Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
BACHARELADO EM DIREITO
DIEGO REZENDE
CRIMES EM ESPÉCIE
VARGINHA / MG
2017
DIEGO REZENDE
CRIMES EM ESPÉCIE (CRIMES SEXUAIS CONTRA VULNERAVÉIS)
INTRODUÇÃO
O presente trabalho tem a finalidade de apresentar uma análise detalhada do
crime de ESTUPRO (CP, art. 213), visando possibilitar aos operadores do direito uma
reflexão sobre as particularidades do delito diante da legislação atual. O Título VI
do Código Penal, com a redação dada pela Lei 12.015/2009, (em consonância com a
evolução social e como desdobramento dos trabalhos da “CPI da Pedofilia”), passou a
prever os Crimes contra a dignidade sexual, alterando a respectiva redação anterior
que previa os Crimes contra os costumes, pois tal expressão já não traduzia a
realidade do bem juridicamente protegido.
Ao eleger a dignidade sexual como bem jurídico protegido, o Código Penal
estabelece a devida sintonia com o princípio constitucional da dignidade da pessoa
humana (CF, art. 1º, III). Toda pessoa humana tem o direito de exigir respeito em
relação à sua vida sexual, como também tem a obrigação de respeitar as opções
sexuais alheias e para tanto deve o Estado assegurar os devidos meios.
Embora a dignidade ou não de certo ato sexual é algo subjetivo e incerto, pois o que é
digno para um pode não ser para outro, e vice-versa, verifica-se que é penalmente
relevante, em matéria de sexualidade, somente conduta que se relaciona à relação
sexual não consentida (seja por força de coação ou fraude), à exploração por terceiros
e à cometida contra vítimas que a lei considera vulneráveis. Em outros casos, deve
prevalecer o direito à liberdade e à intimidade das pessoas.
O crime de estupro consiste no fato de o agente “constranger alguém,
mediante violência ou grave ameaça, a ter conjunção carnal ou a praticar ou permitir
que com ele se pratique outro ato libidinoso” (CP, art. 213, caput).
São quatro os elementos que integram o delito: (1) constrangimento
decorrente da violência física (vis corporalis) ou da grave ameaça (vis compulsiva);
(2) dirigido a qualquer pessoa, seja do sexo feminino ou masculino; (3) para ter
conjunção carnal; (4) ou, ainda, para fazer com que a vítima pratique ou permita que
com ela se pratique qualquer ato libidinoso. O estupro, consumado ou tentado, em
qualquer de suas figuras (simples ou qualificadas), é crime hediondo (Lei 8.072/90,
art. 1º, V).
Trata-se de crime comum (aquele que pode ser praticado por qualquer
pessoa), plurissubsistente(costuma se realizar por meio de vários
atos), comissivo (decorre de uma atividade positiva do agente “constranger”) e,
excepcionalmente, comissivo por omissão (quando o resultado deveria ser impedido
pelos garantes – art. 13, § 2º, do CP), de forma vinculada (somente pode ser cometido
pelos meios de execução previstos no tipo penal: violência ou grave
ameaça), material (só se consuma com a produção do resultado conjunção carnal ou
outro ato libidinoso), de dano (só se consuma com a efetiva lesão ao bem jurídico
protegido, a liberdade sexual da vítima), instantâneo(uma vez consumado, está
encerrado, a consumação não se prolonga), monossubjetivo (pode ser praticado por um
único agente), doloso(não há previsão de modalidade culposa), não transeunte(quando
praticado de forma que deixa vestígios), ou transeunte (quando praticado de forma
que não deixa vestígios).
O objeto jurídico do crime de estupro é liberdade sexual. As pessoas têm o direito de
dispor do próprio corpo como também a plena liberdade de escolha do parceiro
sexual, para com ele, de forma consensual, praticar a conjunção carnal ou outro ato
libidinoso. Objeto material é a pessoa constrangida, sobre a qual recai a conduta.
Consumação e tentativa
O estupro é crime material, que só se consuma com a produção do resultado
naturalístico, consistente na conjunção carnal ou outro ato libidinoso. Consuma-se,
portanto, após o constrangimento da vítima, mediante violência ou grave ameaça:
(1) na hipótese de conjunção carnal – no momento da penetração completa ou
incompleta do pênis na vagina, com ou sem ejaculação; (2) na hipótese de outro ato
libidinoso – no momento em que a vítima pratica em si mesma, no agente ou em
terceira pessoa algum ato libidinoso (exemplos: masturbação, sexo oral etc.), ou no
instante em que alguém atua libidinosamente sobre seu corpo (exemplos: toques
íntimos, sexo anal etc.). A prática de mais de um ato libidinoso, no mesmo contexto
fático e com a mesma vítima, importará em crime único, mas deverá ser levado em
conta pelo juiz na dosimetria da pena.
A tentativa é possível por se tratar de crime plurissubsistente (costuma se
realizar por meio de vários atos), permitindo o fracionamento do iter criminis.
