarado como
um instrumento que serve o Estado a fim de alcançar seus escopos sociais, jurídicos e
políticos” (CÂMARA, 2013, p. 12).
É a crítica a essa escola feita por Aroldo Plínio Gonçalves:
Ao se admitir o processo como relação jurídica, na acepção tradicional do
termo, ter-se-ia que admitir, consequentemente, que ele é um vínculo
constituído entre sujeitos em que um pode exigir do outro uma determinada
prestação, ou seja, uma conduta determinada. Seria o mesmo que se
conceber que há direito de um dos sujeitos processuais sobre a conduta do
outro, que perante o primeiro é obrigado, na condição de sujeito passivo, a
uma determinada prestação, ou que há direitos das partes sobre a conduta do
juiz, que, então, compareceria como sujeito passivo de prestações, ou, ainda,
que há direitos do juiz sobre a conduta das partes, que então, seriam sujeitos
passivos da prestação. (GONÇALVES, 1992, p. 97)

Conceituar o processo como relação jurídica entre autor, juiz e réu (escolas da relação
jurídica e instrumentalista do processo) é manter-se fiel à idéia de Bülow, que refletia a
sujeição das partes ao regime de direitos subjetivos, de conotação nitidamente voluntarista,
em que o autor no polo ativo exige do réu, no polo passivo, cumprimento de um direito de que
se diz titular.
44

5.1.4 Processo como situação jurídica

Goldschmidit desenvolve, em 1925, a teoria do Processo como Situação Jurídica. O


teórico não “admitia que o processo fosse uma relação jurídica, porque não concebia a
existência de relação (nexo) entre as partes e o juiz e nem entre as próprias partes” (ALVIM,
p;158, 2003). Portanto, sua teoria, vem intitular um processo como situação jurídica,
reconhecida e estabelecida por lei.
Na visão do processualista alemão, o processo representa uma situação jurídica de
sujeição a um futuro comando sentencial em que se materializam as expectativas dos
contendores em relação a um resultado, que pode ser favorável ou desfavorável. A norma
jurídica, enquanto estática, tem ínsito um provável direito subjetivo, e, quando esta mesma
norma é posta em atuação pelo processo, dito direito se converte em uma expectativa,
funcionando a norma como critério para o julgador.
Goldschimidt, não admite tal relação entre os sujeitos (juiz, autor, réu) porque para ele
“o juiz atua por dever funcional, de caráter administrativo, e as partes simplesmente estão
sujeitas à autoridade do órgão jurisdicional” (ALVIM, p.158, 2003). Portanto, as partes no
processo, atuam como sujeitas ao órgão da jurisdição, enquanto o juiz atua no processo por
dever de sua função. Vê-se que não se relacionam. Sob este ponto de vista, observa-se que
nem mesmo as partes se relacionam.
O importante, para Goldschimidt, são as situações jurídicas regradas por normas, que
manterá as partes e o juiz no processo. As normas possuem dupla natureza, sendo assim,
“representam imperativos (jurídicos) dirigidos aos particulares e são medidas (regras) para o
julgamento do juiz, ou seja, critérios de acordo com os quais o juiz julga a conduta dos
particulares” (ALVIM, p.158, 2003). Vê-se que em momento algum a teoria refere-se à
vinculação, e sim, trata a doutrina de regras e da imperatividade da norma jurídica sobre o juiz
e os particulares.
Além de negar uma relação jurídica entre os sujeitos principais do processo, outro
ponto destacável da teoria de Goldschimidt, refere-se aos direitos subjetivos que são
convertidos no processo em meras expectativas.

5.1.5 Processo como instituição


45

Para Jaime Guasp, que desenvolve, em 1940, a teoria do Processo como Instituição, o
Processo seria considerado uma instituição, ou seja, um meio de padronização voltado para as
necessidades de uma determinada sociedade. Parte da premissa sociológica de que o processo
representa uma escolha do grupo social. Não existe dúvida de que o processo seja realmente
uma instituição. Porém, o defeito desta teoria se encontra no fato de não estabelecer um
conceito de instituição, permanecendo um conceito aberto.
O defeito desta teoria, (...) está no impreciso conceito de instituição, pois
tudo pode ser reduzido ao esquema institucional, uma vez que tão elástico e
impreciso é o significado de instituição (...) razão não há para substituir-se a
noção de relação processual por aquela de instituição. (ALVIM, p.157,
2003).

Observa-se que Guasp aborda sua teoria através do conceito de instituição, que nada
mais é do que formas padronizadas de comportamentos. O comportamento correto (com
exceção em casos permitidos por lei) em face de um conflito de interesses se dará por meio do
processo, que como instituição deverá garantir a paz e estabilidade jurídica.
Porém, conclui-se que, está teoria não foi bem-sucedida devido à falta de precisão do
conceito de instituição que é abrangente.

5.1.6 Processo como Procedimento em Contraditório

A Teoria do Processo como Procedimento em Contraditório foi sistematizada por Elio


Fazzalari, na Itália, em1970. No Brasil, esta teoria foi estudada por Aroldo Plínio Gonçalves,
passando a ser denominada de Teoria Estruturalista, uma vez que, segundo tal teoria, o
processo desenvolve-se dentro da estrutura dialética do contraditório.
Elio Fazzalari, ao construir a teoria do processo como procedimento em contraditório,
já se preocupa com o discurso democrático instituído pelas Constituições de sociedades pós-
modernas. O processualista partiu do conceito de procedimento para definir a natureza
jurídica do processo, mas para isso teve de reelaborar aquele conceito. Procedimento, aqui, é a
atividade preparatória do provimento; uma atividade regulada por uma estrutura normativa,
composta por uma sequência de normas, de atos e de posições subjetivas, que se desenvolvem
em uma dinâmica bastante especifica.
Antes de Fazzalari, não havia distinção entre processo e procedimento. A distinção era
meramente teleológica, ou seja, o processo teria uma finalidade e o procedimento não, mas
tanto o processo quanto o procedimento eram compreendidos como mera sucessão de atos.
46

Elio Fazzalari concebeu o processo “como uma espécie do gênero procedimento, pela
participação na atividade de preparação do provimento, dos interessados, juntamente com o
autor do próprio provimento” (GONÇALVES,1992, p. 112).
O ilustre processualista explicitou que o processo não se define pela mera
sequencia, direção ou finalidade dos atos praticados pelas partes ou pelo juiz,
mas pela presença do atendimento do direito ao contraditório entre as partes,
em simétrica paridade, no procedimento que, longe de ser uma sequencia de
atos exteriorizadores do processo, equivalia a uma estrutura técnica
construída pelas partes, sob o comando do modelo normativo processual.
(LEAL, 2010, p. 83.)

