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DOS CRIMES CONTRA A DIGNIDADE SEXUAL

Esse Título sofreu profundas alterações em decorrência da Lei n. 12.015/2009. Até o nome foi modificado, pois,
anteriormente, se chamava “Dos Crimes Contra os Costumes”. A intenção do legislador foi a de evitar que a
interpretação da lei, fundada no nome do Título, continuasse a se dar com base em hábitos machistas ou
moralismos antiquados e eventuais avaliações da sociedade sobre estes. É composto de seis Capítulos (o Capítulo
III, que tratava dos crimes de rapto, encontra-se integralmente revogado), havendo dois Capítulos com o mesmo
nome. Os comentários aos Capítulos IV e VII, que tratam das disposições gerais, serão feitos durante a exposição
dos crimes nos Capítulos I e II.

DOS CRIMES CONTRA A DIGNIDADE SEXUAL

• Capítulo I — Dos crimes contra a liberdade sexual;

• Capítulo II — Dos crimes sexuais contra vulnerável;

• Capítulo IV — Disposições gerais;

• Capítulo V — Do lenocínio e do tráfico de pessoa para fim de prostituição ou outra forma de exploração sexual;

• Capítulo VI — Do ultraje público ao pudor;

• Capítulo VII — Disposições gerais.

DOS CRIMES CONTRA A LIBERDADE SEXUAL

DOS CRIMES CONTRA A LIBERDADE SEXUAL

Os crimes previstos nesse Capítulo atingem a faculdade de livre escolha do parceiro sexual. Essa faculdade por ser
violada por:

a) violência ou grave ameaça: crime de estupro (art. 213);

b) fraude: crime de violação sexual mediante fraude.

Estupro - Art. 213. Constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, a ter conjunção carnal ou a praticar
ou permitir que com ele se pratique outro ato libidinoso: Pena — reclusão, de seis a dez anos.

Classificação doutrinária: crime comum (não exige qualidade especial do autor); bicomum (qualquer pessoa pode
figurar tanto como sujeito ativo quanto passivo); material (crime que, para a sua consumação, exige resultado
naturalístico); doloso (não é punível na modalidade culposa); comissivo (embora possa ser praticado por omissão
imprópria); de forma livre (a lei não prevê forma específica de praticá-lo, exceto na conjunção carnal); instantâneo (a
consumação não se alonga no tempo); unissubjetivo (pode ser praticado por uma única pessoa); plurissubsistente (é
composto por vários atos, viabilizando a tentativa); pluriofensivo (mais de um bem jurídico tutelado: a liberdade
sexual e a integridade física).

Crime complexo: o estupro é crime complexo, ou seja, ele é formado pela fusão de mais de um delito. Contudo,
aquele que, mediante violência ou grave ameaça, força alguém à prática de ato sexual, pratica um único crime: o de
estupro (art. 213 do CP). Nos crimes complexos, há a pluralidade de bens jurídicos tutelados, o que não ocorre nos
crimes simples, que protegem um único bem (ex.: no homicídio, o bem jurídico é a vida). Nesse sentido, Cleber
Masson, em seu “CP Comentado”:

O estupro constitui-se um crime complexo em sentido amplo. Nada mais é do que o constrangimento ilegal voltado
para uma finalidade específica, consistente em conjunção carnal ou outro ato libidinoso.

O atentado violento ao pudor, o estupro e a Lei 12.015/09: da antiga redação, anterior à Lei 12.015/09, extraíamos as
seguintes definições: a) o estupro: somente a mulher podia ser vítima, por força do que dispunha a redação legal
(“constranger mulher”). A conduta criminosa era caracterizada pela conjunção carnal - a introdução do pênis na vagina
- forçada, não consentida; b) o atentado violento ao pudor: se a vítima fosse forçada a praticar ou a se submeter à
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prática de ato libidinoso diverso da conjunção carnal, o crime seria o de atentado violento ao pudor (ex.: obrigar a
vítima a fazer sexo oral). E se o criminoso, em um mesmo ato, obrigasse a vítima à conjunção carnal e a ato libidinoso
dela diverso? Nesse caso, responderia pelos dois delitos, em concurso material (art. 69 do CP). Com o advento da
Lei 12.015/09, o crime de atentado violento ao pudor foi absorvido pelo estupro, e os dois delitos passaram a ser um
só. Portanto, agora, se, em um mesmo contexto fático, o agente força a vítima à conjunção carnal e, em seguida,
submete-a a outro ato libidinoso (ou vice-versa), pratica somente um crime: o de estupro.

Conjunção carnal e ato libidinoso diverso em um mesmo contexto, contra a mesma vítima: antes do advento da
Lei 12.015/09, se o agente, em um mesmo contexto fático, submetesse a vítima à conjunção carnal e a ato libidinoso
dela diverso (ex.: cópula vagínica seguida por sexo anal), dois seriam os seus crimes: o de estupro e o de atentado
violento ao pudor. Aplicar-se-ia, à hipótese, a regra do concurso material (art. 69 do CP), ou seja, as penas seriam
aplicadas cumulativamente. Com a unificação dos crimes, caso o agente pratique, hoje em dia, as condutas acima
exemplificadas, em um mesmo contexto fático, somente um crime será praticado: o de estupro, não havendo o que se
falar em concurso material ou formal.

Crime único ou concurso de crimes: posicionamento do STJ. Primeira corrente (6a Turma do STJ): se o agente
submete a vítima, em um mesmo contexto fático, à conjunção carnal e a ato libidinoso diverso, haverá crime único,
pois o art. 213 do CP contém um tipo penal misto alternativo (ou seja, ainda que pratique mais de um verbo, cometerá
um único crime. Ex.: art. 33 da Lei 11.343/06). Nessa hipótese, a pluralidade de condutas deve ser levada em
consideração no momento da aplicação da pena, nos termos do art. 59 do CP. Por outro lado, se os atos forem
praticados em momentos distintos, o réu deverá responder por vários estupros, em continuidade delitiva
(art. 71 do CP) ou em concurso material (art. 69, “caput” do CP). Segunda corrente (5a Turma do STJ): o art. 213 seria
um tipo penal misto cumulativo, ou seja, se praticada mais de uma das condutas previstas no dispositivo, deverá o
agente responder por mais de um delito, e não apenas por um, como ocorre quando o consideramos como tipo penal
misto alternativo (1a corrente). Com base neste entendimento, caso o agente submeta a vítima à conjunção carnal e a
ato libidinoso dela diverso (ex.: cópula vagínica e sexo anal), deverá ser responsabilizado por mais de um estupro, em
concurso material. Caso seja praticado mais de uma conjunção ou mais de um atentado violento ao pudor, aplicar-se-á
a regra da continuidade delitiva (art. 71 do CP). Para Rogério Greco, em seu “CP Comentado”, a hipótese é de crime
único:

Caso o agente, por exemplo, em uma única relação de contexto, mantenha com a vítima o coito anal para, logo em
seguida, praticar a conjunção carnal, como já afirmamos anteriormente, tal fato se configurará em um único crime de
estupro, devendo o julgador, ao aplicar a pena, considerar tudo o que efetivamente praticou contra a vítima.

“Novatio legis in mellius”: provavelmente, não foi proposital, pois a intenção do legislador, ao reformar o Título VI
do CP, foi, indubitavelmente, tornar mais rígida a legislação. No entanto, a Lei 12.015/09 beneficiou uma miríade de
acusados de crimes sexuais. Antes da reforma, caso o agente submetesse a vítima à conjunção carnal e a ato libidinoso
dela diverso, responderia por dois crimes: o de estupro, do art. 213, e o de atentado violento ao pudor, do art. 214,
em concurso material – ou seja, as duas penas seriam aplicadas. Somadas, as penas poderiam chegar a 20 (vinte) anos
de reclusão. Após a reforma, afastou-se o concurso material e passou a ser possível considerar a conjunção carnal
seguida de ato libidinoso dela diverso como crime único – ou seja, um único estupro, com pena máxima de 10 (dez)
anos. Ainda que se aplique a regra da continuidade delitiva, prevista no art. 71, a pena ainda seria mais branda:
máxima de 10 (dez) anos, aumentada de 1/6 a 2/3. Portanto, impossível alcançar os 20 (vinte) anos de condenação,
possíveis anteriormente. Destarte, a Lei 12.015/09 é benéfica aos acusados e condenados pela prática do crime de
estupro, cumulado ao de atentado violento ao pudor, praticado antes do seu advento, e, por isso, retroagiu.

