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O estudo dos bens públicos e do domínio público está intimamente ligado às concepções de
“domínio eminente” e “domínio patrimonial”.
O domínio patrimonial, por seu turno, seria o direito verdadeiramente de propriedade que o
estado exerce sobre os seus bens, bens esses que integram seu patrimônio.
A esses bens do estado, como bens públicos que são, aplica-se o regime jurídico de direito
público, sendo as regras de direito de propriedade privada aplicadas apenas de forma
subsidiária.
O Código Civil contempla uma visão subjetiva dos bens públicos, dependente exclusivamente
da natureza da pessoa jurídica a que pertença: será público o bem que pertencer a pessoa de
direito público. Não integra o conceito legal qualquer consideração de ordem finalística, da
finalidade do bem: se o bem for de pessoa jurídica de direito público será bem público ainda
que não esteja sendo utilizado para qualquer finalidade de interesse público (os bens
dominicais); e se pertencer a pessoa jurídica privada, será bem privado, ainda que esteja por
exemplo afetado a serviço público, com as peculiaridades que veremos adiante.
Ressalta-se que uma parcela da doutrina, de forma contrária e minoritária, entende pela
incidência do critério material ou funcionalista, que dispõe que também são considerados
bens públicos aqueles pertencentes às pessoas jurídicas de direito privado afetados à
prestação de serviços públicos. Neste sentido, Celso Antônio e Diógenes Gasparini.
A CRFB, por sua vez, de forma não exaustiva, reparte uma série de bens públicos,
principalmente bens naturais, entre os entes da federação. Neste sentido, art.20, art.26,
art.30, I, II, VIII.
Com isso, tem-se que Código civil e a Constituição adotaram uma visão subjetiva do conceito
de bens públicos, ligada diretamente à natureza da pessoa jurídica.
ALEXANDRE ARAGÃO ressalva que o fato de se tratarem de bens privados não impede,
contudo, que, se estiverem afetados ao serviço público, sofram, a exemplo dos bens afetados
das concessionárias e permissionárias de serviços públicos, algumas limitações quanto à sua
disponibilidade e penhorabilidade. É dizer que a afetação de determinado bem a um
interesse público, e mais especialmente a um serviço público, necessariamente o torna de
certa maneira sujeito ao direito público, ainda que pertencente a uma pessoa jurídica de
direito privado, seja ela integrante ou não da Administração Indireta.
Todavia, fora dessas hipóteses, os bens das estatais são regidos pelas normas de direito
privado.
2. Classificações
- Critério da Titularidade:
No que se refere à titularidade, os bens públicos se dividem em: bens públicos federais
(art.20 da CRFB e Decreto-lei 9.760/1946); bens públicos estaduais (art.26 da CRFB); bens
públicos distritais; bens públicos municipais e bens públicos interfederativos.
São bens destinados ao uso da coletividade de forma geral. Uso geral pelo povo não quer
dizer que seja um uso sem disciplina e sem limites.
Neste sentido, a legislação poderá impor restrições e condicionantes à sua utilização para
melhor satisfação do interesse público.
b) bens públicos de uso especial (art.99, II, do CC):
São bens especialmente afetados aos serviços administrativos e aos serviços públicos (ex:
repartições públicas do Executivo, Legislativo e Judiciário, aeroportos, escolas e etc).
São os bens públicos desafetados, ou seja, que não são utilizados pela coletividade ou para
prestação de serviços administrativos. Ao contrário do que ocorre com os bens de uso
comum e de uso especial, os bens dominicais podem ser alienados na forma da lei (art.100 e
101 do CC). Os bens públicos dominicais também são chamados de bens disponíveis ou do
domínio privado do Estado.
Bens dominicais x bens dominiais: enquanto alguns autores afirmam que se tratam de
expressões sinônimas, outros sustentam que bens dominiais é gênero que compreende
todos os bens de domínio do Estado. Neste sentido, Rafael Oliveira.
3. Afetação e desafetação
Ressalta-se que ambos os institutos devem respeitar o princípio da simetria, deste modo, se
a lei conferir determinada afetação ao bem, somente a lei poderá retirá-la.
Por fim, registra-se que a afetação e desafetação não podem ocorrer simplesmente pela
utilização ou não de determinado bem pelo administrado. Sendo assim, a passagem de
veículos por bens dominicais não o transformam em rua (bem de uso comum do povo) e a
ausência de visitante em um museu, não retira seu caráter de bem de uso especial.