Fazzalari, em verdadeira renovação do conceito de procedimento, assentou as bases da


teoria que concebe o processo como espécie de procedimento realizado em contraditório entre
as partes, afastando-se, assim, a ideia de distinção entre processo e procedimento. As
características do procedimento e do processo não devem ser investigadas em razão dos
elementos finalísticos, mas devem ser buscadas dentro do próprio sistema jurídico que os
disciplina.
Fazzalari, aliás, não resume o fenômeno processo apenas no campo do direito
processual, mas o elege como instituto de presença obrigatória no Estado Democrático de
Direito, nas funções jurisdicional, legislativa e administrativa do Estado, além de reconhecê-
lo, também, na ordem privada.

5.1.7 Teoria Constitucionalista do Processo

A Teoria Constitucionalista do Processo foi sistematizada pelo mexicano Hector Fix-


Zamudio e trazida ao Brasil por José Alfredo de Oliveira Baracho.
Nos termos da teoria constitucionalista do processo, entende-se a jurisdição como
direito fundamental, tornando inviável o entendimento de que o processo seja mero
instrumento de sua realização, devendo ser compreendido como forma de garantia não só
deste, mas de todos os direitos fundamentais positivados pelo texto constitucional.
Assim, o modelo constitucional do processo civil assenta-se no entendimento de que
as normas e os princípios constitucionais resguardam o exercício da função jurisdicional.
A adoção da teoria constitucionalista do processo complementa a teoria estruturalista
de Fazzalari, afirmando ser o processo um procedimento em contraditório, mas acrescendo ao
conceito de processo sua natureza de garantia ao exercício ao exercício dos direitos
fundamentais.
47

(....) a teoria estruturalista de Fazzalari carece de alguma complementação


pelos elementos que compõe a teoria constitucionalista, porque a inserção do
contraditório no rol das garantias constitucionais decorre da exigência lógica
e democrática da co-participação paritária das partes, no procedimento
formativo da decisão jurisdicional que postulam no processo, razão pela qual
conectada está à garantia também constitucional da fundamentação das
decisões jurisdicionais centrada na reserva legal, condição de efetividade e
legitimidade democrática da atividade jurisdicional constitucionalizada.
(BRÊTAS, 2010, p. 91).

Preocupa-se com a limitação do poder político estatal, através da principiologia do


devido processo constitucional, balizados da atividade processual (processo legislativo,
administrativo e jurisdicional).
O processo, em seus novos contornos teóricos na pós-modernidade, apresenta-se como
necessária instituição constitucionalizada que, pela principiologia do instituto constitucional
do devido processo legal, que compreende os princípios da reserva legal, da ampla defesa,
isonomia e contraditório, converte-se em direito-garantia impostergável e representativo de
conquistas históricas da humanidade na luta secular empreendida contra a tirania.
O povo, como destinatário das normas, passa a ter no processo uma estrutura adequada
para a realização de direitos fundamentais.

5.1.8 Teoria Neoinstitucionalista do Processo

Rosemiro Pereira Leal, a partir da análise da epistemologia quadripartite (técnica,


ciência, teoria e crítica) e também dos estudos realizados por Karl Popper, racionaliza o
espaço procedimental, dessacralizando os estudos dogmáticos do processo e também os
preceitos míticos de justiça e paz social, motivo pelo qual essa teoria não pode ser relacionada
com as teorias da justiça que tratam da ideia de valores morais pressupostos à sociedade.
Referida teoria retira o magistrado do ponto central do processo, o qual passa a ser
construído pelas partes interessadas, que participam da construção do direito, não só no
âmbito jurisdicional/instituído, mas também em seus âmbitos instituinte e constituinte, o que
significa que a democracia não se encontra somente na aplicação da lei, sendo necessária a
“criação, atuação e compreensão de uma legislação democrática”, trabalhando, assim, o
direito também em seu nível instituinte, o que geraria “uma solução previsível e juridicamente
correta para cada caso e atenta à correção (discussão jurídica) em estágios progressivos de
debates (do monocrático ao colegiado” pelo devido processo” (LEAL, 2010, p. 245).
48

Assim, o processualista deixa claro que o Direito Democrático deve ser legitimado
pela via do processo, que deve ser considerado um instrumento de institucionalização
constitucionalizada sociedade da vontade democrática dos cidadãos, superando as noções do
Estado Absolutista e Social, rechaçando, por consequência, a figura do julgador como um ser
magnânimo e iluminado.
Nesse sentido:
Não há Estado Democrático de Direito pela imediatividade de valores,
metas, categorias ou silogismos, encerrados nos sistemas jurídicos que lhe
possam dar suporte, mas pela observância de uma condição jurídico-espacial
procedimentalmente processualizada (âmbito estatal democrático) como
mediadora técnica de construção, garantia, recriação e aplicação do direito.
(LEAL, 2002, p. 122).