“Abolitio criminis” do atentado violento ao pudor: quando a lei deixa de considerar um fato como crime – ou seja, o
delito é abolido do ordenamento jurídico -, ocorre a extinção da punibilidade de quem o praticou, nos termos do
art. 107, III, do CP. Como o artigo 214, que tratava do atentado violento ao pudor, foi revogado pela Lei 12.015/09,
questionou-se: seria hipótese de “abolitio criminis”? A resposta é não. Isso porque a conduta prevista no extinto art.
214 foi “transferida” para o art. 213, que trata do estupro. Portanto, forçar alguém à prática de ato libidinoso diverso

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da conjunção carnal continua sendo crime, não mais de atentado violento ao pudor (art. 214), mas de estupro (art.
213). Trata-se da aplicação do princípio da continuidade típico normativa.

Objeto jurídico: é a liberdade sexual da mulher e do homem, o direito de escolher com quem deseja ter contatos
íntimos, sexuais. Em nenhuma hipótese alguém poderá ser submetido a ter relação sexual contra a sua vontade. Se a
prostituta, mesmo após o pagamento do “programa”, decide não fazer sexo com o cliente, a sua vontade deverá ser
respeitada. Outro exemplo é o dos casados. Ainda que casada, a pessoa não poderá ser obrigada a ter relações sexuais
com seu cônjuge. Portanto, o marido que obriga a esposa, mediante violência ou grave ameaça, a fazer sexo, pratica o
crime de estupro. Nas relações sexuais, o consentimento dos envolvidos deve ser tido como condição absoluta, não
existindo qualquer possibilidade de que o ato ocorra, licitamente, sem a sua existência.

Objeto material: é a pessoa, homem ou mulher, contra quem se dirige a conduta criminosa.

Núcleo do tipo: é o verbo “constranger”, ou seja, coagir alguém a algo. A vítima perde a liberdade de escolha e se vê
obrigada a se submeter a ato sexual contra a sua vontade. O estupro é semelhante ao crime de constrangimento ilegal
(art. 146 do CP), pois, nele, a vítima também é obrigada a fazer algo que a lei não manda. Contudo, no art. 213, o
“fazer” diz respeito a ter relações sexuais sem consentimento. Por força do princípio da especialidade, havendo
violência sexual, aplica-se o art. 213, e não o art. 146.

Sujeito ativo: qualquer pessoa, homem ou mulher. Se o autor da conduta for menor de idade, a prática será
considerada ato infracional, regulado pelo Estatuto da Criança e do Adolescente. Na conjunção carnal, o autor deverá,
obrigatoriamente, ser do sexo oposto da vítima.

Coautoria e participação: antigamente, antes da Lei 12.015/09, havia grande celeuma sobre a possibilidade de a
mulher ser sujeito ativo do crime de estupro, que só podia ser praticado por homens – afinal, o crime consistia em
introduzir o pênis na vagina da vítima (conjunção carnal), contra a sua vontade. Concluiu-se, afinal, que seria possível a
mulher atuar como partícipe, quando auxiliasse o homem a praticar o delito. Com a reforma do Título VI do CP, a
discussão perdeu força, pois o estupro passou a ser não só a conjunção carnal, como qualquer outro ato libidinoso
diverso. Portanto, atualmente, pode existir a coautoria entre mulheres, entre homens ou entre homens e mulheres,
pois qualquer deles pode ser autor do delito.

Mulher como sujeito ativo do crime de estupro por conjunção carnal [1]:

Excepcionalmente, na hipótese de o sujeito ativo da cópula carnal sofrer coação irresistível por parte de outra mulher
para a realização do ato, pode-se afirmar que o sujeito ativo do delito é uma pessoa do sexo feminino, já que, nos
termos do art. 22 do Código Penal, somente o coator responde pela prática do crime. (PRADO, Luiz Regis. Curso de
Direito Penal Brasileiro, v. 3, p. 195).

Para Rogério Greco, em seu “CP Comentado”, por não ser possível a autoria mediata em crime de mão própria, o mais
correto ao caso é a aplicação da intitulada “teoria do autor de determinação”: “Podemos, dessa forma, utilizar a teoria
do autor de determinação, preconizada por Zaffaroni, a fim de fazer com que a mulher que determinou a prática do
estupro mediante conjunção carnal responda, com esse título especial - autora de determinação -, pelas mesma penas
cominadas ao estupro. Assim, de acordo com as lições de Zaffaroni, 'a mulher não é punida como autora do estupro,
senão que se lhe aplica a pena do estupro por haver cometido o delito de determinar o estupro'. Tal raciocínio não se
afasta das disposições contidas no art. 22 do Código Penal.”.

Mulher como sujeito ativo do crime de estupro por conjunção carnal [2]: a mulher que, mediante violência ou grave
ameaça, obriga um homem a, com ela, ter conjunção carnal, pratica o crime de estupro? Sim, embora seja, na prática,
difícil imaginar que um homem, nessa situação, consiga ter uma ereção.

Aborto humanitário por gravidez da autora: se uma mulher, autora do crime de estupro, vier a engravidar em virtude
do ato de violência sexual praticado contra homem, poderá realizar o aborto, nos termos do art. 128, II, do CP? A
resposta só pode ser negativa. Isso porque é evidente que a previsão legal trazida no dispositivo busca proteger a
vítima do estupro, e não a autora, que, ao ter a relação sexual, sabia que poderia, em virtude dela, engravidar.

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A “curra”: "A questão mais complicada diz respeito à situação da 'curra', na qual dois (ou mais) agentes revezam-se na
prática da conjunção carnal ou de outro ato libidinoso contra a mesma vítima. Exemplificadamente, enquanto um
homem segura a mulher o outro com ela mantém conjunção carnal, e vice-versa. Nesse caso, cada um dos sujeitos
deve ser responsabilizado por dois crimes de estupro, pois são autores diretos das penetrações próprias e coautores
das penetrações alheias. Há concurso de crimes, a ser definido no caso concreto: concurso material (CP, art. 69) ou
continuidade delitiva, se presentes os demais requisitos exigidos pelo art. 71, 'caput', do CP." (MASSON,
Cleber. CP Comentado, p. 800). Rogério Greco, em seu “CP Comentado” entende de forma diversa, tendo como
fundamento o fato de o estupro, na hipótese de conjunção carnal, ser crime de mão própria: “Nesse caso, cada agente
que vier a praticar a conjunção carnal, com os necessários atos de penetração, será autor de um crime de estupro,
enquanto os demais serão considerados seus partícipes.”.

Sujeito passivo: na antiga redação do art. 213, somente a mulher podia ser vítima do crime de estupro, pois o delito
consistia em submeter alguém, mediante violência ou grave ameaça, à cópula vagínica. Por mais que a conjunção
carnal também envolva o homem, por questões sociais da época em que a redação foi elaborada, bem como por
motivos psicológicos – é difícil conceber a ideia de que um homem possa ser obrigado a ter uma ereção -, o artigo 213
apontava expressamente a mulher como vítima do crime. A partir da nova redação do dispositivo, modificado pela
Lei 12.015/09, com a unificação dos crimes de estupro e de atentado violento ao pudor, passou a ser possível que o
homem também seja vítima de estupro. Ainda que a cópula vagínica forçada permaneça de difícil concepção, o
homem pode ser submetido a outros atos sexuais (introdução de objetos, toques íntimos, sexo anal etc.). Portanto,
atualmente, pode ser vítima de estupro o homem ou a mulher. Contudo, vale ressaltar: se a vítima tiver menos de 14
(quatorze) anos, for enferma ou deficiente mental, sem o necessário discernimento para a prática do ato, ou se não
podia oferecer resistência contra o ato, o crime será o de estupro de vulnerável, do art. 217-A do CP.

