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Parte 1/4
1) Improbidade administrativa
Art. 37, § 4º, CRFB/88 - Os atos de improbidade administrativa importarão a suspensão dos direitos
políticos, a perda da função pública, a indisponibilidade dos bens e o ressarcimento ao erário, na forma
e gradação previstas em lei, sem prejuízo da ação penal cabível.
A improbidade não tem natureza criminal. Então, a pessoa pode ser punida por
improbidade e, também, na esfera penal.
A lei a que se refere o art. 37, §4º, CRFB/88 é a Lei 8.429/92, que prevê outras
sanções, como a pena de multa, proibição de contratar com a Administração Pública, etc. Isso
não é questionado pela literatura. O que a lei não poderia fazer e, de fato não fez, é prever
menos sanções do que aquelas constitucionalmente estabelecidas. Essa lei além de
mencionar as da Constituição, mencionou outras.
a) Sujeito passivo
Art. 1°, Lei 8.429/92 - Os atos de improbidade praticados por qualquer agente público, servidor ou
não, contra a administração direta, indireta ou fundacional de qualquer dos Poderes da União, dos
Estados, do Distrito Federal, dos Municípios, de Território, de empresa incorporada ao patrimônio
público ou de entidade para cuja criação ou custeio o erário haja concorrido ou concorra com mais de
cinqüenta por cento do patrimônio ou da receita anual, serão punidos na forma desta lei.
A vítima nem sempre será pessoa integrante da Administração Pública. Ela pode
ser uma pessoa que possui mais de 50% do seu patrimônio de origem pública ou que tem
uma receita anual oriunda dos cofres públicos. Então, nem sempre isso vai abranger uma
entidade da Administração Pública. A vítima normalmente é uma pessoa que faz parte da
Há uma regra do parágrafo único que chega a ampliar isso, dizendo que ainda que
o patrimônio e a receita anual sejam oriundos do Poder Público em patamar inferior a 50%,
mesmo assim, a conduta poderá ser considerada ímproba. Tal parágrafo faz uma limitação
quanto aos efeitos das sanções de caráter patrimonial na Lei de Improbidade.
Art. 1º, parágrafo único, Lei 8.429/92. Estão também sujeitos às penalidades desta lei os atos de
improbidade praticados contra o patrimônio de entidade que receba subvenção, benefício ou
incentivo, fiscal ou creditício, de órgão público bem como daquelas para cuja criação ou custeio o
erário haja concorrido ou concorra com menos de cinqüenta por cento do patrimônio ou da receita
anual, limitando-se, nestes casos, a sanção patrimonial à repercussão do ilícito sobre a contribuição
dos cofres públicos.
Pode ser uma entidade do terceiro setor (SESC, SEST, SESI, SENATI), uma
organização social, uma OSCIP, uma entidade de apoio.
O parágrafo único tem uma regra diferente da do caput. O caput foca mais na
Administração Pública e em pessoas que tecnicamente não integram a Administração, mas
que são controladas pelo Poder Público, em que a receita anual conta com uma expressiva
contribuição dos cofres públicos (mais de 50%). Também não há limitação da sanção
patrimonial no caput, enquanto que há no parágrafo único.
b) Sujeito ativo
O art. 2º define agente público de forma extremamente ampla, sendo difícil fugir
do alcance da lei.
Art. 2°, Lei 8.429/92 - Reputa-se agente público, para os efeitos desta lei, todo aquele que exerce,
ainda que transitoriamente ou sem remuneração, por eleição, nomeação, designação, contratação ou
qualquer outra forma de investidura ou vínculo, mandato, cargo, emprego ou função nas entidades
mencionadas no artigo anterior.
Não há aqui nenhuma exclusão. Ex: “Sou deputado”, “Sou senador”, “Sou agente
político”. Os agentes políticos estão compreendidos na definição trazida pelo art. 2º, Lei
8.429/92: “por mandato”. Não há blindagem ou exclusão no conceito de agentes públicos.
Art. 3°, Lei 8.429/92 - As disposições desta lei são aplicáveis, no que couber, àquele que, mesmo não
sendo agente público, induza ou concorra para a prática do ato de improbidade ou dele se beneficie
sob qualquer forma direta ou indireta.
