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DIREITO ADMINISTRATIVO

Professor Valter Shuenquener

AULA IX

Parte 1/4

1) Bens públicos (continuação)


a) Classificação
• Quanto a destinação

Essa classificação separa os bens em bens de uso comum do povo, bens de uso
especial e bens dominicais (alguns chamam de bens dominiais. O professor adota a corrente
que não vislumbra diferença na nomenclatura dominicais/dominiais e José dos Santos
Carvalho Filho menciona isso). Eventualmente, se encontra na doutrina e até o próprio José
dos Santos Carvalho Filho cita, a ideia de que os bens públicos dominicais são aqueles que
não estão afetados e os dominiais se referem ao gênero, isso é, a todos os bens integrantes
do patrimônio público.

Essa classificação aparece no art. 99, CC. Não se trata de uma novidade do Código
Civil atual, pois era previsto no art. 66, CC/1916. Os Códigos não definem o que são bem de
uso comum do povo e bem especial, apenas dão exemplos. Eles trazem uma aproximação do
conceito de bem dominical.

Art. 99, CC/2002. São bens públicos:

I - os de uso comum do povo, tais como rios, mares, estradas, ruas e praças;

II - os de uso especial, tais como edifícios ou terrenos destinados a serviço ou estabelecimento da


administração federal, estadual, territorial ou municipal, inclusive os de suas autarquias;

III - os dominicais, que constituem o patrimônio das pessoas jurídicas de direito público, como objeto
de direito pessoal, ou real, de cada uma dessas entidades.

Parágrafo único. Não dispondo a lei em contrário, consideram-se dominicais os bens pertencentes às
pessoas jurídicas de direito público a que se tenha dado estrutura de direito privado.

Material elaborado por Denise Franco


Não se pode confundir a classificação do bem quanto a destinação com as formas
de utilização dos bens públicos. Pode haver uma situação em que o bem de uso comum do
povo estará submetido ao uso privativo, isso é, situação em que o uso por uma pessoa
dependerá de consentimento.

O uso de um bem público pode ser uso comum ordinário, uso comum
extraordinário ou uso privativo, segundo Maria Sylvia Zanella di Pietro (nos demais autores
os nomes variam). O “uso comum ordinário” ou “uso simples” não depende do
preenchimento de qualquer condição. Ex: a pessoa vai a uma praia no horário que quiser (de
madrugada, de dia, à tarde), não precisa pagar nada, não depende da anuência de quem quer
que seja.

Por sua vez, o “uso comum extraordinário” do bem público depende do


consentimento estatal ou do preenchimento de alguma condição ou requisito. Ex: uma
rodovia federal é um exemplo de bem de uso comum do povo, mas não se pode andar nela
com um caminhão acima da carga máxima permitida, não pagar pedágio, andar de bicicleta,
fazer cooper. Existem condições para o uso. É também chamado “bem de uso especial”.

Por fim, há o “bem de uso privativo”, também chamado por Hely Lopes Meirelles
como “bem de uso especial”. Cada autor usa uma nomenclatura, mas se vê que Hely
considera como de uso especial o uso comum extraordinário e o uso privativo, que é o uso de
bem público com caráter privativo. E é possível que o bem de uso comum do povo tenha,
ainda que em caráter excepcional, uso privativo. Ex: De 2019 para 2020 o prefeito da cidade
do Rio de Janeiro resolveu permitir que os quiosques das praias pudessem usar um espaço de
forma privativa na areia da praia e que, inclusive, vendesse ingressos para isso. Isso é uso
privativo de bem de uso comum do povo. Ex2: Prefeito que coloca a praça pública para
exploração comercial, com festas em determinados horários e dias. Isso é algo atípico, não
comum e o prefeito terá que avaliar o efeito disso politicamente. Do ponto de vista jurídico,
é possível que se tenha uso privativo de bem de uso comum do povo.

Bem de uso comum do povo é o bem público que está afetado. É o bem que,
portanto, está desempenhando uma função pública, a qual não está voltada para viabilizar a
prestação de um serviço público específico, como ocorre com bem de uso especial. O bem de

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uso comum do povo é o bem afetado para o interesse da coletividade, sem que haja a
necessidade dessa afetação para a prestação de um serviço público. Ex: uma praça, uma praia,
o mar - não é necessário que esses bens sejam afetados para a prestação de um serviço
público específico. Os bens de uso comum do povo não podem ser avaliados do ponto de
vista patrimonial. É impossível fazer uma avaliação patrimonial de uma praia. Quanto vale
uma praça, uma praia, o mar? Por isso, são chamados bens de domínio público para reforçar
a ideia de que integram o domínio público, mas não comportam qualquer avaliação
patrimonial.

Já os bens de uso especial são bens públicos que também estão afetados, mas que
a afetação se destina a viabilizar um serviço que é prestado pela administração. Ex: Hospital
público, escola pública, quartel general, prédio em que funciona o fórum. Esses bens também
são chamados bens patrimoniais indisponíveis. São bens que podem sofrer uma avaliação
patrimonial (Ex: é possível saber quanto vale o prédio em que funciona o fórum), mas, em
razão da afetação, eles não podem ser alienados enquanto estiverem afetados.

Os bens dominicais são bens públicos que não estão afetados, bens que integram
o patrimônio do poder público, mas que não comportam qualquer afetação. São chamados
de bens patrimoniais disponíveis e disponíveis porque podem ser alienados, desde que os
requisitos essenciais para a alienação de um bem público sejam observados.

A redação do parágrafo único do art. 99, CC é incompreensível, não faz sentido,


pois, quem são as pessoas de direito público a quem se tenha dado estrutura de direito
privado? O nome é dado em razão da estrutura. Se tem estrutura de direito privado, será
pessoa de direito privado. Também não faz sentido que essas pessoas sejam empresas
públicas e sociedades de economia mista, pois elas são pessoas de direito privado. Ainda que
se falasse “onde está ‘pessoas de direito público’, leia-se pessoas da administração pública a
que se tenha dado estrutura de direito privado”, os bens das estatais não são bens públicos
dominicais, mas bens privados. Igualmente, não se referem às fundações públicas de direito
privado, pois são pessoas de direito privado. Assim, o parágrafo único é incompreensível e a
doutrina critica o seu teor, de modo que não se deve dar muita relevância a essa redação.

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Existem as mais diversas formas de consentimento para o uso de bem público por
um particular e existem institutos de direito público e institutos de direito privado que
viabilizam a utilização de um bem público. Exemplo de instituto de direito privado: locação.
Não há unanimidade quanto ao tema. Hely Lopes Meireles diz que os bens públicos não
podem ser locados, porque se é locação, o que acontece na prática é uma concessão
remunerada. Então, para ele, somente os institutos de direito público se destinariam a
viabilizar o uso de um bem público. Mas, para a maioria da doutrina, locação também é
possível.

Os institutos de direito privado só podem ser empregados para viabilizar o uso de


um bem público se o bem não estiver afetado. Ex: é errado falar de locação de praia, praça,
rio, pois são bens que estão afetados. Já se for um imóvel do Poder Público que está
desocupado, é possível a locação daquele próprio bem público e isso é previsto no DL 9.760,
art. 86 e seguintes.

E existem institutos de direito público, como autorização de uso, permissão de


uso, concessão de uso, concessão de direito real de uso, concessão de uso para fins especiais
de moradia (MP 2.220). Então, existem as mais variadas formas. Para o professor Valter isso
é ineficiente e deveria haver um nome só e, no caso concreto, especificar as características
do consentimento. Mas, como há variadas formas de consentimento, às vezes isso é objeto
de pergunta na prova.

