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DIREITO ADMINISTRATIVO

Professor Valter Shuenquener


AULA VIII

Parte 1/4

1) Intervenção do Estado na Propriedade (continuação)


I. Desapropriação
a) Retrocessão
 Natureza jurídica da retrocessão

Há uma discussão sobre a natureza jurídica da retrocessão em razão da redação


do art. 519, CC. Trata-se do direito que o antigo proprietário da coisa expropriada possui de,
nos casos de tredestinação ilícita, exigir a retomada do bem ou o pagamento de uma
indenização. A redação do art. 519, CC não prevê efetivamente o direito de retomada do bem.

Art. 519, CC - Se a coisa expropriada para fins de necessidade ou utilidade pública, ou por interesse
social, não tiver o destino para que se desapropriou, ou não for utilizada em obras ou serviços públicos,
caberá ao expropriado direito de preferência, pelo preço atual da coisa.

O CC/1916 também não garantia o direito de retomada. O art. 1.150 falava que o
Poder Público deveria oferecer o bem desapropriado que não recebeu qualquer destinação.
Entretanto, a pergunta que ficava no ar era “e se o Poder Público não oferecer o bem, como
será resolvido? O particular terá o direito de retomá-lo”?

Essa redação do art. 519, CC/02 em conjunto com o art. 35, DL 3.365/41 (o artigo
menciona que qualquer ação julgada procedente resolver-se-á em perdas e danos) leva a
conclusão de que não se está diante de um direito de natureza real.

Art. 35, DL 3.365/41 - Os bens expropriados, uma vez incorporados à Fazenda Pública, não podem ser
objeto de reivindicação, ainda que fundada em nulidade do processo de desapropriação. Qualquer
ação, julgada procedente, resolver-se-á em perdas e danos.

Assim, a primeira corrente defende que a retrocessão é um direito de natureza


obrigacional, de natureza pessoal. José dos Santos Carvalho Filho defende esse ponto de vista.

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Para esse autor, a legislação brasileira apenas assegura uma indenização (perdas e danos) e
não a retomada do bem, o que é uma característica de uma ação de natureza pessoal.

A segunda corrente parte da premissa de que o direito de retrocessão é um direito


de natureza real. Autores adeptos desse entendimento: Pontes de Miranda, Seabra Fagundes.
Eles partem da premissa de que é um direito de natureza real considerando que, quando o
Poder Público desapropria, ele o faz com base no texto constitucional e só pode desapropriar
nas hipóteses de necessidade pública, utilidade pública e interesse social. Na prática, nem há
desapropriação por necessidade pública porque não há lei tratando desse tema.

Quando o desapropriante não dá qualquer destinação ao bem, ou dá uma


destinação que não se encaixa na utilidade pública ou no interesse social, o que ocorre
efetivamente é uma desapropriação inconstitucional, uma desapropriação que ocorre
contrariamente ao que o texto constitucional previu e, portanto, deve ser desfeita. O
desfazimento ocorre com a restituição do bem pelo Poder Público ao antigo proprietário e o
antigo proprietário devolvendo o que recebeu a título de indenização pelo bem. Vendo por
essa forma, trabalhando no âmbito constitucional e deixando de lado o Código Civil, é que é
possível defender que se trata de um direito de natureza real.

A terceira corrente defende que o direito de retrocessão seria um direito que


poderia ser exercido como um direito de natureza real, mas, eventualmente, como um direito
de natureza obrigacional. Defendem essa corrente Maria Sylvia Zanella di Pietro e Celso
Antônio Bandeira de Mello. Maria Sylvia chega a dizer que se trata de um direito de natureza
mista, por poder ser exercido dessas duas formas. Por sua vez, Celso Antônio critica a
expressão “direito de natureza mista”, porque diz que não existe direito de natureza mista e
que quando é exercido como de natureza real, tem natureza real e quando exercido como
direito de natureza obrigacional é de natureza obrigacional. Entretanto, os dois autores
pensam da mesma forma: que o direito pode ser ora de um jeito e ora de outro. O direito
poderia ser assim porque, muitas vezes, o antigo proprietário não terá mais interesse de exigir
a restituição do bem e vai preferir uma indenização.

Então, há, basicamente, três correntes.

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No STJ tem prevalecido a tese de que, como regra, o direito de retrocessão tem
natureza real, mas que, excepcionalmente, poderá ser exercido como um direito de natureza
obrigacional, tal como defende a terceira corrente. É possível afirmar isso porque, quando o
STJ decide sobre o prazo prescricional para o exercício do direito de retrocessão, ele considera
o prazo de 10 anos, que é o prazo da ação de natureza real.

Nas ações de natureza obrigacional, a Fazenda responde por cinco anos, nos
termos do Decreto 20.910/32. Os autores que defendem a tese de que é direito de natureza
obrigacional, como José dos Santos Carvalho Filho, vão defender que o prazo da ação de
retrocessão é de 5 anos. Mas, para o STJ, o prazo será de 10 anos, que é o prazo do art. 205,
CC para as ações de natureza real. Então, esse entendimento do STJ de que responde por 10
anos nos casos de retrocessão corrobora a tese de que estamos diante de um direito de
natureza real.

Art. 205, CC - A prescrição ocorre em dez anos, quando a lei não lhe haja fixado prazo menor.

Esse tema é muito cobrado em provas.

 Marco inicial do prazo prescricional

A Lei 4.132/62 (que cuida da desapropriação por interesse social) prevê que o
Poder Público desapropriante tem o prazo de 2 anos para dar uma destinação ao bem. Já o
Estatuto da Cidade (Lei 10.257/2001) estipula que na desapropriação por interesse social para
fins urbanísticos, o prazo será de 5 anos. No caso da reforma agrária, a legislação alusiva, LC
76, prevê o prazo de 3 anos para que se tenha uma destinação.

Assim, o termo inicial para o computo do prazo prescricional da ação de


retrocessão vai variar de acordo com a modalidade de desapropriação. Na reforma agrária,
contam-se os 10 anos após o decurso dos 3 anos que o desapropriante possui para dar a
destinação.

Na desapropriação por utilidade pública, regida pelo DL 3.365/41, não há um


prazo para o desapropriante dar uma destinação ao bem. O que o DL 3.365/41 estipula em
seu art. 10 é o prazo de 5 anos para o desapropriante promover a desapropriação, que é

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adotar medidas concretas para a desapropriação do bem, o que não é a mesma coisa de dar
destinação ao bem. O fato é que o DL 3.365/41 foi omisso quanto a esse tema.

É muito forte o discurso de que se deve considerar, por analogia, o prazo de 5


anos também para a destinação, mas isso não está na lei. Então, parece que a solução mais
apropriada no caso da desapropriação por utilidade pública é considerar o caso concreto. Ex:
O Prefeito vai à televisão e diz “O Prefeito anterior desapropriou uma terra no ano passado
para construir uma creche, mas eu não vou construí-la, pois não há dinheiro para isso. O
terreno ficará abandonado”. No caso, é razoável contar os 10 anos a partir desse
reconhecimento de que não haverá qualquer destinação ao bem. Portanto, na
desapropriação por utilidade pública, há essa dificuldade maior de se identificar o termo
inicial para o cômputo do prazo prescricional da ação de retrocessão.

b) Indenização

Nesse ponto é preciso analisar quais parcelas devem ser pagas pelo
desapropriante ao proprietário do bem.

 Valor do bem e das benfeitorias

A primeira parcela é o valor do bem e das benfeitorias. O desapropriante deve


pagar ao proprietário o valor do bem acrescido das benfeitorias nele existentes. No valor do
bem em qual momento? O ato declaratório fixa o estado do bem. O desapropriante deve
considerar o que o bem possui, inclusive em termos de benfeitorias, no momento da
declaração.

Mas, a grande verdade é que esse cálculo só é feito no caso de uma


desapropriação judicial quando temos um laudo pericial. Então, na prática, o valor do bem é
calculado pelo perito judicial quando ele faz a sua avaliação. Se não houver ação de
desapropriação, a declaração será um marco importante para a Administração considerar o
valor que vai oferecer. Já na desapropriação judicial, o laudo pericial é o momento em que o
valor será definido e normalmente, o juiz considera esse montante. Apesar de não estar
vinculado, é raríssimo o juiz não considerar o valor calculado pelo perito.

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Em relação às benfeitorias, tudo o que o bem tiver de benfeitoria no momento da
declaração deve ser indenizado.

E as benfeitorias que forem introduzidas após a declaração? O proprietário que


tiver sido atingido por um ato declaratório de desapropriação não fica impedido de realizar
uma obra no bem. Inclusive, a súm. 23, STF estipula o direito ao licenciamento da obra,
mesmo que o bem tenha sido atingido pela declaração. Essa obra nova não será, como regra,
incluída na indenização. Ex: uma piscina banhada a ouro construída após o decreto de
desapropriação não será indenizada.