Essa decisão, na época em que foi proferida, foi muito questionada e, de fato, é
uma decisão que tecnicamente não faz sentido, pois se está lidando com instâncias
independentes. Uma coisa é o crime de responsabilidade e outra é a improbidade
administrativa. Além de não haver um suporte técnico denso, a decisão começou a gerar
problemas. Os Prefeitos começaram a defender judicialmente que também eram agentes
políticos – e, de fato, são – e que também respondem por crime de responsabilidade nos
termos do Decreto 201/67. Começou a surgir essa tese, o tema entrou em repercussão geral
e o STF começou a dizer que a Reclamação 2.138 era só para Ministros de Estado, que não
estava tratando de Prefeitos. Entretanto, ficou difícil fundamentar, porque o caso era muito
semelhante.
O único agente público que não pode figurar como réu em uma ação de
improbidade no Brasil é o Presidente da República. Aqui não há simetria em relação a
Governadores e Prefeitos. De acordo com o art. 85, V, CRFB/88, o Presidente responderá por
crime de responsabilidade quando praticar alguma conduta ímproba.
V - a probidade na administração;
Em se tratando de agente público que ocupa um cargo vitalício, ele pode perder
a função pública em razão da condenação em uma ação de improbidade, de tão grave que é
essa matéria. Quem ocupa cargo vitalício só perde o seu cargo em razão de uma decisão
judicial com o trânsito em julgado. Normalmente, essa ação cível tramita no Tribunal em que
está vinculada a autoridade, magistrado ou membro do Ministério Público. Mas, no caso da
ação de improbidade, a pena de perda da função pública pode ser aplicada até mesmo por
um juiz de primeiro grau.
c) Prerrogativa de foro
No Brasil levou-se mais de uma década para ter o reconhecimento de que não há
prerrogativa de foro em matéria de improbidade.
A confusão em relação a esse tema começou em 2002, quando o art. 84, CPP
incluiu na regra da prerrogativa de foro as ações de improbidade, sendo que improbidade não
é matéria de Direito Penal. A inclusão foi pela Lei 10.628/02. Como prerrogativa de foro
sempre foi associado no Brasil à impunidade, algo que gera proteção ao réu, essa inclusão
gerou muita discussão. A CONAMP (Confederação Nacional do Ministério Público) ajuizou em
2002, a ADI 2.797, que teve o seu julgamento concluído em 2007. O STF declarou a
inconstitucionalidade da prerrogativa de foro em matéria de improbidade, introduzida pela
Lei 10.628/02.
Os problemas que estão surgindo nesse tema são pontuais, como afastamento
preventivo de agente público.
Parte 2/4
Art. 7º, Lei 8.429/92 que trata de uma medida cautelar específica a ser decretada
judicialmente que é a medida de decretação de indisponibilidade dos bens. Esse artigo sofre
uma série de interpretações pelo STJ quanto ao seu alcance, quanto aos requisitos para essa
decretação.
Art. 7°, Lei 8.429/92 - Quando o ato de improbidade causar lesão ao patrimônio público ou ensejar
enriquecimento ilícito, caberá a autoridade administrativa responsável pelo inquérito representar ao
Ministério Público, para a indisponibilidade dos bens do indiciado.
Parágrafo único. A indisponibilidade a que se refere o caput deste artigo recairá sobre bens que
assegurem o integral ressarcimento do dano, ou sobre o acréscimo patrimonial resultante do
enriquecimento ilícito.
O art. 7º faz alusão expressa às condutas que causam lesão ao patrimônio público
(art. 10, Lei 8.429/92) e condutas que ensejam enriquecimento ilícito (art. 9º). O art. 7º não
chega a mencionar expressamente as condutas que atentam contra os princípios da
Administração, que são de menor gravidade. Aparentemente, o legislador fez o raciocínio de
que se a conduta só atenta contra os princípios da Administração, não há porque decretar a
indisponibilidade de bens do réu, porque ele não terá de recompor o erário ou recompor o
dano que o erário sofreu ou pagar pelo enriquecimento ilícito.
Ex: O réu praticou uma conduta que causou uma lesão ao erário no montante de
R$5.000.000,00 e ele tem em seu patrimônio dois imóveis totalizando R$5.000.000,00 e um
iate no valor de R$3.000.000,00, totalizando um patrimônio de R$8.000.000,00. O juiz, ao
decretar a indisponibilidade, resolve tornar indisponíveis todos os bens. A primeira coisa que
o réu alega é o excesso da decretação de indisponibilidade e uma eventual violação ao art.
