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devolva”. Durante esse vai e vem, chegarão as peças e estas serão pagas. Houve acordo
de vontades?
Agora um exemplo mais elaborado, que modifica tudo: contrato com
consumidor. Algum de nós, ao comprar, p. ex., uma cafeteira da linha “expresso”, lê os
contratos de adesão (contratos-padrões), com 15 páginas, cujo fórum de resolução será a
jurisdição de New York? Não! Então, há acordo de vontades?
Estamos celebrando um contrato, agora, que sequer podemos não celebrar: gás.
Nós temos a faculdade de não contratar um serviço de gás?
Tudo o que falamos até agora são contratos, onde o conceito tradicional é dizer
que há a criação de uma situação através de um acordo de vontades. No final,
percebemos que muita coisa é criada, menos um acordo de vontades. Encontramos
comportamentos, expectativas, relações de confiança, comportamentos de boa-fé, mas
vontade não encontramos. Mas todos os manuais falam em vontade contratual. Tanto
que se analisarmos a doutrina norteamericana, há um autor chamado Gilmor, que na
década de 70 escreveu um livro muito sugestivo: “A Morte dos Contratos”. Não é que o
contrato tenha morrido. Na verdade, surgiu uma nova ideia do que é um contrato. Os
conceitos jurídicos, em especial, enquanto abstrações, eles são historicamente situados.
Um professor italiano chamado Paolo Grossi possui a imagem da “concha de marisco
na praia”. Segundo ele, os conceitos são como conchas de marisco, onde, apesar de se
ter ali algum marisco ocupando aquela concha (contrato, obrigação, processo –
conceitos historicamente situados), uma hora esse marisco sai daquela concha e entram
outros habitantes. A graça, diz ele, é que encontramos sempre, dentro daquele conceito,
o histórico de todos os habitantes que ocuparam aquele invólucro.
O nosso objetivo nesse semestre é entender o que é essa concha de marisco
chamada contrato, quais os habitantes que já a deixaram, quais os seus vestígios e quem
é o seu novo habitante. A nossa meta é: 1- dominar esse conceito; 2- aprender a
instrumentalizá-lo (como criar contratos). E assim, se possível, concluímos nossa
matéria, que é interminável.
Dizemos que nosso habitante é novo. O primeiro comentário em relação ao CC,
no tocante à parte de contratos, foi publicado em 07/2011. Foi o comentário do
professor Ruy Rosado de Aguiar, ex-ministro do STJ, pela Ed. Forense. Isso significa
que cada ponto da matéria terá uma bibliografia indicada. Não teremos um manual em
matéria de contratos. O único que dá para aproveitar alguma coisa é o do Orlando
Gomes.
Discutiremos, agora, um pouco do que era e o que mudou em contratos. Na aula
seguinte tentaremos descobrir o que pode ser um contrato. Quem era o antigo habitante
da nossa concha de marisco? Ele era formado por uma escola do século XVI / XVII, a
escola do jusnaturalismo, que se sabe lá por que eles davam um enorme papel à
vontade. Mas esta é apenas um dos atributos deste contrato. Temos ainda 3 atributos que
parecem ser fundamentais para a compreensão o que era o contrato naquela época, ou o
que é essa concepção clássica (ou moderna) em oposição à composição contemporânea
do contrato.
A Concepção Clássica (formada com o jusnaturalismo) tem 3 pedras
fundamentais:
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1- Partes Contratantes:a necessária existência de 2 partes que vivam numa relação
de oposição edialética. Na relação obrigacional temos uma abstração: D-------C. No
meio do Credor e do Devedor, construiremos uma relação jurídica formada por uma
série de situações jurídicas (deveres, obrigações, sujeições, ônus). Relembrando, ônus é
aquilo que precisa ser realizado para exercer uma faculdade assegurada. Ex.: o ônus da
prova, com o qual eu tenho que provar para exercer o meu direito.
Em contratos não nos esqueceremos dessas noções, mas trabalharemos com partes
contratantes: P-------P. No meio teremos nossa relação contratual. Esta é a concepção
clássica, que olhará para isso e encontrará 2 pontos antagônicos: de um lado há um
contratante, que está naquela relação contratual para defender os seus interesses; e de
outro lado eu tenho outro contratante que está naquela relação contratual para também
defender os seus. E na dialética da defesa dos seus interesses, chegaremos numa relação
de equilíbrio, numa relação justa (p. ex., quero 10, você quer 20, então fechamos em
15). A partir do Código de Napoleão surgiu o famoso brocardo: “quem diz contrato, diz
justo!”.
Assim esta é a nossa 1ª ideia de contrato, com exceção da liberdade, mas a liberdade
contratual, a vontade contratual não chega nem a ser um pilar, e sim algo constitutivo.
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nem ter qualquer benefício econômico direto ou indireto com o resultado dessa
auditoria”.
Como se pode criar essa cláusula geral e deixar a concretização para posterior? R.:
Através da incidência de um princípio que está nela subentendido. É pela cláusula geral
que se pode conectar o princípio da boa-fé ao caso concreto. A cláusula geral, nesse
sentido, é uma técnica legislativa de concretização de princípios.
Um aluno alegou que ideia de boa-fé objetiva era um princípio contratual. O
professor o corrigiu afirmando que, na realidade, era um princípio muito maior.
Primeiro porque o campo de excelência da boa-fé objetiva é a parte obrigacional, e não
a parte contratual. Temos o dever de boa-fé nos atos unilaterais, p. ex. Além disso,
existem os deveres de boa-fé em relações pré-contratuais, que discutiremos a partir de
agora. Mas também temos o princípio da boa-fé no direito de propriedade (uma das
modalidades mais céleres que permite a usucapião é quando o sujeito está com a posse
de boa-fé daquele bem).
Esta boa-fé, que, na verdade, em seu aspecto objetivo, impõe um dever, um padrão
de comportamento a ser seguido, impõe, em última medida, um dever de cooperação
entre as partes. Se no paradigma anterior nós poderíamos nos aproveitar da falta de
atenção da outra parte, valendo-nos do descuido e de atitudes oportunistas, aqui temos
uma relação de cooperação, voltada sempre para a concretização da finalidade daquela
relação contratual. Passaremos a entender que, apesar de termos Parte e Parte, essa
unidade forma uma finalidade. Celebra-se um contrato porque há uma finalidade. Ex.
Você contrata alguém para limpar a sua chaminé. O sujeito a limpa, mas nesse processo
de limpeza, ele ateia fogo em sua casa. Ele cumpriu a obrigação de limpar, mas alega
que não é por causa desse descuido que ele deixará de receber. Sim, mas qual é a
finalidade contratual daquela relação jurídica obrigacional criada? Será que ele cumpriu
essa finalidade quando, apesar de ter limpado a chaminé de forma adequada, ateou fogo
na casa toda, acidentalmente? Teríamos esse problema para enfrentar.
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não tem contrato? Houve uma expectativa, realizaram-se investimentos. A não
celebração desse contrato pode gerar prejuízos. E mais ainda, quando falamos na
supremacia do contrato, na verdade não existe mais essa supremacia, até enquanto ele
próprio, ou seja, a importância que ele tem dentro da relação jurídica. E isso porque, em
1º lugar, as coisas ficaram muito mais complexas. Às vezes, nem tudo se consegue pôr
num contrato (não é possível prever todas as situações num contrato). Não é possível
presentificar num contrato (o contrato nada mais é do que um esforço de
presentificações futuras) todo o que pode ocorrer naquela relação jurídica contratual.
Não só por uma condição humana de incapacidade humana de prever todos os eventos.
Às vezes o evento é conhecido, sabe que esse risco acontece, mas não se quer trazer o
problema da negociação desse ponto para o contrato. Outra questão: às vezes se quer
fazer a contratação em etapas, não se quer contratar tudo de uma vez. Ex.: “Vamos
fechar o preço e as condições da turbina do avião, mas o contrato inteiro do avião nós
vamos continuar negociando. A turbina tem que ser agora, pois demora 6 meses, o resto
do avião demora 3. Assim, teremos 3 meses para negociar o avião”. Então, o que temos
não é apenas 1 contrato naquela relação, mas vários.
Nada disso aqui falado será encontrado num manual, mas essa parece ser a realidade
contratual de hoje. É isso o que teremos de enfrentar quando sairmos da faculdade. Um
contrato à Caio Mário faremos poucos na vida. E o CC pouco nos ajuda nisso. Ex.:
formação do contrato.
Pergunta do aluno Jorge: “Quando o senhor fala que não é possível prever tudo
numa relação contratual, parece-me que mesmo quando isso não é possível, o princípio
da boa-fé objetiva mostra que até os artigos que não foram previstos, positivados, o
foram implicitamente. Isso é respeitado?”.
Em Dto. Contratual, diferentemente de quase todas as outras áreas do Direito, nós
utilizaremos muito a doutrina americana. Há um autor americano, Ian Macneil (“Real
Deal vs. Paper Deal”), que diz haver uma diferença básica entre o acordo real e o
acordo de papel. O que está ali naquele instrumento, na verdade é muito do acordo de
verdade (“Real Deal”), mas não é todo o acordo de verdade. Muitas vezes o acordo de
papel é dissonante do acordo real que vigora entre as partes. Ele constrói isso no
Direito norteamericano, porque ele tem a boa-fé objetiva. Através dela, conseguimos
compreender muito das lacunas contratuais, conseguimos preencher muito das lacunas
contratuais. Com relação a ser respeitado, isso seria as partes falarem que estão em
dever de boa-fé objetiva, então devem aceitar, obedecer?
Uma coisa é a nossa proposta, o nosso modelo dogmático. O modelo dogmático é
aquele que impomos para a realidade. Na concepção clássica, temos um participante que
é o egoísta do século XVIII, não nos enganemos! Numa situação não prevista, nesse
caso, um e outro “puxarão a sardinha” para si. Agora, existe o Judiciário que utilizará a
boa-fé objetiva (se ele souber utilizar) para completar essa lacuna, para dizer qual deve
ser o padrão de comportamento a ser seguido naquele caso concreto. Como o
comportamento provavelmente já ocorreu, ele dirá se esse comportamento foi ou não
adequado. Logo, que as partes entendem que existe uma obrigação de seguir a boa-fé,
entendem. O problema é que ela é uma cláusula geral (a concreção é posterior). Não há
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algo que diga que a boa-fé vem antes. As partes têm concepções diferentes do que é a
boa-fé. Ex.: Na greve dos professores, estes não devem sofrer prejuízo. Mas a outra
parte alega que, nesse caso, o prejuízo deve ser dividido em 2. Mas a 3ª parte
(estudantes) alegam que não terão nenhum benefício econômico, então por que terão o
ônus, agora? O que a boa-fé impõe nesse caso concreto?
Todas essas mudanças envolvem um processo de desconstrução da nossa ideia de
contrato. Poderíamos falar também de outros pilares, como, p. ex.:
4- Relativismo Contratual. O que esse pilar tem a ver com a ideia de boa-fé? A
concepção moderna (clássica) dirá que o contrato é uma relação entre A e B. o 3º não
pode ser envolvido porque ele não tem deveres em relação a esse contrato celebrado. O
que a boa-fé vai impor a essa pessoa? Vai impor a ela o dever de respeitar esse contrato.
Assim, temos toda uma dogmática, toda uma economia que impõe uma série de
transformações.
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O mesmo ocorre conosco em relação aos contratos. Nós ainda não sabemos o
que é e o que não é um contrato. O que nós juristas fazemos quando criamos um
conceito é tentar delimitar as notas que estão nesse conceito a fim de separar o que é e o
que não é determinada coisa (o que eu vou separar do bolo e o que vai ficar lá).
Talvez, no futuro, possamos discutir a diferença entre conceito e tipo.
Então, para que criamos conceitos? Os conceitos são instrumentais. Nós os
utilizamos para certas finalidades. A relevância da ideia de Enzo Roppo é que ele vai
estabelecer que, na verdade, quando falamos em contratos, temos uma polissemia de
conceitos. Podemos utilizar o conceito de contratos em, pelo menos, 3 significados
completamente diversos, mas extremamente interconectados entre si:
Caio Mário dirá que contrato é bilateral (já conversamos sobre o acordo de
vontades), obrigatório e consensual. Mas se fosse para dizer que o contrato é isso,
melhor seria ficarmos em nossas casas...
Contrato (Caio Mário): É um acordo de vontades destinado a produzir efeitos
jurídicos.
Negócio jurídico:O que é???
Negócios Jurídicos
Contratos
Atos Jurídicos
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Exemplo de Ato Jurídico: bater com o carro.
Nos negócios jurídicos há a bilateralidade só no sentido de que, necessariamente,
as declarações são destinadas a uma outra pessoa, mas não necessariamente existe uma
bilateralidade de declarações, uma consensualidade. Nesse sentido, temos a ideia de
Caio Mário ajudando-nos com isso, mas que não resolve a questão.
P. ex.: A promete para B amar para sempre o Vascão, sob as penas da Lei (ou uma
multa imposta). Pelo Caio Mário, é um contrato? Temos a bilateralidade, a
consensualidade (B aceita a promessa), temos um objeto. Entretanto, não temos, aqui,
um contrato, pois não há operação econômica.
Outro ex.: A promete casar-se com B. Não há operação econômica. O fato de existirem
efeitos patrimoniais num ato jurídico, não significa que ele é um ato jurídico
patrimonial.
Maria Berenice Dias alega, desastrosamente, que casamento é um “contrato
especial”. Quando não se sabe o que é alguma coisa, diz-se que é sui generis, que é
especial. Não é um contrato porque não é um ato patrimonial, uma operação econômica.
Ideologicamente, não nos casamos para gerar efeitos patrimoniais, e sim para gerar
efeitos existenciais. O casamento é uma operação existencial.
Outro ex.: A promete para B realizar uma obra. Se houver remuneração, sim, é contrato.
Mas e se for de graça, uma doação?
Enzo Roppo (“O Contrato”): “Muito simplesmente, pode dizer-se que existe
uma operação econômica e, portanto, possível matéria de contrato, onde existe
circulação de riqueza atual ou potencial transferência de riqueza entre um sujeito para
outro. Naturalmente, falando de riqueza, não nos referimos só ao dinheiro e aos outros
bens materiais, mas consideramos todas as utilidades suscetíveis de avaliação
econômica, ainda que não sejam coisas, em sentido próprio. Nestes termos, até a
promessa de fazer ou não fazer qualquer coisa em benefício de alguém representa, para
o promissário, uma riqueza verdadeira e própria...”
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A operação econômica deve, então, ser entendida no sentido de transferência
de riquezas, algo que seja patrimonialmente relevante. Nas situações em que faltar essa
característica de patrimonialidade, não será possível caracterizar um contrato.
1. Contrato-Instrumento;
2. Contrato-Conceito Jurídico;
3. Contrato-Operação Econômica.
Aula que vem veremos os Aspectos Poliédricos do Contrato. Mas o que eles
são? É perceber que o contrato não é só jurídico, mas tem também aspectos sociais,
políticos e econômicos.
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Contrato e Negócio Jurídico. Quando discutimos contrato, negócio jurídico, ato
jurídico em sentido estrito, que categorias são essas?
Relembrando as Fontes das Obrigações: de onde nascem as Obrigações? Da
doutrina? Não! A concepção clássica, pós-Código Burguês Francês, vai nos trazer 2
fontes das obrigações: a Lei e o Contrato. Em outras palavras, essa doutrina oitocentista
irá igualar o Contrato à Lei, dizendo que as duas são fontes das obrigações.
Quando a preocupação é negócio jurídico, ato jurídico, contrato, etc., na
verdade estamos falando justamente sobre isso, mas de uma maneira diferente. A
preocupação, agora, é com o suporte fático de incidência da norma. Com isso
queremos dizer o que é necessário para atrair a eficácia de uma norma jurídica.
O que é um ato? É um acontecimento, que pode ser natural, pode ser um
acontecimento humano (um ato praticado por um ser humano), etc. Ele é um ato
jurídico na medida em que ele seja reconhecido pelo ordenamento jurídico como um
suporte fático para a incidência de uma norma.
Ex. de atos jurídicos: contrato, testamento, bater com o carro, prestar um testemunho,
fazer uma proposta,...
Enfim, o universo jurídico irá reconhecer uma série de atos como suportes
fáticos de incidência de norma. A doutrina achará essa categoria interessante, mas que
não serve de muita coisa. Vamos partir esta categoria em 2 grandes grupos:
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aceitação da proposta, cria-se o contrato. A emissão de um título de crédito (assina-se
um cheque): há algum acordo na criação daquela obrigação com aquele título de
crédito? Nenhum! Então não é um contrato. Contrato é sempre um acordo de
vontades.
Pergunta do aluno Luiz Claudio: “Eu acredito que o ato jurídico em sentido estrito é
aquele em que não há o desejo nesse ato. Está correto?”
Não é que não haja desejo nesse ato. Vamos supor que eu bata o carro propositadamente
no carro da frente. Eu cometi um ato doloso.
Mas a questão, aqui, é que a eficácia vai decorrer de uma determinação legal. O
conteúdo dessa eficácia, também. Porém, não sou eu que estou querendo, não é a minha
vontade que criou aquele conteúdo.
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venda atende à sua função social; se o preço a ser pago deve ser o mesmo do início das
negociações, mesmo ocorrendo um fato imprevisto. Essa é a discussão moderna do
Direito Contratual.
Aluno Luiz Claudio: “Seria um aspecto político por causa de uma questão de ordem
econômica, relacionada anteriormente ao Liberalismo, ao Neoliberalismo, e, mais
recentemente, ao pluralismo dos países centrais (EUA, Alemanha, França, Inglaterra) e
dos países em desenvolvimento (Brasil, Rússia, Índia, China)?
Por que o Contratualismo, o Contrato, a Liberdade têm um aspecto político???
O contrato social é importante para essa teoria? De onde surge o contrato social e qual é
o seu contexto?
Pela ideia de Contrato, que onde se diz contrato se diz justo, de um lado temos
uma emancipação do indivíduo, que pode se autodeterminar, o que parece uma questão
política. Se pensarmos num contexto de final da época medieval, onde as relações
socioeconômicas eram determinadas pelo pertencimento a estamentos, situações que
não envolviam uma autonomia, uma vontade própria, mas sim o fato de o indivíduo
participar de determinadas ordens. Quando se começa a defender a ideia de contrato,
estamos falando para esse indivíduo que ele irá se autodeterminar, que ele vai negociar,
que ele fará o que quiser.
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1º) Liberdade de contratar propriamente dita: é a liberdade para se decidir quando uma
pessoa vai entrar numa relação contratual. Eu posso decidir, pela minha autonomia
privada, se eu vou ou não entrar numa relação jurídica. Por essa teoria, eu não posso ter
uma relação jurídica que seja imposta a minha pessoa.
Aluno Jorge: “Então, para uma mesma relação eu posso escolher o tipo de contrato que
eu quiser?”
Sim. Você tem a finalidade de adquirir este produto. Você pode adquiri-lo do tipo
contratual que achar mais adequado.
Um exemplo mais fácil, esquecendo que não é um contrato: Eu quero garantir uma
operação. Como posso garanti-la? Através de seguro garantia, fiança, aval. Eu vou
escolher o tipo contratual que vai garantir a minha operação.
É importante guardarmos essa expressão “tipo”, que veremos no futuro, pois a
análise tipológica é o tema atual dos contratos. Investiremos uma aula inteira falando
sobre isso.
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Aluno Carlos: “E as cláusulas abusivas? Como a parte prejudicada pode alegar que
sofreu esse abuso?”
Se a cláusula é abusiva, ela não poderia existir. Mas o que é uma cláusula abusiva?