Estupro contra índios: se o índio ou índia não for integrado à civilização, aplica-se o disposto no art. 59 do “Estatuto
do Índio” (Lei 6.001/73):

No caso de crime contra a pessoa, o patrimônio ou os costumes, em que o ofendido seja índio não integrado ou
comunidade indígena, a pena será agravada de um terço.

Dissenso da vítima: é elementar implícita do crime de estupro, e deve subsistir durante toda a atividade sexual. Se o
sexo é consentido, o delito não ocorre.

Dissenso durante o ato: a liberdade sexual é absoluta, não sendo admitida, em hipótese alguma, a sua supressão. Por
isso, caso alguém, inicialmente, consinta com a relação sexual, e, durante o ato, mude de ideia, a sua decisão deverá
ser respeitada. Veja o seguinte exemplo: A e B, casados há trinta anos, iniciam a cópula. Durante o ato, B decide não
querer persistir, e pede para que A pare. A, no entanto, ignora o pedido – que, em verdade, é uma ordem -, e,
empregando violência, dá continuidade ao ato sexual. No exemplo, ainda que casados há longa data, o crime de
estupro estará configurado.

O “falso não”: há quem, no ritual de conquista, diga “não” à relação sexual, quando, em verdade, deseja que ela
ocorra. Nesses casos, é claro, não há estupro, pois a relação foi consentida. Trata-se, portanto, de um “falso não”. E se
o agente, empregando violência, mantém relação sexual com a vítima, pensando que a recusa – e o uso da força - é,
em verdade, parte do jogo de sedução? Se comprovado que o autor realmente desconhecia o não consentimento do
ofendido, e levado em consideração outros fatores, como a razoabilidade, a hipótese será de erro de tipo (art. 20,
“caput”, do CP), causa de atipicidade da conduta.

Conjunção carnal: consiste na introdução, total ou parcial, do pênis na vagina. Para a configuração do crime de
estupro, não é necessário que o agente ejacule.

A introdução de dedo na vagina: não pode ser considerada conjunção carnal. Só ocorre a cópula vagínica com a
introdução do pênis na vagina, e não objetos ou dedos. Portanto, pela antiga redação, a introdução forçada, contra a
vontade, de coisa diversa ao pênis, no interior do órgão sexual feminino, caracterizava o crime de atentado violento ao

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pudor, e não o de estupro. Contudo, com a unificação dos dispositivos – arts. 213 e 214 -, a discussão perdeu força,
pois, em qualquer caso, o crime será o de estupro.

Formas de se praticar o atentado violento ao pudor: após a Lei 12.015/09, o atentado violento ao pudor deixou de
ser crime autônomo e passou a integrar o art. 213, que tipifica o estupro, em sua segunda parte (“praticar ou permitir
que com ele se pratique outro ato libidinoso”). De acordo com a redação legal, duas são as formas de ocorrência dessa
modalidade de estupro: a) praticar: hipótese em que a vítima é forçada a fazer algo. Por exemplo, obrigá-la a fazer
sexo oral no órgão genital do ofensor; b) permitir que se pratique: na segunda hipótese, a vítima é forçada a agir
passivamente, deixando que com ela seja praticado o ato (ex.: introduzir objetos na vítima).

Desnecessidade de contato físico: na hipótese de conjunção carnal, é fundamental, para a consumação do crime, que
o pênis penetre na vagina, total ou parcialmente. No atentado violento ao pudor (segunda parte do art. 213), no
entanto, em alguns casos, o contato físico entre a vítima e o ofensor não é condição para a consumação do crime. Na
segunda parte do art. 213, a redação legal fala em “praticar” ou “permitir”, a vítima, que com ela se pratique ato
libidinoso diverso da conjunção carnal. Portanto, é possível imaginar a seguinte situação: o autor, mediante grave
ameaça, exige que a vítima toque o seu próprio corpo, de maneira erótica. No exemplo, o agente não teve qualquer
contato físico com a vítima, mas praticou o crime de estupro, pois houve ofensa à liberdade sexual. Contudo, atenção:
ainda que o envolvimento físico do autor do crime, em casos determinados, não seja essencial, o envolvimento
corporal da vítima é fundamental à prática do crime de estupro. Por isso, não configura o delito de estupro forçar
alguém a presenciar ato sexual, pois não há violação da liberdade sexual – o ofendido não está sendo obrigado a ter
relações sexuais contra a sua vontade. Nesse caso, a hipótese será de constrangimento ilegal (art. 146 do CP).

Meio de execução: violência: o agente emprega força física contra a vítima. A violência pode ser produzida pela
própria energia corporal do ofensor (ex.: com as mãos, inviabiliza a resistência da vítima, segurando-a) ou por outros
meios (armas, fogo, gases etc.). A violência pode ser imediata, quando empregada contra o ofendido, ou mediata,
quando aplicada contra terceiro a quem a vítima esteja emocionalmente ligada (ex.: filhos). Trata-se da intitulada “vis
absoluta”, que não precisa ser irresistível. Basta que seja suficiente para coagir a vítima.

Meio de execução: grave ameaça: é a violência moral, a “vis compulsiva”. Perceba, de antemão, que a ameaça deve
ser grave, ou seja, deve ser realmente relevante (a gravidade diz respeito ao resultado do mal, se concretizado).
Ademais, o mal prometido deve ser: a) determinado (ex.: “se não fizer sexo, morrerá!”); b) verossímil: a vítima deve
acreditar que o mal poderá se concretizar; c) iminente: o mal deve ser algo que possa ocorrer enquanto a vítima está
sob o domínio do ofensor, sem qualquer chance de evitá-lo; d) inevitável: caso contrário, a ameaça não surtirá efeito.
Isso não significa, no entanto, que a vítima deva praticar ato heroico para evitá-la (ex: lutar contra o ofensor armado).
Os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade devem nortear a avaliação da inevitabilidade; e) dependente de
ato do agente: ou seja, o mal não deve ser referente a algo que dependa de terceiro para se concretizar, mas somente
da vontade de quem profere a ameaça. A ameaça pode se dar por escrito ou oralmente, ou, até mesmo, por gestos.

Mal injusto: no crime de ameaça, o mal prometido deve ser “injusto”, por força do que dispõe o art. 147 do CP:
“Ameaçar alguém, por palavra, escrito ou gesto, ou qualquer outro meio simbólico, de causar-lhe mal injusto e grave”.
Injusto é o mal que não possui qualquer apoio legal para a sua realização. No estupro, no entanto, é irrelevante o fato
de o mal prometido ser justo ou injusto, pois não há qualquer previsão legal nesse sentido, ao contrário do que ocorre
no crime de ameaça. Pode parecer estranho, mas entenda: ainda que o ato em que consiste a ameaça tenha amparo
legal para a sua realização, a ninguém é dado o direito de exigir favores sexuais. Como já comentado, o consentimento
é elemento inafastável das relações sexuais. Portanto, jamais poderá ser afastado, pouco importando a existência de
pretensão justa por parte do ofensor.

Satisfação da lascívia: pela natureza do crime, presume-se que o agente aja em busca de satisfação sexual. Contudo,
para não restringir a abrangência do dispositivo, o legislador optou por não incluir a satisfação da lascívia como
elementar do crime. Por isso, pouco importa se o estupro ocorreu por interesses sexuais, por vingança ou por outra
razão. A motivação do agente é irrelevante para a configuração do delito.