7º, porque se o dano é de R$5.000.000,00, porque ele está decretando a indisponibilidade de
R$8.000.000,00?
Essa alegação é recorrente no Judiciário, de modo que o STJ já tem posição firme
sobre a matéria. Para o STJ, a decretação de indisponibilidade pode atingir bens em valor
superior ao do dano ao erário ou mesmo superior ao do acréscimo patrimonial do réu, pois o
réu pode ser punido a uma pena de multa e, por mais que o dano ao erário tenha sido de
R$5.000.000,00, se ele sofrer uma multa de R$3.000.000,00, a decretação de
indisponibilidade está dentro do que é razoável. Assim, para o STJ, não existe essa barreira
insuperável para a decretação da indisponibilidade, de modo que ela pode atingir bens em
montante superior ao do enriquecimento ilícito e ao dano ao erário.
O que o STJ não admite é que, no caso de vários réus estarem respondendo por
uma conduta improba, a decretação de indisponibilidade considere em relação a cada réu o
montante total do dano. Ex: São 10 réus e o dano foi de R$5.000.000,00, se o juiz decretar a
indisponibilidade de R$5.000.000,00 de cada um dos réus, tem-se R$50.000.000,00 em bens
indisponíveis e isso viola a proporcionalidade. Por mais que haja solidariedade entre os réus
no momento em que antecede a dosimetria da sanção, o STJ não permite esse excesso, no
• Bem de família
Outro ponto importante diz respeito aos bens que a indisponibilidade pode
alcançar. Para o STJ a indisponibilidade pode atingir o bem de família. O bem de família é
impenhorável por força da Lei 8.009/90, pois se ele for alienado em hasta pública, a família
não terá onde residir. É uma lei que se preocupa com a função social da propriedade, a
proteção à família.
• Bens impenhoráveis
Os art. 9º, 10, 10-A e 11 são os quatro artigos da Lei 8.429/92 que tratam das
condutas ímprobas. O art. 9º menciona exemplos de condutas que acarretam o
enriquecimento indevido; o art. 10 exemplos de condutas que causam danos ao erário; o art.
11 exemplos de condutas que atentam contra princípios da Administração; e o art. 10-A, que
foi introduzido em 2016, cuida de uma conduta improba muito específica, relacionada à
concessão de uma isenção de forma ilegal em relação ao ISS. No caso do art. 10-A a
enumeração não é exemplificativa, pois há a descrição de uma conduta específica tida como
ímproba. A redação original da lei prevê apenas exemplos de conduta nos art. 9º, 10 e 11, em
razão do uso da palavra “notadamente”.
As condutas de maior gravidade são as do art. 9º, pois, quando o art. 12 da Lei
8.429/92 menciona quais sanções poderão ser aplicadas em razão das condutas
anteriormente descritas, prevê sanções mais graves para as do art. 9º, que é a que ocasiona
o enriquecimento indevido. Essa conduta, eventualmente, pode também causar dano ao
erário, caso em que a pessoa responderá pelo art. 9º.
No julgamento recente pelo STF da MP 966, aquela que previu que o agente
público só responde por dolo ou erro grosseiro nos casos da pandemia, há uma frase solta ao
longo da notícia de julgamento, do rel. Min. Barroso, de que a MP não valeria para
improbidade administrativa. Como regra, ela não vale, até porque na improbidade só se pune
por dolo normalmente e, no caso de dano ao erário, se pune por dolo ou culpa.
Hoje em dia é muito pior responder a uma ação de improbidade e ser condenado
do que a uma ação penal, pois nesta há uma série de institutos que garantem uma defesa
mais digna do réu (digna no sentido do garantismo): permissão de convolação da pena
privativa de liberdade em penas restritivas de Direito; preocupação com a ressocialização do
preso, de progressão do regime. Já na improbidade, a pessoa perde a função, está sujeita à
multa elevadíssima; se for um político, à suspensão dos direitos políticos, praticamente sem
a possibilidade de se candidatar novamente, vira fixa suja. Assim, é para a reflexão a punição
na modalidade culposa.
f) Sanções
É possível que uma única conduta se enquadre na definição do tipo do art. 9º, do
art. 10 e do art. 11. Quando isso acontecer, o réu será punido uma única vez (não pode ser
punido duas vezes pela mesma conduta na mesma esfera) e pela conduta de maior gravidade,
no caso, pelo art. 9º. Se o réu praticar várias condutas e cada uma incidindo em tipos
diferentes da Lei de Improbidade, o réu poderá responder por várias vezes, pois a lei não
prevê concurso formal. Ele vai responder por tantas vezes quantas forem as condutas. Isso
possibilita até mesmo a eventual cumulação de sanções. Ex: É possível ter a multa aplicada
mais de uma vez.