Entretanto, a súm. 23, STF precisa ser lida em conjunto com o art. 26, §1º, DL
3.365/41. Esse artigo estipula que, mesmo após a declaração de desapropriação, as
benfeitorias necessárias terão de ser indenizadas e as úteis serão indenizadas apenas se
tiverem sido autorizadas.

Então, todas as benfeitorias que já existiam no bem antes da declaração de


utilidade pública devem ser indenizadas. As que forem introduzidas após a declaração serão
indenizadas nos seguintes termos: se forem necessárias, serão indenizadas; se forem úteis e
tiverem sido previamente autorizadas, serão indenizadas; mas as benfeitorias voluptuárias
(mero deleite ou recreio), que forem introduzidas após a declaração, não serão indenizadas.

Súm. 23, STF - Verificados os pressupostos legais para o licenciamento da obra, não o impede a
declaração de utilidade pública para desapropriação do imóvel, mas o valor da obra não se incluirá na
indenização, quando a desapropriação for efetivada.

Art. 26, §1º, DL 3.365/41 - Serão atendidas as benfeitorias necessárias feitas após a desapropriação;
as úteis, quando feitas com autorização do expropriante.

o Terrenos de marinha

Há situações peculiares, como os terrenos de marinha, que são de propriedade


da União, nos termos do art. 20, VII, CRFB/88, e, como tal, são insuscetíveis de
desapropriação. Então, não é possível falar de desapropriação do terreno de marinha.

Art. 20, CRFB/88 – São bens da União:

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VII – os terrenos de marinha e seus acrescidos;

Entretanto, o terreno de marinha pode estar sujeito a um regime de aforamento,


em que há a propriedade do domínio direto nas mãos da União e a propriedade do domínio
útil nas mãos de um particular. Então, o particular terá a posse direta e o domínio útil do
terreno de marinha, o que tem um valor; e a União, a propriedade do domínio direto. O
aforamento é muito comum. Ex: terrenos nas orlas das cidades, como a Av. Atlântica, em
Copacabana.

Se a União não pode ter bens de sua propriedade desapropriados e o particular


pode ter, a questão é saber quanto vale o domínio útil do terreno de marinha, pois é isso que
será desapropriado. Então, tecnicamente, o terreno de marinha não pode ser desapropriado,
mas o domínio útil do terreno de marinha sim. Se o terreno de marinha como um todo é
considerado bem da União, ele não pode ser desapropriado. O que poderá ser desapropriado
é o domínio útil do terreno de marinha, se for de propriedade de um particular ou se não for
da União, pois pode ser do Estado ou do Município e bens dos Estados e dos Municípios
podem ser desapropriados nos termos do art. 2º, II, DL 3.365/41.

O art. 103, §2º, DL 9.760/46 menciona quanto a União deverá pagar ao particular
proprietário do domínio útil caso pretenda consolidar em suas mãos a propriedade plena do
terreno de marinha. Para que se torne a proprietária plena, a União deverá pagar ao titular
do domínio útil o valor do domínio pleno menos 17% do total, que corresponde ao domínio
direto. Logo, o domínio útil vale 83% do valor da propriedade plena.

Art. 103, § 2º, DL 9.760/46 - Na consolidação pela União do domínio pleno de terreno que haja
concedido em aforamento, deduzir-se-á do valor do mesmo domínio a importância equivalente a 17%
(dezessete por cento), correspondente ao valor do domínio direto. (Redação dada pela Lei
nº 9.636, de 1998)

Então, na desapropriação de um bem que é terreno de marinha o procedimento


a ser adotado é exatamente esse: o domínio direto não é desapropriado e o domínio útil é
desapropriado e o particular receberá 83 % do valor do domínio pleno.

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o Enfiteuse

Outra situação específica é a desapropriação de imóveis enfitêuticos. O Código


Civil atual não previu a enfiteuse como o CC/1916, mas aproveitou aquelas que já haviam sido
contratadas sob a égide do Código Civil revogado. Na enfiteuse, há a figura do enfiteuta, que
é aquele que vai desfrutar o bem, o possuidor direto, que tem o domínio útil do bem; e a
figura do senhorio, que, muitas vezes, não é o Poder Público. Ex: Em Petrópolis – RJ inúmeros
imóveis foram contratados sob o regime da enfiteuse e os membros da família real são os
senhorios. Então, esses bens podem ser desapropriados.

No caso da enfiteuse, tanto a propriedade do enfiteuta, quanto a do senhorio,


podem ser atingidas pela desapropriação e a questão é saber quanto será pago a cada um
dos dois.

O Código Civil de 1916 previa que se o enfiteuta quisesse consolidar nas suas mãos
o domínio pleno da propriedade concedida em regime enfiteutico, o enfiteuta deveria pagar
ao senhorio dez foros anuais e um laudêmio no valor correspondente ao valor de 2,5% da
propriedade. O laudêmio é um instituto que gera obrigação de pagamento pelo enfiteuta ao
senhorio, caso o senhorio não exerça o seu direito de preferência na aquisição do bem nas
hipóteses em que o enfiteuta pretender alienar o seu direito. Então, se um imóvel submetido
a enfiteuse for colocado à venda e se o senhorio não quiser comprar (e normalmente não
compra), ele terá o direito de receber o laudêmio de 2,5% do valor da propriedade. Para
consolidar a propriedade em suas mãos e resgatar a enfiteuse, o enfiteuta paga ao senhorio
10 foros anuais e um laudêmio.

Assim, na desapropriação de imóvel enfiteutico o desapropriante pagará ao


senhorio 10 foros anuais e um laudêmio e pagará ao enfiteuta o valor da propriedade plena
menos 10 foros anuais e um laudêmio.

o Desapropriação de imóvel em que existe um fundo de comércio

O fundo de comércio é o conjunto de bens materiais e imateriais de propriedade


da sociedade empresária ou do empresário, que se destinam a viabilizar o exercício da
atividade de empresa. Ex: mercadorias, equipamentos, direito ao ponto; etc.

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A pessoa instala um restaurante em um imóvel e este imóvel é desapropriado.
Isso impacta o fundo de comércio da sociedade empresária ou do empresário. O
desapropriante, caso provoque um dano ao titular do fundo de comércio deverá indenizá-lo.

Às vezes, o fundo de comércio é de propriedade do proprietário do imóvel e, às


vezes, é de terceiro. Então, o desapropriante deverá pagar ao proprietário do fundo de
comércio o valor que ele teve de prejuízo, porque eventualmente perdeu clientela, direito ao
ponto, teve que se instalar em outro local (às vezes menos valorizado para explorar a sua
atividade).

Assim, é inequívoco o direito do proprietário do direito de comércio de receber


uma indenização paga pelo desapropriante. Quando o titular do fundo de comércio não é o
proprietário do imóvel, a única coisa que muda é que se o desapropriante não pagar
espontaneamente esse valor ao titular do fundo de comércio, ele não poderá tumultuar a
ação de desapropriação da qual ele não é parte, porque a parte é o proprietário do imóvel,
para questionar o valor da indenização. Então, o desapropriante paga ao proprietário do
imóvel o valor do bem e, se não pagar espontaneamente ao titular do fundo de comércio o
prejuízo que ele teve, caberá ao titular do fundo ajuizar uma ação de desapropriação indireta
para pleitear o valor que não fora pago.

o Desapropriação de jazida

Jazida é uma massa de recursos minerais existentes no solo ou no subsolo. A jazida


não se confunde com a mina, porque a mina é a jazida em lavra, isso é, a jazida que está sendo
explorada. A jazida é um bem da União (art. 20, IX, CRFB/88). Os recursos minerais não são
de propriedade do solo, mas da União e os bens de propriedade da União não podem ser
desapropriados. Então, é errado falar de desapropriação de jazida, pois não existe.

O que acontece é a que a exploração de uma jazida depende de um


consentimento da União, que é a proprietária do bem. Atualmente, esse consentimento é
dado pela agência nacional de mineração, que sucedeu o Departamento Nacional de
Produção Mineral (DNPM). É preciso que o particular tenha uma licença para explorar a jazida.

Material elaborado por Denise Franco


Muitas vezes, a desapropriação inviabiliza o direito do proprietário da licença, que
nem sempre é o proprietário do imóvel, de continuar a explorar a jazida. Ex: a pessoa estava
retirando manganês do subsolo, o bem é desapropriado e fica impossibilitado de continuar a
explorar aquele bem, mas ele fez investimento, colocou maquinário e a licença tem um valor,
que, inclusive, é negociável.

A desapropriação pode esvaziar o conteúdo econômico para a licença e o


proprietário da licença terá direito de receber uma indenização. O proprietário do terreno
recebe pelo terreno.

