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BENS PÚBLICOS

O estudo dos bens públicos e do domínio público está intimamente ligado às concepções de
“domínio eminente” e “domínio patrimonial”.

DIOGO DE FIGUEIREDO MOREIRA NETO conceitua domínio eminente como “disposição


estatal sobre todos os bens em seu território ou que, de alguma forma, estejam
institucionalmente sujeitos à sua ordem jurídica”. Tal disposição estaria, segundo o autor,
ligada à soberania estatal, se tratando de um conceito político. Pelo domínio eminente se
estabeleceriam as limitações administrativas ao direito de propriedade, as servidões
administrativas, a desapropriação, medidas de polícia e etc.
Tal domínio é exercido sobre todo e qualquer tipo de bem que esteja situado no respectivo
território do ente Federado.

O domínio patrimonial, por seu turno, seria o direito verdadeiramente de propriedade que o
estado exerce sobre os seus bens, bens esses que integram seu patrimônio.
A esses bens do estado, como bens públicos que são, aplica-se o regime jurídico de direito
público, sendo as regras de direito de propriedade privada aplicadas apenas de forma
subsidiária.

1. Titularidade dos bens públicos

Dispõe o Código Civil:

Art. 98. São públicos os bens do domínio nacional pertencentes às pessoas


jurídicas de direito público interno; todos os outros são particulares, seja
qual for a pessoa a que pertencerem.

O Código Civil contempla uma visão subjetiva dos bens públicos, dependente exclusivamente
da natureza da pessoa jurídica a que pertença: será público o bem que pertencer a pessoa de
direito público. Não integra o conceito legal qualquer consideração de ordem finalística, da
finalidade do bem: se o bem for de pessoa jurídica de direito público será bem público ainda
que não esteja sendo utilizado para qualquer finalidade de interesse público (os bens
dominicais); e se pertencer a pessoa jurídica privada, será bem privado, ainda que esteja por
exemplo afetado a serviço público, com as peculiaridades que veremos adiante.

Ressalta-se que uma parcela da doutrina, de forma contrária e minoritária, entende pela
incidência do critério material ou funcionalista, que dispõe que também são considerados
bens públicos aqueles pertencentes às pessoas jurídicas de direito privado afetados à
prestação de serviços públicos. Neste sentido, Celso Antônio e Diógenes Gasparini.
A CRFB, por sua vez, de forma não exaustiva, reparte uma série de bens públicos,
principalmente bens naturais, entre os entes da federação. Neste sentido, art.20, art.26,
art.30, I, II, VIII.

Com isso, tem-se que Código civil e a Constituição adotaram uma visão subjetiva do conceito
de bens públicos, ligada diretamente à natureza da pessoa jurídica.

Qual o regime aplicável às pessoas jurídicas de direito privado integrantes da


administração indireta?
Entende-se, majoritariamente, que os bens pertencentes a essas entidades se tratam de
bens privados.

ALEXANDRE ARAGÃO ressalva que o fato de se tratarem de bens privados não impede,
contudo, que, se estiverem afetados ao serviço público, sofram, a exemplo dos bens afetados
das concessionárias e permissionárias de serviços públicos, algumas limitações quanto à sua
disponibilidade e penhorabilidade. É dizer que a afetação de determinado bem a um
interesse público, e mais especialmente a um serviço público, necessariamente o torna de
certa maneira sujeito ao direito público, ainda que pertencente a uma pessoa jurídica de
direito privado, seja ela integrante ou não da Administração Indireta.
Todavia, fora dessas hipóteses, os bens das estatais são regidos pelas normas de direito
privado.

2. Classificações

- Critério da Titularidade:

No que se refere à titularidade, os bens públicos se dividem em: bens públicos federais
(art.20 da CRFB e Decreto-lei 9.760/1946); bens públicos estaduais (art.26 da CRFB); bens
públicos distritais; bens públicos municipais e bens públicos interfederativos.

- Critério da afetação pública:

Art. 99. São bens públicos:


I - os de uso comum do povo, tais como rios, mares, estradas, ruas e praças;
II - os de uso especial, tais como edifícios ou terrenos destinados a serviço ou estabelecimento
da administração federal, estadual, territorial ou municipal, inclusive os de suas autarquias;
III - os dominicais, que constituem o patrimônio das pessoas jurídicas de direito público, como
objeto de direito pessoal, ou real, de cada uma dessas entidades.
Parágrafo único. Não dispondo a lei em contrário, consideram-se dominicais os bens
pertencentes às pessoas jurídicas de direito público a que se tenha dado estrutura de direito
privado.