Temos, p. ex., a cláusula de não concorrência. Numa sociedade, um sócio compra a
participação do outro e estabelece, num contrato que regula a saída desse sócio, que ele
não poderá outras operações naquela área que atua a nossa sociedade pelo prazo de 10
anos. Essa é uma cláusula que poderá ser vivida no Judiciário. No Direito da
Concorrência se estuda esse tipo de cláusula. Quando que ela começa a se tornar
abusiva, quando o sistema considera esse tipo de dispositivo ilegal.
Vamos, agora, desconstruir essa autonomia privada, o que não é muito difícil.
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E tem também os efeitos que irão se prolongar ao longo do tempo, atingindo a
Fase Pós-Contratual. Existem as obrigações pós-contratuais. Ex.: Cláusula de não
concorrência.
Δt
Contato Contrato Fase Pós-Contratual
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atendeu ao objetivo anteriormente almejado. Então, aquele contrato será adequado à sua
finalidade.
A finalidade está, sem dúvida, relacionada ao objeto, mas este diz muito pouco.
Deverá ser visto o momento da celebração do contrato, o contexto da sua realização
socioeconômica. A parte das tratativas também é um excelente indicador da finalidade
(quando as partes negociaram a redação da cláusula X, qual a finalidade por elas
pretendida com essa redação). Todos esses são elementos para se descobrir a finalidade
do contrato. A finalidade é mais do que o objeto. Ela se refere aos interesses das partes,
o que elas querem, objetivamente, alcançar com aquele contrato.
A parte tem uma prestação cujo conteúdo ela não conhece bem. Como ela deve
prestar? Qual é o norte? Alguma doutrina dirá que é a boa-fé subjetiva. Não!!!Em
contrato, tudo é objetivo.
5º) A Criação de Direitos Especiais. Art. 6º, VI – CDC: “São direitos básicos do
consumidor: a modificação das cláusulas contratuais que estabeleçam prestações
desproporcionais ou sua revisão em razão de fatos supervenientes que as tornem
excessivamente onerosas”.
Art. 46 – CDC: “Os contratos que regulam as relações de consumo não obrigarão os
consumidores, se não lhes for dada a oportunidade de tomar conhecimento prévio de seu
conteúdo, ou se os respectivos instrumentos forem redigidos de modo a dificultar a
compreensão de seu sentido e alcance”.
Estabelece-se, aqui, um regramento especial para as contratações no seu âmbito
de proteção. Isso é um declínio da autonomia privada, pois essas regulações especiais
têm, como racionalidade, como premissa, a hipossuficiência de uma das partes.
Isso não ocorre só no CDC, mas também nas relações de trabalho, p.ex. O
contrato de trabalho é um contrato especial, que garante uma proteção diferenciada ao
trabalhador, mas não deixa de ser um contrato de Dto. Civil. O fato é que o âmbito do
trabalho ganhou tanta autonomia, que se transformou num ramo separado do Direito
(como também querem, aliás, fazer com o CDC: transformar as relações de consumo
numa nova área do Direito).
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especiais do Direito? Não! É um intervencionismo, inclusive, direto entre dois
indivíduos. Como? Através, justamente, desse controle das cláusulas abusivas; pela
aplicação da Teoria da Imprevisão; pela própria judicialização do contrato; pela criação
de novas regras, novos limites.
Ex.: Contrato de fusão entre Sadia e Perdigão. Chegou ao CADE (Conselho
Administrativo de Defesa Econômica) e este disse que do jeito que estava, não podia.
Ele só permitiria esse contrato se a sociedade vendesse certo número de empresas, se até
5 anos desse uma destinação comercial para a marca Perdigão, etc. Intervenção maior
que essa não há.
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II- Conceito: “É o negócio jurídico, no qual a participação de um dos sujeitos da relação
sucede pela aceitação em bloco de uma série de cláusulas formuladas antecipadamente,
de modo a gera-lo em abstrato pela outra parte, construindo o conteúdo normativo e
obrigacional de futuras relações jurídicas”.
É o contrato no qual o proponente já estabeleceu todas as suas cláusulas,
minando o poder de negociação da outra parte. Ou a pessoa adere ou não adere.
Entretanto, surge uma questão complexa, pois grande parte dos contratos de
adesão se remete a questões públicas. Como iremos negociar com a Light o preço do
KW.h estabelecido? Nós não temos essa liberdade de negociação.
E no tocante aos contratos de adesão com relação ao consumo? Uma parte da
doutrina alega que existe, sim, contrato de adesão nas relações de consumo, enquanto a
doutrina majoritária afirma que isso não existe. A doutrina majoritária diz que contrato
de compra e venda não é contrato de adesão, podendo ser apenas comparado a este. Ex.:
Quando compramos e baixamos um software pela internet, aceitamos um contrato de
adesão que surge na tela quando iniciamos o aplicativo pela primeira vez. Assim, como
podemos dizer que não existe contrato de adesão nas relações de consumo?
Será que o contrato de adesão se limita apenas ao valor do produto / serviço
oferecido, ou vai mais além?
III- Função: Agilizar, dinamizar os negócios jurídicos. Como foi dito anteriormente, é
impossível uma grande empresa negociar contratualmente com cada um dos seus
milhões de clientes, os aderentes do contrato. Isso promove a democratização das
relações negociais, apesar de limitar a manifestação de vontade, como veremos mais a
diante.
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V- Lei 8.078/90 (CDC): O contrato de adesão muitas vezes nos apresenta cláusulas
abusivas. O Estado, então, começa a presenciar o desencadeamento de um movimento
social que impulsiona a criação do CDC, cuja visão é proteger o aderente dessas
cláusulas abusivas. A visão é prever um regime de informações claras e precisas ao
consumidor. Ex.: Contrato de adesão feito entre consumidor que mora no Rio de Janeiro
e determinada empresa, cujo foro de eleição foi contratualmente estabelecido em
Manaus. O CDC afirma que esse consumidor não tem que ir a Manaus. Ele procurará o
foro do seu domicílio, mesmo que nesse contrato esteja escrito diferente. Art. 51 e Art.
101, ICDC.
Art. 424. Nos contratos de adesão, são nulas as cláusulas que estipulem a renúncia
antecipada do aderente a direito resultante da natureza do negócio.
Estando a Lei vazia (sem uma previsão direta), deve-se sempre interpretar o
contrato de adesão em favor do aderente. O art. 424 versa sobre a estrutura do contrato
celebrado.
Ex.: Você para num estacionamento de um shopping e lê o seguinte aviso: “Não nos
responsabilizamos por objetos deixados no interior do veículo”. Essa cláusula é nula ou
ela é válida?
Aluno Luiz Claudio: “É nula, pois a partir do momento em que você deposita seu bem
(o automóvel) num espaço fechado e teoricamente protegido por seguranças, e paga por
esse serviço, qualquer coisa que aconteça com o seu carro, é responsabilidade do
estacionamento daquele shopping”.
Exato! Naquele momento foi realizado um contrato de depósito oneroso. O
shopping passou a ser o depositário do seu bem, e deve restituí-lo no mesmo estado de
quando ele lá entrou. Logo, essa cláusula é, de fato, nula.
Além do CDC e do CC/2002, existe, também, a Lei 11.785/08, que versa sobre o
aumento das fontes contratuais (as letras do texto contratual devem ser, no mínimo, de
tamanho 12), a fim de se evitar que algumas passagens do contrato fiquem
despercebidas, por estarem escritas em letras muito pequenas.
Com toda essa proteção do Estado (CC/02, CDC e Lei 11.785/08) à figura do
aderente, estaria ele, o Estado, ferindo o princípio da isonomia? Não, poiso princípio da
isonomia trata de forma igual os iguais, e de forma desigual os desiguais, conforme a
proporção de suas desigualdades. No caso do consumo, estamos lidando com uma parte
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forte (a empresa proponente do contrato de adesão, com seu imenso quadro de
advogados) e uma parte hipossuficiente (o consumidor aderente), o que reflete uma
grande desigualdade.
FIM DA EXPOSIÇÃO
Obs. da exposição pelo aluno Luiz Claudio: “Acredito que ambas as correntes – a do
ato unilateral e a dos contratualistas – estão certas por um lado e erradas por outro. O
que determinará qual estará certa, e em que momento, é o grau de necessidade do
aderente, pois se tomarmos o exemplo do fornecimento de energia, se ele não
concordar com os termos da Light, ele vai ficar sem energia. Evidentemente a
complexidade é muito maior! Mas vejamos, agora, um contrato de adesão entre
particulares (uma pessoa física e uma pessoa jurídica). Um sujeito assina um contrato de
adesão com uma associação (um clube), tornando-se proprietário de um título de sócio
mantenedor. Ele não vai deixar de viver, nem terá a sua vida prejudicada se não aderir a
esse contrato. Nesse caso teremos, de fato, a manifestação da vontade, conforme afirma
a doutrina contratualista.
Professor Raphael: A discussão, inclusive, encontra-se até num patamar acima. O que
entendemos por contrato? Para mim bastam as manifestações de vontade? E qual é a
qualidade dessa manifestação de vontade? Na verdade, defender a corrente
contratualista, a do ato unilateral, etc., depende da concepção que você tem de
contrato. Basta você manifestar adesão por uma necessidade qualquer ou por uma
necessidade fundamental, que se descaracteriza a relação contratual? Veja bem, não é
simplesmente descaracterizar a relação contratual, pois isso tem consequências. Se você
defende que é um ato unilateral, afasta-se todo o regramento do contrato, passando-se a
trabalhar com regramentos de atos unilaterais.
Chamando a atenção para somente 2 pontos:
O 1º é que nunca o professor viu alguém classificar as cláusulas de um contrato
de adesão como cláusulas justas, solidárias, preocupadas com o aderente, etc.
O importante é percebermos que contrato de adesão não é tipo contratual.
Contrato de compra e venda, prestação de serviço, locação de bens, contrato de
incorporação mobiliária, etc. Todos esse são tipos contratuais. O contrato de adesão não
é um tipo contratual autônomo. Ele é uma característica de um tipo contratual. Assim,
um contrato de compra e venda pode ser um contrato de adesão, assim como um
contrato de prestação de serviços, de locação, etc.
O elemento fundamental é a possibilidade ou não de se discutir o conteúdo e a
própria tipicidade que se quer contratar. Então, o mais correto seria que podemos falar
em contratos de maior ou menor adesão, porque há contratos no qual ainda se consegue
estabelecer uma ou outra cláusula; em outros elas são mais rigorosamente impostas. Isso
é um detalhe muito sutil de se perceber numa relação contratual específica.
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BOA-FÉ
Para nos situarmos na sistemática, estamos na parte geral dos contratos, nas
regras que irão se aplicar (ou se espalhar) por toda a sistemática geral dos contratos no
CC/02.
CC/02 - Art. 422. Os contratantes são obrigados a guardar, assim na conclusão do
contrato, como em sua execução, os princípios de probidade e boa-fé.
Falar em relação contratual, hoje em dia, é falar em boa-fé. Mas o que é a boa-
fé? Seria ela um princípio, uma cláusula geral, uma regra?
Aluno Rômulo: “A cláusula geral concretiza o princípio”.
Professor: E qual princípio ela concretiza?
Aluno Rômulo: “O princípio da lealdade, da confiança”.
Professor: Confiança e boa-fé é a mesma coisa? Essa foi a provocação da aula passada.
Aluno Carlos: “Eu entendo ser uma cláusula geral exatamente porque ela nem precisa
ser expressa; ela já é esperada. É vista como um pressuposto. Espera-se que ela ocorra
em todo contrato. E está implícita. Logo, esse princípio se torna uma cláusula geral”.
Professor: Mas aí estamos com um problema semântico. O que é uma cláusula geral?
Uma cláusula geral não é uma cláusula contratual, e sim, uma técnica legislativa.
“O contratante, durante a conclusão e a execução do contrato tem que...” – ao
invés de falarmos “boa-fé”, falamos que tem que prestar todas as informações de forma
clara, não esconder informações relevantes que sejam atinentes ao negócio contratual,
preocupar-se para não causar prejuízos indevidos para a outra parte, deve manter a
lealdade durante toda a negociação, etc. Poderíamos fazer um tratado sobre todos os
comportamentos esperados numa relação contratual.
A cláusula geral é justamente essa técnica legislativa que utilizará uma palavra-
chave que permitirá uma abertura semântica do texto. Ou seja, ao lermos “boa-fé”, não
entenderemos o signo “boa-fé”, e sim, uma série de comportamentos que podem ser
aplicados no caso concreto, e que o legislador não se deu ao trabalho de enumerar.
Que outras cláusulas gerais conhecemos no Direito? Temos a função social do
contrato, a culpa. Sobre a culpa, qual é o comportamento culposo (em Dto. Civil) numa
relação obrigacional? Existem várias possibilidades, mas eu uso essa técnica legislativa
de chamar todos esses comportamentos de culposos, e vou deixar que o seu conteúdo
seja preenchido depois, no caso concreto.
Larenz diz: “Cláusulas gerais são parâmetros de conduta carentes de
concretização”. Isso porque a concretização não é um a priori, e sim, um a posteriori. É
na hora de analisar o caso concreto que se descobrirá qual é o conteúdo, qual é o
mandamento que aquela cláusula geral determina.
Mas como podemos concretizar esse parâmetro de conduta carente de
concretização? Através de um princípio, que determinará como, no caso concreto, será
interpretado qual é o dever, qual o comportamento, ou qual a conduta que se quer
regular. Com isso, temos um 2º problema teórico: o que é um princípio?
Em 1970, 1980 e 1990, poderíamos passar em branco sem tomar uma posição
sobre esse assunto: o que é um princípio? Hoje, partir da ideia do que é um princípio é
21
fundamental para se discutir qualquer questão de Direito, não só o Civil, mas o Público
principalmente. Iremos adotar qual teoria: a de Dworkin, a de Alexy, a de Humberto
Ávila? Isso tem consequências teóricas.
A boa-fé é nova no Direito? Mas de qual boa-fé estamos falando? Temos 2, que
possuem o mesmo signo “boa-fé”, mas que são completamente diferentes: a objetiva e a
subjetiva. No nosso ordenamento de hoje ainda temos as 2 “boas-fés”, com campos de
atuação completamente diferentes, e que irão coexistir em determinadas matérias.
Onde podemos encontrar a boa-fé subjetiva? No Dto. de Propriedade. Quando se
diz: “O possuidor de boa-fé tem direito...”, esse possuidor de boa-fé é o possuidor com
uma boa-fé subjetiva.
Qual a diferença entre a boa-fé subjetiva e a boa-fé objetiva?
A boa-fé subjetiva é um estado psicológico, é uma intenção, como a própria
ideia de subjetivo realça. É uma consciência acerca da retidão da própria conduta. Se eu
digo que sou um possuidor de boa-fé, é porque eu celebrei o instrumento de compra e
venda, levei a registro, ninguém havia me avisado antes da compra que aquele imóvel
estava sendo discutido judicialmente, etc. Eu realizei todos os procedimentos
necessários, ou que se espera que se realize, e adquiri a posse com a maior consciência
da retidão da minha conduta.
Esse é o sentido histórico da boa-fé. Se lermos algum texto dos sécs. XVIII e
XIX, falando sobre boa-fé, provavelmente encontraremos essa boa-fé no sentido
subjetivo. A mudança legislativa é do final do séc. XIX, mas a construção doutrinária,
jurisprudencial, é do séc. XX, quando, na Alemanha, será interpretado o seguinte
dispositivo do Código Civil Alemão (BGB): “O devedor é obrigado a realizar a
prestação do modo como exige a boa-fé e levando em conta os usos do tráfico”. Isso foi
incluído no BGB para realçar essa ideia de boa-fé subjetiva, dizendo que naquele caso
também haveria uma boa-fé subjetiva. Mas, a partir desse dispositivo, a doutrina alemã
começou a construir a ideia de que, na verdade, haveria outra boa-fé, uma boa-fé
objetiva nesses casos contratuais obrigacionais, que não seriam essa consciência de
retidão da própria conduta, mas sim um comportamento concreto que é exigido, um
comportamento chamado “retidão”, que demanda às vezes um comportamento positivo,
às vezes um comportamento negativo da parte, sempre voltado à ideia de um agir
honesto no tráfico jurídico, no tráfico social.
Aluno Jorge: “Então acabou a boa-fé subjetiva na relação em que ela é esperada?”
Professor: Não podemos esperar a boa-fé subjetiva de ninguém! O que se espera é que o
comportamento seja leal. Essa é a obrigação! Agora, a consciência da pessoa em relação
à retidão do próprio comportamento é uma questão que nem será posta. Nos
comportamentos ditos negativo isso é até engraçado, onde a pessoa não faz nada,
quando deveria fazer. Veremos nos processos judiciais que os sujeitos se defendem
alegando não terem feito nada, quando, de fato, deveriam fazer. Nesse caso vemos a
presença desse dever positivo enquanto comportamentos. Mas não devemos esperar a
boa-fé subjetiva de ninguém. Não tem uma juridicidade essa expectativa de boa-fé
subjetiva.
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O possuidor de boa-fé, como dissemos, é um exemplo de boa-fé subjetiva. Ex.:
Ele comprou um imóvel e, quando foi registrá-lo, descobriu que esse imóvel já havia
sido vendido para outra pessoa, que registrou antes dele no RGI. Estando de boa-fé
subjetiva, ele não sabe da antijuridicidade do ato. É não saber que o seu ato não está
plenamente de acordo com o Direito. Ele está atendendo à boa-fé subjetiva, ou ele não
está de má-fé e, portanto, isso pode ser objeto de proteção pelo ordenamento jurídico.
Ou não! Pode ser que a boa-fé subjetiva não tenha nenhuma relevância naquele caso.
A boa-fé objetiva é uma exigibilidade de uma conduta exterior, enquanto que a
boa-fé subjetiva não tem essa exigibilidade. Em determinadas relações, como na relação
concessória, ou na usucapião, pode-se proteger a pessoa de boa-fé, mas não se pode
exigir que ele tenha boa-fé. Se ele não a tiver, simplesmente perderá essa tutela. Não se
pode exigir judicialmente a boa-fé subjetiva - enquanto consciência de retidão de uma
pessoa -, como uma tutela pedindo isso, por exemplo. É ridículo!
Boa-fé subjetiva – plano psíquico.
Boa-fé subjetiva – plano material.
Pincelando os Direitos Reais em usucapião, podemos imaginar a situação de um
grupo de pessoas que invadiu a terra, estuprou as mulheres, mataram todos, etc. Após o
prazo máximo da Lei, esse grupo terá direito de usucapião. Logo, na usucapião, não é
condição para o uso a boa-fé. O que a Lei faz é: “Caso você tenha o “justo título”, caso
você esteja de boa-fé, caso seja uma mulher abandonada no lar pelo marido, etc., haverá
uma proteção especial”. Permitir-se-á a ocorrência da usucapião num prazo menor (15,
10, 5 anos), ao invés de 20 anos, como deveria ser. Isso devido a essas circunstâncias.
Aluna Carla: “Então podemos ter uma situação em que temos a boa-fé objetiva, mas não
temos a boa-fé subjetiva?”
Aristóteles nos coloca a diferença entre o Direito e a Moral. O Direito se interessa pela
“prática do justo”, enquanto a Moral se preocupa com a “intenção do justo”. Assim, a
boa-fé objetiva seria a “prática do justo” (o que se exige no caso concreto), e a boa-fé
subjetiva seria a “intenção do justo”.
A boa-fé cria deveres específicos. Podemos ter boa-fé subjetiva independente de
ter cumprido algum dever adicional decorrente da boa-fé objetiva. Ex.: Eu tenho certeza
de que a minha conduta foi adequada, cumpri os deveres da boa-fé? Não
necessariamente. Às vezes eu apenas cumpri o que dizia o contrato.
O ordenamento jurídico não vai exigir as 2 modalidades de boa-fé na mesma
situação. Ou será exigida a objetiva ou a subjetiva.