Então, na desapropriação que atinja uma área em que há exploração de minério,


o proprietário do solo tem o direito de receber a indenização pelo solo, pelo seu imóvel, mas
ele não é o proprietário da jazida e da mina. Se é ele quem explora a jazida com o
consentimento estatal, ele também receberá uma indenização, não no valor dos minérios,
pois não são dele, mas no valor do título que viabiliza a exploração dele.

Segundo o STF e o STJ, em se tratando de uma exploração irregular de jazida, o


proprietário que está explorando irregularmente não terá direito a qualquer indenização
adicional. Ele receberá pelo seu imóvel. Ele não tem um título que legitime aquela exploração
e que deva ser incluído na indenização.

Parte 2/4

o Desapropriação da cobertura vegetal

A cobertura vegetal é a vegetação que cobre o terreno que será desapropriado.


Muitas vezes, a desapropriação atinge uma área sem qualquer vegetação, isso é, atinge
apenas a terra nua e o proprietário recebe pelo valor do imóvel sem vegetação.
Normalmente, quando se tem uma vegetação cobrindo um terreno, isso faz com que ele
tenha um valor maior (valor da terra nua + valor correspondente à cobertura vegetal). Um
terreno sem nada vale menos do que um terreno com 1.000 pés de laranja. Como a cobertura
adere ao solo, se tornando propriedade do proprietário do solo, ela deve ser incluída na
indenização e o valor a ela correspondente deve ser pago de maneira separada do valor

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devido pelo solo. Então, há uma indenização pelo valor da terra nua e uma indenização
correspondente à cobertura vegetal.

Há situações em que a cobertura vegetal não comporta exploração econômica,


seja porque é uma mata nativa, protegida ambientalmente; seja porque é uma estação
ecológica, uma reserva legal, uma área de proteção ambiental. Essa questão chega ao STJ
para análise e o STJ tem entendido, de forma pacífica, que a cobertura vegetal só pode ser
incluída na indenização de forma dissociada da indenização devida pela terra nua ou pelo solo
quando a cobertura vegetal puder ser explorada economicamente. Se ela não comportar uma
exploração econômica, não poderá ser incluída na indenização.

Se é uma mata nativa, que não comporta exploração econômica, o proprietário


só receberá indenização pelo valor do imóvel e não uma adicional indenização no montante
correspondente ao da cobertura vegetal.

 Juros compensatórios

A segunda parcela devida a título de indenização pela desapropriação é a parcela


dos juros compensatórios. Os juros compensatórios são devidos em razão do proprietário ter
ficado impossibilitado de explorar economicamente o bem que está sendo desapropriado. É
pela frustração na expectativa de obter lucro, de obter resultados, que o proprietário terá o
direito de receber uma indenização.

Essa parcela dos juros compensatórios é devida a partir do momento que o


proprietário fica impossibilitado de explorar economicamente o bem e esse momento é o da
imissão provisória na posse. Na desapropriação indireta, não há essa fase formal da imissão
provisória na posse, mas uma ocupação ilícita. Assim, na desapropriação indireta os juros são
devidos a partir da efetiva ocupação. Isso está na súm. 69, STJ e na súm 164, STF.

Súm. 69, STJ - Na desapropriação direta, os juros compensatórios são devidos desde a antecipada
imissão na posse e, na desapropriação indireta, a partir da efetiva ocupação do imóvel.

Súm. 164, STF - No processo de desapropriação, são devidos juros compensatórios desde a antecipada
imissão de posse, ordenada pelo juiz, por motivo de urgência.

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O termo a quo (termo inicial) para a incidência dos juros compensatórios é a
imissão provisória na posse ou a ocupação do imóvel.

Os juros compensatórios incidem até a expedição do precatório/requisitório, por


força do art. 100, §12, CRFB/88, que estipula a vedação da incidência de juros compensatórios
após a expedição do requisitório. Assim, o lapso temporal é entre a imissão provisória na
posse e a expedição do precatório.

Os juros compensatórios são devidos em se tratando de propriedade


improdutiva? A improdutividade impede a fluência desse tipo de juros, já que o seu
fundamento é a frustração da expectativa de ganho e se nada estava lucrando, porque
improdutivo, mesmo assim os juros serão devidos?

Essa pergunta é cobrada nas provas de concurso e tende a ser uma pergunta
“quente” porque o STF mudou de entendimento.

Até 2018, o STF seguia a linha majoritária na doutrina, que reconhece a


possibilidade de incidência de juros compensatórios, ainda que a propriedade seja
improdutiva. A lógica, ainda predominante na doutrina, é de que os juros compensatórios são
devidos porque o proprietário não consegue mais explorar o bem economicamente e não
importa se o bem era improdutivo ou se o bem é improdutivo. O que justifica os juros
compensatórios é a impossibilidade de exploração futura do bem. Por isso, a improdutividade
não era considerada um obstáculo para a incidência dos juros compensatórios.

O STF, em 2001, julgou em plenário uma cautelar na ADI 2.332 (essa ADI é muito
importante), decidiu que era inconstitucional a previsão contida no art. 15-A do DL 3.365/41
no sentido de que os juros compensatórios só incidiriam se a propriedade fosse produtiva.
Isso foi aplaudido na época, porque a doutrina toda dizia que os juros representam um olhar
para o futuro, não importando se hoje a propriedade é improdutiva. O sujeito foi retirado da
posse, ele não recebeu tudo o que deveria receber e tem direito de receber uma indenização
computando os juros compensatórios. Ao julgar o mérito da ADI 2.332, o STF reconheceu a
seguinte tese:

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ADI 2332 - I - É constitucional o percentual de juros compensatórios de 6% (seis por cento) ao ano para
a remuneração pela imissão provisória na posse de bem objeto de desapropriação; II - A base de cálculo
dos juros compensatórios em desapropriações corresponde à diferença entre 80% do preço ofertado
pelo ente público e o valor fixado na sentença; III - São constitucionais as normas que condicionam a
incidência de juros compensatórios à produtividade da propriedade; IV - É constitucional a
estipulação de parâmetros mínimo e máximo para a concessão de honorários advocatícios em
desapropriações, sendo, contudo, vedada a fixação de um valor nominal máximo de honorários.

Essas normas estão no art. 15-A, §§1º e 2º, DL 3.365/41, que dizem basicamente
que só incidirão se o grau de produtividade não for igual a zero.

Art. 15-A, § 1º Os juros compensatórios destinam-se, apenas, a compensar a perda de renda


comprovadamente sofrida pelo proprietário. (Incluído pela Medida Provisória nº 2.183-
56, de 2001) (Vide ADIN nº 2.332-2)

§2º Não serão devidos juros compensatórios quando o imóvel possuir graus de utilização da terra e
de eficiência na exploração iguais a zero. (Incluído pela Medida Provisória nº 2.183-56,
de 2001) (Vide ADIN nº 2.332-2)

Então, houve uma mudança de entendimento. A partir de 2018, o STF recuou em


relação ao que havia decidido e disse que só se a propriedade for produtiva que haverá
incidência de juros compensatórios. A doutrina majoritária não concorda com isso, mas é o
que se tem hoje. Assim, em uma prova, é prudente considerar que os juros compensatórios
só incidirão se houver produtividade no bem.

o Base de cálculo dos juros compensatórios

Ex: O Poder Público ofereceu a título de indenização o valor de R$600.000,00 e,


para tanto, foi imitido na posse. O tempo passou e o juiz proferiu a sentença reconhecendo
que o valor correto é de R$1.000.000,00. A diferença entre os valores é de R$400.000,00. Pela
literalidade do art. 15-A, DL 3.365/41, os juros compensatórios incidiriam sobre
R$400.000,00. Entretanto, o proprietário desapropriado não embolsa R$600.000,00 quando
sai da posse do bem. Ele só consegue embolsar R$480.000,00, que é 80% de R$600.000,00,
conforme art. 33, §2º, DL 3.365/41.

Art. 33, § 2º, DL 3.365/41 - O desapropriado, ainda que discorde do preço oferecido, do arbitrado ou
do fixado pela sentença, poderá levantar até 80% (oitenta por cento) do depósito feito para o fim

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previsto neste e no art. 15, observado o processo estabelecido no art. 34. (Incluído pela Lei nº
2.786, de 1956)

Nesse caso em que ele só levantou 80%, a diferença entre o que ele não recebeu
e o que seria devido (R$1.000.000,00 – R$480.000,00) é de R$520.000,00.

O STF também entendeu na ADI 2.332 que os juros compensatórios são devidos
pela diferença do valor fixado na sentença e de 80% do valor depositado para os fins de
imissão (no caso do exemplo, incidiriam sobre R$520.000,00).

ADI 2332 - I - É constitucional o percentual de juros compensatórios de 6% (seis por cento) ao ano para
a remuneração pela imissão provisória na posse de bem objeto de desapropriação; II - A base de
cálculo dos juros compensatórios em desapropriações corresponde à diferença entre 80% do preço
ofertado pelo ente público e o valor fixado na sentença; III - São constitucionais as normas que
condicionam a incidência de juros compensatórios à produtividade da propriedade; IV - É
constitucional a estipulação de parâmetros mínimo e máximo para a concessão de honorários
advocatícios em desapropriações, sendo, contudo, vedada a fixação de um valor nominal máximo de
honorários.

