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PARECER JURÍDICO

REF. BENS PÚBLICOS. USO DE BEM PÚBLICO. USO


PRIVATIVO POR PARTICULARES. ESPÉCIES.
AUTORIZAÇÃO, PERMISSÃO E CONCESSÃO DE USO.
CARACTERISTICAS. USO DE ESTANTES EM PRAÇA
PÚBLICA. ONEROSIDADE. POSSIBILIDADE.
REQUISITOS.

I - RELATÓRIO

O município de XXX, por meio da sua excelência, prefeito municipal, sr. XXXX, consulta-
nos sobre a possibilidade de colocar em oferta à particulares, a título oneroso, a
utilização de espaço público, mediante estandes, em praça da municipalidade que foi
preparada para essa finalidade.

Para responder a tais indagações necessário se faz a explanação dos conceitos de bens
públicos, suas espécies, e da forma que se dá a utilização de bens públicos por
particulares, bem como a apresentação dos institutos de autorização, permissão e
concessão de uso de tais bens, suas características e finalidades e requisitos.

Posto isto, segue parecer nos seguintes termos.

II - FUNDAMENTOS JURÍDICOS
II.1 – Bens Públicos

Não existe na seara da doutrina administrativista um conceito homogêneo de bem


público. Alguns juristas entendem que a definição de bem público deve ser feita com
base na observação do regime jurídico a que determinado bem esteja sujeito. Outros
levam em consideração a natureza jurídica do seu titular como o aspecto definidor do
enquadramento de um bem como público ou privado. Por fim, há quem proponha
reconhecer a predominância ora de um modelo ora de outro.
Não obstante tais correntes doutrinárias, no direito pátrio, o Código Civil expressamente
definiu que são públicos os bens do domínio nacional pertencentes às pessoas jurídicas
de direito público interno1. Assim, sem margem para dúvidas, o modelo empregado pelo
Código Civil assenta-se na titularidade. É a natureza jurídica do dono, do proprietário,
do sujeito que pauta o enquadramento do bem como público ou privado.

Na prática, portanto, para determinar se um bem é público, basta que se recorra às


disposições do próprio Código Civil que definem as pessoas jurídicas de direito público
interno. Logo, considerando o art. 41, são públicos os bens da União, dos Estados, do
Distrito Federal, dos Territórios, dos Municípios, das autarquias, inclusive das
associações públicas e de todas as entidades que venham a ser criadas por lei com
natureza de pessoa jurídica de direito público interno.

Por outro lado, os bens privados são identificados por um critério residual ou de
exclusão. Privados são os bens que pertencem: a) às pessoas físicas, nacionais ou
estrangeiras; b) às pessoas jurídicas de direito privado, nacionais ou estrangeiras,
incluindo-se, nesta categoria, as sociedades, os partidos políticos e as entidades
religiosas; c) às pessoas jurídicas de direito privado do Estado ou que sejam por ele
controladas; e d) às pessoas jurídicas de direito público externo, incluindo os Estados
estrangeiros e demais sujeitos de direito internacional público, como as organizações
internacionais.

Os bens públicos, diferentemente dos privados, estão sujeitos a regime jurídico próprio,
cujas principais características são a imprescritibilidade, impenhorabilidade,
impossibilidade de oneração e na existência de restrições a sua alienação
(inalienabilidade condicionada).

II.2 – Regime jurídico dos usos bens públicos

1
Art. 98. São públicos os bens do domínio nacional pertencentes às pessoas jurídicas de direito público
interno; todos os outros são particulares, seja qual for a pessoa a que pertencerem. Lei 10.406/2002.
Os bens públicos podem ser usados pela própria pessoa jurídica de direito público que possui a
sua titularidade, por outros entes públicos ou também por particulares.

O uso dos bens públicos poderá, dessa forma, ser permitido para fins de realização de eventos
diversos de curta duração, instalação de mobiliário urbano de utilidade pública, mobiliário
urbano removível, equipamento urbano fixo, de veículos adaptados para uso econômico,
prestação de serviços e atividade econômica em geral e desde que o interessado obtenha o
devido instrumento de outorga do Poder Público consistente na autorização, permissão ou
concessão.