Aluno Rômulo: Ao fim de um contrato de aluguel, em que o inquilino deixa o imóvel.
Nesse caso houve boa-fé objetiva da parte dele?
A boa-fé objetiva tem um campo semântico complexo. A pessoa foi leal ao contrato ao
sair? Não, ela só cumpriu o dever contratual. A boa-fé nem é colocada nesse caso. Não
foi cumprido nenhum dever adicional decorrente da boa-fé.
Isso levanta a principal questão de hoje: o que faz a boa-fé objetiva na relação
contratual? A doutrina dirá que a boa-fé objetiva tem 3 funções numa relação contratual.
Em Dto. das Obrigações nos preocupamos com o 3º (os deveres criados pela boa-fé).
Mas na relação contratual, os 3 são importantes.
23
1º) Princípio Hermenêutico Integrativo: a boa-fé, nessa ideia de determinar o
comportamento concreto, ela não vai simplesmente criar deveres que nunca foram
imaginados pelas partes, mas ela também irá interpretar os próprios deveres que as
partes resolveram estabelecer. Havendo uma ubiquidade na hora de interpretar qual
dever existiu naquele caso, a solução mais adequada será aquela mais de acordo com a
boa-fé. Ex.: Não se estabeleceu a forma da entrega de um pacote. Se deve ser feita da
maneira A (menos protegida), B (protegida) ou C (superprotegida). O dever de lealdade
exige uma grande preocupação, ou exige simplesmente que se adotem as cautelas
necessárias para proteger os interesses da outra parte? A boa-fé é esse dever de
colaboração. Na dúvida de como se interpretar um contrato, deve-se sempre ter essa
ideia de colaboração.
No caso integrativo a ideia é a mesma do interpretativo. Neste último, veremos
que há uma dúvida quanto ao conteúdo semântico do dispositivo contratual, e no
elemento integrativo, veremos uma lacuna na disposição contratual. Então, a boa-fé vai
preencher esses conteúdos.
Werwirkung
Supressio Surrectio
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Digamos que, nesse contrato, você recebia as notificações por e-mail (e não por
AR). Durante toda a vida do contrato (30 anos) você recebia as notificações assim, sem
esse procedimento burocrático. E cumpria! Num belo dia, por um desentendimento
qualquer, a outra parte resolve não cumprir, alegando que você nunca observou essa
cláusula contratual do AR.
A boa-fé, nesse caso, denota que esse procedimento burocrático é da mais
absoluta irrelevância, e que agora ele está exigindo uma solução, não por um interesse
legítimo, mas simplesmente para aporrinhar, pois ele está numa outra disputa.
Diferente de antigamente, agora é que estamos tendo um instrumento teórico
adequado para tratar desse problema. O dever de lealdade e colaboração, nesse
exemplo, mostra-se, então, irrelevante.
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Aluno Rômulo: Pagar o condomínio é uma obrigação acessória?
Não, ela é uma obrigação principal. É obrigação principal do condômino.
Esse é o último aspecto social do contrato. O professor Raphael deu outro título
a esse assunto: “Caminhos e Descaminhos de Uma Ideia”. Mas a Função Social do
Contrato é uma cláusula geral? Esse é o 1º problema. É uma cláusula e um princípio, ou
é ela apenas um princípio? Existem 2 correntes, e a do professor, a 2ª, é quase unitária
(mais 1 ou 2 pessoas entendem dessa forma). A corrente 1 é a majoritária(todo mundo
adota).
Art. 421 CC/02. A liberdade de contratar será exercida em razão e nos limites da função social
do contrato.
Por que esse título: “Caminhos e Descaminhos de Uma Ideia”? A Função Social
do Contrato surgiu de onde?
Aluno: “Do Dto. Constitucional”.
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Aluno: “É uma novidade do Novo CC/02”.
Vamos entender melhor... Já ouvimos falar de um conceito muito mais famoso
que a Função Social do Contrato, que é a Função Social da Propriedade. O problema da
compreensão da Função Social do Contrato é a Função Social da Propriedade, pois essa
ideia da Função Social da Propriedade surgiu na Alemanha, na famosa República de
Weimar. No meio dessa Constituição havia a seguinte frase: “A propriedade obriga!” E
isso significa que, diferentemente do que se pensou até a Constituição de Weimar (que a
propriedade era o único direito onde você estava numa posição de credor e o mundo
inteiro era devedor, ou seja, devia-se respeitar aquele direito), a partir de agora a
Constituição também submete o proprietário a uma série de obrigações.
A evolução dessa ideia (de que a propriedade não é apenas uma posição
creditícia, mas também debitória para o proprietário) vai caminhando, caminhando... até
que chega à nossa Constituição Federal, e o legislador constituinte coloca de maneira
muito clara: “São princípios da ordem econômica que a propriedade atenda à sua função
social.”
Art. 170 CRFB/1988. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na
livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça
social, observados os seguintes princípios:
III - função social da propriedade;
Comecemos com uma questão teórica: a Constituição chama a função social da
propriedade de princípio. Precisamos respeitar isso? A discussão dos princípios, no
Brasil, onde se começou a trabalhar a distinção entre princípios, regras, cláusulas gerais,
etc., é do final da década de 1990 em diante. Antes disso chamavam de princípio o que
era regra, regra o que era princípio, princípio o que era cláusula geral, etc. Assim, o fato
de a Constituição chamar algo de princípio ou regra é algo que não vamos obedecer.
Isso é pacífico! Ela pode chamar algo de regra, que diremos se tratar, na verdade, de um
princípio. Ex.: Publicidade, que a CRFB/88 trata como regra, quando, na verdade, é um
princípio.
A 2ª questão teórica é de que se trata de um princípio. Já, já, falaremos disso,
mas antes cheguemos à seguinte conclusão: o que essa cláusula geral ou princípio (não
enfrentaremos isso agora) nos diz? Diz que, na verdade, a propriedade tem que se inserir
no seu “todo social”, na sua coletividade. A propriedade existe para o proprietário e para
a coletividade.
Ex.: Uma propriedade que agride o meio ambiente está cumprindo a sua função social?
Não! E uma propriedade improdutiva, cumpre? Não! Uma propriedade utilizada para
práticas ilícitas (uma agricultura absolutamente sustentável, sem mão-de-obra escrava,
com ótima produtividade, só que são culturas psicotrópicas)? Não! Assim, por essa
corrente, a função social da propriedade determina que essa propriedade seja exercida
não só para atender aos interesses do proprietário, mas também de forma a não
prejudicar os interesses da coletividade.
O Código Civil é de 2002. Eles viram a função social da propriedade e a função
social do contrato. Daí, tiraram essa ideia. Isso significa que a função social da
propriedade – isso é pacífico – determina uma série de deveres proprietários em prol da
coletividade. A função social do contrato irá dizer a mesma coisa, que o contrato não
pode ser ambientalmente incorreto, que ele não pode ser nocivo para os interesses
concorrenciais (p. ex., uma fusão não pode ser perniciosa ao mercado). E, com base
nessa corrente, nessa aproximação entre um conceito e outro, chegou-se a essa grande
corrente majoritária, que tentava ver que:
27
A sociedade era introduzida no contrato. Mais uma vez o contrato teria que ser
introduzido na sociedade de forma a se respeitar os valores dessa sociedade, os seus
bens. Essa posição é adequada? E se não for, qual é o seu problema?
Aluno: “Eu acho que a preocupação do contrato, visando o bem social (coletivo), é o
interesse entre duas partes de contratar.”
Essa é uma ideia muito boa. Agora, não é que todo contrato tenha que ser voltado para o
seu objetivo principal, que é atender bens sociais. Essa corrente não vai chegar a esse
ponto. Ela, simplesmente, vai dizer que não pode ser nocivo a interesses sociais.
Aluno: “Os contratantes têm uma liberdade contratual, mas há limites. Essa função
social não deixa de ser um limitador, porque ela sempre está voltada para a coletividade,
não podendo trazer prejuízos para o meio ambiente e para a coletividade. Então, eu vejo
que essa corrente majoritária tem na função social a garantia da coletividade em relação
ao que é pactuado num contrato.”
Esse aluno é, então, defensor dessa 1ª corrente, o que não há o menor problema para o
professor. O ídolo deste último, Pontes de Miranda, tinha um único problema: só ele
pensava daquele modo, e dizia que já era pacífico e unânime da doutrina (doutrina que
ele achava certa, ou seja, ele mesmo) aquele entendimento. O professor alega que só ele
entende dessa maneira, mas não critica quem não é adepto de sua opinião.
Para ele, o grande problema da doutrina que vai analisar a questão 2 é que ela
vai partir da seguinte premissa: A CRFB é de 1988. O CC foi feito na década de 1970.
O que a comissão de juristas, encabeçadas por Miguel Reale, e entrando nessa parte de
Contratos, o que Agostinho Alvim quis quanto a essa função social do contrato, foi
adotar uma teoria italiana que reconhecia o contrato como um fato social, um fato
socialmente útil, socialmente positivo para as práticas cotidianas. Como um fato
socialmente útil, enquanto ele tiver essa utilidade social de ser um contrato, ele é, por si
só, valoroso.
As condições para um contrato atender à sua função social são 2: ser útil e justo.
Essa é a teoria que Miguel Reale quis, expressamente, incorporar no Código Civil, ao
colocar essa questão da função social do contrato. Ele simplesmente quer que esses
contratos não sejam nocivos, principalmente para as partes contratantes. Ele pega essa
teoria de 2 juristas italianos: Emilio Betti eCimbali, que têm essa concepção.
E a doutrina que vai defender a corrente 2 dirá: “Primeiramente, o que a corrente
1 faz, na verdade, é mal interpretar um fenômeno contratual, que é a interpretação da
projeção dos efeitos contráteis para terceiros, que não são partes naquela relação
contratual.” É o caso típico, p. ex., do cantor Zeca Pagodinho. Ele era contratado da
Brahma, cuja estratégia de marketing era toda em cima desse cantor. Da noite para o
dia, em troca de alguns milhões, ele disse que a Schincariol era muito melhor e resolveu
ser garoto propaganda dela. A Brahma processou a Schincariol por estar interferindo
diretamente nesse contrato, lesando uma parte (ela, a Brahma).
Essa é uma 2ª situação: “a necessidade do contrato não violar interesses
concorrenciais”. Ele não pode ser considerado lesivo ao mercado concorrencial.
A 3ª situação: “a questão dos direitos ambientais”. Tudo isso tem a ver com o
fato de que se aceita que o contrato projete seus efeitos para além da relação contratual.
É uma transeficácia do contrato para além daquelas partes que inicialmente formavam
aquele vínculo contratual.
Aluno: “Por causa disso, seria de interesse processar o Zeca Pagodinho por ter quebrado
o contrato com a 1ª cervejaria?”
28
Sim, por violação do contrato, enquanto que a outra cervejaria foi processada por não
respeitar aquele contrato. Aqui, o dever de boa-fé da Schincariol, assim foi entendido,
era respeitar aquela relação contratual. Nesse caso, a 2ª cervejaria, sem qualquer
notificação à outra parte, sem qual rescisão da outra parte, acordou com o cantor os
seguintes termos: “Vou te pagar R$5 milhões e arcarei com qualquer multa que você
tenha que pagar para a outra parte pelo descumprimento do seu contrato com ela.”
Um fenômeno que existe e acontece é o da projeção dos efeitos do contrato
para terceiros e o do ordenamento jurídico, percebendo que o contrato não é uma “ilha
de regulação” (que está além do ordenamento, que está em volta).
Isso é uma situação. Outra coisa é saber qual a função social do contrato. Como
já vimo, é ser útil e justo. Útil para as partes, para a sua finalidade; e justo para os
contratantes.
Aluno: “A Brahma poderia invocar essa função social do contrato? E podendo, onde ela
se enquadraria na parte que a prejudica?”
Seguindo a corrente 2, o professor entende que não é um problema de função social do
contrato. O contrato estava cumprindo-a. O problema é a má-fé da outra parte. Mas o
que a corrente 1 dirá é que, na verdade, a outra parte não respeitou a função social
daquele contrato.
Fortalecendo o seu argumento, o professor Raphael tem 2 pontos. Para não nos
alongarmos muito nessa questão de função social, que é muito complexa e ninguém
trata direito disso, pode-se dizer que dificilmente seremos demandados a resolver
questões com base na função social do contrato. Uma questão que precisa ser bem
observada é que o Código não usa só função social para o contrato, mas também em
diversos outros diversos outros dispositivos, principalmente os ligados à propriedade,
querendo justamente afastar essa ideia de coletividade, e falar que a função social é o
próprio uso que se faz da propriedade, a própria possibilidade de se extrair utilidade
daquela relação proprietária. Outra questão também relevante, e aí voltamos à dúvida:
se é cláusula geral ou princípio. Se você defende que a função social é um princípio,
que princípio é esse, qual é a sua finalidade? Não se consegue evoluir muito com essa
ideia de coletividade, já que existem outros princípios que tutelam as situações tratadas
pela 1ª corrente. Já se você for pela 2ª corrente, encontraráuma cláusula geral, que, na
sua aplicação, encontrará outros princípios (p. ex., o princípio da eticidade, da
socialidade, da autodeterminação). São ideias muito fortes com essa questão de função
social do contrato.
Com isso, concluímos os Aspectos Sociais do Contrato.
Aluno: “Essa corrente 1 enxerga mais esse aspecto como um reflexo do contrato na
coletividade, enquanto a corrente 2 o vê entre os pactuantes.”
Exatamente! O contrato, como fato social, é, por si só, socialmente benéfico, conquanto
que seja útil e justo.
Quem irá tratar da 2ª corrente discutindo a 1ª, é o professor Gerson Branco, no
livro Função Social do Contrato, publicado em 2009 pela Saraiva.
29
Você me dá R$50,00 por esse apagador? Suponhamos que você não sabe quanto custa
um apagador e pense que é um bom negócio comprá-lo por esse preço. Cadê o Estado?
Aluno: “Mas o Estado garante que você não cobre esse preço abusivo.”
O fato de eu não te roubar é outra questão. O contrato está sendo feito entre você e eu
agora. Cadê o Estado? Você me dá esse valor que o apagador é seu, automaticamente.
Essa é uma questão. Outra questão é eu te prometer entregar o objeto na 2ª-Feira. Se eu
te der o apagador, onde o Estado interviu? “Ah, mas ele poderia intervir!” Nós estamos
falando de um fato jurídico, e como fato jurídico é evidente que ele tem projeções do
Direito, e o nosso Direito, hoje em dia, é basicamente estatal, já que a autotutela é muito
pouco determinada. A relação, aqui, é privada. Não tem Estado por enquanto. O Estado
entra como uma força corretora, etc.
Por outro lado, o professor não disse que, pela corrente 2, pode-se desrespeitar o
meio ambiente, ou os direitos fundamentais. O que ele quer dizer é que o objeto de
tutela é diferenciado. É preciso respeitar o meio ambiente porque existe uma lei que
proíbe a pratica de atos que o viole. Não se podem praticar atos que violem as leis da
livre concorrência, porque há uma lei que tipifica condutas que são anti-competitivas.
Mas isso, a seu ver, não é função social do contrato. Afunção social do contrato é ser
útil e justo. Isso serve apenas para compreendermos para quê serve essa função social
do contrato e pararmos de utilizá-la como se fosse um argumento dizendo que o novo
CC quer que o contrato seja ambientalmente correto, que ele respeite a livre iniciativa,
que ele não seja utilizado para contratar trabalho escravo. Há normas que proíbem isso,
mas não por causa dessa cláusula de função social do contrato. E, como já se explicou,
não se quer dizer com a corrente 2: “Que se danem os direitos fundamentais!” NÃO!
Voltando ao ponto da aula de hoje, propriamente, o grande “pulo do gato” qual
é? Existem contratos que demoram semanas, às vezes alguns meses, para serem
negociados. O que o advogado fica tanto tempo fazendo? Ele é lento, incompetente? Ou
cada mês ele coloca mais 50 páginas de dispositivos contratuais (as cláusulas)? Mas o
que ele, de fato, está estabelecendo nesse contrato?
Aluno: “Os interesses de uma das partes, para que as cláusulas sejam aceitas.”
Aluno: “Ele está defendendo o que é melhor para o seu cliente, e o advogado da outra
parte, o que é melhor para ela.”
Mas o que esse advogado está regulando? Qual o objeto da sua regulação, que é
problemático? O professor, como advogado, não se lembra de alguma vez ter perdido
tempo pensando qual é o objeto do contrato (a não ser que seja um contrato em que nem
o seu cliente saiba o que está contratando), ou pelo menos, nunca foi objeto de qualquer
reunião com cliente discutir o que é o objeto do contrato. O objeto do contrato vem
“redondo” para o advogado. Ex.: “Eu quero uma turbina de avião, da marca X, com tais
especificações.” Não é nossa parte discutir o objeto do contrato. O que podemos
discutir, que é relacionado ao objeto, é qual “veste jurídica” daremos a esse contrato (o
contrato é um instrumento para dar uma veste jurídica para uma relação econômica).
O que se discute é a questão comercial. Como advogado, o professor não sabe se
o seu cliente vai pagar em 50 ou em 100 vezes, se o seu cliente será remunerado com
taxa de juros de 1, 3, ou 5%. Isso já chega redondo para o advogado. O objeto da
regulação contratual, para o advogado, é a distribuição de riscos. A única coisa com a
qual ele irá trabalhar e discutir a vida inteira será a distribuição de riscos entre as 2
partes. E tem mais: O advogado irá discutir redação de cláusula pensando quais os
riscos que estarão sendo incluindo com a redação X, quais os riscos que estarão sendo
excluídos com a redação Y. Uma pergunta que não é tão banal: o que é risco?
Aluno: “O descumprimento das cláusulas contratuais.”
O inadimplemento é um exemplo de risco.
30
Aluno: “É a possibilidade de frustrar alguma cláusula da relação contratual.”
É mais amplo que isso! Qualquer evento que possa trazer um risco. Evento tem 2
características: é um acontecimento possível e que não depende da vontade das partes.
Exs. de riscos famosos: valorização/desvalorização cambial; intempéries.
Assim sendo, no contrato, o que vamos regular são os riscos, todos os eventos
que podem causar prejuízo a uma das partes, e que estejam fora do seu âmbito de
controle, pelo menos fora do seu âmbito de controle mais imediato. E nesse tópico de
regulação de riscos, que é o motivo pelo qual as pessoas celebram contratos, naquela
negociação do apagador por R$50,00, embora até nessa operação haja riscos (ela pode
constatar que o apagador está quebrado, e isso é um risco que ela está assumindo; e o
professor está assumindo o risco de que a nota que ela lhe deu seja falsa). Não existe
operação sem risco, assim como não existe cirurgia médica sem riscos, também.
O contrato, então, é um grande esforço de presentificação dos riscos
futuros. O 1º passo é a pessoa vislumbrar todos os riscos que ela tem naquela relação
contratual. Fazer isso é bastante trabalhoso. Imagine quais os riscos de uma empresa
comprando outra. Podemos pensar nos passivos trabalhistas, ambientais, fiscais, riscos
contábeis, riscos com os seus consumidores, riscos de inadimplemento,... riscos
inúmeros. Assim, o 1º objetivo é presentificar esses riscos, e o 2º é distribuir entre as
partes, visualizando o risco.
Ex.: Chegamos à conclusão que a empresa fez algo que não devia na área ambiental, e
isso pode gerar uma autuação daqui a até 5 anos. De quem é esse risco a ser assumido
no contrato? Essa é uma situação: nós presentificamos o risco e o distribuímos no
contrato. 2º problema: não consideramos um risco e ele se materializou, o que é muito
mais problemático sob o aspecto prático.
Isso nos leva para os 2 temas da aula de hoje:
Cícero está nos dizendo que, mudadas as condições, o contrato precisa ser
revisto. Mas como iremos revê-lo?
