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Terça-Feira, 30 de Agosto de 2011.

Hoje terminaremos o 1º módulo do nosso programa: a formatação do contrato.


Hoje abordaremos o último aspecto social: a Cláusula Geral da Função Social do
Contrato. Já discutimos a regulação do risco, dentro do programa contratual.

CLÁUSULA GERAL DA FUNÇÃO SOCIAL DO


CONTRATO

Esse é o último aspecto social do contrato. O professor Raphael deu outro título
a esse assunto: “Caminhos e Descaminhos de Uma Ideia”. Mas a Função Social do
Contrato é uma cláusula geral? Esse é o 1º problema. É uma cláusula e um princípio, ou
é ela apenas um princípio? Existem 2 correntes, e a do professor, a 2ª, é quase unitária
(mais 1 ou 2 pessoas entendem dessa forma). A corrente 1 é a majoritária(todo mundo
adota).
Art. 421 CC/02. A liberdade de contratar será exercida em razão e nos limites da função social
do contrato.
Por que esse título: “Caminhos e Descaminhos de Uma Ideia”? A Função Social
do Contrato surgiu de onde?
Aluno: “Do Dto. Constitucional”.
Aluno: “É uma novidade do Novo CC/02”.
Vamos entender melhor... Já ouvimos falar de um conceito muito mais famoso
que a Função Social do Contrato, que é a Função Social da Propriedade. O problema da
compreensão da Função Social do Contrato é a Função Social da Propriedade, pois essa
ideia da Função Social da Propriedade surgiu na Alemanha, na famosa República de
Weimar. No meio dessa Constituição havia a seguinte frase: “A propriedade obriga!” E
isso significa que, diferentemente do que se pensou até a Constituição de Weimar (que a
propriedade era o único direito onde você estava numa posição de credor e o mundo
inteiro era devedor, ou seja, devia-se respeitar aquele direito), a partir de agora a
Constituição também submete o proprietário a uma série de obrigações.
A evolução dessa ideia (de que a propriedade não é apenas uma posição
creditícia, mas também debitória para o proprietário) vai caminhando, caminhando... até
que chega à nossa Constituição Federal, e o legislador constituinte coloca de maneira
muito clara: “São princípios da ordem econômica que a propriedade atenda à sua função
social.”
Art. 170 CRFB/1988. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na
livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça
social, observados os seguintes princípios:
III - função social da propriedade;
Comecemos com uma questão teórica: a Constituição chama a função social da
propriedade de princípio. Precisamos respeitar isso? A discussão dos princípios, no
Brasil, onde se começou a trabalhar a distinção entre princípios, regras, cláusulas gerais,
etc., é do final da década de 1990 em diante. Antes disso chamavam de princípio o que
era regra, regra o que era princípio, princípio o que era cláusula geral, etc. Assim, o fato
de a Constituição chamar algo de princípio ou regra é algo que não vamos obedecer.

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Isso é pacífico! Ela pode chamar algo de regra, que diremos se tratar, na verdade, de um
princípio. Ex.: Publicidade, que a CRFB/88 trata como regra, quando, na verdade, é um
princípio.
A 2ª questão teórica é de que se trata de um princípio. Já, já, falaremos disso,
mas antes cheguemos à seguinte conclusão: o que essa cláusula geral ou princípio (não
enfrentaremos isso agora) nos diz? Diz que, na verdade, a propriedade tem que se inserir
no seu “todo social”, na sua coletividade. A propriedade existe para o proprietário e para
a coletividade.
Ex.: Uma propriedade que agride o meio ambiente está cumprindo a sua função social?
Não! E uma propriedade improdutiva, cumpre? Não! Uma propriedade utilizada para
práticas ilícitas (uma agricultura absolutamente sustentável, sem mão-de-obra escrava,
com ótima produtividade, só que são culturas psicotrópicas)? Não! Assim, por essa
corrente, a função social da propriedade determina que essa propriedade seja exercida
não só para atender aos interesses do proprietário, mas também de forma a não
prejudicar os interesses da coletividade.
O Código Civil é de 2002. Eles viram a função social da propriedade e a função
social do contrato. Daí, tiraram essa ideia. Isso significa que a função social da
propriedade – isso é pacífico – determina uma série de deveres proprietários em prol da
coletividade. A função social do contrato irá dizer a mesma coisa, que o contrato não
pode ser ambientalmente incorreto, que ele não pode ser nocivo para os interesses
concorrenciais (p. ex., uma fusão não pode ser perniciosa ao mercado). E, com base
nessa corrente, nessa aproximação entre um conceito e outro, chegou-se a essa grande
corrente majoritária, que tentava ver que:
A sociedade era introduzida no contrato. Mais uma vez o contrato teria que ser
introduzido na sociedade de forma a se respeitar os valores dessa sociedade, os seus
bens. Essa posição é adequada? E se não for, qual é o seu problema?
Aluno: “Eu acho que a preocupação do contrato, visando o bem social (coletivo), é o
interesse entre duas partes de contratar.”
Essa é uma ideia muito boa. Agora, não é que todo contrato tenha que ser voltado para o
seu objetivo principal, que é atender bens sociais. Essa corrente não vai chegar a esse
ponto. Ela, simplesmente, vai dizer que não pode ser nocivo a interesses sociais.