Assim, o Estado deve “se ater à principiologia constitucional da democracia”,


rompendo, ao mesmo tempo, com “a teoria do Estado Mínimo dos neoliberais” e com o
excesso de poderes do Estado Social, comprometendo-se, de modo amplo e irrestrito, “com a
liberdade política de participação para equacionar o número de demandas e as respostas
surgidas na problemática do povo” (LEAL, 2010, p. 34).
Assim, esclarece Rosemiro Pereira Leal:
O espaço-político (isegoria) de criação do direito só será continente
democrático se já assegurados os conteúdos processuais dialógicos da
isonomia – que são a isotopia, isomenia e isocrítica – em que haja, portanto,
em sua base decisória, igualdade de todos perante a lei (isotopia), igualdade
de todos de interpretar a lei (isomenia) e igualdade de todos de fazer, alterar
ou substituir a lei (isocrítica). (LEAL, 2010, p. 61).

Segundo Rosemiro Pereira Leal, o Processo deve ser norteado por uma visão pós-
moderna. Nesta pós-modernidade, o conceito de Processo, como instituição não se infere mais
pelas lições dos primeiros quartéis do século XX, mas pelo grau de autonomia jurídica
constitucionalizada, a exemplo do que se desponta no discurso da nossa Carta Constitucional,
como conquista histórica da cidadania juridicamente fundamentalizada em princípios e
institutos universais.
O que distingue a teoria Neoinstitucionalista do Processo da teoria Constitucionalista
do Processo é, principalmente, a proposta de uma teoria da constituição egressa de uma
consciência participativa em que o povo total da sociedade política é, por autoproclamação
constitucional, a causalidade deliberativa ou justificativa das regras de criação, alteração e
aplicação de direitos.
49

6 PRINCÍPIOS DO DIREITO PROCESSUAL

Princípios jurídicos são proposições fundamentais que informa a compreensão do


fenômeno jurídico. São diretrizes centrais que se inferem de um sistema jurídico e que, após
inferidas, a ele se reportam, informando-o. Assim, exercem tríplice função: Informativa (para
o legislador, inspira a atividade legislativa, em sintonia com princípios políticos, econômicos
e sociais); Interpretativa (para compreensão do sentido e dos significados) e Normativa
(integra o sistema normativo).

6.1 Devido Processo Legal

art. 5º, LIV, da Constituição da República: “ninguém será privado da


liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal”.

A inclusão no texto constitucional, em 1988, de diversas garantias processuais, que


pretendem a efetividade dos direitos fundamentais, aproxima o processo da Constituição,
tornando, ainda, o texto constitucional indispensável para o devido processo. Dentre essas
garantias que direcionam a atividade jurisdicional, inicia-se o estudo do procedimento no
Estado Democrático de Direito pelo devido processo legal, princípio considerado a “viga-
mestra do processo constitucional” (BRÊTAS, 2015, p. 118).
Exerce a função de um superprincípio, coordenando e delimitando todos os demais
princípios que informam tanto o processo como o procedimento. Todos os demais
princípios são corolários deste princípio.

(...) o devido processo legal, principal alicerce do processo constitucional ou


do modelo constitucional de processo, considerado este a principiologia
metodológica constitucional de garantias dos direitos fundamentais, deve ser
entendido como um bloco aglutinante e compacto de vários direitos e
garantias fundamentais inafastáveis, ostentados pelas pessoas do povo
(partes), quando deduzem pretensão à tutela jurídica nos processos, perante
os órgãos jurisdicionais: a)- direito de amplo acesso à jurisdição, prestada
dentro de um tempo útil ou lapso temporal razoável; b)- garantia do juízo
natural; c)- garantia do contraditório; d)- garantia da ampla defesa, com
todos os meios e recursos a ela (defesa) inerentes, aí, incluído o direito à
presença de advogado ou de defensor público; e)- garantia de fundamentação
racional das decisões jurisdicionais, com base no ordenamento jurídico
50

vigente (reserva legal); f)- garantia de um processo sem dilações indevidas.


(BRÊTAS,2015, p.35).

Desse modo, entende-se que o devido processo legal é a garantia imprescindível para
que o processo e o procedimento sejam compreendidos a partir de uma perspectiva
democrática, abarcando diversos outros princípios que “são co-dependentes e indissociáveis,
visto que a restrição ou a supressão de um deles significa o desrespeito aos demais”
(FIORATTO; BRÊTAS, 2010, p. 133). A observância ao devido processo legal desvincula a
atividade jurisdicional de elementos subjetivos e da discricionariedade do agente público
julgador, proporcionando a qualquer pessoa do povo, “ao postular a função jurisdicional, a
mesma segurança de obter decisão conforme o ordenamento jurídico vigente” (BRÊTAS,
2015, p. 124).
Então, o devido processo legal pode ser compreendido como a garantia destinada a
afastar a discricionariedade da atividade jurisdicional e permitir a participação igualitária das
partes na formação dos provimentos judiciais, ressalvando que sua observância não se limita
ao âmbito jurisdicional, abrangendo também os processos legislativos e administrativos e as
relações entre particulares. Desse modo, é possível perceber que o devido processo legal é a
garantia constitucional que deve direcionar o processo democrático, sendo seu principal
alicerce, por viabilizar a democratização da atividade jurisdicional pela ampla participação
das partes interessadas na construção do provimento.
Conforme amplamente abordado na literatura jurídica nacional, existem duas
dimensões em que o devido processo legal se manifesta. Uma dimensão formal, na medida
em que o processo deve seguir os ditames da lei, e uma dimensão material, substancial, na
medida em que o processo deve ser justo e efetivo, sendo que apenas a observância da
legislação não é suficiente. A dimensão formal do devido processo legal diz respeito aos
procedimentos e garantias processuais que devem ser seguidos pelo Estado ao tomar decisões
que afetam os direitos dos indivíduos. Já a perspectiva substancial refere-se ao conteúdo das
decisões proferidas.