CC/2002 - Art. 317. Quando, por motivos imprevisíveis, sobrevier desproporção manifesta entre
o valor da prestação devida e o do momento de sua execução, poderá o juiz corrigi-lo, a pedido
da parte, de modo que assegure, quanto possível, o valor real da prestação.
Art. 418. Se a parte que deu as arras não executar o contrato, poderá a outra tê-lo por desfeito,
retendo-as; se a inexecução for de quem recebeu as arras, poderá quem as deu haver o
contrato por desfeito, e exigir sua devolução mais o equivalente, com atualização monetária
segundo índices oficiais regularmente estabelecidos, juros e honorários de advogado.
O Código estabelece uma série de situações em que o contrato perde a sua força
obrigatória. Ou melhor, não se exige (e aí temos a nossa intervenção estatal) que o
32
contrato seja cumprido naquelas condições. Essa situação é denominada como cláusula
rebus sic standibus. Ela surge justamente para reforçar a ideia de que o contrato uma
vez pactuado – aquela ideia de consensualismo que já vimos em aula anterior – ele não
pode se modificado por uma das partes unilateralmente. Se uma das partes teve
prejuízo, não importa. Se ela achou que aquilo era justo no momento da formação do
contrato, aquele contrato tem que ser cumprido daquela forma.
Existem 3 grandes teorias que tentaram trabalhar esse problema da cláusula
rebus sic standibus: as teorias francesa, alemã e italiana.
2) Uma teoria muito forte que irá tratar do problema da cláusula rebus sic standibus é a
Teoria Alemã, chamada Teoria da Base Objetiva do Contrato. Todos os
ordenamentos jurídicos tentam enfrentar esse problema da cláusula rebus sic standibus,
da imutabilidade do contrato uma vez pactuado.
Na teoria italiana surgiu uma jurisprudência qualquer que decidiu o seguinte:
“Vamos autorizar essa mudança quando houver a imprevisibilidade, a excepcionalidade
da álea, quando houver uma desproporção entre as prestações”, e por aí vai... Mas
vieram os alemães e, resolvendo o seu próprio problema, o 1º autor, chamado
Windscheid, disse o seguinte: “Quando eu celebro um contrato, a parte normalmente
tem certas pressuposições, ou melhor, ela realiza um contrato com base em certas
pressuposições que limitam o conteúdo da declaração negocial”. Windscheid era um
voluntarista do final do séc. XIX. Essas pressuposições funcionam quase como
condiçõesimplícitas do contrato. Ex.: “Fiz um financiamento para a compra de um carro
com base na pressuposição de que o meu chefe iria aumentar o meu salário, já que na
última semana nós tivemos uma conversa e ele demonstrou que queria me dar esse
aumento”. Então, esse aumento de salário, para o Windscheid, seria quase como uma
condição implícita do contrato. Não ocorrendo aquilo que era uma pressuposição, o
contrato deixa de ser obrigatório, tornando-se inválido. Essa teoria, de fato, é deveras
33
improcedente! Mas é uma teoria voluntarista do contrato, fundada na ideia de que a
vontade, e não a declaração negocial, é o elemento fundamental da constituição do
vínculo jurídico.
Lembrando Introdução ao Dto. Civil, os motivos de um negócio jurídico:
motivações de um negócio jurídico que se mostram errôneas. O nosso ordenamento
jurídico dá alguma importância a elas? Depende de qual é a motivação.
CC/2002 - Art. 140. O falso motivo só vicia a declaração de vontade quando expresso como
razão determinante.
Ou seja, se eu estabeleço num contrato que a razão determinante da sua existência é
uma certa pressuposição minha, aquilo passa a ter uma relevância contratual e serve
quase como uma condição para a realização daquele contrato. Mas não sendo essa a
hipótese, do motivo ser condição determinante e expressa, a teoria contratual, desde
sempre, vai dizer que o motivo, o falso motivo, essa condição não expressa, que não se
realiza, não vicia o negócio jurídico, pois isso está no âmbito psicológico da parte. Se
ela quisesse que fosse determinante, ela deveria exteriorizá-lo.
E aí surge a nossa 2ª teoria, que irá combater a Teoria da Pressuposição, que é a
Teoria da Base Subjetiva do Contrato. Construída por um alemão chamado
Oertmann, essa teoria dirá que a teoria do Windscheid é interessante, mas só funciona se
ambas as partes tiverem essa pressuposição em comum, e se foi uma pressuposição
aceita por elas (se essas reservas mentais forem aceitas), se esses motivos forem
contratualmente aceitos, objetivados. Não necessariamente objetivados no contrato, mas
for algo que esteja evidente pela própria natureza da relação.
Ex. clássico da doutrina 1: Digamos que você é convidado para um evento, que se
realizará em Petrópolis. Como todo estudante é sempre desprovido de verbas, a
organização do evento contrata ou indica moradores locais para hospedarem os
estudantes durante esse evento. Os estudantes celebram com estes moradores locais um
contrato de locação do imóvel, ou uma locação da cama, ou de parte do imóvel. O
evento é cancelado! Pela teoria da base subjetiva do contrato, este contrato vincula as
partes? Pensemos: qual era a pressuposição daquele contrato? R.: Que haveria o evento.
Se este foi cancelado, o contrato deixou de ser obrigatório. Não há dúvida que as partes
tinham a consciência da relevância daquele motivo, daquela pressuposição.
Ex. clássico da doutrina 2 (Oertmann): As partes, com base no falso motivo, ou seja,
com base na falsa pressuposição de que R$1,00 valia US$25,00. Assim, foi estabelecido
um contrato no qual uma pessoa emprestava US$25,00 e a outra prometia, quando
chegasse ao Brasil, pagar R$1,00. Só que aí, descobriram que a cotação, de fato, era
R$1,00 para US$250,00, e que, na verdade, aqueles US$25,00 emprestados valiam
R$0,10. Um queria cobrar R$1,00 e o outro queria pagar R$0,10, que era efetivamente o
dinheiro emprestado, com base na cotação real. A doutrina de Oertmann dirá que a
pressuposição é que aquele negócio foi celebrado com a 1ª cotação. Isso está claro pelas
trocas de minutas, pelo contrato, pelo recibo dado. Se de fato é isso, esse contrato deixa
de ser obrigatório, pois o que ele terá de devolver será somente os US$25,00.
O problema dessa 2ª teoria, a teoria da base subjetiva, de Oertmann, é que cai
muito também na questão da análise da subjetividade. Nos casos teratológicos, os muito
evidentes, consegue-se resolver, mas nos casos mais complexos haverá, sempre, uma
dificuldade de analisar essa subjetividade, o que era evidente para ambas as partes,
especialmente se o contrato não dispõe sobre isso, etc.
E aí surge a teoria que vai bater nisso tudo: ateoria da base objetiva do contrato,
que é a que tem relevância para o nosso estudo. É de outro alemão chamado Larenz (já
discutimos na aula passada quando estudamos boa-fé). A teoria da base objetiva do
contrato dirá que o contrato se fundamenta numa certa base negocial, formado pelas
34
suas condições socioeconômicas. Não são as pressuposições de cada uma das partes
dizendo que todo mundo está de acordo com quais são essas pressuposições. São as
condições socioeconômicas do próprio ambiente contratual. Quando eu poderei rever
um contrato? R.: Quando esta base contratual for desfeita, impedindo a realização da
própria finalidade do contrato. Quais são os pressupostos para a aplicação da teoria da
base objetiva do contrato?
1) Destruição da relação de equivalência construída;
2) A própria frustração, ou o impedimento da realização da finalidade do contrato.
Suponhamos que haja um contrato de colaboração entre 2 partes para o
desenvolvimento de um impedimento contratual, em que a parte A tenha assumido uma
obrigação pecuniária. Se há um desequilíbrio cambial, que levará a parte A à falência, é
evidente que aquele contrato precisa ser revisto, pois a base sobre a qual se assentava
aquele contrato já não mais existe.
Essa teoria é muito influente para a jurisprudência do Direito brasileiro,
principalmente antes do Código Civil. E encontraremos julgados agora do STJ, como
veremos na próxima aula, que irão fundamentar a aplicação da revisão do contrato com
base na quebra da base objetiva do contrato. Por que isso é relevante distinguirmos
essas teorias? R.: Porque veremos que os pressupostos delas são diferentes.
Ex.: Em relação a essa quebra da base objetiva do contrato, qual a sua diferença para a
anterior (Teoria da Imprevisão francesa)? Estamos discutindo, aqui, a imprevisibilidade,
a excepcionalidade do evento? Não! Para teoria dabase objetiva do negócio jurídicoisso
não tem a menor relevância. Num caso concreto, a teoria alemã pode reconhecer como
sendo um caso passível de revisão contratual, e a teoria francesa entender que não.
Recapitulando, a Teoria Objetiva parte da ideia de que a cláusula rebus sic
standibus só existe mantida a base socioeconômica daquela contratação. Suponhamos
que você fez um contrato na Líbia, e parece que lá estão ocorrendo problemas sociais.
Aquele contrato, com o qual você se obrigou a realizar uma prestação lá, por essa teoria,
é obrigatório? Você deve cumpri-lo mesmo assim? Aparentemente, não.
Ou questões econômicas... Vamos supor que haja uma maxi valorização do
dólar, ou que o preço de um insumo que você precisava para prestar ficou muito caro,
ou muito barato, desequilibrando aquela relação. Nesse caso, pela Teoria da Base
Objetiva do negócio jurídico, você consegue rever aquela relação contratual, rever os
termos daquele contrato.
CC/2002 - Art. 317. Quando, por motivos imprevisíveis, sobrevier desproporção manifesta
entre o valor da prestação devida e o do momento de sua execução, poderá o juiz corrigi-lo, a
pedido da parte, de modo que assegure, quanto possível, o valor real da prestação.
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CC/2002 - Art. 478. Nos contratos de execução continuada ou diferida, se a prestação de
uma das partes se tornar excessivamente onerosa, com extrema vantagem para a outra,
em virtude de acontecimentos extraordinários e imprevisíveis, poderá o devedor pedir a
resolução do contrato. Os efeitos da sentença que a decretar retroagirão à data da citação.
CC/2002 - Art. 479. A resolução poderá ser evitada, oferecendo-se o réu a modificar
equitativamente as condições do contrato.
CC/2002 - Art. 480. Se no contrato as obrigações couberem a apenas uma das partes, poderá
ela pleitear que a sua prestação seja reduzida, ou alterado o modo de executá-la, a fim de
evitar a onerosidade excessiva.
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CDC - ART. 6º – São direitos básicos do consumidor:
V– a modificação das cláusulas contratuais que estabeleçam prestações
desproporcionais ou sua revisão em razão de fatos supervenientes que as tornem
excessivamente onerosas.
Das teorias que discutimos qual a adotada pelo CDC? Pensemos nos pressupostos: ele
está exigindo imprevisão? Não, e sim, fatos supervenientes. Por conclusão, ele adota a
teoria da base objetiva do negócio jurídico (teoria alemã). Então, em relações de
consumo aplicaremos uma teoria, vamos verificar certos pressupostos fáticos para
permitir a revisão contratual; e em outras relações (relações paritárias), regidas pelo CC,
adotaremos a teoria ítalo-brasileira.
Para concluir, vejamos um acórdão do STJ, discutindo função social da
propriedade. É o famoso caso do leasing. Um sujeito pagou 55 de 60 prestações do
leasing de algo que ele comprou. Na 55ª ele parou de pagar. Em Dto. das Obrigações,
essa situação já foi vista. Ela é chamada de Adimplemento Substancial. Mas o que
interessa aqui é a fundamentação usada pelo ministro do STJ. A empresa recorreu ao
STJ. No 1º grau, o tribunal do R.S., salvo engano, reconheceu a existência do
adimplemento substancial (é quando alguém cumpriu tanto com a sua obrigação, que
apesar de haver um inadimplemento parcial, ou residual, isso impede que a outra parte
exerça uma faculdade que o contrato normalmente prevê a resolução ou a retomada de
um bem): 55 de 60 prestações. Ele deixou de pagar as 5 últimas porque, p. ex., perdeu o
emprego. Reconhece-se, nesse caso, que as faculdades contratuais permissíveis no
começo do contrato já não podem ser aplicadas. As principais delas são a possibilidade
de resolver o contrato, a possibilidade de retomar o bem.
A empresa recorreu ao STJ, alegando que:
“Nos termos da Lei 6099/1974, que regula o leasing, a ação de reintegração de posse
seria procedente, pois o devedor se acha em mora. Segundo a empresa, a decisão do TJ-
RS teria desrespeitado o art.51 CDC, e também os arts. 422, 394 e 475 CC (esses
últimos se referem ao cumprimento de cláusulas contratuais e à resolução do contrato
em caso de inadimplemento).”
O ministro Luís Felipe Salomão dirá: “O direito da extinção do contrato, a
pedido do credor, deve ser reconhecido com cautela”. Ele apontou que o contrato, hoje,
é prática social, de especial importância, e, consequentemente, o Estado não pode
relega-lo à esfera das deliberações particulares. Como a cláusula da função social é
redigida? A autonomia privada será exercida observando-se a função social do contrato.
“A insuficiência obrigacional poderá ser relativizada com vistas à preservação da
relevância social do contrato e da boa-fé, desde que a resolução do contrato não
corresponda satisfatoriamente a esses princípios” – ponderou o ministro relatos. Essa é,
segundo ele, a essência da doutrina do adimplemento substancial do contrato.
RESP. 1.051.270. Passemos, agora, para o estudo de casos.
1ª Prova
Teoria do Inadimplemento
Prof. Raphael Manhães
A empresa Sósoja Cooperativa Agrícola (“Sósoja”) é uma das maiores revendedoras de soja do
Rio Grande do Sul, o 3º maior estado produtor de soja do país. Como uma típica cooperativa,
regulada pela Lei nº 5.674/1971, a Sósoja adquire no mercado os insumos e os repassa aos
cooperativados. No final da colheita, a Sósoja é paga pelos insumos e, com essa verba, repaga
seus fornecedores.
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Esse é o esquema típico de uma cooperativa. Ela funciona como um grande devedor perante
terceiros. Uma coisa é um pequeno agricultor, com sua pequena plantação de soja de 10 ha,
contratar um financiamento no banco. Isso é uma coisa difícil. Então o que fazer? Reúnem-se
50 mil pequenos agricultores numa cooperativa e essa cooperativa passa a se relacionar com o
terceiro (no caso, um banco) e com essas empresas (Mondiablo). Na verdade ela fará essa
grande transição financeira e servindo como um grande resguardo para os cooperativados.
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QUESTÃO: Com base no acima exposto, elabore sentença (apenas os fundamentos e o
dispositivo) decidindo a lide. É permitida a consulta de livros e revistas, sendo vedada consulta
a quaisquer apontamentos de sala de aula. A prova termina 08h40min (independente do
atraso regulamentar do professor em iniciar a prova).
Sentença:
Aluno: A partir do momento que foi assinada a promissória, a cooperativa sabe que ela pode
ser acionada.
Aluno: No caso da negativação, a Sósoja não deveria ter sido avisada? Quem faz a notificação é
o próprio órgão, mas a Mondiablo deveria pelo menos comunicar?
Professor: Você não pode ser surpreendido pela negativação sem ter sido comunicado. Assim,
a prática de mercado é levar a protesto, e esse protesto automaticamente vai para o SPC /
SERASA. Esse, assim que chega a notificação, ele manda uma carta dizendo que seu nome nos
próximos dias será incluído no cadastro. Logo, quem faz a notificação é o SERASA.
E quando é feita a liquidação, o credor tem o dever de imediatamente comunicar ao
SERASA, para “limpar” seu nome.
Analisemos, agora, os pontos problemáticos deste caso:
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Aluno: “A informação de que a quebra da safra foi de 90% não implica na existência de indícios
de uma catástrofe impossível de ser prevista no momento da contratação?”
Professor: Mas aí estamos trabalhando com a teoria das pressuposições, já afastada desde o
início: ele ter feito o contrato na pressuposição de que não teria quebra de safra. Ou não?
Aluno: “Poderia haver uma quebra de safra, sim, mas não nessa magnitude. Não sei se isso faz
alguma diferença, mas 90% da produção é monstruoso!”
Professor: Mas quebras de safra costumam ser nessa grandeza.
Não temos dúvida de que ou é uma hipótese de caso fortuito ou de força maior.
4) Superendividamento. A matemática de hoje é muito em voga, principalmente pelo projeto
de lei que vai rever o CDC, no qual o Superendividamento terá um tratamento específico (coisa
que hoje não tem). Mas isso é juridicamente relevante?
Aluno: “Podemos dizer que a Sósoja não terá condições de pagar isso tudo. Logo, para que ela
tenha a possibilidade de adimplir, esses juros deveriam ser reduzidos pelo juiz.”
Professor: Em 1º lugar, nesse caso estamos falando de uma relação de consumo ou não?
Normalmente a questão do Superendividamento é centrada numa pessoa, que se
superendivida por determinadas circunstâncias.
Trabalhando com o que aprendemos, é um caso que permite a revisão do contrato,
com base no art.317?
Aluno: “Depende se nós vamos considerar o caso fortuito e a força maior.”
Professor: Quais são os pressupostos com os quais nós trabalhamos? Só há o caso fortuito?
Houve desproporção?
Não houve desproporção. Não chegou ao caso de Superendividamento. Não ter como
pagar não é motivo para rever o contrato. Superindividamento é voltado para PF’s. PJ que não
tem como pagar sua dívida vai à falência.
5) Qual o efeito da quebra da colheita no contrato, nesse contexto?
6) Qual a importância dos princípios mencionados pela outra parte?
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Como vamos qualificar o evento quebra de safra? É previsível!
Temos que trabalhar, também, com os princípios aprendidos: autonomia privada,
função social do contrato, boa-fé, riscos.
O CDC defende uma coisa, enquanto o CC defende outra. É necessário enquadrar a
relação num ou noutro para se resolver a questão. Uma vez que foi enquadrada como, p. ex.,
teoria da base objetiva do contrato (aplicada às relações de consumo), é preciso averiguar se
estão presentes os pressupostos. Esse é o raciocínio correto.
Durante muito tempo, não tínhamos teoria legislativa. A lei não dizia qual teoria
deveria ser aplicada (que entendia ser a certa). As pessoas achavam por bem fundamentar, p.
ex., na teoria da imprevisão francesa, e analisavam o caso considerando isso: “Aplicando a
Teoria da Imprevisão, é possível rever o contrato”; ou na teoria da base objetiva do negócio
jurídico: “Aplicando a teoria da base objetiva do negócio jurídico, é possível rever o contrato”.
Hoje nós não temos essa liberdade porque o legislador brasileiro adotou posições,
dizendo qual teoria ele considera relevante para rever o contrato.
1ª Prova
Teoria do Inadimplemento
Prof. Raphael Manhães Martins
Como forma de viabilizar o projeto, ABC SPE contratou um financiamento com o Banco XYZ S/A
(“XYZ”), em 13 de abril de 2005, nos seguintes termos: (i) ABC SPE deveria concluir a
construção do empreendimento e obter o “habite-se”, no prazo improrrogável de 24 meses;
(ii) o financiamento deveria ser quitado, em 62 parcelas mensais e sucessivas, a serem pagas
todo dia 5, sendo que o pagamento considera-se realizado no momento da compensação do
crédito e não quando do depósito do cheque; (iii) até a obtenção do “habite-se”, o imóvel
ficará hipotecado, em favor do XYZ, garantindo o financiamento; e (iv) considerando que a ABC
SPE não conseguiria vender as unidades comerciais, enquanto as mesmas estivessem
hipotecadas em favor da XYZ, após a liberação do habite-se, XYZ concorda em trocar a
hipoteca por uma fiança, emitida por instituição financeira com rating igual ou superior a BB+
(bra). Importante notar que o descumprimento dos itens i e ii implicaria em vencimento
automático e antecipado da dívida.
i) ABC SPE pagava todas as parcelas da dívida, mas, por descuido na interpretação do
contrato, efetuava o depósito do cheque na data do vencimento e não na véspera;
ii) Uma vez obtido o habite-se, em janeiro de 2008, ABC SPE obteve fiança de banco de
rating B (bra), de forma que a XYZ manifestou expressa recusa em desonerar o imóvel;
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iii) ABC, empresa mais sólida que ABC SPE, conseguiu obter a fiança de um banco BB+
(bra), em benefício de sua SPE, mas, após apresentar a fiança para o XYZ, este se manteve
inerte, não se manifestando sobre a substituição da garantia; e
iv) Tendo em vista o impasse com o XYZ, a ABC SPE não conseguia vender as unidades do
edifício comercial.