Aluno: “Os contratantes têm uma liberdade contratual, mas há limites. Essa função
social não deixa de ser um limitador, porque ela sempre está voltada para a coletividade,
não podendo trazer prejuízos para o meio ambiente e para a coletividade. Então, eu vejo
que essa corrente majoritária tem na função social a garantia da coletividade em relação
ao que é pactuado num contrato.”
Esse aluno é, então, defensor dessa 1ª corrente, o que não há o menor problema para o
professor. O ídolo deste último, Pontes de Miranda, tinha um único problema: só ele
pensava daquele modo, e dizia que já era pacífico e unânime da doutrina (doutrina que
ele achava certa, ou seja, ele mesmo) aquele entendimento. O professor alega que só ele
entende dessa maneira, mas não critica quem não é adepto de sua opinião.
Para ele, o grande problema da doutrina que vai analisar a questão 2 é que ela
vai partir da seguinte premissa: A CRFB é de 1988. O CC foi feito na década de 1970.
O que a comissão de juristas, encabeçadas por Miguel Reale, e entrando nessa parte de
Contratos, o que Agostinho Alvim quis quanto a essa função social do contrato, foi
adotar uma teoria italiana que reconhecia o contrato como um fato social, um fato
socialmente útil, socialmente positivo para as práticas cotidianas. Como um fato
socialmente útil, enquanto ele tiver essa utilidade social de ser um contrato, ele é, por si
só, valoroso.

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As condições para um contrato atender à sua função social são 2: ser útil e justo.
Essa é a teoria que Miguel Reale quis, expressamente, incorporar no Código Civil, ao
colocar essa questão da função social do contrato. Ele simplesmente quer que esses
contratos não sejam nocivos, principalmente para as partes contratantes. Ele pega essa
teoria de 2 juristas italianos: Emilio Betti eCimbali, que têm essa concepção.
E a doutrina que vai defender a corrente 2 dirá: “Primeiramente, o que a corrente
1 faz, na verdade, é mal interpretar um fenômeno contratual, que é a interpretação da
projeção dos efeitos contráteis para terceiros, que não são partes naquela relação
contratual.” É o caso típico, p. ex., do cantor Zeca Pagodinho. Ele era contratado da
Brahma, cuja estratégia de marketing era toda em cima desse cantor. Da noite para o
dia, em troca de alguns milhões, ele disse que a Schincariol era muito melhor e resolveu
ser garoto propaganda dela. A Brahma processou a Schincariol por estar interferindo
diretamente nesse contrato, lesando uma parte (ela, a Brahma).
Essa é uma 2ª situação: “a necessidade do contrato não violar interesses
concorrenciais”. Ele não pode ser considerado lesivo ao mercado concorrencial.
A 3ª situação: “a questão dos direitos ambientais”. Tudo isso tem a ver com o
fato de que se aceita que o contrato projete seus efeitos para além da relação contratual.
É uma transeficácia do contrato para além daquelas partes que inicialmente formavam
aquele vínculo contratual.

Aluno: “Por causa disso, seria de interesse processar o Zeca Pagodinho por ter quebrado
o contrato com a 1ª cervejaria?”
Sim, por violação do contrato, enquanto que a outra cervejaria foi processada por não
respeitar aquele contrato. Aqui, o dever de boa-fé da Schincariol, assim foi entendido,
era respeitar aquela relação contratual. Nesse caso, a 2ª cervejaria, sem qualquer
notificação à outra parte, sem qual rescisão da outra parte, acordou com o cantor os
seguintes termos: “Vou te pagar R$5 milhões e arcarei com qualquer multa que você
tenha que pagar para a outra parte pelo descumprimento do seu contrato com ela.”
Um fenômeno que existe e acontece é o da projeção dos efeitos do contrato
para terceiros e o do ordenamento jurídico, percebendo que o contrato não é uma “ilha
de regulação” (que está além do ordenamento, que está em volta).
Isso é uma situação. Outra coisa é saber qual a função social do contrato. Como
já vimo, é ser útil e justo. Útil para as partes, para a sua finalidade; e justo para os
contratantes.