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Atos preliminares: se a intenção do agente é a conjunção carnal, é natural que, até que ocorra a penetração do pênis
na vagina, outros atos libidinosos sejam praticados – o toque nos seios da vítima, por exemplo. Esses atos anteriores
são absorvidos pela conjunção carnal, e, portanto, ainda que ocorram, o agente responderá somente pela primeira
parte do dispositivo (“a ter conjunção carnal”). O intuito do agente pode ser fundamental para que se determine se o
crime foi consumado ou tentado. Entenda: a) se o agente busca a conjunção carnal: se a execução for interrompida,
contra a vontade do agente, antes da penetração do pênis na vagina, o crime será tentado, nos termos do
art. 14, II do CP, com redução de um a dois terços da pena, ainda que o agente seja flagrado no momento em que
acaricia a vítima; b) se o agente busca ato libidinoso diverso da conjunção carnal: como a cópula vagínica não é o
objetivo, se flagrado o agente durante as carícias, o crime estará consumado, não se aplicando qualquer redução,
sendo irrelevante o fato de ainda não ter a cópula vagínica. Para ficar mais claro, um exemplo a mais: Tício é flagrado,
em um matagal, acariciando os seios de Maria, contra a sua vontade. Ao ser preso, ele afirma que pretendia ter
conjunção carnal com a vítima, o que não ocorreu por ter sido impedido pelos policiais. Portanto, hipótese de crime
tentado, nos termos do art. 14, II, do CP. Contudo, se demonstrado que Tício não buscava a cópula vagínica, mas
somente as carícias, o crime estará consumado, pois houve o contato sexual (a carícia nos seios). A questão pode ser
suscitada como tese de defesa – pois há diferença na pena a ser aplicada se o crime for tido como tentado -, cabendo
ao réu demonstrar, em contraditório, qual era a sua real intenção ao subjugar a vítima. Sobre o assunto, interessante
lição de Rogério Greco, em seu “CP Comentado”:

Não podemos concordar, permissa vênia, com a posição radical assumida por Maximiliano Roberto Ernesto Führer e
Maximilianus Cláudio Américo Führer quando aduzem que ‘com a nova redação, o texto penal afastou as tradicionais
dúvidas sobre se os atos preparatórios da conjunção carnal, ou preliminares, configurariam estupro consumado ou
mera tentativa. Com a sua redação atual o texto não deixa margem para incertezas: qualquer ato libidinoso, mesmo
que preparatório, consuma o crime’. A vingar essa posição, somente nas hipóteses que o agente viesse a obrigar a
vítima a despir-se é que se poderia falar em tentativa se, por uma circunstância alheia à sua vontade, não consumasse
a infração penal, deixando, por exemplo, de praticar a conjunção carnal, o sexo anal etc. Assim, insistimos, se, por
exemplo, ao tentar retirar a roupa da vítima, o agente passar as mãos em seus seios, ou mesmo em suas coxas, com a
finalidade de praticar a penetração e, se por algum motivo, vier a ser interrompido, não podemos entender como
consumado o estupro, mas, sim, tentado.

Desclassificação para a contravenção do art. 61 da LCP: seria proporcional punir, com o mesmo rigor, quem força a
vítima à prática de coito anal e quem, aproveitando-se da superlotação de um ônibus, “encoxa” (abraço malicioso,
com intento sexual) alguém? Evidentemente que não. Para essas situações, o mais adequado é a imputação ao agente
da conduta prevista no art. 61 da LCP: “Importunar alguém, em lugar público ou acessível ao público, de modo
ofensivo ao pudor”. Contudo, caso o agente empregue violência ou grave ameaça, o crime será o de estupro, ainda
que a sua intenção, como exemplificado anteriormente, seja “encoxar” a vítima em um ônibus lotado. Em sentido
contrário, Rogério Greco, em seu “CP Comentado”, ao confrontar Damásio de Jesus: “Dessa forma, entendemos,
permissa venia, equivocada a posição de Damásio de Jesus quando afirma que pratica o crime de estupro aquele que,
'com o emprego de violência ou grave ameaça, acaricia as partes pudendas de uma jovem por sobre o seu vestido'.
Nesse caso, poderá se configurar o crime de constrangimento ilegal (art. 146 do CP), ou mesmo a contravenção penal
de importunação ofensiva ao pudor (art. 61 da LCP)”.

Hediondez do estupro: o estupro, em todas as suas formas (até mesmo tentado), é considerado crime hediondo, por
força do que dispõe o art. 1o, V, da Lei 8.072/90. Algumas consequências disso: a) a progressão só é possível após o
cumprimento de 2/5 da pena, se primário, ou de 3/5, se reincidente. Nos demais crimes, a progressão é possível após
o cumprimento de 1/6 da pena; b) o regime inicial é o fechado, independente da pena; c) o prazo da prisão temporária
é de até 30 (trinta) dias. Nos demais crimes, o prazo máximo é de 05 (cinco) dias; d) não é possível fiança; e) não é
possível a anistia, a graça e o indulto; f) o prazo para a concessão do livramento condicional é superior ao dos demais
crimes (vide art. 83 do CP).

Estupro qualificado (§ 1o, primeira parte): se da violência empregada para a prática do estupro resulta lesão corporal
de natureza grave, aplica-se a pena da forma qualificada do delito, prevista no parágrafo primeiro do art. 213 – de oito
a doze anos, enquanto na forma simples, do “caput”, a pena é de seis a dez anos. A forma qualificada do delito é
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hipótese de crime preterdoloso, ou seja, o resultado lesão corporal não se dá por dolo do agente – ele não deseja o
resultado mais gravoso, que vem a ocorrer por culpa. Caso, no entanto, o agente queira estuprar e também lesionar
gravemente a vítima, deverá responder pela lesão corporal e pelo estupro, em concurso material (art. 69 do CP). É
importante frisar que só ocorrerá a forma qualificada se a lesão corporal for grave, nos termos do art. 129, § 1º e § 2º.
Se leve, a lesão será absorvida pelo estupro, e o agente responderá pela forma simples do delito – art. 213, “caput”. A
contravenção penal de vias de fato também é absorvida pelo estupro em sua forma simples, caso venha a ocorrer. O
estupro só será qualificado se a lesão se der na vítima do crime. Caso ocorra em pessoa diversa, o agente responderá
por dois crimes: o de estupro (art. 213, “caput”) e o de lesão corporal (art. 129 do CP), em concurso material.

Estupro qualificado (§ 1o, segunda parte): para o Código Penal, a pessoa maior de 14 (quatorze) anos tem
discernimento suficiente para exercer a sua liberdade sexual. Por isso, não é crime ter relações sexuais com pessoas
nessa faixa etária. Contudo, se o ato for praticado mediante violência ou grave ameaça, contra a vontade do menor de
18 (dezoito) ou maior de 14 (quatorze) anos, o crime será qualificado, com penas 08 (oito) a 12 (doze) anos – pena
mínima superior à do homicídio. Caso a vítima tenha menos de 14 (quatorze) anos, o crime será o de estupro de
vulnerável (art. 217-A do CP). Nos termos do art. 155, parágrafo único, do CPP, a idade da vítima deve ser comprovada
por documento hábil. Ademais, é essencial que o agente tenha consciência de que a vítima é menor de 18 (dezoito) ou
maior de 14 (quatorze) anos, caso contrário, será responsabilizado por estupro simples (art. 213, “caput”).

Revogação da violência presumida como meio de execução: antes da Lei 12.015/09, se o crime de estupro fosse
praticado contra menor de 14 (quatorze) anos, pessoa “alienada ou débil mental” ou que não pudesse opor resistência
ao ato, presumir-se-ia a violência, ou seja, ainda que o agente não empregasse efetiva violência, ela seria considerada
presente, em razão da condição da vítima. Com a reforma do Título VI do CP, a presunção de violência deixou de
existir, e a violência sexual contra essas vítimas passou a ser prevista em tipo penal próprio: o de estupro de
vulnerável, do art. 217-A do CP. Portanto, não houve “abolitio criminis”.

O suposto erro da Lei 12.015/09: se a vítima tiver mais de 18 (dezoito) anos, o crime será o de estupro simples (art.
213, “caput”); se for menor de 18 (dezoito) ou maior de 14 (quatorze), o crime será o de estupro qualificado (art. 213,
§ 1o); por fim, se menor de 14 (quatorze) anos, o crime será o de estupro de vulnerável (art. 217-A). Para alguns
autores – a exemplo de Masson, Capez e Sanches -, ao dizer “maior” e “menor” de quatorze anos, para diferenciar o
estupro qualificado (art. 213, § 1o) do estupro de vulnerável (art. 217-A), o legislador teria deixado de fora o dia do
aniversário de 14 (quatorze) anos, pois, nesta data, a pessoa não seria maior e nem menor de quatorze anos. Contudo,
com todo o respeito aos eminentes autores, não tem o menor cabimento tal raciocínio. A legislação, em vários
trechos, utiliza a expressão “maior de” como sinônima de idade completa. Por isso, até o último segundo anterior à
data em que completa 14 (quatorze) anos, a pessoa pode ser vítima de estupro de vulnerável (art. 217-A). Por outro
lado, desde o primeiro segundo em que completa 14 (quatorze) anos (incluído o dia do seu aniversário), passa a ser
aplicável a qualificadora do parágrafo primeiro do art. 213.