A concessão de uso tem natureza contratual e não tem precariedade. Se houver


extinção precoce da concessão de uso, caberá direito a indenização. Autorização de uso e
permissão de uso são institutos de consentimento que são precários. A concessão de uso deve
ser precedida de licitação. A autorização de uso não precisa ser precedida de licitação e a
permissão de uso, segundo Maria Sylvia Zanella di Pietro, só precisaria ser licitada se fosse
considerada contratual, quando há prazo ou condição para a permissão ser extinta. É a
chamada permissão condicionada ou qualificada. Isso é polêmico. O professor Valter, ao
tratar de ato administrativo, defende que até a autorização deveria ser precedida de licitação
se, no caso concreto, houver possibilidade de competição e, assim, também deveria haver na
permissão de uso de bem público.

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Um particular vai se beneficiar do uso de um bem público e isso pode ser rentável
e muito vantajoso para aquele. Se existirem interessados, como permitir uma contratação
direta? Dar muita relevância ao art. 2º, Lei 8.666/93 não parece o mais correto. Tal artigo
prevê em que casos a licitação é obrigatória. Ele prevê tentando dar concretude ao texto
constitucional e não é possível fazer uma leitura inversa “se não está na lei, não precisa
licitar”. A Constituição obriga a licitação e o papel da lei é de esclarecer o procedimento e não
de inviabilizar o dever constitucional de licitar.

Art. 2º, Lei 8.666/93 - As obras, serviços, inclusive de publicidade, compras, alienações, concessões,
permissões e locações da Administração Pública, quando contratadas com terceiros, serão
necessariamente precedidas de licitação, ressalvadas as hipóteses previstas nesta Lei.

Parágrafo único. Para os fins desta Lei, considera-se contrato todo e qualquer ajuste entre órgãos ou
entidades da Administração Pública e particulares, em que haja um acordo de vontades para a
formação de vínculo e a estipulação de obrigações recíprocas, seja qual for a denominação utilizada.

A doutrina defende duas opções: só quando for contratada é que a permissão


precisa de licitação e a permissão simples não precisa ser precedida; ou a permissão precisa
ser precedida de licitação e não a autorização, que não foi mencionada no art. 2º, Lei
8.666/93.

Quanto a cessão de uso (outro instituto para viabilizar o uso de um bem público),
existem os mais variados entendimentos sobre o alcance da cessão. Para alguns a cessão tem
que ocorrer no âmbito de uma mesma pessoa jurídica. Já segundo Diogo de Figueiredo, não
pode ser na mesma pessoa jurídica, pois não é cessão. Ex: Secretaria de Justiça cede
gratuitamente o uso de um imóvel à Secretaria de Educação. Muitos vão dizer que isso é
cessão e Diogo de Figueiredo diz que não é cessão por estar no âmbito de uma mesma pessoa
jurídica e que teria que ser em relação a outra pessoa jurídica.

A cessão pode beneficiar particular, isso é, a cessionária pode ser um particular?


Não, teria que ser só no âmbito da Administração Pública. Mas, a Lei 9.636/98, ao tratar da
cessão, permite que ela atinja particulares e os beneficie. Normalmente, o que se diz é que a
cessão tem caráter gratuito, mas até isso é questionado, porque a Lei 9.636/98 permite a
cessão com condições, então não é integralmente gratuita.

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Art. 18, Lei 9.636/98 - A critério do Poder Executivo poderão ser cedidos, gratuitamente ou em
condições especiais, sob qualquer dos regimes previstos no Decreto-Lei no 9.760, de 1946, imóveis da
União a:

I - Estados, Distrito Federal, Municípios e entidades sem fins lucrativos das áreas de educação, cultura,
assistência social ou saúde; (Redação dada pela Lei nº 11.481, de 2007)

II - pessoas físicas ou jurídicas, em se tratando de interesse público ou social ou de aproveitamento


econômico de interesse nacional. (Redação dada pela Lei nº 11.481, de 2007)

§ 1º A cessão de que trata este artigo poderá ser realizada, ainda, sob o regime de concessão de
direito real de uso resolúvel, previsto no art. 7º do Decreto-Lei nº 271, de 28 de fevereiro de 1967,
aplicando-se, inclusive, em terrenos de marinha e acrescidos, dispensando-se o procedimento
licitatório para associações e cooperativas que se enquadrem no inciso II do caput deste
artigo. (Redação dada pela Lei nº 11.481, de 2007)

Quanto ao art. 18, caput, muitos autores mencionam só “gratuitamente” e na


prova é cobrado “gratuitamente ou em condições especiais”. Trata-se de uma regra da União,
mas muitos Estados e Municípios, ao legislar sobre o tema da cessão (é competência de cada
ente da federação a disponibilização do uso do seu bem), repetem o que está na Lei 9.636/98.

Pelo inciso I pode ser um particular: uma OS, uma OSCIP.

O art. 18, §1º gera confusão, pois a cessão do direito real de uso é outro instituto,
que inaugura um direito real resolúvel e que o concessionário terá que dar ao imóvel objeto
da concessão uma destinação específica. A própria lei aproxima a cessão de uso da concessão
do direito real de uso. Os demais parágrafos e a lei regulamentam a cessão de uso no âmbito
federal.

É importante saber que o bem público pode ser utilizado por particulares, por
meio dos mais diversos institutos, alguns precários e outros que não tenham característica da
precariedade.

b) Regime jurídico dos bens públicos

Trata-se do tema mais importante da matéria bens públicos.

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O enquadramento do bem como bem público faz com que ele tenha quais
características? Isso é preciso saber, pois é muito cobrado em prova.

São 4 características:

▪ Alienabilidade condicionada;
▪ Impenhorabilidade;
▪ Imprescritibilidade; e
▪ Não onerabilidade

Essa quarta característica não é aceita por todos, mas é majoritária e é cobrada
em provas.

• Alienabilidade condicionada

Alguns autores dizem que os bens públicos têm como característica a


inalienabilidade. Até pouco tempo atrás o professor Valter dizia que isso não parecia ser
muito correto, pois os bens públicos podem ser alienados. Hoje, dizer que um bem público é
inalienável é errado, pois o que há em relação aos bens públicos é a necessidade de
observância de algumas regras, de alguns requisitos para o bem poder ser alienado. Por isso,
o certo é falar alienabilidade condicionada.

Parte 2/4

O primeiro requisito a ser observado para a alienação de um bem público é a


desafetação. Trata-se do esvaziamento da função pública que um bem desempenha. Ele não
pode estar afetado a uma função pública. A afetação e a desafetação ocorrem de forma
expressa ou tácita. A desafetação é expressa quando resulta de uma lei ou de um ato
administrativo. O mesmo vale para a afetação: uma lei, um decreto ou um ato administrativo
dá a um bem uma função pública e isso é chamado de afetação expressa.

Já a desafetação tácita resulta de um comportamento da Administração Pública


ou mesmo de um fenômeno da natureza. Ex: pode acontecer de uma enchente inviabilizar o
uso de um prédio que era utilizado como escola, com necessidade de demolição do prédio e
retirada dos alunos da escola.

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Muitos autores, entre eles Maria Sylvia Zanella Di Pietro, não aceitam a
desafetação tácita provocada por um comportamento do administrado, ou seja, o particular
não mais utilizando o bem e isso sendo encarado como uma desafetação. Ela diz que uma rua
não deixa de ser rua pelo fato de ninguém mais a estar utilizando.

O bem, tendo sido desafetado, pode ser alienado. Ex: uma praça pública,
enquanto for praça, não pode ser alienada, mas, uma vez que se torne terreno da estrutura
do Município, deixando de ser praça, poderá ser alienado. Isso fica claro com os art. 100 e
101, CC:

Art. 100, CC - Os bens públicos de uso comum do povo e os de uso especial são inalienáveis, enquanto
conservarem a sua qualificação, na forma que a lei determinar.

Art. 101, CC - Os bens públicos dominicais podem ser alienados, observadas as exigências da lei.

