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Ministério Público do Estado de Santa Catarina

Centro de Apoio Operacional Criminal (CCR)


Parecer n. 005/2009/CCR

LEI N° 12.015/09. CRIMES CONTRA A DIGNIDADE


SEXUAL. LEI N° 8.072/90 (LEI DE CRIMES
HEDIONDOS). LEI Nº 8.090/90 (ESTATUTO DA
CRIANÇA E DO ADOLESCENTE).

Senhores e Senhoras Procuradores(as) e Promotores(as)


de Justiça:

1) CONSIDERANDO que compete aos Centros de Apoio


Operacional, dentre outras atribuições, informar aos órgãos de execução
do Ministério Público quaisquer fatos ou questões jurídicas cujo
conhecimento possa contribuir para o bom e regular desempenho das
atividades ministeriais nas áreas de abrangência dos Centros (artigo 5º,
parágrafo único, inciso III, do Ato n° 346/2009/PGJ);

2) CONSIDERANDO que compete aos Centro de Apoio


Operacional remeter informações técnico-jurídicas aos órgãos ligados à
sua atividade (artigo 54, inciso VI, da Lei Complementar n° 197/2000);

3) CONSIDERANDO, por fim, as recentes alterações


legislativas promovidas no Decreto-Lei n° 2.848/40 (Código Penal), na Lei n.
8.072/90 (Lei de Crimes Hediondos) e na Lei n. 8.090/90 (Estatuto da
Criança e do Adolescente) pela Lei n. 12.015, de 7 de agosto de 2009,
apresentamos, abaixo, breve estudo a respeito do novo texto normativo.

Código Penal

A primeira modificação que deve ser mencionada veio


atender a uma antiga crítica doutrinária e diz respeito ao bem jurídico
tutelado. Antes da reforma, tratava-se de crimes contra os “costumes”,
expressão substituída por “dignidade sexual” (Título VI do Código Penal),
muito mais adequada à atual realidade. O antigo título tutelava a moral

1
social sob o ponto de vista sexual1, reprimindo as condutas que afetassem
a moral média da sociedade. Com o advento da nova lei, o objeto
jurídico passou a ser a dignidade da pessoa humana no que concerne à
sexualidade, adaptando-se inclusive à Constituição Federal de 1988.

Acerca da nova redação do Título VI do Código Penal,


Guilherme de Souza Nucci dispõe que:

Dignidade fornece a noção de decência, compostura,


respeitabilidade, enfim, algo vinculado à honra. A sua associação
ao termo sexual insere-a no contexto dos atos tendentes à
satisfação da sensualidade ou da volúpia. Considerando-se o
direito à intimidade, à vida privada e à honra,
constitucionalmente assegurados (art. 5º, X, CF), além do que a
atividade sexual é, não somente um prazer material, mas uma
necessidade fisiológica para muitos, possui pertinência a tutela
penal da dignidade sexual. Em outros termos, busca-se proteger a
respeitabilidade do ser humano em matéria sexual, garantindo-lhe
a liberdade de escolha e opção nesse cenário, sem qualquer
forma de exploração, especialmente quando envolver formas de
violência. 2

A fim de facilitar a compreensão, passamos a analisar


pontualmente a nova redação dos tipos previstos no Título VI do Código
Penal.

Estupro
Art. 213. Constranger alguém, mediante violência ou grave
ameaça, a ter conjunção carnal ou a praticar ou permitir que
com ele se pratique outro ato libidinoso:
Pena - reclusão, de 6 (seis) a 10 (dez) anos.
§ 1º Se da conduta resulta lesão corporal de natureza grave ou se
a vítima é menor de 18 (dezoito) ou maior de 14 (catorze) anos:
Pena - reclusão, de 8 (oito) a 12 (doze) anos.
§ 2º Se da conduta resulta morte:
Pena - reclusão, de 12 (doze) a 30 (trinta) anos.

A reforma efetivou a unificação das figuras anteriormente


denominadas “estupro” e “atentado violento ao pudor”. Por conseguinte,
ampliou-se o conceito de estupro, passando a abranger tanto a
conjunção carnal quanto a prática de outros atos libidinosos, e alargou-se
o rol de vítimas, que antes se restringia às mulheres.

1
CAPEZ, Fernando. Curso de direito penal. v. 3. Saraiva: São Paulo, 2004. p. 1.
2
NUCCI, Guilherme de Souza. Crimes contra a dignidade sexual : comentários à lei
12.015, de 7 de agosto de 2009. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2009. p. 14.

2
O bem jurídico ainda é, por excelência, a liberdade
sexual, mas agora não se limita apenas à mulher. Tanto homens quanto
mulheres podem, portanto, ser sujeito ativo e passivo do crime de estupro
(crime bi-comum3). Ademais, de acordo com Rogério Greco, consideram-
se também a dignidade e o desenvolvimento sexual como bens
juridicamente protegidos.

A lei, portanto, tutela o direito de liberdade que qualquer pessoa


tem de dispor sobre o próprio corpo, no que diz respeito aos atos
sexuais. O estupro, além de atingir a liberdade sexual, agride,
simultaneamente, a dignidade do ser humano, que se vê
humilhado com o ato sexual.
[...]
Inicialmente, a proposta era no sentido que no Título VI do Código
Penal constasse a expressão: Dos crimes contra a liberdade e o
desenvolvimento sexual. Embora tenha prevalecido a expressão
Dos crimes contra a dignidade sexual, também podemos visualizar
o desenvolvimento sexual como outro bem a ser protegido pelo
tipo penal em comento.
Assim, resumindo, poderíamos apontar como bens juridicamente
protegidos: a dignidade, a liberdade e o desenvolvimento sexual.4

Cabe salientar que, quanto à antiga figura do atentado


violento ao pudor, não ocorreu abolitio criminis, pois foi apenas incluída
em outro artigo (213), o que a doutrina denomina continuidade
normativo-típica. O que era proibido antes continua proibido na nova lei,
apesar das alterações, como esclarecem Luiz Flávio Gomes e Antonio
García-Pablos de Molina:

Revogação de lei e não ocorrência da abolitio criminis: mas não


se pode nunca confundir a mera revogação formal de uma lei
penal com a abolitio crimins. A revogação da lei anterior é
necessária para o processo da abolitio criminis, porém, não
suficiente. Além da revogação formal impõe-se verificar se o
conteúdo normativo revogado não foi (ao mesmo tempo)
preservado em (ou deslocado para) outro dispositivo legal. […]
Logo, nessa hipótese, não se deu a abolitio criminis, porque houve
uma continuidade normativo-típica (o tipo penal não
desapareceu, apenas mudou de lugar). Para a abolitio criminis,
como se vê, não basta a revogação da lei anterior, impõe-se
sempre verificar se presente (ou não) a continuidade normativo-
típica. 5

3
CUNHA, Rogério Sanches; GOMES, Luiz Flavio; MAZZUOLI, Valerio de Oliveira.
Comentários à reforma criminal de 2009 e à Convenção de Viena sobre o Direito dos
Tratados. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2009. p. 37.
4
GRECO, Rogério. Adendo. Lei nº 12.015/2009 : Dos crimes contra a dignidade sexual.
Niterói/RJ: Impetus, 2009. p. 12.
5
GOMES, Luiz Flávio; MOLINA, Antonio García-Pablos de. Direito Penal. v. 2. Parte Geral.
São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2009. p. 100.

3
No mesmo sentido:

Não houve abolitio criminis, mas simples revogação formal do tipo


incriminador. Não podemos confundir abolitio criminis com mera
revogação formal de uma lei penal. No primeiro caso, há
revogação formal e substancial da lei, sinalizando que a intenção
do legislação não é mais considerar o fato como infração penal
(hipótese de supressão da figura criminosa). Já no segundo,
revoga-se formalmente a lei, mas seu conteúdo (normativo)
permanece criminoso, transportado para outra lei ou tipo penal
(altera-se, somente, a roupagem da infração penal). 6

A tentativa permanece admissível em qualquer das


formas descritas, como já ocorria com as figuras do estupro e do atentado
violento ao pudor.

Importante observar que, com a nova redação, o crime


de estupro pode ser classificado como de ação múltipla, de conteúdo
variado ou plurinuclear, pois o tipo penal parece conter mais de uma
modalidade de conduta.

Antes da alteração, havia grande polêmica quanto à


prática imediata dos crimes de estupro e atentado violento ao pudor:
muito embora alguns doutrinadores defendessem que se tratava de crime
continuado (artigo 71 do Código Penal), os Tribunais pátrios, em sua
maioria, haviam adotado o entendimento de que se tratava de concurso
material (artigo 69 do Código Penal). Tal celeuma está encerrada, pois,
com o advento da Lei n. 12.015/09, trata-se de um único tipo penal. Surge,
contudo, outra discussão. Caso o agente, no mesmo contexto fático,
pratique as duas figuras previstas no artigo 213 (conjunção carnal e outro
ato libidinoso), haverá duas possibilidades:

- trata-se de crime único e cabe ao Magistrado


estabelecer a pena entre o mínimo e o máximo, levando em
consideração a prática do estupro em mais de uma forma 7;

- caracteriza-se o crime continuado, desde que o ato


libidinoso não sirva apenas de meio ou ato preparatório para a prática da
6
CUNHA, Rogério Sanches; GOMES, Luiz Flavio; MAZZUOLI, Valerio de Oliveira.
Comentários à reforma criminal de 2009 e à Convenção de Viena sobre o Direito dos
Tratados. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2009. p. 95.
7
É pacífico o entendimento em relação aos tipos alternativos: a prática de uma só
conduta descrita no tipo ou o cometimento de mais de um, quando expostas as práticas
num mesmo cenário, mormente contra idêntica vítima, resulta na concretização de uma
só infração penal. (NUCCI, Guilherme de Souza. Crimes contra a dignidade sexual :
comentários à lei 12.015, de 7 de agosto de 2009. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais,
2009. p. 63.)