Estupro qualificado (§ 2o): trata-se de crime preterdoloso. Há dolo no estupro e culpa no resultado agravador (alguns
autores, a exemplo de Nucci, entendem que a qualificadora é aplicável ainda que a morte decorra de dolo). Caso, em
razão da violência empregada no estupro, a vítima venha a morrer, coisa não desejada pelo autor, ser-lhe-á atribuída a
prática da forma qualificada do crime de estupro, prevista no parágrafo segundo do art. 213, com penas de 12 (doze) a
30 (trinta) anos. Caso a morte tenha ocorrido por ato doloso do agente – ou seja, além do estupro, buscou matar a
vítima -, ele deverá responder por estupro, nos termos do “caput” do art. 213, em concurso material com o crime de
homicídio (art. 121 do CP). Se pessoa diversa vier a morrer, o agente responderá por dois delitos, em concurso
material: o de estupro, na forma do “caput”, e o de homicídio. Caso a vítima, morta, seja menor de 18 (dezoito) e
maior de 14 (quatorze) anos, aplicar-se-á, somente, a qualificadora do parágrafo segundo, devendo ser absorvida a do
parágrafo primeiro. Isso não impede, no entanto, a exasperação da pena em virtude da idade da vítima (art. 59,
“caput”, do CP). Por fim, vale frisar que a qualificadora não é aplicável se a morte se der por caso fortuito ou força
maior, pois a nossa legislação não permite, em regra, a responsabilidade penal objetiva (vide art. 19 do CP).

Tentativa e a superveniência de resultado agravador: se o agente emprega violência contra a vítima, mas não
consuma o crime por motivo alheio à sua vontade (portanto, crime tentado), e ela vem a morrer, posteriormente, em

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consequência da violência, o crime será considerado consumado, nos termos do art. 213, parágrafo segundo. O
mesmo vale para a lesão corporal grave resultante do estupro, prevista no parágrafo primeiro. É o mesmo raciocínio
aplicável ao latrocínio, quando o agente não obtém êxito em subtrair o bem.

Tentativa de estupro e a incidência da qualificadora (teoria de Rogério Greco): “Poderíamos, ainda, visualizar a
hipótese em que o agente, depois de derrubar a vítima, fazendo com que batesse com a cabeça em uma pedra,
morrendo instantaneamente, sem que tivesse percebido esse fato, viesse a penetrá-la. Aqui, teríamos, ainda, somente
uma tentativa de estupro qualificada pela morte da vítima, uma vez que a penetração ocorreu somente depois desse
resultado, não podendo mais ser considerada como objeto material do delito de estupro. Também não ocorreria o
vilipêndio a cadáver, tipificado no art. 212 do Código Penal, em virtude do fato de não saber o agente que ali já se
encontrava um cadáver, pois que desconhecia a morte da vítima”.

Estuprador que transmite o vírus HIV à vítima: o agente que, sabendo que possui o vírus, estupra a vítima, assumindo
o risco de transmiti-lo, responde por estupro, em concurso formal impróprio, com o crime de perigo de contágio de
moléstia grave (art. 131 do CP). Contudo, se a sua intenção é a de matar, o crime será o de homicídio: “Em havendo
dolo de matar, a relação sexual forçada, dirigida à transmissão do vírus da Aids é idônea para a caracterização da
tentativa de homicídio (STJ, HC 9.378, 6ª T., Rel. Min. Hamílton Carvalhido, v. U., j. 18.10.2000, DJU 23-10-2000, p.
186).

O paradoxo da qualificadora do § 2º: como explicado acima, a qualificadora do parágrafo segundo é hipótese de
crime preterdoloso – ou seja, o resultado morte não é desejado pelo estuprador, mas ele vem a ocorrer por culpa.
Existindo dolo, ainda que eventual, deve o agente responder por dois crimes: o de estupro, pela violência sexual, e o
de homicídio, pela morte, em concurso material ou em concurso formal impróprio (art. 70 do CP, parte final). A pena
do homicídio é de seis a vinte anos; a do estupro, de seis a dez anos. Em curiosa desproporção, no estupro qualificado
pela morte, em que não há a intenção de matar, a pena é de doze a trinta anos. Portanto, quanto à pena, o legislador
equiparou a morte culposa à dolosa. Sobre o tema, interessante lição de Cezar Roberto Bitencourt (CP Comentado):
“Com efeito, se o agente houver querido (dolo direto) ou assumido (dolo eventual) o risco da produção do resultado
mais grave, as previsões desses parágrafos não deveriam, teoricamente, ser aplicadas. Haveria, nessa hipótese,
concurso material de crimes (ou formal impróprio, dependendo das circunstâncias): o de natureza sexual (caput) e o
resultante da violência (lesão grave ou morte). Curiosamente, no entanto, se houver esse concurso de crimes dolosos,
a soma das penas poderá resultar menor do que as das figuras qualificadas, decorrente da desarmonia do sistema
criada pelas reformas penais ad hoc. Por essas razões, isto é, para evitar esse provável paradoxo, sugerimos que as
qualificadoras constantes dos §§ 1º e 2º devem ser aplicadas mesmo que o resultado mais grave decorra de dolo do
agente. Parece-nos que essa é a interpretação mais recomendada, nas circunstâncias, observando-se o princípio da
razoabilidade.”.

Consumação do estupro: na modalidade “constranger à conjunção carnal”, o crime se consuma no momento em que
ocorre a penetração do pênis na vagina, ainda que parcial. Na modalidade “praticar ou permitir que com ele se
pratique outro ato libidinoso”, a consumação ocorre com a efetiva prática do ato libidinoso diverso da conjunção
carnal.

Tentativa: é possível, pois se trata de crime plurissubsistente. O art. 213 traz, em seu teor, além da conjunção carnal e
da prática de ato libidinoso diverso da conjunção, a violência e a grave ameaça. Portanto, no momento em que a
ameaça ou a violência é empregada, considera-se iniciada a execução do delito, sendo a violência sexual o ato
seguinte. Caso a execução do crime de estupro, que é composta por uma sequência de atos, seja interrompida por
circunstância alheia à vontade do agente, o crime será considerado tentado, nos termos do art. 14, II, do CP. Para ficar
mais claro, vejamos o seguinte exemplo: A, mediante o emprego de arma de fogo, exige que B permita carícias em seu
corpo. No entanto, antes de iniciada a violência sexual – as carícias -, A é rendido por policiais, que efetuam a sua
prisão. A execução do estupro foi iniciada, mas não houve a sua consumação por razão alheia à vontade do agente.
Portanto, praticou o crime de estupro (art. 213) na forma tentada (art. 14, II). Segundo Masson (CP Comentado),
corroborando o que foi dito até aqui, “na visão do STF, a prática de ato libidinoso importa em tentativa de estupro, e
não na figura consumada, sempre que funcionar como 'prelúdio do coito'”.

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Desistência voluntária (art. 15 do CP): é possível a travessia pela “ponte de ouro”. Se o agente, após o emprego de
violência ou de grave ameaça, desistir do estupro, só responderá pelos atos praticados até aquele momento. Ademais,
caso a intenção do agente seja a cópula vagínica, mas desiste enquanto pratica atos, também libidinosos, naturais à
conjunção carnal, deverá responder somente pelo atos até então praticados, e não por estupro consumado.
Entretanto, muitos autores entendem que, ocorrido o primeiro contato físico, já não se pode mais falar em desistência
voluntária, devendo o agente ser responsabilizado por estupro consumado, em razão da prática de ato libidinoso
diverso da conjunção carnal. Este raciocínio é, todavia, perigoso, pois desestimula a desistência, por parte do agente,
da continuidade do delito – se responderá pelo crime de qualquer maneira, por quê desistir?

Ejaculação precoce: caso o ato pretendido pelo agente exija que o seu pênis esteja rígido, mas ele não consegue assim
mantê-lo em razão de ejaculação precoce, o crime será considerado tentado, pois não se consumou por circunstância
alheia à sua vontade. No entanto, caso, após a ejaculação, decida praticar ato libidinoso que não exija a ereção, o
crime poderá ser consumado.

