Você está na página 1de 33

DIREITO ADMINISTRATIVO

Professor Valter Shuenquener


AULA XII

Parte 1/4

1) Improbidade administrativa

A matéria de improbidade administrativa está no art. 37, §4º, CRFB/88, o qual


menciona as possíveis sanções a serem aplicadas em relação a quem pratica uma conduta
ímproba, uma conduta desonesta. A Constituição não chega a definir improbidade
administrativa; apenas menciona o que pode acontecer com quem pratica improbidade.

A punição por improbidade não impede a aplicação de sanção pela mesma


conduta em outras esferas de punição, como punição pelo Tribunal de Contas e a punição na
esfera criminal. Trata-se de uma instância de natureza cível e até política, que não se
confunde com as outras (de natureza penal, de responsabilidade civil, Tribunal de Contas, de
natureza disciplinar). Então, é plenamente possível que uma pessoa seja punida por
improbidade e em outras instâncias, como o próprio art. 37, §4º, CRFB/88 chega a mencionar
quando faz alusão em sua parte final “sem prejuízo da responsabilidade penal”.

Art. 37, § 4º, CRFB/88 - Os atos de improbidade administrativa importarão a suspensão dos direitos
políticos, a perda da função pública, a indisponibilidade dos bens e o ressarcimento ao erário, na forma
e gradação previstas em lei, sem prejuízo da ação penal cabível.

Na verdade, seria “poderão importar”, porque as sanções que foram


mencionadas pelo §4º não precisam necessariamente ser aplicadas de forma cumulativa.

A improbidade não tem natureza criminal. Então, a pessoa pode ser punida por
improbidade e, também, na esfera penal.

A lei a que se refere o art. 37, §4º, CRFB/88 é a Lei 8.429/92, que prevê outras
sanções, como a pena de multa, proibição de contratar com a Administração Pública, etc. Isso
não é questionado pela literatura. O que a lei não poderia fazer e, de fato não fez, é prever
menos sanções do que aquelas constitucionalmente estabelecidas. Essa lei além de
mencionar as da Constituição, mencionou outras.

Material elaborado por Denise Franco


A Constituição é de 1988 e a lei de 1992. O STJ já reconheceu que a Lei 8.429/92
não pode produzir efeitos a fatos ocorridos antes da sua entrada em vigor.

Houve um caso envolvendo o ex-Presidente da República, Fernando Collor de


Mello, em que foi apontado como réu em uma ação de improbidade. Começou uma
investigação sobre fatos ocorridos na década de 90, antes da entrada em vigor da lei. O STJ,
por maioria, entendeu que a lei não pode ter aplicação retroativa, pois, por mais que a
Constituição já reprima a conduta ímproba prevendo as sanções, ela não tem o nível de
detalhamento sobre que tipo de conduta gerará que tipo de sanção; e punir apenas com base
no texto constitucional é algo que gera insegurança jurídica.

Então, as sanções serão aplicadas a partir de condutas ocorridas após a entrada


em vigor da Lei 8.429/92. Essa punição por uma imoralidade qualificada por uma conduta
desonesta, desleal e corrupta não pode retroagir para alcançar condutas anterior à Lei
8.429/92.

a) Sujeito passivo

O art. 1º da Lei 8.429/92 cuida do que a doutrina denomina de “sujeito passivo”,


daquele que pode ser vítima em razão de uma conduta de improbidade administrativa. Se um
banco privado sofrer em razão de um assalto, de um roubo, isso não é improbidade
administrativa. Nem sempre a lesão irá simultaneamente violar norma do direito penal e
norma da Lei 8.429/92. É preciso que a vítima tenha algumas características e isso aparece no
art. 1º.

Art. 1°, Lei 8.429/92 - Os atos de improbidade praticados por qualquer agente público, servidor ou
não, contra a administração direta, indireta ou fundacional de qualquer dos Poderes da União, dos
Estados, do Distrito Federal, dos Municípios, de Território, de empresa incorporada ao patrimônio
público ou de entidade para cuja criação ou custeio o erário haja concorrido ou concorra com mais de
cinqüenta por cento do patrimônio ou da receita anual, serão punidos na forma desta lei.

A vítima nem sempre será pessoa integrante da Administração Pública. Ela pode
ser uma pessoa que possui mais de 50% do seu patrimônio de origem pública ou que tem
uma receita anual oriunda dos cofres públicos. Então, nem sempre isso vai abranger uma
entidade da Administração Pública. A vítima normalmente é uma pessoa que faz parte da

Material elaborado por Denise Franco


Administração Pública, uma pessoa jurídica, uma autarquia, uma fundação, a própria
Administração direta, mas não necessariamente.

Há uma regra do parágrafo único que chega a ampliar isso, dizendo que ainda que
o patrimônio e a receita anual sejam oriundos do Poder Público em patamar inferior a 50%,
mesmo assim, a conduta poderá ser considerada ímproba. Tal parágrafo faz uma limitação
quanto aos efeitos das sanções de caráter patrimonial na Lei de Improbidade.

Art. 1º, parágrafo único, Lei 8.429/92. Estão também sujeitos às penalidades desta lei os atos de
improbidade praticados contra o patrimônio de entidade que receba subvenção, benefício ou
incentivo, fiscal ou creditício, de órgão público bem como daquelas para cuja criação ou custeio o
erário haja concorrido ou concorra com menos de cinqüenta por cento do patrimônio ou da receita
anual, limitando-se, nestes casos, a sanção patrimonial à repercussão do ilícito sobre a contribuição
dos cofres públicos.

Pode ser uma entidade do terceiro setor (SESC, SEST, SESI, SENATI), uma
organização social, uma OSCIP, uma entidade de apoio.

Se o Poder Público injetou R$5.000.000,00 naquela entidade, a sanção


patrimonial não pode ultrapassar a contribuição dos cofres públicos. Isso só para as pessoas
mencionadas pelo parágrafo único do art. 1º, Lei 8.429/92.

O parágrafo único tem uma regra diferente da do caput. O caput foca mais na
Administração Pública e em pessoas que tecnicamente não integram a Administração, mas
que são controladas pelo Poder Público, em que a receita anual conta com uma expressiva
contribuição dos cofres públicos (mais de 50%). Também não há limitação da sanção
patrimonial no caput, enquanto que há no parágrafo único.

b) Sujeito ativo

Na improbidade administrativa o sujeito ativo é aquele que pratica a conduta


ímproba e que pode ser por ela responsabilizado, de acordo com a Lei 8.429/92. Há dois
artigos da Lei 8.429/92 que tratam desse tema, que são os art. 2º e 3º.

O art. 2º define agente público para os fins de improbidade administrativa. Ele


pode praticar improbidade, pode ser réu na ação de improbidade pela prática dessa conduta.

Material elaborado por Denise Franco


Mas o particular, que não desempenha função pública e nem ocupa cargo ou
emprego público, também poderá ser réu em uma ação de improbidade, conforme art. 3º,
Lei 8.429/92. É muito cobrado em prova se o particular poderia ser réu da ação de
improbidade. Isso não só está previsto na Lei 8.429/92, como também é posição pacífica do
STJ, que, inclusive, reconhece que o particular, muito embora possa ser réu na ação de
improbidade, só poderá ser demandado na ação caso o agente público que foi por ele
induzido ou que com ele concorreu para a prática da conduta ímproba também figurar no
polo passivo. Assim, o particular não responde isoladamente em uma ação de improbidade,
só em conjunto com o agente público.

O art. 2º define agente público de forma extremamente ampla, sendo difícil fugir
do alcance da lei.

Art. 2°, Lei 8.429/92 - Reputa-se agente público, para os efeitos desta lei, todo aquele que exerce,
ainda que transitoriamente ou sem remuneração, por eleição, nomeação, designação, contratação ou
qualquer outra forma de investidura ou vínculo, mandato, cargo, emprego ou função nas entidades
mencionadas no artigo anterior.

Não importa a forma do provimento, não importa se o agente está recebendo ou


não uma remuneração. Ex: Pode ser um estagiário voluntário na Defensoria Pública; pode ser
uma pessoa que trabalhe episodicamente nas eleições como mesário. O que importa é o
desempenho da função pública e isso é suficiente para que a pessoa seja considerada agente
público de acordo com a Lei de Improbidade Administrativa.

Não há aqui nenhuma exclusão. Ex: “Sou deputado”, “Sou senador”, “Sou agente
político”. Os agentes políticos estão compreendidos na definição trazida pelo art. 2º, Lei
8.429/92: “por mandato”. Não há blindagem ou exclusão no conceito de agentes públicos.

Art. 3°, Lei 8.429/92 - As disposições desta lei são aplicáveis, no que couber, àquele que, mesmo não
sendo agente público, induza ou concorra para a prática do ato de improbidade ou dele se beneficie
sob qualquer forma direta ou indireta.

O particular induziu ou concorreu ou se beneficiou de forma direta ou indireta em


razão da prática da conduta ímproba.