Aluno: “A Brahma poderia invocar essa função social do contrato? E podendo, onde ela
se enquadraria na parte que a prejudica?”
Seguindo a corrente 2, o professor entende que não é um problema de função social do
contrato. O contrato estava cumprindo-a. O problema é a má-fé da outra parte. Mas o
que a corrente 1 dirá é que, na verdade, a outra parte não respeitou a função social
daquele contrato.
Fortalecendo o seu argumento, o professor Raphael tem 2 pontos. Para não nos
alongarmos muito nessa questão de função social, que é muito complexa e ninguém
trata direito disso, pode-se dizer que dificilmente seremos demandados a resolver
questões com base na função social do contrato. Uma questão que precisa ser bem
observada é que o Código não usa só função social para o contrato, mas também em
diversos outros diversos outros dispositivos, principalmente os ligados à propriedade,
querendo justamente afastar essa ideia de coletividade, e falar que a função social é o
próprio uso que se faz da propriedade, a própria possibilidade de se extrair utilidade
daquela relação proprietária. Outra questão também relevante, e aí voltamos à dúvida:

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se é cláusula geral ou princípio. Se você defende que a função social é um princípio,
que princípio é esse, qual é a sua finalidade? Não se consegue evoluir muito com essa
ideia de coletividade, já que existem outros princípios que tutelam as situações tratadas
pela 1ª corrente. Já se você for pela 2ª corrente, encontraráuma cláusula geral, que, na
sua aplicação, encontrará outros princípios (p. ex., o princípio da eticidade, da
socialidade, da autodeterminação). São ideias muito fortes com essa questão de função
social do contrato.
Com isso, concluímos os Aspectos Sociais do Contrato.

Aluno: “Essa corrente 1 enxerga mais esse aspecto como um reflexo do contrato na
coletividade, enquanto a corrente 2 o vê entre os pactuantes.”
Exatamente! O contrato, como fato social, é, por si só, socialmente benéfico, conquanto
que seja útil e justo.
Quem irá tratar da 2ª corrente discutindo a 1ª, é o professor Gerson Branco, no
livro Função Social do Contrato, publicado em 2009 pela Saraiva.

Agora iniciaremos o estudo de outro ponto da matéria, referente à parte


econômica. Daremos um “pulo de gato” em nossas vidas se entendermos para que as
pessoas fazem contratos.

Aluno: “O Estado é parte necessária num contrato?”


Você me dá R$50,00 por esse apagador? Suponhamos que você não sabe quanto custa
um apagador e pense que é um bom negócio comprá-lo por esse preço. Cadê o Estado?
Aluno: “Mas o Estado garante que você não cobre esse preço abusivo.”
O fato de eu não te roubar é outra questão. O contrato está sendo feito entre você e eu
agora. Cadê o Estado? Você me dá esse valor que o apagador é seu, automaticamente.
Essa é uma questão. Outra questão é eu te prometer entregar o objeto na 2ª-Feira. Se eu
te der o apagador, onde o Estado interviu? “Ah, mas ele poderia intervir!” Nós estamos
falando de um fato jurídico, e como fato jurídico é evidente que ele tem projeções do
Direito, e o nosso Direito, hoje em dia, é basicamente estatal, já que a autotutela é muito
pouco determinada. A relação, aqui, é privada. Não tem Estado por enquanto. O Estado
entra como uma força corretora, etc.
Por outro lado, o professor não disse que, pela corrente 2, pode-se desrespeitar o
meio ambiente, ou os direitos fundamentais. O que ele quer dizer é que o objeto de
tutela é diferenciado. É preciso respeitar o meio ambiente porque existe uma lei que
proíbe a pratica de atos que o viole. Não se podem praticar atos que violem as leis da
livre concorrência, porque há uma lei que tipifica condutas que são anti-competitivas.
Mas isso, a seu ver, não é função social do contrato. Afunção social do contrato é ser
útil e justo. Isso serve apenas para compreendermos para quê serve essa função social
do contrato e pararmos de utilizá-la como se fosse um argumento dizendo que o novo
CC quer que o contrato seja ambientalmente correto, que ele respeite a livre iniciativa,
que ele não seja utilizado para contratar trabalho escravo. Há normas que proíbem isso,
mas não por causa dessa cláusula de função social do contrato. E, como já se explicou,
não se quer dizer com a corrente 2: “Que se danem os direitos fundamentais!” NÃO!
Voltando ao ponto da aula de hoje, propriamente, o grande “pulo do gato” qual
é? Existem contratos que demoram semanas, às vezes alguns meses, para serem
negociados. O que o advogado fica tanto tempo fazendo? Ele é lento, incompetente? Ou
cada mês ele coloca mais 50 páginas de dispositivos contratuais (as cláusulas)? Mas o
que ele, de fato, está estabelecendo nesse contrato?
Aluno: “Os interesses de uma das partes, para que as cláusulas sejam aceitas.”