6.2 Isonomia

A isonomia garante às partes igualdade de tratamento, para que a construção da


decisão seja feita de modo participado. É a igualdade de aplicação das normas processuais
para as partes e consiste na garantia constitucional de que as partes serão tratadas no
51

procedimento de forma igualitária, sem que se limite indevidamente a participação de


nenhuma delas e também sem que nenhuma parte tenha qualquer privilégio em detrimento da
outra.
A isonomia possui estreita correlação com o princípio do contraditório, tendo em vista
que “não há contraditório desenvolvido sem observância da simétrica paridade” (FONSECA,
2000, p. 19), ou seja, a igualdade de tratamento processual das partes é essencial para garantir
o efetivo contraditório.
Para Fix-Zamudio:
Este princípio fundamental de qualquer regime democrático e que, em
termos gerais, implica igualdade de oportunidades, transcendeu a esfera
processual em várias direções, e uma das mais importantes é o chamado
caráter dialético do processo ou "contraditório", o qual significa que
qualquer procedimento jurisdicional requer a intervenção equilibrada das
partes essenciais que apresentem interesses contrapostos, e condensa a frase
audiatur et altera pars.(FIX-ZAMUDIO, 1974, p. 63/64)1

Segundo Rosemiro Pereira Leal, no Estado Democrático de Direito, a isonomia


processual não se limita a um reconhecimento do direito à diferença, devendo ser
compreendida como um direito das partes à igualdade argumentativo-procedimental na defesa
e reconhecimento de seus direitos, o que a torna essencial para a construção e aplicação
normativa. Esclarece o referido autor:

A isonomia, como princípio legal, autodiscursivo e legitimante de validade


da instituição do devido processo constitucional, já impõe a igualdade
procedimental a ensejar a execução de igualdades fundamentais de direitos
dos desiguais e diferentes já decididos, como líquidos, certos e exigíveis, no
plano da normatividade constituinte e, por conseguinte, protegidos pela
invulnerabilidade do instituto da coisa julgada constitucional que, na
democracia, é estabilizadora dos direitos fundantes da constitucionalidade
democrática desde as etapas instituinte e constituinte de sua criação
normativa até sua efetiva execução jurisdicional. (LEAL, 2005, p. 84).

Assim, a igualdade das partes não se limita somente à sua participação no processo
jurisdicional, mas também na criação da norma jurídica e sua interpretação.

6.3 Contraditório

1
No original: “Este princípio fundamental de todo regímen democrático y que en términos generales implica la
igualdad de oportunidades há transcendido el ambito procesal em varias direcciones, y uma de las mas
importantes es el llamado caracter dialético del proceso o “contraditório”, el cual significa que todo
procedimiento jurisdicional requiere de la intervención equilibrada de las partes esenciales que poseen intereses
contrapostos, y se condensa el la frase: audiatur et altera pars”. FIX-ZAMUDIO, Hector. Constituición y Proceso
Civil em Latinoamérica. México: Instituto de Investigaciones Juridicas, 1974, p. 63/64.
52

Os textos constitucionais de 1937, 1946 e 1967 somente abordavam o contraditório em


relação à instrução criminal, não lhe atribuindo grande importância, o que, obviamente se
justifica pelo fato de tais textos terem sido promulgados em períodos ditatoriais, nos quais se
buscava, expressamente, evitar a participação popular nos atos do Estado.
Somente com a promulgação da Constituição de 1988, e com a instauração do Estado
Democrático de Direito, o princípio do contraditório alçou a condição de garantia
fundamental, conforme previsto no art. 5º, LV:

Art. 5º- Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza,
garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a
inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à
propriedade, nos termos seguintes:

(...)

LV – aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados


em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e
recursos a ela inerentes;

O contraditório consiste na garantia de participação das partes no processo e também


faz parte das garantias abrangidas pelo devido processo legal e consiste no principal elemento
estruturador do procedimento democrático, uma vez que garante que o provimento
jurisdicional seja resultado da participação dos interessados.
É o que prevê o art. 9º do CPC/2015: Não se proferirá decisão contra uma das
partes sem que ela seja previamente ouvida.
Consiste na dialogicidade necessária entre as partes, não se limita ao “dizer” e
“contradizer”, mas sim na direito das partes de participarem, em simétrica paridade, da
construção do provimento jurisdicional. Todas as partes devem ser postas em posição de
expor ao juiz as suas razões, antes que ele profira sua decisão.
Para que seja devidamente observada a garantia do contraditório, exige-se que “na fase
que precede o provimento, o ato final de caráter imperativo, seja garantida a participação
daqueles que são os destinatários de seus efeitos”, em “simétrica igualdade de oportunidades”
(GONÇALVES, 2012, p. 113). Desse modo, assegura-se que as partes exerçam algum
controle sobre o resultado da atividade jurisdicional, o que democratiza tal atividade.
Também há previsão deste princípio no art. 10 do CPC: O juiz não pode decidir, em
grau algum de jurisdição, com base em fundamento a respeito do qual não se tenha dado
às partes oportunidade de se manifestar, ainda que se trate de matéria sobre a qual deva
decidir de ofício.
53

Conforme lição de Fazzalari, que inseriu o contraditório como elemento conceitual do


processo, este deve desenvolver-se observando uma “estrutura dialética do procedimento”, ou
seja, deve ocorrer em contraditório, o qual é definido pelo autor da seguinte forma:
Tal estrutura consiste na participação dos destinatários dos efeitos do ato
final em sua fase preparatória; na simétrica paridade de suas posições; na
mútua implicação das suas atividades (destinadas, respectivamente, a
promover e impedir a emanação do provimento); na relevância das mesmas
para o autor do provimento, de modo que cada contraditor possa exercitar
em conjunto – conspícuo ou modesto, não importa – de escolhas, de reações,
de controles ou deva sofrer os controles e as reações dos outros, e que o
autor do ato deva prestar contas dos resultados. (FAZZALARI, 2006, p.
119/120).