4
conjunção carnal. Esta corrente parte do pressuposto de que se trata de
tipo misto cumulativo, caso contrário, o legislador não teria feito a
distinção entre a conjunção carnal e outro tipo de ato libidinosos.

O Tribunal de Justiça de Santa Catarina recentemente


reconheceu a ocorrência de crime único, adequando de ofício a pena
imposta ao agente que praticara os crimes de estupro e atentado violento
ao pudor sob a égide da antiga redação do Código Penal. Vejamos:

APELAÇÃO CRIMINAL – ESTUPRO E ATENTADO VIOLENTO AO


PUDOR PRATICADOS SUCESSIVAMENTE CONTRA A MESMA VÍTIMA –
MATERIALIDADE E AUTORIA DELITIVAS COMPROVADAS –
ALMEJADO RECONHECIMENTO DA CONTINUIDADE DELITIVA NO
LUGAR DO CONCURSO MATERIAL – DISCUSSÃO SUPERADA COM O
ADVENTO DA LEI N. 12.015/2009, QUE CONFERIU NOVO
ENQUADRAMENTO LEGAL AO CRIME DE ESTUPRO (CP, ART. 213) –
AGENTE QUE PRATICA CRIME ÚNICO, POR MEIO DE AÇÃO
MÚLTIPLA – RETROATIVIDADE DA NORMA PENAL BENÉFICA (ART. 2º,
PARÁGRAFO ÚNICO, DO CP) – ALEGAÇÃO DE OFENSA AO ART.
226 DO CPP – RECONHECIMENTO DO RÉU SEM AS FORMALIDADES
LEGAIS – MERA IRREGULARIDADE INCAPAZ DE GERAR PREJUÍZO –
VENTILADA NULIDADE DA PROVA, POR AUSÊNCIA DE MANDADO
DE BUSCA E APREENSÃO – DETERMINAÇÃO DESNECESSÁRIA –
ENTREGA VOLUNTÁRIA DOS OBJETOS À POLÍCIA – ALTERAÇÃO DO
REGIME PRISIONAL INICIAL PARA SEMI-ABERTO – VEDAÇÃO LEGAL
DO ART. 2º, § 1º, DA LEI N. 8.072/90 – RECURSO NÃO PROVIDO –
CRIME ÚNICO RECONHECIDO DE OFÍCIO, COM ADEQUAÇÃO DA
REPRIMENDA. 8

Do corpo do acórdão, extrai-se:

De fato, o réu praticou atos distintos e sucessivos contra a mesma


vítima: o primeiro consistiu no ato da penetração, ocorrendo o
constrangimento à conjunção carnal; o segundo, atos libidinosos,
em que o acusado obrigou a ofendida a praticar sexo anal e oral.
Ocorre que a Lei n. 12.015, em vigor desde o dia 7 de agosto de
2009, pôs fim à antiga distinção doutrinária e jurisprudencial entre
os crimes de estupro e atentado violento ao pudor, prejudicando
os debates sobre a incidência do concurso material ou
continuidade delitiva. Isso porque as elementares do já revogado
art. 214 do Código Penal foram incluídas na nova tipificação do
crime de estupro, conforme se observa da redação dada ao art.
213 do Código Penal:
"Art. 213 - Constranger alguém, mediante violência ou grave
ameaça, a ter conjunção carnal ou a praticar ou permitir que
com ele se pratique outro ato libidinoso:
Pena - reclusão, de 6 (seis) a 10 (dez) anos"
Da simples leitura do dispositivo transcrito, verifica-se que o delito
de estupro passou a ser de ação múltipla e conteúdo variado,
8
Tribunal de Justiça de Santa Catarina. Apelação Criminal n° 2009.038539-0, Relator
Desembargador Moacyr de Moraes Lima Filho, julgado em 18/08/2009.

5
pois apresenta várias formas de violação do mesmo objeto
jurídico – a liberdade sexual. Assim, mesmo que o agente
pratique, no mesmo contexto fático e sucessivamente, mais de
uma ação típica – como na hipótese de conjunção carnal
seguida de sexo anal ou oral –, por força do princípio da
alternatividade, responderá por crime único, devendo, no
entanto, a pluralidade de verbos efetivamente praticados ser
considerada na fixação da pena (art. 59 do CP).
Na hipótese, considerando o novo enquadramento legal do
crime de estupro (CP, art. 213), forçoso concluir que o apelante
praticou crime único, ensejando a aplicação retroativa da Lei n.
12.015/09, por se tratar de norma penal mais benéfica, nos termo
do art. 2º, parágrafo único, do Código Penal.

No mesmo sentido:

A prática de conjunção carnal seguida de atos libidinosos (sexo


anal, por exemplo) gerava concurso material dos crimes de
estupro e atentado violento ao pudor (JSTF 301/461 e RSTJ 93/384).
Entendia-se que o agente, nesse caso, pratica duas condutas
(impedindo reconhecer-se o concurso forma) gerando dois
resultados de espécies diferentes (incompatível com a
continuidade delitiva). Com a Lei 12.015/2009 o crime de estupro
passou a ser de conduta múltipla ou de conteúdo variado.
Praticando o agente mais de um núcleo dentro do mesmo
contexto fático, não desnatura a unidade do crime (dinâmica
que, no entanto, não pode passar imune na oportunidade do art.
59 do CP). A mudança é benéfica para o acusado, devendo
retroagir para alcançar os fatos pretéritos (art. 2º, parágrafo
único, do CP). Em todos os casos concretos em que o juiz (ou
tribunal) reconheceu qualquer tipo de concurso de crimes
(formal, material ou crime continuado) cabe agora a revisão
judicial para adequar as penas, visto que doravante já não existe
distinção tipológica entre o estupro e o atentado violento ao
pudor. Cuida-se doravante de crime único (cabendo ao juiz, no
caso de multiplicidade de atos, fazer a adequada dosagem da
pena). 9

Não obstante referido posicionamento seja juridicamente


sustentável, gera um problema de cunho lógico e moral. Na prática,
ocorrerá o seguinte: se o agente constranger a vítima e com ela praticar
algum ato libidinoso (como, por exemplo, apalpadelas lascivas), pode
também praticar conjunção carnal sem cometer outro crime. Ou seja,
praticando um dos atos criminosos, o autor terá acesso livre para cometer
outra figura típica sem ser punido por ela, resultando apenas em fixação
da pena base (artigo 59 do Código Penal) de forma distinta.

9
CUNHA, Rogério Sanches; GOMES, Luiz Flavio; MAZZUOLI, Valerio de Oliveira.
Comentários à reforma criminal de 2009 e à Convenção de Viena sobre o Direito dos
Tratados. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2009. pags. 36-37.

6
Pode-se argumentar, nesse caso, que não se trata de
crime de ação múltipla ou conteúdo variável, pois não se estabelece mais
de um núcleo do tipo (como no caso do tráfico de drogas, previsto no
artigo 33 da Lei n° 11.343/06), limitando-o apenas ao verbo “constranger”.
O que varia é o complemento verbal, que não integra o núcleo do tipo e
pode, portanto, ser duplo, ensejando a caracterização de dois crimes
distintos.

Independentemente do entendimento que vier a


prevalecer na doutrina e na jurisprudência, haverá vantagens àqueles
que praticaram os crimes de estupro e atentado violento ao pudor sob a
égide da legislação antiga. Cuida-se, assim, de verdadeira novatio legis in
mellius, que ensejará, em muitos casos, revisão criminal ou unificação de
penas. Nesse diapasão:

A aplicação retroativa da Lei 12.015/09 deve operar-se


imediatamente, abrangendo inquéritos, processos em
andamento e processos em fase de execução. No primeiro
estágio, cuida-se de desenvolver uma imputação de crime único,
embora possa existir a descrição dos fatos de maneira distinta,
contendo a denúncia ou queixa somente a figura do art. 213. No
segundo estágio, cabe ao magistrado, se for o caso, condenar o
réu, provada uma ou as duas condutas, a um só delito de estupro,
mensurando, naturalmente a pena da maneira mais apropriada
possível. Nesse campo, ingressa o princípio constitucional da
individualização da pena, vale dizer, o cometimento de violência
sexual consistente em conjunção carnal resulta no mínimo de seis
anos; a prática de violência sexual lastreada em conjunção
carnal associada a um ou mais atos libidinosos constitui cenário
diferenciado. Portanto, valendo-se do disposto no art. 59 do
Código Penal, pensamos ser incabível a fixação de apenas seis
anos. A pena mínima não se justifica diante da multiplicidade de
condutas sexuais violentas contra determinada vítima. Porém, isso
não significa ser viável a condenação por dois delitos a um
mínimo de doze anos, algo que restou no passado. Na terceira
fase, cabe ao tribunal, em grau de apelação, rever a pena,
unificando os delitos em estupro, aplicando a pena que julgar
justa. Nessa hipótese, possuindo competência para rever a pena
em benefício do réu e autorização constitucional para aplicar a
lei penal mais benéfica inexiste supressão de instância. 10

Já se antevê controvérsia acerca do juízo competente


para a aplicação da nova lei aos condenados por sentença transitada
em julgado. Ao tratar da superveniência de lei mais benigna, Cezar
Roberto Bitencourt faz as seguintes considerações:

10
NUCCI, Guilherme de Souza. Crimes contra a dignidade sexual: comentários à lei
12.015, de 7 de agosto de 2009. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2009. p. 65-66.