Material elaborado por Denise Franco


O art. 2º não deixa de fora nenhum agente público. Então, todos os agentes
públicos podem responder por improbidade administrativa?

O STF, em meados de 2000, julgou a Reclamação 2.138 (processo muito


importante nesse tema) e decidiu que Ministro de Estado não poderia ser réu no processo de
improbidade administrativa, por ser um agente político que já responde por crime de
responsabilidade, nos termos da Lei 1.079/50 (Lei do Impeachment). O STF entendeu que
haveria bis in idem se o Ministro de Estado pudesse ser punido simultaneamente por crime
de responsabilidade e por improbidade.

Essa decisão, na época em que foi proferida, foi muito questionada e, de fato, é
uma decisão que tecnicamente não faz sentido, pois se está lidando com instâncias
independentes. Uma coisa é o crime de responsabilidade e outra é a improbidade
administrativa. Além de não haver um suporte técnico denso, a decisão começou a gerar
problemas. Os Prefeitos começaram a defender judicialmente que também eram agentes
políticos – e, de fato, são – e que também respondem por crime de responsabilidade nos
termos do Decreto 201/67. Começou a surgir essa tese, o tema entrou em repercussão geral
e o STF começou a dizer que a Reclamação 2.138 era só para Ministros de Estado, que não
estava tratando de Prefeitos. Entretanto, ficou difícil fundamentar, porque o caso era muito
semelhante.

No primeiro semestre de 2018, na PET 3.240 (importantíssima), o STF, superando


o seu entendimento da Reclamação 2.138, reconheceu que Ministro de Estado pode ser réu
em uma ação de improbidade, muito embora também responda por crime de
responsabilidade. Uma coisa não impediria a outra, segundo o STF.

Então, atualmente, em 2020, Ministro de Estado pode ser réu em ação de


improbidade, além de poder responder por crime de responsabilidade.

O único agente público que não pode figurar como réu em uma ação de
improbidade no Brasil é o Presidente da República. Aqui não há simetria em relação a
Governadores e Prefeitos. De acordo com o art. 85, V, CRFB/88, o Presidente responderá por
crime de responsabilidade quando praticar alguma conduta ímproba.

Material elaborado por Denise Franco


Art. 85, CRFB/88 - São crimes de responsabilidade os atos do Presidente da República que atentem
contra a Constituição Federal e, especialmente, contra:

V - a probidade na administração;

Se um determinado Presidente praticar improbidade, isso ensejará o seu


processamento em impeachment por crime de responsabilidade, mas não será réu da ação
de improbidade. Fora o Presidente, todos os demais agentes podem ser réus em ação de
improbidade.

Em se tratando de agente público que ocupa um cargo vitalício, ele pode perder
a função pública em razão da condenação em uma ação de improbidade, de tão grave que é
essa matéria. Quem ocupa cargo vitalício só perde o seu cargo em razão de uma decisão
judicial com o trânsito em julgado. Normalmente, essa ação cível tramita no Tribunal em que
está vinculada a autoridade, magistrado ou membro do Ministério Público. Mas, no caso da
ação de improbidade, a pena de perda da função pública pode ser aplicada até mesmo por
um juiz de primeiro grau.

c) Prerrogativa de foro

No Brasil levou-se mais de uma década para ter o reconhecimento de que não há
prerrogativa de foro em matéria de improbidade.

A confusão em relação a esse tema começou em 2002, quando o art. 84, CPP
incluiu na regra da prerrogativa de foro as ações de improbidade, sendo que improbidade não
é matéria de Direito Penal. A inclusão foi pela Lei 10.628/02. Como prerrogativa de foro
sempre foi associado no Brasil à impunidade, algo que gera proteção ao réu, essa inclusão
gerou muita discussão. A CONAMP (Confederação Nacional do Ministério Público) ajuizou em
2002, a ADI 2.797, que teve o seu julgamento concluído em 2007. O STF declarou a
inconstitucionalidade da prerrogativa de foro em matéria de improbidade, introduzida pela
Lei 10.628/02.

Tempos depois, o STF julgou a PET 3.211, em que, na questão de ordem,


reconheceu que Ministro do STF pode ser réu em ação de improbidade, a qual deverá tramitar
originariamente no próprio STF. Foi o reconhecimento de uma exceção ao que havia sido

Material elaborado por Denise Franco


decido, pois se criaria uma situação inusitada, em que um juiz de primeiro grau poderia
afastar preventivamente um Ministro.

Em razão disso, a Corte Especial do STJ, em 2009, começou a decidir, com a


relatoria do Min. Teori Zavascki (na época ele ainda estava no STJ), que Governador de Estado
poderia ser réu em ação de improbidade, mas que a ação deveria tramitar no STJ (Reclamação
2.790). Também reconheceu que Desembargador da Justiça do Trabalho pode ser réu de ação
de improbidade, mas que a ação deve tramitar originalmente no STJ (Ag Rg na Recl. 2.115).
Então, embora o STF tenha reconhecido em 2005 que não há prerrogativa de foro em razão
da PET3.211, o STJ acabou seguindo essa linha de orientação.

Em meados de 2012, o STF julgou parcialmente procedentes os embargos de


declaração que haviam sido interpostos do acórdão lançado em 2005 na ADI 2.797,
reconhecendo que entre 2002 e 2005 (entre a data de entrada em vigor da Lei 10.628 e a data
de julgamento da matéria no STF), a prerrogativa de foro teria valido. Então, nos embargos
de declaração, o STF fez uso da modulação temporal e reconheceu que a decisão produziria
efeitos ex nunc a partir de 2005 e os casos julgados anteriormente com a prerrogativa de foro
seriam preservados.

Isso representou um reconhecimento, uma reafirmação de que não há


prerrogativa de foro em matéria de improbidade administrativa.

Em razão do julgamento desses embargos em 2012, o STJ, tentando se alinhar ao


entendimento do STF, recua e passa a decidir que Conselheiro de Tribunal de Contas do
Estado pode ser réu em ação de improbidade e que deve tramitar originariamente em 1º grau
de jurisdição.

Em 2018, na PET 3.240, o STF decidiu, confirmando o julgamento da ADI 2.797,


que não há prerrogativa de foro em matéria de improbidade administrativa. A “pá de cal”
sobre esse tema foi colocada nessa decisão. Hoje é possível afirmar com tranquilidade que
não há prerrogativa de foro em matéria de improbidade administrativa, seja porque decidido
pelo STF na ADI 2.797 e na PET 3.240, seja pelos julgados do STJ posteriores à decisão dos
embargos de declaração na ADI 2.797.

Material elaborado por Denise Franco


Em alguns concursos antigos era necessário dizer que havia prerrogativa de foro.

Os problemas que estão surgindo nesse tema são pontuais, como afastamento
preventivo de agente público.

Parte 2/4

d) Decretação de indisponibilidade dos bens

Art. 7º, Lei 8.429/92 que trata de uma medida cautelar específica a ser decretada
judicialmente que é a medida de decretação de indisponibilidade dos bens. Esse artigo sofre
uma série de interpretações pelo STJ quanto ao seu alcance, quanto aos requisitos para essa
decretação.

Art. 7°, Lei 8.429/92 - Quando o ato de improbidade causar lesão ao patrimônio público ou ensejar
enriquecimento ilícito, caberá a autoridade administrativa responsável pelo inquérito representar ao
Ministério Público, para a indisponibilidade dos bens do indiciado.

Parágrafo único. A indisponibilidade a que se refere o caput deste artigo recairá sobre bens que
assegurem o integral ressarcimento do dano, ou sobre o acréscimo patrimonial resultante do
enriquecimento ilícito.

Para o STJ o deferimento do pedido de decretação de indisponibilidade independe


de uma demonstração pela parte autora da ação de indisponibilidade (e que formula o
requerimento) de que o réu está dilapidando o seu patrimônio. Há, segundo o STJ, uma
presunção do periculum in mora, em razão do ajuizamento da ação e da gravidade das
condutas. Por isso, é difícil ter uma decisão que negue o pedido de indisponibilidade.

O art. 7º faz alusão expressa às condutas que causam lesão ao patrimônio público
(art. 10, Lei 8.429/92) e condutas que ensejam enriquecimento ilícito (art. 9º). O art. 7º não
chega a mencionar expressamente as condutas que atentam contra os princípios da
Administração, que são de menor gravidade. Aparentemente, o legislador fez o raciocínio de
que se a conduta só atenta contra os princípios da Administração, não há porque decretar a
indisponibilidade de bens do réu, porque ele não terá de recompor o erário ou recompor o
dano que o erário sofreu ou pagar pelo enriquecimento ilícito.

Material elaborado por Denise Franco


O problema que o legislador não percebeu é que ainda que a conduta só atente
contra os princípios da Administração, o réu poderá ser punido com uma pena de multa e,
em razão disso, o STJ permite a decretação de indisponibilidade de bens do réu ainda que a
conduta fique restrita à hipótese do art. 11, ainda que ela só atente contra os princípios da
Administração Pública. Vai além do que o texto efetivamente menciona.