Na forma do art.99 do CC, os bens públicos podem ser divididos em:

a) bens públicos de uso comum do povo (art.99, I, do CC):

São bens destinados ao uso da coletividade de forma geral. Uso geral pelo povo não quer
dizer que seja um uso sem disciplina e sem limites.
Neste sentido, a legislação poderá impor restrições e condicionantes à sua utilização para
melhor satisfação do interesse público.
b) bens públicos de uso especial (art.99, II, do CC):

São bens especialmente afetados aos serviços administrativos e aos serviços públicos (ex:
repartições públicas do Executivo, Legislativo e Judiciário, aeroportos, escolas e etc).

c) bens públicos dominicais (art.99, III, do CC):

São os bens públicos desafetados, ou seja, que não são utilizados pela coletividade ou para
prestação de serviços administrativos. Ao contrário do que ocorre com os bens de uso
comum e de uso especial, os bens dominicais podem ser alienados na forma da lei (art.100 e
101 do CC). Os bens públicos dominicais também são chamados de bens disponíveis ou do
domínio privado do Estado.

Bens dominicais x bens dominiais: enquanto alguns autores afirmam que se tratam de
expressões sinônimas, outros sustentam que bens dominiais é gênero que compreende
todos os bens de domínio do Estado. Neste sentido, Rafael Oliveira.

3. Afetação e desafetação

Ambos os institutos se relacionam com a vinculação ou não do bem público à determinada


finalidade pública.

Afetação significa a atribuição fática ou jurídica de finalidade pública, geral ou especial, ao


bem público. Os bens públicos afetados são os de uso comum e de uso especial. A afetação
pode ocorrer de três formas:

a) Lei (ex.: lei que institui Area de Proteção Ambiental – APA).

b) ato administrativo (ex.: ato que determina construção de hospital público).

c) fato administrativo (ex.: construção de hospital público em terreno privado, sem


procedimento formal prévio, configurando desapropriação indireta).

Ao revés, a desafetação é a retirada, fática ou jurídica, da destinação pública anteriormente


atribuída ao bem público. Os bens desafetados são os dominicais. A desafetação pode se dar
pelas mesmas formas utilizadas para afetação.

Ressalta-se que ambos os institutos devem respeitar o princípio da simetria, deste modo, se
a lei conferir determinada afetação ao bem, somente a lei poderá retirá-la.

Por fim, registra-se que a afetação e desafetação não podem ocorrer simplesmente pela
utilização ou não de determinado bem pelo administrado. Sendo assim, a passagem de
veículos por bens dominicais não o transformam em rua (bem de uso comum do povo) e a
ausência de visitante em um museu, não retira seu caráter de bem de uso especial.

4. Regime jurídico dos bens públicos

a) Relativa inalienabilidade/ alienabilidade condicionada:


Em regra, bens públicos são inalienáveis. A alienação depende do cumprimento dos
requisitos previstos no ordenamento jurídico, por isso passa a ser condicionada.

A alienação fica condicionada aos seguintes requisitos:

- Desafetação dos bens públicos: apenas os bens dominicais podem ser alienados (os bens de
uso especial, enquanto permanecerem com essa qualificação, não poderão ser alienados);

- Justificativa ou motivação

- Avaliação prévia

- Licitação: que se dará na modalidade concorrência para bens imóveis, salvo as exceções
citadas no art.19, III, da Lei 8.666/1993, e leilão para os bens móveis (as hipóteses de
licitação dispensada para alienação de bens imóveis e móveis encontram-se taxativamente
previstas no art.17, I e II, da Lei 8.666/93).

- Autorização legislativa para alienação dos bens imóveis: lei específica deve autorizar a
alienação dos imóveis públicos.

Ressalta-se que o ordenamento consagra hipóteses de indisponibilidade absoluta de


determinados bens públicos, quais sejam: as terras devolutas ou arrecadadas pelos
Estados, por ações discriminatórias, necessárias à proteção dos ecossistemas naturais
(art.225, §5º da CRFB); as terras tradicionalmente ocupadas pelos índios (art.231, §4º, da
CRFB).

b) Impenhorabilidade:

Os bens públicos são impenhoráveis. A penhora pode ser definida como ato de apreensão
judicial do devedor para satisfação do credor. A impossibilidade constrição judicial justifica-se
pela necessidade dos requisitos legais para alienação, pelo princípio da continuidade dos
serviços públicos e pelo regime especial constitucional de pagamento dos débitos devidos
pelo Poder Público (precatórios ou RPV).

c) Imprescritibilidade:

Os bens públicos não podem ser adquiridos por usucapião, na forma dos arts.183, §3º, e
191, parágrafo único, da CRFB; art.102 do CC; art.200 do Decreto-lei 9.760/46.