Em uma concepção democrática do contraditório, este deve ser compreendido como o


direito de participação das partes, direito de influência na construção da decisão judicial e
direito de não surpresa. As partes não são apenas ouvidas, mas têm o direito de influenciar
ativamente a construção da decisão judicial, sendo a decisão uma construção participada, o
que contribui para decisões fundamentadas, à medida que todas as perspectivas debatidas
pelas partes são consideradas. Outro aspecto crucial do contraditório democrático é o direito
de não surpresa. Isso implica que as partes não devem ser confrontadas com argumentos ou
evidências completamente inesperados durante o curso do processo.
O exercício do contraditório é essencial para a democratização do procedimento, uma
vez que permite a participação de forma igualitária das partes interessadas, e, ainda, que haja
um controle da atividade jurisdicional, evitando que esta seja exercida de forma arbitrária e
discricionária pelos julgadores.

6.4 Ampla defesa

A ampla defesa é uma garantia constitucional prevista no artigo 5º, LV, da


Constituição de 1988, contida no bloco aglutinante de garantias que é o devido processo legal,
que garante às partes interessadas o irrestrito exercício de todos os meios de defesa
legalmente previstos, sendo arbitrária qualquer limitação desmotivada ao exercício desta
garantia. É diretamente conectado ao princípio do contraditório e isonomia, porque a
amplitude da defesa se faz nos limites temporais do procedimento em contraditório.
Sobre esse princípio:
O princípio da ampla defesa advém do princípio do contraditório. Assim,
ampla defesa significa a possibilidade de argumentação, de participação, de
produção de provas e de manifestar recurso pelas partes, dentro da previsão e
do prazo legal, em qualquer processo. (BRÊTAS, SOARES, 2013, p. 27).
54

Segundo Hector Fix-Zamudio, o direito de defesa consiste em um desdobramento do


direito constitucional de ação, compreendido como direito de iniciar um procedimento e dar-
lhe continuidade até o provimento final, e, em razão de sua bilateralidade, tal direito abrange
também, de forma complementar, o direito de defesa, garantindo aos jurisdicionados a
oportunidade de participar de forma razoável e equilibrada para exigir do julgador a
realização dos atos necessários para a afirmação e demonstração de suas respectivas
pretensões. Acrescente-se, ainda, que esse direito de defesa compreende tanto a participação
como a igualdade e o equilíbrio das partes no processo (FIZ-ZAMUDIO, 1974, p. 61).
Conforme expressa previsão constitucional, o direito de defesa abrange o direito das
partes de produzir provas e interpor recursos, a fim de que possam atuar, judicialmente, na
defesa dos direitos que alegam possuir.
A amplitude da defesa não supõe infinidade de produção de defesa a qualquer tempo,
porém, que esta se produza pelos meios e elementos totais de alegações e provas no tempo
processual oportunizado na lei. Há de ser ampla, porque não pode ser estreitada pela
sumarização do tempo a tal ponto de excluir a liberdade de reflexão cômoda dos aspectos
fundamentais de sua produção eficiente.

6.5 Duplo Grau de Jurisdição

Esse princípio indica a possibilidade de revisão, por via de recurso, das causas já
julgadas pelo juiz de primeiro grau, que corresponde à denominada jurisdição inferior.
Garante, assim, um novo julgamento, por parte dos órgãos da instância superior.
O princípio do duplo grau de jurisdição funda-se na possibilidade de a decisão de
primeiro grau ser injusta ou errada, daí decorrendo a necessidade de permitir sua reforma em
grau de recurso. (não possui previsão legal/constitucional expressa).
O princípio do duplo grau, que se encontra implícito no ordenamento jurídico
brasileiro, consiste no direito concedido à parte de exigir a revisão do julgamento que lhe fora
contrário por uma instância jurisdicional superior. O princípio visa ao controle da atividade do
juiz, por conseguinte, a segurança jurídica, a fim de evitar que decisões contrárias à lei ou à
prova dos autos sejam impostas à parte sem que seja conferido ao jurisdicionado a
possibilidade de sua revisão.
O duplo grau de jurisdição existe por dois motivos de ordem prática: 1) Possibilidade
de erro do magistrado prolator da decisão; 2) Possibilidade de inconformismo da parte
55

recorrente – ou seja, mesmo que os juízes profiram uma sentença irretocável processualmente,
a parte pode ter outra visão material da decisão.

6.6 Fundamentação das Decisões

O princípio da fundamentação das decisões encontra-se previsto no art. 93, IX, da


Constituição da República, que garante que “todos os julgamentos dos órgãos do Poder
Judiciário serão públicos, e fundamentadas todas as decisões”, sob pena de nulidade. A
importância do princípio da fundamentação das decisões jurisdicionais é demonstrada ao se
constatar sua recepção em enunciados normativos expressos nos ordenamentos jurídicos
modernos, quer no plano constitucional, quer no plano infraconstitucional, impondo aos
órgãos jurisdicionais do Estado o dever jurídico de fundamentarem seus pronunciamentos
decisórios, visando afastar o arbítrio judicial, caracterizado por anômalas ou patológicas
intromissões de ideologias do julgador na motivação das decisões, de forma incompatível com
os princípios que estruturam o Estado Democrático de Direito.
Significa dizer que a decisão judicial deve ser devidamente fundamentada, expondo de
forma clara os motivos do convencimento do julgador, permitindo que as partes a combatam
por meio dos recursos apropriados.
O dever de fundamentar as decisões obriga que o magistrado decida observando a
participação simétrica das partes, a partir dos seus argumentos e das provas produzidas nos
autos, permitindo uma construção participada do provimento jurisdicional e evitando que a
decisão judicial se torne um ato solitário do magistrado. Isso significa que não basta que o
magistrado exponha os motivos de sua decisão, sendo necessário que tal motivação aprecie as
teses e questões suscitadas pelas partes em contraditório.
Assim, determina o art. 489, § 1º, do CPC:
Art. 489. (...)
§ 1º Não se considera fundamentada qualquer decisão judicial, seja ela
interlocutória, sentença ou acórdão, que:
I - se limitar à indicação, à reprodução ou à paráfrase de ato normativo, sem
explicar sua relação com a causa ou a questão decidida;
II - empregar conceitos jurídicos indeterminados, sem explicar o motivo
concreto de sua incidência no caso;
III - invocar motivos que se prestariam a justificar qualquer outra decisão;
IV - não enfrentar todos os argumentos deduzidos no processo capazes de,
em tese, infirmar a conclusão adotada pelo julgador;
V - se limitar a invocar precedente ou enunciado de súmula, sem identificar
seus fundamentos determinantes nem demonstrar que o caso sob julgamento
se ajusta àqueles fundamentos;
56

VI - deixar de seguir enunciado de súmula, jurisprudência ou precedente


invocado pela parte, sem demonstrar a existência de distinção no caso em
julgamento ou a superação do entendimento.