Quando utilizados por particulares segundo Moreira Neto2 essa utilização pode ser dividida
em três categorias: uso comum, uso especial e uso privativo.

Rafael Oliveira3, conceitua as categorias de uso:

O uso comum dos bens públicos é aquele facultado a todos os indivíduos, sem
qualquer distinção. É o que ocorre com os bens de uso comum do povo. Ex.:
ruas, praias, praças etc.

A utilização especial, por sua vez, é franqueada à Administração Pública ou a


determinados indivíduos que preencham os requisitos previstos na
legislação. Trata-se de utilização normalmente relacionada aos bens de uso
especial. Ex.: a utilização das escolas públicas é destinada apenas aos alunos
matriculados; as repartições administrativas são de utilização dos respectivos
servidores e dos particulares devidamente autorizados.

O uso privativo, por sua vez, ocorre nas hipóteses em que o Poder Público
consente com a utilização do bem público por determinado indivíduo com
exclusividade, em detrimento do restante da coletividade. Ex.: permissão
para instalação de banca de jornal em via pública; autorização para
estabelecimento comercial instalar mesas e cadeiras na calçada.

Para fins do presente parecer o que importa é a explanação sobre o uso privativo e seus
instrumentos jurídicos de outorga.

II.3 - Uso privativo

2
MOREIRA NETO, Diogo de Figueiredo. Curso de direito administrativo, pp. 350-355.
3
OLIVEIRA, Rafael Carvalho Rezende. Curso de direito administrativo. 9. ed., – Rio de Janeiro: Forense;
MÉTODO, 2021, p. 1194.
Em oposição ao uso comum, o privativo é uso que a "Administração Pública confere,
mediante título jurídico individual (contratual ou unilateral), a pessoa ou grupo de
pessoas determinadas, para que o exerçam, com exclusividade sobre parcela do bem
público".

O consentimento estatal pode ser discricionário ou vinculado, oneroso ou


gratuito, precário ou estável, dependendo da respectiva previsão legal. A
gratuidade prevalece na utilização dos bens públicos pelos indivíduos em
geral, mas a onerosidade deve ser a regra para o uso privativo de bens
públicos, com exclusão dos demais indivíduos, excepcionada nos casos em
que o uso do bem público acarreta benefícios para coletividade que
justifiquem a ausência de contrapartida pecuniária do particular. Em qualquer
hipótese, o consentimento deve ser individualizado, conferindo ao
destinatário a prerrogativa de utilizar o bem público com exclusividade e nas
condições fixadas no respectivo vínculo jurídico.4

Podem se beneficiar do uso privativo tanto a pessoa física, como a jurídica de direito
público ou privado. Um exemplo de uso privativo: suponhamos que uma determinada
autarquia federal solicite o uso de salas ou auditório de fundação pública municipal para
a realização de reuniões ou treinamentos de servidores. Está-se, nesse caso, diante de
uso privativo de bem municipal por órgão federal.

O uso privativo possibilita ao beneficiário servir-se do bem de modo exclusivo, seja


isoladamente ou como parte de uma agremiação de pessoas pré-estabelecidas no título
de outorga. Essa delimitação estabelecida no título de outorga é um dos principais
pontos de distinção entre o uso privativo e o comum.

Segundo Odete Medauar5, o uso privativo dos bens públicos deve preencher as
seguintes características:

a) compatibilidade com o interesse público;


b) consentimento da Administração;
c) cumprimento das condições fixadas pelo ordenamento e pela
Administração;
d) remuneração, ressalvados os casos excepcionais de uso gratuito; e
e) precariedade, que pode variar de intensidade, com a possibilidade de
cessar o uso privativo por vontade unilateral da Administração.