Disfunção erétil: a não ocorrência do crime por ausência de rigidez peniana deve ser analisada sob dois aspectos: a) se
o agente, pretendendo praticar o estupro mediante penetração, não obtiver êxito em sua conduta em razão de
impotência “coeundi”, o fato será atípico, pois se trata de crime impossível, por absoluta ineficácia do meio de
execução (art. 17 do CP). A impotência permanente deve ser demonstrada por prova pericial; b) por outro lado, se o
agente não é impotente, mas não consegue manter o pênis ereto em razão de nervosismo ou outro motivo, o crime
será considerado tentado, pois o resultado não foi alcançado por motivo alheio à sua vontade (art. 14, II, do CP).

Impotência “generandi”: é a incapacidade de procriação. Não inviabiliza a prática do crime por penetração, não
podendo se falar, neste caso, em crime impossível.

Ação penal e causas de aumento: em razão da extensão dos temas, que são comuns a outros crimes contra a
dignidade sexual, e para não tornar o estudo maçante, o assunto será visto em tópico próprio, no momento do estudo
dos artigos 225, 226 e 234-A.

Inseminação artificial e gravidez: não ocorre o crime de estupro se a vítima for, contra a sua vontade, inseminada
artificialmente, ainda que resulte gravidez do ato. Isso porque não houve violação à liberdade sexual, que consiste em
decidir com quem se relacionar sexualmente, e não com quem ter filhos. Em sentido contrário, Greco (“CP
Comentado”): “Introduzir objetos na vagina da mulher, mediante violência ou grave ameaça, configura-se como
estupro. Assim, seria possível a ocorrência do delito em estudo se uma mulher fosse obrigada a submeter-se a uma
inseminação artificial, fato que poderia figurar, ainda, como autor (coautor ou partícipe) seu próprio marido.”.

Prova de materialidade: por força do artigo 158 do CPP, “quando a infração deixar vestígios, será indispensável o
exame de corpo de delito, direto ou indireto, não podendo supri-lo a confissão do acusado”. Nos crimes não
transeuntes (que deixam vestígios), como o estupro, caso a violência deixe vestígios, o exame de corpo de delito será
essencial para que se demonstre a materialidade do crime. O exame não dirá, é claro, que a vítima foi, de fato,
estuprada, mas declarará se houve ou não a cópula vagínica, anal ou outra agressão. Na hipótese de conjunção carnal,
o perito avaliará os seguintes quesitos: “1.º) Se a paciente é virgem; 2.º) se há vestígios de desvirginamento recente;
3.º) se há outros vestígios de conjunção carnal recente; 4.º) se há vestígios de violência e, no caso afirmativo, qual o
meio empregado; 5.º) se da violência resultou para a vítima incapacidade para as ocupações habituais por mais de 30
dias, ou perigo de vida, ou debilidade permanente ou perda ou inutilização de membro, sentido ou função, ou
incapacidade permanente para o trabalho, ou enfermidade incurável, ou deformidade permanente, ou aceleração de
parto, ou aborto (resposta especificada); 6.º) se a vítima é alienada ou débil mental; 7.º) se houve outra causa, diversa
de idade não maior de 14 anos, alienação ou debilidade mental que a impossibilitasse de oferecer resistência” (CROCE,
Delton. Manual de Medicina Legal. Ed. Saraiva). O exame de corpo de delito para atestar a ocorrência de violência
sexual é irrepetível em juízo, mas isso não gera prejuízo à comprovação da materialidade do crime (art. 155 do CPP,
última parte). Caso não seja mais possível a realização do exame de corpo de delito, ou se o delito não tiver deixado
vestígios, a sua ausência poderá ser suprida por prova testemunhal. Como esses crimes, em regra, não são
presenciados por ninguém, a palavra da vítima tem bastante peso na apuração do estupro, podendo a condenação se
dar exclusivamente com base nela.
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Aborto humanitário: “Art. 128 (CP)- Não se pune o aborto praticado por médico: I - se não há outro meio de salvar a
vida da gestante; II - se a gravidez resulta de estupro e o aborto é precedido de consentimento da gestante ou, quando
incapaz, de seu representante legal”.

Estupro e cárcere privado: “Art. 148 - Privar alguém de sua liberdade, mediante seqüestro ou cárcere privado: Pena -
reclusão, de um a três anos. § 1º - A pena é de reclusão, de dois a cinco anos: I - se a vítima é ascendente,
descendente, cônjuge ou companheiro do agente ou maior de 60 (sessenta) anos; II - se o crime é praticado mediante
internação da vítima em casa de saúde ou hospital; III - se a privação da liberdade dura mais de 15 (quinze) dias. IV - se
o crime é praticado contra menor de 18 (dezoito) anos; V - se o crime é praticado com fins libidinosos”.

Jurisprudência selecionada:

Causa de aumento da Lei 8.072/90: “Este Superior Tribunal firmou a orientação de que a majorante inserta no
art. 9º da Lei n. 8.072/1990, nos casos de presunção de violência, consistiria em afronta ao princípio ne bis in idem.
Entretanto, tratando-se de hipótese de violência real ou grave ameaça perpetrada contra criança, seria aplicável a
referida causa de aumento. Com a superveniência da Lei n. 12.015/2009, foi revogada a majorante prevista no
art. 9º da Lei dos Crimes Hediondos, não sendo mais admissível sua aplicação para fatos posteriores à sua edição. Não
obstante, remanesce a maior reprovabilidade da conduta, pois a matéria passou a ser regulada no art. 217-A do CP,
que trata do estupro de vulnerável, no qual a reprimenda prevista revela-se mais rigorosa do que a do crime de
estupro (art. 213 do CP). Tratando-se de fato anterior, cometido contra menor de 14 anos e com emprego de violência
ou grave ameaça, deve retroagir o novo comando normativo (art. 217-A) por se mostrar mais benéfico ao acusado, ex
vi do art. 2º, parágrafo único, do CP.” (STJ, REsp 1.102.005-SC, Rel. Min. Felix Fischer, julgado em 29.9.2009).

A tentativa e a impotência sexual temporária (1): “Dado início à execução do crime de estupro, consistente no
emprego de grave ameaça à vítima, e na ação, via contato físico, só não se realizando a consumação em virtude de
momentânea falha fisiológica, alheia à vontade do agente, tudo isso caracteriza a tentativa e afasta, simultaneamente,
a denominada desistência voluntária (STJ, REsp. 792625/DF, Rel. Min. Felix Fischer, 5a T., DJ 27.11.2006, p. 316).

A tentativa e a impotência sexual temporária (2): “CRIMINAL. RECURSO ESPECIAL. TENTATIVA DE ESTUPRO.
EXECUÇÃO INICIADA, E NÃO LEVADA À TERMO POR CIRCUNSTÂNCIA ALHEIA À VONTADE DO AGENTE. INOCORRÊNCIA
DE CRIME IMPOSSÍVEL. RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO. I. Iniciada a execução do crime de estupro, através de
violência e de grave ameaça, e não tendo a empreitada se consumado por circunstância alheia à vontade do agente,
responde esse pela tentativa de estupro. II. Hipótese em que o agente não conseguiu consumar o delito pela
ocorrência de impotência sexual ocasional, praticando, contudo, atos idôneos de começo de execução (violência e
grave ameaça). III. Inocorrência de crime impossível. IV. Recurso conhecido e provido.” (STJ, REsp 556939 SC
2003/0107358-3, Rel. Min. Gilson Dipp, 5ª T., DJ. 12.04.2004, p. 234).

Beijo lascivo: “II – Em nosso sistema, atentado violento ao pudor engloba atos libidinosos de diferentes níveis,
inclusive, os contatos voluptuosos e os beijos lascivos. A revaloração da prova delineada no próprio decisório
recorrido, suficiente para a solução do caso, é, ao contrário do reexame, permitida no recurso especial. (Precedentes)”
(STJ, REsp 765593/RS, 5ª T., Rel. Min. Felix Fischer, j. 3.11.2005, DJ 19.12.2005, p. 468). Atenção: boa parte da doutrina
diverge do entendimento.

