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Justiça restaurativa: mediação como forma de solução de conflitos

1. Conflito interpessoal
O conflito é dissenso que decorre de expectativas, valores e
interesses contrariados. É natural da condição humana, que numa disputa
conflituosa, costuma tratar a outra parte como inimigo, adversário, infiel.
Mas o conflito não é algo que deve ser encarado negativamente, pois é
impossível uma relação interpessoal plenamente consensual.
A consciência do conflito como fenômeno inerente às relações
humanas é muito importante, pois sem ela tendemos a demonizá-lo ou
ignorá-lo. Mas quando compreendemos a inevitabilidade do conflito,
somos capazes de desenvolver soluções autocompositivas. Quando
demonizamos ou não encaramos com reponsabilidade, a tendência é que
ele se converta em confronto e violência.

2. Acesso à justiça
3.
O movimento pelo efetivo acesso à justiça busca, de pleno,
corrigir o processo judicial, visando a fidelidade aos seus fundamentos
democráticos. Nesse sentido, cinco iniciativas ou ondas foram vistas,
inicialmente como as mais básicas:
a) Intenta frustrar o obstáculo econômico na fruição dos
direitos humanos, o que se viabiliza pela assistência judiciária
gratuita para as pessoas de baixa renda;
b) Tem por finalidade combater o obstáculo organizacional,
possibilitando a defesa de interesses de grupos, difusos ou
coletivos por meio de ações populares;
c) Objetiva remover o obstáculo legal, por meios que reduzam
o congestionamento crônico dos sistemas judiciários;
d) Voltada aos operadores do direito e a própria concepção de
justiça.
e) Desenvolvimento de ações em dois aspectos: 1) de saída da
justiça, em relação aos conflitos já judicializados; 2) de oferta
de métodos ou meios adequados à resolução de conflitos
dentro ou fora do Estado.
A sociedade assume o papel de protagonista na solução
amigável de questões cíveis ou infrações penais de menor potencial
ofensivo. Esse é o aspecto do movimento de acesso à justiça que melhor
reflete o desenvolvimento de uma consciência de cidadania ativa no jogo
democrático, conflituoso e pluralista.

4. Métodos de solução de conflito

a) Jurisdição: o que se tem como regra é a justiça oficial, justiça


pública, o Poder Judiciário que tem o poder dever de resolver os
casos concretos, aquilo que se leva a ele, ele tem a obrigação de
resolver, dizer o direito e executá-lo. Ao lado disso,
historicamente tem se manejado uma via de solução
extrajudicial de conflitos.
b) Arbitragem: jurisdição privada por meio do qual os conflitantes
aceitam que a solução do seu litígio seja decidida por uma
terceira pessoa de sua confiança. Hoje é regulada pela Lei n.º
9.307/96;
c) Autotutela: forma primitiva de solução de conflitos, a solução é
imposta por meio da força física. É proibida e até mesmo
considerada crime. No entanto ainda existem resquícios dela
pelo nosso ordenamento jurídico;
d) Conciliação: terceiro atua como intermediário entre as partes
tentando facilitar o diálogo. (art. 165 a 157, CPC);
e) Mediação: terceiro se coloca entre os litigantes e tenta conduzi-
los a um acordo. Regulada pela Lei n.º 13.140/2015.
4. Mediação: novo paradigma da ciência
A mediação é um meio geralmente não hierarquizado de
solução de disputas em que duas ou mais pessoas, com a colaboração de
um terceiro, o mediador, expõem o problema, são escutadas e
questionadas, dialogando construtivamente procurando identificar os
interesses e necessidades comuns.
É tida como um método pois está baseada num complexo
interdisciplinar de conhecimentos científicos extraídos especialmente da
comunicação, psicologia, antropologia e do direito. Não deixa de ser uma
arte, em face das habilidades e sensibilidades próprias do mediador.

4.1 Justiça penal restaurativa


Destacadamente, no campo do direito penal tende-se a uma
justiça restaurativa. Propõe-se que, para além de mera culpabilização, o
direito penal volte-se, num enfoque interdisciplinar, para a restauração
das relações entre vítima, ofensor e comunidade, mediante o
reconhecimento, a responsabilização e a reparação. Isso se chama
mediação restaurativa.
Essa técnica de solução de conflitos prima pela criatividade e
sensibilidade na escuta das vítimas e dos ofensores, tal prática
restaurativa tem iniciativas cada vez mais diversificadas e já coleciona
resultados altamente positivos.
4.2.1 Utilização prática
a) escolas públicas e privadas: auxiliando na prevenção e na
diminuição do agravamento de conflitos (SP);
b) auxiliar nas medidas socioeducativas cumpridas por
adolescentes em conflito com a lei, conseguindo recuperar para a
sociedade jovens que estavam cada vez mais entregues ao caminho do
crime;
c) em crimes de médio potencial ofensivo, além dos casos de
violência doméstica, que tem solucionados os crimes sem a necessidade
de prosseguir com processos judiciais.
Trata-se de uma prática que está buscando um conceito. Em
linhas gerais é um processo colaborativo voltado para a solução de um
conflito caracterizado como crime que envolve a participação do infrator
e da vítima, suas famílias e a sociedade na busca da reparação dos danos
causados.
É um movimento mundial de ampliação de acesso à justiça
criminal recriado nas décadas de 70 e 80 nos Estados Unidos e na Europa.
Foi inspirado em antigas tradições pautadas em diálogos pacificadores e
construtores de consenso. As primeiras experiências vieram do Canadá e
Nova Zelândia ganhando relevância em várias partes do mundo.
No Brasil, já está em prática há alguns anos. É incentivada pelo
Conselho Nacional de Justiça por meio do Protocolo de Cooperação para
a difusão da Justiça Restaurativa, firmado como a Associação dos
magistrados brasileiros (AMB). Trabalha com algumas metodologias
voltadas para esse processo como a mediação penal.