- Desafetação dos bens públicos: apenas os bens dominicais podem ser alienados (os bens de
uso especial, enquanto permanecerem com essa qualificação, não poderão ser alienados);
- Justificativa ou motivação
- Avaliação prévia
- Licitação: que se dará na modalidade concorrência para bens imóveis, salvo as exceções
citadas no art.19, III, da Lei 8.666/1993, e leilão para os bens móveis (as hipóteses de
licitação dispensada para alienação de bens imóveis e móveis encontram-se taxativamente
previstas no art.17, I e II, da Lei 8.666/93).
- Autorização legislativa para alienação dos bens imóveis: lei específica deve autorizar a
alienação dos imóveis públicos.
b) Impenhorabilidade:
Os bens públicos são impenhoráveis. A penhora pode ser definida como ato de apreensão
judicial do devedor para satisfação do credor. A impossibilidade constrição judicial justifica-se
pela necessidade dos requisitos legais para alienação, pelo princípio da continuidade dos
serviços públicos e pelo regime especial constitucional de pagamento dos débitos devidos
pelo Poder Público (precatórios ou RPV).
c) Imprescritibilidade:
Os bens públicos não podem ser adquiridos por usucapião, na forma dos arts.183, §3º, e
191, parágrafo único, da CRFB; art.102 do CC; art.200 do Decreto-lei 9.760/46.
No mesmo sentido, a Súmula 340 do STF dispõe: “desde a vigência do Código Civil, os bens
dominicais, como os bens públicos, não podem ser adquiridos por usucapião”.
RAFAEL OLIVEIRA defende que, apesar de tal entendimento ser amplo e majoritário na
doutrina e jurisprudência, a prescrição aquisitiva (usucapião) poderia abranger os bens
públicos dominicais ou formalmente públicos, uma vez que tais bens não atendem a função
social da propriedade pública.
Ainda, em razão da relativização do princípio da supremacia do interesse público sobre o
interesse privado por meio do processo de ponderação de interesses, a solução do conflito
resultaria na preponderância concreta dos direitos fundamentais do particular (dignidade da
pessoa humana e direito à moradia) em detrimento do interesse público secundário do
Estado (o bem dominial, por estar desafetado, não atende às necessidades coletivas, mas
possui potencial econômico em caso de eventual alienação).
d) Não onerabilidade:
Como os bens públicos não podem ser penhorados, não podem ser objeto de direitos reais
de garantia. Um imóvel público, por exemplo, não pode ser hipotecado pelo Estado para
garantir uma dívida, pois o destino natural de um bem hipotecado em caso de
inadimplemento do devedor é a sua penhora e posterior leilão judicial, o que não pode
ocorrer com os bens públicos.
Por sua vez, RAFAEL OLIVEIRA, na contramão da doutrina majoritária, entende que a
impossibilidade de oneração dos bens públicos não atinge os bens dominicais que, após o
cumprimento dos requisitos legais, podem ser alienados. Desta forma, desde que cumpridos
os requisitos, para tal autor, nada impede que bens dominicais sejam dados em garantias nos
contratos celebrados pela administração.
- Uso comum
- Uso especial
- Uso privativo
O uso comum é aquele facultado a todos os indivíduos, sem qualquer destinação. É o que
ocorre com os bens de uso comum do povo.
Tem-se que o uso comum pelo povo pode ser ordinário ou extraordinário. Será ordinário,
quando estiver de acordo quantitativamente e qualitativamente com a destinação normal do
bem (ex.: caminhar por uma calçada); ou extraordinário quando implicar uso com
intensidade ou quantidade maior do que a ordinária típica do bem (ex.: uso da rua para uma
maratona; utilização de praça para um comício, etc.).
O uso comum extraordinário é condicionado a remuneração e/ou depende de ato de licença
ou de autorização pela administração.
O uso privativo, ao seu turno, ocorre nas hipóteses em que o poder público consente com a
utilização do bem público por determinado indivíduo com exclusividade, em detrimento do
restante da coletividade.
A utilização privativa de bens públicos deve atender aos seguintes princípios básicos:
Tem-se como principais instrumentos para viabilização do uso privativo dos bens públicos os
seguintes:
a) Autorização de uso:
É ato administrativo, discricionário e precário, para consentir que determinada pessoa use
privativamente bem público.
Se trata de ato discricionário, inexistindo direito subjetivo do particular. Por se tratar de ato
precário, o mesmo pode ser revogado a qualquer tempo, independente de indenização ao
particular. Pode ser onerosa ou gratuita, independe de autorização legislativa e pode recair
sobre bens móveis e imóveis.