Atualmente, o art. 34-A, DL 3.365/41 prevê:

Art. 34-A, DL 3.365/41. Se houver concordância, reduzida a termo, do expropriado, a decisão


concessiva da imissão provisória na posse implicará a aquisição da propriedade pelo expropriante com
o consequente registro da propriedade na matrícula do imóvel. (Incluído pela Lei nº 13.465, de 2017)

§ 1º A concordância escrita do expropriado não implica renúncia ao seu direito de questionar o preço
ofertado em juízo. (Incluído pela Lei nº 13.465, de 2017)

§ 2º Na hipótese deste artigo, o expropriado poderá levantar 100% (cem por cento) do depósito de
que trata o art. 33 deste Decreto-Lei. (Incluído pela Lei nº 13.465, de 2017)

§ 3º Do valor a ser levantado pelo expropriado devem ser deduzidos os valores dispostos nos §§ 1o e
2o do art. 32 deste Decreto-Lei, bem como, a critério do juiz, aqueles tidos como necessários para o
custeio das despesas processuais. (Incluído pela Lei nº 13.465, de 2017)

Se o proprietário concordar com a imissão, ele poderá levantar R$600.000,00. Se


ele levantou tudo e deixou de receber R$400.000,00, nesse caso, os juros incidiriam sobre
R$400.000,00. A partir de 2017, passou a ser possível um caso em que os juros
compensatórios são devidos sobre a diferença do valor fixado na sentença e o valor

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depositado. A tese que o STF julgou na ADI 2.332 não considerou esse detalhe, pois isso veio
por alteração legal após o ajuizamento da ADI em 2001.

É possível uma situação em que o desapropriante resolveu depositar


R$1.000.000,00 e o juiz fixa o valor justo em R$1.000.000,00. De acordo com a tese da ADI
2.332 incidem juros compensatórios e se não for o caso de concordância com a imissão (art.
34-A, §2º, DL 3.365/41), porque se ele depositou R$1.000.000,00 o proprietário só pode
levantar 80% (só levantou R$800.000,00 e os juros incidiriam sobre R$200.000,00). Ainda que
o valor seja igual, é possível ter a incidência de juros compensatórios (isso já foi cobrado em
provas).

o Percentual de juros compensatórios

No art. 15-A há menção de até 6% ao ano. Em 2001, o STF entendeu que isso era
inconstitucional e que os juros deveriam ser de 12% ao ano. Há a súm. 618, STF no sentido de
que são de 12% ao ano. A decisão de 2001 foi com efeito ex nunc, o que fez com que o STJ
editasse a súm. 408.

Súm. 618, STF - Na desapropriação, direta ou indireta, a taxa dos juros compensatórios é de 12% (doze
por cento) ao ano.

Súm. 408, STJ - Nas ações de desapropriação, os juros compensatórios incidentes após a Medida
Provisória n. 1.577, de 11/06/1997, devem ser fixados em 6% ao ano até 13/09/2001 e, a partir de
então, em 12% ao ano, na forma da Súmula n. 618 do Supremo Tribunal Federal.

Entretanto, de forma inesperada, ao julgar o mérito da ADI 2.332, o STF


reconheceu que a previsão de juros de 6% ao ano é constitucional.

ADI 2332 - I - É constitucional o percentual de juros compensatórios de 6% (seis por cento) ao ano
para a remuneração pela imissão provisória na posse de bem objeto de desapropriação; II - A base
de cálculo dos juros compensatórios em desapropriações corresponde à diferença entre 80% do preço
ofertado pelo ente público e o valor fixado na sentença; III - São constitucionais as normas que
condicionam a incidência de juros compensatórios à produtividade da propriedade; IV - É
constitucional a estipulação de parâmetros mínimo e máximo para a concessão de honorários
advocatícios em desapropriações, sendo, contudo, vedada a fixação de um valor nominal máximo de
honorários.

Material elaborado por Denise Franco


Então, 6% é o percentual. O que o STF entendeu por inconstitucional foi a
expressão “até”, pois ela gera imprecisão, incerteza, insegurança jurídica. Então, o correto é
ter juros de 6% ao ano. Antes de 2018, eles eram de 12% ao ano. Então, eventualmente, algum
livro continuará mencionando 12%, mas hoje em dia é 6% conforme decisão da ADI 2.332.

 Juros moratórios

Outra parcela devida a título de indenização é a de juros moratórios, que são


devidos em razão de um atraso no pagamento da indenização. Como, na maioria das vezes,
o pagamento ocorre por requisitório e, em especial, por meio de precatório, haverá atraso
quando o precatório for pago com atraso.

O art. 100, CRFB/88, prevê que precatório expedido até 1º de julho de um


determinado ano poderá ser pago até 31 de dezembro do exercício seguinte. Ex: o precatório
expedido em março de 2020 pode ser pago até 31 de dezembro de 2021. Se já passou de 1º
julho, o pagamento poderá ocorrer no outro exercício, isto é, 2022.

Haverá atraso no pagamento a partir de 1º de janeiro do exercício seguinte àquele


em que o precatório deveria ter sido pago. Isso também está no art. 15-B, DL 3.365/41, que
traz do marco inicial da fluência dos juros indenizatórios.

Há situações em que o desapropriante não paga por meio de precatório, até


porque pode ser uma pessoa de direito privado que vai pagar, sem a sistemática do art. 100,
CRFB/88. Nesses casos, aplica-se a súm. 70, STJ, que estipula que os juros moratórios contam-
se desde o trânsito em julgado da sentença. Então, há essa peculiaridade: quando a pessoa
desapropriante não for pessoa de direito público e, portanto, não pagar por meio de
precatório, os juros incidirão a partir do trânsito em julgado, até a data do efetivo pagamento
da indenização.

Súm. 70, STJ - Os juros moratórios, na desapropriação direta ou indireta, contam-se desde o trânsito
em julgado da sentença.

Como os fundamentos dos juros moratórios e compensatórios são diversos, não


há anatocismo na cobrança cumulativa de juros moratórios e compensatórios (súm. 12, STJ).

Material elaborado por Denise Franco


Súmula 12, STJ - Em desapropriação, são cumuláveis juros compensatórios e moratórios.

Com relação a alíquota dos juros moratórios

Art. 15-B, DL 3.365/41 - Nas ações a que se refere o art. 15-A, os juros moratórios destinam-se a
recompor a perda decorrente do atraso no efetivo pagamento da indenização fixada na decisão final
de mérito, e somente serão devidos à razão de até seis por cento ao ano, a partir de 1o de janeiro do
exercício seguinte àquele em que o pagamento deveria ser feito, nos termos do art. 100 da
Constituição. (Incluído pela Medida Provisória nº 2.183-56, de 2001)

O art. 15-B, à semelhança do art. 15-A fala “até 6% ao ano”. No caso de juros
compensatórios, o STF disse que é “de 6% ao ano”. Aqui fica a dúvida. Em alguns livros, como
de José dos Santos Carvalho Filho e Celso Antônio, a menção de que como está previsto “até”
e não “de”, e como a lei não previu um percentual específico, deve-se aplicar o art. 406, CC,
que prevê que quando a lei não tiver escolhido um percentual, eles serão devidos no mesmo
percentual aplicável aos créditos tributários da Fazenda Pública. E, como a Fazenda Pública é
remunerada pela taxa Selic, há essa tese de que os juros moratórios seriam pagos com base
na taxa Selic. A Selic compreende correção monetária. Então, adotando essa tese de que os
juros moratórios na desapropriação seguem a lógica da Selic, isso compreende, além dos juros
de mora, a correção monetária.

O professor Valter, como juiz federal, aplica 6% ao ano e é o que tem prevalecido
na literatura e na prática judicial. Assim, é mais prudente considerar esse valor.

 Correção monetária

Outra parcela da indenização corresponde à correção monetária, que é invenção


brasileira. Trata-se de uma parcela devida para recompor expressão econômica da moeda.
Há a inflação e é preciso atualizar o poder de compra daquela indenização. A correção
monetária será devida a partir do momento em que fixado o valor da indenização e o valor
deve ser corrigido até o efetivo pagamento.

Os índices a serem utilizados variam ao longo dos anos.

