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Estupro Antes e Depois da lei 12015/2009

INTRODUÇÃO
Toda mudança traz consigo erros e acertos, não seria, pois, diferente com o
advento da lei 12.015 de 07 de agosto de 2009.
O certo é que toda nova lei surge ante aos anseios da sociedade, afinal é para
o homem mediano que a lei é editada.
É de se ver que a lei 12.015 ao surgir em nosso ordenamento jurídico, muitas
polêmicas, e há quem diga que ela trouxe mais erros do que acertos. Não
podemos negar que ela não conseguiu sanar as dúvidas no tocante ao
atentado violento ao pudor, mas, ela veio garantir o que há muito já se aceitava
em nossa sociedade, a tão falada “Dignidade Sexual”.
A lei 12.015/09, garantiu a tão falada igualdade de todos, de homens e
mulheres. Ora se somos todos iguais perante a lei, por que homens não
podiam ser estuprados? Afinal na prática isso já acontecia, seja pela via anal
ou oral, ou pela própria mulher que forçava a manter consigo conjunção carnal.
Nossa sociedade e as pessoas se “modernizaram” de tal forma, que hoje as
mulheres estão sim, mas “avançadas” ao ponto de desejar ardentemente um
homem e forçá-lo a manter consigo conjunção carnal ou outro ato diverso da
conjunção carnal, claro que não podemos esquecer que ante a força física do
homem ser notadamente superior a mulher, esta poderá sim forçar o homem
mediante grave ameaça.
Neste trabalho analisaremos de tudo a mudança comportamental da sociedade
em face do delito de estupro. Conheceremos um pouco mais da lei 12.015 e
suas inovações ao ordenamento jurídico penal brasileiro.
Ao final poderemos medir os prós e contra da lei, mas acima de tudo
saberemos que nossa sociedade esta deixando de lado o falso moralismo e
nossos legisladores estão mais atentos aos anseios da sociedade e mais
preocupados com o futuro de nossas crianças, que hoje infelizmente muitas
têm sua infância e inocência tolhida por conta deste tão bárbaro delito, seja o
de estupro na visão da lei anterior, ou seja, o de atentado violento ao pudor
tanto faz a dor íntima é a mesma nos dois casos.

1.0 SOBRE O ESTUPRO NA ÓTICA DA LEI ANTERIOR


1.0.1 Histórico
A palavra estupro deriva do termo Romano stuprum, que significava, em
sentido lato, qualquer ato impudico praticado com homem ou mulher,
englobando até mesmo o adultério e a pederastia. Em sentido estrito alcançava
apenas o coito com mulher virgem ou não casada, mas honesta. Stuprum
violentum enquadrava-se na modalidade de crimen vis, delito reprimido pela
Lex Julia de vi pubblica, com pena capital.[1]
Para esta lei o estupro era punido com a pena de morte. Na legislação
Hebraica, aplicava-se a pena de morte ao homem que violasse mulher
desposada, isto é, prometida em casamento. Se se tratasse de mulher virgem,
porém não desposada, devia ele pagar cinqüenta ciclos de prata ao pai da
vítima e casar com ela, não podendo “despedir em todos os seus dias”,
“porquanto a humilhou”.[2]
No Egito, a pena era a mutilação. Na Grécia, primeiramente era imposta
simples multa, mas a morte veio mais tarde a ser cominada.
No velho direito germânico, o delito era também punido severamente. No
canônico, para haver estupro, era mister que a ofendida fosse virgem; em
mulher deflorada não podia ocorrer esse crime. Exigia-se o emprego da
violência.
As velhas leis espanholas puniam com a morte o réu: a do Fuero Viejo
castigava com a pena capital o crime, ou com a declaración de enemistad, que
outorgava aos parentes da vítima o direito de dar morte ao ofensor; as do
Fuero Real e das Partidas também cominavam a pena máxima.
Nas antigas leis inglesas, o crime foi punido com a morte, depois substituída
pela castração e pelo vazamento dos olhos.
No antigo direito francês, distinguiam-se o rapto violento e o estupro. O
primeiro supunha a subtração violenta de donzelas, mulheres e viúvas de
qualquer idade, contra sua vontade, com o fim de abusar delas. O segundo
compreendia, o emprego de força por parte do réu, contra virgem, mulher, ou
viúva, tendo em mira a conjunção carnal. Entretanto o código de 1810
distinguiu inteiramente as duas figuras: o rapto é a subtração de menor,
constituindo só esse fato crime: se houver estupro, este será punido como
delito distinto. O código de 1882 não trouxe alteração ao disposto pelo de 1810.
É o estupro crime que invariavelmente é considerado por todas aas legislações
dos povos civilizados. Em quase todas as leis, os elementos do delito são os
mesmo: as relações carnais e a violência física ou moral.
Nosso ordenamento jurídico, por seu turno, sempre considerou crime as
condutas tipificadas no antigo artigo 213 de nosso atual código penal, as
ordenações filipinas já o previam, porém, contra mulher virgem e a pena
imposta era o casamento com a vítima e, na impossibilidade do casamento, o
dever era constituir um dote para a vítima. Caso o autor não dispusesse de
bens, era açoitado e degredado, salvo se fosse fidalgo ou pessoa de posição
social, quando então recebia tão-somente a pena de degredo. O estupro
violento foi inserido no Título XVIII e era reprimido com a pena capital.[3] A
pena de morte subsistia ainda que o autor se casasse com a ofendida após o
crime.
O código criminal do Império de 1830 elencou vários delitos sexuais sob a
rubrica genérica estupro. A doutrina da época, todavia, repudiou tal técnica de
redação. O legislador definiu o crime de estupro propriamente dito no artigo
222, cominando-lhe pena de prisão de três a doze anos, mais a constituição de
um dote em favor da ofendida.[4] Se a ofendida fosse prostituta, porém, a pena
prevista era de apenas um mês a dois anos de prisão. O código Penal de 1890,
inovando a legislação penal até então existente, intitulou como estupro a
cópula violenta, em seu artigo 269[5], estabelecendo as penas no artigo 268.[6]
Já mais próximos aos nossos dias, Carrara definia o estupro como a
“conoscenza carnale di Donna libera Ed onesta, preceduta de seduzione vera o
presunta, e non accompagnata da violenza”[7]
Em 1990, estupro foi considerado crime hediondo, elevando, portanto a pena
para pena de reclusão de seis a dez anos.
1.0.2 Evolução
Desde os primórdios da civilização a figura delitiva do crime de estupro existiu.
Nosso ordenamento jurídico embora a reconhecendo desde sempre, o crime
de estupro sempre foi um tabu para nossa sociedade, no inicio existia a figura
da mulher “honesta”, restando para as prostitutas o “prejuízo” por assim dizer.
Segundo a visão da época ipisis literis, tinha-se que: A meretriz estuprada,
além da violência que sofreu, não suporta outro dano. Sem reputação e honra,
nada tem a temer como conseqüência do crime. A mulher honesta, todavia,
arrastará por todo o sempre a mancha indelével com a que poluiu o estuprador
- máxime se for virgem, caso que assume, em nosso meio, proporções de dano
irreparável. No estupro da mulher honesta há duas violações: contra a
liberdade sexual e contra a honra; no da meretriz, apenas o primeiro bem é
ferido.
O marido que, mediante o emprego de violência ou grave ameaça, constrangia
a mulher à pratica de relações sexuais cometia crime de estupro? Os
doutrinadores mais antigos, como Nelson Hungria e E. Magalhães Noronha
entendiam inexistir o crime de estupro no caso, pois este exigia que a cópula
fosse ilícita (fora do casamento). A cópula decorrente do matrimônio era
considerada dever recíproco dos cônjuges, constituindo verdadeiro exercício
regular de direito; somente podia a mulher escusar-se se o marido, por
exemplo, estivesse afetado por moléstia venérea. Tal posicionamento não se
perdurava, mesmo antes do advento da lei 12015/09.
EMENTA: PENAL. CRIME CONTRA OS COSTUMES. ESTUPRO.
EXTINÇÃO DA PUNIBILIDADE. O restabelecimento da sociedade conjugal
pré-existente entre ofendida e o agente do delito constituiu-se, a partir da
interpretação analógica in bonan partem do artigo 107, inciso VII, do
Código Penal, causa extintiva da punibilidade. Decretaram extinta a
punibilidade. Unânime. (Apelação Crime Nº 70009464470, Quinta Câmara
Criminal, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Luís Gonzaga da Silva
Moura, Julgado em 06/10/2004)[8]
O mesmo diploma legal e doutrina reconhecia como causa de extinção de
punibilidade, o estuprador que casasse com a sua vítima, porém, após o
advento da lei 1106/2005, não há mais esta possibilidade.
EMENTA: PENAL. CRIME CONTRA OS COSTUMES. ESTUPRO.
EXTINÇÃO DA PUNIBILIDADE. É admitido o perdão da vítima em ação
penal pública condicionada à representação, por força do disposto nos
artigos 105, 107, V, e 225, §§ 1.º e 2.º, todos do Código Penal. O
casamento da ofendida com terceiro, em não tendo o crime sido
cometido com violência real ou grave ameaça e não havendo pedido de
prosseguimento da ação penal, constitui causa extintiva da punibilidade.