Desnudamento: “Recurso Especial. Penal. Agente que constrange a vítima a praticar ato libidinoso diverso da
conjunção carnal. Atentado violento ao pudor configurado. Irrelevância de não ter havido o desnudamento. Recurso
conhecido” (STJ, REsp 249595/SP, 6ª T., Rel. Min. Hamilton Carvalhido, j. 16.4.2002, DJ 23.6.2003, p. 451).

Ausência de corpo de delito: “A nulidade decorrente da falta de realização do exame do corpo de delito não tem
sustentação frente à jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, que não considera imprescindível a perícia, desde
que existentes outros elementos de prova” (STF, HC 76.265-3/RS, 1ª T., Rel. Min. Ilmar Galvão, DJU 18.10.1996, p.
39847).

Laudo pericial negativo: “O fato de os laudos de conjunção carnal e de espermatozoides resultarem negativos não
invalida a prova do estupro, dado que é irrelevante se a cópula vagínica foi completa ou não, e se houve ejaculação.
10
Existência de outras provas. Precedentes do STF” (STF, HC 74.246-SP, 2ª T., Rel. Min. Carlos Velloso, DJ 13.12.1996, p.
50165).

Várias vítimas (1): “I. Esta Corte, seguindo orientação do Supremo Tribunal Federal, já decidiu pela impossibilidade de
reconhecimento da continuidade delitiva em crimes contra a liberdade sexual contra vítimas diversas, hipótese em
que se incide a regra do concurso material” (STJ, REsp 806429/RS, 5ª T., Rel. Min. Gilson Dipp, j. 25.4.2006, DJ
22.5.2006, p. 247).

Várias vítimas (2): “A Turma conheceu do recurso e lhe deu provimento para reconhecer a hediondez do delito
capitulado no caput do art. 213 do CP, bem como afastar a continuidade delitiva, restando fixada a pena privativa de
liberdade, em razão do concurso material, em quinze anos e dois meses de reclusão, mantidos os demais consectários
da condenação. Na espécie, para a caracterização da continuidade delitiva, é necessário o preenchimento de
requisitos de ordem objetiva e subjetiva. Cometidos vários crimes de estupro contra vítimas diferentes, sem unidade
de desígnios por parte do réu e em momentos e circunstâncias diferentes, não há que se falar em delito continuado.
Precedentes citados do STF: RE 102.351-SP, DJ 28.9.1984; HC 87.281-MG, DJ 4.8.2006; do STJ: HC 94.140-SP, DJ
5.5.2008; REsp 935.533-RS, DJ 8/10/2007, e HC 38.531-MS, DJ 11.4.2005.” (STJ, REsp 1.102.415-RS, Rel. Min. Jorge
Mussi, julgado em 18.8.2009).

Hediondez dos estupros anteriores à Lei 12.015/09: “Os crimes de estupro e atentado violento ao pudor cometidos
antes da edição da Lei n. 12.015/2009 são considerados hediondos, ainda que praticados na forma simples.” (STJ, REsp
1.110.520-SP, Rel. Min. Maria Thereza de Assis Moura, julgado em 26.9.2012).

Indenização por estupro: “A Turma reiterou o entendimento de que o valor da indenização por dano moral só pode
ser alterado na instância especial quando ínfimo ou exagerado. No caso, a agravada sofreu tentativa de estupro e
agressão que deixaram sequelas quando frequentou uma festa dentro do campus da universidade, com iluminação
inadequada e sem seguranças. Assim, como o valor de R$ 100 mil não se mostra excessivo, a Turma negou provimento
ao agravo.” (STJ, AgRg no Ag 1.152.301-MG, Rel. Min. Raul Araújo Filho, julgado em 15/6/2010).

Conjunção carnal e ato libidinoso contra a mesma vítima e no mesmo contexto fático – concurso material: “O
pensamento majoritário do Supremo Tribunal Federal recusa o reconhecimento da continuidade delitiva se os crimes
de estupro e atentado violento ao pudor são praticados de forma autônoma, ainda que se trate de uma única vítima.
No caso, o atentado violento ao pudor não foi praticado como 'prelúdio do coito' ou como meio para a consumação do
crime de estupro. Ato libidinoso diverso da conjunção carnal, ocorrido de modo independente do crime de estupro.
Precedentes.” (STF, HC 100.314/RS, Rel. Min. Carlos Britto, 1a Turma, julgado em. 22.09.2009).

Conjunção carnal e ato libidinoso contra a mesma vítima e no mesmo contexto fático – continuidade delitiva: “A
edição da Lei nº 12.015/09 torna possível o reconhecimento da continuidade delitiva dos antigos delitos de estupro e
atentado violento ao pudor, quando praticados nas mesmas circunstâncias de tempo, modo e local e contra a mesma
vítima.” (STF, HC 86.610/SP, Rel. Min. Cezar Peluso, 2a Turma, julgado em 02.03.2010).

Conjunção carnal e ato libidinoso contra a mesma vítima – possibilidade da continuidade delitiva: “In casu, o
recorrido foi condenado à pena de nove anos e quatro meses de reclusão pela prática de dois crimes de atentado
violento ao pudor em continuidade e à pena de sete anos de reclusão por dois delitos de estupro, igualmente em
continuidade, cometidos contra a mesma pessoa. Em grau de apelação, o tribunal a quo reconheceu a continuidade
delitiva entre os crimes de estupro e atentado violento ao pudor e reduziu a pena para sete anos e seis meses de
reclusão em regime fechado. O MP, ora recorrente, sustenta a existência de concurso material entre os delitos. A
Turma, ao prosseguir o julgamento, por maioria, negou provimento ao recurso, adotando o entendimento de que os
delitos de estupro e de atentado violento ao pudor correspondem a uma mesma espécie de tipo penal, confirmando a
possibilidade do crime continuado. Dessarte, consignou-se que o tribunal de origem nada mais fez que seguir a
orientação de uma vertente jurisprudencial razoável que acabou por harmonizar-se com a legislação nova que agora
prestigia essa inteligência, isto é, sendo os fatos incontroversos, o que já não pode ser objeto de discussão nessa
instância especial, o acórdão recorrido apenas adotou a tese de que os crimes são da mesma espécie e, assim,
justificou a continuidade. Precedentes citados do STF: HC 103.353-SP, DJe 15/10/2010; do STJ: REsp 565.430-RS, DJe
11
7/12/2009.” (STJ, REsp 970.127-SP, Rel. Originária Min. Laurita Vaz, Rel. Para acórdão Min. Gilson Dipp, julgado em
7.4.2011).

Conjunção carnal e ato libidinoso contra a mesma vítima e no mesmo contexto fático – crime único: “A Sexta Turma
desta Corte, no julgamento do HC nº 144.870/DF, da relatoria do eminente Ministro Og Fernandes, firmou
compreensão no sentido de que, com a superveniência da Lei nº 12.015 /2009, a conduta do crime de atentado
violento ao pudor, anteriormente prevista no artigo 214 do Código Penal, foi inserida àquela do art. 213, constituindo,
assim, quando praticadas contra a mesma vítima e num mesmo contexto fático, crime único de estupro.” (STJ, HC
167.517/SP, Rel. Min. Haroldo Rodrigues - Desembargador convocado do TJCE -, 6a Turma, julgado em 17.08.2010)

Conjunção carnal e ato libidinoso contra a mesma vítima e no mesmo contexto fático – tipo misto cumulativo: “1.
Antes da edição da Lei n.º 12.015/2009 havia dois delitos autônomos, com penalidades igualmente independentes: o
estupro e o atentado violento ao pudor. Com a vigência da referida lei, o art. 213 do Código Penal passa a ser um tipo
misto cumulativo, uma vez que as condutas previstas no tipo têm, cada uma, 'autonomia funcional e respondem a
distintas espécies valorativas, com o que o delito se faz plural' (DE ASÚA, Jimenez, Tratado de Derecho Penal, Tomo III,
Buenos Aires, Editorial Losada, 1963, p. 916). 2. Tendo as condutas um modo de execução distinto, com aumento
qualitativo do tipo de injusto, não há a possibilidade de se reconhecer a continuidade delitiva entre a cópula vaginal e
o ato libidinoso diverso da conjunção carnal, mesmo depois de o Legislador tê-las inserido num só artigo de lei. 3. Se,
durante o tempo em que a vítima esteve sob o poder do agente, ocorreu mais de uma conjunção carnal caracteriza-se
o crime continuado entre as condutas, porquanto estar-se-á diante de uma repetição quantitativa do mesmo injusto.
Todavia, se, além da conjunção carnal, houve outro ato libidinoso, como o coito anal, por exemplo, cada um desses
caracteriza crime diferente e a pena será cumulativamente aplicada à reprimenda relativa à conjunção carnal. Ou seja,
a nova redação do art. 213 do Código Penal absorve o ato libidinoso em progressão ao estupro - classificável como
praeludia coiti - e não o ato libidinoso autônomo” (STJ, HC n. 105.533/PR, Rel. Min. Laurita Vaz, Quinta turma, DJ
7.2.2011).