O professor Valter tem defendido a cumulação, desde que ela não ultrapasse o
limite de 10 anos previsto no art. 12. Mas isso é um detalhe.
• Cassação de aposentadoria
Outro ponto importante com relação às sanções é que nem a Lei 8.429/92, nem
a Constituição preveem a pena de cassação de aposentadoria. Trata-se de uma pena que
aparece na Lei 8.112/90 para os casos de sanção disciplinar e é aplicada quando o servidor
pratica uma conduta passível de demissão, mas já se aposentou.
O professor acha um absurdo, pois ela não está prevista na Lei 8.429/92 como
possível pena e a lei não deve ser interpretada criando uma nova sanção de forma a prejudicar
o réu. Entretanto, há posição no STJ no sentido de que a pena de cassação de aposentadoria
pode ser aplicada por analogia à Lei 8.112/90 e até aos casos em que a pena de perda da
função pública já não mais poderá ser aplicada.
Se a conduta for do art. 9º, responderá com base nas sanções do art. 12, I.
O STJ já reconheceu que o juiz não pode aplicar uma pena aquém do legalmente
estabelecido. Ele pode não aplicar a sanção, pois não está obrigado a aplicar todas as sanções
previstas em cada um dos incisos e o art. 12 é claro nesse sentido. Ex: praticou a conduta do
art. 9º, o juiz pode escolher a sanção do art. 12, I que irá aplicar, analisando a conduta e a
repercussão do dano, isso é, fazendo uma dosimetria. Entretanto, para o STJ, não seria
possível punir abaixo do mínimo. Isso é interessante: se pode não punir, porque não poderia
punir abaixo do mínimo? Se é possível não punir, o mínimo seria zero. Ex: Se há lapso
temporal para a suspensão de direito político, ou se pune dentro dele ou não se pune.
g) Cerceamento de defesa
Ex: o autor requer a condenação do réu por uma conduta praticada com base no
art. 11, porque atentou contra os princípios da Administração. Ao longo da instrução
processual, se descobre que aquela conduta não apenas violou os princípios da
Administração, como também causou dano ao erário e, assim, seria uma conduta do art. 10.
O juiz aplica uma sanção ao réu com fundamento não mais no art. 11, mas no art. 10. O réu
dirá que houve cerceamento do direito de defesa, que ele estava respondendo com base no
art. 11 e não poderia ser punido com base no art. 10.
Assim, tem sido admitido que haja um julgamento considerando algo diverso
daquilo que foi requerido na inicial, pois há uma relativização na ação de improbidade com
relação ao princípio da incongruência, segundo o qual o juiz deve dar à parte de acordo com
aquilo que foi postulado na inicial. Mas, quando isso acontece em improbidade, não é visto
como julgamento extra, citra ou ultra petita, mas como a aplicação da sanção correta para as
condutas narradas ao longo do processo.
Parte 3/4
Art. 17, Lei 8.429/92 -. A ação principal, que terá o rito ordinário, será proposta pelo Ministério Público
ou pela pessoa jurídica interessada, dentro de trinta dias da efetivação da medida cautelar.
• Tutela provisória
• Rito
Outro ponto importante, é que o art. 17, caput, menciona que a ação terá o rito
ordinário. Depois de a lei ter sido aprovada, o art. 17 foi alterado nos seus parágrafos por
medida provisória, que modificou a forma de tramitar a ação de improbidade, de modo que
hoje essa ação não tem nada do rito ordinário. Em uma prova letra de lei é preciso dizer que
a ação tem o rito ordinário, mas ela não tem. Ela mais se aproxima do rito de uma ação penal
do que do rito de uma ação cível.
A ação de improbidade não é ação penal, uma ação de natureza cível e política.
Quem julga é o juiz da vara cível e até de Vara de Fazenda Pública. No Rio de Janeiro há três
• Legitimados ativos
Pela regra do art. 17, são apenas dois os legitimados ativos: o Ministério Público
e a pessoa jurídica interessada. Na maioria dos casos, quem ajuíza a ação é o Ministério
Público, porque, normalmente, é ele quem recebe as representações sobre as práticas
ímprobas no âmbito da Administração Pública. Não é algo rotineiro no âmbito da
Administração Pública ajuizar ação de improbidade.