As exigências mais famosas são as contidas no art. 17, Lei 8.666/93:

Art. 17, Lei 8.666 -. A alienação de bens da Administração Pública, subordinada à existência de
interesse público devidamente justificado, será precedida de avaliação e obedecerá às seguintes
normas:

I - quando imóveis, dependerá de autorização legislativa para órgãos da administração direta e


entidades autárquicas e fundacionais, e, para todos, inclusive as entidades paraestatais, dependerá
de avaliação prévia e de licitação na modalidade de concorrência, dispensada esta nos seguintes casos:

a) dação em pagamento;

b) doação, permitida exclusivamente para outro órgão ou entidade da administração pública, de


qualquer esfera de governo, ressalvado o disposto nas alíneas f, h e i; (Redação dada pela
Lei nº 11.952, de 2009)

c) permuta, por outro imóvel que atenda aos requisitos constantes do inciso X do art. 24 desta Lei;

d) investidura;

e) venda a outro órgão ou entidade da administração pública, de qualquer esfera de


governo; (Incluída pela Lei nº 8.883, de 1994)

f) alienação gratuita ou onerosa, aforamento, concessão de direito real de uso, locação ou permissão
de uso de bens imóveis residenciais construídos, destinados ou efetivamente utilizados no âmbito de

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programas habitacionais ou de regularização fundiária de interesse social desenvolvidos por órgãos
ou entidades da administração pública; (Redação dada pela Lei nº 11.481, de 2007)

g) procedimentos de legitimação de posse de que trata o art. 29 da Lei no 6.383, de 7 de dezembro de


1976, mediante iniciativa e deliberação dos órgãos da Administração Pública em cuja competência
legal inclua-se tal atribuição; (Incluído pela Lei nº 11.196, de 2005)

h) alienação gratuita ou onerosa, aforamento, concessão de direito real de uso, locação ou permissão
de uso de bens imóveis de uso comercial de âmbito local com área de até 250 m² (duzentos e cinqüenta
metros quadrados) e inseridos no âmbito de programas de regularização fundiária de interesse social
desenvolvidos por órgãos ou entidades da administração pública; (Incluído pela Lei nº
11.481, de 2007)

i) alienação e concessão de direito real de uso, gratuita ou onerosa, de terras públicas rurais da União
e do Incra, onde incidam ocupações até o limite de que trata o § 1o do art. 6o da Lei no 11.952, de 25
de junho de 2009, para fins de regularização fundiária, atendidos os requisitos legais;
e (Redação dada pela Lei nº 13.465, 2017)

II - quando móveis, dependerá de avaliação prévia e de licitação, dispensada esta nos seguintes casos:

a) doação, permitida exclusivamente para fins e uso de interesse social, após avaliação de sua
oportunidade e conveniência sócio-econômica, relativamente à escolha de outra forma de alienação;

b) permuta, permitida exclusivamente entre órgãos ou entidades da Administração Pública;

c) venda de ações, que poderão ser negociadas em bolsa, observada a legislação específica;

d) venda de títulos, na forma da legislação pertinente;

e) venda de bens produzidos ou comercializados por órgãos ou entidades da Administração Pública,


em virtude de suas finalidades;

f) venda de materiais e equipamentos para outros órgãos ou entidades da Administração Pública, sem
utilização previsível por quem deles dispõe.

O art. 17 trata da alienação de bens públicos e possui dois incisos. O primeiro


inciso cuida especificamente da alienação de bens imóveis e o segundo da alienação de bens
públicos móveis e, ao longo dos incisos, tem-se alíneas de caso de dispensa de licitação para
a alienação respectivamente de bens imóveis e móveis.

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Então, o art. 17 traz especificações dos requisitos. Além da desafetação, o
administrador vai precisar apresentar as razões de interesse público para a alienação (ele tem
que colocar no processo as razões pelas quais aquele terreno deve ser alienado, qual a
necessidade da alienação).

Avaliação prévia é o terceiro requisito para a alienação de bens públicos.

Há um problema. O inciso I menciona que a alienação de bens imóveis dependerá


de autorização legislativa. Assim, não há dúvidas que a alienação de um bem público imóvel
depende de autorização legislativa. O inciso II não menciona a exigência de autorização
legislativa para a alienação de bens móveis. Isso faz com que nas provas de concurso e
também na literatura (como em Maria Sylvia Zanella Di Pietro), surja a tese de que a alienação
de bens móveis não depende de autorização legislativa, mas apenas a alienação de bens
públicos imóveis.

Por que essa regra? A primeira resposta seria de que os bens imóveis são mais
valiosos e de que seria inviável uma lei para a alienação de cada bem móvel. Entretanto, o
professor entende que esse argumento não se sustenta, pois não se sabe se o bem móvel vale
realmente menos do que o imóvel. O controle de uma sociedade de economia mista que é de
titularidade do Poder Público, é resultante da titularidade de bens móveis, isso é, de valores
mobiliários. Quando se aliena esse controle, se aliena bens móveis. Na ADI 5.624, o STF
decidiu, ainda que em cautelar, que a alienação de estatais e, portanto, do controle da estatal,
depende de autorização legislativa.

A necessidade da autorização legislativa não decorre do fato de ser móvel ou


imóvel, mas da necessidade dos representantes do povo poderem consentir com a prática
desse ato que ultrapassa os limites ordinários/as competências ordinárias das funções do
administrador.

No Judiciário, atos que devem ser praticados por um tutor, por um curador, atos
de alienação, de disposição patrimonial, demandam autorização do juiz. Então, há sempre a
necessidade de consentimento de outro. No caso dos bens públicos, como essa alienação vai
além da função de administrar regularmente, deveria haver autorização legislativa.

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O STF nem admite que essa autorização venha por medida provisória. Tem que
ser lei em sentido formal. Em sentido material MP tem força de lei, mas em sentido formal
não é lei, não é editada pelos representantes do povo. Isso foi analisado pelo STF quando o
governador de Tocantins, no passado, tentou prever, por medida provisória, que ele poderia
doar bens do Estado a entidades filantrópicas e o STF disse que tinha que ser lei em sentido
formal.

O fato do bem ser móvel não desobriga a Administração de obter uma autorização
legislativa.

José dos Santos Carvalho Filho chega a dizer que se for bem imóvel, a lei tem que
ser específica para cada bem imóvel, enquanto que se for bem móvel a autorização legal pode
ser genérica.

Na prática, essa autorização legislativa para a venda de bens imóveis é genérica.

A Lei 9.636/98, art. 23, prevê que pode haver delegação da prerrogativa de alienar
para o chefe do Poder Executivo. É possível que a alienação ocorra sem a observância de uma
lei para cada imóvel específico.

A alienação de bens imóveis da administração federal não depende de uma lei


para cada imóvel específico.

Art. 23, Lei 9.636/98 - A alienação de bens imóveis da União dependerá de autorização, mediante ato
do Presidente da República, e será sempre precedida de parecer da SPU quanto à sua oportunidade e
conveniência.

§ 1º A alienação ocorrerá quando não houver interesse público, econômico ou social em manter o
imóvel no domínio da União, nem inconveniência quanto à preservação ambiental e à defesa nacional,
no desaparecimento do vínculo de propriedade.

§ 2º A competência para autorizar a alienação poderá ser delegada ao Ministro de Estado da Fazenda,
permitida a subdelegação.

O Presidente da República autoriza e pode delegar ao Ministro da Economia.


Então, não há uma lei para cada imóvel específico a ser alienado.

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Em prova, normalmente é cobrada letra de lei quanto a exigência de autorização
legislativa para a alienação de bens imóveis e móveis. Assim, a letra da Lei 8.666/93 não exige
autorização legislativa para a alienação de bens móveis, só para a alienação de bens imóveis.

Continuando no art. 17, Lei 8.666/93, o inciso I menciona “licitação na modalidade


concorrência”. A alienação de bens imóveis deverá, como regra, ser precedida de licitação na
modalidade concorrência. “Como regra”, porque, eventualmente, pode ocorrer a dispensa de
licitação e porque o art. 17, I, Lei 8.666/93 precisa ser lido em conjunto com o art. 19 da Lei
8.666/93. O art. 19 prevê que em hipóteses específicas de alienação de um bem imóvel pode
ser precedida de concorrência ou de leilão. A alienação de bem imóvel pode ocorrer por meio
de leilão em dois casos: quando o imóvel tiver sido adquirido em razão de dação em
pagamento ou em razão de um processo judicial.