Inaplicável as disposições da Lei n.º 11.106/2005, que revogou o artigo
107, inciso VIII, do Código Penal, já que vigente lei mais benéfica ao
tempo do fato. Decretaram extinta a punibilidade. Unânime. (Apelação
Crime Nº 70013371620, Quinta Câmara Criminal, Tribunal de Justiça do
RS, Relator: Luís Gonzaga da Silva Moura, Julgado em 19/07/2006)[9]
2.0 Estupro na lei 2.848 de 7 de Dezembro de 1940.
Disposto no título VI dos crimes contra os costumes, já no capítulo I Dos crimes
contra a liberdade sexual, o estupro estava assim classificado:
Art. 213: Constranger mulher à conjunção carnal, mediante violência ou
grave ameaça:
Parágrafo único: (revogado pela lei 9.281 de 1996)
Pena: - reclusão de seis a dez anos. (redação dada pela lei 8.072 de 1990)
Em uma primeira análise podemos observar que o nome do título trazia a idéia
de bons costumes e não de dignidade como foi introduzido pela lei 12015/2009,
ou seja, temos uma maior preocupação do legislador haja vista que ao
falarmos em dignidade sexual sentimos uma maior repulsa pelo delito
cometido, ao passo que crimes contra os costumes deixava muito a critério do
à vítima ou o meio social ao qual pertencia classificava contra costumes.
A exemplo disso temos que até o ano de 1995 o estuprador que casasse com a
sua vítima a sua punibilidade era extinta, vê-se aqui claramente a aplicação no
que se refere aos costumes, pois naquele tempo (quando alei editada) a
preocupação era com a desonra da mulher, era com o fato de ter sido aflorada
e não “conseguir arranjar marido”, o que não faz sentido algum para a nossa
atual sociedade.
Vale ressaltar que o núcleo do tipo era se consubstanciava no verbo
constranger mulher a conjunção carnal, mediante violência ou grave ameaça.
Constranger significa forçar, compelir, coagir a mulher a manter com o agente
conjunção carnal.[10]
A conjunção carnal, nos termos do artigo, é somente a cópula vagínica, ou
seja, a introdução do pênis na cavidade vaginal da mulher. Não se
compreendem nesse conceito outras formas de realização do ato sexual,
considerados coitos anormais, por exemplo, a cópula oral, anal. Tais atos
sexuais poderão constituir o crime de atentado violento ao pudor. Desse modo
aquele que constrangia outrem, do mesmo sexo ou não a praticar com ele ato
libidinoso diverso da conjunção carnal praticava o ato do antigo artigo 214.
2.0.1 Bem Jurídico Tutelado
Protege-se com o dispositivo em estudo a liberdade sexual da mulher, ou seja,
o direito que tem ela de dispor de seu corpo com relação aos atos genésicos, e
não a sua simples integridade física, ou seja, a faculdade que ela tem de
escolher livremente seu parceiro sexual, podendo recusar inclusive o próprio
marido, quando assim desejar.
Entende-se por liberdade sexual, a capacidade do sujeito no caso em epígrafe,
da mulher de – “dispor livremente de seu próprio corpo na prática sexual, ou
seja, a faculdade de se comportar no plano sexual segundo seus próprios
desejos, tanto no tocante à relação em si, como no concernente à escolha de
seu parceiro, (...) na capacidade de se negar a executar ou a tolerar a
realização por parte de outro de atos de natureza sexual que não deseja
suportar, opondo-se, ao constrangimento de que é objeto exercido pelo agente.
A liberdade sexual, como objeto de tutela do direito Penal sexual, relaciona-se
com uma determinada percepção do que representa a dimensão sexual na vida
humana e da missão que corresponde ao direito Penal nesse campo.
A preocupação aqui é em assegurar ou garantir a atividade sexual das
pessoas seja exercida em condições de plena liberdade.
2.0.2 Sujeito Ativo
Somente o homem pode praticar o delito, uma vez que só o varão pode manter
conjunção carnal com mulher. Essa expressão se refere ao coito normal, que é
a penetração do membro viril no órgão sexual da mulher, com ou sem o intuito
de procriação. A prática violenta de ato libidinoso de mulher contra mulher
corresponde ao delito de atentado violento ao pudor.
Somente o homem poderá executar a ação típica, já que a lei falava em
“conjunção carnal”. Exclui-se, portanto, a prática de atos sexuais entre pessoas
do mesmo sexo. Assim, se uma mulher mediante o emprego de violência ou
grave ameaça, obrigar outra mulher a praticar com ela algum ato sexual, o
crime configurado será o de atentado violento ao pudor, PIS não se pode falar
em cópula vagínica, mas em mera prática de atos libidinosos diversos da
conjunção carnal. No que se refere a prática mediata, contudo, nada impede
que a mulher seja sujeito ativo do crime de estupro, uma vez que, nesse caso,
ela não estaria executando pessoalmente a conjunção carnal. Convém lembrar
que autor mediato é aquele que se serve de pessoa sem condições de
discernimento para realizar por Le a conduta típica.
2.0.3 Mulher como sujeito ativo
O professor Ernando Uchôa questiona:
"(...) qual seria o crime praticado pela mulher "A" que aponta umas arma e, sob
a ameaça de morte, constrange outra a ter com um homem uma relação
sexual?"
O caso em comento é resolvido tão-somente através da tipicidade, que é a
concretização de uma ação ou omissão prevista como crime. Com efeito, a
mulher "A", com o uso de arma de fogo, passou a "constranger mulher à
conjunção carnal, mediante violência ou grave ameaça". Isto é, a mulher "A",
ao apontar a arma à mulher "B", passou a constranger essa à conjunção carnal
com um homem, qualquer que seja, sem que desejasse. Detinha, pois, o pleno
domínio do fato criminoso e, por conseguinte, deve ser apontada como autora
do crime de estupro.
Realmente, os elementos objetivos, subjetivos e normativos do tipo foram
preenchidos com perfeição. Note-se ainda que não há, no Código, qualquer
observação no sentido de que a pessoa que realize o constrangimento seja a
mesma que deva ter relação sexual. Dessa forma, a mulher sozinha realizou o
verbo do tipo. Não há que se falar em concurso de agentes, visto que o
homem, no exemplo apontado, sequer tinha conhecimento do constrangimento.
Agiu ele de boa-fé, pensando que a mulher entregava-se por vontade própria.
Em verdade, apenas serviu de meio, instrumento, para a configuração do
delito. Não constrangeu ele a mulher a conjunção carnal.
2.0.3.1 Coação irresistível (art. 22 do CPB)
A coação pode utilizar-se da via física ou da via moral (grave ameaça). No caso
do art. 22 do CPB, a melhor doutrina afirma trata-se somente da coação moral,
porquanto a coação física irresistível retira a própria voluntariedade do ato, por
conseqüência, não há o comportamento e, logo, não há crime. Ademais, a
ameaça deve ser irresistível, e pode ser dirigida contra terceira pessoa que não
o coato, como, por exemplo, um parente.
A coação exclui a culpabilidade e não se confunde com o estado de
necessidade, excludente de antijuridicidade. Realmente, no estado de
necessidade, não há constrangimento algum, o indivíduo, para salvar direito
próprio ou alheio, realiza a conduta típica. Note-se ainda que, na grande
maioria dos casos, a coação exige uma relação tríade, formada pelo coator,
que obriga, o coato, que é obrigado e, finalmente, a vítima. Excepcionalmente,
pode apresentar apenas duas pessoas, o coator e o coato. Exemplo: aquele
constrange esse a praticar ato obsceno em local público.
Quanto aos efeitos penais, a coação transfere logicamente a responsabilidade
penal somente ao coator que, então, deve sozinho responder pelo fato típico e
antijurídico, com a agravação da pena prevista no art. 62, II. Ademais, deve
responder, em concurso formal, pelo crime de constrangimento ilegal (art. 146),
por haver coagido o executor do delito. É a nossa posição. In contrario sensu,
há a opinião de Celso Delmanto, verbis:
"Discordamos do entendimento de que ainda haveria concurso formal com
crime de constrangimento ilegal (CP, art. 146). Tal solução é inadmissível, em
vista de resultar em dupla punição pelo mesmo fato e em razão das regras
específicas dos arts. 22 e 62, II." (Código Penal Comentado, Celso Delmanto,
3a ed., pág.39)
Destarte, quando uma mulher ameaça irresistivelmente um homem, mediante,
p. ex., a utilização de arma de fogo, à prática sexual carnal com uma outra
mulher, esse não deve responder pelo estupro, porquanto não há
culpabilidade, ou seja, não há possibilidade de considerar, perante a
sociedade, esse homem culpado pela prática criminosa. O crime houve,
todavia, diante da grave ameaça (uma das causas que excluem a exigibilidade
de conduta diversa), não há o juízo de reprovabilidade. Por consectário, a
responsabilidade do crime migra somente para o coator, no caso em comento,
a mulher, que deve, então, responder, em concurso formal, pelos delitos de
constrangimento ilegal e estupro, vez que foi ela quem constrangeu mulher à
conjunção carnal.
Sucede que, apesar de haver praticado o crime, o coato não pode ser autor do
delito, porquanto ele não detinha o domínio do fato, das condições do delito.