Art. 17, § 2º, Lei 8.942/92 - A Fazenda Pública, quando for o caso, promoverá as ações necessárias à
complementação do ressarcimento do patrimônio público.
O professor Valter entende que é um erro, pois o caput não pode ser interpretado
com base na regra do §2º. É o contrário: o §2º é que deve ser interpretado de acordo com a
regra da cabeça do artigo. Além disso, uma entidade do terceiro setor, por exemplo, pode ser
vítima de uma conduta ímproba e por que não essa entidade podendo ajuizar ação de
improbidade?
Então, o importante é saber que não só o Ministério Público tem legitimidade para
o ajuizamento da ação de improbidade.
Art. 18, Lei 8.429/92 - A sentença que julgar procedente ação civil de reparação de dano ou decretar
a perda dos bens havidos ilicitamente determinará o pagamento ou a reversão dos bens, conforme o
caso, em favor da pessoa jurídica prejudicada pelo ilícito.
o Transação
Até pouco tempo atrás havia outra diferença, que era a possibilidade de transação
na ação civil pública e a impossibilidade de conciliação ou transação na ação de improbidade.
Mesmo quando a lei proibia a transação, havia uma tese de que seria inimaginável permitir
transação na esfera penal e não permitir na esfera de improbidade. Seria um venire contra
factum proprium do Estado, ao adotar comportamentos contraditórios. A partir do momento
que o Estado, com base na análise econômica do Direito, no dilema do prisioneiro e na teoria
jogos, investe em delação premiada, em acordo de leniência, como não admitir isso em
matéria de improbidade? É inimaginável. É possível que um determinado Estado entenda que
não se pode transigir com pessoas corruptas, seja no âmbito penal, seja no âmbito disciplinar,
Entretanto, ainda era muito forte o discurso de que não se pode transigir com a
probidade, com a moralidade e o art. 17, §1º vedada expressamente o acordo, a transação
nas ações de que trata essa lei. Alguns autores defendiam que se a ação ainda não tivesse
sido ajuizada seria possível a conciliação. Emerson Garcia diz que se a lei veda, ela veda antes
ou depois da ação. Caso contrário, bastaria o promotor perguntar se tem acordo e se tiver,
nem ajuizar a ação. O intuito do legislador foi o de impedir esse tipo de manobra.
Mesmo na época em que a lei proibia a transação, o CNMP editou a Res. 179/17,
em que o seu art. 1º, §2º autoriza a transação em matéria de improbidade e já autorizava na
época em que o §1º vedava a transação. Houve certa confusão, porque o art. 17, §1º vedava
a transação, enquanto que a MP 703, introduzida em razão de alteração na Lei Anticorrupção,
que permitia leniência, tinha que facilitar o acordo em matéria de improbidade. Entretanto,
a MP 703 que revogou o art. 17, §1º perdeu a eficácia por não ter sido convertida em lei e
voltou a valer o art. 17, §1º. Nesse momento conturbado, vem a resolução do CNMP
prevendo:
Art. 17, § 2º, Res. 179/17, CNMP - É cabível o compromisso de ajustamento de conduta nas hipóteses
configuradoras de improbidade administrativa, sem prejuízo do ressarcimento ao erário e da aplicação
de uma ou algumas das sanções previstas em lei, de acordo com a conduta ou o ato praticado
Não é possível ter uma negociação em que o réu não sofra nenhuma sanção.
Art. 17, § 1º, Lei 8.429/92 - As ações de que trata este artigo admitem a celebração de acordo de não
persecução cível, nos termos desta Lei. (Redação dada pela Lei nº 13.964, de 2019)
Art. 17, § 10-A, Lei 8.429/92 -. Havendo a possibilidade de solução consensual, poderão as partes
requerer ao juiz a interrupção do prazo para a contestação, por prazo não superior a 90 (noventa)
dias. (Incluído pela Lei nº 13.964, de 2019)
Esse tema tem sido polemizado e o professor Valter entende que o legislador não
quis proibir o acordo após a contestação. O discurso contemporâneo do Direito é o de que a
Administração deve sempre procurar a solução que seja mais eficiente para a tutela do
interesse da coletividade. A lei não restringiu expressamente a possibilidade de conciliação
ao momento da contestação. É claro que quanto mais o processo avançar, naturalmente será
mais difícil obter um acordo. Mas, não é impossível, não é ilegal, a lei não proíbe. Se mesmo
quando a lei proibia expressamente havia uma defesa da conciliação, que dirá agora que a lei
permite e o §1º diz “nas ações de que trata” e não “até o momento da contestação”. Para o
O que tem sido cobrado em provas é que hoje é possível ter transação nas ações
de improbidade administrativa.