Ex: a União adjudicou um imóvel e em uma execução fiscal poderá alienar o bem
por meio do leilão e não só da concorrência.

Na alienação de bens móveis há a licitação na modalidade de leilão, que é a


licitação destinada, nos termos do art. 22, §4º, Lei 8.666/93, à alienação de bens móveis
inservíveis para a administração ou, então, o caso será de dispensa de licitação.

• Impenhoralibilidade

Os bens públicos não podem ser penhorados, isso é, não podem ser atingidos por
uma medida judicial de constrição a fim de que o bem responda pela dívida do executado.

São vários os argumentos levantados para se chegar à conclusão da


impenhorabilidade. O primeiro deles é o de que os bens públicos são impenhoráveis, porque
a Fazenda Pública paga as suas obrigações por meio do sistema de requisitório (precatório ou
RPV). Então, não faria sentido penhorar bens públicos considerando que a dívida vai ser
quitada por meio do requisitório, após o trânsito em julgado. Como o patrimônio da Fazenda
Pública não responde pelas obrigações contraídas no processo judicial, não faz sentido falar
de penhora de bem público.

Outro argumento frequente que leva à conclusão da impenhorabilidade é o de


que os bens públicos, caso pudessem ser penhorados, seriam alienados em hasta pública, o

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que poderia comprometer a continuidade do serviço público. Portanto, o princípio da
continuidade do serviço público leva a conclusão da impenhorabilidade dos bens públicos.

O professor Valter faz aqui uma ressalva. Nem todos os bens são afetados, mas
os bens dominicais não podem ser penhorados. Sendo um bem de uso comum do povo ou
um bem de uso especial, fica mais fácil dizer que o princípio da continuidade do serviço
público impede a impenhorabilidade.

E mesmo em relação ao primeiro argumento do pagamento por requisitório,


alguém poderia dizer que é possível ter bem público no patrimônio de pessoas que nem
integram a administração, como uma concessionária que preste serviço público. Os bens
dessa concessionária que estejam afetados a prestação de serviço poderiam ser considerados
bens públicos em razão da afetação e essas pessoas não pagam as suas obrigações por meio
de precatório. Alguém poderia dizer que ela vai pagar com o seu patrimônio e vai poder ter
bens penhorados e porque não pode penhorar se ela não paga por precatório? Aí vale a
afetação, isso é, o bem está afetado e, por isso, ele é público e não vai poder penhorar. Se
penhorar, vai vender em hasta pública e há uma situação que pode comprometer a
continuidade do serviço público. Um argumento reforça o outro.

Outro argumento, mais amplo e incontroverso é o de que se fosse permitida a


penhora do bem público, ele seria alienado em hasta pública sem a observância dos requisitos
que devem ser atendidos para a alienação de um bem público. Ele será vendido em hasta
pública e o Poder Público não vai cumprir todos aqueles requisitos como o da desafetação,
apresentação das razões de interesse público de forma justificada. Então, seria impensável a
penhora.

Dito isso, encontra-se principalmente na jurisprudência do STJ alguns casos em


que há uma certa mitigação desse dogma da impenhorabilidade dos bens públicos. Não se
trata de uma exceção pura, mas de uma mitigação. Ex: ações de fornecimento de
medicamentos. É muito comum que a parte ajuíze uma ação pedindo a condenação do Estado
a pagar ou a fornecer medicamentos. Muitas vezes, o juiz manda entregar o medicamento
em tantas horas, a Fazenda descumpre, ele aplica multa. Em alguns casos, o Judiciário tem
determinado o bloqueio na conta bancária da Fazenda Pública da quantia necessária para a

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parte autora adquirir o medicamento. Verifica-se que o remédio custa R$100.000,00 para o
tratamento ao longo de um ano. Vem uma decisão judicial antes do trânsito em julgado e
bloqueia R$100.000,00 na conta do Estado (bem público, dinheiro público) e determina a
entrega dessa quantia à parte autora. Tecnicamente é penhora de dinheiro, apesar de usarem
o nome bloqueio, mas é uma penhora de dinheiro. A parte autora tem que prestar contas de
que comprou o medicamento. O fato é que se tem uma situação em que, antes do trânsito
em julgado, o bem público sofreu uma constrição. Isso já foi analisado pelo STJ, que
reconheceu a existência de um conflito envolvendo, de um lado a regra constitucional que
condiciona o pagamento à expedição do requisitório (art. 100, CRFB/88) e, de outro lado, o
valor de proteção à vida, à integridade física, à dignidade da pessoa humana. O STJ tem
prestigiado esses valores constitucionais quando faz essa ponderação, de modo que isso é
uma situação que mitiga a característica da impenhorabilidade e com respaldo da
jurisprudência do STJ.

A Lei das PPP (Lei 11.079/2004) prevê o fundo garantidor de parcerias, que nada
mais é do que um fundo de direito privado que recebe recursos de origem pública e que se
destina a garantir as obrigações do parceiro público em uma parceria público-privada. Se o
Poder Público contratar uma PPP e não pagar, ele vai ter bens deste fundo FGV respondendo
pelas obrigações contraídas, podendo ser penhorados. Houve muita discussão e se apontou
que isso era uma violação à impenhorabilidade dos bens públicos. Na verdade, o dinheiro era
público e, a partir do momento em que foi introduzido no fundo, se tornou privado e isso
legitima a penhora. Até porque, se não for assim, será preciso defender precatório em PPP e
isso afasta investimento no Brasil. Ex: Um banco estrangeiro investindo 50 bilhões de dólares
em uma PPP, recebe a informação de que se o Estado não pagar esse valor que está sendo
emprestado, terá que esperar um precatório. Pelo sistema atual, o banco vai atrás dos
recursos que estão no fundo e que servem como garantia. Eram recursos públicos e passaram
a ser bens privados. A própria Lei 11.079/04 além de dizer que esse fundo tem natureza
privada, permite a afetação desses recursos a PPP específicas. Então, ele acaba tendo a função
pública de garantir aquela específica PPP. O professor Valter não vê problema na penhora ou
na alienação forçada de bem do FGP pela inadimplência do parceiro público em uma parceria
público-privada.

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Portanto, impenhorabilidade é uma característica dos bens públicos. Há as
exceções do STJ, especialmente no tocante ao fornecimento de medicamento. E, no caso da
Lei das PPP não parece ao professor estarmos diante de uma exceção, pois o bem do fundo é
bem privado, que pode ser penhorado, ainda que na origem ele fosse um bem público.

Isso acontece também com as empresas públicas. Para a formação de uma


empresa pública ou mesmo de uma sociedade de economia mista, dinheiro público é injetado
para a formação do capital e, a partir do momento em que ele é incorporado ao patrimônio
das estatais, o bem se torna privado e, portanto, passível de ser penhorado, de modo que não
são exemplos de exceção à impenhorabilidade.

Parte 3/4

• Imprescritibilidade

Os bens públicos não podem sofrer usucapião. O nome é imprescritibilidade,


porque não há prescrição aquisitiva da propriedade pelo particular em razão da posse por
longo prazo e inércia do Poder Público. Os bens públicos não podem ser adquiridos dessa
forma.

O Poder Público pode usucapir bens, mas os seus bens não podem sofrer
usucapião. Existem diversos argumentos para essa impossibilidade: a usucapião poderia
comprometer a continuidade do serviço público; se o bem puder ser transferido por
usucapião, ele será alienado sem a observância das regras e dos requisitos legais para a
alienação do bem público ao particular.

A CRFB/88 prevê em dois artigos a proibição expressa de usucapião de imóveis


públicos: art. 183, §3º e art. 191, parágrafo único.

Art. 191, parágrafo único, CRFB/88 - Os imóveis públicos não serão adquiridos por usucapião.