O parágrafo único do art. 7º menciona que a i A indisponibilidade a que se refere


o caput deste artigo recairá sobre bens que assegurem o integral ressarcimento do dano, ou
sobre o acréscimo patrimonial resultante do enriquecimento ilícito.

Ex: O réu praticou uma conduta que causou uma lesão ao erário no montante de
R$5.000.000,00 e ele tem em seu patrimônio dois imóveis totalizando R$5.000.000,00 e um
iate no valor de R$3.000.000,00, totalizando um patrimônio de R$8.000.000,00. O juiz, ao
decretar a indisponibilidade, resolve tornar indisponíveis todos os bens. A primeira coisa que
o réu alega é o excesso da decretação de indisponibilidade e uma eventual violação ao art.
7º, porque se o dano é de R$5.000.000,00, porque ele está decretando a indisponibilidade de
R$8.000.000,00?

Essa alegação é recorrente no Judiciário, de modo que o STJ já tem posição firme
sobre a matéria. Para o STJ, a decretação de indisponibilidade pode atingir bens em valor
superior ao do dano ao erário ou mesmo superior ao do acréscimo patrimonial do réu, pois o
réu pode ser punido a uma pena de multa e, por mais que o dano ao erário tenha sido de
R$5.000.000,00, se ele sofrer uma multa de R$3.000.000,00, a decretação de
indisponibilidade está dentro do que é razoável. Assim, para o STJ, não existe essa barreira
insuperável para a decretação da indisponibilidade, de modo que ela pode atingir bens em
montante superior ao do enriquecimento ilícito e ao dano ao erário.

O que o STJ não admite é que, no caso de vários réus estarem respondendo por
uma conduta improba, a decretação de indisponibilidade considere em relação a cada réu o
montante total do dano. Ex: São 10 réus e o dano foi de R$5.000.000,00, se o juiz decretar a
indisponibilidade de R$5.000.000,00 de cada um dos réus, tem-se R$50.000.000,00 em bens
indisponíveis e isso viola a proporcionalidade. Por mais que haja solidariedade entre os réus
no momento em que antecede a dosimetria da sanção, o STJ não permite esse excesso, no

Material elaborado por Denise Franco


sentido de que não se pode decretar a indisponibilidade dos bens de cada um dos réus no
valor total supostamente devido em caso de condenação.

• Bem de família

Outro ponto importante diz respeito aos bens que a indisponibilidade pode
alcançar. Para o STJ a indisponibilidade pode atingir o bem de família. O bem de família é
impenhorável por força da Lei 8.009/90, pois se ele for alienado em hasta pública, a família
não terá onde residir. É uma lei que se preocupa com a função social da propriedade, a
proteção à família.

Quando se admite a decretação de indisponibilidade do bem de família, isso acaba


podendo originar uma futura alienação. O discurso que se vê no STJ é de que não há problema
na decretação de indisponibilidade do bem de família, porque o que a decretação acarretará
é o que a Lei 8.009/90 pretende, que é evitar que o bem seja alienado. Se o bem está
indisponível, continuará nas mãos do réu. O problema é que não se fala do momento
posterior, isso é, da hipótese do réu não pagar o dano, caso em que o bem responderá pela
obrigação constituída na ação de improbidade. Para concursos é lembrar que a
indisponibilidade pode atingir bem de família.

• Bens impenhoráveis

O STJ tem também uma jurisprudência consolidada no sentido de que a


indisponibilidade não pode alcançar bens impenhoráveis, porque, se o bem é impenhorável
e a decretação de indisponibilidade pode acarretar a sua alienação futura, isso pode dar
problema.

Há uma certa incoerência. O que justifica a decretação de indisponibilidade de um


bem não justifica a do outro. Isso às vezes acontece na jurisprudência.

O STJ entende que é possível haver decretação de indisponibilidade em relação


ao bem de família, mas não em relação aos demais bens impenhoráveis. O bem impenhorável
só pode ser atingido pela decretação de indisponibilidade caso ele tenha sido adquirido em
razão da conduta ímproba.

Material elaborado por Denise Franco


e) Condutas ímprobas

Os art. 9º, 10, 10-A e 11 são os quatro artigos da Lei 8.429/92 que tratam das
condutas ímprobas. O art. 9º menciona exemplos de condutas que acarretam o
enriquecimento indevido; o art. 10 exemplos de condutas que causam danos ao erário; o art.
11 exemplos de condutas que atentam contra princípios da Administração; e o art. 10-A, que
foi introduzido em 2016, cuida de uma conduta improba muito específica, relacionada à
concessão de uma isenção de forma ilegal em relação ao ISS. No caso do art. 10-A a
enumeração não é exemplificativa, pois há a descrição de uma conduta específica tida como
ímproba. A redação original da lei prevê apenas exemplos de conduta nos art. 9º, 10 e 11, em
razão do uso da palavra “notadamente”.

As condutas de maior gravidade são as do art. 9º, pois, quando o art. 12 da Lei
8.429/92 menciona quais sanções poderão ser aplicadas em razão das condutas
anteriormente descritas, prevê sanções mais graves para as do art. 9º, que é a que ocasiona
o enriquecimento indevido. Essa conduta, eventualmente, pode também causar dano ao
erário, caso em que a pessoa responderá pelo art. 9º.

O art. 10 é de gravidade intermediária e traz as condutas que ocasionam dano ao


erário e o art. 11 funciona como que um “soldado de reserva”, isso é, se não causar
enriquecimento indevido e nem dano ao erário, a conduta pode violar um princípio da
Administração, vindo a ensejar a condenação do agente público e do particular pela prática
de uma conduta que viola princípios da Administração.

Desses três artigos, o único que prevê a possibilidade de condenação na


modalidade culposa, além da condenação na modalidade dolosa, é o art. 10. Portanto, apenas
se a conduta causar danos ao erário, é que será possível punir o réu não só na modalidade
dolosa, como também na modalidade culposa (negligência, imprudência e imperícia).

Para o professor Valter é um erro a ampliação da responsabilidade por


improbidade quando se prevê a possibilidade de responsabilidade na modalidade culposa. É
difícil falar em desonestidade, de corrupção por negligência. É o tipo de situação em que a
pessoa é corrupta ou não é. Não há corrupção culposa.

Material elaborado por Denise Franco


O professor Aristides Junqueira, que foi Procurador Geral da República, diz que a
responsabilização na modalidade culposa é inconstitucional, pois se está ampliando o que a
Constituição quis considerar como conduta improba.

O comportamento negligente, imprudente ou imperito pode justificar a aplicação


de sanções, mas não deveria ser na esfera da improbidade. Ele poderia ser punido
disciplinarmente, em ação de responsabilidade civil, ou até criminalmente dependendo do
caso.

A Lei de Improbidade trabalha com conceitos jurídicos indeterminados, com


expressões abertas, vagas. É uma lei muito principiológica e, a partir do momento em que se
abre a porta para a punição na modalidade culposa é um perigo. Isso é irracional, quando se
analisa a lei. Ex: o art. 9º é o que prevê as condutas de maior gravidade. Se o réu praticar uma
conduta que acarreta em enriquecimento ilícito, que é a coisa mais grave que há na lei de
improbidade, ele só responderá na modalidade dolosa. Se for uma coisa de menor gravidade,
ele também responderá na modalidade culposa.

Muito embora o STJ permita expressamente a condenação na modalidade


culposa nos casos do art. 10, há certo inconformismo de parte dos autores sobre esse tema
quanto a essa possibilidade. José Antonio Lisboa Neiva, desembargador do TRF 2, tem livro
sobre o tema e defende que essa previsão de modalidade culposa deveria ser interpretada
conforme a Constituição para que significasse, na linha até do que defende Sérgio André
Ferreira, uma culpa gravíssima, à semelhança do que a LINDB hoje em dia prevê como erro
grosseiro.

No julgamento recente pelo STF da MP 966, aquela que previu que o agente
público só responde por dolo ou erro grosseiro nos casos da pandemia, há uma frase solta ao
longo da notícia de julgamento, do rel. Min. Barroso, de que a MP não valeria para
improbidade administrativa. Como regra, ela não vale, até porque na improbidade só se pune
por dolo normalmente e, no caso de dano ao erário, se pune por dolo ou culpa.

Fica uma situação em que na improbidade se pune por dolo ou culpa e


criminalmente só há comportamento doloso em relação à corrupção; na responsabilidade
disciplinar só se tem por dolo ou o erro grosseiro. Então, por que vulgarizar o reconhecimento

Material elaborado por Denise Franco


da improbidade? Tudo o que é vulgarizado perde a sua força e a condenação em uma ação
de improbidade é algo muito severo.