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Aluno: “Ele está defendendo o que é melhor para o seu cliente, e o advogado da outra
parte, o que é melhor para ela.”
Mas o que esse advogado está regulando? Qual o objeto da sua regulação, que é
problemático? O professor, como advogado, não se lembra de alguma vez ter perdido
tempo pensando qual é o objeto do contrato (a não ser que seja um contrato em que nem
o seu cliente saiba o que está contratando), ou pelo menos, nunca foi objeto de qualquer
reunião com cliente discutir o que é o objeto do contrato. O objeto do contrato vem
“redondo” para o advogado. Ex.: “Eu quero uma turbina de avião, da marca X, com tais
especificações.” Não é nossa parte discutir o objeto do contrato. O que podemos
discutir, que é relacionado ao objeto, é qual “veste jurídica” daremos a esse contrato (o
contrato é um instrumento para dar uma veste jurídica para uma relação econômica).
O que se discute é a questão comercial. Como advogado, o professor não sabe se
o seu cliente vai pagar em 50 ou em 100 vezes, se o seu cliente será remunerado com
taxa de juros de 1, 3, ou 5%. Isso já chega redondo para o advogado. O objeto da
regulação contratual, para o advogado, é a distribuição de riscos. A única coisa com a
qual ele irá trabalhar e discutir a vida inteira será a distribuição de riscos entre as 2
partes. E tem mais: O advogado irá discutir redação de cláusula pensando quais os
riscos que estarão sendo incluindo com a redação X, quais os riscos que estarão sendo
excluídos com a redação Y. Uma pergunta que não é tão banal: o que é risco?
Aluno: “O descumprimento das cláusulas contratuais.”
O inadimplemento é um exemplo de risco.
Aluno: “É a possibilidade de frustrar alguma cláusula da relação contratual.”
É mais amplo que isso! Qualquer evento que possa trazer um risco. Evento tem 2
características: é um acontecimento possível e que não depende da vontade das partes.
Exs. de riscos famosos: valorização/desvalorização cambial; intempéries.
Assim sendo, no contrato, o que vamos regular são os riscos, todos os eventos
que podem causar prejuízo a uma das partes, e que estejam fora do seu âmbito de
controle, pelo menos fora do seu âmbito de controle mais imediato. E nesse tópico de
regulação de riscos, que é o motivo pelo qual as pessoas celebram contratos, naquela
negociação do apagador por R$50,00, embora até nessa operação haja riscos (ela pode
constatar que o apagador está quebrado, e isso é um risco que ela está assumindo; e o
professor está assumindo o risco de que a nota que ela lhe deu seja falsa). Não existe
operação sem risco, assim como não existe cirurgia médica sem riscos, também.
O contrato, então, é um grande esforço de presentificação dos riscos
futuros. O 1º passo é a pessoa vislumbrar todos os riscos que ela tem naquela relação
contratual. Fazer isso é bastante trabalhoso. Imagine quais os riscos de uma empresa
comprando outra. Podemos pensar nos passivos trabalhistas, ambientais, fiscais, riscos
contábeis, riscos com os seus consumidores, riscos de inadimplemento,... riscos
inúmeros. Assim, o 1º objetivo é presentificar esses riscos, e o 2º é distribuir entre as
partes, visualizando o risco.
Ex.: Chegamos à conclusão que a empresa fez algo que não devia na área ambiental, e
isso pode gerar uma autuação daqui a até 5 anos. De quem é esse risco a ser assumido
no contrato? Essa é uma situação: nós presentificamos o risco e o distribuímos no
contrato. 2º problema: não consideramos um risco e ele se materializou, o que é muito
mais problemático sob o aspecto prático.
Isso nos leva para os 2 temas da aula de hoje:

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Cláusula de Hardship (“cláusula de dureza”) e Cláusula
Rebus Sic Standibus
Qual a diferença básica entre uma cláusula e outra? É que na 1ª eu estou
tentando antecipar um risco e distribuí-lo para uma das partes. Por isso ela se chama
“cláusula de dureza”, porque é um risco que normalmente levaria à revisão do contrato,
normalmente levaria uma das partes a extinguir aquela relação contratual. Eu estou
antecipando para atribuir a uma parte e dizer que se isso acontecer, ela que levará o
prejuízo.
Exs. de uma cláusula de hardship: “Se o dólar variar até 1000%, não é possível fazer a
revisão desse contrato”. “Se houver greve dos ferroviários, isso não é desculpa para
você não me entregar a mercadoria prometida”. “Se a Al-Qaeda resolver comemorar o
11/09 derrubando mais 20 prédios, e um desses for o seu, não interessa, o prejuízo é
seu!”
Voltando a Obrigações: Há inadimplemento em atos de terrorismo, ou em fatos
extraordinários, supervenientes? Não, pois ele era imprevisível, e a consequência disso é
a exclusão da própria imputabilidade do inadimplemento do risco à outra parte (é mais
do que a exclusão da culpa). Melhor: a materialização desse risco exclui a
imputabilidade do inadimplemento a uma das partes.
Ex.: O professor, certa vez, assessorou a compra de peças para a construção de um
navio. O estaleiro ficava no Amazonas, e após uma cheia, o rio ficou intransitável. Isso
foi considerado um caso de força maior e, portanto, excluía a imputabilidade do
inadimplemento da outra parte, que não pôde cumprir. A cláusula de hardship vai
contra essa tendência, dizendo que ainda que isto aconteça, a parte se responsabiliza. É
justamente contra o caso de força maior que se cria a cláusula de hardship. O caso seria
considerado de força maior, por natureza.
Aluno: “A cláusula de hardship, na verdade então, é uma previsão daquilo que poderia
acontecer fora da normalidade, correto?”
Aqui, na verdade, estamos trabalhando até com a normalidade, já que a cheia no
Amazonas é uma coisa normal de ocorrer. Todos sabem que se alguém contratar uma
transportadora para entregar uma mercadoria lá, haverá o problema das cheias.
Mas o que eu quero é distribuir riscos naquele meu contrato. Eu vou estabelecer
que se esse risco acontecer, quem assumirá o prejuízo será uma das partes. A cláusula
de hardship tem a ver com uma maneira de tratar riscos, fatos que levariam à resolução
do contrato ou que descaracterizariam a imputabilidade do inadimplemento, em que
uma das partes assume esse risco e tem que pagar por elas. E isso é ajustado no preço,
ou seja, para se incluir uma cláusula de hardship no contrato, você pagará mais caro.
“Mas e o CDC?” Ora, CDC não terá cláusula de hardship. Estamos discutindo contrato
entre empresas. Aqui, a cláusula de hardship terá um impacto no preço do contrato,
agora ela afeta questões patrimoniais financeiras? É justamente o seu objetivo:
estabelecer quem pagará o preço daquele problema ocorrido.
Essas são 2 maneiras de como ocorre o tratamento do risco. Há outras, como, p.
ex., a cláusula de força maior, que é justamente a cláusula anti-hardship. Eu posso
estabelecer em meu contrato o que considero como força maior e que, portanto, eu não
me responsabilizo.
A cláusula rebus sic standibus diz respeito ao risco não previsto no contrato. Ela
tem a ver com fatos supervenientes, e que não foram adequadamente previstos. Sua
ideia básica é que o contrato é vinculante às partes, tal como está, mantidas as condições
originais da contratação. Se houver uma alteração, aquele contrato, tal como foi
estabelecido, deixa de ter aquela vinculabilidade, aquela obrigatoriedade, e precisa ser
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reajustado ou extinto. Para começarmos nossa abordagem da cláusula rebus sic
standibus, façamos uma erudita citação de Cícero:
Portanto, nem sempre é bom cumprir as promessas ou devolver os depósitos. Se alguém
que te confiou a espada, são, pedi-la quando insano, entregá-la seria insensatez, e retê-la,
um dever. Se aquele que te confiou o dinheiro fizer a guerra contra a pátria, devolverás o
depósito? Não, penso eu, pois assim agiria contra a República, que deve constituir a
principal afeição. Assim, muitas coisas que parecem honestas, por natureza, tornam-se,
conforme as circunstâncias, desonestas. Cumprir as promessas, aferrar-se aos acordos e
devolver os depósitos deixam de ser ações honestas quando já não são úteis.

Cícero está nos dizendo que, mudadas as condições, o contrato precisa ser
revisto. Mas como iremos revê-lo?

CC/2002 - Art. 317. Quando, por motivos imprevisíveis, sobrevier desproporção manifesta entre
o valor da prestação devida e o do momento de sua execução, poderá o juiz corrigi-lo, a pedido
da parte, de modo que assegure, quanto possível, o valor real da prestação.

Art. 418. Se a parte que deu as arras não executar o contrato, poderá a outra tê-lo por desfeito,
retendo-as; se a inexecução for de quem recebeu as arras, poderá quem as deu haver o
contrato por desfeito, e exigir sua devolução mais o equivalente, com atualização monetária
segundo índices oficiais regularmente estabelecidos, juros e honorários de advogado.

O Código estabelece uma série de situações em que o contrato perde a sua força
obrigatória. Ou melhor, não se exige (e aí temos a nossa intervenção estatal) que o
contrato seja cumprido naquelas condições. Essa situação é denominada como cláusula
rebus sic standibus. Ela surge justamente para reforçar a ideia de que o contrato uma
vez pactuado – aquela ideia de consensualismo que já vimos em aula anterior – ele não
pode se modificado por uma das partes unilateralmente. Se uma das partes teve
prejuízo, não importa. Se ela achou que aquilo era justo no momento da formação do
contrato, aquele contrato tem que ser cumprido daquela forma.
Existem 3 grandes teorias que tentaram trabalhar esse problema da cláusula
rebus sic standibus: as teorias francesa, alemã e italiana.