Tal princípio, assim como os anteriores abordados, é também decorrente do devido


processo legal, e tem por objetivo evitar que a decisão judicial seja discricionária e arbitrária,
limitando “a independência do juiz no exercício de sua função, necessário para que seu poder
não se torne opaco e silencioso” (RAMIRES, 2010, p.40), motivo pelo qual o provimento
jurisdicional deve “ser o produto da argumentação das partes e não da interpretação única e
subjetiva do juiz” (FIORATTO; BRÊTAS, 2010, p.129).

6.7 Princípio da Publicidade

O Princípio da Publicidade determina que todos os atos processuais devem ser de


conhecimento público. A presença do público nas audiências e a possibilidade do exame dos
autos por qualquer pessoa representam o mais seguro instrumento de fiscalização popular
sobre a obra dos magistrados, promotores públicos e advogados.
Assim é a previsão do art. 11 do CPC:
Art. 11. Todos os julgamentos dos órgãos do Poder Judiciário serão
públicos, e fundamentadas todas as decisões, sob pena de nulidade.

Parágrafo único. Nos casos de segredo de justiça, pode ser autorizada a


presença somente das partes, de seus advogados, de defensores públicos ou
do Ministério Público.

Conforme consta do supracitado parágrafo único do art. 11, existe exceção ao


princípio da publicidade, que são as hipóteses de segredo de justiça, as quais se encontram
elencadas no art. 189 do CPC:
Art. 189. Os atos processuais são públicos, todavia tramitam em
segredo de justiça os processos:
I - em que o exija o interesse público ou social;
II - que versem sobre casamento, separação de corpos, divórcio,
separação, união estável, filiação, alimentos e guarda de crianças e
adolescentes;
III - em que constem dados protegidos pelo direito constitucional à
intimidade;
IV - que versem sobre arbitragem, inclusive sobre cumprimento de
carta arbitral, desde que a confidencialidade estipulada na arbitragem
seja comprovada perante o juízo.
57

Nesses casos, há a publicação das decisões judiciais, porém sem indicação de


elementos capazes de identificar as partes. Porém, as audiências e demais atos processuais não
são públicos, assim como não é possível que pessoas estranhas ao procedimento consultem os
autos.

6.8 Princípio da Disponibilidade ou do Dispositivo

Chama-se poder dispositivo a liberdade que as pessoas têm de exercer ou não seus
direitos. Em direito processual tal poder é configurado pela possibilidade de apresentar ou não
sua pretensão em juízo, bem como de apresentá-la da maneira que melhor lhes aprouver e
renunciar a ela ou a certas situações processuais. Trata-se do princípio da disponibilidade
processual.
O Judiciário é inerte (inércia da Jurisdição), não podendo instaurar uma demanda, por
iniciativa própria, isso porque “o direito de ação, sendo o direito de provocar a jurisdição por
meio do processo, é disponível, cabendo somente ao interessado decidir se o exercerá no caso
concreto” (NEVES, 2011, p. 14).
Encontra-se previsto no art. 2º do CPC, que dispõe que “o processo começa por
iniciativa da parte e se desenvolve por impulso oficial”, o que significa que, após iniciada a
demanda, cabe ao juiz zelar por seu prosseguimento, garantindo seu desenvolvimento,
independentemente de vontade ou provocação das partes.

6.9 Princípio da Imparcialidade do Juiz

Para que o processo tenha legitimidade democrática, é preciso que o juiz atue de
forma imparcial, ou seja, não exibir-se de forma tendenciosa para qualquer das partes.
No âmbito do Direito Processual, a figura do juiz desempenha um papel relevante na
administração da justiça. Um dos princípios basilares que regem o exercício da magistratura e
a condução de processos judiciais é o princípio da imparcialidade do juiz. Este princípio é
essencial para garantir a equidade e a confiança das partes no sistema judicial. Por isso, o juiz
deve estar livre de qualquer preconceito, favoritismo ou influência externa que possa
comprometer sua objetividade na análise dos fatos e na aplicação da lei.
Para garantir a efetiva aplicação desse princípio, o ordenamento jurídico prevê
mecanismos que abordam situações em que a imparcialidade do juiz pode estar
comprometida. Dois desses mecanismos são o impedimento e a suspeição, que servem para
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evitar que juízes envolvidos em situações específicas atuem em processos nos quais sua
imparcialidade possa ser questionada.
Art. 144. Há impedimento do juiz, sendo-lhe vedado exercer suas funções no
processo:
I - em que interveio como mandatário da parte, oficiou como perito,
funcionou como membro do Ministério Público ou prestou depoimento
como testemunha;
II - de que conheceu em outro grau de jurisdição, tendo proferido decisão;
III - quando nele estiver postulando, como defensor público, advogado ou
membro do Ministério Público, seu cônjuge ou companheiro, ou qualquer
parente, consanguíneo ou afim, em linha reta ou colateral, até o terceiro
grau, inclusive;
IV - quando for parte no processo ele próprio, seu cônjuge ou companheiro,
ou parente, consanguíneo ou afim, em linha reta ou colateral, até o terceiro
grau, inclusive;
V - quando for sócio ou membro de direção ou de administração de pessoa
jurídica parte no processo;
VI - quando for herdeiro presuntivo, donatário ou empregador de qualquer
das partes;
VII - em que figure como parte instituição de ensino com a qual tenha
relação de emprego ou decorrente de contrato de prestação de serviços;
VIII - em que figure como parte cliente do escritório de advocacia de seu
cônjuge, companheiro ou parente, consanguíneo ou afim, em linha reta ou
colateral, até o terceiro grau, inclusive, mesmo que patrocinado por
advogado de outro escritório; (Vide ADI 5953)
IX - quando promover ação contra a parte ou seu advogado.
(...)