Por possuir natureza jurídica de ato administrativo, editado sem prazo e sem condições,
ainda que inaplicável a exigência de licitação, deve ser realizado pelo Poder Público
procedimento que assegure igualdade de oportunidade aos interessados, em razão da
impessoalidade (art.37 da CRFB).
b) Permissão de uso:
A permissão de uso pode ser gratuita ou remunerada, por tempo certo ou por prazo
indeterminado, com ou sem a construção de benfeitorias, mas unilateralmente modificável e
revogável pela Administração, sem direito a indenização por conta da revogação.
Assim como na autorização simples, não é necessária licitação, mas sim procedimento que
assegure igualdade de oportunidade aos interessados, em razão da impessoalidade.
c) Concessão de uso:
Se trata de contrato administrativo pelo qual o Poder Público atribui a utilização privativa de
determinado bem a particular por determinado tempo. O que a distingue da autorização e
permissão de uso é o caráter contratual, e, portanto, mais estável da outorga do uso do bem
público.
Deve ser empregada nos casos em que o particular realizará investimentos consideráveis no
bem público, demandando maior segurança jurídica. O fato de a concessão de uso não ser
precária não quer dizer que, como todo contrato administrativo, não possa ser rescindido
unilateralmente pela Administração. A diferença é que os atos administrativos
discricionários, que são realmente precários (autorizações e permissões de uso), muitas
vezes, podem, como visto na alínea anterior, ser revogados a qualquer tempo sem que o
particular tenha direito a qualquer indenização; já a concessão de uso pode ser rescindida,
mas com pagamento de ampla indenização, incluindo lucros cessantes.
Prevista nos arts. 7º e 8º do Decreto‐Lei n. 271/67 e no art. 1.225, VII, do Código Civil, é o
contrato pelo qual a Administração transfere o direito real de uso de imóvel público a
particular para uma das atividades de interesse público, coincidentes com o interesse
particular, previstas exemplificativamente no caput do art. 7º do Decreto‐Lei n. 271/67.
Segundo o art. 17, I, da Lei n. 8.666/93, a concessão de direito real de uso deve ser precedida
de autorização legislativa e de licitação na modalidade de concorrência, dispensada esta nas
hipóteses previstas no art. 17, I, f (para fins de habitação popular) e no seu § 2º (para órgão
ou entidade da Administração Pública).
d) Cessão de uso
Não obstante, não há consenso doutrinário ou legislativo quanto ao uso do termo “cessão de
uso”, sendo imprescindível a análise da legislação do respectivo ente para definição do
objeto da cessão de uso de bem público.
a) Terras devolutas:
Não possuindo proprietário privado, após o devido processo discriminatório regido pela Lei
n. 6.383/76, são declarativamente oficializadas como do Estado.
De acordo com os arts. 20, II, e 26, IV, da CF, as terras devolutas pertencem aos Estados,
tendo sido atribuídas à União apenas as que atendam aos objetivos consignados no art. 20,
II, a exemplo das terras devolutas indispensáveis à defesa de fronteiras ou à preservação
ambiental.
Os terrenos de marinha e seus acrescidos são pertencentes à União (art. 20, VII, CF), sendo
definidos pelos arts. 2º e 3º do Decreto‐Lei n. 9.760/46, e são transpassáveis aos particulares
mediante aforamento/enfiteuse (art. 49, § 3º, ADCT).
c) Terrenos marginais:
Os terrenos marginais, ou seja, aqueles que margeiam os rios e lagos, tais como definidos no
art. 4º do Decreto‐Lei n. 9.760/46, pertencem ao ente ao qual pertencer o respectivo rio ou
lago.
Como são de propriedade pública, não são indenizáveis em caso de desapropriação pelo
mesmo ente das áreas a ele contíguas. Neste sentido, Súmula n. 479 do STF, verbis: “As
margens dos rios navegáveis são de domínio público, insuscetíveis de expropriação e, por isso
mesmo, excluídas de indenização”.
d) Terras indígenas:
As terras indígenas são bens federais (art. 20, XI, CF), definidos e regulamentados pelos arts.
231 e 232 da Constituição, e, infraconstitucionalmente, pelo Decreto n. 1.775/96. São
indisponíveis e só podem ser destinadas às comunidades indígenas que as ocupem
tradicionalmente, ressalvada a exploração mineral nos termos do art. 231, § 3º, CF.
e) Águas públicas:
As águas públicas são os mares, rios, lagos e lagoas que pertençam ao Poder Público nos
termos dos art. 1º e seguintes do Código de Águas, podendo constituir (1) bens de uso
comum do povo ou (2) dominicais.
