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Departamento de Direito
PESQUISA JURISPRUDENCIAL
CAPÍTULO I
DOS CRIMES CONTRA A LIBERDADE SEXUAL
Estupro
Art. 213. Constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, a ter conjunção carnal
ou a praticar ou permitir que com ele se pratique outro ato libidinoso:
Pena - reclusão, de 6 (seis) a 10 (dez) anos.
§ 1o Se da conduta resulta lesão corporal de natureza grave ou se a vítima é menor de 18
(dezoito) ou maior de 14 (catorze) anos:
Pena - reclusão, de 8 (oito) a 12 (doze) anos.
§ 2o Se da conduta resulta morte:
Pena - reclusão, de 12 (doze) a 30 (trinta) anos
Art. 214 -
Importunação sexual
Art. 215-A. Praticar contra alguém e sem a sua anuência ato libidinoso com o objetivo de
satisfazer a própria lascívia ou a de terceiro:
Pena - reclusão, de 1 (um) a 5 (cinco) anos, se o ato não constitui crime mais grave.
Art. 216.
Assédio sexual
Art. 216-A. Constranger alguém com o intuito de obter vantagem ou favorecimento sexual,
prevalecendo-se o agente da sua condição de superior hierárquico ou ascendência inerentes
ao exercício de emprego, cargo ou função.
Pena – detenção, de 1 (um) a 2 (dois) anos.
Parágrafo único.
§ 2o A pena é aumentada em até um terço se a vítima é menor de 18 (dezoito) anos.
O crime de estupro tem como tipo objetivo “constranger” que significa obrigar ou coagir
alguém a fazer algo contra a vontade e, portanto, o dissenso é pressuposto do crime. A Lei n.
12.015/2009 acabou com a distinção entre os crimes de estupro e atentado violento ao pudor que
agora se unem como estupro. Anteriormente, o estupro era entendido apenas pela prática de
conjunção carnal (penetração do pênis na vagina) e, consequentemente, só poderia ser cometido por
homem contra mulher. Com a junção do atentado violento ao pudor (antigo art. 214 do CP), agora se
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adere a prática de qualquer outro ato de libidinagem (sexo anal, oral, introdução do dedo na vagina
da vítima, etc.) cometido por homem ou mulher contra qualquer outra pessoa1.
A própria doutrina já aponta diversos atos libidinosos que configuram crime de estupro: passar
a mão nos seios da vítima ou em suas nádegas, esfregar o órgão sexual no corpo dela, introduzir
objeto em seu ânus ou vagina, etc2. Dessa forma, destaca-se que o STF, apesar de não adotar
claramente uma posição acerca da necessidade de contato físico, debateu recentemente sobre o beijo
lascivo (com a língua) para caracterizar ou não crime de estupro de vulnerável:
“Na sessão de dezembro, o relator do HC, ministro Marco Aurélio, votou pela manutenção
da decisão do TJ, pois considera que o chamado beijo lascivo não configura estupro. O
ministro observou que, anteriormente, havia dois tipos penais – estupro e atentado violento
ao pudor – com penas diversas. Mas, que com a alteração no CP introduzida pela lei
12.015/09, as duas condutas foram reunidas no conceito mais abrangente de estupro de
vulnerável, estipulando pena de 8 a 15 anos de reclusão para o delito de constranger menor
de 14 anos a conjunção carnal ou a prática de ato libidinoso diverso.
Segundo S.Exa., a conduta do réu restringiu-se à consumação de beijo lascivo, o que não se
equipara à penetração ou ao contato direto com a genitália da vítima, situações em que o
constrangimento é maior e a submissão à vontade do agressor é total.
O ministro Luís Roberto Barroso também considerou a pena excessiva e votou pela
concessão do HC para desclassificar a conduta e determinar que o juízo de primeira instância
emita nova sentença com base no artigo 215-A do CP (praticar contra alguém e sem a sua
anuência ato libidinoso com o objetivo de satisfazer a própria lascívia ou a de terceiro), cuja
pena varia de um a cinco anos de reclusão3”.
Mais que isso, o tribunal também já havia aberto intenso debate acerca da violência real nos
crimes de estupro:
“2. A ação penal nos crimes contra a liberdade sexual praticados mediante violência real,
antes ou depois do advento da Lei 12.015/2009, tem natureza pública incondicionada. O
SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL, diante da constatação de que os delitos de estupro, em
parcela significativa, são cometidos mediante violência, e procurando amparar, mais ainda,
a honra das vítimas desses crimes, aderiu à posição de crime de ação pública incondicionada,
que veio a ser cristalizada na Súmula 608, em pleno vigor. 3. Para fins de caracterização de
violência real em crimes de estupro, é dispensável a ocorrência de lesões corporais (HC
81.848, Relator Min. MAURÍCIO CORRÊA, Segunda Turma, DJ de 28/6/2002, e HC
102.683, Relatora Min. ELLEN GRACIE, Segunda Turma, DJe de 7/2/2011).
Pormenorizada na sentença condenatória a caracterização da violência real – física e
psicológica – a que foi submetida a vítima, é inviável, no instrumento processual eleito,
alterar a conclusão firmada acerca dos fatos e provas.
[HC 125360, rel. min. Alexandre de Moraes, 1ª T, j.27-02-2018, DJE 65 de 06-04-2018.]
1. Estupro. Tentativa. Caracteriza-se a violência real não apenas nas situações em que se
verificam lesões corporais, mas sempre que é empregada força física contra a vítima,
cerceando-lhe a liberdade de agir, segundo a sua vontade. 2. Demonstrado o uso de força
1GONÇALVES, Victor Eduardo Rios. Direito penal: dos crimes contra a dignidade sexual aos crimes contra a
administração. 23. ed. São Paulo: Saraiva Educação, 2019, p. 13-26. Disponível em:
https://integrada.minhabiblioteca.com.br/#/books/9788553608775/. Acesso em: 09/08/2020.