Hoje em dia é muito pior responder a uma ação de improbidade e ser condenado
do que a uma ação penal, pois nesta há uma série de institutos que garantem uma defesa
mais digna do réu (digna no sentido do garantismo): permissão de convolação da pena
privativa de liberdade em penas restritivas de Direito; preocupação com a ressocialização do
preso, de progressão do regime. Já na improbidade, a pessoa perde a função, está sujeita à
multa elevadíssima; se for um político, à suspensão dos direitos políticos, praticamente sem
a possibilidade de se candidatar novamente, vira fixa suja. Assim, é para a reflexão a punição
na modalidade culposa.

f) Sanções

É possível que uma única conduta se enquadre na definição do tipo do art. 9º, do
art. 10 e do art. 11. Quando isso acontecer, o réu será punido uma única vez (não pode ser
punido duas vezes pela mesma conduta na mesma esfera) e pela conduta de maior gravidade,
no caso, pelo art. 9º. Se o réu praticar várias condutas e cada uma incidindo em tipos
diferentes da Lei de Improbidade, o réu poderá responder por várias vezes, pois a lei não
prevê concurso formal. Ele vai responder por tantas vezes quantas forem as condutas. Isso
possibilita até mesmo a eventual cumulação de sanções. Ex: É possível ter a multa aplicada
mais de uma vez.

Entretanto, há uma resistência na doutrina quanto a cumulação da sanção de


suspensão dos direitos políticos, porque a Constituição não prevê para a prática da
improbidade administrativa o efeito da cassação dos direitos políticos. Então, o discurso
majoritário na doutrina é o de que a pena de suspensão dos direitos políticos não pode ser
cumulada a ponto de se ter em uma pena que se transforme em cassação dos direitos
políticos. A pena da suspensão é aplicada uma única vez.

O professor Valter tem defendido a cumulação, desde que ela não ultrapasse o
limite de 10 anos previsto no art. 12. Mas isso é um detalhe.

Material elaborado por Denise Franco


Para fins de prova é importante saber que, para a doutrina, a suspensão dos
direitos políticos não deve ser cumulada a ponto de se transformar em uma pena de cassação
dos direitos políticos.

• Cassação de aposentadoria

Outro ponto importante com relação às sanções é que nem a Lei 8.429/92, nem
a Constituição preveem a pena de cassação de aposentadoria. Trata-se de uma pena que
aparece na Lei 8.112/90 para os casos de sanção disciplinar e é aplicada quando o servidor
pratica uma conduta passível de demissão, mas já se aposentou.

O professor Valter tem sustentado que essa pena de cassação de aposentadoria


é, hoje em dia, inconstitucional, porque existe o caráter contributivo da aposentadoria, que
não é brinde. O servidor paga por aquilo e por que o Estado confiscará aquele benefício
previdenciário que o servidor pagou? A punição não pode representa um confisco. A pessoa
tem que ser punida, porque praticou um ato errado, mas o benefício previdenciário, fruto de
milhões de reais e de anos de contribuição, não deveria ser cassado.

O fato é que o STF não vê qualquer inconstitucionalidade na pena de cassação de


aposentadoria, a qual tem sido aplicada. A matéria já foi julgada mais de uma vez por alguns
ministros do STF que já apreciaram essa matéria. Isso estava em repercussão geral e pode
oscilar, pois não está definido ainda. Mas, o que se tem hoje para as provas é que é válida a
pena de cassação de aposentadoria na esfera disciplinar.

Como fazer se o servidor que está respondendo por improbidade resolver se


aposentar? É possível aplicar a pena de cassação de aposentadoria?

O professor acha um absurdo, pois ela não está prevista na Lei 8.429/92 como
possível pena e a lei não deve ser interpretada criando uma nova sanção de forma a prejudicar
o réu. Entretanto, há posição no STJ no sentido de que a pena de cassação de aposentadoria
pode ser aplicada por analogia à Lei 8.112/90 e até aos casos em que a pena de perda da
função pública já não mais poderá ser aplicada.

• Art. 12, Lei 8.429/92

Material elaborado por Denise Franco


Muitas vezes, o autor da ação de improbidade, geralmente o Ministério Público,
formula um pedido genérico de condenação do réu.

Se a conduta for do art. 9º, responderá com base nas sanções do art. 12, I.

O art. 12 tem incisos que remetem aos artigos anteriores.

O STJ já reconheceu que o juiz não pode aplicar uma pena aquém do legalmente
estabelecido. Ele pode não aplicar a sanção, pois não está obrigado a aplicar todas as sanções
previstas em cada um dos incisos e o art. 12 é claro nesse sentido. Ex: praticou a conduta do
art. 9º, o juiz pode escolher a sanção do art. 12, I que irá aplicar, analisando a conduta e a
repercussão do dano, isso é, fazendo uma dosimetria. Entretanto, para o STJ, não seria
possível punir abaixo do mínimo. Isso é interessante: se pode não punir, porque não poderia
punir abaixo do mínimo? Se é possível não punir, o mínimo seria zero. Ex: Se há lapso
temporal para a suspensão de direito político, ou se pune dentro dele ou não se pune.

g) Cerceamento de defesa

Como os pedidos normalmente são genéricos, muitas vezes, na hora da sentença


é que o réu saberá qual a sanção foi aplicada. E isso pode gerar alguns problemas. Muitas
vezes, há um reenquadramento da conduta no momento da sentença.

Ex: o autor requer a condenação do réu por uma conduta praticada com base no
art. 11, porque atentou contra os princípios da Administração. Ao longo da instrução
processual, se descobre que aquela conduta não apenas violou os princípios da
Administração, como também causou dano ao erário e, assim, seria uma conduta do art. 10.
O juiz aplica uma sanção ao réu com fundamento não mais no art. 11, mas no art. 10. O réu
dirá que houve cerceamento do direito de defesa, que ele estava respondendo com base no
art. 11 e não poderia ser punido com base no art. 10.

Esse tema já oscilou no STJ. É possível encontrar decisões reconhecendo que


houve cerceamento de defesa por aplicação de sanção diversa daquela postulada na inicial
ou mesmo punição com base em artigo que previu uma conduta que é diversa da requerida
na petição inicial.

Material elaborado por Denise Franco


Entretanto, o entendimento atual do STJ, que tem predominado numericamente
e que é o mais recente, é o de que o réu se defende dos fatos em uma ação de improbidade.
Da mihi factum, dabo tibi jus - Dá-me o fato que eu te darei o direito. Se aquela narrativa
justifica uma condenação pelo art. 9º, 10 ou 11, isso é o juiz que vai decidir. O réu não se
defende contra a aplicação da pena de multa ou de perda da função pública. Para o STJ, ele
se defende dos fatos que foram narrados e o juiz poderá fazer esse enquadramento dizendo
que a conduta é do artigo 9º, 10 ou 11 e qual a pena ele entende melhor de ser aplicada,
mesmo que o Ministério Público tenha pedido outra sanção.

Assim, tem sido admitido que haja um julgamento considerando algo diverso
daquilo que foi requerido na inicial, pois há uma relativização na ação de improbidade com
relação ao princípio da incongruência, segundo o qual o juiz deve dar à parte de acordo com
aquilo que foi postulado na inicial. Mas, quando isso acontece em improbidade, não é visto
como julgamento extra, citra ou ultra petita, mas como a aplicação da sanção correta para as
condutas narradas ao longo do processo.

O professor Valter entende que, a depender da mudança, haverá cerceamento de


defesa. Ex: o juiz resolve aplicar a pena de cassação de aposentadoria no lugar da pena de
multa, uma pena que nem está prevista na Lei 8.429/92; ou resolve aplicar a pena de perda
da função pública a um réu que ocupa dois cargos públicos e aí se tem uma grande discussão
sobre qual função deve ser atingida, sendo que não há jurisprudência sedimentada sobre o
tema. Retira-se do debate do processo uma matéria que era importante para a defesa do réu.
Assim, além dos fatos, há outras matérias importantes para serem debatidas.

Entretanto, em uma prova, dizer que há a relativização do princípio da


congruência e que a tese que tem vingado no STJ é de que o réu pode ser surpreendido com
uma sanção diversa daquela que foi pretendida na inicial. Há decisões mais antigas no STJ
dizendo que essa relativização seria inconstitucional por violação ao devido processo legal. É
um tema que já foi mais debatido e agora parece estar sedimentado no sentido de que pode
haver essa modificação.

Obs: O professor Valter aconselha que se pesquise no site do STJ a parte de


jurisprudência em teses. Em matéria de improbidade há duas teses e a suas leituras são

Material elaborado por Denise Franco


formas de memorizar o entendimento do STJ sobre improbidade administrativa. Em
concursos, quando cobrado improbidade, muito do que se pergunta é a respeito das teses.

Parte 3/4

h) Art. 17, Lei 8.429/92

O art. 17 da Lei 8.429/92 trata da legitimidade ativa e do rito da ação de


improbidade, bem como de outras questões extremamente importantes, como a
possibilidade de acordo na ação de improbidade:

Art. 17, Lei 8.429/92 -. A ação principal, que terá o rito ordinário, será proposta pelo Ministério Público
ou pela pessoa jurídica interessada, dentro de trinta dias da efetivação da medida cautelar.