No mesmo sentido, a Súmula 340 do STF dispõe: “desde a vigência do Código Civil, os bens
dominicais, como os bens públicos, não podem ser adquiridos por usucapião”.

RAFAEL OLIVEIRA defende que, apesar de tal entendimento ser amplo e majoritário na
doutrina e jurisprudência, a prescrição aquisitiva (usucapião) poderia abranger os bens
públicos dominicais ou formalmente públicos, uma vez que tais bens não atendem a função
social da propriedade pública.
Ainda, em razão da relativização do princípio da supremacia do interesse público sobre o
interesse privado por meio do processo de ponderação de interesses, a solução do conflito
resultaria na preponderância concreta dos direitos fundamentais do particular (dignidade da
pessoa humana e direito à moradia) em detrimento do interesse público secundário do
Estado (o bem dominial, por estar desafetado, não atende às necessidades coletivas, mas
possui potencial econômico em caso de eventual alienação).

d) Não onerabilidade:

Como os bens públicos não podem ser penhorados, não podem ser objeto de direitos reais
de garantia. Um imóvel público, por exemplo, não pode ser hipotecado pelo Estado para
garantir uma dívida, pois o destino natural de um bem hipotecado em caso de
inadimplemento do devedor é a sua penhora e posterior leilão judicial, o que não pode
ocorrer com os bens públicos.

Por sua vez, RAFAEL OLIVEIRA, na contramão da doutrina majoritária, entende que a
impossibilidade de oneração dos bens públicos não atinge os bens dominicais que, após o
cumprimento dos requisitos legais, podem ser alienados. Desta forma, desde que cumpridos
os requisitos, para tal autor, nada impede que bens dominicais sejam dados em garantias nos
contratos celebrados pela administração.

5. Formas de uso do bem público: comum, especial e privativo

A utilização dos bens públicos pode ser dividida em:

- Uso comum
- Uso especial
- Uso privativo

O uso comum é aquele facultado a todos os indivíduos, sem qualquer destinação. É o que
ocorre com os bens de uso comum do povo.
Tem-se que o uso comum pelo povo pode ser ordinário ou extraordinário. Será ordinário,
quando estiver de acordo quantitativamente e qualitativamente com a destinação normal do
bem (ex.: caminhar por uma calçada); ou extraordinário quando implicar uso com
intensidade ou quantidade maior do que a ordinária típica do bem (ex.: uso da rua para uma
maratona; utilização de praça para um comício, etc.).
O uso comum extraordinário é condicionado a remuneração e/ou depende de ato de licença
ou de autorização pela administração.

A reunião ou manifestação em locais públicos constitui utilização ordinária ou


extraordinária de bem público?
Segundo LUCAS ROCHA FURTADO, “nos termos da Constituição Federal, todos têm direito de
reunir‐se pacificamente em locais abertos ao público, ‘independentemente de autorização,
desde que não frustrem outra reunião convocada para o mesmo local, sendo apenas exigido
prévio aviso à autoridade competente’ (CF, art. 5º, XVI). Com essa regra o texto
constitucional retira do administrador público a discricionariedade da decisão de consentir
ou denegar o direito de reunião em locais públicos e transforma o direito de reunião em
hipótese de uso ordinário dos bens de uso comum”.
Não obstante, segundo ALEXANDRE ARAGÃO, nesta hipótese o uso continua, pela sua
própria natureza, sendo comum extraordinário, ao qual, no entanto, a Constituição expressa
e excepcionalmente exclui a necessidade de um consentimento prévio da Administração.

A utilização especial, por sua vez, é aquela franqueada à Administração Pública ou a


determinados indivíduos que preencham os requisitos previstos na legislação. A utilização
ordinária de bens de uso especial sempre deverá atender às condições de uso necessárias à
prestação dos serviços específicos a que se destina. Mas, excepcionalmente, poderá, por ato
prévio da Administração Pública, ser admitido o uso comum extraordinário do bem de uso
especial para finalidade que não constitua o seu escopo principal (ex.: escola usada nos fins
de semana para lazer da comunidade) ou o seu uso extraordinário, mas também especial
(ex.: utilização de estádio de futebol para a realização de concurso público).

O uso privativo, ao seu turno, ocorre nas hipóteses em que o poder público consente com a
utilização do bem público por determinado indivíduo com exclusividade, em detrimento do
restante da coletividade.

A utilização privativa de bens públicos deve atender aos seguintes princípios básicos:

- Compatibilidade com o interesse público


- Remuneração: Via de regra a utilização de bem público por particular deve ser remunerada,
sendo, todavia, permitida, de acordo com a legislação de cada ente, a utilização gratuita em
alguns casos, principalmente em favor de instituições sem fins lucrativos, observada a Lei n.
8.666/93.
- Consentimento da Administração
- Sujeição às regras da Administração Pública
- Precariedade ou rescindibilidade

Ademais, segundo ARAGÃO, a permanência de particulares em bens públicos com


remuneração abaixo do valor de mercado ou em inadimplência constitui omissão
administrativa violadora dos princípios da moralidade e da economicidade, podendo
inclusive levar à responsabilização por improbidade administrativa.