Realmente, é o que escreve Damásio em seu recente livro Teoria do Domínio
do Fato no Concurso de Pessoas, verbis:
"(...) autor é quem tem o controle final do fato, domina finalisticamente o
decurso do crime e decide sobre sua prática, interrupção e circunstâncias ("se",
"quando", "onde", "como" etc)." (Teoria do Domínio do Fato no Concurso de
Pessoas, Damásio de Jesus, 1999, pág.16)
Portanto, diferentemente do que a doutrina pátria entende, há a possibilidade
de a mulher aparecer, no concurso de agentes, como autora, enquanto o(s)
outro(s) agente(s), apenas como partícipe(s).
2.0.3.2 Induzimento ao inimputável (art. 26 do CPB)
São inimputáveis, de acordo com o Código Penal, quem, ao tempo da infração
era inteiramente incapaz de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-
se de acordo com esse entendimento. Ocorre, conforme escrito por Fernando
Capez, em razão da existência de doença mental ou desenvolvimento mental
incompleto ou retardado ou ainda embriaguez completa proveniente de caso
fortuito ou força maior.
A inimputabilidade trata-se, pois, da incapacidade de entender o caráter ilícito
do fato e de determinar-se de acordo com esse entendimento. Dessa maneira,
o inimputável não deve responder pelo ilícito, apesar de cometê-lo, porquanto
da presença de todos os requisitos da estrutura do crime, dentre eles, a
vontade de cometer o fato. Com efeito, o inimputável tem o desejo de praticar o
crime, só que, ao tempo da infração, não tem a capacidade de entender porque
a sua conduta é criminosa (incapacidade de entender o caráter ilícito do fato)
ou, então, seu impulso patológico supera seu controle racional (incapacidade
de determinar-se de acordo com esse entendimento).
Por isso, quando uma mulher convence um inimputável a estuprar outra
mulher, ela pratica o crime assim como o inimputável. Só que esse último, da
mesma maneira que o coato, não detém o domínio do fato, na medida em que
é mero instrumento para a configuração do crime. Trata-se, pois, de outro caso
de autoria mediata no concurso de agentes, em que somente a mulher, que
induziu o inimputável (partícipe), pode ser considerada autora, porquanto
somente ela tinha o domínio do fato.
(http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=1038, em 09/11/2009 às
20:05)
2.0.4 Sujeito Passivo
Sujeito passivo é somente a mulher, virgem ou não, recatada ou não, inclusive
cônjuge ou companheira. O constrangimento ilegal empregado pelo marido
para realizar a conjunção carnal à força não constitui exercício regular de
direito.
A liberdade sexual é um direito assegurado a toda mulher, independentemente
de idade, virgindade, aspecto moral ou qualquer outra qualificação/adjetivação
que possa imaginar. No crime de estupro não se perquire sobre a conduta ou
honestidade pregressa a ofendida, podendo dele ser sujeito passivo até
mesmo a mais vil, odiada ou desbragada prostituta. Assim, qualquer mulher
pode ser vítima de estupro: honesta, prostituta, virgem, idosa, menor etc.
2.1 Adequação Típica
A ação típica é constranger (forçar, compelir) mulher (somente pessoa do sexo
feminino), virgem ou não, menor ou maior, honesta ou prostituta, mediante
violência (vis corporalis) ou grave ameaça (vis compulsiva), à conjunção carnal
(cópula vagínica). Qualquer outra forma de coito, dita anormal, constituirá
atentado violento ao pudor. O constrangimento ilegal tem a finalidade da
prática de conjunção carnal. A violência aliada ao dissenso da vítima dever ser
longamente demonstrada.
2.1.1 Violência ou grave ameaça: Modus Operandi
A violência a que se refere o tipo penal é a violência física (vis corporalis), com
a finalidade de vencer a resistência da vítima. Essa violência pode ser
produzida pela própria energia corporal do agente, que, no entanto poderá
preferir utilizar outros meios, como fogo, água, energia elétrica (choque),
gases, etc. a violência poderá ser imediata, quando empregada diretamente
contra o próprio ofendido, e mediata, quando empregada contra terceiro ou
coisa a que a vítima esteja diretamente vinculada.
Não é indispensável que a força empregada seja irresistível: basta que seja
idônea para coagir a vítima a permitir que o sujeito ativo realize seu intento.
A grave ameaça (vis compulsiva) é aquela que causa grande temor à vítima, a
ponto de esta, com receio de sofrer o mal prometido pelo autor, sujeitar-se à
conjunção carnal. A ameaça, em tal caso, pode ocorrer de forma indireta, na
qual o mal prometido incide contra pessoa estimada pela vítima, o que obriga-a
a entregar-se ao agente.
Ao contrario do que ocorre com o crime de ameaça, no crime de estupro não é
necessário que o mal prometido seja injusto, sendo suficiente que injusta seja a
pretensão ou a forma de obtê-la. A injustiça do mal não se encerra em si
mesma, mas deverá relacionar-se ao fim pretendido e à forma de consegui-lo.
O mal pode ser justo, mas fundamento que leva o agente a prometê-la ou o
método utilizado podem não sê-lo.
É irrelevante, enfim, que a ameaça para obter os “favores sexuais” seja justa
ou legal. Sua finalidade especial – constranger à conjunção carnal – é que
determina sua natureza ilícita, transformando-a não apenas em ilegal, mas
também em penalmente típica. Segundo Hungria, o agente não pode
prevalecer-se dessa condição para obter posse sexual da vítima contra a sua
vontade.
As lesões corporais leves constituem elementares do crime, mas as de
natureza grave podem qualificá-lo.
2.1.2 Dissenso da Vítima: nível de resistência da mulher
A conjunção carnal praticada mediante grave ameaça tipifica o crime capitulado
no artigo 213 do Código Penal, sendo irrelevante a virgindade da vítima, ou
mesmo tratar-se de mulher casada ou solteira, viúva ou até mesmo prostituta.
A configuração do crime repousa na supressão do poder da mulher defender-
se ou de opor-se à prática do ato sexual.
A ordem jurídica não pode esperar de ninguém a capacidade de praticar atos
heróicos. Também aqui vigem os princípios da proporcionalidade e da
razoabilidade, recomendando-se, concretamente, e avaliação da relação de
forças, especialmente a superioridade de forças do agente. Assim, não é
necessário que se esgote toda a capacidade de resistência da vítima, a ponto
de colocar em risco a própria vida, para reconhecer a violência ou grave
ameaça.
Para a configuração do crime de estupro não há necessidade de que a
violência seja sincera, mas não exige que se prolongue até o desfalecimento.
2.2 Tipo subjetivo: Adequação típica
Além do dolo genérico, comum a outros delitos, o crime comporta o específico,
constituído pelo fim de manter conjunção carnal com a ofendida. É o elemento
que discrimina a tentativa deste delito do atentado violento ao pudor, cuja ação
física pode ser a mesma.[11]
É mister ter o agente juízo ético do ato que quer praticar e se propor a
consegui-lo e realizá-lo. Deve ainda conhecer a vontade contrária ou a
oposição da vítima, pois esta circunstância completa a violência usada,
característica do delito.
Em se tratando de estupro com violência real, será sempre de cautela o exame
psiquiátrico. Como já dissemos, esse crime, máxime em tal modalidade, leva
sempre a presunção de se tratar de indivíduo anormal. Ora, dados os
progressos da criminologia, não se admite, hoje, sejam confundidos, no mesmo
tratamento penal, o imputável, o semi-imputável e o absolutamente inimputável.
Os motivos determinantes do delito não influem em sua constituição. Mas são
circunstâncias que naturalmente o juiz deve ter presente no seu
pronunciamento. Há notória diferença entre o delinqüente que ataca uma
virgem, para unicamente desafogar a luxuria, abandonando-a depois, e o
jovem que estupra a mulher amada, com o fito de vencer a resistência dos pais
e desposá-la.
2.2.1 Consumação e Tentativa
Trata-se de crime material que se consuma com a introdução completa ou
incompleta do pênis na cavidade vaginal da mulher. O mero contato do
membro viril com o órgão genital da mulher configura o crime tentado.[12] Para
Hungria, também será reconhecível a tentativa “quando não haja esse contato,
desde que as circunstâncias deixem manifesto, por parte do agente, o intuito
de conjunção carnal. Assim, deve responder por estupro tentado o indivíduo
que, depois de empolgar a vítima, joga-se no chão ou para cima do leito,
levantando-lhes as vestes, arrancando ou rasgando-lhe as calças, e retira o
membro em ereção, procurando aproximá-lo do pudendum da vítima, mas
vindo a ser impedido de prosseguir por circunstâncias independentes de sua
vontade (como quando a vítima consegue desvencilhar-se e fugir ou sobrevém
intervenção de terceiros). Desde que haja um inequívoco ensaio da introdução
da verga, é identificável o conatus”. Caso, no entanto, não chegue a haver
qualquer contato físico do agente com a vítima, mas se tiver sido empregada
grave ameaça (por exemplo, indivíduo que, mediante o emprego de arma de
fogo, leva a vítima a tirar a roupa, contudo desiste voluntariamente de seu
desiderato), deverá o agente responder pelo crime de constrangimento ilegal
(CP, art. 146), uma vez que, pela regra da desistência voluntária, o sujeito ativo
apenas responde pelos atos até então praticados (CP, art. 15).