• Tutela provisória

Como a lei é de 1992, portanto, ela antecede o surgimento do instituto da tutela


antecipada no Brasil, ocorrido em 1994, a lei ainda trabalha com a lógica de ação cautelar e
ação principal, que é uma lógica até ultrapassada, na medida em que hoje há tutela de
evidência, tutela de urgência, nos autos da mesma ação. O que é importante lembrar é que,
muito embora a lei tenha essa redação, nada impede que o juiz defira um provimento
cautelar, de urgência, de evidência, enfim, provisório, antecipado, nos autos da própria ação
de improbidade. Não se exige esse rigor de que se tem uma ação cautelar e, depois, uma ação
principal.

• Rito

Outro ponto importante, é que o art. 17, caput, menciona que a ação terá o rito
ordinário. Depois de a lei ter sido aprovada, o art. 17 foi alterado nos seus parágrafos por
medida provisória, que modificou a forma de tramitar a ação de improbidade, de modo que
hoje essa ação não tem nada do rito ordinário. Em uma prova letra de lei é preciso dizer que
a ação tem o rito ordinário, mas ela não tem. Ela mais se aproxima do rito de uma ação penal
do que do rito de uma ação cível.

A ação de improbidade não é ação penal, uma ação de natureza cível e política.
Quem julga é o juiz da vara cível e até de Vara de Fazenda Pública. No Rio de Janeiro há três

Material elaborado por Denise Franco


varas na capital com essa competência do julgamento de ações de improbidade. Então, não
é matéria criminal, apesar de, na prática o rito se aproximar do rito penal, pois se tem, assim
como no Direito Penal, uma espécie de dupla oportunidade de defesa. Primeiro, o
demandado é notificado para apresentar uma manifestação. Depois, se o juiz receber a
petição inicial, ele determinará a citação do réu para apresentar uma contestação. O
demandado tem duas oportunidades de defesa: a manifestação e a contestação.

• Legitimados ativos

Pela regra do art. 17, são apenas dois os legitimados ativos: o Ministério Público
e a pessoa jurídica interessada. Na maioria dos casos, quem ajuíza a ação é o Ministério
Público, porque, normalmente, é ele quem recebe as representações sobre as práticas
ímprobas no âmbito da Administração Pública. Não é algo rotineiro no âmbito da
Administração Pública ajuizar ação de improbidade.

Qual é o alcance da expressão “pessoa jurídica interessada”? Quando o parágrafo


segundo trata do ressarcimento do patrimônio público, ele menciona:

Art. 17, § 2º, Lei 8.942/92 - A Fazenda Pública, quando for o caso, promoverá as ações necessárias à
complementação do ressarcimento do patrimônio público.

É comum encontrar menção na literatura de que a pessoa jurídica interessada do


caput seria a Fazenda Pública mencionada pelo §2º do art. 17. Assim, a Fazenda Pública seria
a única pessoa jurídica interessada que poderia ajuizar a ação de improbidade.

O professor Valter entende que é um erro, pois o caput não pode ser interpretado
com base na regra do §2º. É o contrário: o §2º é que deve ser interpretado de acordo com a
regra da cabeça do artigo. Além disso, uma entidade do terceiro setor, por exemplo, pode ser
vítima de uma conduta ímproba e por que não essa entidade podendo ajuizar ação de
improbidade?

Então, o importante é saber que não só o Ministério Público tem legitimidade para
o ajuizamento da ação de improbidade.

• Ação de improbidade administrativa e ação civil pública

Material elaborado por Denise Franco


Muitas vezes, chamam a ação de improbidade de ação civil pública de
improbidade administrativa. Tecnicamente não é o mais correto, pois a ação civil pública é
regida pela Lei 7.347. E apesar da ACP se destinar à proteção dos interesses difusos e coletivos
e à tutela da probidade e da moralidade, nem tudo o que a Lei 7.347 prevê será encontrado
da Lei 8.429.

A legitimidade para a propositura da ACP é uma e da improbidade é outra. Ex: A


Defensoria Pública pode propor uma ACP e não pode ajuizar uma ação de improbidade.
Então, como chamar de ação civil pública a ação de improbidade, se os legitimados são
distintos?

Além disso, a destinação do produto é diversa. A Lei da ACP estipula que o


resultado obtido da condenação do réu será destinado a um fundo para a tutela dos direitos
e interesses difusos, que conta com a participação do Ministério Público na sua gestão. Já no
caso da lei de improbidade a destinação é outra.

Art. 18, Lei 8.429/92 - A sentença que julgar procedente ação civil de reparação de dano ou decretar
a perda dos bens havidos ilicitamente determinará o pagamento ou a reversão dos bens, conforme o
caso, em favor da pessoa jurídica prejudicada pelo ilícito.

Portanto, a pessoa destinatária é a pessoa que foi prejudicada, enquanto que na


ACP o destino é um fundo para a tutela dos direitos difusos.

o Transação

Até pouco tempo atrás havia outra diferença, que era a possibilidade de transação
na ação civil pública e a impossibilidade de conciliação ou transação na ação de improbidade.
Mesmo quando a lei proibia a transação, havia uma tese de que seria inimaginável permitir
transação na esfera penal e não permitir na esfera de improbidade. Seria um venire contra
factum proprium do Estado, ao adotar comportamentos contraditórios. A partir do momento
que o Estado, com base na análise econômica do Direito, no dilema do prisioneiro e na teoria
jogos, investe em delação premiada, em acordo de leniência, como não admitir isso em
matéria de improbidade? É inimaginável. É possível que um determinado Estado entenda que
não se pode transigir com pessoas corruptas, seja no âmbito penal, seja no âmbito disciplinar,

Material elaborado por Denise Franco


no âmbito da Lei Anticorrupção, isso é, em qualquer hipótese. Mas, se é admitido no âmbito
penal, fica estranho não aceitar no âmbito da improbidade.

Entretanto, ainda era muito forte o discurso de que não se pode transigir com a
probidade, com a moralidade e o art. 17, §1º vedada expressamente o acordo, a transação
nas ações de que trata essa lei. Alguns autores defendiam que se a ação ainda não tivesse
sido ajuizada seria possível a conciliação. Emerson Garcia diz que se a lei veda, ela veda antes
ou depois da ação. Caso contrário, bastaria o promotor perguntar se tem acordo e se tiver,
nem ajuizar a ação. O intuito do legislador foi o de impedir esse tipo de manobra.

Para o professor, deve haver transação, preocupando-se com o rito, com os


requisitos, com a homologação da transação, criar um procedimento. Mas, um discurso
contrário à transação, é incompatível com o momento em que vivemos em relação a outras
esferas, até mesmo penal.

Hoje se fala de negociação da sanção disciplinar no Direito Administrativo


contemporâneo. É preciso ter muito cuidado com esse tema, pois não pode ser algo que
incentive as práticas desonestas ou mesmo que coloque o Brasil no cenário internacional
como um país que não pune ninguém. Aí é a dificuldade de se ter um ponto de equilíbrio.
Mas, isso não pode ser argumento para um discurso de que não é possível fazer transação
nessas matérias.

Mesmo na época em que a lei proibia a transação, o CNMP editou a Res. 179/17,
em que o seu art. 1º, §2º autoriza a transação em matéria de improbidade e já autorizava na
época em que o §1º vedava a transação. Houve certa confusão, porque o art. 17, §1º vedava
a transação, enquanto que a MP 703, introduzida em razão de alteração na Lei Anticorrupção,
que permitia leniência, tinha que facilitar o acordo em matéria de improbidade. Entretanto,
a MP 703 que revogou o art. 17, §1º perdeu a eficácia por não ter sido convertida em lei e
voltou a valer o art. 17, §1º. Nesse momento conturbado, vem a resolução do CNMP
prevendo:

Art. 17, § 2º, Res. 179/17, CNMP - É cabível o compromisso de ajustamento de conduta nas hipóteses
configuradoras de improbidade administrativa, sem prejuízo do ressarcimento ao erário e da aplicação
de uma ou algumas das sanções previstas em lei, de acordo com a conduta ou o ato praticado

Material elaborado por Denise Franco


Tem que haver o ressarcimento ao erário. Emerson Garcia, Wallace Paiva Martins
Junior, José Roberto Pimenta e a doutrina de modo geral diferencia o que é pena (punição),
daquilo que é a recomposição do prejuízo causado pelo erário (ressarcimento). Uma coisa é
a punição pela prática do ilícito e a outra é a medida jurídica voltada para a recomposição do
prejuízo que o erário sofreu. Por isso, mesmo que haja a transação, o Ministério Público não
pode abrir mão do ressarcimento ao erário e da aplicação de uma ou de algumas das sanções
previstas em lei, de acordo com a conduta ou o ato praticado.

Não é possível ter uma negociação em que o réu não sofra nenhuma sanção.