5.1. Instrumentos de uso privativo dos bens públicos

O poder público, em determinadas situações e por determinados vínculos jurídicos, pode


consentir com o uso privativo dos bens públicos por determinada pessoa ou grupo. O
consentimento estatal pode ser discricionário ou vinculado, oneroso ou gratuito, precário ou
estável, dependendo da respectiva previsão legal.

Tem-se como principais instrumentos para viabilização do uso privativo dos bens públicos os
seguintes:

a) Autorização de uso:

É ato administrativo, discricionário e precário, para consentir que determinada pessoa use
privativamente bem público.
Se trata de ato discricionário, inexistindo direito subjetivo do particular. Por se tratar de ato
precário, o mesmo pode ser revogado a qualquer tempo, independente de indenização ao
particular. Pode ser onerosa ou gratuita, independe de autorização legislativa e pode recair
sobre bens móveis e imóveis.

Por possuir natureza jurídica de ato administrativo, editado sem prazo e sem condições,
ainda que inaplicável a exigência de licitação, deve ser realizado pelo Poder Público
procedimento que assegure igualdade de oportunidade aos interessados, em razão da
impessoalidade (art.37 da CRFB).

Autorização de uso condicionada/ qualificada


Em algumas hipóteses, o Poder Público poderá fixar direitos e obrigações para a concessão
da autorização de uso. Nessas hipóteses, estaremos diante da autorização
condicionada/qualificada. A autorização qualificada trata-se de uma autolimitação
administrativa, uma vez que o poder público decide impor restrições a ele próprio e ao
particular. Deste modo, o eventual descumprimento das condições fixadas pelo próprio
Poder Público acarretará dever do mesmo de indenizar o particular.

Ao revés do que ocorre na autorização simples, na autorização condicionada/qualificada,


em razão da contratualização do conteúdo da autorização de uso (art.2º, p.u., da Lei
8666/93), a sua edição depende de licitação.

b) Permissão de uso:

É ato administrativo unilateral, discricionário e precário. Na permissão, tem-se que


predomina o interesse público. Por essa razão (interesse predominantemente público), o
particular é obrigado a dar ao bem público a utilização permitida; não se trata, ao contrário
do caso da autorização de uso, de mera faculdade sua.

Esse é o entendimento tradicional da doutrina, que encontra críticas de autores mais


contemporâneos, como é o caso do Rafael de Oliveira. Para tal autor, a distinção entre a
predominância do interesse não acarreta nenhuma consequência pratica ou jurídica
relevante. Na essência, a permissão e autorização de bem público são institutos jurídicos
equivalentes e que possuem as mesmas características: precariedade e discricionariedade.

A permissão de uso pode ser gratuita ou remunerada, por tempo certo ou por prazo
indeterminado, com ou sem a construção de benfeitorias, mas unilateralmente modificável e
revogável pela Administração, sem direito a indenização por conta da revogação.

Assim como na autorização simples, não é necessária licitação, mas sim procedimento que
assegure igualdade de oportunidade aos interessados, em razão da impessoalidade.

A permissão também poderá ser qualificada/condicionada quando houver prazos ou


condições especiais estabelecidas, assegurada indenização pelo poder público, no caso de
revogabilidade prematura, em face dos princípios da boa-fé e da confiança (a licitação será
necessária na permissão condicionada/qualificada).
Ressalta-se que a permissão de uso de bem público, não se confunde com a permissão de
serviços públicos. Enquanto a primeira é ato administrativo, discricionário e precário, que
objetiva o uso privativo de bem público por terceiro, a segunda é contrato administrativo
para delegação do serviço público ao permissionário (art.175, p.u., da CRFB e art.40 da Lei
8987/95).

c) Concessão de uso:

Se trata de contrato administrativo pelo qual o Poder Público atribui a utilização privativa de
determinado bem a particular por determinado tempo. O que a distingue da autorização e
permissão de uso é o caráter contratual, e, portanto, mais estável da outorga do uso do bem
público.