Mais de uma ejaculação: “Estupro. Prova. Palavra da ofendida ajustada a circunstâncias outras postas nos autos. Réu
que mantém mais de uma vez relações sexuais com a ofendida. Crime único. Réu, primo da ofendida, e que admite o
relacionamento sexual, apenas negando violência. A prática, em uma mesma ocasião, de relações sexuais com duas
ejaculações não corresponde ao cometimento de dois crimes, que possa render ensejo à continuidade delitiva. Ato
delituoso único” (TJRS, Ap. Crim. 698052057, 2ª Câmara Criminal, Rel. Marcelo Bandeira Pereira, j. 30.4.1998).

Hediondez do crime de estupro praticado antes da Lei 12.015/09: “Os crimes de estupro e atentado violento ao
pudor cometidos antes da edição da Lei n. 12.015/2009 são considerados hediondos, ainda que praticados na forma
simples.” (STJ, REsp 1.110.520-SP, Rel. Min. Maria Thereza de Assis Moura, julgado em 26.9.2012).

“Novatio legis in mellius” [1]: “1. A Lei n.º 12.015 /09 alterou o Código Penal, chamando os antigos Crimes contra os
Costumes de Crimes contra a Dignidade Sexual. 2. Essas inovações provocaram um recrudescimento de reprimendas,
criação de novos delitos e também unificaram as condutas de estupro e atentado violento ao pudor em um único tipo
penal. Nesse ponto, a norma penal é mais benéfica. 3. Por força da aplicação do princípio da retroatividade da lei
penal mais favorável, as modificações tidas como favoráveis hão de alcançar os delitos cometidos antes da Lei
n.º 12.015 /09. 4. No caso, o paciente foi condenado pela prática de estupro e atentado violento ao pudor cometidos
no mesmo contexto fático e contra a mesma vítima. 5. Aplicando-se retroativamente a lei mais favorável, o
apenamento referente ao atentado violento ao pudor não há de subsistir. 6. Ordem concedida, a fim de,
reconhecendo a prática de estupro e atentado violento ao pudor como crime único, anular o acórdão no que tange à
dosimetria da pena, determinando que nova reprimenda seja fixada pelo Juízo das Execuções.” (STJ, HC 193.871/SP,
Rel. Min. Og Fernandes, julgado em 11.09.2012).

“Novatio legis in mellius” [2]: “A Turma acolheu embargos de declaração com efeitos modificativos para fazer incidir a
causa de aumento de pena prevista no art. 9º da Lei n. 8.072/1990, uma vez que reconhecida a existência de violência
real no delito de atentado violento ao pudor contra adolescente. Contudo, concedeu habeas corpus de ofício para
determinar ao Juízo da Vara das Execuções Criminais que realize nova dosimetria da pena, observada a legislação
posterior mais benéfica nos termos do disposto no art. 217-A do Código Penal, com a redação dada pela Lei
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n. 12.015/2009. Segundo o entendimento firmado no STJ, a aplicação da referida causa especial de aumento de pena
estava autorizada somente quando configurada a violência real no cometimento dos crimes de estupro e atentado
violento ao pudor contra menores de quatorze anos. Entretanto, com o advento da Lei n. 12.015/2009, tais delitos
passaram a ser regulados por um novo tipo penal, sob a denominação de Estupro de Vulnerável, previsto no art. 217-
A do CP. Nesse contexto, considerando-se a novel legislação mais favorável ao condenado, deve ser ela aplicada
retroativamente, alcançando os fatos anteriores a sua vigência, inclusive os decididos definitivamente, nos termos do
disposto no art. 2º, parágrafo único, do CP. Por fim, transitada em julgada a condenação, é da competência do Juízo da
Execução a aplicação da norma mais benigna nos termos do art. 66, I, da LEP e verbete da Súm. N. 611-STF.” (STJ, EDcl
no HC 188.432-RJ, Rel. Min. Laurita Vaz, julgados em 15.12.2011).

Desistência voluntária: “Entenderam as instâncias ordinárias que, tendo o paciente desistido de consumar a
conjunção carnal, após ter ejaculado nas pernas da menina, ficou ele absolvido da tentativa de manter conjunção
carnal, tanto que sequer foi apresentada denúncia no tocante a essa conduta. 2 - Nos termos da parte final do
art. 15 do Código Penal, deve o acusado responder pelos atos até então praticados, que, isoladamente apreciados,
caracterizaram o crime previsto no antigo art. 214 do Estatuto Repressor (hoje previsto na parte final do art. 213 do
aludido código), motivo pelo qual foi ofertada a denúncia que culminou na condenação do paciente, inexistindo, a
meu ver, qualquer constrangimento a ser sanado. 3 - As alterações trazidas pela Lei nº 12.015/2009 não modificaram a
situação do paciente, pois tanto a conjunção carnal como outros atos libidinosos continuam definidos como ilícitos
penais, ocorrendo tão somente a unificação do nomem juris dos crimes, ambos agora definidos como estupro, em
função da modificação legislativa que incluiu as duas condutas típicas em único tipo penal plurissubsistente.” (STJ, HC
125.259/MG, Rel. Min. Haroldo Rodrigues, 6a Turma, julgado em 23.11.2010).

Revogação da presunção de violência: “Inicialmente, enfatizou-se que a Lei 12.015/2009, dentre outras alterações,
criou o delito de estupro de vulnerável, que se caracteriza pela prática de qualquer ato libidinoso com menor de 14
anos ou com pessoa que, por enfermidade ou deficiência mental, não tenha o necessário discernimento ou não possa
oferecer resistência. Frisou-se que o novel diploma também revogara o art. 224 do CP, que cuidava das hipóteses de
violência presumida, as quais passaram a constituir elementos do estupro de vulnerável, com pena mais severa,
abandonando-se, desse modo, o sistema da presunção, sendo inserido tipo penal específico para tais situações.” (STF,
HC 99.993/SP, Rel. Min. Joaquim Barbosa, 2a Turma, julgado em 24.11.2009).

Emprego de violência: “Caracteriza-se a violência real não apenas nas situações em que se verificam lesões corporais,
mas sempre que é empregada força física contra a vítima, cerceando-lhe a liberdade de agir, segundo a sua vontade.
2. Demonstrado o uso de força física para contrapor-se à resistência da vítima, resta evidenciado o emprego de
violência real.” (STF, HC 81.848/PE, Rel. Min. Maurício Corrêa, 2a Turma, DJ 28.06.2002).

Falha fisiológica: “Dado início à execução do crime de estupro, consistente no emprego de grave ameaça à vítima, e na
ação, via contato físico, só não se realizando a consumação em virtude de momentânea falha fisiológica, alheia à
vontade do agente, tudo isso caracteriza a tentativa e afasta, simultaneamente, a denominada desistência voluntária”
(STJ, REsp. 792.625/DF, Rel. Min. Feliz Fischer, 5a Turma, DJ 27.11.2006).

A palavra da vítima: “A palavra da vítima, em sede de crime de estupro [...], em regra, é elemento de convicção de
alta importância, levando-se em conta que estes crimes, geralmente, não têm testemunhas, ou deixam vestígios. (STJ,
HC 98.093/SC, Rel. Min. Felix Fischer, 5a Turma, DJ 12.5.2008).

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