Com a aprovação do Pacote Anticrime (Lei 13.964/2019) houve a alteração do §1º


do art. 17:

Art. 17, § 1º, Lei 8.429/92 - As ações de que trata este artigo admitem a celebração de acordo de não
persecução cível, nos termos desta Lei. (Redação dada pela Lei nº 13.964, de 2019)

O §10-A, que também foi introduzido pelo Pacote Anticrime complementa o


tema:

Art. 17, § 10-A, Lei 8.429/92 -. Havendo a possibilidade de solução consensual, poderão as partes
requerer ao juiz a interrupção do prazo para a contestação, por prazo não superior a 90 (noventa)
dias. (Incluído pela Lei nº 13.964, de 2019)

Se existe a possibilidade de acordo, interrompe-se o prazo para a contestação.


Depois, se não houver o desfecho consensual, volta a correr o prazo para a contestação.
Então, depois da contestação não há mais espaço para a solução consensual?

Esse tema tem sido polemizado e o professor Valter entende que o legislador não
quis proibir o acordo após a contestação. O discurso contemporâneo do Direito é o de que a
Administração deve sempre procurar a solução que seja mais eficiente para a tutela do
interesse da coletividade. A lei não restringiu expressamente a possibilidade de conciliação
ao momento da contestação. É claro que quanto mais o processo avançar, naturalmente será
mais difícil obter um acordo. Mas, não é impossível, não é ilegal, a lei não proíbe. Se mesmo
quando a lei proibia expressamente havia uma defesa da conciliação, que dirá agora que a lei
permite e o §1º diz “nas ações de que trata” e não “até o momento da contestação”. Para o

Material elaborado por Denise Franco


professor, dizer que só cabe transação até a contestação é simplificar algo que não é tão
simples, até porque esse acordo virá com o objetivo de identificar outros atores, outros
agentes. Tem-se a possibilidade de rever a ação. Pode ser mais interessante para a
Administração fazer o acordo ainda que após eventual contestação do que não fazer.

O que tem sido cobrado em provas é que hoje é possível ter transação nas ações
de improbidade administrativa.

• Intervenção móvel ou intervenção dinâmica

Art. 17, §3º, Lei 8.429/92 - No caso de a ação principal ter sido proposta pelo Ministério Público,
aplica-se, no que couber, o disposto no § 3º do art. 6º da Lei no 4.717, de 29 de junho de
1965. (Redação dada pela Lei nº 9.366, de 1996)

O art. 6º, §3º, Lei 4.717/1965 é um artigo da Lei de Ação Popular, que autoriza a
intervenção móvel, a intervenção dinâmica. O Ministério Público ajuíza uma ação em face do
agente público e em face da pessoa jurídica que aquele agente público trabalha. Nada impede
que aquela pessoa jurídica requeira a inversão do polo da ação, isso é, que ela passe a figurar
ao lado do Ministério Público e não ao lado do réu, porque entende que aquele ato é ímprobo
e ela não quer compactuar com aquela desonestidade. Portanto, assim como ocorre com a
Lei de Ação Popular, é possível ter aqui, quando a ação for ajuizada pelo MP, a hipótese de
transferência de um dos réus para o polo ativo da ação.

• Atuação do Ministério Público

Art. 17, § 4º, Lei 8.429/92 - O Ministério Público, se não intervir no processo como parte, atuará
obrigatoriamente, como fiscal da lei, sob pena de nulidade.

Nas correições das Varas, normalmente o MP pede para ver os autos de ações
de improbidade, pois ele tem o dever de oficiar.

• Indícios mínimos da prática da conduta

Art. 17, §6º, Lei 8.429/92 - A ação será instruída com documentos ou justificação que contenham
indícios suficientes da existência do ato de improbidade ou com razões fundamentadas da
impossibilidade de apresentação de qualquer dessas provas, observada a legislação vigente, inclusive

Material elaborado por Denise Franco


as disposições inscritas nos arts. 16 a 18 do Código de Processo Civil. (Vide Medida Provisória nº 2.088-
35, de 2000) (Incluído pela Medida Provisória nº 2.225-45, de 2001)

Para o STJ não é possível ajuizar uma ação de improbidade com base unicamente
em notícia de jornal ou em algo muito vago, muito abstrato, que não revele indícios mínimos
da prática da conduta. Por outro lado, o STJ não exige da parte autora que apresente um
detalhamento pormenorizado que ela só terá condições de conhecer quando da instrução
processual. Aqui é preciso ficar entre as informações deficientes e o exaurimento da
instrução. É esse o equilíbrio que se exige de quem moverá uma ação de improbidade.

• Procedimento

Art. 17, § 7º, Lei 8.429/92 - Estando a inicial em devida forma, o juiz mandará autuá-la e ordenará a
notificação do requerido, para oferecer manifestação por escrito, que poderá ser instruída com
documentos e justificações, dentro do prazo de quinze dias. (Vide Medida Provisória nº 2.088-35, de
2000) (Incluído pela Medida Provisória nº 2.225-45, de 2001)

Não se trata da citação, mas da notificação do requerido. O artigo não fala em


quinze dias úteis, mas em quinze dias e é legislação específica.

Art. 17, § 8º , Lei 8.429/92 - Recebida a manifestação, o juiz, no prazo de trinta dias, em decisão
fundamentada, rejeitará a ação, se convencido da inexistência do ato de improbidade, da
improcedência da ação ou da inadequação da via eleita. (Vide Medida Provisória nº 2.088-35, de
2000) (Incluído pela Medida Provisória nº 2.225-45, de 2001)

§ 11. Em qualquer fase do processo, reconhecida a inadequação da ação de improbidade, o juiz


extinguirá o processo sem julgamento do mérito. (Vide Medida Provisória nº 2.088-35, de
2000) (Incluído pela Medida Provisória nº 2.225-45, de 2001)

Mesmo depois de ter recebido a petição inicial e do processo avançar, o juiz pode,
em momento posterior, extinguir o processo, por reconhecer, diante dos fatos apurados, que
a ação não deve prosseguir por ser inadequada.

Art. 17, § 9º, Lei 84.429/92 - Recebida a petição inicial, será o réu citado para apresentar
contestação. (Vide Medida Provisória nº 2.088-35, de 2000) (Incluído pela Medida Provisória nº
2.225-45, de 2001)

Material elaborado por Denise Franco


Autuada a inicial, há uma notificação do requerido para apresentar manifestação
em 15 dias. Depois, se o juiz receber a petição inicial, há segunda oportunidade de defesa,
pois o juiz determinará a citação do réu para apresentar contestação no prazo de 15 dias.

Muitas vezes, essa dupla oportunidade de defesa não é assegurada na prática.


Para o STJ, o fato do réu não ter tido a dupla oportunidade de defesa, não vai gerar
automaticamente a nulidade da ação de improbidade. É preciso que o réu comprove a
ocorrência de algum prejuízo em razão dessa inobservância do direito de ampla defesa.

i) Efeitos da Lei da Ficha Limpa em relação à Lei de Improbidade Administrativa

A Lei da Ficha Limpa (LC 135/2010) alterou a LC 64/90, que menciona os casos de
inelegibilidade. A sua grande novidade foi reconhecer a inelegibilidade mesmo antes do
trânsito em julgado, também nos casos de improbidade administrativa. Portanto, a LC 64
agora prevê em seu art. 1º, situações em que o réu se tornará inelegível pela prática de
improbidade administrativa.

Os requisitos para a inelegibilidade ser reconhecida em virtude de uma


condenação por improbidade são:

o o processo precisa ter transitado em julgado ou a condenação ter sido oriunda


de órgão colegiado,
o a condenação por improbidade precisa ocorrer na modalidade dolosa,
o a pena de suspensão dos direitos políticos precisa ser aplicada pelo
magistrado na ação de improbidade, e
o o réu precisa ter sido condenado por uma conduta que acarreta
enriquecimento ilícito e que causa prejuízo ao erário.

Se em uma ação de improbidade alguém for condenado à pena de suspensão dos


direitos políticos e ela transitar em julgado, a eficácia da pena de suspensão dos direitos
políticos não vai mais depender de órgão colegiado, isso é, a decisão poderá ter sido dada por
juiz de primeiro grau. Uma pessoa foi condenada pelo juiz de primeiro grau à pena de
suspensão dos direitos políticos e ocorreu o trânsito em julgado, ela já está inelegível em
razão da pena de suspensão de direitos políticos. Na prática, isso não ocorre.

Material elaborado por Denise Franco


Assim, os requisitos da LC 64 valem para aqueles casos em que ainda não houve
o trânsito.

Se não ocorrer o trânsito em julgado, é muito difícil tornar alguém inelegível pela
prática de improbidade administrativa no Brasil, pois, além de ter que ser aplicada a pena de
suspensão dos direitos políticos – que nem sempre é aplicada e o juiz não está obrigado a
aplicá-la –, o réu precisa ter praticado mais de uma conduta. Se ele praticou uma única
conduta ímproba, por mais grave que seja, só poderá ser condenada pelo art. 9º e não
simultaneamente pelo art. 9º e pelo art. 10. A Lei da Ficha Limpa representou um avanço, que
não é suficiente.