Art. 17, §3º, Lei 8.429/92 - No caso de a ação principal ter sido proposta pelo Ministério Público,
aplica-se, no que couber, o disposto no § 3º do art. 6º da Lei no 4.717, de 29 de junho de
1965. (Redação dada pela Lei nº 9.366, de 1996)
O art. 6º, §3º, Lei 4.717/1965 é um artigo da Lei de Ação Popular, que autoriza a
intervenção móvel, a intervenção dinâmica. O Ministério Público ajuíza uma ação em face do
agente público e em face da pessoa jurídica que aquele agente público trabalha. Nada impede
que aquela pessoa jurídica requeira a inversão do polo da ação, isso é, que ela passe a figurar
ao lado do Ministério Público e não ao lado do réu, porque entende que aquele ato é ímprobo
e ela não quer compactuar com aquela desonestidade. Portanto, assim como ocorre com a
Lei de Ação Popular, é possível ter aqui, quando a ação for ajuizada pelo MP, a hipótese de
transferência de um dos réus para o polo ativo da ação.
Art. 17, § 4º, Lei 8.429/92 - O Ministério Público, se não intervir no processo como parte, atuará
obrigatoriamente, como fiscal da lei, sob pena de nulidade.
Nas correições das Varas, normalmente o MP pede para ver os autos de ações
de improbidade, pois ele tem o dever de oficiar.
Art. 17, §6º, Lei 8.429/92 - A ação será instruída com documentos ou justificação que contenham
indícios suficientes da existência do ato de improbidade ou com razões fundamentadas da
impossibilidade de apresentação de qualquer dessas provas, observada a legislação vigente, inclusive
Para o STJ não é possível ajuizar uma ação de improbidade com base unicamente
em notícia de jornal ou em algo muito vago, muito abstrato, que não revele indícios mínimos
da prática da conduta. Por outro lado, o STJ não exige da parte autora que apresente um
detalhamento pormenorizado que ela só terá condições de conhecer quando da instrução
processual. Aqui é preciso ficar entre as informações deficientes e o exaurimento da
instrução. É esse o equilíbrio que se exige de quem moverá uma ação de improbidade.
• Procedimento
Art. 17, § 7º, Lei 8.429/92 - Estando a inicial em devida forma, o juiz mandará autuá-la e ordenará a
notificação do requerido, para oferecer manifestação por escrito, que poderá ser instruída com
documentos e justificações, dentro do prazo de quinze dias. (Vide Medida Provisória nº 2.088-35, de
2000) (Incluído pela Medida Provisória nº 2.225-45, de 2001)
Art. 17, § 8º , Lei 8.429/92 - Recebida a manifestação, o juiz, no prazo de trinta dias, em decisão
fundamentada, rejeitará a ação, se convencido da inexistência do ato de improbidade, da
improcedência da ação ou da inadequação da via eleita. (Vide Medida Provisória nº 2.088-35, de
2000) (Incluído pela Medida Provisória nº 2.225-45, de 2001)
Mesmo depois de ter recebido a petição inicial e do processo avançar, o juiz pode,
em momento posterior, extinguir o processo, por reconhecer, diante dos fatos apurados, que
a ação não deve prosseguir por ser inadequada.
Art. 17, § 9º, Lei 84.429/92 - Recebida a petição inicial, será o réu citado para apresentar
contestação. (Vide Medida Provisória nº 2.088-35, de 2000) (Incluído pela Medida Provisória nº
2.225-45, de 2001)
A Lei da Ficha Limpa (LC 135/2010) alterou a LC 64/90, que menciona os casos de
inelegibilidade. A sua grande novidade foi reconhecer a inelegibilidade mesmo antes do
trânsito em julgado, também nos casos de improbidade administrativa. Portanto, a LC 64
agora prevê em seu art. 1º, situações em que o réu se tornará inelegível pela prática de
improbidade administrativa.