Art. 183, § 3º, CRFB/88 - Os imóveis públicos não serão adquiridos por usucapião.

O CC, art. 102 vai além dos imóveis e diz que os bens públicos não estão sujeitos
à usucapião.

Material elaborado por Denise Franco


Art. 102, CC - Os bens públicos não estão sujeitos a usucapião.

Por mais que o art. 102, CC fale de forma mais ampla do que a Constituição,
abrangendo móveis e imóveis, o constituinte se preocupou com a situação que é mais
problemática, que é a discussão da usucapião em relação a imóveis. Quando ele proibiu a
usucapião de bens imóveis também quis proibir de todo e qualquer bem público e a prova
disso é a súm. 340, STF, que anuncia que, desde a vigência do CC/1916, os bens dominicais
como os demais bens públicos não podem ser adquiridos por usucapião.

Súm. 340, STF - Desde a vigência do Código Civil, os bens dominicais, como os demais bens públicos,
não podem ser adquiridos por usucapião.

Isso é importante frisar, porque a leitura conjunta da súm. 340, STF com o texto
constitucional e o Código Civil leva à inequívoca confusão de que os bens públicos, ainda que
não estejam afetados, ainda que sejam dominicais, não podem ser usucapidos.

Alguns dizem que a função social da propriedade deveria levar à conclusão que os
bens dominicais (aqueles que não estão afetados e estão abandonados) podem ser
usucapidos. O professor Valter entende que deve ser pensada para o futuro a usucapião de
bem público dominical, mas o fato é que o ordenamento jurídico brasileiro proíbe a usucapião
de bem público, inclusive dominical e o STF já se debruçou a respeito desse tema há algum
tempo. Por isso, o professor não é adepto das teorias favoráveis à usucapião.

A imprescritibilidade gera problemas sérios na sociedade, pois as pessoas não


conseguem regularizar a propriedade. O que costuma acontecer são episódicas tentativas de
regularização da posse de quem está ocupando ou possuindo um imóvel público como se
proprietário fosse. Então, o sujeito não vai conseguir usucapir ou se tornar proprietário, mas
conseguirá regularizar a posse.

Durante o séc. XX, houve momentos em que o bem público poderia ser
excepcionalmente usucapido. A leitura das Constituições de 1934, 1937 e 1946 leva à
conclusão de que seria possível a usucapião pro labore, que é a usucapião de terras públicas
em razão da exploração do bem com trabalho, o que é bem explicado por Maria Silvia Zanella
di Pietro. A usucapiçao pro labore acabou com a Carta de 1967 e com a Emenda I de 1969 e o

Material elaborado por Denise Franco


instituto foi substituído pela legitimação de posse, que não viabiliza a usucapião, mas apenas
incentiva a regularização da posse. O STF sempre proibiu a usucapião de bens públicos e a
súmula 340, STF remete ao Código Civil de 1916. Com a CRFB/88 isso ficou reforçado e com o
Código Civil de 2002 mais ainda. Entretanto, existiam situações excepcionais toleradas pelas
Constituições de 1934, 1937 e 1946 e a partir de 1967 isso não foi mais admitido.

A legitimação de posse aparece na Lei 6.383/76. O art. 29 traz a seguinte regra:

Art. 29, Lei 6.383/76 - O ocupante de terras públicas, que as tenha tornado produtivas com o seu
trabalho e o de sua família, fará jus à legitimação da posse de área contínua até 100 (cem) hectares,
desde que preencha os seguintes requisitos:

I - não seja proprietário de imóvel rural;

II - comprove a morada permanente e cultura efetiva, pelo prazo mínimo de 1 (um) ano.

§ 1º - A legitimação da posse de que trata o presente artigo consistirá no fornecimento de uma Licença
de Ocupação, pelo prazo mínimo de mais 4 (quatro) anos, findo o qual o ocupante terá a preferência
para aquisição do lote, pelo valor histórico da terra nua, satisfeitos os requisitos de morada
permanente e cultura efetiva e comprovada a sua capacidade para desenvolver a área ocupada.

§ 2º - Aos portadores de Licenças de Ocupação, concedidas na forma da legislação anterior, será


assegurada a preferência para aquisição de área até 100 (cem) hectares, nas condições do parágrafo
anterior, e, o que exceder esse limite, pelo valor atual da terra nua.

§ 3º - A Licença de Ocupação será intransferível inter vivos e inegociável, não podendo ser objeto de
penhora e arresto.

Licença é um consentimento, um ato vinculado.

O artigo não garante a usucapião, mas garante o direito de ocupar o bem por, no
mínimo, quatro anos e, após, havendo alienação pelo poder público, o direito de preferência.
Entretanto, terá que pagar o valor histórico para adquirir o bem.

Mais recentemente, passou-se a ter o instituto de concessão de uso especial para


fins de moradia e a autorização de uso especial para fins comerciais, institutos que aparecem
na MP 2.220 e que surgem com o objetivo de reduzir os problemas sociais decorrentes da
imprescritibilidade.

Material elaborado por Denise Franco


Quando o Estatuto da Cidade foi aprovado em 2001, havia uma previsão no
projeto de lei do estatuto que gerou a Lei 10.257/2001, no sentido da concessão de uso
especial para fins de moradia. Mas, a redação não estava boa e incentivada a invasão do
espaço público, de modo que o Presidente Fernando Henrique Cardoso vetou essa parte que
constava no projeto de lei e se comprometeu a enviar e aprovar uma medida provisória sobre
esse tema. Essa medida é provisória, mas está em vigor, sendo reeditada desde 2001. Trata-
se da MP 2.220 e nela está a concessão de uso especial. Segundo essa medida provisória, se
pessoa estava ocupando o bem até uma determinada data do passado (tem que ser do
passado, se não, estimula a invasão do espaço público), pode receber a concessão de uso.

A MP começa “Aquele que, até 30 de junho de 2001 (...)” e garantiu o direito. Isso
deu tão certo e evitou tantos problemas de regularização do espaço público, que foi alterada
pela MP 759, depois convertida na Lei 13.465/2017, com a seguinte redação:

Art. 1º, MP 2.220 - Aquele que, até 22 de dezembro de 2016, possuiu como seu, por cinco anos,
ininterruptamente e sem oposição, até duzentos e cinquenta metros quadrados de imóvel público
situado em área com características e finalidade urbanas, e que o utilize para sua moradia ou de sua
família, tem o direito à concessão de uso especial para fins de moradia em relação ao bem objeto da
posse, desde que não seja proprietário ou concessionário, a qualquer título, de outro imóvel urbano ou
rural. (Redação dada pela lei nº 13.465, de 2017)

Trata-se de mais um instituto destinado a ajudar o possuidor de um bem público,


não garantindo a usucapião, mas garantindo a legitimidade da sua posse. É um instituto que
reforça a Lei 6.383 e cria outra situação com outros requisitos para a legitimação da posse.

O instituto concessão de uso tem a natureza jurídica de contrato, que pressupõe


um acordo de vontade entre as partes contratantes. A concessão de uso especial para fins de
moradia não é um contrato. O nome está esquisito e errado. É o direito subjetivo do
concessionário de ter a concessão e é até um ato vinculado. Preenchidos os requisitos
legalmente previstos (“possuir por cinco anos ...”), o particular terá direito de receber essa
concessão. Essa natureza jurídica já foi cobrada em prova da magistratura. Então, a concessão
de uso especial para fins de moradia é um ato vinculado.

O art. 9º, MP 2.220 estipula:

Material elaborado por Denise Franco


Art. 9º, MP 2.220 - É facultado ao poder público competente conceder autorização de uso àquele que,
até 22 de dezembro de 2016, possuiu como seu, por cinco anos, ininterruptamente e sem oposição,
até duzentos e cinquenta metros quadrados de imóvel público situado em área com características e
finalidade urbanas para fins comerciais. (Redação dada pela lei nº 13.465, de 2017)

§1º A autorização de uso de que trata este artigo será conferida de forma gratuita.