4
OLIVEIRA, Rafael Carvalho Rezende. Curso de direito administrativo. 9. ed., – Rio de Janeiro: Forense;
MÉTODO, 2021, p. 1198.
5
MEDAUAR, Odete. Direito administrativo moderno. 12. ed. São Paulo: RT, 2008. p. 245.
Por “outorga de uso” entenda-se o ato jurídico de conteúdo concreto ou o contrato que
concede juridicamente ao particular ou outras entidades o uso de bem público, em
qualquer de suas espécies. Os principais instrumentos públicos para viabilização do uso
privativo dos bens públicos são: autorização de uso de bem público, permissão de uso
de bem público, concessão de uso de bem público, e a concessão de direito real de uso
de bem público. Os três primeiros outorgam direito pessoal enquanto o último direito
real.

Há, por parte da Administração, discricionariedade quanto à outorga, todavia, essa


discricionaridade, nas palavras de Thiago Marrara6

[...] não afasta o dever de o Poder Público zelar pelo princípio da


impessoalidade, da legalidade (afetação do bem), da moralidade, da
publicidade e da eficiência. Daí porque a margem de escolha frente a
requerimentos de uso não se compatibilizará com a oferta de privilégios
indevidos a algumas pessoas em detrimento de outras em igual situação, nem
para permitir que uns se enriqueçam ilicitamente com o uso de bem público.
Conquanto discricionária, a outorga de uso há que ser racional, isonômica,
motivada e compatível com os usos primários do bem e sua sustentabilidade.

Cada ente federativo possui competência legislativa para estabelecer as formas de


gestão dos seus respectivos bens, não havendo uniformidade nas expressões utilizadas,
de modo que referidos institutos podem receber denominações diferentes de acordo
com a legislação local. Além disso, no caso de lacuna legal, os próprios instrumentos
jurídicos de outorga de uso dos bens públicos devem conter as diretrizes regras e
condições para utilização privativa.

II.4 - Autorização e Permissão de uso

No âmbito do direito Administrativo, a autorização de uso de bem público e a permissão


de uso de bem público são atos administrativos, discricionários e precários.

6
MARRARA, Thiago. Uso de bem público. Tomo Direito Administrativo e Constitucional, Edição 1, Abril de
2017.
São precários, pois passíveis de revogação a qualquer momento sem ensejar ao
particular direito à indenização. Nas Palavras de Sundfeld, apesar de conferirem direitos
aos outorgados contra terceiros (a exclusividade no uso dos bens públicos), não
estabelecem direitos frente à Administração – por isso são precários -, podendo a
qualquer tempo ser revogados por razões de interesse público, sem qualquer violação
à esfera de direitos dos particulares.7

São discricionários, porque suas expedições são facultativas e dependentes de um juízo


de conveniência e oportunidade por parte do poder público. Além disso, são unilaterais
pelo fato de que, para surgirem, depende apenas da manifestação de vontade da
entidade administrativa, muito embora nunca sejam conferidas de ofício, isto é,
dependem sempre de provocação do interessado e podem ser onerosas (remunerada)
ou gratuitas.

Comparando a autorização de uso à permissão de uso pode-se dizer que a primeira


detém maior precariedade, posto que é outorgada no interesse do particular. Nela não
há o interesse público como motivo determinante, embora, como qualquer ato
administrativo, não o possa contrariar. Além disso, é outorgada, em geral, para situações
que não tenham caráter duradouro. A autorização também confere menores poderes e
garantias ao usuário e não cria para ele um dever de utilização, mas apenas faculdade.
Vale ressaltar ademais, que a doutrina assenta-se no entendimento de que pode ser
dispensada licitação para a outorga da autorização de uso ao contrário do que
normalmente ocorre com a permissão de uso de bem público.

Segundo carvalho Filho8:

O ato de permissão de uso é praticado intuitu personae, razão por que sua
transferência a terceiros só se legitima se houver consentimento expresso da
entidade permitente. Nesse caso, a transferibilidade retrata a prática de novo

7
SUNDFELD, Carlos Ari, e CÂMARA, Jacintho de Arruda. Concessão de direito real de uso de utilidade
pública – Possibilidade de o poder público conferir a particular a gestão exclusiva de seu bens para fins de
utilidade pública. Hipótese em que a outorga independerá de licitação, por ser esta inexigível., Boletim de
licitações e contratos. vol. 10, n. 12, p. 593 a 602, dez. 1997, p.594
8
CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de direito administrativo. 34ª ed. – São Paulo: Atlas, 2020, p.
2077.
ato de permissão de uso a permissionário diverso do que era favorecido pelo
ato anterior.