1) A primeira grande teoria que tentará enfrentar o problema dessa imutabilidade


originária do contrato é a Teoria Francesa, que é a Teoria da Imprevisão. O que
ocorreu na França para que quisessem mudar a Teoria Clássica do Contrato, se foram
eles mesmos que a criaram? O que aconteceu foi o seguinte: imagine que uma empresa
de Bordeaux contratou o fornecimento de energia, e que a empresa fornecedora de
energia tem o carvão como seu insumo básico. O carvão, de uma hora para outra, subiu
500% por conta dos problemas do pós 1ª GM. Os franceses chegaram à seguinte
conclusão: “Não é justo que se obrigue uma empresa nessas condições, quando tem toda
essa mudança na relação contratual, quando acontece esse fato imprevisto, a cumprir o
contrato”. Isso porque, de um lado, gera-se um enorme prejuízo para uma parte, e às
vezes acaba-se gerando um benefício indevido para a outra parte.
Logo, essa corrente dirá que é permitida a alteração do contrato, a sua extinção,
normalmente, estiverem presentes 3 pressupostos:
I - a imprevisibilidade de um evento. Não pôde ser previsto, naquelas condições, que o
carvão subisse 500% naquele momento, ou no momento da elaboração do contrato.
II - a excepcionalidade da álea (é quase um sinônimo para risco). É provocar um
enorme desequilíbrio entre as prestações.
III - e tal álea, que é excepcional (extraordinário). P. ex., a cheia do Amazonas, para
essa teoria, não é um fato imprevisível.

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Presentes esses 3 requisitos, a escola francesa autorizaria a revisão do contrato,
para evitar a injustiça, manter contrato justo e útil para as partes.
Essa teoria não vingou fora da França. Não é a teoria que adotamos.

2) Uma teoria muito forte que irá tratar do problema da cláusula rebus sic standibus é a
Teoria Alemã, chamada Teoria da Base Objetiva do Contrato. Todos os
ordenamentos jurídicos tentam enfrentar esse problema da cláusula rebus sic standibus,
da imutabilidade do contrato uma vez pactuado.
Na teoria italiana surgiu uma jurisprudência qualquer que decidiu o seguinte:
“Vamos autorizar essa mudança quando houver a imprevisibilidade, a excepcionalidade
da álea, quando houver uma desproporção entre as prestações”, e por aí vai... Mas
vieram os alemães e, resolvendo o seu próprio problema, o 1º autor, chamado
Windscheid, disse o seguinte: “Quando eu celebro um contrato, a parte normalmente
tem certas pressuposições, ou melhor, ela realiza um contrato com base em certas
pressuposições que limitam o conteúdo da declaração negocial”. Windscheid era um
voluntarista do final do séc. XIX. Essas pressuposições funcionam quase como
condiçõesimplícitas do contrato. Ex.: “Fiz um financiamento para a compra de um carro
com base na pressuposição de que o meu chefe iria aumentar o meu salário, já que na
última semana nós tivemos uma conversa e ele demonstrou que queria me dar esse
aumento”. Então, esse aumento de salário, para o Windscheid, seria quase como uma
condição implícita do contrato. Não ocorrendo aquilo que era uma pressuposição, o
contrato deixa de ser obrigatório, tornando-se inválido. Essa teoria, de fato, é deveras
improcedente! Mas é uma teoria voluntarista do contrato, fundada na ideia de que a
vontade, e não a declaração negocial, é o elemento fundamental da constituição do
vínculo jurídico.
Lembrando Introdução ao Dto. Civil, os motivos de um negócio jurídico:
motivações de um negócio jurídico que se mostram errôneas. O nosso ordenamento
jurídico dá alguma importância a elas? Depende de qual é a motivação.
CC/2002 - Art. 140. O falso motivo só vicia a declaração de vontade quando expresso como
razão determinante.
Ou seja, se eu estabeleço num contrato que a razão determinante da sua existência é
uma certa pressuposição minha, aquilo passa a ter uma relevância contratual e serve
quase como uma condição para a realização daquele contrato. Mas não sendo essa a
hipótese, do motivo ser condição determinante e expressa, a teoria contratual, desde
sempre, vai dizer que o motivo, o falso motivo, essa condição não expressa, que não se
realiza, não vicia o negócio jurídico, pois isso está no âmbito psicológico da parte. Se
ela quisesse que fosse determinante, ela deveria exteriorizá-lo.
E aí surge a nossa 2ª teoria, que irá combater a Teoria da Pressuposição, que é a
Teoria da Base Subjetiva do Contrato. Construída por um alemão chamado
Oertmann, essa teoria dirá que a teoria do Windscheid é interessante, mas só funciona se
ambas as partes tiverem essa pressuposição em comum, e se foi uma pressuposição
aceita por elas (se essas reservas mentais forem aceitas), se esses motivos forem
contratualmente aceitos, objetivados. Não necessariamente objetivados no contrato, mas
for algo que esteja evidente pela própria natureza da relação.
Ex. clássico da doutrina 1: Digamos que você é convidado para um evento, que se
realizará em Petrópolis. Como todo estudante é sempre desprovido de verbas, a
organização do evento contrata ou indica moradores locais para hospedarem os
estudantes durante esse evento. Os estudantes celebram com estes moradores locais um
contrato de locação do imóvel, ou uma locação da cama, ou de parte do imóvel. O
evento é cancelado! Pela teoria da base subjetiva do contrato, este contrato vincula as
partes? Pensemos: qual era a pressuposição daquele contrato? R.: Que haveria o evento.
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Se este foi cancelado, o contrato deixou de ser obrigatório. Não há dúvida que as partes
tinham a consciência da relevância daquele motivo, daquela pressuposição.