7
Fase executória (com trânsito em julgado): nesta hipótese,
podem-se citar duas orientações a respeito. Pela primeira,
compete ao juiz da execução criminal, segundo dispõe a Súmula
611 do Supremo tribunal Federal, que tem o seguinte enunciado:
“Transitada em julgado a sentença condenatória, compete ao
juízo das execuções a aplicação da lei mais benigna”.
Quando a lei mais benigna consistir em lei nova, a Lei de
Introdução ao Código de Processo Penal dá respaldo legal a essa
interpretação pretoriana, estabelecendo: “A aplicação da lei
nova a fato julgado por sentença condenatória irrecorrível, nos
casos previstos no art. 2º e seu parágrafo único, do Código Penal,
far-se-á mediante despacho do juiz, de ofício, ou a requerimento
do condenado ou do Ministério Público (art. 13 da Lei de
Introdução ao Código de Processo Penal). Mais recentemente, a
Lei de Execução Penal, na mesma linha, estabelece: “Compete
ao juiz da execução: aplicar aos casos julgados lei posterior que
de qualquer modo favorecer o condenado” (art. 66, I, da Lei n.
7.210/84).
Esse é o entendimento majoritário da doutrina, embora, convém
que se registre, os dois diplomas legais citados refiram-se sempre a
“lei posterior” mais benigna, não havendo nada a respeito da
anterior com ultra-atividade. No entanto, nessa hipótese, aplica-se
a analogia in bonam parten.
Pelo segundo entendimento, cabe ao tribunal conhecer, decidir e
aplicar, por meio da revisão criminal. Essa posição é defendida
fundamentalmente por Alberto Silva Franco, para quem algumas
complexidades excepcionais justificariam o deslocamento da
competência nos termos propostos. Para sustentar seu
entendimento, Silva Franco invoca as hipóteses de participação
de menor importância ou participação em fatos menos graves,
que, segundo pensa, demandariam exame mais aprofundado da
prova, para o qual o juiz da execução não estaria aparelhado.
Conclui que entendimento contrário transformaria “o juiz da
execução penal em um 'superjuiz', invadindo, inclusive, seara
privativa da Segunda Instância”.
Adotamos o entendimento que sustenta a competência do juiz
da execução, que, a nosso juízo, é o juiz natural para conhecer e
julgar todos os conflitos, direitos, ações e exceções, após o início
da execução penal, que interessarem ao sentenciado, afora o
fato de, com essa providência, evitar-se a supressão de um grau
de jurisdição. Nada impede, contudo, que a excepcionalidade
do caso concreto recomende, nessa hipótese, a competência de
uma Instância Superior. 11

Nesse sentido, já decidiram os Tribunais Superiores em


casos semelhantes. Vejamos:

DIREITO CONSTITUCIONAL, PENAL E PROCESSUAL PENAL. PACIENTE


CONDENADO PELA PRÁTICA DE CRIME DE EXTORSÃO MEDIANTE
SEQUESTRO. "HABEAS CORPUS" PARA APLICAÇÃO DE LEIS MAIS
11
BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de direito penal. v. 1. São Paulo: Saraiva, 2009. p.
175.

8
BENÍGNAS, QUANTO À PENA, MAS POSTERIORES À CONDENAÇÃO
DEFINITIVA. COMPETÊNCIA DO JUÍZO DAS EXECUÇÕES CRIMINAIS:
SÚMULA 611 DO S.T.F. 1. Os fatos delituosos ocorreram a 29/4/1993.
2. A sentença de 1º grau foi proferida a 22/10/1993, e repeliu
adequadamente a aplicação do § 4º do art. 159 do Código
Penal, introduzido pela Lei nº 8.072, de 25/7/1990. 3. Em grau de
apelação, o acórdão do extinto Tribunal de Alçada Criminal do
Estado do Rio de Janeiro, datado de 21/8/1995, manteve a
sentença em sua integralidade, sem incidir em qualquer omissão,
pois, desse modo, também rejeitou a aplicação da norma
referida. 4. Sobreveio a Lei nº 9.269, de 2/4/1996, que deu nova
redação ao referido § 4º do art. 159 do Código Penal. E, depois, a
Lei nº 9.807, de 13/7/1999, com seu art. 14. Ambas conferindo,
aparentemente, tratamento mais benigno, quanto ao montante
da pena. Mas posteriores à condenação definitiva. Tais questões,
por isso mesmo, não foram submetidas às instâncias ordinárias e
não poderiam ser suscitadas diretamente, em "Habeas Corpus",
perante o Superior Tribunal de Justiça, nem perante esta Corte,
porque o julgamento implicaria supressão de instâncias, já que
seu exame cabe, primeiramente, ao Juízo das Execuções
Criminais, nos termos do art. 66, I, da L.E.P. e da Súmula 611 do
Supremo Tribunal Federal. 5. No caso, na impetração do H.C.
9.130, perante o S.T.J., foi pleiteada a aplicação do § 4o do art.
159 do Código Penal, acrescentado pela Lei nº 8.072/90, e
também a alteração resultante da Lei nº 9.269, de 2.4.1996. O
S.T.J. rejeitou ambas as pretensões. A primeira correta e
explicitamente. E a segunda apenas de modo implícito. Quanto a
esta última, não poderia, desde logo, repelir o pedido, que deve
ser submetido, em primeiro lugar, ao Juízo das Execuções
Criminais, por se tratar de lei posterior à condenação definitiva
ocorrida em 21.8.1995, com o improvimento da Apelação. 6.
"Habeas Corpus" deferido, em parte, apenas para se excluir, do
acórdão do Superior Tribunal de Justiça, o exame do "writ", em
face da Lei nº 9.269, de 2/4/1996, que deu nova redação ao § 4º
do art. 159, porque posterior à condenação definitiva. Sendo
assim, o pedido de redução de pena, com base nesse diploma,
ou, mesmo, no art. 14 da Lei nº 9.807, de 13/7/1999, deve ser
submetido pelo paciente ao Juízo das Execuções Criminais, nos
termos do art. 66, I, da L.E.P. e da Súmula 611 do Supremo Tribunal
Federal. 12

HABEAS CORPUS. TRÁFICO DE ENTORPECENTES. COMETIMENTO NA


VIGÊNCIA DA LEI 6.368/76. ART. 33, § 4º, DA LEI 11.343/06. NOVATIO
LEGIS IN MELLIUS. APLICAÇÃO PELO JUIZ DA EXECUÇÃO.
CASSAÇÃO PELO TRIBUNAL ORIGINÁRIO SOB O FUNDAMENTO DA
INCOMPETÊNCIA DO JUÍZO. SENTENÇA TRANSITADA EM JULGADO
ANTES DA ENTRADA EM VIGOR DA NOVEL
LEGISLAÇÃO.COMPETÊNCIA DO JUIZ EXECUTÓRIO. EXEGESE DO
ART. 66, I, DA LEP E DA SÚMULA 611 DO STF. POSSIBILIDADE DE
APRECIAÇÃO DA PROVA COLETADA NOS AUTOS PRINCIPAIS.
12
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Habeas Corpus 80731/RJ. Relator Ministro Sydney
Sanches. Julgado em 29/05/2001. Disponível em www.stj.jus.br Acesso em 4 set. 2009.

9
DESNECESSIDADE DA PRODUÇÃO DE NOVOS ELEMENTOS
PROBATÓRIOS. RESPEITO AO CONTRADITÓRIO E COISA JULGADA.
COAÇÃO ILEGAL DEMONSTRADA.
1. Ao Juízo da Execução compete, nos termos do art. 66, I, da LEP,
"aplicar, aos casos julgados lei posterior que de qualquer modo
favorecer o condenado". Exegese também da Súmula n. 611 do
STF.
2. Compete ao Juízo da Execução decidir sobre o
preenchimento, ou não, pelo condenado definitivamente por
sentença transitada em julgado antes da entrada em vigor da Lei
n. 11.343/06, dos requisitos exigidos para a aplicação do § 4º do
art. 33 da citada legislação, que podem ser aferidos pelo
conjunto probatório coletado no processo principal, não se
exigindo a produção de novas provas nesse sentido.
3. A decisão do Juízo Executório que conclui pela incidência do §
4º do art. 33 da Lei n. 11.343/06 está sujeita à prévia manifestação
do órgão ministerial, em fiel observância ao princípio do
contraditório, e submete-se ainda ao duplo grau de jurisdição.
4. A Constituição Federal excepciona a regra da intangibilidade
da coisa julgada, prevista no art. 5º, XXXVI, quando estabelece a
retroatividade de lei penal nova mais benigna (art. 5º, LX).
REDUÇÃO NO PATAMAR MÁXIMO. QUESTÃO NÃO DEBATIDA PELA
CORTE ORIGINÁRIA. SUPRESSÃO DE INSTÂNCIA. NÃO
CONHECIMENTO DO WRIT NESSE PONTO.
1. Não tendo a questão referente ao quantum utilizado pelo
magistrado singular para diminuir a sanção do paciente sido
objeto de exame pela Corte originária, mostra-se impossível a sua
análise por este Superior Tribunal, sob pena de indevida supressão
de instância.
2. Ordem parcialmente conhecida e, nesse ponto, concedida
para, cassando o acórdão impugnado, restabelecer a decisão
do Juízo da Execução que reduziu a pena do paciente por força
da entrada em vigor do § 4º do art. 33 da Lei n. 11.343/06. 13

Afigura-se mais adequado, portanto, que o juiz da


execução aplique a nova lei, revendo a pena a que o réu foi condenado.

As modalidades qualificadas foram deslocadas (com


algumas alterações) do artigo 223 (revogado) para os parágrafos do
artigo em apreço. Além dos resultados lesão corporal de natureza grave
ou morte, incluiu-se a circunstância de ser menor de 18 (dezoito) e (leia-se
“e” onde, certamente por equívoco, o legislador fez constar “ou”) maior
de 14 (catorze) anos. A nova redação adequou também a expressão
utilizada, ao prever que a pena será diferenciada se “da conduta” resultar
lesão corporal ou morte, em substituição aos termos “do fato” e “da
violência”, evitando discussão outrora existente quanto à impossibilidade

BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Habeas Corpus 123413/RJ. Relator Ministro Jorge
13

Mussi. Julgado em 17/03/2009. Disponível em www.stf.jus.br Acesso em 4 set. 2009.