§2º O possuidor pode, para o fim de contar o prazo exigido por este artigo, acrescentar sua posse à
de seu antecessor, contanto que ambas sejam contínuas.

§3º Aplica-se à autorização de uso prevista no caput deste artigo, no que couber, o disposto nos art.
4o e 5o desta Medida Provisória.

Trata-se da concessão de uso especial para fins comerciais, que é um ato


unilateral e discricionário. O Poder Público pode autorizar o uso ou não. Há a
discricionariedade quanto a autorização, mas não quanto a avaliação dos requisitos. Há
requisitos muito claros e, mesmo que todos estejam preenchidos, o Poder Público pode não
querer autorizar o uso para fins comerciais.

Portanto, essa é uma tendência de se legitimar a posse e não a propriedade


pública, em razão do longo prazo de posse, como se proprietário fosse. Mesmo que a posse
seja animus domini, o que se legitima é a posse e não a propriedade pública em favor do
possuidor.

• Não onerabilidade

A não onerabilidade significa que os bens públicos não podem ser oferecidos em
garantia, não podem ser empenhados ou hipotecados, não podem ser gravados para garantir
uma obrigação.

Entra a mesma lógica. “Se vai pagar por precatório, porque precisa oferecer em
garantia”? A Fazenda Pública não responde com a alienação forçada dos seus bens que foram
oferecidos em garantia. Na penhora, o que se tem é uma medida judicial de constrição. Aqui
tem-se um ato voluntário da Administração, que ofereceria o bem para que ele passasse a
responder pela obrigação contraída. Assim, um dos argumentos é de que a Fazenda Pública
não responde com os seus bens pelas obrigações contraídas. Ela paga por precatório ou
requisição de pequeno valor.

Material elaborado por Denise Franco


Outro argumento é de que isso comprometeria a continuidade do serviço público,
porque o bem pode eventualmente ser alienado e inviabilizaria a continuidade do serviço.

De todos os atributos, este é o único que não encontra aceitação unânime.


Diógenes Gasparini é um dos que apresentam algumas considerações críticas sobre essa
característica. O fato é que, muito embora os bens públicos não possam ser penhorados,
quando se fala em oneração do bem ou da não onerabilidade ou não oneração, tem-se um
ato que foi iniciado por uma manifestação de vontade da Administração Pública, isso é, dela
querendo oferecer o bem em garantia. Fica a ideia de que os bens públicos podem ser
alienados e quem pode mais, pode menos. A pior coisa capaz de acontecer em razão do
oferecimento do bem em garantia é a sua alienação forçada em hasta pública. Mas, é uma
alienação que o Poder Público pode fazer se não quiser correr o risco do bem ser alienado em
hasta pública, então, ele não oferece em garantia. O professor Valter tende a adotar essa
corrente minoritária que defende que isso não é atributo e que os bens públicos poderiam
sim ser oferecidos em garantia, bastando, para tanto, que os requisitos necessários para a
alienação do bem fossem observados quando do oferecimento do bem em garantia de uma
dívida, pois, o pior que pode acontecer é o bem ser alienado em hasta pública.

Em uma prova, o normal é ter que dizer que a não onerabilidade é um dos
atributos, uma das características do regime jurídico dos bens públicos.

c) Bens públicos em espécie


• Terrenos de marinha

Os terrenos de marinha são, por previsão constitucional do art. 20, VII, bens da
União.

Art. 20, CRFB/88 - São bens da União:

VII - os terrenos de marinha e seus acrescidos;

Quando há um regime de aforamento, que é regulamentado pelo DL 9.760, existe


a possibilidade do particular ser proprietário do domínio útil do terreno de marinha.

Material elaborado por Denise Franco


Em prova, é possível que haja a pergunta “os terrenos de marinha podem ser de
particulares”. Trata-se de uma pergunta mal feita, mas a banca quer que diga que sim, pois
está se referindo ao domínio útil do terreno de marinha, que pode, eventualmente, ser de
um particular.

O DL 9.760/46 define terreno de marinha e o faz de forma semelhante que o


Código de Águas (Decreto 24.643/34).

Art. 2º, DL 9.760/46 - São terrenos de marinha, em uma profundidade de 33 (trinta e três) metros,
medidos horizontalmente, para a parte da terra, da posição da linha do preamar-médio de 1831:

a) os situados no continente, na costa marítima e nas margens dos rios e lagoas, até onde se faça
sentir a influência das marés;

b) os que contornam as ilhas situadas em zona onde se faça sentir a influência das marés.

Parágrafo único. Para os efeitos dêste artigo a influência das marés é caracterizada pela oscilação
periódica de 5 (cinco) centímetros pelo menos, do nível das águas, que ocorra em qualquer época do
ano.

Ex: No Oceano, há uma corrente navegável até um determinado ponto.

Pela definição legal, o terreno de marinha faz divisa com o mar na extensão de 33
metros e com a margem das correntes navegáveis, no trecho que sofre influência da maré. A
oscilação da maré é a oscilação do nível da corrente navegável em razão da influência do mar.
Como os rios desaguam nos mares, há o movimento de oscilação. Quanto mais próximo do
mar, maior a oscilação. Essa extensão de 33 m ocorre não apenas em relação ao mar, mas,
também, na corrente navegável.

Material elaborado por Denise Franco


Preamar tem origem na expressão latina plena mare, isso é, maré cheia. Assim, é
a média da maré cheia no ano de 1831. Há um momento único para o início do cálculo desses
33 metros e é preciso saber onde, em 1831, ficava a média da maré cheia. Pode acontecer
de, depois de 1831, ter um aterro de uma parte do oceano (isso aconteceu no Rio de Janeiro
com o Aterro do Flamengo, por exemplo). E aí não haverá um deslocamento do terreno de
marinha. A faixa é fixa, como se tivesse tirada uma foto em 1831, sem ser possível alterar
mais. E há um acrescido do terreno de marinha, que também é da União. O Aterro do
Flamengo é um acrescido do terreno de marinha.

E quando não conseguem calcular a linha do preamar-médio? Isso na prática é


muito comum. Nesse caso, é preciso considerar a faixa de jundu, que é uma vegetação
rasteira que normalmente aparece no final das praias. Se essa vegetação cresceu, foi porque
ali, provavelmente, não chegou água salgada do mar. Então, se há uma vegetação rasteira,
uma faixa dessa vegetação jundu, calculam-se os 33m a partir dali. Quando não há faixa de
jundu, cada juiz decide conforme entende melhor. O professor Valter determinava ao perito
que calculasse a média da maré cheia naquele momento.

Isso é importante na prática, porque muitas vezes o particular ajuíza ação de


usucapião de imóvel e é preciso saber onde começa e onde acaba o terreno de marinha,
lembrando que onde há não é possível a usucapião. O máximo que pode ocorrer é a usucapião
do domínio útil do terreno de marinha, mas não o terreno de marinha em si.

Assim, os terrenos de marinha são bens da União, com extensão de 33 metros,


contados da linha do preamar-médio de 1831. Podem situar-se não só na divisa com os mares,

Material elaborado por Denise Franco


mas, também, na divisa com as correntes navegáveis no trecho que sofrem a influência da
maré.

Parte 4/4

• Terrenos marginais ou reservados

A definição sobre terrenos marginais ou reservados está no DL 9.760/46, bem


como no Decreto 24.643/34 (Código de Águas). O art. 4º do DL 9.760/46 traz a definição de
terrenos marginais, que é semelhante à que aparece no Decreto de Águas de terrenos
reservados.

Art. 4º, DL 9.760/46 - São terrenos marginais os que banhados pelas correntes navegáveis, fora do
alcance das marés, vão até a distância de 15 (quinze) metros, medidos horizontalmente para a parte
da terra, contados dêsde a linha média das enchentes ordinárias.