Não se consegue vender uma unidade de um empreendimento imobiliário enquanto
ele estiver garantido por outrem. Ex.: Você vai até a Gafisa comprar um empreendimento:
“Vamos te vender, mas o empreendimento está em garantia para aquele banco. Você compra,
nós vamos construir, mas ficará em garantia para o banco a fim de podermos pagar o
financiamento que devemos”. Isso não existe!!! Você só consegue vender um imóvel quando
você libera.
No contrato, estabeleceu-se, como condição para a liberação daquela hipoteca de
financiamento do empreendimento, que ele apresentasse uma fiança de determinadas
características, que a instituição financeira considerava adequadas para garantir o seu crédito.
A empresa não conseguiu uma instituição desse nível para garantir a obrigação, mas o
seu controlador conseguiu essa fiança (este assumiu a responsabilidade pela fiança e
conseguiu apresentar uma do nível que XYZ queria). XYZ manteve-se inerte, não executando
nenhum procedimento para liberar a garantia que tinha sido contratada.
Desesperada, ABC SPE entrou com ação contra XYZ, com o seguinte objeto: i) execução
específica da obrigação de fazer, consistente em apresentar o “termo de baixa”, a fim de
liberar a hipoteca; ii) tendo em vista o não cumprimento da obrigação de liberar a hipoteca,
XYZ estaria em mora e, portanto, deveria responder pelos prejuízos causados ao ABC SPE,
consistente na impossibilidade de vender as unidades imobiliárias.
QUESTÃO: Com base no acima exposto, elabore uma sentença (apenas os fundamentos e o
dispositivo) resolvendo a lide. É permitida consulta a materiais impressos. A prova termina
22h40min (independente do atraso regulamentar do professor em iniciar a prova).
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executada em obediência às boas normas de engenharia e arquitetura, e, portanto, não atesta
a segurança da obra e muito menos, a qualidade.
Quando um projeto para construção de um imóvel é aprovado pela prefeitura, significa
que o mesmo atendeu à legislação local e a construção pode ser iniciada após a liberação do
alvará (documento autorizando o início dos serviços). Quando a construção atinge um nível em
que a certidão do habite-se pode ser emitida, o proprietário do imóvel faz a requisição junto
ao órgão competente da prefeitura, que providenciará uma vistoria no imóvel para constatar
se o que foi construído retrata o projeto aprovado inicialmente. Se tudo estiver conforme o
projeto aprovado, a certidão do habite-se é emitida em poucos dias. No entanto, caso haja
algum problema, a certidão será liberada somente após a resolução do mesmo. Fonte:
http://www.escolher-e-construir.eng.br/Dicas/DicasI/Habite/pag1.htm
1) Atraso da parcela. Se você deposita um cheque dia 5, ele será compensado dia 6, 7, 8 ou 9.
ABC SPE sempre realizava os depósitos no dia do vencimento. Logo, a compensação sempre
ocorria em atraso.
No tocante à boa-fé, estabelecemos 3 aspectos seus: Princípio Hermenêutico
Integrativo, Limitar o Exercício de Faculdades Contratuais e Criar Deveres(aula do dia
25/08/2011). Será que se aplica essa limitação do exercício de faculdades contratuais? Sim!
Por que?
Suponhamos que exista um padrão de mercado: multa de 2% e juros, que nunca foram
cobrados. Isso tem relevância? Ele nunca cobrou! Pode ele cobrar agora? Essa mora de
compensação, apesar de contratualmente prevista, era considerada relevante pelo credor?
Temos o indício de que ele tenha cobrado juros alguma vez?
O contrato sempre prevê muitas faculdades para uma das partes, que devem ser
exercidas. Se não são exercidas, a boa-fé dirá que aquilo não era relevante para aquela relação
contratual. Não era relevante para a concepção daquele escopo essa diferença entre
pagamento e compensação. Assim, aplicando essa teoria, chamada de Werwirkung, tem-se
essa faculdade contratual suprimida. O contrato, geralmente nas cláusulas gerais, tem o
seguinte: “O não exercício de uma faculdade não significa que ela não será exercida no
futuro”. Se isso está previsto, faz diferença?
O que estaremos confrontando serão sempre 2 princípios: autonomia privada vs. boa-
fé objetiva. E teremos que tomar posições. O que prevalece?
Haveria atraso, pois foi estipulada, no contrato, a compensação, não o depósito. Mas,
como a parte sempre pagou em atraso, e a outra nunca reclamou, há a perda dessa faculdade.
2) Atraso do habite-se. O habite-se foi atrasado pela incorporadora, que não desenvolveu a
obra em tempo hábil, conforme previsto em contrato. O porquê não vem ao caso.Isso é
relevante? É justificativa para alguma coisa?
Aluno: Não, porque quando falta o habite-se e ela prorroga o pagamento para mais meses,
isso não justifica o inadimplemento das prestações.
Professor: Essa é uma questão que podemos tirar da aula passada, mas as prestações
normalmente têm alguma correspectividade. Qual é a correspectividade do financiamento que
o banco deu? É o pagamento das parcelas.
O habite-se não impediu que a incorporadora pagasse as prestações devidas. Se não
impediu, não há uma correspectividade. Não se pode alegar não cumprir uma obrigação
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porque a outra parte não cumpriu aquela outra obrigação específica, pois não há essa
correspectividade. É a ideia de que “quando um está em mora o outro não precisa cumprir, até
que o outro se adimpla”. Isso é verdade, mas tem que haver essa relação de correspectividade.
Não é porque o sujeito não fez uma coisa que absolutamente é irrelevante, para minha
prestação, que eu posso deixar de cumprir a minha.
3) Relatividade do contrato entre ABC e ABC SPE. Aqui, o que teremos de enfrentar é o fato
de quem cumpriu algumas obrigações não ter sido a parte contratante. Quem contratou a
fiança foi a ABC, e não a ABC SPE.
Outra questão é o medo. Ainda que você supere o problema da relatividade dos
contratos, a outra parte apresentou o controlador e apresentou a fiança, tal como
estabelecida no contrato. O risco de mercado alterou. Essa prova, aplicada em 2009, então
estamos falando do risco pós-crise de 2008. Mas o mesmo risco existe ainda hoje: instituições
financeiras periclitantes, etc. E ele quer uma garantia melhor do que aquela outra parte tinha
se obrigado a entregar no contrato. Houve a mudança dessa situação fática. Isso é relevante
ou não?
4) Obrigação de liberar a hipoteca. Temos todas as questões acima a serem enfrentadas até
trabalharmos questão da obrigação de liberar ou não a hipoteca.
5) Mora na liberação da hipoteca. Como se resolve essa questão? Depende... 1º devemos ver
se há a caracterização da mora ou não. Se houver, você deverá ver se os prejuízos são ou não
consequências da mora.
6)Desoneração do imóvel.
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1) Unilaterais: Foi dito que o contrato é um acordo de vontades, que ele irá se
distinguir do negócio jurídico unilateral justamente por ter 2 partes. Agora, o contrato é
unilateral? Isso faz sentido? Em aulas anteriores vimos que o negócio jurídico pode ser
unilateral ou bilateral. Sendo bilateral, seria classificado de contrato. E agora?
Aqui o problema é mais de denominação, pois na verdade não há dúvida alguma.
O negócio jurídico, para ser classificado como um contrato, ele é bilateral no sentido de
que tem 2 partes, que formam um acordo de vontades. Com essa classificação, olhamos
não para o número de partes, que será sempre 2 (bilateral) ou mais (plurilateral). Essa 1ª
classificação diz respeito à polaridade dos efeitos do contrato. Há contratos que só
produzem obrigações para uma das partes; há contratos que produzem obrigações para
ambas as partes.
Logo, quando se diz que um contrato é unilateral, é porque todas as obrigações
estão centradas num dos lados da relação contratual.
Ex.: Doação pura. No contrato de doação pura, só 1 pessoa se obriga. Esse tipo de
contrato é tão complicado que há ordenamentos que não o consideram como um
contrato, e sim como um negócio jurídico unilateral. O que significa nós considerarmos
a doação como um contrato? Há alguma repercussão prática?
Aluno: “A pessoa que recebe a doação deve consentir, para que a doação se realize”.
Exatamente! Você não pode doar algo para alguém sem que esse alguém queira. Se ela
se recusar a receber a doação, esta não acontece e o contrato não se forma. Você pode
até ficar na posição de possuidora de alguma coisa, mas não houve contrato de doação.
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b) Sinalagmáticos:somente nos contratos sinalagmáticos é que se pode invocar a
exceção do contrato não cumprido.
CC/2002 - Art. 476. Nos contratos bilaterais (seguindo Orlando Gomes, vamos entendê-los
como sinalagmáticos), nenhum dos contratantes, antes de cumprida a sua obrigação, pode
exigir o implemento da do outro.
Em outras palavras, só há mora da outra parte quando você está adimplente. Isso é o que
se chama exceção do contrato não cumprido.
CC/2002 - Art. 477. Se, depois de concluído o contrato, sobrevier a uma das partes contratantes
diminuição em seu patrimônio capaz de comprometer ou tornar duvidosa a prestação pela qual
se obrigou, pode a outra recusar-se à prestação que lhe incumbe, até que aquela satisfaça a
que lhe compete ou dê garantia bastante de satisfazê-la.
Esse é o famoso “perigo de gol”. Está com perigo de inadimplência, enquanto não se
garantir que conseguirá cumprir, a outra parte não precisa cumprir. Isso também é uma
consequência da exceção contrato não cumprido.
Essa classificação também é importante por outras razões. P. ex., somente nos
contratos bilaterais (sinalagmáticos ou não) existe a chamada cláusula da resolução
tácita, na qual uma parte pode resolver uma relação jurídica se a outra está
inadimplente.
Resposta a aluno: A exceção do contrato não cumprido será aplicada apenas aos
contratos sinalagmáticos, mas a faculdade de resolver o contrato por inadimplemento da
outra parte existe tanto nos bilaterais simples quanto nos sinalagmáticos, pois, ainda que
não haja uma correspectividade com a prestação que você deveria dar, se houve um
inadimplemento da outra parte que você considerou significativo o suficiente para
resolver aquela relação jurídica, ainda sim se faculta a resolução daquele contrato.
Resolver o contrato é algo muito traumático numa relação contratual, porque
você, na verdade, vai tentar buscar um status quo ante(“estado atual antes de”).
Teremos uma aula inteira para discutirmos a distinção do contrato. Resolvido o
contrato, você vai tentar voltar ao estado anterior (status quo ante), e, eventualmente,
aplicar as penalidades cabíveis.
Num contrato de financiamento, primeiramente você deveria ver qual a
importância daquilo. Que há o direito de resolução dos contratos bilaterais, não há
dúvida. Agora, esse exercício é limitado por uma série de questões: a função social do
contrato, a boa-fé..., como todas as faculdades que são conferidas à outra parte. Então,
isso pode limitar o seu exercício. Mas, em tese, pelo não cumprimento da obrigação de
realizar a obra, no caso a outra parte poderia resolver aquele contrato de financiamento.
A outra parte tem esse direito. A Lei lhe assegura, por ser um contrato bilateral. Mas na
prática o que se vê é que o contrato vai regular essa situação. Qual a consequência da
outra parte não obter o habite-se no prazo de 24 meses? Cláusula penal de natureza
punitiva (não precisa nem ser moratória)? Pode ser! Possibilidade de a outra parte
resolver aquele contato? Pode ser!
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III – Quanto à aleatoriedade ou à comutatividade (contratos aleatórios e comutativos):
ainda estamos discutindo o objeto da prestação, mas agora a existência ou não de álea
(álea érisco. A diferença entre álea e risco é que álea é um risco contratual). O
contrato aleatório também pode ser chamado de contrato de risco.
Aluno: “Mas a álea expressa um contrato, certo?”
Não necessariamente. A álea pode vir da natureza do contrato. Ex.: contrato de aposta.
Eu preciso dizer: “Você vai apostar R$50,00 nesse cavalo. Caso o cavalo não fique
entre os 3 primeiros, você não terá direito a receber nenhuma contraprestação”? Não,
não precisa! O contrato é de aposta!
Pode vir de disposição contratual expressa ou pode vir das circunstâncias do
caso. Digamos que aquele contrato X é um contrato que se pratica aleatoriamente. Os
usos penetram na relação jurídica, na formação do conteúdo do negócio jurídico. Quer
dizer, você tem o que decorre do tipo, o que decorre dos usos e costumes, e o que vem
disposto contratualmente (“aquilo alieu estou assumindo de forma aleatória”).
Vamos tentar entender álea com o tema mais difícil: contrato de seguros. Qual é a ideia
de um Contrato Comutativo? É que há uma equivalência de prestações. Ex.: “Vou
vender meu celular, você vai pagar um preço”. Há uma equivalência entre o valor do
celular e o preço que está sendo pago. Mas o que acontece se for um valor muito
irrisório? Aí é um caso de simulação, pois o que você fez foi uma doação, na verdade.
Mas, a princípio, o tipo contratual compra e venda prevê uma equivalência de
prestações.
Os Contratos Aleatórios, por outro lado, preveem, na verdade, que uma das
prestações, ou pelo menos uma das prestações, está sujeita a um risco, ou seja, está
sujeita a um evento futuro e incerto, que pode ou não vir a: (i) Acabar com a prestação;
(ii) Diminuir o valor da prestação; ou (iii) Aumentar o valor da prestação.
Pensemos nas corridas de cavalo. Um sujeito vai ao Jockey Clube e faz uma
aposta. Qual é a ideia desse contrato de aposta? Você paga um prêmio (aposta num
cavalo), e se o evento futuro e incerto acontecer (ele vencer), você ganha um múltiplo
do valor por você depositado. No contrato de compra e venda não há esse problema da
incerteza. Você sabe que receberá o preço que foi estipulado.
Pensemos no contrato de seguros. A doutrina sempre entendeu que contrato de
seguro é um contrato aleatório. Por quê? Você paga um prêmio mensalmente, mas você
não sabe se ocorrerá um sinistro que lhe proporcionará receber uma indenização. A
doutrina acabou entendendo que essa era uma concepção completamente errada sobre o
contrato de seguros. Na verdade, o contrato de seguros é eminentemente um contrato
cumulativo, pois de um lado há o pagamento do prêmio, e de outro, a cobertura de um
risco. O objeto do contrato, a prestação da seguradora é, exclusivamente, cobrir riscos.
Não há uma preocupação com quanto você vai ganhar financeiramente lá na frente. A
comutatividade existe, de um lado, entre o prêmio (que é calculado com base no risco) e
a cobertura desse risco pela seguradora.
Aluno: “Há um evento futuro e incerto. Esse evento futuro e incerto seria uma
condição?”
Um dos problemas que temos que enfrentar é o problema da condição. Qual a diferença
entre a álea e a condição? Qual o efeito da condicionalidade, da cláusula de condição
48
num negócio jurídico? O problema da condição está no plano da existência, da validade
ou da eficácia? R.: no plano da eficácia. Condiciona-se, seja no sentido de iniciar ou
suspender a eficácia daquele negócio jurídico a determinado evento futuro e incerto.
Qual a diferença do contrato aleatório para o contrato condicional? É que no
contrato aleatório ele foi eficaz. Não houve uma suspenção da eficácia enquanto a álea
não se materializou. Na nossa corrida de cavalos, você fez uma aposta. O contrato já é
eficaz. Sua eficácia não está condicionada à vitória do cavalo. Só que é um contrato
aleatório, ou seja, o seu produto, o seu resultado, vai depender do resultado daquela
corrida. Você pode ganhar X, Y, ou Z, ou não ganhar nada.
O importante é que temos uma diferença fundamental entre a álea do tipo
contratual e áleas contratuais. Há tipos de contratos que são fundamentalmente
aleatórios. É um elemento constitutivo daquele tipo. Ex. clássico: contrato de aposta.
Não há um contrato de aposta comutativo. Não há um contrato de renda vitalícia (outro
contrato aleatório) que seja comutativo. Por outro lado, não há um contrato de compra e
venda que seja aleatório; não há um contrato de prestação de serviços que seja aleatório.
Agora, um contrato celebrado entre A e B pode tornar algum dispositivo seu, ou alguma
prestação sua aleatória.
Suponhamos: Fulano, amante dos cães, resolve comprar a ninhada que vier a
surgir de uma cadela que está prenha por R$50,00. Alguém tem dúvidas de que se trata
de um contrato de compra e venda, um contrato comutativo? Agora, o resultado é que
podem nascer 3, 5 filhotes, pode não nascer filhote algum. Ou seja, há uma diferença
entre a álea que pertence ao tipo do contrato e a álea que está no seu objeto, em alguma
condição, em alguma prestação, etc. Como o CC regula esse problema dos contratos
aleatórios?
CC/2002 - Art. 458. Se o contrato for aleatório, por dizer respeito a coisas ou fatos futuros, cujo
risco de não virem a existir um dos contratantes assuma, terá o outro direito de receber
integralmente o que lhe foi prometido, desde que de sua parte não tenha havido dolo ou culpa,
ainda que nada do avençado venha a existir.(Aqui se assume o risco de existir ou não)
É o caso do fulano. Ela contratou a compra e venda de uma ninhada, e a ninhada pode
vir a não existir. Ela está ciente do risco. A álea, portanto, pode dizer respeito à
própriaexistência do bem, que pode: (i) já existir; (ii) pode vir a existir; (ii) pode sequer
vir a existir. Tudo isso pode ser objeto de um contrato aleatório.
Aluno: “Então, naquela questão da semana passada (a perda da safra), pode-se intitular
aquele contrato como aleatório?”
Esse contrato com a Sósoja poderia se dar assim: “Eu te pago R$ 50.000,00
independente de quanto der a sua safra”. Esse é um contrato de compra e venda cujo
resultado vai depender dos resultados da safra. Pode ser que haja produção ou não
(quebra de safra). E não há sinal (princípio de pagamento). O pagamento foi integral, e
no início, pela produção, independente do que sair (10ton., 1.000ton., ou nada). Esse é
um 1º tipo de contrato aleatório. Eu assumo o risco de o objeto sequer vir a existir.
Uma situação diferente é a do art.459, que dirá:
CC/2002 - Art. 459. Se for aleatório, por serem objeto dele coisas futuras, tomando o adquirente
a si o risco de virem a existir em qualquer quantidade, terá também direito o alienante a todo o
preço, desde que de sua parte não tiver concorrido culpa, ainda que a coisa venha a existir em
quantidade inferior à esperada.(Aqui se assume só o risco de quantidade)
49
É a questão da ninhada. Suponhamos que, na verdade, eu não contratei “se houver
ninhada ou não”, mas sim pressupondo que haja uma ninhada. Agora, eu corro o risco
de nascer 1 filhote ou 5, 7, 10.