10
de caracterizar estupro qualificado quando o constrangimento decorresse
14
de grave ameaça . Sobre o tema:

Era nítida a diferença e geradora de intensos debates doutrinários


e jurisprudenciais. Somente era qualificado o delito sexual se
resultasse lesão grave da violência e não da grave ameaça?
Quando se mencionava o fato, poder-se-ia abranger a violência
e a grave ameaça ou somente a violência? Sem pretender
ingressar nesse debate, a questão resolveu-se pela nova redação
abraçada pelos §§ 1.º e 2.º do art. 213.
Eliminaram-se os termos violência e fato, adotando-se conduta.
Portanto, se da conduta do agente (constrangimento exercido
com violência ou grave ameaça) resultar lesão corporal de
natureza grave ou morte, atinge-se o crime qualificado pelo
resultado. 15

Quanto ao elemento volitivo, deve permanecer o


entendimento de que o resultado lesões corporais graves ou morte deve
decorrer de culpa do agente (crime preterdoloso), caso contrário, haverá
concurso material de crimes. Nesse diapasão:

A Lei nº 12.015, de 7 de agosto de 2009, ao contrário do que


ocorria com as qualificadoras previstas no revogado art. 223 do
Código Penal, previu, claramente, que a lesão corporal de
natureza grave, ou mesmo a morte da vítima, devem ter sido
produzidas como conseqüência da conduta do agente, vale
dizer, do comportamento que era dirigido no sentido de praticar o
estupro, evitando-se discussões desnecessárias.
No entanto, deve ser frisado que esses resultados que qualificam a
infração penal somente podem ser imputados ao agente a título
de culpa, cuidando-se, outrossim, de crimes eminentemente
preterdolosos. 16

Não é pacífico, contudo, este posicionamento. Em


sentido contrário, manifesta-se Guilherme de Souza Nucci, vejamos:

Espera-se que, com a nova redação do tipo penal, supere-se a


anterior discussão a respeito do elemento subjetivo vinculado ao
resultado qualificador. Defendemos tratar-se de crime qualificado
pelo resultado, cuja finalização (resultado mais grave) pode ser
atingido pelo agente, nos termos do art. 19 do Código Penal,

14
Nesse sentido: O legislador, no caput, menciona “se da violência resulta...”, ao passo
que no parágrafo único usa a expressão “se do fato resulta...”. O legislador refere-se
sempre à violência. A expressão usada no parágrafo único não pode ser interpretada
em sentido mais amplo que a expressão utilizada no caput. (JESUS, Damásio E. de.
Código Penal anotado. São Paulo: Saraiva, 2006. p. 773.)
15
NUCCI, Guilherme de Souza. Crimes contra a dignidade sexual : comentários à lei
12.015, de 7 de agosto de 2009. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2009. p. 24-25.
16
GRECO, Rogério. Adendo. Lei nº 12.015/2009 : Dos crimes contra a dignidade sexual.
Niterói/RJ: Impetus, 2009. p. 15.

11
tanto por dolo quanto por culpa. [...] Constitui equívoco, em nosso
entendimento, pretender a divisão, na última hipótese, em
concurso de crimes, vale dizer, levar o agente a responder por
estupro em concurso com homicídio, desde que haja dolo quanto
ao resultado morte. Afinal, o crime qualificado pelo resultado
existe como figura típica autônoma e destacada justamente para
permitir ao legislador fixar a pena adequada a esses delitos com
resultado duplo, num mesmo contexto, sem que o juiz se valha do
instituto do concurso de crimes. Separar o crime qualificado pelo
resultado, a bel prazer, significa lesão ao princípio da legalidade.17

Conquanto referido entendimento não seja isolado, não


nos parece ser o mais adequado, conforme se expôs acima, mesmo
porque se faz necessário levar em consideração os fatores subjetivos. Se os
crimes derivam de desígnios autônomos, não pode o autor incorrer
somente nas penas do estupro qualificado. Imperiosa, portanto, a
aplicação das regras de concurso material.

Muito embora o comportamento sexual de nossa


realidade seja bastante diferente de outras épocas, ainda é possível
afirmar que os adolescentes merecem proteção especial, motivo pelo
qual andou bem o legislador ao estabelecer a idade da vítima, entre 14
(catorze) e 18 (dezoito) anos, como qualificadora. O juízo de reprovação
sobre o agente que, ciente da idade da vítima, pratica o crime de estupro
é certamente maior.

Violação sexual mediante fraude


Art. 215. Ter conjunção carnal ou praticar outro ato libidinoso
com alguém, mediante fraude ou outro meio que impeça ou
dificulte a livre manifestação de vontade da vítima:
Pena - reclusão, de 2 (dois) a 6 (seis) anos.
Parágrafo único. Se o crime é cometido com o fim de obter
vantagem econômica, aplica-se também multa.

O legislador substituiu o termo posse por violação sexual e


modificou a redação para incluir nova hipótese de incidência (“outro ato
libidinoso”). De forma semelhante ao que ocorreu com o artigo 214, a
figura prevista na redação anterior do artigo 216 (revogado) foi absorvida
pelo artigo 215, sendo possível, portanto, que homem e mulher sejam
sujeito ativo e passivo do referido crime.

Ademais, não só a fraude servirá para caracterizá-lo, mas


qualquer outro meio que impeça ou dificulte a livre manifestação de
vontade da vítima. Trata-se de interpretação analógica, ou seja, o outro
17
NUCCI, Guilherme de Souza. Crimes contra a dignidade sexual : comentários à lei
12.015, de 7 de agosto de 2009. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2009. p. 25-26.

12
meio deve ter conotação fraudulenta. Sobre o tema, Rogério Greco
esclarece que:

O verbo impedir é utilizado no texto com a idéia de que foi


impossibilitada a livre manifestação de vontade da vítima, que se
encontrava completamente viciada em virtude da fraude ou
outro meio utilizado pelo agente, a fim de conseguir praticar a
conjunção carnal ou outro ato libidinoso. Dificultar, a seu turno, dá
a idéia de que a vontade da vítima, embora viciada, não estava
completamente anulada pela fraude ou outro meio utilizado pelo
agente. Nesse último caso, embora ludibriada, a vítima poderia,
nas circunstâncias em que se encontrava, ter descoberto o plano
criminoso, mas, ainda assim, foi envolvida pelo agente. 18

O aplicador da norma penal deve ser extremamente


cauteloso, contudo, ao interpretar o dispositivo em apreço, a fim de não
enlear as figuras da violação sexual mediante meio que impeça ou
dificulte e manifestação de vontade da vítima (artigo 215) e do estupro de
vulnerável (artigo 217-A). Nesse diapasão:

Embora de rara configuração, é possível imaginar a violação


sexual mediante fraude (ardil, engodo, engano). Entretanto, a
inclusão da expressão “ou outro meio que impeça ou dificulte a
livre manifestação de vontade da vítima” não nos parece
medida acertada. Afinal, certamente, haverá confusão com o
disposto no art. 217-A, § 1.º. Neste, prevê-se ser estupro de
vulnerável ter conjunção carnal ou praticar outro ato libidinoso
com pessoa que não tenha discernimento suficiente ou que, por
qualquer causa, não possa oferecer resistência. Ora, o tipo penal
do art. 215 prevê quase o mesmo: ter conjunção carnal ou
praticar outro ato libidinoso mediante meio que impeça ou
dificulte a livre manifestação de vontade da vítima.
[…] Para compatibilidade os dois tipos penais, considerando-se,
inclusive, a diversidade das penas, parece-nos seja a solução
analisar o grau de resistência relativa ou perturbação relativa,
logo, há alguma condição de haver inteligência sobre o ato
sexual, embora não se possa considerar um juízo perfeito, poder-
se-á cuidar da figura do art. 217-A, § 1.º. Aliás, quando a
imputação disser respeito a estupro de vulnerável, com
fundamento no art. 217-A, § 1.º, pode o magistrado, ao julgar,
desclassificar a infração para o tipo previsto no art. 215,
consistente em violação sexual mediante fraude ou outro meio,
que merece ser considerado subsidiário em relação ao primeiro. 19

A fraude utilizada na execução do crime não pode anular a


capacidade de resistência da vítima, caso em que estará
configurado o delito de vulnerável (art. 217-A do CP). Assim, não
pratica estelionato sexual (art. 215 do CP), mas estupro de
Op. cit. p. 54.
18

19
NUCCI, Guilherme de Souza. Crimes contra a dignidade sexual : comentários à lei
12.015, de 7 de agosto de 2009. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2009. p. 28-29.

13
vulnerável (art. 217-A do CP), o agente que usa psicotrópicos
para vencer a resistência da vítima e com ela manter a
conjunção carnal. 20

De acordo com o parágrafo único, deve-se aplicar pena


de multa apenas caso o agente vise à obtenção de vantagem
econômica.

Assédio sexual
Art. 216-A. [...]
§ 2º A pena é aumentada em até um terço se a vítima é menor
de 18 (dezoito) anos.

A forma simples do tipo penal previsto no artigo 216-A do


Código Penal permaneceu idêntica, estabelecendo-se apenas causa de
aumento de pena quando o crime de assédio sexual é cometido contra
vítima menor de 18 (dezoito) anos.

A idade da vítima é um dado de natureza objetiva e,


portanto, deve ser comprovada mediante a apresentação de
documento de identificação, atendendo ao que dispõe o parágrafo
único do artigo 155 do Código de Processo Penal (somente quanto ao
estado das pessoas serão observadas as restrições estabelecidas na lei
civil).

É imprescindível que haja dolo do agente também


quanto à circunstância majorante, ou seja, deve ter ciência da idade da
vítima, pois, caso contrário, poderá ser alegado erro de tipo.