Deve ser empregada nos casos em que o particular realizará investimentos consideráveis no
bem público, demandando maior segurança jurídica. O fato de a concessão de uso não ser
precária não quer dizer que, como todo contrato administrativo, não possa ser rescindido
unilateralmente pela Administração. A diferença é que os atos administrativos
discricionários, que são realmente precários (autorizações e permissões de uso), muitas
vezes, podem, como visto na alínea anterior, ser revogados a qualquer tempo sem que o
particular tenha direito a qualquer indenização; já a concessão de uso pode ser rescindida,
mas com pagamento de ampla indenização, incluindo lucros cessantes.

c.1) Concessão de direito real de uso:

Prevista nos arts. 7º e 8º do Decreto‐Lei n. 271/67 e no art. 1.225, VII, do Código Civil, é o
contrato pelo qual a Administração transfere o direito real de uso de imóvel público a
particular para uma das atividades de interesse público, coincidentes com o interesse
particular, previstas exemplificativamente no caput do art. 7º do Decreto‐Lei n. 271/67.

Segundo o art. 17, I, da Lei n. 8.666/93, a concessão de direito real de uso deve ser precedida
de autorização legislativa e de licitação na modalidade de concorrência, dispensada esta nas
hipóteses previstas no art. 17, I, f (para fins de habitação popular) e no seu § 2º (para órgão
ou entidade da Administração Pública).

c.2) Concessão florestal

É a delegação onerosa do direito de praticar manejo florestal sustentável para exploração de


produtos e serviços em uma unidade de manejo, mediante licitação, à pessoa jurídica, em
consórcio ou não, que atenda às exigências do respectivo edital de licitação e demostre
capacidade para seu desempenho, por sua conta e risco e por prazo determinado, na forma
da Lei 11284/2006 e do Decreto 6063/2007.
Trata-se de concessão para gestão do bem público imóvel (floresta), que deve ser devolvida
ao Poder Público ao final do contrato.

d) Cessão de uso

A cessão é a transferência de uso de bens públicos, de forma gratuita ou com condições


especiais, entre entidades da Administração Pública Direta e Indireta ou entre a
Administração e as pessoas de direito privado sem finalidade lucrativa (ex.: cessão de uso de
bem público estadual para determinado Município; cessão de bem público estadual para
associação civil).

Não obstante, não há consenso doutrinário ou legislativo quanto ao uso do termo “cessão de
uso”, sendo imprescindível a análise da legislação do respectivo ente para definição do
objeto da cessão de uso de bem público.

6. Notas a respeito de alguns bens públicos específicos

Há alguns bens públicos que, em razão da sua importância, transcendência ou


especificidades, possuem um estatuto jurídico próprio.

a) Terras devolutas:

Não possuindo proprietário privado, após o devido processo discriminatório regido pela Lei
n. 6.383/76, são declarativamente oficializadas como do Estado.
De acordo com os arts. 20, II, e 26, IV, da CF, as terras devolutas pertencem aos Estados,
tendo sido atribuídas à União apenas as que atendam aos objetivos consignados no art. 20,
II, a exemplo das terras devolutas indispensáveis à defesa de fronteiras ou à preservação
ambiental.

Art. 20. São bens da União:


II - as terras devolutas indispensáveis à defesa das fronteiras, das fortificações e
construções militares, das vias federais de comunicação e à preservação ambiental,
definidas em lei;

b) Terrenos de marinha e seus acrescidos:

Os terrenos de marinha e seus acrescidos são pertencentes à União (art. 20, VII, CF), sendo
definidos pelos arts. 2º e 3º do Decreto‐Lei n. 9.760/46, e são transpassáveis aos particulares
mediante aforamento/enfiteuse (art. 49, § 3º, ADCT).

c) Terrenos marginais:

Os terrenos marginais, ou seja, aqueles que margeiam os rios e lagos, tais como definidos no
art. 4º do Decreto‐Lei n. 9.760/46, pertencem ao ente ao qual pertencer o respectivo rio ou
lago.
Como são de propriedade pública, não são indenizáveis em caso de desapropriação pelo
mesmo ente das áreas a ele contíguas. Neste sentido, Súmula n. 479 do STF, verbis: “As
margens dos rios navegáveis são de domínio público, insuscetíveis de expropriação e, por isso
mesmo, excluídas de indenização”.

d) Terras indígenas:

As terras indígenas são bens federais (art. 20, XI, CF), definidos e regulamentados pelos arts.
231 e 232 da Constituição, e, infraconstitucionalmente, pelo Decreto n. 1.775/96. São
indisponíveis e só podem ser destinadas às comunidades indígenas que as ocupem
tradicionalmente, ressalvada a exploração mineral nos termos do art. 231, § 3º, CF.

e) Águas públicas:

As águas públicas são os mares, rios, lagos e lagoas que pertençam ao Poder Público nos
termos dos art. 1º e seguintes do Código de Águas, podendo constituir (1) bens de uso
comum do povo ou (2) dominicais.
A Constituição partilha as águas públicas entre a União e os Estados (arts. 20, III, e 26, I, CF),
não fazendo referência a águas municipais, razão pela qual há autores que entendem que o
art. 29 do Código de Águas, que atribuía águas públicas aos Municípios em seu inciso III, não
teria sido recebido pela Constituição de 1988.

f) Jazidas minerais:

As jazidas minerais, aí incluídas as de petróleo e gás, são bens públicos da União, distintas da
propriedade do solo onde se encontram, que pode ser privado.