Essa cláusula diz que, nesse caso, independente do número, independente se era
o que estava no ultrassom da fêmea o que você esperava, se você assumiu o risco da
quantidade, você terá que pagar o preço total, independente da quantidade efetiva. O
parágrafo único nos esclarece isso quando ele fala:
Parágrafo único - Mas, se da coisa nada vier a existir, alienação não haverá, e o alienante
restituirá o preço recebido.
O exemplo pode ser ninhada, mas também problema de plantação de soja, etc. Mas
continuando com esse exemplo da ninhada, suponhamos que eu faça um contrato de
compra e venda da ninhada, assuma só o risco da quantidade, e não da existência ou não
de ninhada. Nascem 3 filhotes, mas os 3 morrem (1 morre 3 dias depois, o outro, 4 dias
depois, e o último, quase antes de desmamar). Eu não os recebi. Como resolver essa
questão? De quem é a responsabilidade? A tradição não foi feita. Os 3 filhotes
nasceram(o objeto existe), e morreram antes da tradição.
Estamos vendo esse exemplo porque o risco, de acordo com essa cláusula, vai
até que o objeto venha a existir. A partir do momento em que esse bem existe, aplicam-
se as regras normais: responsabilidade do possuidor, caso fortuito e força maior, etc.
Aluno: “Esse, então, seria um caso de força maior?”
Se não houve nenhuma negligência, seria um caso fortuito.
Aluno: “Então ele não seria considerado inadimplente.”
Correto! Ele tinha ali um dever de depositário da coisa até a entrega (voltaremos ainda a
falar do contrato de depósito). É um evento que foge a qualquer relação de nexo de
causalidade entre o seu comportamento e o evento ocorrido.
E se ele tivesse pago, teria direito à restituição do valor (mas não terá, p. ex.,
direito à restituição por perdas e danos). E até aqui consideramos que a morte dos
filhotes não foi culposa (não houve negligência). Estamos apenas considerando o que
faremos com esse contrato. O contrato foi resolvido porque o inadimplemento, enquanto
não cumprimento não culposo (se formos utilizar o termo inadimplemento só para a
culpa), configura-se apenas no não cumprimento do contrato. Logo, haverá a restituição
do preço, mas, p. ex., o comprador não terá direito a perdas e danos. Mas que perdas e
danos? Vamos supor que ele já tivesse uma promessa de compra e venda dos 3 filhotes
com um canil qualquer. Ele não vai poder cobrar a diferença.
Aluno: “Contrato de plano de saúde é aleatório?”
Aí é o problema do contrato de seguros, como já vimos. O que eles estão fazendo? O
que a prestadora de serviços de saúde está fazendo? Segurando um risco ligado à saúde.
Aluno: “Se a pessoa adoecer, eles cuidam dela.”
Essa é a diferença entre o contrato (que é comutativo) e a existência de risco. Há o risco
de a pessoa adoecer, e se adoecer, o plano terá que pagar. Mas o contrato em si (seguros
é um contrato comutativo) é cobertura de risco vs. prêmio (que é calculado de acordo
com o risco). Então, a correspectividade nesse caso, a mutualidade, é inerente ao
contrato de seguros. Tanto é que até o próprio Pontes de Miranda só vai chamar contrato
de seguros como contrato aleatório, mas todos os comercialistas dirão que é um contrato
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comutativo. E o novo projeto de lei de seguros, que está em tramitação na Câmara,
expressamente diz que contrato de seguros é contrato comutativo. Assim, a tendência de
hoje é reconhecer a comutatividade do contrato de seguros, seja este de dano ou
contrato de pessoas.
CC/2002 - Art. 460. Se for aleatório o contrato, por se referir a coisas existentes, mas expostas
a risco, assumido pelo adquirente, terá igualmente direito o alienante a todo o preço, posto que
(“salvo se”)a coisa já não existisse, em parte, ou de todo, no dia do contrato.
Aluno: “Isso não equivale à pessoa ter, em verdade, ‘comprado’ uma expectativa?”
Como dissemos, o contrato aleatório pode se referir a coisas que existem, que podem vir
a existir ou que podem sequer vir a existir. Aqui estamos nos referindo à 1ª hipótese
(coisas que existem), mas que estão sujeitas a um risco.
Ex.: “Eu tenho um carro espetacular na Líbia. Eu te vendo esse carro no estado em que
se encontra (lá na Líbia). Tome as chaves, vá à Líbia e pegue-o, que ele já é seu. Preço:
R$50,00”. Ok, ele terá o custo da viagem (que é caro), etc. O que esse contrato, esse
dispositivo está dizendo? Isso é válido? Sim!!! Se a coisa não mais existe, pois o risco
da perda da coisa se materializou, ainda sim o outro terá de pagar o preço. Agora, se
essa coisa já não existia no momento da formação do contrato(esse é o “posto que” =
“salvo se”), o outro não terá que pagar o preço.
Aluno: “E se ele perecer antes da formação do contrato?”
Ainda que as partes estejam na maior boa-fé subjetiva (ninguém sabia do perecimento
do bem), mas se ele não existia no momento da formação do contrato, sequer se pode
falar que existe álea. Não existe objeto nesse contrato. Relembrando Contrato Aleatório:
ou o bem existe, ou pode vir a existir, ou pode sequer vir a existir. Entretanto, não existe
aleatório se o bem já não existe.
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dono. Aqui, não! No nosso contrato de compra e venda (Brasil), nós apenas nos
obrigamos a transferir o domínio. Por isso existe a diferença entre a formação do
contrato e o adimplemento, em que a transferência do domínio é que extingue o contrato
(como pagamento, como adimplemento).
Vamos ler agora o art.627, que trata do contrato de depósito.
CC/2002 - Art. 627. Pelo contrato de depósito recebe o depositário um objeto móvel, para
guardar, até que o depositante o reclame.
É real! Vejamos: eu quis fazer um contrato de depósito, mas não transferi o bem. O
contrato de depósito é inexistente, inválido ou ineficaz? Inexistente, pois nem chegou a
se concretizar. Nós estamos, realmente, no plano da existência. Não há contrato de
depósito. No máximo, há promessa de depósito.
Outros contratos: doação. Doação é outro tipo de contrato real. Sem a
transferência do bem, o que existe é, no máximo, promessa de doação. Ex.: “Prometo
doar a Fulano este imóvel quando ele se casar”. Um contrato de doação só existe com a
transferência do bem.
A princípio, os contratos unilaterais têm essa natureza real. Já falamos de 2:
contrato de depósito e contrato de doação. Porém, eles podem ser bilateralizados, ou
seja, cria-se uma derivação desse tipo contratual (cria um subtipo), que, dessa vez, é
bilateral. O contrato de doação pode ser bilateral?
Vimos que existem contratos bilaterais e negócios jurídicos bilaterais. O que é
contrato bilateral? Que produz obrigações para ambas as partes. Eu posso fazer uma
doação em que o donatário assuma obrigações? Sim!!! Nas doações com encargo:
“Dou-te o meu cachorro se você prometer cuidar dele”; “Dou-te o meu carro se você
pagar o IPVA que está atrasado há 10 anos”. É obrigação! Não há que se falar, aqui, em
condição. Não há condição de nada.
O contrato, então, não é eficaz até você começar a cuidar do meu cachorro? Não,
ele é eficaz. A condição afeta a eficácia. Aqui, estamos falando de obrigação do
donatário.
Quinta-Feira, 08 de Setembro de 2011.
V – Solenes e Não Solenes (quanto à forma): Não é nenhuma novidade dizer que todo
contrato é uma forma. Já vimos que todo negócio jurídico tem uma forma. Que forma é
essa? Depende! Pode-se fazer um contrato por escrito, verbal, e pode-se, inclusive,
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contratar tacitamente nas situações em que o ordenamento jurídico permite. Mas
veremos que, na maioria dos casos, a regra geral – no Direito brasileiro, pelo menos – é
a não solenidade dos contratos.
O contrato, no Direito brasileiro, tem uma função meramente probatória.
Lembremo-nos que falamos sobre a polissemia contratual, em nossa 2ª aula: temos o
contrato instrumento, o contrato abstrato e o contrato operação econômica. A regra do
Direito brasileiro é que o instrumento, a maneira como ele será instrumentalizado, serva
apenas para a prova. Como eu vou provar que celebrei um contrato de compra e venda?
R.: Papel e assinatura. Mas e se eu disser: “Eu prometo vender meu lápis por R$5,00”?
“Ok, de acordo!” Aí eu chego com o lápis para te entregar e você diz: “Ah, não! Não
vou pagar os R$5,00 porque mudei de ideia.” Quantas testemunhas eu tenho aqui nessa
sala de que foi celebrado um contrato verbal? Dezenas!!!
Conforme a complexidade, pode ser até o caso de uma prova pericial para
comprovar a existência daquele contrato. Ou seja, a forma é prova. Essa é a regra!
CC/2002 - Art. 212. Salvo o negócio a que se impõe forma especial, o fato jurídico pode ser
provado mediante:
I - confissão;
II - documento;
III - testemunha;
IV - presunção;
V - perícia.
Ou seja, forma como instrumento de prova. Pode provar, p. ex., por confissão: “Ah, foi
sim, mas eu não quero mais”. Acabou de confessar que celebrou o contrato, apesar de
este nunca ter sido feito por escrito.
CC/2002 - Art. 183. A invalidade do instrumento não induz a do negócio jurídico sempre que
este puder provar-se por outro meio.
Suponhamos que num contrato feito entre o professor e o aluno, o professor sabendo
que o aluno é uma pessoa duvidosa, chega em casa e faz um contrato estabelecendo
exatamente o que foi pactuado. No espaço das assinaturas, o professor assina, mas
resolve falsificar a assinatura do aluno. Esse instrumento é inválido, mas o negócio
jurídico, se for provado de outra forma, passa a ser válido, passa a obrigar o aluno.
Aluno: “Foi um erro falsificar a assinatura. Mas se o erro ocorresse na descrição do
acordo?”
O ponto é que o instrumento é prova do abstrato, do que foi celebrado. Se houver um
erro no instrumento, há uma inadequação do que está sendo provado e o que foi o
contrato abstrato. Alguma dessas provas é absoluta: a prova pericial, a prova escrita, a
prova verbal? Não!!! O código não elenca uma ordem de importância. P. ex.: “se houve
a confissão, o resto não tem mais importância” (não precisa mais provar); ou “o contrato
escrito tem prevalência sobre o verbal”. Não! E se é informado que houve um erro no
objeto. Ex.: “Comprei um Astra em 2009, mas saiu no contrato ‘ano 1999’. Tenho
várias testemunhas que afirmam que o ano era 2009, quando combinamos. Houve
apenas um erro de revisão.” Você provou, de forma melhor, que há um erro no
instrumento. O que esse dispositivo fala é sobre uma invalidade, o que é outra história.
No penúltimo exemplo, o instrumento é inválido porque a assinatura é falsa. Aquilo não
é uma legítima manifestação da vontade do aluno.
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Essa é a regra geral! Qual é a exceção? A exceção – e aí é importante
guardarmos a expressão, que será muito usada – é quando o instrumento ou a
formalidade é da substância do ato, em oposição à mera prova. A Lei diz que para
celebrar esses contratos, como requisito da sua validade, é necessária a adoção de
determinada forma. Pode-se ser mais formal que isso, mas não menos formal.
Ex.1:CC/2002 - Art. 108. Não dispondo a lei em contrário, a escritura pública é essencial à
validade dos negócios jurídicos que visem à constituição, transferência, modificação ou
renúncia de direitos reais sobre imóveis de valor superior a trinta vezes o maior salário mínimo
vigente no País.
Ou seja, se eu quero realizar qualquer ato relacionado a um direito real sobre bem
imóvel, em valor superior a 30 vezes o SM vigente no país, eu necessariamente tenho
que fazê-lo por escritura pública. Não basta instrumento particular. Nesse caso, a
escritura pública passa a ser da substância do ato. Um ato por instrumento particular,
aqui, pode, no máximo, ser uma promessa de realização de um ato futuro, que
necessariamente deverá ser por escritura pública. Se eu comprovar que ele me prometeu
constituir um direito real em meu benefício, estarei provando que o que celebramos foi
uma promessa de realização de negócio jurídico, mas não o negócio jurídico em si.
Ex. 2: CC/2002 - Art. 227. Salvo os casos expressos, a prova exclusivamente testemunhal só
se admite nos negócios jurídicos cujo valor não ultrapasse o décuplo do maior salário mínimo
vigente no País ao tempo em que foram celebrados.
Essa prova testemunhal serva para determinadas situações. Entretanto, para negócios
jurídicos de maior valor, onde se presume que as partes estão mais bem instruídas por
um advogado, onde se presume que elas tenham um maior interesse na formalização do
negócio, só a prova testemunhal não é suficiente. Mas para a nossa compra e venda
desse pilot, funciona.
CC/2002 - Art. 654. Todas as pessoas capazes são aptas para dar procuração mediante
instrumento particular, que valerá desde que tenha a assinatura do outorgante.
Eu não posso simplesmente dizer: “Vai lá como meu procurador.” E aí o meu
“procurador” se dirige aos membros da assembleia: “Ele me mandou dizer que eu sou o
procurador dele nessa assembleia. Se os senhores não acreditarem, tenho uma
testemunha”. Isso não pode, pois a validade da procuração depende de ser instrumento
particular, pelo menos. Dependendo do negócio, essa procuração tem até que ser
pública.
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O que isso quer dizer? Imaginemos que, para um determinado negócio jurídico, para
determinado contrato, não haja a exigência de um instrumento público, bastando um
instrumento particular, ou seja admissível até a prova verbal. Ok!
Mas nesse caso do art. 109, faz-se um pré-contrato dizendo que quando for
celebrado o contrato definitivo, ele será válido a partir do momento em que as partes
lavrarem a escritura pública. Então, não adianta ter instrumento particular assinado por
ambas as parte, pois enquanto aquele negócio não for transformado num instrumento
público, aquele contratoé inválido, não surte efeitos.
Até esse ponto, todas as classificações que vimos são um pouco cartesianas. Elas
pegam o contrato e querem dividi-lo ao meio: de um lado estão os contratos de uma
classificação; de outro lado, os contratos de outra. Pode ser difícil saber qual é qual, mas
todas elas têm essa pretensão de fazer esse corte cartesiano:
Ou seja, fazer esse corte epistemológico sem grandes dificuldades. Mas veremos, agora,
2 classificações de contratos que têm justamente a premissa oposta, a premissa de que a
divisão entre uma coisa e outra se faz assim:
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do depósito (Capítulo IX), do mandato (Capítulo X), da comissão (Capítulo XI), da
agência e distribuição (Capítulo XII), da corretagem (Capítulo XIII), do transporte
(Capítulo XIV), do seguro (Capítulo XV), da constituição de renda (Capítulo XVI), do
jogo e da aposta (Capítulo XVII), da fiança (Capítulo XVIII), da transação (Capítulo
XIX), do compromisso (Capítulo XX).
Se olharmos dentro de cada uma delas, pegando, p. ex., o contrato de compra e
venda, veremos que o que menos se precisa daí é que uma parte diga qual é o conteúdo
do seu negócio. Ou seja, na verdade há uma superfetação, um excesso de normas já
formatando como é o seu negócio jurídico. Isso é contraditório? Será que foi inadequada
a nossa análise sobre a autonomia privada, pois todos os tipos estariam ali? Mas, de
fato, todos os tipos estão ali? Existem muitos tipos em lei, é verdade, mas não só todos
os tipos não estão em lei, como pode ser que o tipo que esteja em lei não seja adequado
para a operação que eu quero realizar. Pode ser que aquele contrato de compra e venda,
tal como modulado no CC/02, não seja o contrato de compra e venda que eu preciso
para a minha operação econômica. Pode ser que o contrato de compra e venda envolva
deveres outros: de transporte, um serviço que deva ser prestado junto com a compra e
venda. O que a autonomia privada, de fato, vai fazer será permitir: (i) construir novos
tipos contratuais; (ii) adequar esses tipos contratuais, que já existem no CC/02 ou numa
prática social, à minha operação econômica. Eu poderei regular o meu contrato entre A
e B da maneira que eu achar mais adequada.
Mas de onde tiramos isso? O CC/02 nos fala isso muito claramente:
Art. 425. É lícito às partes estipular contratos atípicos, observadas as normas gerais fixadas
neste Código.
Ou seja, o contrato atípico terá de se adequar à Parte Geral dos Contratos, no CC/02.
Mas então para que o Código cria tantas normas, tantos tipos contratuais? Há 4
explicações para isso:
Uma de ordem histórica. Em Dto. Romano, vimos os contratos nominados e os
contratos inominados. Então, essa ideia de criar grupos contratuais, regulações
contratuais específicas, está congênita à família do Dto. Romano-Germânico. Mas, além
disso, a ideia é que esses tipos contratuais, previstos no Código, sirvam de suporte para
o exercício da autonomia privada. É com base neles que vamos começar a construir os
nossos tipos e adequá-los às nossas necessidades.
E temos, também, 2 questões importantes: em 1º lugar, estabelecer limites ao
exercício dessa autonomia privada, dizendo: “A partir daqui, se você estabelecer essa
provisão, o seu contrato passa a ser inválido, ou pelo menos essa provisão passa a ser
inválida”. Por outro lado, o Código estabelece algumas pressuposições, no sentido de
que se eu estabeleci um contrato de compra e venda, p. ex., a regra que eu queria era
essa. Se eu não quiser essa regra, eu tenho que dizer justamente o sentido contrário. Eu
tenho que dizer no meu contrato, ou temos que combinar verbalmente, que estamos
celebrando um contrato de compra e venda, mas que algo que o Código prevê de
determinada maneira, será feito de outra.
Ex. da compra e venda:
Art. 489. Nulo é o contrato de compra e venda, quando se deixa ao arbítrio exclusivo de uma
das partes a fixação do preço.
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Assim, eu não posso estabelecer um contrato de compra e venda em que uma das partes
diga, depois de celebrado o contrato, quanto que ela vai pagar por aquele preço.
Um exemplo de exceção: restaurante paquistanês, em que não existe preço para
as coisas. Você come e, ao final, você vai ao caixa e diz quanto você quer pagar. É
possível que isso gere um constrangimento tal na pessoa que ela acaba pagando mais do
que realmente vale a refeição. Enfim, essa compra e venda, tão típica do Paquistão, aqui
no Brasil não poderia ser um contrato de compra e venda válido, no sentido de que se
depois o vendedor quisesse cobrar mais, aquele contrato teria sido inválido.
Ou uma disposição de outro tipo, daquelas que visam estabelecer algumas
pressuposições:
Art. 490. Salvo cláusula em contrário, ficarão as despesas de escritura e registro a cargo do
comprador, e a cargo do vendedor as da tradição.
Ou seja, nada estabeleci sobre um contrato. Apenas disse que quero comprar, e ele, que
quer vender. Se eu nada disse sobre o assunto, aplica-se essa regra. Mas, através da
minha autonomia privada, e da autonomia privada da outra parte, eu posso estabelecer
que seja justamente o contrário, ou que uma das partes arcará com todas as custas da
operação.Essa ideia de tipo é mais ou menos o porquêde o contrato, aqui no Brasil, ter 8
páginas, enquanto que nos EUA vai ter 60, pois eles não têm um arcabouço legal desse
tipo. Não há algo que diga para eles como serão feitos os custos da transação. Logo, eles
têm que estabelecer isso no contrato. Não há essa nossa pré-modulação.
Foi dito que o nosso raciocínio contratual não é conceitual, mas sim tipológico.
Mas qual a diferença entre conceito e tipo?
A ideia do conceito é uma abstração absoluta, ou seja, você apanha uma série de
notas ou características e define-as previamente. P. ex., o que seria um contrato de
compra e venda? Teremos essas notas:preço vs. coisa, 2 partes, coisa (móvel ou
imóvel), pagamento (ou tradição) no ato. Sendo os legisladores, estamos criando um
conceito de compra e venda.