Estupro de vulnerável
Art. 217-A. Ter conjunção carnal ou praticar outro ato libidinoso
com menor de 14 (catorze) anos:
Pena - reclusão, de 8 (oito) a 15 (quinze) anos.
§ 1º Incorre na mesma pena quem pratica as ações descritas no
caput com alguém que, por enfermidade ou deficiência mental,
não tem o necessário discernimento para a prática do ato, ou
que, por qualquer outra causa, não pode oferecer resistência.
§ 2º (VETADO)
§ 3º Se da conduta resulta lesão corporal de natureza grave:
Pena - reclusão, de 10 (dez) a 20 (vinte) anos.
§ 4º Se da conduta resulta morte:
Pena - reclusão, de 12 (doze) a 30 (trinta) anos.

20
CUNHA, Rogério Sanches; GOMES, Luiz Flavio; MAZZUOLI, Valerio de Oliveira.
Comentários à reforma criminal de 2009 e à Convenção de Viena sobre o Direito dos
Tratados. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2009. p. 43.

14
O artigo 224 do Código Penal, que arrolava os casos em
que se presumia a violência, foi expressamente revogado pela Lei n.
12.015/09. Destarte, não será mais possível a utilização de norma de
extensão para que o agente incida nas penas do artigo 213.

O legislador criou a figura “estupro de vulnerável”, que


ocupa o lugar do estupro ou atentado violento ao pudor mediante
violência presumida. Nesse caso, prescinde-se da violência; basta que a
vítima seja menor de 14 anos (caput), não tenha o necessário
discernimento para a prática do ato, por enfermidade ou deficiência
mental, ou não possa oferecer resistência, por qualquer outra causa
(vulneráveis por equiparação - § 1º). Constata-se, por conseguinte, que o
legislador utilizou os critérios biológico (idade, enfermidade ou deficiência
mental) e psicológico (ausência do necessário discernimento para a
prática do ato) para caracterizar a vulnerabilidade.

A presunção de violência era extremamente criticada


pela doutrina e vinha sendo relativizada por muitos Tribunais Estaduais e,
em alguns casos, até mesmo pelos Tribunais Superiores. A alteração do
texto legal intenta pôr fim a essa celeuma, estabelecendo pena mais
grave para a prática de conjunção carnal ou outro ato libidinoso com
vítimas vulneráveis. Nesse caso, não se considera a existência de
consentimento, porquanto se parte do pressuposto de que alguém nas
condições mencionadas simplesmente não é capaz de assentir. Contudo,
tal concepção é polêmica, pois ainda há quem entenda que toda lesão
à liberdade sexual encontra seu núcleo na falta de consenso.

Tem-se discutido a possibilidade de classificar o estupro


de vulnerável como crime de perigo abstrato, atentando contra os
princípios da lesividade e da ofensividade. Sobre o tema, apenas a título
de ilustração, Cezar Roberto Bitencourt explana:

Para que se tipifique algum crime, em sentido material, é


indispensável que haja, pelo menos, um perigo concreto, real e
efetivo de dano a um bem jurídico penalmente protegido.
Somente se justifica a intervenção estatal em termos de repressão
penal se houver efetivo e concreto ataque a um interesse
socialmente relevante, que represente, no mínimo, perigo
concreto ao bem jurídico tutelado. Por essa razão, são
inconstitucionais todos os chamados crimes de perigo abstrato,
pois, no âmbito do Direito Penal de um Estado Democrático de
Direito, somente se admite a existência de infração penal quando
há efetivo, real e concreto perigo de lesão a um bem jurídico
determinado. Em outros termos, o legislador deve abster-se de
tipificar como crime ações incapazes de lesar ou, no mínimo,
colocar em perigo concreto o bem jurídico protegido pela norma

15
penal. Sem afetar o bem jurídico, no mínimo colocando-o em
risco efetivo, não há infração penal. 21

Crime de perigo é aquele que se consuma com a simples criação


do perigo para o bem jurídico protegido, sem produzir um dano
efetivo. Nesses crimes, o elemento subjetivo é o dolo de perigo,
cuja vontade limita-se à criação da situação de perigo, não
querendo o dano, nem mesmo eventualmente.
O perigo, nesses crimes, pode ser concreto ou abstrato. Concreto
é aquele que precisa ser comprovado, isto é, deve ser
demonstrada a situação de risco corrida pelo bem juridicamente
protegido. O perigo só é reconhecível por uma valoração
subjetiva da probabilidade de superveniência de um dano. O
perigo abstrato é presumido juris et de jure. Não precisa ser
provado, pois a lei contenta-se com a simples prática da ação
que pressupõe perigosa. 22

No entanto, não se pode sequer que se considerar o delito


em apreço crime de perigo, pois o dano é evidente. Em razão da
vulnerabilidade das vítimas, seja pela idade ou pela ausência de
discernimento para a prática dos atos, a mera prática de conjunção
carnal ou outro ato libidinoso gera consequências graves e, muitas vezes,
irreversíveis. Trata-se, portanto, de crime de dano. Corroborando este
entendimento:

No que diz respeito ao sujeito ativo, quando a conduta for dirigida


à conjunção carnal, terá a natureza de crime de mão-própria, e
comum nas demais situações, ou seja, quando o comportamento
for dirigido à prática de outros atos libidinosos; crime próprio com
relação ao sujeito passivo, uma vez que a lei exige que seja a
vítima menor 14 (quatorze) anos (caput), ou portadora de
enfermidade ou deficiência mental, que não tenha o necessário
discernimento para a prática do ato, ou que, por qualquer outra
causa, não possa oferecer resistência (§ 1º); doloso; comissivo
(podendo ser praticado via omissão imprópria, na hipótese de o
agente gozar do status de garantidor); material; de dano;
instantâneo; de forma vinculada (Quando disser respeito à
conjunção carnal) e de forma livre (quando estivermos diante de
um comportamento dirigido à prática de outros atos libidinosos);
monossubjetivo; plurissubsistente; não transeunte e transeunte
(dependendo da forma como é praticado, o crime poderá deixar
vestígios, a exemplo do coito vagínico ou do sexo anal; caso
contrário, será difícil a sua constatação por meio de perícia,
oportunidade em que deverá ser considerado transeunte). 23
(grifamos)

21
Op. cit. p. 22.
22
Op. cit. p. 224.
23
GRECO, Rogério. Adendo. Lei nº 12.015/2009 : Dos crimes contra a dignidade sexual.
Niterói/RJ: Impetus, 2009. p. 72.

16
Guilherme de Souza Nucci salienta que a discussão a
respeito do caráter absoluto conferido à vulnerabilidade não se encerra
com a nova redação legal, in verbis:

A proteção conferida aos menores de 14 anos, considerados


vulneráveis, continuará a despertar debate doutrinário e
jurisprudencial. O nascimento de tipo penal inédito não tornará
sepulta a discussão acerca do caráter relativo ou absoluto da
anterior presunção de violência. Agora, subsumida na figura da
vulnerabilidade, pode-se tratar da mesma como sendo absoluta
ou relativa. Pode-se considerar o menor, com 13 anos,
absolutamente vulnerável, a ponto de seu consentimento para a
prática sexual ser completamente inoperante, ainda que tenha
experiência sexual comprovada? Ou será possível considerar
relativa a vulnerabilidade em alguns casos especiais, avaliando-se
o grau de conscientização do menor para a prática sexual? Essa
é a posição que nos parece acertada. A lei não poderá, jamais,
modificar a realidade e muito menos afastar a aplicação do
princípio da intervenção mínima e seu correlato princípio da
ofensividade. Se durante anos debateu-se, no Brasil, o caráter da
presunção de violência – se relativo ou absoluto -, sem consenso,
a bem da verdade, não será a criação de novo tipo penal o
elemento extraordinário a fechar as portas para a vida real. O
legislador brasileiro encontra-se travado na idade de 14 anos, no
cenário dos atos sexuais, há décadas. É incapaz de acompanhar
a evolução dos comportamentos na sociedade. […]24

De forma semelhante ao artigo 213, as formas


qualificadas foram deslocadas do artigo 223 (revogado) para os
parágrafos do artigo em estudo.

Necessário esclarecer, diante da perspectiva de


inúmeras insurgências nesse sentido, que não ocorreu abolitio criminis
quanto aos atos praticados por aqueles que foram condenados ou estão
sendo processados pelos crimes previstos nos artigos 213 ou 214 do Código
Penal em razão da presunção de violência prevista no artigo 224
(revogado). Houve apenas a realocação do tipo penal (continuidade
normativo-típica): os atos praticados continuam a ser crime, mas estão
agora previstos no artigo 217-A. A nova redação legal é, inclusive, mais
gravosa e, portanto, só pode ser aplicada aos fatos ocorridos após a sua
publicação. Nesse diapasão:

Antes da Lei 12.015/2009, se o estupro ou atentado ao pudor de


pessoa vulnerável fosse praticado sem violência real, incidia a
presunção do art. 224 do CP, respondendo o agente pelo art. 213
ou 214, a depender do caso, com pena de 6 a 10 anos, não
incidindo de acordo com a maioria, o aumento de ½ trazido pelo
art. 9º da Lei 8.072/90 (evitando bis in idem). A nova Lei, portanto,
24
Op. cit. p. 37.

17
nessa hipótese, é mais gravosa, não alcançando os fatos
anteriores. 25

Portanto, aqueles que cometeram os crimes de estupro


ou atentado ao pudor com presunção de violência antes do dia 10 de
agosto do corrente ano devem ser denunciados e condenados às penas
previstas na antiga redação dos artigos 213 e 214 do Código Penal,
independentemente de ter havido a expressa revogação do artigo 224.

Corrupção de menores
Art. 218. Induzir alguém menor de 14 (catorze) anos a satisfazer a
lascívia de outrem:
Pena - reclusão, de 2 (dois) a 5 (cinco) anos.
Parágrafo único. (VETADO).

Primeiramente, cabe destacar que o legislador deveria


ter alterado também o nomen juris, passando a denominar “corrupção de
vulnerável”, tendo em vista que o Capítulo II agora se denomina “Dos
Crimes Sexuais contra Vulnerável”. Tal adaptação, contudo, não ocorreu
e permanece a figura “corrupção de menores”.