Finalmente, pode suceder que o agente primeiro pratique atos libidinosos
diversos da conjunção carnal (coito anal ou oral), vindo depois a realizar a
conjunção carnal. Nesse contexto, caso o agente, por exemplo, venha a ser
surpreendido no momento em que está para introduzir o pênis na cavidade
vaginal, poderá responder pelo crime de estupro tentado em concurso com o
crime de atentado violento ao pudor.
2.3 Prova do crime de estupro: Materialidade e autoria
Nem sempre o estupro deixa vestígios. Na hipótese de tentativa, em que não
chega a haver conjunção carnal, dificilmente restam elementos a serem
periciados junto à ofendida, e, mesmo havendo consumação, os resquícios,
como na hipótese de mansa submissão após o emprego de grave ameaça, ou
ainda quando não há ejaculação do agente, só para citar alguns exemplos. Se,
no entanto, a “infração deixar vestígios, será indispensável o exame de corpo
de delito, direto ou indireto, não podendo supri-lo a confissão do acusado”,
conforme estatui o art. 158 do CPP. Essa regra legal excepciona o princípio da
livre apreciação da prova pelo juiz (CPP, art. 157), bem como o da verdade
real. Trata-se de adoção excepcional do sistema de prova legal, não podendo o
julgador buscar a verdade por nenhum outro meio de prova, seja pela confissão
do acusado, robusta documentação ou documentos testemunhais idôneos, pois
a lei se apega ao formalismo de exigir a proba pericial como único meio de
comprovar a materialidade delitiva. Assim, quando possível a realização da
perícia, sua falta implica a nulidade de qualquer prova produzida em sua
substituição (CPP, art. 564, III, b) e, por conseguinte, a absolvição do imputado
com fundamento no art. 386, VI, do CPP. O art. 167 somente se aplica aos
casos em que o exame direto já não era possível ao tempo do descobrimento
do delito, em face do desaparecimento dos vestígios. Se havia a possibilidade
de realizar o exame de corpo de delito direto, a omissão da autoridade em
determiná-lo não pode ser suprida por nenhuma outra prova, sob pena de
afronta à determinação expressa da lei (CPP, art. 158). Nota-se, contudo, uma
tendência da jurisprudência dos tribunais superiores a atenuar os rigores dessa
regra, sob o argumento de que, não sendo ilícitas, as demais provas podem ser
valoradas pelo juiz como admissíveis. Nesse sentido, o STF: “a nulidade
decorrente da falta de realização do exame do corpo de delito não tem
sustentação frente à jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, que não
considera imprescindível a perícia, desde que existentes outros elementos de
prova.
2.3.1 Prova da Conjunção Carnal
Trata-se de requisito do crime de estupro, ou seja, de que houve a introdução
completa ou incompleta do membro viril no órgão genital da mulher. Tal
comprovação pode ser realizada por meio dos vestígios, tais como: presença
de esperma na vítima, pêlos, ruptura do hímen, contágio de moléstia venérea,
gravidez. Já decidiu o Supremo Tribunal Federal no sentido de que “o fato de
os laudos de conjunção carnal e de espermatozóides resultarem negativos não
invalidade a prova de estupro, dado que é irrelevante se a cópula vagínica foi
completa ou não, e se houve ejaculação. Existência de outras provas.
Precedentes STF”[13]
Não basta, para a constatação de que houve o crime de estupro, a mera prova
da conjunção carnal, pois ela não é capaz de demonstrar a resistência da
vítima à prática do ato sexual. Importa notar que é comum mulheres, para se
vingarem de seus parceiros, por inúmeros motivos, denunciarem-nos por crime
de estupro. Daí por que tão-só a prova da conjunção carnal é apta para
comprovação do crime. Imprescindível a demonstração de que o ato sexual se
deu mediante constrangimento físico ou moral.
2.3.2 Prova da Violência Empregada
Trata-se aqui da prova real, ou seja, daquela em que houve o emprego efetivo
da força física, produzindo mordidas, tentativa de esganadura, unhadas, e
afins, como forma de obrigá-la à prática do ato sexual, ou seja, como forma de
vencer a resistência dela. Ocorre, por vezes que, ante a abordagem do agente,
pode quedar-se inerte, desmaiar, não manifestando assim nenhum ato de
resistência ao ato sexual. Em tais casos, o juiz deverá levar em conta outras
provas, dentre as quais a palavra da vítima e a prova testemunhal (exame de
corpo de delito indireto).
HABEAS CORPUS. PROCESSUAL PENAL. ESTUPRO. SENTENÇA
CONDENATÓRIA:
ALEGAÇÃO DE INSUFICIÊNCIA DE PROVAS PARA A CONDENAÇÃO.
PALAVRA DA VÍTIMA: VALOR PROBANTE. APELAÇÃO. AUSÊNCIA DE
INTIMAÇÃO PESSOAL DO DEFENSOR PÚBLICO PARA O JULGAMENTO.
NULIDADE. Conquanto tenha o laudo pericial registrado apenas a
ocorrência de conjunção carnal, não fazendo alusão à ocorrência de
violência, não está o juiz obrigado a acatá-lo e absolver o réu, desde que
outros elementos de convicção, especialmente a palavra da vítima – de
crucial importância nesse tipo de delito - corroborada por harmônica
prova testemunhal conduzem o magistrado a um seguro juízo de
condenação. Ademais, a via do h.c. não se mostra idônea para se
pretender a absolvição do réu por insuficiência de provas. Consoante
preconiza o art. 5º, § 5º, da Lei 1.060/50, com a redação da Lei 7.871/89, a
intimação do Defensor Público deve ser pessoal em ambas as instâncias.
Logo, a falta de intimação pessoal do Defensor Público da inclusão em
pauta e da data designada para julgamento da apelação enseja nulidade
absoluta. Pedido parcialmente deferido. (HC 10852 / PR HABEAS
CORPUS 1999/0089928-8 Relator (a) Ministro JOSÉ ARNALDO DA
FONSECA (1106) Órgão Julgador T5 - QUINTA TURMA Data do
Julgamento 21/10/1999 Data da Publicação/Fonte DJ 22/11/1999 p. 173).
2.3.3 Prova da Violência Moral
Nessa hipótese a prova do estupro é de difícil colheita. Será cabível no caso o
exame de corpo de delito indireto, ou seja, a prova testemunhal, isto é, se
houver, pois o crime de estupro é, via de regra, praticado às escondidas. Já
decidiu o STJ: “não sendo possível exame de corpo de delito, a prova
testemunhal poderá suprir-lhe a falta, mormente se corroboradas nos demais
elementos de convicção existente nos autos e reconhecidos pela sentença.
2.3.4 Prova da Autoria
Interessante a observação feita por Nelson Hungria, refletindo as limitações
periciais da época, no sentido de que os vestígios que denotam indícios da
violência ou da cópula são alheios à prova da autoria. Trata-se de prova de
materialidade do crime. Contudo, na atualidade, com o avanço da medicina, é
possível colher o material genético do suposto estuprador e comparar com o
material contido nos vestígios do crime, tais como esperma, pêlos, presentes
no corpo da vítima.
2.3.5 Palavra da Vítima
Via de regra, a palavra da vítima tem valor probatório relativo, devendo ser
aceita com reservas. Contudo, nos crimes praticados às ocultas, sem a
presença de testemunhas, como nos delitos contra os costumes, a palavra da
vítima, desde que corroborada pelos demais elementos probatórios, deve ser
aceita. Nesse sentido a lição de Francisco de Assis do Rêgo monteiro Rocha:
“nos delitos contra os costumes, a palavra da ofendida avulta em importância,
principalmente quando se trata de pessoa recatada, de bons costumes, de vida
anterior honesta e ilibada, recatada e acima de suspeitas. Nessas condições é,
muito evidente que suas declarações, apontando o autor do crime que lhe
vitimou, assume caráter extraordinário, frente às demais provas. Não seria
razoável e nem é comum, que a pessoa com essa qualidades viesse a juízo
cometer perjúrio, acusando um inocente de lhe haver constrangido á conjunção
carnal ou a ato libidinoso outro qualquer. Por isso, a sua palavra, enquanto não
desacreditada por outros meios de prova, digamos , vale como bom elemento
de convicção.”
3.0 Continuação do Delito
Às vezes, pode tornar-se patente. Suponha o seguinte caso, não difícil de
acontecer. Um indivíduo nutre avassaladora paixão por senhora que, sabedora
de sue desejo, o repele. Certo dia, por qualquer circunstância, torna-se senhor
de seu segredo, o qual, revelado, lhe causará grave dano. Ameaça-a, então, de
divulgá-lo. Aterrada e pondo esse bem ameaçado acima da própria honra, ela
acede aos seus desejos. Dispondo da vítima, a seu talante, o réu a possui
inúmeras vezes. Há estupro continuado: a resolução do agente é uma,
dominando todos e expedientes por ele empregados – possuir a vítima; a
pluralidade de violações jurídicas é patente – reiteradas conjunções sexuais,
por meio de ameaça; a identidade da natureza dessas infrações prova-se por
si. Como esse, outros casos podem ser citados, que demonstram a existência
de estupro continuado.[14]
4.0 Classificação Doutrinária
Trata-se de crime comum (o fato de somente o homem, em tese, ser o sujeito
ativo não qualifica como crime próprio); material (crime causa transformação no
mundo exterior); doloso (não há previsão de modalidade culposa); instantâneo
(a consumação não se alonga no tempo); unissubjetivo (pode ser cometido por
uma única pessoa); plurissubsistente (a conduta pode ser desdobrada em
vários atos).