Se não ocorrer o trânsito em julgado, é muito difícil tornar alguém inelegível pela
prática de improbidade administrativa no Brasil, pois, além de ter que ser aplicada a pena de
suspensão dos direitos políticos – que nem sempre é aplicada e o juiz não está obrigado a
aplicá-la –, o réu precisa ter praticado mais de uma conduta. Se ele praticou uma única
conduta ímproba, por mais grave que seja, só poderá ser condenada pelo art. 9º e não
simultaneamente pelo art. 9º e pelo art. 10. A Lei da Ficha Limpa representou um avanço, que
não é suficiente.
Parte 4/4
Art. 20, Lei 8.429/92 - A perda da função pública e a suspensão dos direitos políticos só se efetivam
com o trânsito em julgado da sentença condenatória.
No caso da suspensão dos direitos políticos, é possível ter algum efeito desta
sanção, mesmo antes do trânsito em julgado, em razão da Lei da Ficha Limpa, pois, ainda que
não tenha havido o trânsito em julgado da pena de suspensão dos direitos políticos, se os
requisitos da LC 64 forem preenchidos, a decisão já vai tornar o réu inelegível.
O parágrafo único do art. 20 prevê uma cautelar específica, que pode, inclusive,
ser adotada pela Administração Pública. Aqui não há reserva de jurisdição. Trata-se da medida
do afastamento preventivo, que na improbidade administrativa não é pena, mas medida
É possível afastar o prefeito, desde que haja a preocupação com o limite temporal,
que é de 6 meses, para que se apure o que efetivamente ocorreu, para que se encerre a
instrução processual. Depois disso, ele terá o direito de retornar ao cargo. Isso tem sido uma
diretriz. Existem casos em que o afastamento acaba durando mais. Para fins de prova: há a
preocupação do STJ com a limitação temporal do afastamento, especialmente quando a
função é de quem foi eleito para o desempenho de um mandato.
Art. 21, Lei 8.429/92 - A aplicação das sanções previstas nesta lei independe:
II - da aprovação ou rejeição das contas pelo órgão de controle interno ou pelo Tribunal ou Conselho
de Contas.
Este preceito da Lei 8.429/92 é que leva o STJ a não aplicar o princípio da
insignificância ou o princípio da bagatela em matéria de improbidade administrativa. De
acordo com o princípio da bagatela, reserva da bagatela ou da insignificância, quando a lesão
ao bem jurídico for de valor inexpressivo, baixo, diminuto, há a tese no Direito Penal de que
isso não arranharia o tipo penal e seria uma excludente da tipicidade. Sem comprometer o
bem jurídico que se procurou tutelar, não haveria punição na esfera penal. Entretanto, o
sujeito será punido na esfera da improbidade, pois, se ele pode ser punido ainda que não haja
dano ao erário, que dirá se o dano ocorrer, ainda que vier a ser diminuto. Assim, o princípio
da bagatela não é aplicado em ação de improbidade.
Pelo inciso II do art. 21, é possível que o agente seja punido pelo Tribunal de
Contas, que seja multado, e que seja reconhecida a despesa como irregular, mas que o pedido
de condenação em improbidade seja julgado improcedente. O inverso também é possível: o
réu ter tido as contas aprovadas pelo Tribunal de Contas e o juiz reconhecer que se está diante
de uma prática de improbidade administrativa. No dia-a-dia forense isso é raro, pelo menos
no âmbito federal, porque as opiniões e os pareceres do TCU são muito bem elaborados e, se
uma pessoa foi condenada lá, para desconstituir na esfera judicial é muito difícil. Mas,
teoricamente é possível.
Os atos do TCU são atos administrativos, que podem ser controlados pelo Poder
Judiciário. O STF tem competência originária para julgar mandados de segurança contra ato
do TCU, mas, se for uma ação de rito ordinário, ela desaguará no primeiro grau de jurisdição.
2. Há, no entanto, uma série de exceções explícitas no texto constitucional, como a prática dos crimes
de racismo (art. 5º, XLII, CRFB) e da ação de grupos armados, civis ou militares, contra a ordem
constitucional e o Estado Democrático (art. 5º, XLIV, CRFB).
3. O texto constitucional é expresso (art. 37, § 5º, CRFB) ao prever que a lei estabelecerá os prazos de
prescrição para ilícitos na esfera cível ou penal, aqui entendidas em sentido amplo, que gerem prejuízo
ao erário e sejam praticados por qualquer agente.