A corrupção, agora, só é possível quando praticada


contra vítima menor de 14 (catorze) anos, visando a suprir lacuna que
havia na redação anterior, que tipificava apenas a conduta praticada
contra pessoa entre 14 (catorze) e 18 (dezoito) anos (agora constante do
artigo 227, § 1º).

Em muitas situações, será difícil distinguir a prática do


delito previsto no artigo 218 da participação no crime de estupro de
vulnerável (artigo 217-A), pois se criou uma figura privilegiada e
inadequada para a participação moral em relacionamento sexual de
menor de 14 anos, prejudicando a aplicação da figura do estupro de
vulnerável.26 Não há, contudo, nenhum critério objetivo que possa ser
utilizado, devendo-se analisar os elementos objetivos e subjetivos de cada
caso concreto. Rogério Sanches Cunha tem posicionamento distinto,
aduzindo que só pratica o crime previsto no artigo 218 quem induz pessoa
menor de 14 (catorze) anos a satisfazer a lascívia de outrem, desde que
não consista em conjunção carnal ou outros atos libidinosos, vejamos:

No lenocínio comum (art. 227) não importa a espécie de lascívia


que a vítima é induzida a satisfazer. Já no art. 218, tratando-se de

25
CUNHA, Rogério Sanches; GOMES, Luiz Flavio; MAZZUOLI, Valerio de Oliveira.
Comentários à reforma criminal de 2009 e à Convenção de Viena sobre o Direito dos
Tratados. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2009. p. 51.
26
Op. cit. p. 47.

18
vítima menor de 14 anos, não pode consistir em conjunção carnal
ou atos libidinosos diversos da cópula normal, pois, nesses casos,
haverá o crime de estupro de vulnerável (Art. 217-A do CP). Limita-
se, portanto, às práticas sexuais meramente contemplativas,
como por exemplo, induzir alguém menor de 14 anos a vestir-se
com determinada fantasia para satisfazer a luxúria de alguém. 27

O núcleo deixou de ser “corromper ou facilitar a


corrupção”, bastando a indução a satisfazer a lascívia de outrem.
Encerra-se, por conseguinte, a discussão quanto à necessidade de se
comprovar que a vítima foi efetivamente corrompida. Trata-se de crime
material, que se consuma com a prática pela vítima de algum ato
tendente a satisfazer a lascívia de outrem e permite, portanto, a tentativa.
Nesse sentido:

Embora o núcleo induzir nos dê a impressão de que a


consumação ocorreria no momento em que a vítima, menor de
14 (catorze) anos, fosse convencida pelo agente a satisfazer a
lascívia de outrem, somos partidários da corrente que entende ser
necessária a realização, por parte da vítima, de pelo menos
algum ato tendente à satisfação da lascívia de outrem,
cuidando-se, pois, de delito de natureza material.
Tratando-se de crime plurissubsistente, no qual se permite o
fracionamento do iter criminis, torna-se perfeitamente admissível a
tentativa. Assim, imagine-se a hipótese em que a vítima, menor de
14 (catorze) anos, depois de ser induzida pelo agente à satisfação
da lascívia de outrem, é impedida, por circunstâncias alheias à
vontade do agente, momentos antes de realizar o
comportamento que se adequaria ao tipo penal em estudo,
quando, por exemplo, são descobertos em determinado cômodo
de uma residência, por seu proprietário, que os expulsa daquele
lugar, evitando, assim, a consumação do delito. 28

Saliente-se que o artigo em comento não abrange mais a


conduta de induzir a presenciar ato de libidinagem, que foi deslocada
para o artigo 218-A.

Satisfação de lascívia mediante presença de criança ou


adolescente
Art. 218-A. Praticar, na presença de alguém menor de 14
(catorze) anos, ou induzi-lo a presenciar, conjunção carnal ou
outro ato libidinoso, a fim de satisfazer lascívia própria ou de
outrem:
Pena - reclusão, de 2 (dois) a 4 (quatro) anos.

27
CUNHA, Rogério Sanches; GOMES, Luiz Flavio; MAZZUOLI, Valerio de Oliveira.
Comentários à reforma criminal de 2009 e à Convenção de Viena sobre o Direito dos
Tratados. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2009. p. 53.
28
Op. cit. p. 87.

19
Cuida-se de novo tipo, que criminaliza duas condutas:

a) praticar conjunção carnal ou outro ato libidinoso na


presença de alguém menor de 14 (catorze) anos, a fim de satisfazer a
própria lascívia ou de outrem;

b) induzir alguém menor de 14 (catorze) anos a


presenciar conjunção carnal ou outro ato libidinoso, a fim de satisfazer
lascívia própria ou de outrem.

A segunda figura já estava prevista, antes das alterações,


na última parte do artigo 218, mas, ao contrário do artigo mencionado, só
pode ocorrer quando a vítima for menor de 14 (catorze) anos.

Impende destacar que é indispensável o fim de satisfazer


lascívia própria ou de outrem, caso contrário, não restará caracterizado o
crime. Todavia, trata-se apenas de causa de agir (finalidade especial do
agente), não sendo necessária à sua consumação.

O delito se consuma quando o menor de 14 (catorze)


anos presencia a prática de conjunção carnal ou outro ato libidinoso,
sendo perfeitamente possível a tentativa (crime plussubsistente),
especialmente na hipótese da segunda figura típica (induzir a presenciar
prática de conjunção carnal ou outro ato libidinoso).

Favorecimento da prostituição ou outra forma de exploração


sexual de vulnerável
Art. 218-B. Submeter, induzir ou atrair à prostituição ou outra forma
de exploração sexual alguém menor de 18 (dezoito) anos ou que,
por enfermidade ou deficiência mental, não tem o necessário
discernimento para a prática do ato, facilitá-la, impedir ou
dificultar que a abandone:
Pena - reclusão, de 4 (quatro) a 10 (dez) anos.
§ 1º Se o crime é praticado com o fim de obter vantagem
econômica, aplica-se também multa.
§ 2º Incorre nas mesmas penas:
I - quem pratica conjunção carnal ou outro ato libidinoso com
alguém menor de 18 (dezoito) e maior de 14 (catorze) anos na
situação descrita no caput deste artigo;
II - o proprietário, o gerente ou o responsável pelo local em que se
verifiquem as práticas referidas no caput deste artigo.
§ 3º Na hipótese do inciso II do § 2ª, constitui efeito obrigatório da
condenação a cassação da licença de localização e de
funcionamento do estabelecimento. (grifamos.)

20
O artigo em análise criou uma modalidade especial de
delito de favorecimento da prostituição ou outra forma de exploração
sexual, com a diferença de que a vítima é considerada vulnerável. Por
conseguinte, criminaliza-se a exploração sexual de pessoa menor de 18
(dezoito) anos ou que não tenha o discernimento necessário à prática do
ato - conceito de pessoa vulnerável mais amplo do que o constante do
artigo 217-A, haja vista que inclui o menor de 18 (dezoito) anos -,
tipificando ainda a conduta de impedir ou dificultar que abandone a
prostituição.

A facilitação da prostituição ou outra forma de


exploração sexual é denominada pela doutrina lenocínio acessório. De
acordo com Rogério Greco:

A diferença desse comportamento típico para os anteriores


residiria no fato de que, no induzimento ou na atração de alguém
à prostituição ou outra forma de exploração sexual, a vítima
ainda não se encontrava prostituída, nem, tampouco, explorada
sexualmente por alguém; ao contrário, na facilitação, o agente
permite que a vítima, já entregue ao comércio carnal ou outra
forma de exploração sexual, nele se mantenha com o seu auxílio,
com as facilidades por ele proporcionadas. 29

Não obstante o legislador não o tenha feito


expressamente, forçoso reconhecer que o artigo 244-A do Estatuto da
Criança e do Adolescente está revogado, tendo em vista que o tipo
penal nele previsto foi englobado pelo artigo em comento.

Embora geralmente a prostituição ou a exploração


sexual implique proveito pecuniário (ou de outra natureza), o autor do
delito estabelecido no artigo 218-B não precisa ter essa finalidade; basta o
dolo de submeter a vítima à prostituição ou à exploração sexual. Quando
o agente praticar qualquer das condutas visando ao auferimento de
lucro, aplicar-se-á também pena de multa.

Será igualmente punido, conforme preceitua o § 2º,


quem praticar conjunção carnal ou outro ato libidinoso com alguém
menor de 18 (dezoito) e maior de 14 (catorze) anos. A lei agora é clara ao
prever que também comete crime quem “contrata os serviços” de
adolescente, praticando com a vítima conjunção carnal ou outro ato
libidinoso (não mais somente quem agencia), esclarecendo as dúvidas
decorrentes da redação do artigo 244-A do Estatuto da Criança e do
Adolescente.

29
Op. cit. p. 107.

21
Cabe lembrar que o § 2º, I, menciona apenas vítimas
menores de 18 (dezoito) e maiores de 14 (catorze) anos, pois, caso se trate
de vítima menor de 14 (catorze) anos, restará caracterizado o crime de
estupro de vulnerável.

Do mesmo modo, responderá pelo crime o proprietário,


gerente ou responsável pelo local em que for praticado, cassando-se sua
licença de localização e funcionamento (efeito obrigatório da
condenação).

O momento em que se consuma o crime é distinto em


cada uma das figuras previstas. Quando se tratar das condutas subjugar,
induzir ou atrair, estará consumado quando a vítima iniciar as atividades
características da prostituição ou exploração sexual. No que concerne ao
verbo facilitar, consuma-se com a prática dos atos de facilitação, tendo
em vista que a vítima já praticava a prostituição ou era explorada
sexualmente. Quanto à figura impedir, o crime se consumará quando a
vítima, decidida a largar as atividades de prostituição ou exploração
sexual, é impedida pelo agente, permanecendo no comércio carnal.