A exploração econômica das jazidas permite a extração do minério e derivados, sendo que, a
partir de então, esses frutos (petróleo) se destacam do bem (reservatório ou jazida),
podendo ser individualmente considerados e quantificados. Eles deixam, assim, de integrar o
bem público (a jazida), e passam a fazer parte do patrimônio de quem realizar a lavra da
jazida.
O bem público (jazida) não é alienado ao particular, mas apenas objeto de um direito de
exploração que implica a outorga de um uso privativo. O que é apropriado pelo particular (no
caso de exercício indireto do monopólio) é o resultado da atividade de exploração do bem
público.

g) Florestas públicas:

As florestas públicas também são inalienáveis como as jazidas, vide art. 225, § 5º, CRFB.
Ocorre que, em decorrência do título que permite a exploração da floresta (a concessão
florestal, regida pela Lei n. 11.284/2006), o seu concessionário pode extrair madeira caída,
colher castanha ou látex, por exemplo, e estes produtos serão por ele apropriados como
parte da exploração da floresta concedida.
Não há de se falar em alienação da floresta, uma vez que esta continua sendo bem público,
mas sim do direito à apropriação, pelo concessionário, dos frutos resultantes da exploração
econômica desse bem público.

7. Tombamento de bem público – AÇÃO CÍVEL ORIGINÁRIA 1.208 MATO GROSSO DO SUL

Recentemente (09/05/2017), na ACO 1208, que versava sobre tombamento de bem da União
promovido pelo Estado do Mato Grosso, houve publicação de acórdão de julgamento
monocrático de relatoria do Ministro Gilmar Mendes.

Tendo em vista que nas últimas provas de residência da PGE-RJ foram cobradas decisões
recentes à época da prova, recomenda-se fortemente a leitura de tal julgado.

A seguir, serão tecidos alguns comentários sobre tal tema.


O Estado do Mato Grosso do Sul, por meio de lei estadual, tombou bem pertencente à
União.
Por sua vez, a União ajuizou ação civil originária aduzindo que o tombamento não poderia
ser realizado, tendo em viste que:

1. Em face do princípio da hierarquia verticalizada e consoante o disposto no Decreto-Lei


3.365/1941, seria vedada a desapropriação de seus bens pelo Estado. Tal princípio também
se aplicaria ao tombamento, de forma que os Estados não poderiam tombar bens da União,
excepcionado o caso de o ente federativo interessado requerer o tombamento junto ao
órgão federal competente;

2. O tombamento se dá mediante ato do executivo, sendo a Assembleia legislativa


incompetente para tanto. Em decorrência de o tombamento ter ocorrido mediante a Lei
estadual, houve ofensa ao devido processo legal, uma vez que o processo legislativo previsto
na Constituição Estadual não contemplaria tal competência ao Poder Legislativo;

3. O ato de tombamento realizado não seguiu os procedimentos legais, visto que configurou
ato unilateral sem notificação prévia.

A decisão, de relatoria do Ministro Gilmar Mendes, entendeu pela possibilidade do


tombamento realizado pelo Estado, com base nos seguintes argumentos:

“(...) 4) Possibilidade de ente federativo tombar bem da União

A União assevera que o Decreto-Lei 3.365/1941, o qual trata da desapropriação,


veda que os Estados desapropriem bens da União, em decorrência do princípio da
hierarquia verticalizada. Aduz, sob essa ótica, que esse mesmo princípio também se
aplica em relação ao tombamento, de forma que os Estados não poderiam tombar
bens da União, com única exceção: caso o Estado requeresse o tombamento junto ao
órgão federal competente.

Sem razão a União, conforme passo a expor. Inicialmente, destaque-se que o


tombamento possui disciplina própria, qual seja, o Decreto-Lei 25/1937.
Em razão disso, é necessário realizar a devida diferenciação entre o que se encontra
disposto na mencionada norma e o que previsto no Decreto-Lei 3.365/1941, o qual
trata de desapropriação. Os arts. 2º e 5º do Decreto-Lei 25/1937 expressam que:

“Art. 2º. A presente lei se aplica às coisas pertencentes às pessoas naturais, bem
como às pessoas jurídicas de direito privado e de direito público interno”. (...) Art. 5º.
O tombamento dos bens pertencentes à União, aos Estados e aos Municípios se fará
de ofício, por ordem do diretor do Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico
Nacional, mas deverá ser notificado à entidade a quem pertencer, ou sob cuja
guarda estiver a coisa tombada, afim de produzir os necessários efeitos”. – grifei

Claramente a referida norma aplica-se aos bens de todas as pessoas jurídicas de


direito público interno, ante a expressa menção ao tombamento de bens
pertencentes à União.