A Constituição partilha as águas públicas entre a União e os Estados (arts. 20, III, e 26, I, CF),
não fazendo referência a águas municipais, razão pela qual há autores que entendem que o
art. 29 do Código de Águas, que atribuía águas públicas aos Municípios em seu inciso III, não
teria sido recebido pela Constituição de 1988.
f) Jazidas minerais:
As jazidas minerais, aí incluídas as de petróleo e gás, são bens públicos da União, distintas da
propriedade do solo onde se encontram, que pode ser privado.
A exploração econômica das jazidas permite a extração do minério e derivados, sendo que, a
partir de então, esses frutos (petróleo) se destacam do bem (reservatório ou jazida),
podendo ser individualmente considerados e quantificados. Eles deixam, assim, de integrar o
bem público (a jazida), e passam a fazer parte do patrimônio de quem realizar a lavra da
jazida.
O bem público (jazida) não é alienado ao particular, mas apenas objeto de um direito de
exploração que implica a outorga de um uso privativo. O que é apropriado pelo particular (no
caso de exercício indireto do monopólio) é o resultado da atividade de exploração do bem
público.
g) Florestas públicas:
As florestas públicas também são inalienáveis como as jazidas, vide art. 225, § 5º, CRFB.
Ocorre que, em decorrência do título que permite a exploração da floresta (a concessão
florestal, regida pela Lei n. 11.284/2006), o seu concessionário pode extrair madeira caída,
colher castanha ou látex, por exemplo, e estes produtos serão por ele apropriados como
parte da exploração da floresta concedida.
Não há de se falar em alienação da floresta, uma vez que esta continua sendo bem público,
mas sim do direito à apropriação, pelo concessionário, dos frutos resultantes da exploração
econômica desse bem público.
7. Tombamento de bem público – AÇÃO CÍVEL ORIGINÁRIA 1.208 MATO GROSSO DO SUL
Recentemente (09/05/2017), na ACO 1208, que versava sobre tombamento de bem da União
promovido pelo Estado do Mato Grosso, houve publicação de acórdão de julgamento
monocrático de relatoria do Ministro Gilmar Mendes.
Tendo em vista que nas últimas provas de residência da PGE-RJ foram cobradas decisões
recentes à época da prova, recomenda-se fortemente a leitura de tal julgado.
3. O ato de tombamento realizado não seguiu os procedimentos legais, visto que configurou
ato unilateral sem notificação prévia.
“Art. 2º. A presente lei se aplica às coisas pertencentes às pessoas naturais, bem
como às pessoas jurídicas de direito privado e de direito público interno”. (...) Art. 5º.
O tombamento dos bens pertencentes à União, aos Estados e aos Municípios se fará
de ofício, por ordem do diretor do Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico
Nacional, mas deverá ser notificado à entidade a quem pertencer, ou sob cuja
guarda estiver a coisa tombada, afim de produzir os necessários efeitos”. – grifei
Por outro lado, o art. 2º, § 2º, do Decreto-Lei 3.365/1941 excepcionou os bens da
União de desapropriação pelos Estados e pelos Municípios, in verbis:
“Art. 2º. Mediante declaração de utilidade pública, todos os bens poderão ser
desapropriados pela União, pelos Estados, Municípios, Distrito Federal e Territórios.
(...) § 2o. Os bens do domínio dos Estados, Municípios, Distrito Federal e Territórios
poderão ser desapropriados pela União, e os dos Municípios pelos Estados, mas, em
qualquer caso, ao ato deverá preceder autorização legislativa”. – grifei
“Art. 10. O tombamento dos bens, a que se refere o art. 6º desta lei, será
considerado provisório ou definitivo, conforme esteja o respectivo processo iniciado
pela notificação ou concluído pela inscrição dos referidos bens no competente Livro
do Tombo. Parágrafo único. Para todas os efeitos, salvo a disposição do art. 13 desta
lei, o tombamento provisório se equiparará ao definitivo”.
A lei ora questionada deve ser entendida apenas como declaração de tombamento
para fins de preservação de bens de interesse local, que repercutam na memória
histórica, urbanística ou cultural até que seja finalizado o procedimento
subsequente. Sob essa perspectiva, o ato legislativo em questão (Lei 1.526/94), que
instituiu o tombamento, apresenta-se como lei de efeitos concretos, a qual se
consubstancia em tombamento provisório – de natureza declaratória –,
necessitando, todavia, de posterior implementação pelo Poder Executivo, mediante
notificação posterior ao ente federativo proprietário do bem, nos termos do art. 5º
do Decreto-Lei 25/37.
“Art. 10. O tombamento dos bens, a que se refere o art. 6º desta lei, será
considerado provisório ou definitivo, conforme esteja o respectivo processo iniciado
pela notificação ou concluído pela inscrição dos referidos bens no competente Livro
do Tombo”.