2GONÇALVES, Victor Eduardo Rios. Direito penal: dos crimes contra a dignidade sexual aos crimes contra a
administração. 23. ed. São Paulo: Saraiva Educação, 2019, p. 13-26. Disponível em:
https://integrada.minhabiblioteca.com.br/#/books/9788553608775/. Acesso em: 09/08/2020.
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STF mantém condenação de adulto por beijo lascivo em criança de cinco anos. Migalhas. Disponível em:
https://www.migalhas.com.br/quentes/312222/stf-mantem-condenacao-de-adulto-por-beijo-lascivo-em-crianca-de-
cinco-anos. Acesso em: 09/08/2020.
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Aqui, a ideia de que para o estupro é desnecessário que haja contato físico pode ser
exemplificada em casos que o sujeito obrigue a vítima a se automasturbar, realizar o ato sexual em
terceiro ou até em animais. Temos, de tal modo, que o pressuposto do crime é o envolvimento
corpóreo da vítima no ato de libidinagem. Importante sublinhar que o tipo penal exige um ato de
natureza sexual, tendo a Lei n. 13.718/2018 criado tipos penais que se enquadram melhor a
determinadas situações que não envolvem tais atos5.
Quanto ao tema, o STJ pressupõe que “a contemplação lasciva configura ato libidinoso
constitutivo dos tipos dos art. 213 e art. 217-A do CP, sendo irrelevante, para a consumação dos
delitos, que haja contato físico entre ofensor e vítima”. Em conformidade, segue julgado
paradigmático do referido tribunal:
A maior parte da doutrina penalista pátria orienta no sentido de que a contemplação lasciva
configura o ato libidinoso constitutivo dos tipos dos arts. 213 e 217-A do Código Penal – CP,
sendo irrelavante [sic], para a consumação dos delitos, que haja contato físico entre ofensor
e ofendido.
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SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. Aplicação das Súmulas no STF - Súmula 608. Disponível em:
http://www.stf.jus.br/portal/jurisprudencia/menuSumarioSumulas.asp?sumula=2694. Acesso em: 09/08/2020.
5GONÇALVES, Victor Eduardo Rios. Direito penal: dos crimes contra a dignidade sexual aos crimes contra a
administração. 23. ed. São Paulo: Saraiva Educação, 2019, p. 13-26. Disponível em:
https://integrada.minhabiblioteca.com.br/#/books/9788553608775/. Acesso em: 09/08/2020.
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Nesse enredo, conclui-se que somente após percuciente incursão fática-probatória seria
viável acolher a tese recursal de ausência de indícios de autoria e prova de materialidade do
delito imputado ao recorrente. Tal providência, contudo, encontra óbice na natureza célere
do rito de habeas corpus, que obsta a dilação probatória, exigindo que a apontada ilegalidade
sobressaia nitidamente da prova pré-constituída nos autos, o que não ocorre na espécie.
Por fim, analisando julgados do TJMG foi possível perceber julgados que reafirmam a tese
do STJ, mas também posicionamentos contraditórios que o ignoram de maneira lateral, como segue
evidenciado em trechos grifados:
“APELAÇÃO CRIMINAL - DELITOS CONTRA A DIGNIDADE SEXUAL - ARTIGOS
213 E 215, AMBOS DO CP - PRELIMINAR - ALEGAÇÃO DE INEXISTÊNCIA DE
PROVA DE QUE O RÉU SERIA O TITULAR DO TELEFONE UTILIZADO NA
PRÁTICA DELITUOSA - TESE MANIFESTAMENTE IMPROCEDENTE - PROVA
MATERIAL CONTUNDENTE NOS AUTOS - PREFACIAL REJEITADA - MÉRITO -
DESCLASSIFICAÇÃO DOS CRIMES DE ESTUPRO PARA O TIPO PENAL PREVISTO
NO ART. 240, §1º DA LEI Nº 8.069/90 - NECESSIDADE -VIOLAÇÃO SEXUAL
MEDIANTE FRAUDE - ABSOLVIÇÃO - VIABILIDADE - AUSÊNCIA DE
ENQUADRAMENTO TÍPICO - ART. 240, § 1º, DO ECA - CONTINUIDADE DELITIVA
- RECONHECIMENTO - RECURSO PROVIDO EM PARTE.
- Havendo prova material contundente nos autos (fl. 59) demonstrando que o réu é a pessoa
cadastrada como titular do número de telefone utilizado nos crimes narrados na denúncia,
deve ser rejeitada a preliminar suscitada pela Defesa.
- A conduta do réu classificada como crime de estupro - utilizar as redes sociais para contatar
adolescentes e coagi-las a enviar fotografias nuas e seminuas em poses eróticas -, se enquadra
de forma mais adequada no tipo penal previsto no art. 240, §1º, da Lei nº 8.069/90 (Estatuto
da Criança e do Adolescente), devendo, portanto, ser operada a desclassificação.
- Não se enquadrando a conduta do agente no tipo penal do art. 215 do CP, impõe-se sua
absolvição, uma vez que não houve prática de conjunção carnal ou ato libidinoso com a
vítima.
- Se os crimes de 240, § 1º, do ECA foram praticados no mesmo contexto fático, deve ser
reconhecida a continuidade delitiva.
V.V. ABSOLVIÇÃO POR ATIPICIDADE DA CONDUTA E/OU AUSÊNCIA DE
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