5.0 ESTUPRO NA LEI 12015 DE 07 DE AGOSTO DE 2009.
Com o advento da lei 12015/09 alterou-se a redação do art. 213, conferindo-lhe
a modernidade e adequação à realidade atual.
Art. 213: Constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, a ter
conjunção carnal ou a praticar ou permitir que com ele outro se pratique
outro ato libidinoso;
Pena: - reclusão de 06 (seis) a 10 (dez) anos.
Neste norte, temos que unificaram as condutas descritas nos artigos 213 e 214
do Código Penal, ou seja, o bem jurídico tutelado passou a ser a liberdade
sexual do homem e da mulher, ao contrário do que ocorria com o artigo 213
que protegia somente a mulher.
Entende-se por ato libidinoso qualquer ato que satisfaça a libido alheia,
mediante violência ou grave ameaça, aqui não se incluem fotos, escritos ou
imagens. É a ofensa material de ordem sexual. Um simples beijo lascivo pode
ser considerado atentado violento ao pudor, dependo do contexto, e sob a ótica
da lei 12015/09, será assim estupro.
5.1 Bem Jurídico Tutelado
É a liberdade sexual da pessoa que sofre o constrangimento, diferentemente
do que a lei anterior determinava, haja vista, que antes para a configuração do
crime de estupro era obrigatória a figura da mulher como sujeito passivo.
Entende-se por liberdade sexual, a capacidade do sujeito de – “dispor
livremente de seu próprio corpo na prática sexual, ou seja, a faculdade de se
comportar no plano sexual segundo seus próprios desejos, tanto no tocante à
relação em si, como no concernente à escolha de seu parceiro, (...) na
capacidade de se negar a executar ou a tolerar a realização por parte de outro
de atos de natureza sexual que não deseja suportar, opondo-se, ao
constrangimento de que é objeto exercido pelo agente.
A liberdade sexual, como objeto de tutela do direito Penal sexual, relaciona-se
com uma determinada percepção do que representa a dimensão sexual na vida
humana e da missão que corresponde ao direito Penal nesse campo.
A preocupação aqui é em assegurar ou garantir a atividade sexual das
pessoas seja exercida em condições de plena liberdade.
5.2 Sujeitos
É possível sustentar a viabilidade de haver estupro cometido por agente
homem contra vítima mulher, por agente homem contra vítima homem, por
agente mulher contra vítima mulher.
O sujeito ativo pode ser qualquer pessoa, assim como o sujeito passivo.
5.2.1 A Mulher Como Sujeito Ativo Do Estupro, Sua Gravidez e o Aborto
Sentimental
No Brasil vigora quanto ao aborto um "Sistema Proibitivo Relativo" bastante
rigoroso no qual a prática do abortamento é crime e somente em duas
hipóteses há a possibilidade do aborto legal. Essas hipóteses são previstas no
artigo 128, I e II, CP, sendo a primeira a do chamado "aborto necessário ou
terapêutico" (como único meio para salvar a vida da gestante) e a segunda a
do denominado "aborto sentimental, humanitário ou ético" (referente aos casos
de gravidez resultante de estupro).
No aborto necessário o legislador apresenta uma solução para um dilema ético
que surge numa verdadeira "situação – limite", quando o médico é obrigado a
optar pelo salvamento de uma das vidas em jogo na situação concreta em
detrimento da outra. Guiando-se pelo critério da produção do menor dano
possível, opta-se pela vida da gestante, sem que isso implique em desvalorizar
ou desprezar a vida intrauterina.
Já no aborto sentimental, leva-se em consideração a inexigibilidade de que a
mulher leve adiante uma gravidez e venha dar à luz a uma criança que foi
concebida durante um ato de violência absurdo, o qual lhe acarreta sérios
danos emocionais e psíquicos, muitas vezes bem maiores do que as próprias
seqüelas físicas relativas ao evento.
É bem verdade que a vida humana que se desenvolve intraútero não tem
qualquer responsabilidade pelos atos ilícitos daquele que a gerou, sendo de
todo louvável e desejável que a mulher, consciente disso, preservasse a vida
em uma postura ética e justa. No entanto, o que é levado em conta pelo
legislador nesses casos é o fato de que a lei penal não é produzida para regrar
a conduta de "santos e heróis", razão pela qual se abre caminho, em certos
casos extremos, para a compreensão das fraquezas humanas, evitando-se
exigir das pessoas mais do que elas normalmente poderiam oferecer. É claro
que isso não significa também relegar à vida intrauterina uma posição
secundária sob o ângulo ético. Isso não impede que se empreendam todos os
esforços para a manutenção da vida intrauterina, independentemente de sua
origem. Apenas significa que a legislação não se arvora em impor, mediante a
ameaça da pena criminal, uma conduta eticamente irretocável, mas não afeta
ao comum dos mortais.
Essa orientação adotada pelo legislador pátrio tem sido defendida na doutrina
para os casos da mulher "vítima" de estupro que engravida:
"Pelo inciso II do artigo 128 está autorizado o aborto sentimental (ou ético, ou
humanitário), que é aquele que pode ser praticado por ter a gravidez resultado
de estupro. Tem-se entendido que, no caso, há, também, estado de
necessidade ou causa de não – exigibilidade de outra conduta. Justifica-se a
norma permissiva porque a mulher não deve ficar obrigada a cuidar de um filho
resultante de coito violento, não desejado".
Ademais, a hipótese vinha sendo inclusive ampliada por analogia "in bonam
partem" para os casos de gravidez resultante de atentado violento ao pudor.
Note-se que tal necessidade de interpretação extensiva ou mesmo analógica
do permissivo legal se esvai com o fim da anterior distinção entre "estupro" e
"atentado violento ao pudor", ora concentrada na nomenclatura generalizante
de "estupro".
Portanto, uma das conseqüências imediatas da unificação das figuras penais
sobreditas foi a eliminação da necessidade de extensão do permissivo legal
referente ao aborto em casos de gravidez resultante de "estupro" para os casos
de "atentado violento ao pudor". Doravante a dicção legal não causa qualquer
perplexidade, abrangendo todos os casos de gravidez resultante de atos
libidinosos violentos, sejam eles de "conjunção carnal" ou de qualquer outra
espécie.
Mas, até o momento se está tratando de casos em que a vítima do estupro
engravida e pode, induvidosamente, valer-se da autorização legal para a
prática do aborto sentimental. Ocorre que com o advento da Lei 12.015/09
surge a possibilidade de que a mulher seja a própria estupradora do homem –
vítima e venha a engravidar como resultado de sua conduta criminosa. Aí é que
surge a dúvida: poderá a mulher nessas circunstâncias (na condição de
infratora e não de vítima) optar pelo aborto sentimental pelo motivo de que a
gravidez resultou de um estupro? E mais, se a mulher não o quiser, poderá ser
compelida à prática do aborto legal no interesse do homem vitimado?
Seguindo uma ordem que vai do mais simples para o mais complexo, inicia-se
pela resposta à segunda pergunta formulada:
É visível que jamais seria admissível a imposição do aborto à gestante, ainda
que criminosa e mesmo considerando os interesses do homem vitimizado. A
primeira razão para essa afirmação encontra-se na cristalina dicção do artigo
128, II, CP, a exigir, para a prática do aborto sentimental, o requisito
(indispensável) do consentimento prévio da gestante.
Além disso, deve-se lembrar o fato de que a lei brasileira prima pela proteção
da vida humana intrauterina, conformando-se a um modelo proibitivo que
somente cede excepcionalmente em casos extremos e mesmo assim jamais
impõe como obrigatória a prática do abortamento sentimental. Optando a
gestante por levar adiante a gravidez, interesses outros, ainda que relevantes,
não têm, nem podem ter o condão de se sobreporem à preservação da vida
humana.
E não é somente sob o prisma ético que tal solução se impõe, encontrando eco
na legislação. Princípios básicos do Direito Penal como os da legalidade e da
intranscendência estão a indicar o reto caminho da negativa da imposição do
aborto à gestante criminosa. A legalidade impede tal imposição por ausência
de semelhante previsão legal. Não há "pena de aborto" prevista para a mulher
estupradora que engravida o que inviabiliza sua eventual aplicação. Para além
disso, tal pena seria inviável de ser mesmo prevista, considerando o Princípio
da Intranscendência, o qual não permite que a pena passe da pessoa do
infrator para atingir diretamente terceiros inocentes. Ora, o aborto sentimental
imposto seria um odioso exemplo de transcendência da lei penal, atingindo um
terceiro cuja inocência chega ao grau mais elevado imaginável. Haveria
infração, portanto, a um só tempo, às disposições do artigo 5º, XXXIX e XLV,
CF.
Resta agora adentrar na segunda questão, qual seja, poderia a gestante
criminosa, por sua vontade, optar pelo aborto sentimental?
É bem verdade que o permissivo legal (artigo 128, II, CP) não faz diferença
entre os casos, referindo-se somente à gravidez que "resulta de estupro".