Ex. clássico da doutrina 2 (Oertmann): As partes, com base no falso motivo, ou seja,
com base na falsa pressuposição de que R$1,00 valia US$25,00. Assim, foi estabelecido
um contrato no qual uma pessoa emprestava US$25,00 e a outra prometia, quando
chegasse ao Brasil, pagar R$1,00. Só que aí, descobriram que a cotação, de fato, era
R$1,00 para US$250,00, e que, na verdade, aqueles US$25,00 emprestados valiam
R$0,10. Um queria cobrar R$1,00 e o outro queria pagar R$0,10, que era efetivamente o
dinheiro emprestado, com base na cotação real. A doutrina de Oertmann dirá que a
pressuposição é que aquele negócio foi celebrado com a 1ª cotação. Isso está claro pelas
trocas de minutas, pelo contrato, pelo recibo dado. Se de fato é isso, esse contrato deixa
de ser obrigatório, pois o que ele terá de devolver será somente os US$25,00.
O problema dessa 2ª teoria, a teoria da base subjetiva, de Oertmann, é que cai
muito também na questão da análise da subjetividade. Nos casos teratológicos, os muito
evidentes, consegue-se resolver, mas nos casos mais complexos haverá, sempre, uma
dificuldade de analisar essa subjetividade, o que era evidente para ambas as partes,
especialmente se o contrato não dispõe sobre isso, etc.
E aí surge a teoria que vai bater nisso tudo: ateoria da base objetiva do contrato,
que é a que tem relevância para o nosso estudo. É de outro alemão chamado Larenz (já
discutimos na aula passada quando estudamos boa-fé). A teoria da base objetiva do
contrato dirá que o contrato se fundamenta numa certa base negocial, formado pelas
suas condições socioeconômicas. Não são as pressuposições de cada uma das partes
dizendo que todo mundo está de acordo com quais são essas pressuposições. São as
condições socioeconômicas do próprio ambiente contratual. Quando eu poderei rever
um contrato? R.: Quando esta base contratual for desfeita, impedindo a realização da
própria finalidade do contrato. Quais são os pressupostos para a aplicação da teoria da
base objetiva do contrato?
1) Destruição da relação de equivalência construída;
2) A própria frustração, ou o impedimento da realização da finalidade do contrato.
Suponhamos que haja um contrato de colaboração entre 2 partes para o
desenvolvimento de um impedimento contratual, em que a parte A tenha assumido uma
obrigação pecuniária. Se há um desequilíbrio cambial, que levará a parte A à falência, é
evidente que aquele contrato precisa ser revisto, pois a base sobre a qual se assentava
aquele contrato já não mais existe.
Essa teoria é muito influente para a jurisprudência do Direito brasileiro,
principalmente antes do Código Civil. E encontraremos julgados agora do STJ, como
veremos na próxima aula, que irão fundamentar a aplicação da revisão do contrato com
base na quebra da base objetiva do contrato. Por que isso é relevante distinguirmos
essas teorias? R.: Porque veremos que os pressupostos delas são diferentes.
Ex.: Em relação a essa quebra da base objetiva do contrato, qual a sua diferença para a
anterior (Teoria da Imprevisão francesa)? Estamos discutindo, aqui, a imprevisibilidade,
a excepcionalidade do evento? Não! Para teoria dabase objetiva do negócio jurídicoisso
não tem a menor relevância. Num caso concreto, a teoria alemã pode reconhecer como
sendo um caso passível de revisão contratual, e a teoria francesa entender que não.
Recapitulando, a Teoria Objetiva parte da ideia de que a cláusula rebus sic
standibus só existe mantida a base socioeconômica daquela contratação. Suponhamos
que você fez um contrato na Líbia, e parece que lá estão ocorrendo problemas sociais.
Aquele contrato, com o qual você se obrigou a realizar uma prestação lá, por essa teoria,
é obrigatório? Você deve cumpri-lo mesmo assim? Aparentemente, não.