4.1.2 Mediação penal


Consiste basicamente em colocar vítima e ofensor em um
mesmo ambiente guardado de segurança jurídica e física, com o objetivo
de que se busque um acordo que implique a resolução de outras
dimensões do problema, que não apenas a punição, por exemplo, a
reparação de danos emocionais.
Quem realiza?
Não é o juiz que realiza a prática, mas sim o mediador que faz o
encontro entre a vítima e o ofensor e eventualmente as pessoas que as
apoiam. Apoiar o ofensor não significa apoiar o crime, mas sim apoiá-lo
no plano de recuperação de danos, buscando uma solução que seja
aceitável. Esse mediador não necessariamente precisa ter formação
jurídica.
A justiça restaurativa não implica necessariamente o não
cumprimento de pena. O mediador não estabelece redução de pena, ele
faz o acordo de reparação de danos, que pode ser feito antes do
julgamento. Mas essa prática tem um conceito muito aberto, havendo
experiências na fase de cumprimento da pena, na fase de progressão de
regimes.
Nos crimes de menor potencial ofensivo o acordo pode
inclusive excluir o processo (art. 74, Lei n.º 9.099/95). No entanto
podemos visualizar inclusive a aplicação dessa prática em crimes mais
graves, como o sequestro.
Nas infrações cometidas por criança e adolescente há outras
possibilidades como a remissão ou a não judicialização do conflito após o
encontro restaurativo e o estabelecimento de um plano de recuperação
para que o adolescente não precise de internação, desde que o resultado
gere segurança para a vítima e reorganização para o infrator (processo
circular, desritualizado e lúdico).
A intervenção restaurativa é suplementar, busca alcançar
solução para os demais problemas relacionados com o conflito. Tem fases:
a) Persuasão: abrir o ambiente para uma negociação direta
entre as partes. Se isso não for alcançado, passa-se a
segunda fase;
b) Dissuasão: seria um misto de acordo com possibilidade de
uma resposta punitiva;
c) Interdição: que seria a internação, por exemplo no caso de
adolescentes.

O maior benefício da mediação penal restaurativa é o alcance da


pacificação social de forma mais efetiva do que uma decisão judicial.
A finalidade institucional é o aperfeiçoamento do
funcionamento da justiça formal. Aprimorando os órgãos estatais na
tarefa de lidar com as infrações penais, significando um acréscimo de
eficiência e humanidade na justiça penal.
Para Braithwaite significa um meio menos dispendioso de
reação ao crime, já que quando exitosa, substitui outras medidas mais
custosas e costuma ser aceita como mais legítima e, estimulando um
maior respeito à lei, pois permite a participação dos envolvidos.
Nesse sentido, a justiça restaurativa transforma o paradigma da
intervenção penal, uma vez que não está apenas preocupada com a
determinação de uma resposta adequada ao comportamento criminal,
mas também com a reparação, seja ela material ou simbólica, dos danos
causados pelo crime.
O Relatório do Instituto Latino Americano das Nações Unidas
para a prevenção do delito e tratamento do delinquente (ILANUD), faz as
seguintes ressalvas:
a) A Justiça Restaurativas não deve ser entendida como
redução de investimentos por parte do Poder Judiciário: é
preciso mais investimentos e apoio estatal para sua
consecução;
b) Não deve ser vista como meio de tornar a justiça mais rápida:
o período de preparação é importante para o encontro
restaurativo;
Considerações finais
Os programas avaliados são ainda incipientes para afirmar que a
justiça restaurativa potencialmente contribui para a redução das infrações
penais e especialmente para a não reincidência: de fato é preciso um
tempo maior para qualquer avaliação de resultado.
A justiça restaurativa deve ser concebida como um instrumento
de política criminal que vise a inovação da intervenção penal. Apresenta
um novo olhar e uma nova forma de intervenção sobre o crime. Rompe
com os modelos retributivo e terapêutico, que já mostram seu
esgotamento.

JUSTIÇA RETRIBUTIVA JUSTIÇA RESTAURATIVA

Delito Infração da norma Conflito entre as pessoas

Responsabilidade Individual Individual e social

Controle Estado Estado e sociedade

Protagonistas Infrator e o Estado Vitimário/comunidade

Procedimento Adversarial Diálogo

Finalidade Provar delitos Resolver conflitos

Estabelecer culpas Assumir responsabilidades

Aplicar castigo Reparar o dano

Tempo Baseado no passado Baseado no futuro


Esse marcante contraste nos possibilita apreender o potencial
preventivo da proposta restaurativa, assim como o seu propósito implicar
os sujeitos nos seus atos e em sua resolução, trazendo processo de
enorme repercussão na pacificação social.

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