Também pode ser que em certas circunstâncias tal opção da gestante venha
de encontro aos interesses financeiros, patrimoniais, afetivos e emocionais do
homem vitimizado.
No entanto, entende-se que o aborto legal somente diz respeito à gestante
vítima de estupro, jamais àquela que obteve por vontade própria a prática do
ato libidinoso de que resultou a prenhez.
Embora realmente a lei em sua literalidade se refira à gravidez que "resulta de
estupro" em geral sem fazer distinção entre a mulher como sujeito ativo ou
passivo do crime, deve-se considerar o fator histórico que aponta para o fato de
que à época da elaboração da norma não havia falar-se na mulher como
sujeito ativo do estupro, possibilidade esta somente ensejada pelo recente
advento da Lei 12.015/09. É, assim, trivial a conclusão de que a norma
permissiva dirige-se como sempre se dirigiu à mulher como vítima e não como
autora do estupro.
Entretanto, poder-se-ia acenar com a possibilidade de uma "interpretação
progressiva" ou "extensiva" do permissivo legal e, quem sabe, de aplicação de
analogia benéfica.
Tais teses devem ser rechaçadas, pois a "interpretação progressiva" ou mesmo
"extensiva", que permitiria a adaptação do velho texto ao novo contexto urdido
pela Lei 12.015/09 não parece encontrar abrigo na vontade legislativa.
Também não há razão alguma de semelhança que justifique analogia da
situação que envolve a mulher vítima de estupro com a da mulher estupradora.
Além disso, há também razões de ordem ética e prática para vedar o
beneplácito legal à mulher infratora.
A "interpretação progressiva" ou "extensiva" infringiria a "mens legis", vez que
jamais se pretendeu na legislação brasileira autorizar o aborto advindo de coito
desejado pela mulher. A razão de ser do aborto sentimental é o
reconhecimento pelo legislador do conflito e do sofrimento psíquico da vítima
de estupro, daquela que necessitará buscar forças sobre – humanas para
vencer a dor de conviver com terríveis lembranças durante a gestação e
inclusive após o parto, por toda sua convivência com o filho advindo de uma
relação sexual traumática. Não há de forma alguma justificativa para qualquer
comiseração semelhante em relação àquela que desejou a relação sexual e até
chegou ao ponto extremo de impô-la criminosamente ao homem – vítima. Não
se pode compreender como um capricho criminoso que ensejou um coito
desejado pela mulher poderia dar lugar a outro capricho, agora abrigado pela
lei, em eliminar a vida intrauterina. Isso seria o cúmulo da banalização do
desprezo pela vida humana em sua fase inicial.
Seria irrelevante o fato de que essa opção da gestante se adequasse aos
eventuais interesses do homem – vítima. O "desvalor do resultado" da gravidez
indesejada provocada pelo coito violento já tem seu tratamento na providência
da exacerbação punitiva da infratora, nos termos do artigo 234 – A, III, CP. Os
interesses (financeiros, patrimoniais, afetivos ou emocionais) do homem
vitimizado não podem servir de pretexto para a superação da relevância maior
da vida humana a ser tutelada. Seria absurdo sobrepor o interesse do vitimado
em não pagar pensão ou dividir seu patrimônio em sucessão à vida humana
em formação. Mesmo as questões afetivas e / ou emocionais podem ser
resolvidas por outros meios que não a eliminação de uma vida. A situação do
homem vitimado é bastante diversa da mulher em circunstâncias semelhantes,
vez que este não precisa manter em seu corpo por nove meses torturantes o
produto de uma relação sexual traumática.
Por outro lado a analogia não se adequa ao caso enfocado. Para a aplicação
da analogia são necessários dois requisitos básicos:
a) A inexistência de norma reguladora de determinado caso;
b) A existência de norma reguladora de caso semelhante, a ser
analogicamente estendida ao caso lacunoso.
Na situação em pesquisa inexiste lacuna legal. A gravidez resultante de
estupro permite o aborto nos termos do artigo 128, II, CP, referindo-se
claramente à mulher – vítima. De outra banda, estabelece a lei para a mulher
estupradora um aumento de pena devido à gravidez derivada do estupro,
considerando o incremento do "desvalor do resultado" em relação ao homem
vitimizado. Não há qualquer norma permissiva prevista para o caso na novel
legislação, a qual, aliás, se o quisesse, poderia ter reformulado a redação do
artigo 128, II, CP, para abranger as novas possibilidades ensejadas pela Lei
12.015/09. Note-se que os casos estudados não são semelhantes, muito ao
reverso, são mesmo contraditórios. Em uma situação trata-se da mulher na
condição de vítima, em outra desta na condição de criminosa. Que espécie de
analogia é aplicável a tal situação? Admitir que a mulher vítima de estupro
aborte é uma coisa absolutamente diversa de admitir que a mulher autora do
crime o faça. Neste segundo caso estar-se-ia permitindo que de um ato ilícito
se gerasse um direito para o infrator, o que viola frontalmente os mais
comezinhos Princípios Gerais do Direito.
Inclusive sob o prisma ético não seria jamais compreensível que se admitisse
ceder a tutela da vida humana intrauterina em prol do simples desejo da
criminosa que violou a dignidade e a liberdade sexual de outrem e agora
pretende violar também a vida humana para satisfazer seu capricho de não
arcar com o ônus de zelar pela futura criança.
Observe-se ainda que nem sempre o homem – vítima pretenderá a eliminação
do produto da concepção. Nesse caso, permitir o aborto sentimental à gestante
consistiria em uma terrível "vitimização secundária" do estuprado. Afinal, a lei
somente exige o consentimento da gestante para o aborto humanitário, o que
significa que ela poderia executá-lo à revelia do vitimado. Essa suposta
faculdade disposta à infratora poderia inclusive, em casos que tais, converter-
se em instrumento de pressão, chantagem emocional, intimidação ou moeda
de troca para com o homem – vítima, fator este deveras preocupante,
considerando que em regra o crime de estupro se processa mediante
representação do ofendido (regra da ação penal pública condicionada disposta
no artigo 225, "caput", CP).
Assim sendo, entende-se que a disposição do aborto legal, na modalidade
"sentimental", disposta no artigo 128, II, CP, somente é aplicável aos casos em
que a gravidez seja resultante de estupro, mas com a mulher figurando como
vítima e não como autora do crime.
Por derradeiro vale salientar que no caso do chamado "aborto necessário ou
terapêutico" (artigo 128, I, CP), ou seja, aquele permitido para "salvar a vida da
gestante", será indiferente a origem da gravidez. Tenha sido ela resultante de
crime, de relações normais, seja a mulher vítima, infratora ou alguém que
engravidou normalmente, sempre será possível o aborto legal. Seria
impensável vedar a prática do aborto necessário à gestante que praticou
estupro, pois que tal medida equivaleria a condená-la à morte. E a pena de
morte é vedada, em regra, no ordenamento jurídico brasileiro por disposição
constitucional (artigo 5º, XLVII, "a", CF), não admitindo aplicação direta ou
mesmo reflexa.
(http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=13501, em 09/11/09às 22:50).
5.3 Adequação Típica: Elemento Objetivo e Subjetivo
O elemento subjetivo do tipo permanece o mesmo, vale dizer, é dolo, não se
punindo a forma culposa. Em nosso entendimento, exige-se o elemento
subjetivo específico, consistente em obter a conjunção carnal ou outro ato
libidinoso, satisfazendo a lascívia. Pouco importa se o prazer sexual é mórbido,
como, por exemplo, valer-se do crime para vingança ou outro propósito similar.
Na realidade, existente a violência sexual, para configuração do tipo penal do
art. 213, diferenciando-o do mero constrangimento ilegal (art. 146, CP),
demanda-se o elemento subjetivo específico, calcado na satisfação da libido.
[15]
A expressão conjunção carnal possuía interpretação restritiva, no Brasil,
significando a introdução do pênis na vagina. Matem-se o mesmo significado,
pois o novo tipo penal preferiu especificá-la na sua descrição e associar a
prática de outro ato libidinoso qualquer. Enfim, o gênero é o ato libidinoso, que
envolve a conjunção carnal. Mas, para efeito de tipificação o estupro, há que se
respeitar a separação dos atos libidinosos: conjunção carnal ou outro ato
qualquer. Na peça acusatória, deve ser descrito o ato sexual violento tal como
se deu. Se mais de um, evidentemente, todos devem ser especificados para
garantir o pleno direito de defesa.
5.4 Consumação e Tentativa
Quanto à consumação, depende da forma eleita pelo agente. Tratando-se de
conjunção carnal, não se exige a completa introdução do pênis na vagina, nem
é necessária a ejaculação. No tocante a outro ato libidinoso, a forma
consumativa é mais ampla, pois as maneiras de cometimento do crime são
diversificadas. Basta o toque físico eficiente para gerar a lascívia ou o
constrangimento efetivo da vítima a se expor sexualmente ao agente para ser
atingida a consumação. Porém, somente o caso concreto poderá delimitar, com
eficiência, a finalização do iter criminis, permitindo ao juiz visualizar a
consumação.
5.4.1 Violência e Grave Ameaça
Mantêm-se os conceitos anteriores de violência (coação física) e grave ameaça
(violência moral, com intimidação séria).