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Ou questões econômicas... Vamos supor que haja uma maxi valorização do
dólar, ou que o preço de um insumo que você precisava para prestar ficou muito caro,
ou muito barato, desequilibrando aquela relação. Nesse caso, pela Teoria da Base
Objetiva do negócio jurídico, você consegue rever aquela relação contratual, rever os
termos daquele contrato.

3) Vejamos, agora, a última teoria: a Teoria Italiana, que é a Teoria da Superveniente


Onerosidade Excessiva. Ela apresenta um problema inicial: o seu campo de aplicação,
diferente das outras teorias – que nada falam –, a teoria da onerosidade excessiva
italiana só reconhece 1 campo de aplicação, que são os contratos de longa duração.
Pressupostos da Teoria Italiana:
- Contratos de Longa Duração (seu único campo de aplicação, citado acima);
- Excessiva Onerosidade Superveniente da Prestação;
- Álea Extraordinária e Imprevisível.

CC/2002 - Art. 317. Quando, por motivos imprevisíveis, sobrevier desproporção manifesta
entre o valor da prestação devida e o do momento de sua execução, poderá o juiz corrigi-lo, a
pedido da parte, de modo que assegure, quanto possível, o valor real da prestação.

“... entre o valor...”. Está restringindo o nosso campo: valor.


“... motivos imprevisíveis...” e “... desproporção manifesta...”. 1º, isso se aplica a todas
as obrigações? A doutrina dirá que isso aqui só se a obrigações pecuniárias, ou art.317.

CC/2002 - Art. 478. Nos contratos de execução continuada ou diferida, se a prestação de


uma das partes se tornar excessivamente onerosa, com extrema vantagem para a outra,
em virtude de acontecimentos extraordinários e imprevisíveis, poderá o devedor pedir a
resolução do contrato. Os efeitos da sentença que a decretar retroagirão à data da citação.

CC/2002 - Art. 479. A resolução poderá ser evitada, oferecendo-se o réu a modificar
equitativamente as condições do contrato.

CC/2002 - Art. 480. Se no contrato as obrigações couberem a apenas uma das partes, poderá
ela pleitear que a sua prestação seja reduzida, ou alterado o modo de executá-la, a fim de
evitar a onerosidade excessiva.

Diante do que vimos nesses artigos, temos, na verdade, 2 situações diferentes.


Uma é a questão monetária, que está no art.317, mas que não daremos atenção, por
hora. Preocupar-nos-emos com o art.478, que é a nossa cláusula rebus sic standibus, ou
como vamos enfrentá-la aqui no Direito brasileiro.
Qual das 3 teorias que discutimos ele adota? R.: a italiana.
Primeiro, restringe a aplicação da teoria a 2 tipos de contratos: contratos de
execução continuada e contratos de execução diferida, o que é algo diferente do
contrato duradouro italiano. Tem essa peculiaridade.
Contrato de Execução Continuada é o contrato em que as prestações vão se
prolongando no tempo. Imaginemos o contrato de prestação de serviços de revisão de
um equipamento. Cada vez que o técnico revê esse equipamento há uma prestação, que
vai sendo executada continuamente, ao longo do tempo.
Já o Contrato de Execução Diferida é quando a prestação é diferida no tempo.
Pode haver apenas 1 prestação, mas a formação do contrato ocorre num momento, e a
execução da obrigação, em outro posterior.
Só existe revisão do contrato quando há onerosidade excessiva para uma das
partes, provocando uma vantagem para a outra parte. Essa questão do benefício para a
outra parte é um tanto polêmica, principalmente em situações em que estamos
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discutindo sobre insumos, ou algo que seja necessário para uma das partes prestar, mas
que não impacte diretamente na prestação da outra.
Ex.: O contrato é de entrega de computadores, pelo preço de R$1.000,00. Se os
equipamentos, que tinham um custo total de R$500,00, passam para R$3.000,00, há
uma vantagem particular para a outra parte? Há uma vantagem particular para a outra
parte? Isso é duvidoso.
Além disso, a álea deve ser extraordinária e imprevisível. Álea ordinária: o
nosso rio que sobe todo mês de Janeiro não é uma álea extraordinária. Não é também
uma álea imprevisível. É previsível que chova e que tenha enchente no rio. Porque
houve uma enchente, eu posso requerer a resolução do contrato? Não posso! Posso
querer a modificação do contrato? Não consigo!

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