4. A Constituição, no mesmo dispositivo (art. 37, § 5º, CRFB) decota de tal comando para o Legislador
as ações cíveis de ressarcimento ao erário, tornando-as, assim, imprescritíveis.
Para o professor Valter, o §5º não prevê isso de uma maneira clara e expressa.
Pela regra do §5º, art. 37, CRFB/88, haverá um prazo de prescrição para os ilícitos praticados,
ressalvadas as ações de ressarcimento. Não consta que “as ações de ressarcimento serão
imprescritíveis”, até porque isso chegou a ser proposto e não foi aprovado na redação. A
leitura que se fez majoritariamente no STF foi no sentido de que a ressalva às ações de
ressarcimento significaria uma imprescritibilidade das ações cíveis de ressarcimento ao
erário.
A redação dos incisos I e II do art. 23, Lei 8.429/92 é muito ruim. O inciso III foi
incluído em 2014 e já prevê algo que é razoável. O problema do artigo, em especial dos incisos
I e II, é que ele trata da prescrição desprezando para o cálculo a gravidade da conduta, o que
é algo inexplicável. Há no Direito Penal regras sobre prescrição, que varia de acordo com o
tamanho da pena privativa de liberdade e, portanto, de acordo com a gravidade da conduta
penal praticada pelo réu.
Para o professor Valter, a redação é tão ruim que dá a sensação de que foi feita
para permitir que a prescrição ocorra.
Art. 23, Lei 8.429/92 - As ações destinadas a levar a efeitos as sanções previstas nesta lei podem ser
propostas:
I - até cinco anos após o término do exercício de mandato, de cargo em comissão ou de função de
confiança;
II - dentro do prazo prescricional previsto em lei específica para faltas disciplinares puníveis com
demissão a bem do serviço público, nos casos de exercício de cargo efetivo ou emprego.
III - até cinco anos da data da apresentação à administração pública da prestação de contas final pelas
entidades referidas no parágrafo único do art. 1º desta Lei. (Incluído pela Lei nº 13.019, de
2014) (Vigência)
Quanto ao inciso III pode-se pensar no exemplo de uma organização social, que
celebrou um convênio com a Administração Pública e recebeu recursos em razão disso. Ela
terá que prestar contas pelos recursos que foram repassados e chegará o momento em que
haverá a última prestação de contas como o inciso menciona. Entregue a prestação de contas
final, a Administração Pública ou o Ministério Público terá o prazo de cinco anos para ajuizar
a ação de improbidade.
Muitas vezes, o que acontece é que o Ministério Público resolve ajuizar uma ação
de improbidade 20 anos depois da prestação ter sido juntada perante a Administração, caso
em que o administrador não tem mais como se defender. O Estado não pode demorar tanto
tempo de modo que isso inviabilize o direito à ampla defesa. Ninguém guarda documentos
por tanto tempo.
Ex: Se o servidor for estadual, qual será a regra aplicada, a lei do Estado? Essa
disposição faz com que se tenha que ficar procurando qual é o prazo prescricional da pena de
demissão do servidor municipal, estadual. A prescrição variará de acordo com a regra legal
específica?
O problema maior é que a Lei 8.429/92 não menciona no art. 23 qual será o prazo
prescricional da ação de improbidade movida em face de uma série de agentes públicos que
o artigo menciona. Ex: O contratado temporariamente não é servidor, não ocupa cargo
efetivo, não ocupa cargo em comissão, mas desempenha uma função pública e não foi
mencionado pelo art. 23. Ex2: O estagiário, que o STJ já reconheceu que pode responder por
improbidade administrativa por desempenhar função pública, ainda que não seja
remunerado, não está no art. 23. Ex3: O juiz, o promotor, que podem ser condenados em
ação de improbidade e não há menção de qual regra prescricional será aplicada.
O que se tem defendido? O art. 23, I cuida de vínculos mais efêmeros, transitórios
e o inciso II, de vínculos mais duradouros. Por isso, um juiz, um promotor, que ocupam um
cargo vitalício, responderão pela regra do inciso II. Entretanto, o juiz é regido pela LOMAN e
não pela Lei 8.112/90. Mas, já que o vínculo é mais duradouro, o prazo é de 5 anos a contar
da ciência do fato, como está no art. 142 da Lei 8.112/90.
Assim, uma redação ruim da Lei 8.429/92 em relação a esse tema gera uma série
de polêmicas e dúvidas, que são sanadas pelos autores que escrevem sobre improbidade ou
pelo STJ.