Art. 145. Há suspeição do juiz:


I - amigo íntimo ou inimigo de qualquer das partes ou de seus advogados;
II - que receber presentes de pessoas que tiverem interesse na causa antes ou
depois de iniciado o processo, que aconselhar alguma das partes acerca do
objeto da causa ou que subministrar meios para atender às despesas do
litígio;
III - quando qualquer das partes for sua credora ou devedora, de seu cônjuge
ou companheiro ou de parentes destes, em linha reta até o terceiro grau,
inclusive;
IV - interessado no julgamento do processo em favor de qualquer das partes.

As hipóteses de impedimento apresentam caráter mais objetivo, sendo facilmente


verificáveis. Por outro lado, as hipóteses de suspeição detêm caráter subjetivo, revelando
eventuais interesses do magistrado no julgamento do caso. Em ambas as hipóteses, pode o
próprio magistrado declarar a suspeição ou impedimento, como também pode haver alegação
das partes.

6.10 Princípio da Lealdade Processual


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A obrigatória observância da boa-fé encontra expressa previsão no art. 5º do CPC, que


dispõe que “aquele que de qualquer forma participa do processo deve comportar-se de acordo
com a boa-fé”. Assim, aos litigantes é necessária a observância dos deveres de lealdade e
probidade processuais, conforme previsto no art. 77 do novo Código de Processo Civil.
Veja-se:
Art. 77. Além de outros previstos neste Código, são deveres das partes, de
seus procuradores e de todos aqueles que de qualquer forma participem do
processo:
I - expor os fatos em juízo conforme a verdade;
II - não formular pretensão ou de apresentar defesa quando cientes de que
são destituídas de fundamento;
III - não produzir provas e não praticar atos inúteis ou desnecessários à
declaração ou à defesa do direito;
IV - cumprir com exatidão as decisões jurisdicionais, de natureza provisória
ou final, e não criar embaraços à sua efetivação;
V - declinar, no primeiro momento que lhes couber falar nos autos, o
endereço residencial ou profissional onde receberão intimações, atualizando
essa informação sempre que ocorrer qualquer modificação temporária ou
definitiva;
VI - não praticar inovação ilegal no estado de fato de bem ou direito
litigioso.

Destaque-se que a violação da boa-fé e da lealdade processual, no caso dos incisos IV


e VI configura ato atentatório à dignidade da justiça e pode ocasionar sanção processual à
parte (não ao advogado), consubstanciada em multa de até 20% do valor da causa ou, caso o
valor atribuído à causa seja irrisório, em multa de até 10 salários mínimos, revertida em favor
do Estado ou União.
Além disso, o Código traz em seu art. 80 as hipóteses de litigância de má-fé:
Art. 80. Considera-se litigante de má-fé aquele que:
I - deduzir pretensão ou defesa contra texto expresso de lei ou fato
incontroverso;
II - alterar a verdade dos fatos;
III - usar do processo para conseguir objetivo ilegal;
IV - opuser resistência injustificada ao andamento do processo;
V - proceder de modo temerário em qualquer incidente ou ato do processo;
VI - provocar incidente manifestamente infundado;
VII - interpuser recurso com intuito manifestamente protelatório.

Nessas hipóteses, em razão da responsabilidade das partes por dano processual, a parte
que litiga de má-fé poderá ser condenada ao pagamento de multa de 1 a 10% do valor da
causa, devendo ainda indenizar a parte contrária por todos os prejuízos que tiver sofrido,
incluindo honorários advocatícios e despesas processuais.
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6.11 Princípio da Razoável Duração do Processo

O Princípio da Razoável Duração do Processo encontra-se previsto o art. 5º, LXXVIII,


que foi incluído no texto constituição pela Emenda nº 45/2004. Tem-se que o processo deve
ocorrer sem dilações indevidas, o processo não pode ter atrasos em seu regular andamento,
por culpa do juiz ou por culpa das partes. A resolução do conflito deve ser em prazo razoável,
o que significa eliminar as etapas mortas do procedimento.
Garantir uma duração razoável do processo é essencial para manter a eficiência do
sistema judicial. Processos excessivamente longos podem sobrecarregar o sistema e prejudicar
a credibilidade do Judiciário, além de obstar a efetivação dos direitos das partes.
Obviamente, não é possível precisar um tempo específico que seria o adequado para a
tramitação do procedimento, uma vez que depende da complexidade da causa e dos atos
processuais praticados. Assim, o que se busca é que o procedimento não transcorra por mais
tempo que o necessário.

6.12 Cooperação

Dispõe o art. 6º do CPC que “todos os sujeitos do processo devem cooperar entre si
para que se obtenha, em tempo razoável, decisão de mérito justa e efetiva.”
Não se imagina que haverá uma verdadeira confraternização entre as partes, mas sim
que os sujeitos processuais ajam com retidão em todas as etapas do procedimento, de modo a
possibilitar uma comunicação e colaboração capazes de conduzir o procedimento, sem
interferências.