O DL 3.365/41 menciona a correção monetária como uma parcela a ser


considerada e isso aparece no art. 26, §2º:

Material elaborado por Denise Franco


Art. 26, § 2º, DL 3.365/41 - Decorrido prazo superior a um ano a partir da avaliação, o Juiz ou Tribunal,
antes da decisão final, determinará a correção monetária do valor apurado, conforme índice que será
fixado, trimestralmente, pela Secretaria de Planejamento da Presidência da
República. (Redação dada pela Lei nº 6.306, de 1978)

 Honorários advocatícios

Outra parcela a ser considerada na indenização da desapropriação é a dos


honorários advocatícios. Não será aplicada a formula de cálculo dos honorários prevista no
CPC. O próprio DL 3.365, art. 27, §1º, prevê um modo de se calcular. Os honorários
advocatícios na desapropriação são devidos entre 0,5 e 5% da diferença entre o valor fixado
na sentença e o valor oferecido para os fins de depósito, pois, um bom advogado consegue
aumentar o valor da indenização e é sobre essa diferença que será calculado o percentual.

Art. 27, § 1º, DL 3.365/41 - A sentença que fixar o valor da indenização quando este for superior ao
preço oferecido condenará o desapropriante a pagar honorários do advogado, que serão fixados entre
meio e cinco por cento do valor da diferença, observado o disposto no § 4o do art. 20 do Código de
Processo Civil, não podendo os honorários ultrapassar R$ 151.000,00 (cento e cinqüenta e um mil
reais). (Redação dada Medida Provisória nº 2.183-56, de 2001) (Vide ADIN nº 2.332-2)

Na ADI 2.332, o STF validou essa forma de calcular os honorários reconhecendo


apenas a inconstitucionalidade da limitação de honorários em R$151.000,00 que aparece no
art. 27, §1º, DL 3.365/41, pois ofende o direito de propriedade previsto constitucionalmente.

ADI 2332 - I - É constitucional o percentual de juros compensatórios de 6% (seis por cento) ao ano para
a remuneração pela imissão provisória na posse de bem objeto de desapropriação; II - A base de cálculo
dos juros compensatórios em desapropriações corresponde à diferença entre 80% do preço ofertado
pelo ente público e o valor fixado na sentença; III - São constitucionais as normas que condicionam a
incidência de juros compensatórios à produtividade da propriedade; IV - É constitucional a estipulação
de parâmetros mínimo e máximo para a concessão de honorários advocatícios em desapropriações,
sendo, contudo, vedada a fixação de um valor nominal máximo de honorários.

O art. 25, parágrafo único, DL 3.365/41 traz outra parcela da indenização:

Art. 25, parágrafo único, DL 3.365/41 - O juiz poderá arbitrar quantia módica para desmonte e
transporte de maquinismos instalados e em funcionamento.

Material elaborado por Denise Franco


O juiz pode fixar essa quantia para compensar os gastos que o proprietário teve
para a retirada dos equipamentos existentes no imóvel.

Parte 3/4

2) Poder de Polícia

O Poder de Polícia é o poder administrativo mais cobrado em provas de concurso.


É mais contemporâneo considera-lo como uma atividade, uma função, mais até do que um
poder. Ao invés de falar que é um poder ou que é um dever, é mais apropriado lembrar que
essa é uma função de que dispõe a Administração Pública para a satisfação do interesse
público.

Trata-se de uma função que delimita a liberdade e o modo como o particular


poderá exercer o seu direito de propriedade. Por meio do Poder de Polícia, que deve ter o
fundamento de validade em alguma lei (até porque ninguém pode ser obrigado a fazer ou a
não fazer senão em virtude de lei), o Estado esclarece de que modo a liberdade pode ser
exercida, considerando que os direitos não são ilimitados, não são irrestritos. O Estado precisa
fazer uso do Poder de Polícia para viabilizar a vida em sociedade. Não existe sociedade sem
essa delimitação.

Então, há mais uma delimitação do que propriamente uma restrição da liberdade.


O CTN quando vai definir poder de polícia usa uma expressão que denota essa restrição,
quando, o tecnicamente mais apropriado seria uma delimitação do espaço de liberdade de
que dispõe o particular.

O poder de polícia se divide em poder de polícia em sentido amplo e em sentido


estrito. O poder de polícia em sentido amplo, também chamado de poder de polícia, significa
o conjunto de medidas estatais, inclusive oriundas de leis capazes de delimitar o espaço de
liberdade do particular. É todo e qualquer ato estatal capaz de delimitar o espaço de
liberdade. Já o poder de polícia em sentido estrito ou também chamado de polícia
administrativa significa os atos editados pela Administração Pública que delimitam a
liberdade. Ele é exercido com fundamento em alguma lei e, em última instância, tem que

Material elaborado por Denise Franco


haver um sistema primário de produção de norma jurídica, como é o caso de uma lei, para a
delimitação da liberdade do indivíduo.

O CTN traz uma definição de poder de polícia no art. 78. Muitas vezes é cobrada
a literalidade do artigo nas provas.

Art. 78, CTN - Considera-se poder de polícia atividade da administração pública que, limitando ou
disciplinando direito, interesse ou liberdade, regula a prática de ato ou abstenção de fato, em razão
de interesse público concernente à segurança, à higiene, à ordem, aos costumes, à disciplina da
produção e do mercado, ao exercício de atividades econômicas dependentes de concessão ou
autorização do Poder Público, à tranquilidade pública ou ao respeito à propriedade e aos direitos
individuais ou coletivos. (Redação dada pelo Ato Complementar nº 31, de 1966)

Parágrafo único. Considera-se regular o exercício do poder de polícia quando desempenhado pelo
órgão competente nos limites da lei aplicável, com observância do processo legal e, tratando-se de
atividade que a lei tenha como discricionária, sem abuso ou desvio de poder.

Em uma federação como a do Brasil, há uma repartição de competência entre os


entes da federação, de modo que, em alguns casos, a competência será privativa de um
determinado ente da federação. Ex: Poder de polícia em matéria nuclear, a competência é da
União; serviço público de fornecimento de energia elétrica federal tem o poder de polícia
relacionado a ele de competência da União. Mas, o que se vê normalmente são hipóteses de
competência comum em matéria de saúde e educação, etc.

Há casos em que o poder de polícia poderá ser exercido por todos os entes da
federação e há casos em que a competência é de apenas um dos entes da federação. Isso
ficou muito claro na Pandemia da COVID-19, pois houve certa disputa de competências. O
STF, com relação a isolamento e atividades essenciais, colocou que a União pode estabelecer
quais são as atividades essenciais (aquelas que, a princípio, não poderiam ser interrompidas),
mas que cabe ao poder local e, em razão do princípio da subsidiariedade, em primeiro lugar
ao Município, definir como será feito o fechamento ou a abertura dos estabelecimentos.
Então, na prática, em relação à COVID-19, o que se prestigiou foi a predominância do
interesse local e, quando a competência é comum, é a predominância do interesse que tem
sido determinante para a identificação de quem deve agir. A União edita um decreto dizendo
quais atividades são essenciais, mas isso não impede que o Município, no exercício do poder

Material elaborado por Denise Franco


de polícia, entenda de forma contrária e em uma lógica de que pelo princípio da precaução e
da prevenção deve evitar a disseminação da doença. Se prestigiou o poder local em relação
ao poder de polícia em matéria de saúde e crise sanitária da COVID.

Há casos em que a autoridade incompetente decide sobre a matéria e isso gera


uma hipótese de abuso de poder por incompetência para decidir sobre aquele tema.

a) Atributos do poder de polícia

A doutrina indica três atributos do poder de polícia: discricionariedade,


autoexecutoriedade e coercibilidade.

Como regra, poder de polícia é exercido de modo discricionário. Isso significa que
incumbe ao administrador avaliar de que forma irá delimitar a liberdade do administrado. Ex:
se vai fazer fiscalização semanal, mensal ou anual; se vai determinar o fechamento dos
estabelecimentos a partir das 20h, das 19h, etc. Cabe ao administrador, como gestor da coisa
pública, avaliar o modo como o poder de polícia será exercido.

A discricionariedade é um atributo e não estará necessariamente presente em


todas as manifestações do poder de polícia. Existem manifestações do poder de polícia que
são vinculadas. Há casos em que o legislador estipula de maneira clara e delimitada quais são
os limites de atuação do administrador. Ex: uma licença para construir. A licença é um ato
vinculado, de consentimento. O particular requer a licença e cabe ao administrador, sem
qualquer discricionariedade, apenas avaliar se os requisitos para a expedição da licença foram
preenchidos. Essa é a avaliação que deverá ser feita pelo administrador.

O fato de ser uma característica a discricionariedade não impede que


ocasionalmente o poder de polícia seja exercido de forma vinculada.

Com relação a autoexecutoriedade, que também é atributo do ato administrativo,


o poder de polícia pode produzir efeitos concretos independentemente da anuência do Poder
Judiciário ou de qualquer outro Poder. A Administração Pública pode, manu militari, dar
concretude aos atos que ela própria edita. Ela apreende uma mercadoria, interdita um
estabelecimento. Isso faz parte da autoexecutoriedade e de duas uma: ou ela tem seu
fundamento em lei ou a situação emergencial pode justificá-la. Assim, ainda que nenhuma lei

Material elaborado por Denise Franco


preveja a possibilidade do ato administrativo produzir efeitos concretos, o caráter
emergencial da situação concreta pode justificar a autoexecutoriedade.