Entretanto, diante do caso concreto, é necessário que o intérprete da lei penal faça a
seguinte distinção pela análise do dolo do agente:
(a) Tentativa de estupro, quando o agente visa à conjunção carnal, mas não alcança o
resultado por circunstâncias alheias à sua vontade. Ocorre quando, iniciada a
execução com o constrangimento da vítima, mediante violência ou grave ameaça,
mesmo depois de realizar outros atos libidinosos que configurem prelúdio da cópula
vagínica, ficando, porém, caracterizada a tentativa de estupro porque o agente não
alcançou o resultado desejado (conjunção carnal);
(b) Tentativa de estupro, quando o agente visa apenas outro ato libidinoso, mas não o
alcança por circunstâncias alheias à sua vontade. Ocorre quando, iniciada a execução
com o constrangimento da vítima, mediante violência ou grave ameaça, mesmo sem a
realização de qualquer ato libidinoso, caracterizando a tentativa de estupro porque o
agente não alcançou o resultado desejado (outro ato libidinoso).
Entendemos que essa é a melhor solução em relação à tentativa do delito, mesmo
reconhecendo o seguinte contra-senso: se o agente realiza qualquer ato libidinoso
como prelúdio da conjunção carnal não alcançada, responde por tentativa de estupro;
mas, se realiza qualquer outro ato libidinoso, quando não visa à conjunção carnal,
responde por estupro consumado.Segundo Rogério Greco, a questão perdeu razão de
existir, pois quando o legislador criou um crime autônomo para tutelar os crimes contra
vulneráveis, mormente os menores de quatorze anos, ele definiu o intuito de considerar
o crime como sendo de presunção absoluta, ou seja, independe de prova do
consentimento da vítima. Não há estupro, em razão da ausência de tipicidade, o fato
de o agente constranger alguém a presenciar ou assistir a uma conjunção carnal ou
outro ato libidinoso. Nesse caso, se a vítima tem idade igual ou superior a 14 anos, o
crime é de constrangimento ilegal (CP, art. 146). Tratando-se de vítima menor de 14
anos, o crime poderá ser o de satisfação de lascívia mediante presença de criança ou
adolescente (CP, art. 218-A).
O crime de estupro, em regra, é praticado de forma comissiva (decorrente de uma
ação positiva do agente), mas, excepcionalmente, pode ser praticado de forma
comissiva por omissão (quando o resultado deveria ser impedido pelos garantes –
art. 13, § 2º, do CP), como, por exemplo, no caso do carcereiro que, ciente da intenção
dos demais detentos, nada faz para impedir que estes estuprem um companheiro de
sela.
Art. 218. Induzir alguém menor de 14 (catorze) anos a satisfazer a lascívia de
outrem:
Pena - reclusão, de 2 (dois) a 5 (cinco) anos.
Art. 218-A. Praticar, na presença de alguém menor de 14 (catorze) anos, ou
induzi-lo a presenciar, conjunção carnal ou outro ato libidinoso, a fim de
satisfazer lascívia própria ou de outrem:
Pena - reclusão, de 2 (dois) a 4 (quatro) anos.
Artigo 241-D do ECA: Aliciar, assediar, instigar ou constranger, por qualquer meio
de comunicação, criança, com o fim de com ela praticar ato libidinoso: Pena –
reclusão, de 1 (um) a 3 (três) anos, e multa. Parágrafo único. Nas mesmas penas
incorre quem: I – facilita ou induz o acesso à criança de material contendo cena de
sexo explícito ou pornográfica com o fim de com ela praticar ato libidinoso; II –
pratica as condutas descritas no caput deste artigo com o fim de induzir criança a se
exibir de forma pornográfica ou sexualmente explícita. No crime do ECA, no inciso I,
o agente induz a vítima a ter acesso a material contendo cena de sexo explícito ou
pornografia com o objetivo de, com ela, praticar atos libidinosos (que, se vierem a
ocorrer, configurarão o delito de estupro de vulnerável). No crime do art. 218-A, por
outro lado, o agente quer que a vítima presencie o ato sexual por ser algo que lhe dá
prazer. Não existe o objetivo de prática de ato libidinoso, como no ECA, mas mera
satisfação de lascívia. Ademais, perceba que o ECA fala em criança. Portanto, a
vítima só será aquela menor de 12 (doze) anos.
Alguns casos reais que por motivo torpe se espõem Vítima que presencia o ato
por webcam: não vejo como afastar a prática do delito do art. 218-A nesta hipótese.
Se alguém convence uma pessoa, menor de 14 (quatorze) anos, a assistir conjunção
carnal ou ato libidinoso diverso por transmissão em vídeo, pela Internet, é evidente
que o objeto jurídico tutelado (a dignidade sexual) será atingido. Para Cleber Masson,
a transmissão não precisa ser “ao vivo”, em tempo real: “também é possível que o
menor presencie relações sexuais ocorridas em local e tempo diversos, com a
finalidade de satisfazer a lascívia de determinada pessoa” (CP Comentado). Por outro
lado, caso a vítima, criança (menor de doze anos), seja convencida a se expor, de
forma pornográfica (ex.: strip-tease), diante da webcam, desde que presente a
finalidade especial (intenção de praticar ato libidinoso), o crime será o do art. 241-D,
II, do ECA.
DECISOÕES DO STF