6.13 Primazia do Mérito

O princípio da primazia do mérito representa uma ruptura com um excessivo


formalismo que permeava do CPC/73. Embora não se possa desconectar totalmente o
processo de algum formalismo, é certo que o excesso de rigidez não se justifica caso impeça
que o mérito processual seja analisado.
Diante disso, o CPC apresenta como característica uma tendência à flexibilização
procedimental e à busca pela correção de eventuais vícios no curso do procedimento, a fim de
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permitir que se alcance, ao final, a análise do mérito, ou seja, do pedido formulado na peça
inicial.
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7 PRESSUPOSTOS PROCESSUAIS

Os pressupostos processuais são os requisitos para a admissibilidade, as condições


prévias para a formação definitiva de toda relação processual, a condição de existência da
relação processual, os requisitos para a válida formação definitiva da relação processual e
também para o seu desenvolvimento.
O reconhecimento judicial da inexistência de um pressuposto processual pode ocorrer
a qualquer tempo e grau de jurisdição, não se sujeitando a preclusão temporal ou consumativa
(esgotamento da oportunidade de debater uma questão seja por decurso de lapso temporal ou
por ato contrário à pretensão).

7.1 Pressupostos de Existência ou de Constituição

Para que um processo exista, exigem-se algumas condições mínimas: uma correta
propositura da ação, feita perante uma autoridade jurisdicional, por uma entidade capaz de ser
parte em juízo. A ausência de tais pressupostos ocasiona a inexistência do processo e, por
consequência, a invalidade de todos os atos que forem praticados.
a) Órgão investido de jurisdição: Para que o processo exista é preciso que haja um
órgão investido de jurisdição, ou seja, um órgão com poder de julgamento, sem o qual não se
poderá falar em processo.
b) Demanda: Para que nasça o processo, é preciso que haja um ato que instaure o
processo perante o órgão jurisdicional (petição inicial), que haja um requerimento inicial da
parte pleiteando a prestação da atividade jurisdicional, tendo em vista que o juiz jamais
poderá começar o processo sem qualquer provocação.
c) Capacidade de ser parte: É a aptidão de ser parte em um processo, personalidade
processual, confunde-se com a capacidade civil. Assim, dispõe o art. 70 do CPC: “Toda
pessoa que se encontre no exercício de seus direitos tem capacidade para estar em juízo.”
Os absolutamente incapazes, ou seja, os menores de 16 anos, devem ser representados
por seus pais ou representantes legais e os relativamente incapazes devem assistidos por seus
pais ou representantes legais (art. 71, CPC).
Outras hipóteses de representação processual encontram-se previstas no art. 75 do
CPC:
Art. 75. Serão representados em juízo, ativa e passivamente:
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I - a União, pela Advocacia-Geral da União, diretamente ou mediante órgão


vinculado;
II - o Estado e o Distrito Federal, por seus procuradores;
III - o Município, por seu prefeito ou procurador;
IV - a autarquia e a fundação de direito público, por quem a lei do ente
federado designar;
V - a massa falida, pelo administrador judicial;
VI - a herança jacente ou vacante, por seu curador;
VII - o espólio, pelo inventariante;
VIII - a pessoa jurídica, por quem os respectivos atos constitutivos
designarem ou, não havendo essa designação, por seus diretores;
IX - a sociedade e a associação irregulares e outros entes organizados sem
personalidade jurídica, pela pessoa a quem couber a administração de seus
bens;
X - a pessoa jurídica estrangeira, pelo gerente, representante ou
administrador de sua filial, agência ou sucursal aberta ou instalada no Brasil;
XI - o condomínio, pelo administrador ou síndico.

Em se tratando de pessoas casadas, salvo quando casadas sob o regime da separação


absoluta de bens, caso estejam no polo ativo, dependem consentimento do cônjuge, em ações
que versem direitos reais imobiliários e ações possessórias em que haja composse ou discuta
atos praticados por ambos os cônjuges.
Se a parte casada estiver no polo passivo, será caso de comparecimento do cônjuge em
litisconsórcio passivo necessário, nas seguintes hipóteses:
Art. 73 (...)
§ 1º Ambos os cônjuges serão necessariamente citados para a ação:
I - que verse sobre direito real imobiliário, salvo quando casados sob o
regime de separação absoluta de bens;
II - resultante de fato que diga respeito a ambos os cônjuges ou de ato
praticado por eles;
III - fundada em dívida contraída por um dos cônjuges a bem da família;
IV - que tenha por objeto o reconhecimento, a constituição ou a extinção de
ônus sobre imóvel de um ou de ambos os cônjuges.

As partes incapazes sem representante legal, o réu preso ou revel serão representadas
por curador especial, nomeado pelo juiz, nos termos do art. 9º do CPC.
Art. 72. O juiz nomeará curador especial ao:
I - incapaz, se não tiver representante legal ou se os interesses deste
colidirem com os daquele, enquanto durar a incapacidade;
II - réu preso revel, bem como ao réu revel citado por edital ou com hora
certa, enquanto não for constituído advogado.
Parágrafo único. A curatela especial será exercida pela Defensoria Pública,
nos termos da lei.

Capacidade postulatória: é privativa do advogado devidamente inscrito junto a


OAB, não podendo a própria parte elaborar e subscrever a petição inicial, exigindo-se que
esta manifestação processual origine-se de profissional devidamente habilitado. Segundo o
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art. 133 da Constituição de 1988, o advogado exerce função essencial à administração da


Justiça. Exceções: Juizados Especiais nas causas inferiores a 20 salários mínimos, Justiça do
Trabalho e Habeas Corpus.
7.2 Pressupostos de Validade

Dividem-se em intrínsecos e extrínsecos.


Os pressupostos intrínsecos são o respeito às regras procedimentais, a observância das
regras procedimentais previstas na legislação. É por isso que se exige que a petição inicial
seja apta, e também é por isso que se exige a citação.
Os pressupostos extrínsecos são fatos estranhos ao processo, que impedem a validade
do processo, são chamados de pressupostos negativos (ou, ainda, impedimentos processuais).
São eles: inexistência de coisa julgada, inexistência de litispendência, inexistência de
perempção. Ou seja, a ação não pode ser repetida.

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