Ainda destaca o autor que

O delineamento jurídico do ato de permissão de uso guarda visível


semelhança com o de autorização de uso. São realmente muito
assemelhados. A distinção entre ambos está na predominância, ou não, dos
interesses em jogo. Na autorização de uso, o interesse que predomina é o
privado, conquanto haja interesse público como pano de fundo. Na permissão
de uso, os interesses são nivelados: a Administração tem algum interesse
público na exploração do bem pelo particular, e este tem intuito lucrativo na
utilização privativa do bem. Esse é que nos parece ser o ponto distintivo. 9

Veja que é o grau de interesse público atrelado ao ato que vai diferenciar a autorização
e a permissão. Semelhante entendimento é exposado por Maria Zanella di Pietro10:
conquanto a autorização e a permissão sejam precárias, a permissão o seria em menor
grau, pois é ela expedida na presença de interesse coletivo, fato que aproximaria o
utente externo ao proprietário do bem público.

II.5 - Concessão de uso

Concessão de uso pode ser definida é o contrato administrativo pelo qual o Poder
Público confere a pessoa determinada o uso privativo de bem público,
independentemente do maior ou menor interesse público da pessoa concedente.11

Como contrato administrativo a concessão de uso apresenta natureza jurídica


obrigacional. Além disso, não tem caráter precário – como a autorização de uso e a
permissão de uso –, podendo ser onerosa ou não e deve ser precedida de licitação,
excetuadas as hipóteses legais que admitem contratação direta.

Diferentemente da autorização de uso e da permissão de uso de bem público a


concessão apresenta estabilidade quanto a sua outorga, posto que só admite rescisão

9
CARVALHO FILHO, Apud. P.2078.
10
DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Uso privativo de bem público por particular, 3. ed. São Paulo: Atlas, 2014.
p. 81.
11
CARVALHO FILHO, Apud. P.2086.
(e não revogação) nas hipóteses previstas em lei e a sua a extinção antes do prazo enseja
indenização ao particular concessionário, salvo se motivada por fato a ele imputável.

A utilização da concessão de uso de bem público pode ser remunerada ou gratuita e


geralmente é apropriada em situações de natureza não transitória ou de longa duração.

III – CONCLUSÃO

Conforme demonstrado, o Poder Público, como titular dos bens públicos, tem a função
de administrar o patrimônio público dando lhe o melhor aproveitamento sem deixar de
lado o interesse público. Para tanto, dispõe ele de instrumentos jurídicos pelos quais
outorgam, quando necessário o uso dos bens públicos, sejam eles privativos ou não.

A respeito da consulta realizada, haja vista não haver exposições dos motivos e
finalidades da concessão dos estandes localizados em praça da municipalidade, o que
pode-se responder de forma precisa é que os institutos jurídicos aptos a serem utilizados
pela Administração para a melhor gestão dos seus bens, a fim de outorgar a particular
o uso privativo dos referidos estandes, são a autorização de uso de bem público, a
permissão de uso de bem público e a concessão de uso de bem público.

A escolha de qual desses mecanismos deverão ser utilizados no caso concreto deverá
partir da análise do grau de interesse público envolvido na outorga e a conveniência e
oportunidade do ato. Se da análise resultar a conclusão de se tratar de uso econômico
de interesse coletivo estar-se-á diante da permissão de uso de bem público, ao
contrário, se da analise concluir que o uso terá por finalidade interesse particular, será
o caso de outorgar a autorização de uso de bem público.

Além disso, em qualquer caso, pode o munícipio optar pela concessão de uso caso
entenda beneficiar o interesse público uma relação obrigacional mais estável, por meio
de um contrato administrativo e não por meio de simples ato administrativo.
Todos os citados instrumentos de outorga podem ter como condicionante o pagamento
de uma espécie de contraprestação. Todavia, ao contrário da autorização de uso a
permissão e a concessão deverão ser precedidas de procedimento licitatório a fim de
atender aos princípios da impessoalidade e da proposta mais vantajosa.

É o parecer

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