Tem que ser fora do alcance das marés, porque se estiver ao alcance, é terreno
de marinha. O terreno de marinha é uma faixa estática, enquanto que o terreno reservado é
uma faixa de 15 metros contados desde a média das enchentes ordinárias e isso pode oscilar
ao longo dos anos. A faixa é menos extensa, menor. Essa faixa se situa na margem de uma
corrente navegável, fora da influência da maré. Se a corrente não for navegável, a faixa de
terra na margem terá 10m e será uma servidão de trânsito, conforme prevê o art. 12 do
Código de Águas.

Art. 12, Código de Águas - Sobre as margens das correntes a que se refere a última parte do nº 2 do
artigo anterior, fica somente, e dentro apenas da faixa de 10 metros, estabelecida uma servidão de
trânsito para os agentes da administração pública, quando em execução de serviço.

Hely Lopes Meirelles é lembrado por ter sustentado a tese, hoje minoritária, de
que os terrenos marginais ou reservados não seriam bens públicos. O que se teria é uma
servidão de trânsito, uma restrição quanto ao uso pleno da propriedade. Mas a área, segundo
ele, seria de propriedade privada. Ex: se a pessoa tem uma fazenda nessa extensão, para Hely
Lopes Meirelles, essa área de manobra seria do particular. Se é do particular, segundo ele, a
área pode ser usucapida e, eventualmente, ser incluída na desapropriação.

Material elaborado por Denise Franco


No passado, o tema chegou ao STF, que não concordou com esse entendimento
minoritário de Hely Lopes Meirelles de que terreno reservado não é bem público e, para
demonstrar a discordância, editou a súmula 479.

Súm. 479, STF - As margens dos rios navegáveis são de domínio público, insuscetíveis de expropriação
e, por isso mesmo, excluídas de indenização.

A redação da súmula não está 100% correta, porque é um erro dizer que um
imóvel por ser de domínio público não pode ser desapropriado, já que bens públicos podem
ser desapropriados. Mas, é possível entender a razão da súmula, que quis dizer que as
margens de rios navegáveis são áreas públicas e que o valor dessas áreas não será incluído na
indenização ao proprietário do bem. Então, o objetivo foi o de excluir da indenização o
terreno reservado ou o terreno marginal.

Assim, trata-se de bem público. A questão é saber a sua titularidade.

O art. 20, III, CRFB/88 prevê que são bens da União:

Art. 20, III, CRFB/88 - os lagos, rios e quaisquer correntes de água em terrenos de seu domínio, ou que
banhem mais de um Estado, sirvam de limites com outros países, ou se estendam a território
estrangeiro ou dele provenham, bem como os terrenos marginais e as praias fluviais;

Em uma interpretação literal do art. 20, III, CRFB/88 os terrenos marginais seriam
todos bens da União. No livro do professor Diogo de Figueiredo, quando ele comenta terrenos
marginais, consta que são bens de propriedade da União, conforme art. 20, III, CRFB/88.
Entretanto não é essa a corrente majoritária e não é esse o entendimento que vem sido
prestigiado pelos tribunais. O Código de Águas (Decreto 24.643) prevê em seu art. 31 a
seguinte regra:

Art. 31, Código de Águas - Pertencem aos Estados os terrenos reservados as margens das correntes e
lagos navegáveis, si, por algum título, não forem do domínio federal, municipal ou particular.

Parágrafo único. Esse domínio sofre idênticas limitações as de que trata o art. 29.

Como regra e a priori, os terrenos reservados são dos Estados, a não ser que, em
razão de algum título, sejam de propriedade da União, de Município ou de particulares.

Material elaborado por Denise Franco


Segundo José dos Santos Carvalho Filho, como regra, terrenos marginais não são
de particulares, mas nada impede que o proprietário público do bem, que como regra é o
Estado, proceda a alienação do terreno reservado ao particular. Na prática não acontece, mas
em tese é possível. A mesma coisa vale em relação aos Municípios: o que impede um
Município de adquirir de um Estado-membro um terreno reservado? Nada.

E quando seriam de propriedade da União? Seriam de propriedade da União,


excepcionalmente nas hipóteses do inciso III do art. 20, CRFB/88.

O inciso III do art. 20, CRFB/88 menciona que são bens da União, por exemplo, os
rios que banhem mais de um Estado. Ex: O rio Itapemirim banha os Estados do Rio de Janeiro
e do Espírito Santo; o rio Paraíba do Sul que banha São Paulo e Rio de Janeiro.

A construção que se faz é de que os terrenos marginais às margens dos rios


federais serão de propriedade da União. Então, não se faz, de forma majoritária, uma leitura,
até literal, do inciso III do art. 20, para dizer que todo terreno marginal será da União. Em
regra, são dos Estados, pois é isso que se extrai do Código de Águas.

E o inciso III do art. 20? Quando a CRFB/88 menciona que os terrenos marginais
são da União, não são todos, mas apenas aqueles que tem relação com o que é descrito no
próprio inciso.

• Terras devolutas

As terras devolutas são bens dominicais, bens públicos que não estão afetados a
um serviço público a uma função pública. Integram o patrimônio público, mas não
desempenham essa função pública. Por isso, as terras devolutas podem ser alienadas. Não há
nenhuma proibição.

Normalmente, são cobradas nas provas algumas situações excepcionais. O art.


225, §5º, CRFB/88 traz um exemplo excepcional de terras devolutas que não podem ser
alienadas:

Art. 225, § 5º, CRFB/88 - São indisponíveis as terras devolutas ou arrecadadas pelos Estados, por ações
discriminatórias, necessárias à proteção dos ecossistemas naturais.

Material elaborado por Denise Franco


As que não se enquadrarem na definição do §5º podem, a contrário senso, ser
alienadas, pois não estão afetadas.

Essas que se destinam a proteção dos ecossistemas naturais possuem uma função
pública específica e, portanto, não podem ser alienadas. É muito comum perguntarem em
prova sobre a propriedade em relação às terras devolutas (“A quem pertencem”?). É o que
está na Constituição: ou as terras devolutas serão de propriedade dos Estados-membros e,
como regra, são de propriedade dos Estados-membros por força do art. 26, IV, CRFB/88; ou
serão de propriedade da União (art. 20, II, CRFB/88)

Art. 26, CRFB/88 - Incluem-se entre os bens dos Estados:

IV - as terras devolutas não compreendidas entre as da União.

Art. 20, CRFB/88 - São bens da União:

II - as terras devolutas indispensáveis à defesa das fronteiras, das fortificações e construções militares,
das vias federais de comunicação e à preservação ambiental, definidas em lei;

Os Municípios não são proprietários de terras devolutas. A Constituição


mencionou que elas são dos Estados ou da União, mas nada impede que os Municípios
também adquiram terras devolutas. Historicamente, com a Constituição republicana de 1891,
as terras devolutas da Coroa foram transferidas aos Estados-membros, seguindo a lógica do
modelo norte-americano de incremento das competências e poderes dos Estados.
Entretanto, com os Municípios, muitas terras devolutas foram para eles. Então, os Municípios
também podem ser proprietários de terras devolutas, mas nunca dizer isso em uma prova. É
comum perguntarem sobre o que está na letra da Constituição e aí já é um aprofundamento.
Como esse tema é muito específico, o examinador não vai desenvolver. Já foram cobradas
em provas perguntas que consideravam Município ser proprietário de terras devolutas como
errado, pois a Constituição deu para os Estados ou para a União.

Essa expressão “terras devolutas”, “devoluto”, “devolução” tem origem no modo


como a propriedade pública foi transferida para particulares ao longo da história brasileira.
Na época do Brasil Colônia e isso avança um pouco no Brasil Império, apesar de menos, os
bens de raiz eram de propriedade pública e foram paulatinamente transferidos a particulares.