Não são todos os atos de polícia que são dotados de autoexecutoriedade. É o


mesmo que vale para os atos administrativos. Ex: a multa é resultado da fiscalização, que é
um ato de poder de polícia, uma sanção, que não tem autoexecutoriedade, pois, para a
execução da multa, é necessário o Judiciário, que viabiliza a cobrança forçada do valor.

A coercibilidade pode ser equiparada à imperatividade como atributo do ato


administrativo. A coercibilidade é a aptidão que o poder de polícia possui de produzir efeitos,
independentemente da anuência do destinatário. A Administração não pergunta ao particular
se ele concorda com aquela nova obrigação criada. Ela exige do particular uma determinada
providência. Ex: exige que o particular pare no sinal vermelho e não pergunta se ele concorda
com a obrigação; proíbe que se construa gabarito acima de determinada altura (limitação
administrativa). Não são todos os atos de polícia que possuem a característica da
coercibilidade. Ex: licença para construir, pois a edição da licença depende de um
requerimento do particular.

Quando Hely Lopes Meirelles escreveu sobre poder de polícia no “Direito


Administrativo Brasileiro”, apresentou condições de validade para o exercício do poder de
polícia, ou seja, condições que deveriam ser observadas pelo administrador para que o poder
de polícia fosse considerado algo regular. São condições: competência, forma, finalidade,
legalidade dos meios empregados e proporcionalidade da sanção. Então, para Hely Lopes
Meireles, o poder de polícia será válido se exercido pela autoridade competente; se observar
a forma exigida pelo ordenamento jurídico; se tiver como objetivo satisfazer o interesse
público: não se pode delimitar a liberdade com o objetivo de alcançar o interesse privado
(tem que satisfazer o interesse público); se os meios empregados para o exercício do poder
de polícia forem legalmente previstos e admitidos, pois o art. 5º, II, CRFB/88 menciona que
ninguém será obrigado a fazer ou a deixar de fazer senão em virtude de lei e isso tem relação
direta com o poder de polícia e a sanção resultante do descumprimento do poder de polícia;
se a ordem de polícia é proporcional.

Material elaborado por Denise Franco


Não é só a sanção que deve ser proporcional, mas o exercício do poder de polícia
em si também deve ser proporcional e isso tem sido reiteradamente considerado pelo Poder
Judiciário. Ex: rodízio de carros em SP – O STJ diz que é possível, porque é proporcional
restringir o uso do veículo de acordo com o final da placa para se alcançar algo de interesse
público que é a melhoria no tráfego urbano.

Quando se desmembra a proporcionalidade, consideração necessidade,


adequação e proporcionalidade em sentido estrito, é preciso encontrar a medida estatal que
gere o menor sacrifício possível para o administrado. Isso tem relação muito próxima com o
poder de polícia. O administrador vai agir, qual a medida que menos sacrifica o cidadão, sob
o prisma da necessidade? A medida é adequada? É a que menos gera sacrifícios? A relação
de custo-benefícios é aceitável?

b) Fases do poder de polícia

O poder de polícia não é uma fase estática, mas dinâmica, um ciclo, que
contempla 4 fases, segundo Diogo de Figueiredo Moreira Neto: ordem de polícia,
consentimento de polícia, fiscalização e sanção.

A ordem de polícia é o comando normativo geral que delimita a liberdade. Pode


ser uma previsão legal que vai dizer até onde o particular pode atuar. Essa ordem de polícia
normalmente se materializa por meio de uma proibição. Ex: Particular não ultrapasse sinal
vermelho, não dirija acima de 60km/h.

Em razão dessa característica de representar uma negativa, Diogo de Figueiredo


dizia que a ordem de polícia se divide em negativa absoluta em negativa relativa. O comando
proibitivo do Estado pode ser insuperável, isso é, pode haver uma situação em que não é
possível superar aquela proibição. Ex: o dono de uma padaria resolve vender cocaína em seu
estabelecimento e isso é proibido, é crime. Ele não pode fazer um requerimento na
prefeitura. Essa proibição à sua liberdade de empreender é insuperável pelo ordenamento
jurídico brasileiro.

Já a negativa relativa comporta anuência do Estado. Ex: a pessoa quer abrir uma
farmácia para explorar essa atividade econômica. Ele não pode abrir em uma sala e vender;

Material elaborado por Denise Franco


precisa do consentimento estatal necessário a essa atividade. A negativa pode ser superada
mediante consentimento do Estado.

Quanto a fase do consentimento, tem-se que a prática de algumas atividades


pode depender da anuência do Estado. Então, segundo Diogo de Figueiredo, esse
consentimento pode ser discricionário ou vinculado. Quanto ao consentimento discricionário,
há o consentimento para uma atividade em que a administração avaliará a conveniência e a
oportunidade. Já o consentimento vinculado ocorre quando há uma licença, por exemplo, e
a administração avalia se os requisitos legais foram preenchidos para a prática da atividade.
Nem tudo depende de consentimento estatal. O STF decidiu que para que alguém exerça a
atividade de músico, não precisa estar filiado a Ordem dos Músicos do Brasil. Respirar não
depende de consentimento estatal, assim como outras coisas.

Entre a desnecessidade de consentimento e a necessidade de consentimento,


tem-se o que a doutrina chama de as atividades comunicadas à coletividade. Existem
situações em que a atividade interessa a coletividade, mas não a ponto de justificar um
consentimento prévio do poder público. O particular pode fazer a atividade, mas tem que
comunicar o que está fazendo. Isso é comum no setor elétrico, por exemplo, ao explorar
potencial de energia elétrica, uma usina elétrica pode, até uma determinada capacidade,
comercializar aquela energia sem a necessidade de obter um consentimento estatal, mas
deve comunicar o Estado, que precisa conhecer o que está acontecendo.

Há, assim, as atividades em que não há necessidade de consentimento estatal, as


atividades que o Estado só precisa saber o que está acontecendo e hipóteses em que o
sentimento é discricionário ou vinculado.

Na fiscalização o que se tem é a aferição da compatibilidade da ordem de polícia


com o que o particular está fazendo. Ex: o particular parou o carro no sinal vermelho e se
verificou que ele não está descumprindo a ordem de polícia. A fiscalização pode ser
preventiva ou repressiva. É preventiva quando voltada para evitar um descumprimento da
ordem de polícia e repressiva quando constata o descumprimento e ocorre após a prática do
ilícito. Nos dois casos, há a fiscalização.

Material elaborado por Denise Franco


A sanção, por sua vez, representa a punição pelo descumprimento da ordem de
polícia ou a medida cautelar destinada a evitar a perpetuação do descumprimento da ordem
de polícia. Nesse aspecto, a sanção se divide em pena e constrangimento. A pena é a efetiva
punição pela ofensa à ordem de polícia. Ex: ultrapassou o sinal vermelho, descumpriu a
proibição da ultrapassagem – o motorista é multado. A multa será a pena da etapa sanção de
polícia.

Já o constrangimento é aquela medida cautelar voltada para evitar a perpetuação


da infração, da perpetuação do descumprimento da ordem de polícia. Ex: a pessoa é parada
na blitz da lei seca, tendo bebido 2 cervejas. Essa pessoa não vai poder continuar dirigindo.
Ela será multada por descumprir a legislação de trânsito e dirigir embriagada, mesmo não
soprando o bafômetro pagará uma multa alta. O carro será apreendido? Se alguém puder
dirigir o carro, o carona não está embriagado ou alguém se oferece para dirigir, o carro não
será apreendido. Assim, a apreensão do veículo é um exemplo de constrangimento de polícia,
caso não haja ninguém para dirigir o carro, só o motorista embriagado, o carro será
apreendido. Existem situações em que a sanção não é voltada para aplicar uma punição, mas
para evitar a continuidade da infração.

Esses nomes variam muito nos livros e aqui estão colocados conforme Diogo de
Figueiredo coloca em seu livro.

No livro de José dos Santos Carvalho Filho, ao invés da expressão


“constrangimento”, tem-se “medida de polícia” e, para “pena”, a palavra “sanção”. O mais
importante é visualizar que há diferença entre a punição pelo descumprimento da ordem de
polícia e, de outro lado, a medida cautelar, que não é punição, para evitar a perpetuação do
ilícito.

Parte 4/4

c) Delegação do poder de polícia

O poder de polícia se divide em originário e em delegado. O poder de polícia


originário é aquele exercido no âmbito da Administração Pública direta, no âmbito do Poder

Material elaborado por Denise Franco


Central. O poder de polícia delegado é aquele exercido fora do âmbito da Administração
Direta, isso é, ele é delegado, transferido a outra pessoa.