Parte 4/4

j) Execução provisória da pena e medida cautelar de afastamento do exercício


do cargo, emprego ou função

Art. 20, Lei 8.429/92 - A perda da função pública e a suspensão dos direitos políticos só se efetivam
com o trânsito em julgado da sentença condenatória.

Parágrafo único. A autoridade judicial ou administrativa competente poderá determinar o


afastamento do agente público do exercício do cargo, emprego ou função, sem prejuízo da
remuneração, quando a medida se fizer necessária à instrução processual.

A contrario sensu do caput, as demais sanções comportam uma execução


provisória e podem, portanto, produzir efeitos, ainda que a ação de improbidade não tenha
transitado em julgado. Como regra, a execução é provisória, salvo quando se tratar da pena
de perda da função pública e da pena de suspensão dos direitos políticos.

No caso da suspensão dos direitos políticos, é possível ter algum efeito desta
sanção, mesmo antes do trânsito em julgado, em razão da Lei da Ficha Limpa, pois, ainda que
não tenha havido o trânsito em julgado da pena de suspensão dos direitos políticos, se os
requisitos da LC 64 forem preenchidos, a decisão já vai tornar o réu inelegível.

O parágrafo único do art. 20 prevê uma cautelar específica, que pode, inclusive,
ser adotada pela Administração Pública. Aqui não há reserva de jurisdição. Trata-se da medida
do afastamento preventivo, que na improbidade administrativa não é pena, mas medida

Material elaborado por Denise Franco


cautelar que se destina a assegurar a instrução processual e a apuração da prática ímproba.
Muitas vezes, o réu ou aquele que está sendo investigado pela prática de improbidade, ao
continuar com o desempenho das funções, poderia prejudicar a apuração da verdade.

Já foi perguntado em prova se só autoridade judicial poderia determinar o


afastamento e a autoridade administrativa também pode.

Como o afastamento preventivo não é pena, mas apenas medida cautelar, o


afastado terá o direito de continuar a receber a sua remuneração. Ele só não recebe parcelas
indenizatórias, pois elas resultam do efetivo desempenho das funções do cargo.

Ex: o Prefeito acabou de começar a governar. Pode o juiz afastar preventivamente


em razão de uma improbidade? Sim, pode.

Para o STJ, não há qualquer limite em razão do cargo desempenhado. O Prefeito


pode ser afastado. No caso dos mandados eletivos, o afastamento não poderia durar mais de
seis meses (180 dias), pois se esvaziaria o sentido da democracia, da eleição.

É possível afastar o prefeito, desde que haja a preocupação com o limite temporal,
que é de 6 meses, para que se apure o que efetivamente ocorreu, para que se encerre a
instrução processual. Depois disso, ele terá o direito de retornar ao cargo. Isso tem sido uma
diretriz. Existem casos em que o afastamento acaba durando mais. Para fins de prova: há a
preocupação do STJ com a limitação temporal do afastamento, especialmente quando a
função é de quem foi eleito para o desempenho de um mandato.

k) Aplicação das sanções

Art. 21, Lei 8.429/92 - A aplicação das sanções previstas nesta lei independe:

I - da efetiva ocorrência de dano ao patrimônio público, salvo quanto à pena de


ressarcimento; (Redação dada pela Lei nº 12.120, de 2009).

II - da aprovação ou rejeição das contas pelo órgão de controle interno ou pelo Tribunal ou Conselho
de Contas.

Este foi um dos avanços da Lei de Improbidade em relação à legislação anterior


de enfrentamento das práticas desonestas e de corrupção. Até a Constituição de 1988 e até

Material elaborado por Denise Franco


a Lei 9.429/92, as ferramentas de que dispunha o Estado Brasileiro para combater a corrupção
se resumiam a medidas voltadas para a anulação do ato lesivo e a determinação da
composição ao erário.

Com a Lei de Improbidade, a preocupação passa a ir além da mera recomposição


do patrimônio desfalcado. Por isso, não importa se houve ou não o dano (em certa medida,
importa, pois isso vai influenciar na dosimetria da sanção). Ainda que nenhum dano tenha
sido sofrido pelo erário, ainda que a conduta não tenha gerado o prejuízo pretendido ou que
não cause prejuízo significativo, isso não impede a condenação por improbidade.

Este preceito da Lei 8.429/92 é que leva o STJ a não aplicar o princípio da
insignificância ou o princípio da bagatela em matéria de improbidade administrativa. De
acordo com o princípio da bagatela, reserva da bagatela ou da insignificância, quando a lesão
ao bem jurídico for de valor inexpressivo, baixo, diminuto, há a tese no Direito Penal de que
isso não arranharia o tipo penal e seria uma excludente da tipicidade. Sem comprometer o
bem jurídico que se procurou tutelar, não haveria punição na esfera penal. Entretanto, o
sujeito será punido na esfera da improbidade, pois, se ele pode ser punido ainda que não haja
dano ao erário, que dirá se o dano ocorrer, ainda que vier a ser diminuto. Assim, o princípio
da bagatela não é aplicado em ação de improbidade.

Pelo inciso II do art. 21, é possível que o agente seja punido pelo Tribunal de
Contas, que seja multado, e que seja reconhecida a despesa como irregular, mas que o pedido
de condenação em improbidade seja julgado improcedente. O inverso também é possível: o
réu ter tido as contas aprovadas pelo Tribunal de Contas e o juiz reconhecer que se está diante
de uma prática de improbidade administrativa. No dia-a-dia forense isso é raro, pelo menos
no âmbito federal, porque as opiniões e os pareceres do TCU são muito bem elaborados e, se
uma pessoa foi condenada lá, para desconstituir na esfera judicial é muito difícil. Mas,
teoricamente é possível.

Os atos do TCU são atos administrativos, que podem ser controlados pelo Poder
Judiciário. O STF tem competência originária para julgar mandados de segurança contra ato
do TCU, mas, se for uma ação de rito ordinário, ela desaguará no primeiro grau de jurisdição.

Material elaborado por Denise Franco


l) Prescrição

O art. 23, Lei 8.429/92 é polêmico e trata da prescrição.

De acordo com o entendimento do STF, que foi exteriorizado no RE 852.475, a


pena de ressarcimento ao erário nas ações de improbidade é imprescritível, de modo que o
Ministério Público, a Fazenda Pública, a Administração Pública interessada podem, a qualquer
tempo, pedir o ressarcimento ao erário, caso a conduta seja improba. Nesse julgamento
houve muito debate e a tese da imprescritibilidade quase não foi aprovada.

O professor Valter não é muito favorável à tese da imprescritibilidade, porque


pela Lei 8.429/92 o sucessor pode responder. E aí, daqui a 50 anos, o neto de um servidor
estará respondendo por algo ocorrido há muito tempo e ele não terá como se defender. Para
o professor, o melhor caminho seria aumentar o prazo prescricional para o caso do
ressarcimento ao erário.

O fato é que a votação caminhava no STF para a rejeição da tese da


imprescritibilidade e o Min. Barroso e o Min. Fux reviram suas decisões e passaram a entender
que esta pena era imprescritível, o que fez com que a votação fosse a favor da tese da
imprescritibilidade.

“DIREITO CONSTITUCIONAL. DIREITO ADMINISTRATIVO. RESSARCIMENTO AO ERÁRIO.


IMPRESCRITIBILIDADE. SENTIDO E ALCANCE DO ART. 37, § 5 º, DA CONSTITUIÇÃO.

1. A prescrição é instituto que milita em favor da estabilização das relações sociais.

2. Há, no entanto, uma série de exceções explícitas no texto constitucional, como a prática dos crimes
de racismo (art. 5º, XLII, CRFB) e da ação de grupos armados, civis ou militares, contra a ordem
constitucional e o Estado Democrático (art. 5º, XLIV, CRFB).

3. O texto constitucional é expresso (art. 37, § 5º, CRFB) ao prever que a lei estabelecerá os prazos de
prescrição para ilícitos na esfera cível ou penal, aqui entendidas em sentido amplo, que gerem prejuízo
ao erário e sejam praticados por qualquer agente.

4. A Constituição, no mesmo dispositivo (art. 37, § 5º, CRFB) decota de tal comando para o Legislador
as ações cíveis de ressarcimento ao erário, tornando-as, assim, imprescritíveis.

Material elaborado por Denise Franco


5. São, portanto, imprescritíveis as ações de ressarcimento ao erário fundadas na prática de ato doloso
tipificado na Lei de Improbidade Administrativa.

6. Parcial provimento do recurso extraordinário para (i) afastar a prescrição da sanção de


ressarcimento e (ii) determinar que o tribunal recorrido, superada a preliminar de mérito pela
imprescritibilidade das ações de ressarcimento por improbidade administrativa, aprecie o mérito
apenas quanto à pretensão de ressarcimento.” (STF, RE 852.475, Rel. Min. Edson Fachin, julg. em
23/08/2019)

Para o professor Valter, o §5º não prevê isso de uma maneira clara e expressa.
Pela regra do §5º, art. 37, CRFB/88, haverá um prazo de prescrição para os ilícitos praticados,
ressalvadas as ações de ressarcimento. Não consta que “as ações de ressarcimento serão
imprescritíveis”, até porque isso chegou a ser proposto e não foi aprovado na redação. A
leitura que se fez majoritariamente no STF foi no sentido de que a ressalva às ações de
ressarcimento significaria uma imprescritibilidade das ações cíveis de ressarcimento ao
erário.