Por outro lado, o art. 2º, § 2º, do Decreto-Lei 3.365/1941 excepcionou os bens da
União de desapropriação pelos Estados e pelos Municípios, in verbis:
“Art. 2º. Mediante declaração de utilidade pública, todos os bens poderão ser
desapropriados pela União, pelos Estados, Municípios, Distrito Federal e Territórios.
(...) § 2o. Os bens do domínio dos Estados, Municípios, Distrito Federal e Territórios
poderão ser desapropriados pela União, e os dos Municípios pelos Estados, mas, em
qualquer caso, ao ato deverá preceder autorização legislativa”. – grifei

Vê-se que, quando há intenção do legislador de que se observe a “hierarquia


verticalizada”, assim o fez expressamente, ao referir-se como desapropriáveis os
bens dos Municípios pelos Estados e pela União, e os bens dos Estados e do Distrito
Federal, apenas pela União. Portanto, da interpretação literal dos dispositivos,
extrai-se que os bens da União não são excepcionados do rol de bens que não
podem ser tombados, tal como são excluídos do rol dos bens passíveis de serem
desapropriados pelos Estados e pelo Distrito Federal, motivo pelo qual se conclui
que os bens da União podem ser, em tese, tombados pelos Estados, Distrito
Federal e Municípios.

5) Tombamento através de ato legislativo (...)

Rememore-se que o procedimento do tombamento se divide em duas fases, quais


sejam: provisória e definitiva. A fase provisória constitui-se mediante ato de natureza
declaratória e ostenta caráter preventivo, de sorte que se consiste em etapa
preparatória para sua implementação posterior pelo Poder Executivo, que
cientificará o proprietário e dará sequência ao procedimento definitivo, a depender
do caso (de ofício, voluntário ou compulsório).

Reproduz-se, nesse sentido, ementa de julgado do Superior Tribunal de Justiça:

"PROCESSO CIVIL. ADMINISTRATIVO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. TOMBAMENTO


PROVISÓRIO. EQUIPARAÇÃO AO DEFINITIVO. EFICÁCIA. 1. O ato de tombamento, seja
ele provisório ou definitivo, tem por finalidade preservar o bem identificado como de
valor cultural, contrapondo-se, inclusive, aos interesses da propriedade privada, não
só limitando o exercício dos direitos inerentes ao bem, mas também obrigando o
proprietário às medidas necessárias à sua conservação. O tombamento provisório,
portanto, possui caráter preventivo e assemelha-se ao definitivo quanto às
limitações incidentes sobre a utilização do bem tutelado, nos termos do parágrafo
único do art. 10 do Decreto-Lei nº 25/37. 2. O valor cultural pertencente ao bem é
anterior ao próprio tombamento. A diferença é que, não existindo qualquer ato do
Poder Público formalizando a necessidade de protegê-lo, descaberia responsabilizar
o particular pela não conservação do patrimônio. O tombamento provisório,
portanto, serve justamente como um reconhecimento público da valoração inerente
ao bem. 3. As coisas tombadas não poderão, nos termos do art. 17 do Decreto-Lei nº
25/37, ser destruídas, demolidas ou mutiladas. O descumprimento do aludido
preceito legal enseja, via de regra, o dever de restituir a coisa ao status quo ante.
Excepcionalmente, sendo manifestamente inviável o restabelecimento do bem ao seu
formato original, autoriza-se a conversão da obrigação em perdas e danos. 4. À
reforma do aresto recorrido deve seguir-se à devolução dos autos ao Tribunal a quo
para que, respeitados os parâmetros jurídicos ora estipulados, prossiga o exame da
apelação do IPHAN e aplique o direito consoante o seu convencimento, com a análise
das alegações das partes e das provas existentes. 5. Recurso especial provido em
parte". (REsp 753.534, Rel. Min. Castro Meira, Segunda Turma, DJe 10.11.2011) –
grifei

No âmbito doutrinário, Paulo Affonso Leme Machado assevera que:


“O tombamento provisório acarreta para a Administração o dever de proteger o
bem, aplicando sanções administrativas”. (MACHADO, Paulo Affonso Leme. Ação
Civil Pública (ambiente, consumidor, patrimônio cultural e Tombamento. São Paulo:
Revista dos Tribunais, 1986, pág. 84)