É possível que o poder de polícia seja exercido por um particular?

Em 1998, o professor Diogo de Figueiredo escreveu um artigo em seu livro


“Mutações do Direito Administrativo” em que ele comenta a transferência de funções estatais
a entes particulares. Ao falar desse tema, ele destaca que os atos de consentimento de polícia
e de fiscalização compreendem atos de gestão, enquanto que a ordem de polícia (que é essa
capacidade de criar a delimitação da liberdade) e a capacidade de punir (sanção) seriam atos
de império. Após fazer essa separação, o professor destacou que essas etapas de
consentimento e fiscalização poderiam ser delegadas, inclusive a particulares.

Na época em que o artigo foi escrito as pessoas estranhavam que o particular


exercesse poder de polícia, ainda que apenas em algumas etapas, pois um dos atributos é a
coercibilidade, que é a aptidão de criar unilateralmente a obrigação. “Como o particular
obrigará outro particular? Isso não é de exclusividade do Estado na medida em que a
soberania estatal legitimaria isso”?

O fato é que se deu esse passo e o exemplo usado por Diogo de Figueiredo foi o
da Lei 9.649/98, que tinha previsto em seu art. 58 que os conselhos de fiscalização profissional
eram particulares. Ele dizia que tanto é verdade que essas etapas (consentimento e
fiscalização) podem ser delegadas a particulares que a Lei 9.649/98, em seu art. 58, dá aos
conselhos de fiscalização profissional, que fiscalizam e, eventualmente, consentem com a
prática de atividades pelos fiscalizados, são considerados particulares e exercem poder de
polícia.

O problema é que, após o artigo ter sido publicado, o STF, ao julgar a ADI 1.717,
declarou a inconstitucionalidade dos parágrafos do art. 58, que davam aos conselhos de
fiscalização profissional a natureza de entidade privada. Eles deixaram de ser particulares e
passaram, a partir do julgamento da ADI 1.717 a serem considerados entidades autárquicas.
Essa ADI é lembrada como a decisão em que o STF reconheceu que particular não pode
exercer poder de polícia, tanto é que, para que possam exercer poder de polícia, os conselhos
de fiscalização foram equiparados a entidades autárquicas.

Material elaborado por Denise Franco


Atualmente, 2020, o STF ainda segue essa linha de orientação no sentido de que
particular não pode exercer poder de polícia nos termos do que foi julgado na ADI 1.717.

A doutrina de vanguarda hoje em dia, como Gustavo Binenbojm e Estevão Gomes,


entende que o particular poderia sim exercer poder de polícia. Tem-se, inclusive,
autoregulação, que são as situações em que os particulares criam as regras do jogo. Isso
acontece com a CBF, com a FIFA, com a IATA (para saber se pode transportar um determinado
equipamento em uma aeronave, é preciso ler as regras da IATA, que é uma associação
privada), com a Bolsa de Valores. Há diversos exemplos de regulação e de delimitação do
espaço de liberdade feita por particulares.

Seria ultrapassado defender a impossibilidade de que particular exerça poder de


polícia. O difícil é exercer esse controle em relação à liberdade dos particulares para fazer
essa delimitação ou o alcance da delimitação. Aquele que será o destinatário do poder de
polícia tem que poder participar do processo decisório. Há uma preocupação com o
procedimento para a criação daquela manifestação do poder de polícia e não uma proibição
irrestrita quanto ao poder de polícia pelo particular.

Em uma prova é mais prudente lembrar da jurisprudência do STF na ADI 1.717.


Mas, já foi cobrado que consentimento e fiscalização são etapas do poder de polícia que
podem ser delegadas a particulares, porque são atos de gestão e porque na doutrina (Diogo
de Figueiredo) isso é sustentado.

E se a delegação for feita a uma entidade da administração indireta?

Se a entidade da administração indireta for regida por um regime de direito


público, como uma autarquia, não há dificuldade: ela se submete às mesmas diretrizes, regras
e princípios que as da Administração Direta. Assim, uma autarquia pode exercer poder de
polícia por delegação. Fundação pública, se for de direito público, também pode.

As sociedades de economia mista e as empresas públicas podem exercer poder


de polícia por delegação?

O STF tem uma jurisprudência consolidada que agrupa essas entidades em dois
grandes grupos. De um lado, estão as que exploram atividade econômica em regime de

Material elaborado por Denise Franco


concorrência, em que, portanto, possuem o regime o mais próximo possível do regime
privado e, de outro lado, tem-se as estatais que prestam serviços públicos em regime de
monopólio, que não concorrem. Elas têm um regime próximo da Fazenda Pública.

Muitas vezes, uma estatal é criada para desempenhar o que, na verdade, seria
papel de uma autarquia. No Brasil não há muito esse rigor. A Lei das Estatais procurou
melhorar isso, mas há estatais antigas. Havia autarquia que era banco e há estatal que faz
papel de autarquia.

Esse tema é importante em relação ao trânsito. Em Minas Gerais, a BH Trans, que


é uma estatal, uma pessoa de direito privado, aplica multa de trânsito. Isso é possível? Ela
pode exercer poder de polícia de trânsito?

Quando foi juiz auxiliar do Min. Fux, entre 2011 e 2014, o professor Valter teve
contato com o processo da BH Trans e participou de reuniões com os diretores, pois eles
estavam tendo muita insegurança jurídica, na medida em que multavam e vinha uma decisão
dizendo que não podiam mais multar. Esse caso foi levado a repercussão geral, tema 532, rel.
Min. Luiz Fux, em que o STF terá que decidir se a BH Trans pode ou não fiscalizar o trânsito e
aplicar multa de trânsito, o que é manifestação do poder de polícia. Atualmente, o caso
corresponde ao RE 633.782 (já houve mudança no RE do leading case), que está para ser
julgado.

Academicamente, o professor Valter entende que, se a estatal concorre com


outros particulares, não faz sentido que ela possa exercer poder de polícia. Se ela puder
exercer poder de polícia, criará regras que vão favorecê-la na concorrência. Ex: Banco do
Brasil, sociedade de economia mista que concorre com bancos privados. Se ele pudesse criar
regras sobre o setor bancário, ele ia se favorecer e, ainda que não se favorecesse, haveria
dúvidas sobre esse favorecimento.

Por outro lado, se a estatal não concorre e está em regime de monopólio, não há
problema dela exercer poder de polícia.

Em 2019, houve um caso envolvendo o Instituto de Resseguros do Brasil, que já


foi uma sociedade de economia mista e teve seu nome alterado para IRB Brasil RE, com o

Material elaborado por Denise Franco


controle transferido para particulares. Hoje não é mais sociedade de economia mista, mas
durante um bom tempo de sua existência atuou em regime de monopólio.

Na época do Presidente Fernando Henrique Cardoso, houve a flexibilização do


monopólio, de modo que, agora, a atividade de resseguro ocorre no regime de concorrência.
Várias empresas do Brasil desempenham essa atividade econômica. Na época em que era
monopólio, só quem entendia de resseguro era quem trabalhava no IRB e exercia poder de
polícia, fiscalizando as seguradoras em relação a essa matéria. As seguradoras não podiam
fazer resseguro e tinham que contratar o IRB.

Quando o Presidente Fernando Henrique Cardoso decidiu colocar à venda o


Instituto de Resseguros, foi contratada uma empresa de consultoria para fazer uma
reavaliação da estatal e chegou-se à conclusão de que não era possível avaliar o IRB porque
ele desempenhava funções que não poderiam ser desempenhadas em um mercado com
concorrência. Para a desestatização, transferiram atribuições para a SUSEPE, que é uma
autarquia. Aquilo que era poder de polícia exercido pelo IRB e ninguém questionava foi
transferido para a SUSEPE. Depois, houve a mudança para o governo do PT, que não teve a
política de privatizações, mas essa privatização se consolidou. Em um primeiro momento, o
que obstaculizou a imediata privatização do IRB foi o fato de que ele tinha competências que
eram típicas de um Estado e que não poderiam ser delegadas.

O professor Valter entende que é ultrapassado não defender que o particular


pode exercer poder de polícia. Entretanto, esse ainda é o entendimento majoritário, está na
jurisprudência e é o que deve ser respondido em provas.

No momento atual, não faz sentido aceitar que, eventualmente o IRB, possa
exercer poder de polícia, pois ele concorre com outros particulares. A mesma pessoa jurídica,
em um determinado momento exercia poder de polícia e ninguém questionava e, em outro,
com a livre concorrência, não pode e, se tiver que exercer, será questionada.

O professor entende que a natureza da atividade da estatal é mais importante do


que o fato dela ser uma pessoa de direito privado. Mas, isso o STF terá que enfrentar.