Na decisão do STF houve uma restrição da imprescritibilidade à prática de ato


doloso.

O art. 23 da Lei 8.429/92 não alcança as penas de ressarcimento ao erário.

A redação dos incisos I e II do art. 23, Lei 8.429/92 é muito ruim. O inciso III foi
incluído em 2014 e já prevê algo que é razoável. O problema do artigo, em especial dos incisos
I e II, é que ele trata da prescrição desprezando para o cálculo a gravidade da conduta, o que
é algo inexplicável. Há no Direito Penal regras sobre prescrição, que varia de acordo com o
tamanho da pena privativa de liberdade e, portanto, de acordo com a gravidade da conduta
penal praticada pelo réu.

Na improbidade a forma de cálculo da prescrição varia de acordo com quem


praticou o ato e isso não faz sentido. Se foi um Prefeito ou se foi um servidor, a prescrição
deveria ser calculada da mesma forma. A diferença no tratamento não necessariamente
beneficia políticos. Há casos concretos em que a regra do inciso I do art. 23, que é aplicável a
políticos, será mais benéfica do que a do inciso II, aplicável a servidores e em outros casos,
haverá a situação inversa. Complicaram o que poderia ser simplificado. Poderia haver a

Material elaborado por Denise Franco


criação de uma regra com previsão de um único prazo prescricional (ex: a contar da data do
fato).

Para o professor Valter, a redação é tão ruim que dá a sensação de que foi feita
para permitir que a prescrição ocorra.

Art. 23, Lei 8.429/92 - As ações destinadas a levar a efeitos as sanções previstas nesta lei podem ser
propostas:

I - até cinco anos após o término do exercício de mandato, de cargo em comissão ou de função de
confiança;

II - dentro do prazo prescricional previsto em lei específica para faltas disciplinares puníveis com
demissão a bem do serviço público, nos casos de exercício de cargo efetivo ou emprego.

III - até cinco anos da data da apresentação à administração pública da prestação de contas final pelas
entidades referidas no parágrafo único do art. 1º desta Lei. (Incluído pela Lei nº 13.019, de
2014) (Vigência)

Quanto ao inciso III pode-se pensar no exemplo de uma organização social, que
celebrou um convênio com a Administração Pública e recebeu recursos em razão disso. Ela
terá que prestar contas pelos recursos que foram repassados e chegará o momento em que
haverá a última prestação de contas como o inciso menciona. Entregue a prestação de contas
final, a Administração Pública ou o Ministério Público terá o prazo de cinco anos para ajuizar
a ação de improbidade.

Muitas vezes, o que acontece é que o Ministério Público resolve ajuizar uma ação
de improbidade 20 anos depois da prestação ter sido juntada perante a Administração, caso
em que o administrador não tem mais como se defender. O Estado não pode demorar tanto
tempo de modo que isso inviabilize o direito à ampla defesa. Ninguém guarda documentos
por tanto tempo.

Quanto ao inciso I, a regra considera o prazo prescricional de 5 anos a partir da


cessação do vínculo daquele que ocupa um cargo eletivo, cargo em comissão ou uma função
de confiança. Ex: O Prefeito terminou o seu mandato hoje e, a partir disso, há 5 anos para
mover a ação de improbidade. Não é da data do fato, nem da data da ciência da

Material elaborado por Denise Franco


Administração do fato, mas da data da cessação do vínculo. No inciso I os vínculos são mais
efêmeros, de menor duração. A lógica é a de que a pessoa, enquanto está no cargo, estaria
colocando tudo para debaixo do tapete, inviabilizando a apuração da conduta e, por isso, só
quando ela sai, é que se tem condições de apurar o que efetivamente ocorreu.

Em se tratando de reeleição, o STJ entende que o prazo prescricional será


computado a partir do término do segundo mandato, o que faz sentido, pois a pessoa só
deixou de ocupar o cargo após o segundo mandato. Isso vale mesmo que haja um lapso
temporal entre os dois mandatos. Ex: Às vezes, a pessoa não consegue assumir de imediato
no segundo mandato por algum problema com a Justiça Federal.

O inciso II prevê a forma de cálculo da prescrição na ação de improbidade movida


em face de quem ocupa cargo efetivo ou um emprego público. Há uma regra complexa e
confusa, prevista na lei que estipular uma pena de demissão do serviço público. A Lei 8.112/90
prevê em seu art. 142 que a pena de demissão prescreve em cinco anos a contar do dia da
ciência do fato. É como se o legislador quisesse estipular para os servidores e empregados
públicos o cálculo da prescrição com base na Lei 8.112/90. Entretanto, a Lei 8.429/92 disse
menos do que deveria.

Ex: Se o servidor for estadual, qual será a regra aplicada, a lei do Estado? Essa
disposição faz com que se tenha que ficar procurando qual é o prazo prescricional da pena de
demissão do servidor municipal, estadual. A prescrição variará de acordo com a regra legal
específica?

Ex: Um servidor federal junto e um servidor municipal praticam conjuntamente a


mesma conduta ímproba. O servidor federal responderá pelo prazo de 5 anos a contar da
ciência do fato e, se o fato for crime, de acordo com a Lei 8.112/90, art. 142, §2º e segundo o
STJ, a prescrição será regida pela prescrição do Direito Penal. E o servidor municipal, que
praticou a mesma conduta, responderá pelo prazo que a sua lei local estipular?

Além de complicar na avaliação judicial do prazo prescricional, isso não gera


justiça, mas violação da isonomia. A conduta é a mesma e os dois praticaram conjuntamente.
Por que um responderá por mais tempo do que o outro?

Material elaborado por Denise Franco


José Roberto Pimenta sustenta que devemos aplicar a Lei 8.112/90 como
parâmetro geral, até porque a matéria de improbidade administrativa se insere, como regra,
no âmbito de competência da União (temas de Direito Civil e político-eleitoral).

O problema maior é que a Lei 8.429/92 não menciona no art. 23 qual será o prazo
prescricional da ação de improbidade movida em face de uma série de agentes públicos que
o artigo menciona. Ex: O contratado temporariamente não é servidor, não ocupa cargo
efetivo, não ocupa cargo em comissão, mas desempenha uma função pública e não foi
mencionado pelo art. 23. Ex2: O estagiário, que o STJ já reconheceu que pode responder por
improbidade administrativa por desempenhar função pública, ainda que não seja
remunerado, não está no art. 23. Ex3: O juiz, o promotor, que podem ser condenados em
ação de improbidade e não há menção de qual regra prescricional será aplicada.

O que se tem defendido? O art. 23, I cuida de vínculos mais efêmeros, transitórios
e o inciso II, de vínculos mais duradouros. Por isso, um juiz, um promotor, que ocupam um
cargo vitalício, responderão pela regra do inciso II. Entretanto, o juiz é regido pela LOMAN e
não pela Lei 8.112/90. Mas, já que o vínculo é mais duradouro, o prazo é de 5 anos a contar
da ciência do fato, como está no art. 142 da Lei 8.112/90.

Já no caso do estagiário, contratado temporariamente, com vínculo mais


efêmero, conta-se 5 anos a partir da cessação do vínculo.

A Lei 8.429/92 não mencionou qual é o prazo prescricional aplicável ao particular.


Ela permite que o particular responda por improbidade, mas não esclarece qual é o prazo,
por quantos anos ele responderá. O STJ, de forma pacífica e com entendimento sumulado,
reconhece que o particular responderá pelo mesmo prazo prescricional aplicável ao agente
público que ele induzir na prática da improbidade ou com quem ele concorrer para a prática
da improbidade. Ex: Se ele atuou conjuntamente com o prefeito, responderá por cinco anos,
a contar da cessação do vínculo, nos termos do art. 23, I. Se ele atuou junto com um servidor
público que ocupa um cargo efetivo, responderá com base no inciso II.

Se um agente público ocupar simultaneamente um cargo em comissão e um cargo


efetivo, segundo o STJ, esse agente responderá pela regra prescricional aplicável ao cargo

Material elaborado por Denise Franco


efetivo, portanto, de acordo com o art. 23, II. E é assim, segundo o STJ, porque o vínculo dele
com o cargo efetivo é mais duradouro do que o vínculo com o cargo em comissão.

Assim, uma redação ruim da Lei 8.429/92 em relação a esse tema gera uma série
de polêmicas e dúvidas, que são sanadas pelos autores que escrevem sobre improbidade ou
pelo STJ.

Os prazos prescricionais são muito cobrados em provas. Por isso, é importante se


atentar às decisões do STJ sobre o tema.

Material elaborado por Denise Franco

Você também pode gostar