Material elaborado por Denise Franco


Essa transferência ocorreu, inicialmente, por meio dos institutos de concessão de domínio
(concessão de sesmarias, concessão de datas) em que se tinha uma transferência da
propriedade pública ao particular e de grandes extensões de terra, gerando os latifúndios, as
capitanias hereditárias. Entretanto, o particular que recebia as terras, recebia com o
compromisso de povoar aquele espaço e de explorá-lo economicamente, sob pena do bem
de raiz ser restituído ao domínio público. Então, quando se fala de terras devolutas, se está
falando de bens que foram transferidos a particulares e que regressaram ao domínio público
em virtude de não terem recebido uma destinação e uma função pública, de não terem sido
explorados.

Isso é importante comentar porque é comum haver discussão judicial sobre se


existe ou não uma presunção de domínio público quanto às terras devolutas. O particular
ajuíza uma ação de usucapião, o juiz determina a oitiva da Fazenda Pública Estadual,
Municipal, da União para se manifestar sobre aquilo. O particular pede que seja expedido
ofício ao Registro de Imóveis para saber quem é o proprietário daquela região e não é raro o
titular do cartório, o registrador do Registro de Imóveis informar ao juízo que expediu o ofício
que não sabe quem é o proprietário do imóvel. Quando acontece isso, normalmente, a
Fazenda Pública alega que, como não há menção quanto ao proprietário do imóvel no registro
de imóveis, isso significa que a propriedade é pública; que haveria uma presunção de domínio
público. E por que a tese da presunção de domínio público?

Como na origem os bens de raiz, os bens imóveis, eram públicos; e como não há
prova de que ele foi transferido a um particular, porque no Registro de Imóveis não há essa
menção, isso significa que ainda continuam como bens públicos. Isso é razoável do ponto de
vista teórico, tem uma lógica. E na doutrina se encontra, como em José dos Santos Carvalho
Filho, que faria sentido trabalhar com essa lógica.

O problema é que na prática a adoção séria dessa lógica gera injustiça. Ex: a
pessoa está com a sua família há 50 anos ocupando, como se proprietária fosse, um imóvel.
O cartório do Registro de Imóveis diz que não sabe se o bem é público ou privado. Vem o
Poder Público e diz que como não há menção de quem é o proprietário, então é público e que

Material elaborado por Denise Franco


o pedido de usucapião tem que ser julgado improcedente. Isso gera injustiça porque vai
inviabilizar a regularização da propriedade naquele momento.

O STJ já decidiu por mais de uma vez - e o STF também – que não há presunção
de domínio público em relação às terras devolutas. Não cabe ao Poder Público alegar
genericamente que o bem é público sob o fundamento de que a ausência de menção quanto
ao proprietário torna o bem público. Caberia ao Poder Público juntar a documentação
comprobatória de que aquele bem é efetivamente um bem público.

A Lei 6.383 trata do processo discriminatório de terras devolutas da União.

A demarcação dos terrenos de marinha é feita com base no DL 9.760/46. Isso já


gerou e continua gerando confusão. Em dezembro de 2019 foi ajuizada a ADPF 639 em que
se pede a anulação de uma regulamentação da matéria de demarcação de terreno de
marinha, pois ela teria, em tese, ofendido as regras contidas no DL 9.760/46.

Quanto a discriminação das terras devolutas da União, a matéria aparece na Lei


6.383 (é cobrada em sua literalidade na prova) e pode ser por processo judicial e por processo
administrativo.

• Ilhas

As ilhas dividem-se em marítimas e em não marítimas. As ilhas marítimas podem


ser oceânicas ou costeiras. As oceânicas estão situadas no oceano, a uma elevada distância
da costa; e as costeiras estão situadas no oceano, mas próximas do continente. As ilhas não
marítimas, por sua vez, se dividem em ilhas fluviais e lacustres. As fluviais são aquelas situadas
em rios e as lacustres em lagos.

É importante saber isso porque a Constituição, quando vai tratar da titularidade


das ilhas, menciona essas espécies e menciona no art. 20, IV e no art. 26, II e III.

Art. 26, CRFB/88 - Incluem-se entre os bens dos Estados:

II - as áreas, nas ilhas oceânicas e costeiras, que estiverem no seu domínio, excluídas aquelas sob
domínio da União, Municípios ou terceiros;

III - as ilhas fluviais e lacustres não pertencentes à União;

Material elaborado por Denise Franco


Art. 20, CRFB/88 - São bens da União:

IV as ilhas fluviais e lacustres nas zonas limítrofes com outros países; as praias marítimas; as ilhas
oceânicas e as costeiras, excluídas, destas, as que contenham a sede de Municípios, exceto aquelas
áreas afetadas ao serviço público e a unidade ambiental federal, e as referidas no art. 26, II; (Redação
dada pela Emenda Constitucional nº 46, de 2005)

Em regra, as ilhas situadas em rios e lagos são de propriedade dos Estados-


membros, salvo quando forem de propriedade da União. Serão de propriedade da União as
ilhas fluviais lacustres que estejam situadas nas zonas limítrofes com outros países.

Em relação às ilhas oceânicas e costeiras, que são ilhas marítimas, em regra elas
serão de propriedade da União e, excepcionalmente, poderão ser de propriedade dos
Estados, quando estiverem no seu domínio ou, até mesmo, dos Municípios ou de terceiros
(um particular pode ser proprietário de uma área em uma ilha oceânica ou costeira).

No art. 20, IV, “excluídas, destas” se refere às ilhas costeiras.

Exemplos de ilhas costeiras que tem sede de Município: Vitória – ES, São Luís –
MA, Florianópolis – SC.

A EC 46, que alterou o inciso IV do art. 20, colocou que se a ilha tem sede de
Município, ela não será de propriedade da União, a não ser as áreas em que haja unidade
ambiental federal ou que em que esteja sendo prestado um serviço público federal (ex:
hospital federal, quartel general, área de proteção permanente federal, parque nacional). A
EC 46 tirou da União algo que era de sua propriedade. Antes da EC 46, a ilha era da União e
todo mundo que tinha propriedade nela pagava o foro anual e, na transferência, o laudêmio
à União. Como isso estava ficando caro, resolveram acabar e deixaram como propriedade da
União só as áreas que já eram dela, como unidade ambiental federal, para que não houvesse
desmatamento e virasse unidade privada; e os hospitais; os prédios federais; etc.

O problema e a dúvida que isso gerou foi de que existe na ilha costeira com sede
de Município uma área de 33m que, se estivesse no continente, seria chamada de terreno de
marinha. Os terrenos de marinha são bens da União. A questão é que quando o inciso IV do
art. 20 se referiu às áreas que seriam da União, não fez alusão expressa ao art. 20, VII, que é
o que menciona os terrenos de marinha. Isso deu margem à seguinte dúvida: “será que em

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razão da EC 46 não há mais terreno de marinha na ilha costeira com sede de Município”? A
dúvida surgiu porque foi ajuizada uma ação civil pública pelo Ministério Público Federal no
Espírito Santo, questionando isso. Salvo engano, o juiz de 1º grau julgou procedente,
entendendo que não existia mais terreno de marinha na ilha costeira. O TRF 2 suspendeu e o
caso foi para o STF, com a relatoria da Min. Rosa Weber, no RE 636.199. Foi decidido em abril
de 2017 e nele o STF reconheceu que existe sim terreno de marinha em ilha costeira sede de
Município. Decidiu que quando a EC 46 retirou do domínio da União o que estava na ilha, a
área da ilha com sede de Município, não quis também retirar o terreno de marinha, que
continua sendo da União e continua existindo. Até porque, o objetivo da emenda foi o de
evitar que as pessoas que não pagariam o foro no continente pagassem estando como
proprietárias em uma ilha; e não o de criar uma situação mais vantajosa para quem mora na
ilha do que para quem tem uma propriedade no continente. Se não, há a situação de que o
sujeito que mora no continente paga o foro porque está morando no terreno de marinha do
continente e aquele que mora na ilha não paga. Então, é importante saber que para o STF
subsistem os terrenos de marinha em ilhas costeiras com sede de Município.

Material elaborado por Denise Franco

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