Pois bem, o que seria um pensamento conceitual? Seria pegarmos essas notas
que atribuímos ao nosso conceito, e fazermos um grande “bolo”. E a cada contrato que
fosse celebrado, seria feito um raciocínio de subsunção. Ou seja, aquele contrato tem
essas características? Então está dentro. Se não, está fora.
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Ou seja, o conceito possui essa pretensão de ser uma abstração, independente do
que se faça na realidade. Definem-se notas para esse conceito, mais ou menos
arbitrariamente, e a partir daí tenta-se dividir o mundo: o que está dentro e o que está
fora desse conceito. Um exemplo de conceito já visto foi o “É proibido animais no
parque”. Quando se diz que é proibido animais no parque não estamos criando um tipo,
e sim, um conceito: animais. E vou definir o que é um animal: cachorro, p. ex. Mas e se
for um cão guia? Não importa, o conceito é esse! Não posso me afastar dele!
E qual é a ideia do raciocínio tipológico?
Aluno: “São as especializações daquele conceito, as particularidades que esse conceito
pode vir a assumir? Ou seja, são as variações que esse conceito pode tomar que não
desvirtuem o seu universo criado?”
É isso, mas é algo mais! Em 1º lugar, você trabalha não com a ideia de notas fixas, mas
sim de características elásticas. A doutrina chamará isso de “coeficiente de elasticidade
do tipo”. O tipo tem um coeficiente de elasticidade, ou seja, você pode “puxar” mais
uma coisa e outra sem sair de dentro desse conceito.
Ex.: O contrato de compra e venda prevê que os custos de transação são divididos de
uma certa forma. Mas e se eu quiser que todos os custos de transação sejam pagos por
uma pessoa ou outra? Isso me tira do tipo? Provavelmente não!
Aqui, na verdade, não vamos chamar nem de notas, nem de características
obrigatórias, como seria um conceito, e sim chamaremos de indícios. O processo de
aplicação tipológica é o que vai se chamar de concreção, porque é um exercício de
aproximação entre o contrato e esses indícios que foram estabelecidos no tipo. É uma
tentativa muito mais móvel, muito mais dinâmica de adequação entre regulamento e
caso concreto. Essa teoria é divulgada pelo autor alemão Larenz.
Assim, após verificarmos que o tipo é algo maleável, temos que começar a
entender como se forma esse tipo. Temos 2 maneiras de formar um tipo contratual nesse
plano abstrato do regulamento jurídico. A tipicidade pode ser construída tanto por lei
quanto por prática social. Nós vamos encontrar tipos de 2 maneiras.
Ex.: No contrato de depósito, eu entrego alguma coisa a alguém para que ela cuide. E o
que fazemos num contrato de estacionamento de shopping center, que não tem nenhuma
previsão legislativa? Há, eventualmente, algumas regras do CDC que se aplicam,
algumas regras esparsas dizendo que lá limites nessa cobrança, mas regulação de tipo
não tem.
Então isso quer dizer que ele é um contrato atípico? Não, não há dificuldade em
saber o que acontece quando deixamos nosso carro no estacionamento de um shopping.
Se, na hora de pegarmos nosso carro de volta, descobrirmos que alguém do shopping o
pegou para dar uma volta, sentir-nos-emos lesados, muito embora não haja nenhum
contrato dizendo que ele não pode pegar nosso carro – embora o tenhamos deixado
fechado – para passear. Também não há nada que diga, p. ex., que ele tem que guardar
aquele carro cuja posse nunca foi entregue a ele (as chaves não foram entregues a ele,
simplesmente parou-se o carro no estacionamento). Enfim, há toda uma tipicidade
social que não decorre da lei. A prática reiterada de determinado comportamento de
natureza contratual começa a criar esses tipos, que lentamente vão sendo positivados.
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Temos os tipos legais e os tipos sociais. Mas, de fato, nenhum deles é adequado
para o que precisamos. Temos uma operação econômica que não se enquadra em
nenhum dos tipos abstratos previstos em lei, ou previstos socialmente como um tipo.
Desse modo, começamos a trilhar o caminho da Atipicidade. Assim, a divisão
se dará entre:
- Contratos Típicos: que possuem essa regulamentação jurídica, ainda que maleável;
Contrato de trava
No contrato de trava ocorre o seguinte: vamos supor que eu tenho uma operação
que precisa ser garantida, mas eu não quero dar dinheiro para a outra parte. Vamos
supor que esse contrato é um financiamento e a parte diz que irá pagar, mas para
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garantir esse financiamento, ela deixara R$1 milhão depositado no banco, mas ninguém
irá mexer nesse dinheiro. Se não houver o pagamento na data do vencimento, a outra
parte vai ao banco e apanha esse dinheiro para si. Por outro lado, se ela pagar, a outra
parte a libera dessa trava, e ela pode sacar o dinheiro que ela mesma depositou. Temos o
contrato de depósito, puro e simples, e esse contrato de trava, que irá “esticar” um
pouco o contrato original, porque, além da obrigação de depósito do banco, este vai
assumir a obrigação de não liberar o dinheiro para o financiado (depositante), mantendo
aquela importância como garantia e, eventualmente, transferir para terceiro, se assim for
contratualmente determinado. Então, temos o tipo lega (encontrado no Código), que é o
depósito, e temos esse contrato de trava. Temos, pois, um contrato misto.
A B
C (garantidor)
Resposta a um aluno: Essa “localização geográfica” não é pacífica, mas parece que a
melhor classificação (veremos o porquê quando discutirmos os efeitos da atipicidade) é:
- Típicos
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No atípico misto típico-atípico, pegam-se elementos atípicos e elementos de
algum tipo existente. No atípico misto típico-típico, há uma combinação de 2 tipos.
Ex.: Existe o contrato de compra e venda e o contrato de serviço. Eu preciso, para a
minha operação econômica, que a compra e venda tenha embutido em si algum serviço.
Então eu junto vários tipos existentes e formo um tipo novo.
61
quem foi outorgado o direito de exploração; um contrato chamado JOA (Joint
Operating Agreement) – “Acordo de Operação Conjunta” –, em que uma das partes será
o líder do consórcio, assumindo uma série de obrigações com os demais consorciados,
que por sua vez assumirão uma série de obrigações com o líder; um contrato de
prestação de serviços, normalmente com as partes envolvidas no consórcio. Enfim,
teremos uma série de contratos, todos ligados pela unidade econômica. Ou seja, pela
mesma finalidade: explorar o campo de petróleo, ou pelo menos desenvolver a parte
inicial de prospecção. Temos, então, vários contratos que irão se unir por essa unidade
econômica, contratos que estarão, necessariamente, coligados. Não faz sentido ter
somente o JOA, ou só o consórcio, ou só a prestação de serviços. Se o consórcio não
for possível, então não será possível o JOA, e por aí vai.
Voltando à nossa questão, qual a diferença entre o contrato misto para essa
“confusão de contratos”?
Na Coligação Contratual, apesar de termos uma função socioeconômica que
liga todos os contratos, os contratos existem cada um com autonomia em relação ao
outro, em termos de regulação jurídica. Assim, o contrato de consórcio será
interpretado como um contrato de consórcio (conforme o regulamento jurídico de um
contrato de consórcio); o contrato de JOA, conforme o contrato de JOA. Não interessa
o fato de eles estarem juntos (ou interessa muito pouco). Interessará quando a finalidade
da operação for importante, mas eles têm uma autonomia tipológica, uma autonomia de
regramento jurídico.
Diferente dos Contratos Mistos, em que mesmo quando estamos falando de
contratos típicos, 1º: temos uma unidade de causa e 2º: vamos ter necessariamente uma
simbiose de regramentos jurídicos na mesma operação. Nossa dificuldade será,
portanto, separarmos e conciliarmos esses regramentos jurídicos.
62
Qualificação Contratual
Legal Social
Como foi dito, nós temos os tipos legais (os tipos contratuais) e temos a
operação econômica (que tem o formato jurídico que eu defini para ela, ou seja, eu a
“vesti” como eu quis). Como fazemos para saber qual é a legislação aplicável? O
problema do contrato atípico é esse raciocínio: celebrei um contrato X. Como eu sei a
que tipo contratual eu estou me remetendo? Ou qual o tipo contratual (legal ou social)
que vão regular aquele contrato? R.: Naquilo que for omisso, ou naquilo que ele,
eventualmente, contradisser.
Essa é a grande dificuldade de se trabalhar com contratos que não são 100%
típicos, que é justamente esse exercício que vamos chamar de Qualificação
Contratual. A Qualificação Contratual é a necessidade de se descobrir qual é a
regulação jurídica aplicável ao caso concreto. Como é feita essa Qualificação
Contratual?
Hoje, 2 são as teorias aceitas:
A 1ª, muito defendida pela pós-graduação da UERJ, é a chamada função
socioeconômica do contrato, que dirá: “Este contrato tem uma função socioeconômica.
Tanto o tipo legal quanto o social têm um certo sentido, foi pensado para uma certa
função socioeconômica. Todos os tipos sociais do nosso ordenamento jurídico preveem
uma certa função socioeconômica do contrato.
Um exercício de qualificação é justamente verificar qual é a função
socioeconômica desse contrato, e verificar também como ele se encaixa, em maior ou
menor grau, com os outros tipos existentes de contratos. A partir daí, descobre-se se é
um contrato típico, referente à qual tipo; se é um contrato misto, qual contrato típico a
que ele se remete; ou se ele é um contrato completamente atípico, ou seja, é uma função
socioeconômica que nunca foi antes pensada.
Por outro lado, temos a 2ª teoria – a internacionalmente mais aceita –, que é a
chamada teoria dos índices do tipo, que alguns irão traduzir como “indícios do tipo”.
Como já discutimos, o tipo é uma junção de vários indicativos de alguma regulação
contratual. Suponhamos que temos um contrato de compra e venda. Quais são os
índices desse tipo? 1º: a comutatividade; 2º: a transferência de um bem mediante
pagamento de preço; 3º: a promessa de transferência do domínio; etc. Apanham-se
todos esses indícios e verifica-se se esses indícios estão presentes. Se estiverem, se
63
houver essa correspondência, eu, então, poderei qualificar esse contrato como sendo de
compra e venda. Mas, na medida em que ele se afasta desses indícios, caminha-se para o
terreno da atipicidade, e esses elementos que fogem dos índices serão tratados como
alguma coisa autônoma, algo que não está regulado, e que terá que ser regulado pelas
partes.
Aluno: “Isso não foi o que mais ou menos se fez no conceito? São com as
característicasdaquele contrato previsto que se verifica o que há em comum com esse
contrato?”
A diferença está, em 1º lugar, na elasticidade. O tipo possui uma elasticidade muito
maior que o conceito. Se ao conceito, eu atribuo as características A, B e C, e de fato
estão presentes A, B e C, então eu posso dizer que se remete ao conceito. Se estiverem
presentes só A e B, não remete ao conceito; se estiverem presentes A, B, C e D, também
não remete ao conceito.
A ideia do tipo é que ele tem uma maior fluidez, uma maior maleabilidade que o
conceito. (i) eu tenho simplesmente indícios do que corresponde aquele regulamento
contratual legal e social; (ii) eu consigo, em maior ou menor grau, esticar esses indícios.
Ex.: o indício é que o meu pagamento é à vista, mas o pagamento a prazo desnatura o
tipo? Não! Então, mesmo que o indício seja o pagamento à vista, o pagamento a prazo
pode não desnaturar. Mas e se o pagamento não for em dinheiro, e sim em prestação de
serviço? Aí você já fugiu do tipo. O tipo não conseguiu chegar naquela situação na qual
você precisava vestir a sua operação econômica. A ideia é que esse é um raciocínio
muito mais sutil do que um raciocínio conceitual de subsunção.
A bibliografia que fala sobre esse assunto se encontra na Xérox.
Porém, se esse raciocínio é mais sutil, o que veremos agora é ainda mais
complexo. É a nossa última categoria. Há 5 anos passados, não falaríamos dela. Porém,
ela está entrando de maneira muito sorrateira em nossa jurisprudência, e está entrando
de maneira deturpada. A ministra do STJ que tentou “entubar” essa teoria foi Nancy
Andrighi. Essa categoria é a:
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Ementa: DIREITO DO CONSUMIDOR. CONTRATO DE SEGURO DE VIDA, RENOVADO
ININTERRUPTAMENTE POR DIVERSOS ANOS. CONSTATAÇÃO DE PREJUÍZOS PELA
SEGURADORA, MEDIANTE A ELABORAÇÃO DE NOVO CÁLCULO ATUARIAL. (...)
Ou seja, havia um contrato de seguro de vida que foi renovado durante anos. Só
que a seguradora percebeu que o cálculo atuarial estava errado. Ou seja, ele previu um
prêmio muito baixo para o que corresponderia o benefício prometido daquele seguro. A
seguradora, então, quis oferecer para eles um reajuste no prêmio que estava sendo pago,
depois de 20 anos cobrando o mesmo prêmio. Continuando:
(...) NOTIFICAÇÃO, DIRIGIDA AO CONSUMIDOR, DA INTENÇÃO DA SEGURADORA DE NÃO
RENOVAR O CONTRATO, OFERECENDO-SE A ELE DIVERSAS OPÇÕES DE NOVOS SEGUROS,
TODAS MAIS ONEROSAS. CONTRATOS RELACIONAIS (isso é uma pilantragem). DIREITOS E
DEVERES ANEXOS. LEALDADE, COOPERAÇÃO, PROTEÇÃO DA SEGURANÇA E BOA-FÉ OBJETIVA.
MANUTENÇÃO DO CONTRATO DE SEGURO NOS TERMOS ORIGINALMENTE PREVISTOS.
RESSALVA DA POSSIBILIDADE DE MODIFICAÇÃO DO CONTRATO, PELA SEGURADORA,
MEDIANTE A APRESENTAÇÃO PRÉVIA DE EXTENSO CRONOGRAMA, NO QUAL OS AUMENTOS
SÃO APRESENTADOS DE MANEIRA SUAVE E ESCALONADA.
E no voto ela coloca:
1. No moderno direito contratual reconhece-se, para além da existência dos contratos
descontínuos, a existência de contratos relacionais, nos quais as cláusulas estabelecidas no
instrumento não esgotam a gama de direitos e deveres das partes.
Diante desse acórdão, não houve outro jeito a não ser incluirmos isso como uma
última classificação dos nossos contratos. O grande problema é que essa teoria, criada
por Ian Macneil, não foi pensada para ser uma classificação dos contratos, e sim uma
maneira nova de ver o contrato. Ele dizia: “Até esse momento, vocês viam os contratos
em geral de uma maneira descontínua. A partir de agora, vamos começar a propor que
eles sejam vistos de maneira relacional.”
É evidente que toda essa sutileza não chegou ao Brasil. Ela chegou como uma
classificação contratual. Vamos encontrar, de um lado, contratos descontínuos, e de
outro, contratos relacionais. Mas como essa teoria é originalmente, para que ela serve,
de onde ela surgiu, quais são os seus pressupostos? O “Novo Contrato Social”, de Ian
Macneil, e um artigo desse mesmo autor, que estão disponíveis para leitura na Xérox,
nos darão uma ideia do original em inglês, e de como isso veio parar na jurisprudência
brasileira.
Qual é a ideia da diferenciação entre contratos relacionais e contratos
descontínuos? Teremos, basicamente, 4 pontos:
O 1º ponto do contrato relacional, em diferença com o contrato descontínuo, é
que a satisfação dos interesses e das finalidades contratuais, num contrato relacional,
depende muito mais do cumprimento dos deveres anexos do que dos deveres principais.
Já discutimos essa diferenciação quando abordamos a boa-fé. Temos os deveres
principais e secundários daquela obrigação, e temos, por outro lado, deveres anexos
(deveres criados pela boa-fé: cooperação, lealdade, informação, etc.). Nos contratos
relacionais esse dever decorrente da boa-fé é muito mais importante do que nos
contratos descontínuos
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O que seria um contrato descontínuo? R.: contrato de compra e venda. Falando
de Direito norteamericano (sem se preocupar com o Direito brasileiro), ele diz que o
contrato relacional, por excelência, para ele é o Casamento. Esse é o paradigma de
contrato relacional.
O 2º ponto do contrato relacional, que tem muito a ver com o Casamento, é que
ele marcado pela sua enorme complexidade. Um contrato descontínuo é geralmente
considerado mais simples, pois normalmente envolve uma ou outra prestação. Os
contratos relacionais têm, normalmente, uma gama de prestações, obrigações,... Enfim,
têm uma contratualização muito mais complicada, muito mais minuciosa.
O 3º ponto do contrato relacional, é que ele envolve, normalmente, mais de 2
partes (evidentemente que isso não se aplica ao casamento, salvo se forem incluídos os
filhos), envolve sempre uma gama muito maior de pessoas do que simplesmente o
contratante A e o contratante B, como ocorre nos contratos descontínuos.
O 4º ponto do contrato relacional, é que ele apresenta uma grande dificuldade
de presentificação do futuro. Já vimos isso quando falamos sobre o risco. O que é o
contrato senão a tentativa de presentificar o futuro, de planejar todos os riscos e
possíveis ocorrências que podem afetar aquela relação contratual. É o caso do
Casamento. Como a esposa irá presentificar a nova secretária do marido, p. ex.?
Mas qual a relevância prática disso tudo? É que teremos algumas consequências
da caracterização de um contrato como sendo um contrato relacional. Em 1º lugar, o
vetor principal do contrato não é tanto a execução da sua prestação, mas sim a ideia de
cooperação. Vimos que a classificação dos contratos não segue mais o modelo
cartesiano: , e agora é assim:
Como faremos com o contrato relacional? Não devemos pensar essa ideia de
contrato relacional como se fosse uma grande dicotomia, na qual ou as coisas estão no
modelo cartesiano ou estão no 2º modelo. Devemos pensar na ideia de polaridade, numa
elipse, em que os contratos são mais ou menos relacionais, mais ou menos
descontínuos. Vou pegar o caso concreto e verei: naquele contrato, o que é mais
importante: a prestação em si ou os deveres anexos? Esse contrato possui uma maior ou
uma menor complexidade? Eu consigo presentificar o futuro nesse contrato ou não?
Em 2º lugar, além da ideia de cooperação, e também como uma decorrência
dela, há uma maior necessidade de que sejam previstas hipóteses de compartilhamento
de riscos e de benefícios. O compartilhamento do resultado do contrato, seja
benéfico ou não, é tanto maior quanto mais ele for relacional.
Em 3º lugar, quanto mais relacional o contrato for, menos relevante é o
instrumento contratual na criação de deveres. Ou seja, mais os deveres dependem do
comportamento concreto das partes, das expectativas que são geradas, da confiança
recíproca existente naquela relação contratual.
Em 4º lugar, segundo a teoria de Ian Macneil: é maior a relevância da
solidariedade contratual. Em sua teoria, uma parte deve ser solidária à outra na relação
66
contratual. Para ele: “Contrato, no qual as partes possuem interesses contrapostos, não é
contrato, é guerra”. Ele parte da ideia de que as partes, dentro de uma relação contratual,
devem ser solidárias às suas recíprocas vicissitudes.
Mas qual é a relevância da teoria dos contratos relacionais? Certamente, ainda
ouviremos muito falar deles e não saberemos de onde tiraram essa expressão “contrato
relacional”, pois as pessoas pegam essas frases soltas nos acórdãos, acham interessantes
e não sabem de onde elas vieram. Vão dizer: “Aqui verificamos um contrato
relacional!”, como se isso fosse simplesmente a existência de uma relação entre 2
pessoas. Não!!! Há toda uma teoria, toda uma ideia filosófica por trás dessa concepção,
que busca se diferenciar da concepção clássica de contrato, que é a que estamos
combatendo desde a nossa 1ª aula.