Ação penal
Art. 225. Nos crimes definidos nos Capítulos I e II deste Título,
procede-se mediante ação penal pública condicionada à
representação.
Parágrafo único. Procede-se, entretanto, mediante ação penal
pública incondicionada se a vítima é menor de 18 (dezoito) anos
ou pessoa vulnerável.

Com o advento da Lei n. 12.015/09, a ação penal passou


a ser, em regra, pública condicionada. Será incondicionada apenas
quando o crime houver sido praticado contra pessoa menor de 18
(dezoito) anos ou vulnerável. Isso porque os interesses envolvidos não são
mais considerados estritamente privados.

O legislador não estabeleceu, contudo, o conceito de


pessoa vulnerável, o que pode gerar discussões. Entende-se que deve ser
30
feita uma interpretação sistemática da lei penal , utilizando como
30
No processo interpretativo como um todo, partindo do aspecto literal, o intérprete
envolve-se com a lógica e procura descobrir os fundamentos político-jurídicos da norma
em exame. Procura relacionar a lei que examina com outras que dela se aproxima,
ampliando seu ato interpretativo. Busca encontrar o verdadeiro sentido da lei, em seu
aspecto mais geral, dentro do sistema legislativo, afastando eventuais contradições. A
essa altura, depara-se o intérprete com o elemento sistemático, investigando o sentido
global do direito, que a lei expressa apenas parcialmente. Assim, busca-se situar a norma
no conjunto geral do sistema que a engloba, para justificar sua razão de ser. Amplia-se a
visão do intérprete, aprofundando-se a investigação até as origens do sistema, situando

22
parâmetro o § 1º do artigo 217-A. Assim, consideram-se vulneráveis para
fins de aplicação do parágrafo único do artigo 225 aqueles que, por
enfermidade ou deficiência mental, não tenham discernimento ou, por
qualquer outra causa, não possam oferecer resistência.

No que concerne à Súmula 608 do STF (No crime de


estupro, praticado mediante violência real, a ação penal é pública
incondicionada), ainda se justifica sua subsistência. Seu enunciado deve
ser aplicado sempre que o estupro for praticado contra pessoa não
vulnerável e maior de 18 (dezoito) anos com violência real. A ação
passará, por conseguinte, de pública condicionada para pública
incondicionada. Esse é o entendimento de Rogério Greco, in verbis:

Em que pese a nova redação legal, entendemos ainda ser


aplicável a Súmula 608 do Supremo Tribunal Federal [...]
Dessa forma, de acordo com o entendimento de nossa Carta
Maior, toda vez que o delito de estupro for cometido com o
emprego de violência real, a ação penal será de iniciativa
pública incondicionada, fazendo, assim, letra morta as disposições
contidas no art. 225 do Código Penal, somente se exigindo a
representação do ofendido nas hipóteses em que o crime for
cometido com o emprego de grave ameaça. 31

Não obstante, já há manifestações no sentido de que a


Súmula 608 do Supremo Tribunal Federal tenha perdido sua eficácia
diante da nova lei. Nesse sentido, extrai-se da obra de Guilherme de Souza
Nucci:

Elimina-se a Súmula 608 do STF, vale dizer, em caso de estupro de


pessoa adulta, ainda que cometido com violência, a ação é
pública condicionada à representação. Lembremos ser tal Súmula
fruto de Política Criminal, com o objetivo de proteger a mulher
estuprada, com receio de alertar os órgãos de segurança, em
especial, para não sofrer preconceito e ser vítima de gracejos
inadequados.32

Quanto à ação penal (art. 225), cuida-se de norma processual


penal material, ou seja, sua aplicação provoca efeitos penais.
Submete-se, pois, ai princípio geral da retroatividade benéfica. O
primeiro efeito é a suspensão do andamento das ações penais
conduzidas pelo Ministério Público, por conseqüência da
aplicação da Súmula 608 do STF, que hoje não pode mais subsistir.
A ação era de natureza privada, segundo o antigo art. 225. O STF
interpretou ser de natureza pública incondicionada, nos casos de
estupro com violência real, fundado em política criminal. O

a norma como parte de um todo. (BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de direito penal.
v. 1. São Paulo: Saraiva, 2009. p. 160.)
31
Op. cit. p. 23.
32
Op. cit. p. 62.

23
advento da Lei 12.015/09, aplicando-se o princípio da legalidade,
afirma, categoricamente, ser ação pública condicionada à
representação. Logo, deve o magistrado, nesses casos, determinar
a intimação da vítima, a fim de colher, de imediato (não há novo
prazo de seis meses para tanto) a sua manifestação. Se pretender
a continuidade da ação penal, conduzida pelo MP, deve
formalizar a representação – ou simplesmente demonstrar
assentimento, que pode, inclusive, ser obtido tacitamente. Se não
quiser o prosseguimento da ação penal, basta negar e o juiz
deverá julgar extinta a punibilidade. Retira-se a legitimidade do
Ministério Público para prosseguir na demanda, pois a vítima não
foi consultada e a nova lei determina que assim seja feito. A
retroatividade é imperiosa, pois o art. 225 tem sérias implicações
de ordem material.33

Referido autor justifica seu posicionamento avocando o


fundamento da edição da Súmula 608, que teria sido mera política
criminal. Contudo, o enunciado em análise apenas visa a dirimir dúvidas
acerca da aplicação do disposto no artigo 101 do Código Penal (quando
a lei considera como elemento ou circunstâncias do tipo legal fato que,
por si mesmos, constituem crimes, cabe ação pública em relação àquele,
desde que, em relação a qualquer destes, se deva proceder por iniciativa
do Ministério Público) aos crimes contra os costumes (atualmente, crimes
contra a dignidade sexual). O tema sempre foi controverso na doutrina e
na jurisprudência, o que deu ensejo à referida Súmula, insuficiente à
supressão da polêmica. Vejamos:

De acordo com esta regra, o crime complexo será apurado


mediante ação pública, se um dos seus elementos constitutivos,
de per si, constituir crime de iniciativa do Ministério Público.
Grande parte da doutrina considera disposição do sobredito art.
101 desnecessária e, até mesmo, causa de interpretações
conflitantes, uma vez que o ordenamento brasileiro adota o
sistema de expressar, em cada caso, quando a ação será privada
ou pública condicionada à representação e, por exclusão,
quando será pública incondicionada.
Divide-se a doutrina e a jurisprudência quanto à aplicação dessa
regra aos crimes de estupro e de atentado violento ao pudor,
com prejuízo do disposto no art. 225, caput, do Código Penal.
Para alguns, a regra do art. 101 tem preponderância sobre a do
art. 225, asseverando que, se o crime é praticado com violência
real (isto é, não presumida), a ação será pública incondicionada;
se praticado mediante violência ficta, tem aplicação a norma do
art. 225. Este é, inclusive, o entendimento do Supremo Tribunal
Federal (Súmula 608).
Para outros, tem prevalência o art. 225, haja vista sua
especialidade em relação ao art. 101, localizado na Parte Geral
do Código Penal e aplicável a todo e qualquer crime complexo.

33
Op. cit. pags. 68-69.

24
Para uma terceira posição, além de admitir a especialidade do
art. 225 sobre o art. 101 e, por isso, derrogá-lo, este último não tem
aplicação aos crimes de estupro e de atentado violento ao
pudor, porque nenhuma dessas infrações é complexa. Tanto uma
quanto a outra compõem-se de um único fato típico: o
constrangimento ilegal, dirigido a uma finalidade especial, qual
seja, à realização da conjunção carnal ou do ato libidinoso
daquela diverso. Estes (ato libidinoso diverso da conjunção carnal
e a própria conjunção carnal) não constituem, por si sós, ilícito
algum. 34

Corroborando o entendimento de que a Súmula 608 não


é oriunda de mera política criminal, cabe transcrever excerto de decisão
proferida pelo Supremo Tribunal Federal no ano de 2005:

No mérito, impõem-se algumas considerações iniciais.


Dispõe a Súmula 608 do Tribunal que no “crime de estupro,
praticado com violência real, a ação penal é pública
incondicionada”.
Certo – na linha dos precedentes que a lastrearam -, se de um
lado também aplicável o enunciado ao delito de atentado
violento ao pudor, de outro, escapam à sua incidência material as
hipóteses de grave ameaça e de lesões corporais leves.
[…]
Não ignoro a posição, a que se alinha Damásio de Jesus, segundo
a qual a regra do art. 101 não pode ser aplicada ao delito de
estupro, “simplesmente porque o estupro não é delito complexo”.
Recorda Damásio as famosas categorias de Antolisei, para
enquadrar o estupro e o atentado violento ao pudor nos delitos
complexos em sentido amplo, que defende não existir “entre nós”:
seriam eles, pois, nada mais do que um constrangimento ilegal (C.
Penal, art. 146) com um fim específico, qual seja, a conjunção
carnal ou ato diverso dela, que não constituem, per se, infrações
penais.
Arrematam os partidários dessa corrente que, se resulta lesão
corporal grave ou morte (C. Penal, art. 223), não por incidência
do art. 101, mas porque excluídas referidas hipóteses do art. 225,
caput, o estupro ou o atentado violento ao pudor são de ação
pública incondicionada.
Nessa linha, resultando lesão corporal leve, a ação seria de
natureza privada.
Fosse assim, para manter a jurisprudência dominante do tribunal –
que, diversamente, tem como caracterizado o denominado crime
complexo na hipótese de violência real -, outra alternativa não
restaria senão o apelo explícito a fundamentos de política
criminal.
Não é preciso, contudo.
Dispõe, com efeito, o § 2º do art. 146, do C. Penal, que além das
penas cominadas ao constrangimento ilegal, se este for praticado
com violência, devem ser aplicadas as penas correspondentes
(vias de fato, lesões corporais ou morte).