5.5 Classificação Doutrinária
O crime continuou a ser comum, porém, agora pode ser cometido por qualquer
pessoa e de forma livre (pode ser cometido tanto por conjunção carnal como
por qualquer outro ato libidinoso). Continua a ser material (demanda resultado
naturalístico, consistente no efetivo tolhimento à liberdade sexual); comissivo
(os verbos indicam ação); instantâneo (o resultado se dá de maneira definida
no tempo); de dano (a consumação demanda lesão ao bem tutelado);
unissubjetivo (pode ser cometido por uma só pessoa); plurissubsistente (é
praticado em vários atos).
Admite tentativa, embora de difícil comprovação.
A pena, para forma simples, não se alterou (reclusão de 06 a 10 anos).
5.6 Os Prós e Contra da Nova lei
Quem cometeu crimes sexuais graves poderá ter a pena diminuída e aqueles
que cometeram delitos de menor potencial podem ter a punição agravada. A
constatação é da procuradora de Justiça em São Paulo Luiza Nagib Eluf, após
uma leitura atenta de artigos da Lei 12.015, que passou a valer a partir de 7 de
agosto deste ano e promoveu alterações no Código Penal e na Lei de Crimes
Hediondos com o objetivo de tornar mais severas as punições aos crimes de
estupro e pedofilia.
Os crimes antes considerados atentado violento ao pudor, enquadrados no
Artigo 214 do Código Penal, agora serão contemplados no Artigo 213, referente
ao estupro. Com isso, estupro e atentado violento ao pudor, que eram dois
crimes autônomos com penas somadas, devem resultar na aplicação de uma
única pena.
“Realmente corremos o risco de as penas serem menores. Antigamente
aplicávamos concurso material de delitos. Quem praticou [de forma forçada]
sexo vaginal [que era estupro] e depois oral [que era atentado violento ao
pudor] podia receber seis anos por causa de cada delito. Sempre pedi
condenação pelos dois delitos com penas somadas. Agora eles passaram a ser
a mesma coisa”, afirma Luiza, especialista em direito penal e autora de
diversas publicações sobre crimes sexuais.
Segundo a procuradora, a nova lei também peca ao não corrigir a ampla
abrangência do atentado violento ao pudor. O Artigo 213 faz menção a
“constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, a ter conjunção
carnal” ou a praticar “outro ato libidinoso”. As penas previstas são reclusão de
seis a dez anos; de oito a 12 anos se a vítima tiver idade entre 14 e 18 anos; e
de 12 a 30 anos se o crime resultar em morte.
“Outro ato libidinoso pode ser um beijo e aí não dá para aplicar seis anos de
prisão a quem beijou uma pessoa à força. Isso não pode ser tão grave quanto
a conjunção carnal e outros tipos de violação”, argumenta.
“[A lei] tinha que ter detalhado melhor o que são esse atos libidinosos. Quando
fala em outro ato libidinoso pode ser qualquer ato. O direito penal tem que ser
muito preciso e claro. Relação oral ou anal forçada é sim comparável ao
estupro, mas outros atos já não são”, acrescenta.
Luiza também considera equivocada a proibição instituída no Artigo 217 pela
lei, que criminaliza qualquer prática sexual com menor de 14 anos ou pessoas
com deficiência mental, definindo-as como estupro de vulnerável. A
procuradora lembrou que hoje muitas meninas de 13 anos já têm namorado e
mantêm relações sexuais regulares e consentidas. “Seria mais razoável definir
que até os 12 anos, período da infância definido no Estatuto da Criança e do
Adolescente, a relação sexual seria sempre considerada violência”, opina a
procuradora, ao ressaltar a pena de oito anos de reclusão prevista para o
estupro de vulnerável.
Em relação às pessoas com deficiência mental, a procuradora avalia que a lei
teria partido de um pressuposto errôneo de que elas não possuem desejo
sexual e, na prática, declarou-as impedidas de ter relação sexual.
Para ela, as brechas deixadas pela nova legislação para análises subjetivas
exigirão maior prudência dos operadores do direito penal na avaliação dos
casos. “A lei é taxativa, mas a interpretação terá que se razoável, seguir o bom-
senso na sua aplicação. Infelizmente essa nova lei perdeu a oportunidade de
solucionar antigas controvérsias jurisprudenciais”, ressaltou.
A unificação dos crimes de estupro e atentado violento ao pudor vai na
contramão de uma decisão tomada em 18 de junho deste ano pelo Supremo
Tribunal Federal (STF), quando os ministros da Corte decidiram por seis votos
a quatro que atentado violento ao pudor e estupro não são crimes continuados.
Pela manifestação do STF, quem praticar os dois crimes deve ter as penas
somadas, já que os delitos, embora ambos sejam crimes sexuais, não são da
mesma espécie.
Para a ministra-chefe da Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres
(SPM), Nilcéa Freire, que diz ter opinado pela sanção integral do projeto
enviado pelo Congresso, a nova legislação é um avanço e aumenta o rigor
punitivo.
"Nós opinamos pela sanção dessas modificações que hoje constituem o novo
Código Penal brasileiro. À medida que se amplia a visão do que significa o
crime sexual, ele não é mais somente a partir da questão física, mas também a
própria intenção e subjugação do outro no sentido da violência sexual é
considerada crime", argumentou a ministra.
Sobre os riscos de criminosos se beneficiarem com as mudanças na
legislação, Nilcéa ressaltou que as alterações ainda estão entrando em vigor e
“isso não está efetivamente comprovado."[16]
A Lei nº 12.015, promulgada em 7 de agosto último, promoveu alterações na
legislação penal brasileira, mais especificamente com relação aos
anteriormente chamados "Crimes contra os Costumes", hoje denominados de
"Crimes contra a Dignidade Sexual".
Dentre as inovações trazidas, a novel legislação jungiu os crimes de estupro e
de atentado violento ao pudor, tal como eram previstos pela redação original do
Código Penal.
Desde a década de 1940, à qual remonta o Código Penal, o ordenamento
tratava de forma separada os crimes de estupro e atentado violento ao pudor,
embora ambos visassem a proteção da liberdade sexual.
O art. 213 tipificava o crime de estupro como sendo o constrangimento de
mulher à conjunção carnal mediante violência ou grave ameaça, crime
complexo que conjuga o tipo penal do constrangimento ilegal com um fato que
por si só não configuraria crime, que é a conjunção carnal.
Para a configuração do crime de estupro, portanto, era necessária a conjunção
carnal, entendida como esta a cópula vagínica, ou seja, a penetração do
membro viril masculino no órgão sexual feminino, motivo pelo qual tal crime era
considerado duplamente próprio, uma vez que exigia uma qualidade específica
tanto do sujeito ativo (ser homem), quanto do sujeito passivo (ser mulher).
De outro lado encontrava-se disciplinado o atentado violento ao pudor, no art.
214 do Código Penal, tipo que previa o crime de constranger alguém mediante
violência ou grave ameaça a qualquer outro ato libidinoso diverso da conjunção
carnal, entendo-se este como qualquer ato com o objetivo de satisfação da
lascívia. Assim como o crime de estupro tratava-se de um crime complexo,
mas, diferente daquele, de um crime comum, que poderia ser praticado por e
contra qualquer pessoa.
Como ensinam Mirabete e Fabbrini, alguns atos libidinosos "são equivalentes
ou sucedâneos da conjunção carnal (coito anal, coito oral,...)". Além destas
hipóteses, continuam os autores "outros, não o sendo, contrastam
violentamente com a moralidade sexual, tendo por fim a lascívia, a satisfação
da libido (...). É considerado ato libidinoso o beijo aplicado de modo lascivo ou
com fim erótico".
Por tratarem-se de tipos penais distintos, embora a objetividade penal de
ambos pudessem ser equiparadas, sempre se vislumbrou a hipótese de
concurso entre os crimes de estupro e atentado violento ao pudor, óbviamente
em casos em que não se pudesse considerar o ato libidinoso (punível pelo
atentado violento ao pudor) como mero "prelúdio da cópula".
Algo que também sempre foi matéria de discussão, tanto na doutrina quanto na
jurisprudência foi a possibilidade de reconhecimento de continuidade delitiva
entre estes tipos penais. Muito embora a corrente que prevalece seja pela não
possibilidade de continuação, entendimento este encampado pelo Supremo
Tribunal Federal, como bem assinalam Mirabete e Fabbrini há ponderável
corrente jurisprudencial no sentido de se admitir a continuidade, haja vista que
embora definidos (leia-se, fossem definidos) em artigos diferentes, estupro e
atentado violento ao pudor são (eram) crimes da mesma espécie, pois não
passam de condutas homogêneas em que o agente, por meio de violência ou
grave ameaça, procura satisfação de seu instinto sexual, violando a liberdade
sexual da vítima.
De uma forma ou de outra, seguindo uma ou outra corrente, é certo que a
prática de ambos os crimes num mesmo contexto sempre foi apenada de forma
mais grave, quer pelo cúmulo do concurso material de crimes, quer pela
exasperação da continuidade delitiva.