Salvo a transcrição no cartório de registro de imóveis e no livro Tombo, aliado à


necessidade de cientificação do proprietário ente público (art. 5º), os efeitos do
tombamento provisório de bem público equiparamse ao definitivo, nos termos do
parágrafo único do art. 10, in verbis:

“Art. 10. O tombamento dos bens, a que se refere o art. 6º desta lei, será
considerado provisório ou definitivo, conforme esteja o respectivo processo iniciado
pela notificação ou concluído pela inscrição dos referidos bens no competente Livro
do Tombo. Parágrafo único. Para todas os efeitos, salvo a disposição do art. 13 desta
lei, o tombamento provisório se equiparará ao definitivo”.

É nesse contexto de tombamento provisório que deve ser interpretado o ato


legislativo que considera relevante, do ponto de vista histórico ou cultural,
determinado bem.

Ressalte-se, todavia, que, no caso de ato declaratório legal, para a consecução do


tombamento definitivo, é necessário que haja continuidade do procedimento pelo
Poder Executivo, competindo-lhe dar seguimento aos demais trâmites do
tombamento, a depender do tipo: de ofício (bem público – art. 5º), voluntário
(acordado com o proprietário – art. 7º) ou compulsório (independentemente da
aquiescência do proprietário – art. 8º e 9º).

A lei ora questionada deve ser entendida apenas como declaração de tombamento
para fins de preservação de bens de interesse local, que repercutam na memória
histórica, urbanística ou cultural até que seja finalizado o procedimento
subsequente. Sob essa perspectiva, o ato legislativo em questão (Lei 1.526/94), que
instituiu o tombamento, apresenta-se como lei de efeitos concretos, a qual se
consubstancia em tombamento provisório – de natureza declaratória –,
necessitando, todavia, de posterior implementação pelo Poder Executivo, mediante
notificação posterior ao ente federativo proprietário do bem, nos termos do art. 5º
do Decreto-Lei 25/37.

6) Necessidade de notificação do proprietário do bem a ser tombado

Afirma a União que o ato de tombamento versado na Lei estadual 1.526/1994


ofende o princípio do devido processo legal, uma vez que não houve a sua
notificação – proprietária do bem. Tal como evidenciado no item anterior, não há
que se falar em violação ao devido processo legal, apesar de o art. 10 do Decreto-Lei
25/1937 apontar que o tombamento provisório inicia-se com a notificação do
proprietário:

“Art. 10. O tombamento dos bens, a que se refere o art. 6º desta lei, será
considerado provisório ou definitivo, conforme esteja o respectivo processo iniciado
pela notificação ou concluído pela inscrição dos referidos bens no competente Livro
do Tombo”.

Todavia, na realidade, esse artigo é aplicável ao tombamento de bem particular


(voluntário ou definitivo) e não ao tombamento de bem público, uma vez que para
este há norma específica, qual seja, o art. 5° do Decreto-Lei 25/37, a saber:
“Art. 5º O tombamento dos bens pertencentes à União, aos Estados e aos Municípios
se fará de ofício, por ordem do diretor do Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico
Nacional, mas deverá ser notificado à entidade a quem pertencer, ou sob cuja
guarda estiver a coisa tombada, afim de produzir os necessários efeitos”.

Da leitura desse dispositivo conclui-se que, ao se referir à modalidade de


tombamento de ofício, a notificação é posterior ao ato de tombamento provisório. O
objetivo da notificação é que os efeitos do tombamento sejam plenos, o qual se
finalizará com a averbação no cartório de imóveis, ocasião em que restará
perfectibilizado o tombamento definitivo.

Não é outra a doutrina de Maria Sylvia Di Pietro, in litteris:

“Pelo Decreto-Lei nº 25/37, o tombamento distingue-se conforme atinja bens


públicos ou particulares. Quando incide sobre bens públicos, tem-se o tombamento
de ofício, previsto no art. 5º, que se processa mediante simples notificação à
entidade a quem pertencer (União, Estado ou Município) ou sob cuja guarda estiver
a coisa tombada; com a notificação a medida começa a produzir efeitos”. (PIETRO,
Maria Sylvia Zanella Di, Direito Administrativo, 15 ed. São Paulo: Atlas, 2003, p. 135)
– grifei

A notificação, por conseguinte, é posterior ao ato declaratório de tombamento,


consistindo em condição de eficácia da medida.

Nessa ótica, a Lei estadual 1.526/1994 configura tombamento provisório, o qual é


possível de ocorrer por ato legislativo, necessitando, de posterior implementação
pelo Poder Executivo, mediante notificação ao ente federativo proprietário do bem,
nos termos do art. 5º do DecretoLei 25/37.”

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