67
criação de obrigações, criação de expectativas, que aqui – como qualquer fase da vida
jurídica – pode haver atos que são obrigatórios, atos que são relevantes para o mundo do
Direito. E, hoje, o que se vai discutir, é justamente que essa é uma das fases mais ricas
no estudo do Direito Contratual. Esse pequeno e desprezado universo, que ninguém
dava muita importância, que ninguém estudava, onde todos ficavam num jogo de oferta
e aceitação, hoje em dia temos, como exemplos de contratos que podem ser celebrados:
cartas de intenções, memorando de entendimentos, cartas de conforto, contratos
preliminares. Quer dizer, documentos muito relevantes na vida contratual e que, até a
década de 1960, ninguém nem sabia que existia. E, indo além, no Brasil até hoje não
houve uma dissertação, nenhuma tese de doutorado que tenha tratado desses temas
(cartas de conforto, e seus diversos tipos, p. ex.).
Dito isso, como trabalharemos esse módulo do programa (A Formação do
Contrato)? O racional-lógico seria começarmos do Contato Social para a Celebração do
Contrato. Mas faremos o caminho inverso. Hoje, começaremos discutindo quando
temos um contrato (para conseguirmos delimitar essa Fase Pré-Contratual), quais os
elementos necessários para formarmos um contrato, como é o procedimento clássico de
contratação (procedimento de oferta e aceitação), veremos como é construída essa
normatividade da Fase Pré-Contratual. Na próxima aula, discutiremos quais são os
contratos que podem ser celebrados nessa Fase Pré-Contratual, quais são os
documentos, como eu vou construir a juridicidade dessa fase.
Comecemos com a seguinte questão: já comentamos algo que existe muito nos
EUA, que é a Battle of Forms (“Batalha das Formas”). Entendamos de maneira
anedótica o ponto no qual queremos chegar:
A
B
A C X B
D Y
E Z
F K
G V
Parte A: proponente
Parte B: ofertado ou oblato. A oferta será chamada de oblação.
68
anos. A embalagem só poderá ser feita de acordo com o padrão de empacotamento de
nossa empresa. O prazo de entrega será w, e não x”.
A responde:
“Perfeito! Estamos contratando 100 peças por R$50,00, e considero, então, que você
aceitou a responsabilidade por evicção, aceitou a responsabilidade pelo prazo de 10
anos,...”.
B responde:
“Entendemos que estamos vendendo 100 peças por R$50,00, e que não nos
responsabilizo por evicção, e que a garantia é de 30 dias, com prazo de entrega w...”.
69
Declarações Negociais (para quem tem ojeriza à palavra vontades, no terreno
contratual). A doutrina reconhecerá que essa Declaração de Vontades pode ocorrer de 3
formas diferentes, que são de uma obviedade gritante:
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meramente prova do ato, o comportamento tácito demonstra que houve um acordo de
vontades. Por outro lado, se o contrato tem uma formalidade que é da substância do ato,
eu só tenho um contrato quando há essa formalidade. Como, p. ex., pode-se contratar
tacitamente por escritura pública? Não dá para, tacitamente, ir ao RGI. Eu vou precisar
de uma manifestação expressa, até por uma questão de segurança jurídica. Esse
comportamento tácito a doutrina mais moderna vai chamar de comportamento
concludente.
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Não só apenas aceitou as cláusulas A e B, como, na verdade, ele queria: A, B, X, Y, Z,
K e V.
Aluno: “Em determinado momento, A mandou o dinheiro e B, as peças. Então, o que
aconteceu foi, na verdade, um acordo tácito?”
De fato, o problema aqui é outro, que é o problema do Acordo Parcial, que veremos
ainda hoje. Nesse caso, temos declarações expressas de ambas as partes, mas que não
chegaram, em nenhum momento, a formar um acordo de vontades completo, em todos
os seus elementos.
Aluno: “Mas, tanto tacitamente, quanto nessa questão do acordo parcial, existe uma
insegurança. Como foi dito por outro colega, o comportamento é quem vai dizer se foi
tácito ou se foi um acordo de silêncio”.
Não, não!!! Pelo silêncio eu não estou manifestando vontade, em regra. Agora, em
determinadas circunstâncias, pode ser que o silêncio seja uma manifestação de vontade,
que seja sua intenção de contratar.
Ex.: Suponhamos que estamos aqui fazendo uma jogatina e eu deixo entrar quem deixa
R$50,00 na minha mesa. Então, as pessoas começam a entrar aqui e dizem: “Tá aqui os
R$50,00”. Deixam o dinheiro sobre a mesa e eu não falo nada. Mas pela prática desse
meu mercado, o fato de eu ficar calado quer dizer que aceitei a entrada da pessoa no
meu estabelecimento. Se eu não aceitar a entrada de uma pessoa, eu vou dizer a ela:
“Não deixo você entrar, pois você está de chinelos e sem camisa!”
Então, nesse caso, o meu silêncio é uma manifestação de vontade, dizendo que
eu estou aceitando realizar aquele contrato. Qual é a circunstância do caso que pode
transformar o silêncio em declaração negocial? Pontes de Miranda: “Se a Lei considera
o silêncio manifestação de vontade, em vez de espécie de manifestação de vontade, não
há de pensar-se em anulabilidade por erro (aí, não há interpretação de vontade: o que o
silêncio quis dizer ou não) a manifestação de vontade tipicamente apontada em Lei”
(tipificando o silêncio como sendo uma manifestação de vontade de contratar).
OFERTA E ACEITAÇÃO
Também é conhecido esse procedimento como “jogo de tênis da oferta”.
Pensemos com a cabeça do séc. XVIII, e, por incrível que pareça, não é difícil.
Estamos no “reinado” da Autonomia da Vontade, a vontade é quem constitui tudo. Num
universo desses, no qual a vontade é o elemento central do contrato, contrato este que eu
elevei ao nível da Lei, há alguma maneira mais fácil para eu manifestar vontade do que
Oferta e Aceitação? Não, não há. O que é oferta? Eu estou manifestando a minha
vontade naquele negócio jurídico. Se ele aceitou, ele manifestou a sua vontadede entrar
naquele programa contratual. Tanto é que se tivermos curiosidade de olhar o CC/1916,
72
veremos uma interessante questão: na Parte Geral de Contratos, nas Disposições Gerais,
consta, exclusivamente, a regulação da oferta e aceitação, como se esse fosse o único
esquema possível para se contratar. A ideia de que nós ficamos trocando minutas até
assinarmos um contrato em conjunto, não existe para o CC/1916. Aqui, no CC/2002,
não! Essa regulação saiu das disposições gerais (onde encontraremos regras sobre a boa-
fé, sobre o silêncio, etc.) e foi para uma Parte Especial (Formação do Contrato), sendo
uma das hipóteses de conseguirmos formar um contrato (a hipótese mais clássica, mais
usual), que é a oferta e aceitação.
CC/2002 - Art. 427. A proposta de contrato obriga o proponente, se o contrário não resultar dos
termos dela, da natureza do negócio, ou das circunstâncias do caso.
Ou seja, a ideia básica desse jogo de oferta e aceitação é a seguinte: a oferta, enquanto
declaração negocial dirigida à outra parte, vincula o proponente (quem faz a oferta) aos
seus termos. Se tivéssemos que qualificar oferta, como o faríamos? O que é a oferta?
Aluno: “É uma manifestação de interesse, de vontade”.
Ela é um ato jurídico, um fato jurídico, ou um negócio jurídico?
R.: Um ato jurídico unilateral!
Qual é a dinâmica desse jogo de ofertas e aceitações? Na verdade, é como se
fosse um “ping-pong” (ver figura da página anterior). A oferta vincula o proponente nos
seus termos. Então, temos:
Momento 1: a oferta (ou proposta);
Momento 2: temos quantas opções? Temos a 1ª opção (aceitação), a 2ª opção (recusa), a
3ª opção (aceitação parcial) e a 4ª opção (contraoferta).
A aceitação e a recusa não são momentos problemáticos, mas a aceitação
parcial e a contraoferta o são.Quando houve a aceitação, formou-se o contrato (não há
dúvidas de que houve o acordo de vontades): de um lado uma manifestação concreta,
com todo um “programa contratual” (termo que expressa tudo o que for estabelecido
num contrato para ser executado); de outro lado, houve a adesão do oblato a esse
programa contratual. Então, aqui temos contrato. Na recusa, obviamente não temos
contrato. E o que mais temos? Mais nada! Aquela situação de fato nunca chegou a
entrar no universo jurídico. Não há uma vinculação, uma obrigatoriedade decorrente dos
termos da oferta.
O problema reside na aceitação parcial e na contraoferta.
Comecemos pelo mais fácil: contraoferta. O que acontece na contraoferta? Ela é
outra “raquetada” do “ping-pong”. E a outra parte, por sua vez, também tem todas as
opções (aceitação, recusa, aceitação parcial e contraoferta), que também, por sua vez,
se contraofertar, dará àquela parte todas as opções de novo.
O mais difícil é a aceitação parcial, pois esta significa o que?
Aluno: “Que algumas cláusulas foram aceitas, e outras não”.
Isso e mais do que isso: “A eu aceito, B eu não aceito, e proponho C”. Eu também
proponho uma cláusula, além de aceitar e/ou não aceitar as cláusulas que foram a mim
propostas. Pergunta: houve a formação de contrato aqui? Foi dito que o ofertante se
obriga nos termos da sua proposta. Se houve uma aceitação parcial, temos que encará-la
como uma nova oferta (uma “contraoferta parcial”).
CC/2002 - Art. 431. A aceitação fora do prazo, com adições, restrições, ou modificações,
importará nova proposta.
Ou seja, a aceitação parcial e a contraoferta são novas ofertas, elas não formam um
novo contrato. Caberá ao ofertante aderir ou não a esse novo programa contratual.
E quanto à nossa Batalha das Formas? Pelo que foi entendido, houve oferta,
contraoferta, oferta, contraoferta,... e prestação. Como resolvermos isso, se tivermos
que situar isso em nova vida profissional, se surgir um cliente e quiser ser consultado
73
sobre isso? Houve ou não um contrato? Se houve, que contrato é esse? Relembrando o
caso: um entregou e o outro pagou, sem terem se resolvido contratualmente.
Essa situação da Batalha de Formas é a situação patológica. Devemos entender
que houve um acordo de vontades, mas que não decorreu do processo de oferta e
aceitação. O processo de oferta e aceitação foi infrutífero. Houve um acordo de
vontades? O que houve foi um mínimo de consenso em relação ao objeto e ao preço. E
o que faremos com todos esses dispositivos? Vamos ignorar o que seria o acordo de
vontades, que não houve, e tentaremos integrar esse negócio jurídico da melhor maneira
possível, com as regras dispositivas do Código, com as regras da boa-fé, tentando
interpretar qual é a função econômica do contrato, como ele pode ser justo e útil, etc.
Aluno: “E se houver uma discordância, p. ex., o A cobrar algo que B não concordou?”
Vamos dizer que a cláusula IV é “garantia de funcionamento do bem”. O A queria 10
anos, e o B contrapropunha 30 dias. Após 1 ano, o bem dá problema: um defeito que
claramente, se fosse no prazo de garantia, seria coberto. Como superar essa falta de
acordos? Provavelmente teremos que ver a regra dispositiva. O Código diz que se for
em relações de consumo, o fornecedor garante os dias, ou tantos meses, ou tantos anos.
Ele pode garantir a mais, mas não a menos. Suponhamos que o mínimo seja de 30 dias.
Nada foi estabelecido. Se nada foi estabelecido, aquele mínimo de 30 dias vai ter que
ser observado (10 anos, certamente que não). Deveremos tentar integrar essa vontade
com alguma coisa que conseguirmos vislumbrar.
Aluno: “Então nenhum dos 2 poderia cobrar do outro essa cláusula, certo?”
Ninguém poderia cobrar, com base num acordo de vontades, os pontos nos quais não
houve um acordo de vontades. Isso levanta uma discussão importantíssima, que é a
chamada Técnica da Punctuação. O que ela diz? Antigamente, a fase contratual da
relação jurídica era um “corte”, onde somente a partir do contrato é que se entrava no
universo jurídico (nos termos daquele contrato).
Hoje em dia, você pode muito bem fazer uma contratação parcial. Imaginemos
uma operação complexa: a venda de uma embarcação. Aqui eu acerto as condições para
o motor e para o casco, que é o que deve ser feito inicialmente. Mas não consigo chegar
a um acordo quanto ao radar, e digo que trataremos disso mais a frente. Então, aqui foi
feito um contrato já com bastante coisa: responsabilidade pelo casco, responsabilidade
pela construção, prazos, preço, financiamento, garantias, etc. Primeiramente eu
acrescentei elementos ao contrato. Depois eu acrescento outros elementos ao contrato. É
basicamente como no primeiro, só que o primeiro não discutiu o radar. Eu já formei
aqui nessa Batalha das Formas um mínimo de consenso para ter um contrato de compra
e venda, de prestação de serviços, ou outro tipo. O que eu posso fazer dali para frente é
complementar essa vontade negocial com o que as partes acharem adequado. E se eu
não conseguir completar? O meu contrato tem que prever instrumentos para o caso de
eu não conseguir completar a vontade, não conseguir completar a regulação negocial.
Aluno: “Isso seria os aditivos do contrato?”
Provavelmente, a forma que você vai encontrar para instrumentalizar essas novas
manifestações de vontade é com os aditivos. P. ex.: às vezes você tem um contrato de
prestação de serviços com vários escopos. Você acerta os escopos mínimos necessários
para iniciar o trabalho, e, a partir dali, você vai acrescentando os escopos adicionais.
Instrumentalmente, isso é feito através de aditivos.
Aluno: “Se num contrato estiver estipulado 30dias, mas se for em 10 anos, poderia, pelo
princípio do equilíbrio, tentar achar um meio termo para as partes?”
Para essa sua pergunta, existe a resposta teórica e a resposta prática.
A resposta teórica seria NÃO, porque você tem cláusulas dispositivas que as
partes podem superar, através do acordo de vontades. Vamos dizer que a cláusula
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dispositiva é de 30 dias: uma parte quer oferecer 15 e a outra, 5 meses. Se nada foi
acordado diferente, o prazo que vai viger é o de 30 dias.
Na prática, encontramos muitas decisões salomônicas, que propõem esses
critérios de equidade. Pega-se o prazo, faz-se um meio termo e fica garantido por 2 anos
(p. ex.). Mas teoricamente elas não têm fundamento, pelo menos num juízo de
legalidade. Talvez tenham num juízo de equidade.
Um caso interessante que ocorreu no Sul do país. Um frentista deu R$2,00 para
o seu patrão jogar na Mega Sena. Este fez a aposta e guardou o bilhete no bolso. O
bilhete foi premiado, e o patrão não queria dar o dinheiro para o frentista.
Qual é a solução teórica? A solução teórica seria que houve um contrato de
representação, no qual o patrão estava indo manifestar a vontade do frentista em
contratar aquele jogo de aposta. Como foi premiado, quem ganhou foi o frentista. Ou o
contrário: não havia representação e, portanto, o possuidor era o titular daquele direito
sobre a loteria.
Qual foi a solução do juiz? Dividiu meio a meio.
Essas decisões salomônicas existem no Direito e, normalmente, são mal
fundamentadas.
Aluno: “Eu não consigo ver grande diferença quando uma parte faz uma proposta, mas
entrega o produto ou paga o preço deixando de lado as cláusulas, porque isso, para mim,
soa como uma aceitação tácita”.
Para início de conversa, você está trabalhando com uma empresa que está sendo muito
bem assessorada pelos seus advogados ou pelo seu escritório de advocacia. Entretanto, a
maioria das empresas tem ojeriza a advogados. O que elas têm é a sua prática comercial.
A prática da empresa é mandar o formulário A, mas a outra só contrata com o seu
formulário B. Aquela recusa o B, dizendo que só contrata com o formulário A, usado
por ela já há 20 anos. No final, um diz: “Quer saber, empacota tudo e manda para a
outra parte”, e o outro paga. Quem conhece o dia-a-dia das empresas sabe que isso é
muito comum (ninguém quer perder a oportunidade de negociar).
Essa Batalha dos Formulários não é uma prática brasileira. Nesta, o mais comum
seria um contrato que não diz absolutamente nada, muito mal redigido, no qual são se
entende qual é o acordo de vontade das partes. Essa é a prática nacional. A prática
norteamericana é a Batalha das Formas.
Mas, no fundo, o problema é o mesmo: você tem um acordo de 3 linhas em que
você não sabe nem qual é o serviço que está sendo prestado, onde é possível apenas
identificar o preço. O resto não se sabe muito bem. Qual é ali o acordo de vontades?
Como é que vamos integrar a vontade negocial, com essa declaração negocial parcial,
parcialíssima?
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surpreendida, é porque não é da prática habitual dele contratar por silêncio. Só quando
for essa prática habitual, é que iremos ter a aceitação silenciosa.
76
oferta. Isso é importante para diversas questões. P. ex.: o plano internacional privado.
Digamos que você está fazendo um contrato com um chinês, e você quer trazer a
regulação jurídica desse contrato para a jurisdição dos EUA. Você tem 2 opções: ou
você faz a oferta a partir dos EUA, ou você coloca a jurisdição para lá contratualmente,
se isso for possível (o que nem sempre é).
- Boa-fé;
- Declarações negociais pré-contratuais;
- Proteção da confiança legítima.
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Como a boa-fé vai entrar na relação pré-contratual? Uma maneira é através do
que já discutimos: dever de lealdade, de transparência, de informação, de cuidado, etc.
Mas existem dois pontos graves:
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ruptura imotivada das negociações, todo mundo escreve sobre esse tema. O que temos
que ter em mente é que sempre temos que tentar identificar – para caracterizar uma
ruptura como imotivada – a ruptura imotivada como uma violação de um dever
decorrente da boa-fé, seja esse dever um dever de lealdade, de informação, etc. Ex.
de ruptura da boa-fé: Eu não disse a A que eu estava também negociando com B. Eu
criei a impressão para A de que eu só negociava com ele. A negociação foi caminhando
e, de repente, a empresa aparece com um contrato celebrado com outro. Ex. de ruptura
da lealdade: Eu estava num processo de negociação que eu sabia que não seria
concluído, porque, na verdade o meu interesse era outro. Eu fui levando aquela
negociação ou devido a interesses escusos, ou porque eu não queria que essa empresa
contratasse com meu concorrente, ou porque eu queria ocupar o tempo dela com essa
negociação, etc. Certa vez, o professor estava negociando um contrato de embarcação, e
ocorreu uma situação. Quem acompanha o mercado de embarcações sabe que quando
uma pessoa vai contratar a compra de um barco, o estaleiro fica parado, esperando a
conclusão do contrato, pois ele só tem 3 ou 4 vagas. Se você começa a negociar com ele
para construir e ele já tem 3 vagas ocupadas, ele vai ficar parado. Ele não conseguirá
negociar outro contrato, pois ele não consegue construir mais de 4 navios por vez. Pois
bem! Vamos supor que você esteja querendo beneficiar outro estaleiro (concorrente). Se
você fica numa negociação com aquele estaleiro só para impedi-lo de construir outras
embarcações, você está faltando com a lealdade para com este contratante.
Um exemplo melhor: não pensemos em outro estaleiro. Eu não quero contratar
uma embarcação, mas eu não quero que o meu único concorrente contrate essa
embarcação, porque se não a frota dele vai aumentar, e eu perderei trabalho. Então,
“ficar ‘enrolando’ essa contratação é bom, pois eu fico com o estaleiro parado e o meu
concorrente não vai poder contratar esse espaço, ficando imobilizado”. Irá se entender
que a não realização desse contrato causou prejuízo indevido à outra parte, e quem
estava nessa negociação violou o dever de boa-fé que tinha com esse contratante.
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