Material elaborado por Denise Franco


A Guarda Municipal fiscaliza o trânsito e multa. No Rio de Janeiro, a Guarda
Municipal era uma empresa pública municipal. Ela surgiu no Rio de Janeiro, em meados dos
anos 2000 e, depois, outras cidades criaram também. De vez em quando, era prolatada uma
decisão do TJ anulando todas as multas da Guarda Municipal, sob o fundamento de que uma
empresa pública não poderia multar.

A pressão foi muito forte e os empregados da guarda queriam se tornar servidores


e hoje a Guarda Municipal do Rio de Janeiro é uma autarquia. Acabou um problema, pois
deixou de existir a dúvida por ser pessoa de direito privado, mas surgiu outro “será que a
Guarda Municipal pode, mesmo sendo autarquia, fiscalizar o trânsito, afinal de contas ela não
é órgão de segurança pública, mas existe para preservar (art. 144, §8º, CRFB/88) os bens do
Município”?

Isso chegou ao STF em repercussão geral no RE 658.570 e a tese que restou


assentada foi de que é constitucional a atribuição às Guardas Municipais do exercício de
poder de polícia de trânsito, inclusive para a imposição de sanções administrativas legalmente
previstas.

Não há necessidade de que o poder de polícia de trânsito seja exercido por órgãos
de segurança pública, pois a Guarda Municipal também pode exercer, multar e fiscalizar. Um
dos aspectos considerados foi de que seria impossível que apenas os órgãos de segurança
pública cuidassem de todo o trânsito brasileiro. Isso não é aceitável e, aí, ampliaram para a
guarda municipal como pessoa de direito público.

Ainda não foi decidido pelo STF a questão do exercício do poder de polícia por
estatal e se há, eventualmente, algum Município em que a Guarda Municipal, como empresa
pública ou como sociedade de economia mista (seria mais raro, mas pode acontecer), fica a
depender do julgamento da tese 532 pelo STF.

No caso da pandemia de COVID foi importante avaliar a proporcionalidade e a


questão da repartição de competências na República. O STF reconheceu que se deve
prestigiar a competência local e reforçou o princípio da subsidiariedade. De acordo com esse
princípio, é preciso empoderar o cidadão e as esferas de poder que estejam mais próximas
do cidadão. Só se reconhece a competência de um Estado-membro quando o Município não

Material elaborado por Denise Franco


tem condições de efetivar aquela competência. E só se reconhece a competência da União
sobre uma determinada matéria, quando, nem o Estado e nem o Município têm condições de
tratar daquele tema.

Pode haver uma situação em que demande atuação da União, por exemplo, para
se criar uma política de uniformização da matéria no âmbito nacional, inclusive quanto a
horário de funcionamento.

Em relação a COVID, o STF prestigiou os entes locais e um prestígio que favorece


a precaução. Se o Município estiver adotando uma postura contrária à ciência, o Judiciário
pode impor o fechamento. Em um primeiro momento, é o administrador que vai traçar a
estratégia e o planejamento para a abertura e o fechamento dos estabelecimentos
primordialmente no âmbito local.

3) Bens públicos
a) Classificações

Os bens públicos podem ser classificados quanto a titularidade e quanto a


destinação

 Quanto a titularidade

Os bens dividem-se em bens da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos


Municípios.

Todos os entes da federação possuem bens que, eventualmente, foram


adquiridos ex vi legis, isso é, por força de lei, bens que eventualmente foram adquiridos por
força da Constituição.

A Constituição tem dois artigos importantes sobre o tema: art. 20 e 26. O art. 20,
CRFB/88 enumera exemplos de bens de propriedade da União, enquanto que o art. 26 lista
exemplos de bens dos Estados.

É comum perguntarem se um determinado bem é da União ou do Estado e tem


que decorar. Terrenos de marinha são da União, algumas terras devolutas são de propriedade
da União e eventualmente são dos Estados; potencial de energia hidráulica é de propriedade

Material elaborado por Denise Franco


da União; as terras ocupadas por comunidades indígenas, desde que não sejam de um
passado remoto, são bens da União; os recursos minerais são da União; caverna é uma
propriedade subterrânea que é de propriedade da União (art. 20, CRFB/88).

Art. 20, CRFB/88 - São bens da União:

I - os que atualmente lhe pertencem e os que lhe vierem a ser atribuídos;


II - as terras devolutas indispensáveis à defesa das fronteiras, das fortificações e construções militares,
das vias federais de comunicação e à preservação ambiental, definidas em lei;
III - os lagos, rios e quaisquer correntes de água em terrenos de seu domínio, ou que banhem mais de
um Estado, sirvam de limites com outros países, ou se estendam a território estrangeiro ou dele
provenham, bem como os terrenos marginais e as praias fluviais;
IV as ilhas fluviais e lacustres nas zonas limítrofes com outros países; as praias marítimas; as ilhas
oceânicas e as costeiras, excluídas, destas, as que contenham a sede de Municípios, exceto aquelas
áreas afetadas ao serviço público e a unidade ambiental federal, e as referidas no art. 26,
II; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 46, de 2005)
V - os recursos naturais da plataforma continental e da zona econômica exclusiva;
VI - o mar territorial;
VII - os terrenos de marinha e seus acrescidos;
VIII - os potenciais de energia hidráulica;
IX - os recursos minerais, inclusive os do subsolo;
X - as cavidades naturais subterrâneas e os sítios arqueológicos e pré-históricos;
XI - as terras tradicionalmente ocupadas pelos índios.

§ 1º É assegurada, nos termos da lei, à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios a
participação no resultado da exploração de petróleo ou gás natural, de recursos hídricos para fins de
geração de energia elétric a e de outros recursos minerais no respectivo território, plataforma
continental, mar territorial ou zona econômica exclusiva, ou compensação financeira por essa
exploração. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 102, de 2019) (Produção de efeito)

§ 2º A faixa de até cento e cinqüenta quilômetros de largura, ao longo das fronteiras terrestres,
designada como faixa de fronteira, é considerada fundamental para defesa do território nacional, e
sua ocupação e utilização serão reguladas em lei.

Art. 26. Incluem-se entre os bens dos Estados:

I - as águas superficiais ou subterrâneas, fluentes, emergentes e em depósito, ressalvadas, neste caso,


na forma da lei, as decorrentes de obras da União;
II - as áreas, nas ilhas oceânicas e costeiras, que estiverem no seu domínio, excluídas aquelas sob
domínio da União, Municípios ou terceiros;

Material elaborado por Denise Franco


III - as ilhas fluviais e lacustres não pertencentes à União;
IV - as terras devolutas não compreendidas entre as da União.
Os Municípios não têm um artigo específico cuidando dos seus bens na
Constituição, mas possuem as calçadas, os logradouros públicos, bens que eventualmente
adquirirem em razão de uma compra e venda.

Há bens que decorrem de previsão legal. Ex: Lei 6.766/75 prevê em seu art. 22
que as áreas de uso comum em um loteamento passarão ao domínio do Município a partir
do registro do loteamento no Cartório de Registro de Imóveis. Ex: o particular possui uma
grande propriedade e resolve nela fazer um loteamento, que terá áreas de acesso comum
para os lotes. Ao registrar o loteamento no Cartório de Registro de Imóveis, isso faz com que
aquelas áreas de uso comum se tornem logradouros públicos.

Art. 22, Lei 6.766/75 - Desde a data de registro do loteamento, passam a integrar o domínio do
Município as vias e praças, os espaços livres e as áreas destinadas a edifícios públicos e outros
equipamentos urbanos, constantes do projeto e do memorial descritivo.
Parágrafo único. Na hipótese de parcelamento do solo implantado e não registrado, o Município
poderá requerer, por meio da apresentação de planta de parcelamento elaborada pelo loteador ou
aprovada pelo Município e de declaração de que o parcelamento se encontra implantado, o registro
das áreas destinadas a uso público, que passarão dessa forma a integrar o seu
domínio. (Incluído pela Lei nº 12.424, de 2011)
Assim, existem formas de aquisição da propriedade pública além das hipóteses
previstas na Constituição. O mais comum é perguntarem em prova sobre os art. 20 e 26,
CRFB/88 no que diz respeito à classificação dos bens quanto à titularidade.

Na administração indireta, as estatais possuem bens e, para a maioria da doutrina,


os bens das estatais são bens privados. Hely Lopes Meirelles é um dos poucos que,
minoritariamente, sustenta a ideia de que os bens das estatais são bens públicos com
administração privada ou com destinação especial. Para a maioria da doutrina, os bens das
estatais são privados e podem ser penhorados e usucapidos, ressalvados aqueles que estejam
afetados, isso é, desempenhando uma função pública específica (isso é cobrado em prova). É
possível ter uma sociedade de economia mista que atue na distribuição de gás canalizado e
os gasodutos, que estão afetados ao serviço público, serão considerados bens públicos e,
portanto, insuscetíveis de usucapião, de penhora, etc. Isso é excepcional, pois a regra é que
os bens das estatais são bens privados, por elas serem de direito privado.

Material elaborado por Denise Franco

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