Ocorre que com a alteração trazida pela Lei nº 12.015/2009, com a junção de
ambas as condutas em um só tipo penal, o de Estupro, tal crime passou a ser
caracterizado como um crime de ação múltipla ou de conteúdo variado, que é
aquele que contém várias modalidades de conduta, qualquer uma delas
suficiente per si para a caracterização da prática do crime.
Segundo a redação atual do caput do art. 213 do Código Penal, é crime de
estupro: "Constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, a ter
conjunção carnal ou a praticar ou permitir que com ele se pratique outro ato
libidinoso qualquer".
Da forma como disposto, o crime de estupro caracterizar-se-á quer pela
conjunção carnal, quer pela prática de qualquer outro ato libidinoso, tal como a
cópula anal ou oral e, como corolário, caso ambos os atos sejam praticados
durante a mesma ação delituosa, o criminoso apenas responderá por um único
crime, o de estupro, não se podendo mais falar em concurso material ou
mesmo em crime continuado, na medida em que nos crimes de ação múltipla o
agente só será punido por uma das modalidades inscritas no tipo, embora
possa praticar duais ou mais condutas nele previstas em decorrência do
princípio da alternatividade.
A questão gera um certo inconformismo interno e já foi objeto de reflexão e
digressão por Marcelo Bertasso, que em seu blog escreve que embora a tese,
do ponto de vista jurídico, seja sustentável, ela gera um incontornável problema
lógico e mesmo moral.
Comungamos da opinião e da consternação do eminente Juiz, pois em assim
sendo, a alteração seria como uma "carta branca" para que o delinqüente
constrangesse a vítima a com ele praticar conjunção carnal e quaisquer outros
atos libidinosos sem, contudo, ser punido mais gravemente por isso.
E além disso, não nos parece ter sido este o objetivo do legislador, nem ter
sido este efeito por ele previsto. Conforme se verifica na exposição de motivos
do PL 6744/2006, que após Emenda Aglutinativa redundou no PL 4850/2005
que culminou na Lei 12.015/2009, após esclarecer que a união dos dois crimes
em um único tipo penal decorria de ambos possuírem a mesma pena, serem
considerados hediondos, e tendo praticamente o mesmo objeto, o Deputado
Robson Tuma esclarece que: "Nos casos práticos, para perfeita qualificação e
aplicação da pena, compete ao magistrado efetuar análise precisa a respeito
da existência de concurso entre os dois crimes, com a possível majoração da
pena, o que efetivamente vem ocorrendo".
Para resolver o imbróglio, Marcelo Bertasso sugere uma tese: "(...) o tipo penal
do art. 213 do Código Penal prevê apenas um "núcleo do tipo", a saber, o
verbo "constranger". O que varia é o complemento verbal, que pode ser duplo –
a manter conjunção carnal ou a realizar outro ato libidinoso. Pode-se sustentar,
porém, que o complemento verbal não integra o núcleo do tipo, de modo que a
conduta configuradora do delito é apenas uma e não variável. Segundo essa
interpretação, portanto, se o agente constrange a vítima a com ele manter
conjunção carnal e depois a constrange a praticar outro ato libidinoso – mesma
vítima e mesmo contexto fático -, comete dois estupros em continuidade".
Embora louvável a tentativa do Magistrado em corrigir a problemática criada
pela alteração, com a devida vênia nos parece insustentável a construção.
Ora, é sabido que uma ação pode ser integrada por diversos atos. Se hoje o
crime de estupro abrange tanto a conjunção carnal quanto outros atos
libidinosos, devemos considerar a conjunção carnal e os demais atos
libidinosos como atos componentes de uma mesma ação, de uma mesma
conduta, que é o crime de estupro, não podendo punir cada um destes atos
como um crime único, sob pena de inquestionável bis in idem.
O fato é que, além de extirpar a possibilidade do agravamento da pena, quer
pelo cúmulo material, quer pela exasperação no caso de prática de ambas as
condutas no mesmo contexto, a alteração caracteriza inegável novatio legis in
mellius para aqueles que praticaram os crimes de estupro e atentado violento
ao pudor sob a égide das disposições passadas e foram denunciados ou até
mesmo condenados pelo concurso material ou pela continuidade delitiva de
ambos os crimes.
Esperamos que tal discrepância seja consertada, o que, ao nosso ver, não
poderá se dar no campo da hermenêutica, mas tão-somente mediante nova
alteração legislativa, pois, ainda que não tenha sido intenção do legislador este
abrandamento, deveria ter sido mais diligente e previsto as conseqüências de
uma modificação dessa natureza, pois da forma tal como tipificado atualmente,
qualquer entendimento em sentido diverso restará contra legem.[17]

Os crimes praticados neste capítulo, agora se processam mediante ação


penal pública condiciona à representação, tratando-se de vítima maior e
ação penal pública incondicionada quando a vítima for menor de 18 anos
ou pessoa vulnerável.

CONCLUSÃO
A unificação dos crimes de estupro e atentado violento ao pudor faz
desaparecer, por completo, qualquer referência à honestidade ou ao recato
sexual da vítima. Pouco importa como age o ofendido nesse cenário, podendo
ser prostituta ou garoto de programa. Logicamente, o p0onto central continuará
sendo a produção de prova, pois o delito cometido apenas com o uso de grave
ameaça é mais difícil de ser evidenciado.
O concurso de crime altera-se substancialmente. Não há mais a possibilidade
de existir concurso material entre estupro e atentado violento ao pudor.
Na visão da lei anterior o sujeito que comete-se o delito de estupro e atentado
violento ao pudor, poderia ser demandado em concurso material de crimes,
hoje não como, haja vista as duas condutas estarem unidas em um único tipo
penal.
A nova lei trouxe consigo, outra relevante mudança, a saber: a possibilidade de
crime continuado, anteriormente não havia tal possibilidade, pois os crimes de
atentado violento ao pudor e estupro eram descritos em tipos penais diferente.
Como hoje houve esta unificação, haverá esta possibilidade desde que
observados o disposto no artigo 71 do CP.
Ou seja, em casos como o do “Maníaco do Parque”, em que o réu foi
demandado por cada um dos delitos (em concurso material em alguns casos),
sob a ótica na nova lei, seria considerado crime continuado, pois, o modus
operandi, o delimitação de tempo e espaço atendem ao disposto no artigo 71
do CP. Neste caso consideraria o primeiro delito e os demais seriam uma
extensão do primeiro.
Não há como não se falar também, na mudança da denominação do título,
abandonando a idéia de crimes contra os costumes (e com ela, todo falso
moralismo que a questão envolvia) para apegar-se a idéia de crimes contra a
liberdade sexual, que na realidade é o que atende melhor as necessidades
sociais vigentes hoje em dia.
Não olvidemos também, que o homem passou a ser sujeito passivo do crime
de estupro, o que na prática já vinha acontecendo de forma reiterada. Mesmo o
homem não tendo vagina, isso não o afastava das atrocidades que tal crime
traz.
Infelizmente, na nossa sociedade atual, as “perversões” sexuais ganharam
proporções gigantescas. Antes a violência sexual era cometida basicamente
contra mulheres, hoje, não os homens (adultos inclusive) são vítimas também.
E talvez a sua dor, moral e física seja maior do que das mulheres, pois, sua
masculinidade fica em evidência, ou melhor, fica na mira e por vezes é alvo de
piadas de péssimo gosto.
Devemos lembrar também que crianças são vítimas de tal delito, meninos, em
plena formação sexual têm seu corpo brutalmente violado, para satisfazer ao
mórbido prazer de outrem.
Outro ponto que merece destaque é que a ação penal nestes casos é a
alteração da política criminal no cenário dos crimes sexuais. Afasta-se a ação
penal privada, que dava ensejo a argumentos de proteção a intimidade,
evitando escândalo do processo. Ora, toda a ação passa a ser pública
condicionada à representação, o que confere aos crimes sexuais maior
coerência. Se a vítima quer preservar sua intimidade, sendo pessoa adulta e
capaz, basta não representar. Porém fazendo-o, caberá ao Ministério Publico
agir. Por outro lado, elimina-se a discussão sobre o estado de pobreza da
pessoa ofendida, continuado-se a tutelar, como maior ênfase, o vulnerável.
REFERÊNCIAS
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Bittencourt, São Paulo, Saraiva, 2005.
Capez, Fernando. Curso de Direito Penal, Volume 3. Fernando Capez, São
Paulo, Editora Saraiva, 2005.
Jesus, Damásio E. Direito Penal, Volume 3, São Paulo, Editora Saraiva, 2004.
Mirabette, Julio Fabbrini. Manual de Direito Penal, Julio Fabbrini Mirabete,
Volume 3, São Paulo, Editora Atlas 2004.
Noronha, E. Magalhães. Direito Penal. E. Magalhães Noronha, Volume 3, São
Paulo, Editora Saraiva, 2003.
Nucci, Guilherme de Souza. Manual de direito Penal, Guilherme de Souza
Nucci, Volume 3, São Paulo, Editora Revista dos Tribunais, 2008.
Nucci, Guilherme de Souza. Crimes Contra a Dignidade Sexual, Comentários à
lei 12.015 de 7 de agosto de 2009. Volume 1. São Paulo, Editora Revista dos
Tribunais, 2009.
Prado, Luiz Regis, Curso de Direito Penal. Luiz Regis Prado, Volume 3, Editora
Revista dos Tribunais, 2003.
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