34
CAPEZ, Fernando. Curso de direito penal. v. 1. São Paulo: Atlas, 2008. p. 549-550.

25
O fato constitutivo da violência, pois, não se inclui na tipificação
do constrangimento ilegal (C. Penal, art. 146, caput), como aliás
se infere da objetividade jurídica deste; mas, inclui-se ela, ao
contrário, no de estupro ou atentado violento ao pudor mediante
violência real: as formas simples englobam as vias de fato e a
lesão corporal leve (C. Penal, art. 213, caput; e art. 214. caput) e,
as qualificadas a lesão corporal grave ou a morte (C. Penal, art.
223 e parág. Único).
Não se trata, data venia, ao menos quando praticado com
violência real, de mero constrangimento ilegal com finalidade
específica, mas de delitos efetivamente complexos.35 (grifos
constantes do texto original)

Isto posto, não há sequer que se considerar a


possibilidade de estar a Súmula 608 revogada pela Lei n. 12.015/09, tendo
em vista que os motivos ensejadores de sua edição persistem. O estupro
(agora abrangendo a prática de conjunção carnal ou outro ato
libidinoso) com resultado lesões corporais graves ou morte continua a
caracterizar crime complexo, o que, tendo em vista o disposto no artigo
101 do Código Penal, permite que o Ministério Público promova a ação
penal, independentemente de representação. É desarrazoado sustentar
que todas as ações penais promovidas pela Ministério Público em caso de
estupro ou atentado violento ao pudor praticado com violência real
contra pessoa maior de 18 (dezoito) anos e que não se encaixa no
conceito de vulnerável devam ser suspensas.

A questão, reconhecemos, é polêmica e será fruto de


muita discussão.

Importante destacar que se trata de norma de caráter


essencialmente material, pois repercute diretamente no direito de punir do
Estado. Ao tratar da ação penal pública condicionada à representação,
Fernando Capez esclarece que:

Apesar de sua natureza eminentemente processual (condição


especial da ação), aplicam-se a ela as regras de direito material
intertemporal, haja vista sua influência sobre o direito de punir do
Estado, de natureza inegavelmente substancial, porquanto o não-
exercício do direito de representação no prazo legal acarreta a
extinção da punibilidade do agente pela decadência (CP, art.
107, IV).36

No mesmo diapasão, extrai-se da obra de Rogério


Sanches Cunha:

35
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Habeas Corpus 86.058-3/RJ, Relator Ministro Sepúlveda
Pertence, julgado em 25/10/2005. Disponível em www.stf.jus.br Acesso em 4 set. 2009.
36
Op. cit. p. 532.

26
Entendemos, com o devido respeito, que a ação penal, para os
casos praticados antes da vigência da nova lei, deve continuar
sendo privada (queixa-crime), vez que, do contrário, estar-se-ia
subtraindo inúmeros institutos extintivos da punibilidade do
acusado (ex.: renúncia, perdão do ofendido, perempção etc.). A
mudança da titularidade da ação penal é matéria de processo
penal, mas conta com reflexos penais imediatos. Daí a imperiosa
necessidade de tais normas (processuais, mas com reflexos penais
diretos) seguirem a mesma orientação jurídica das normas penais.
Quando a inovação é desfavorável ao réu, não retroage. 37

Deve-se, portanto, respeitar o que estabelece o artigo 5º,


XL, da Constituição Federal (a lei penal não retroagirá, salvo para
beneficiar o réu), bem como o artigo 2º do Código Penal, em especial,
seu parágrafo único (a lei posterior que, de qualquer modo, favorecer o
agente, aplica-se aos fatos anteriores, ainda que decididos por sentença
condenatória transitada em julgado).

Ocorre que a possibilidade de o disposto no artigo 225 do


Código Penal retroagir dependerá da interpretação que se der à nova
redação legal, inclusive quanto à aplicabilidade da Súmula 608, sobre a
qual já se discorreu. Diante dos argumentos apresentados, entende-se que
a nova norma é prejudicial ao réu e, portanto, só deve ser aplicada aos
crimes cometidos após a entrada em vigor da Lei n. 12.015/09.

Favorecimento da prostituição ou outra forma de exploração


sexual
Art. 228. Induzir ou atrair alguém à prostituição ou outra forma de
exploração sexual, facilitá-la, impedir ou dificultar que alguém a
abandone:
Pena - reclusão, de 2 (dois) a 5 (cinco) anos, e multa.
§ 1º Se o agente é ascendente, padrasto, madrasta, irmão,
enteado, cônjuge, companheiro, tutor ou curador, preceptor ou
empregador da vítima, ou se assumiu, por lei ou outra forma,
obrigação de cuidado, proteção ou vigilância:
Pena - reclusão, de 3 (três) a 8 (oito) anos.
[...]

Sabe-se que a prostituição é fato atípico, indiferente ao


Direito Penal; contudo, a lei pune aqueles que estimulam a existência do
comércio carnal, com ou sem finalidade de lucro.

37
CUNHA, Rogério Sanches; GOMES, Luiz Flavio; MAZZUOLI, Valerio de Oliveira.
Comentários à reforma criminal de 2009 e à Convenção de Viena sobre o Direito dos
Tratados. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2009. p. 63.

27
O legislador incluiu no artigo 228 o termo “exploração
sexual”, criminalizando um rol maior de condutas. No que concerne à
diferença entre prostituição e exploração sexual, extrai-se da obra de
Guilherme de Souza Nucci:

Afinal, prostituir-se significa entregar-se à devassidão e á corrupção


moral, relacionando-se sexualmente com alguém em troca de
dinheiro ou outra vantagem. Cuida-se de conduta visivelmente
habitual, que exige regularidade. Não se pode sustentar haver
prostituição se, em uma única ocasião, alguém se relaciona
sexualmente em troca de alguma recompensa. Por outro lado, a
exploração sexual não exige esse caráter duradouro. 38

Em sentido diverso, mas ainda considerando o termo


exploração sexual mais amplo que prostituição:

A exploração sexual, de acordo com o primoroso estudo de Eva


Faleiros, pode ser definida como uma dominação e abuso do
corpo de crianças, adolescentes e adultos (oferta), por
exploradores sexuais (mercadores), organizados, muitas vezes, em
rede de comercialização local e global (mercado), ou por pais ou
responsáveis, e por consumidores de serviços sexuais pagos
(demanda), admitindo quatro modalidades:
a) prostituição – atividade na qual atos sexuais são negociados
em troca de pagamento, não apenas monetário;
b) turismo sexual – é o comércio sexual, bem articulado, em
cidades turísticas, envolvendo turistas nacionais e estrangeiros e
principalmente mulheres jovens, de setores excluídos de Países de
Terceiro Mundo;
c)pornografia – produção, exibição, distribuição, venda, compra,
posse e utilização de material pornográfico, presente também na
literatura, cinema, propaganda etc.; e
d) tráfico para fins sexuais – movimento clandestino e ilícito de
pessoas através de fronteiras nacionais, com o objetivo de forçar
mulheres e adolescentes a entrar em situações sexualmente
opressoras e exploradoras, para lucro dos aliciadores, traficantes.
39

A mudança mais significativa, entretanto, foi a figura


qualificada prevista no § 1º, muito mais abrangente do que a redação
anterior. Cuida-se de rol exaustivo, que não permite interpretação
analógica a fim de aplicar pena maior ao acusado.

38
NUCCI, Guilherme de Souza. Leis penais e processuais penais comentadas. São Paulo:
Editora Revista dos Tribunais, 2009. p. 275.
39
CUNHA, Rogério Sanches; GOMES, Luiz Flavio; MAZZUOLI, Valerio de Oliveira.
Comentários à reforma criminal de 2009 e à Convenção de Viena sobre o Direito dos
Tratados. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2009. p. 65-66.

28
Casa de prostituição
Art. 229. Manter, por conta própria ou de terceiro,
estabelecimento em que ocorra exploração sexual, haja, ou não,
intuito de lucro ou mediação direta do proprietário ou gerente:
[...]

Inicialmente, necessário mencionar que, a despeito da


alteração realizada no texto do artigo 229, o nomen juris “casa de
prostituição” foi mantido, aparentemente por esquecimento do legislador.

A manutenção de lugar destinado a encontros para fim


libidinoso, que constava da antiga redação do artigo em comento, é
agora fato atípico, atendendo ao princípio da adequação social. De fato,
a doutrina já entendia que referido dispositivo deveria ser interpretado
restritivamente. Nesse sentido, manifesta-se Cezar Roberto Bitencourt:

Embora a lei se refira genericamente a “ou lugar destinado a


encontros para fim libidinoso”, deve-se interpretar restritivamente,
como outro local para encontro de prostituição, adequando-se
ao nomes iuris do tipo penal.40

O legislador alterou, ainda, a redação do artigo 229 para


encerrar discussão que impedia a responsabilização de proprietários de
estabelecimentos em que a prática de atividades ligadas à prostituição e
à exploração sexual era comum, mas não a única realizada. Entendia-se
que:

Para a configuração do delito do art. 229 do Código Penal, em se


tratando de comércio relativo a bar, ginástica etc., é necessária a
transformação do estabelecimento em local exclusivo de
prostituição.41

Com a nova redação, basta que a exploração sexual


ocorra no estabelecimento, sem que haja destinação específica para
tanto ou finalidade de lucro. Nesse sentido:

A lei penal, agora, faz menção a estabelecimento em que ocorra


a exploração sexual. A exploração sexual pode ser lucrativa ou
não, isto é, pode ser um local destinado especificamente ao
comércio do corpo, como acontece com os bordéis, casas de
prostituição, o rendez-vous, boites de stripteases etc, mas
qualquer outro, mesmo que não ocorra finalidade lucrativa, para
as pessoas que se deixam explorar sexualmente.42

40
BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de direito penal. v. 4. São Paulo: Saraiva, 2009. p.
69.
41
Idem. p. 70.
42
GRECO, Rogério. Adendo. Lei nº 12.015/2009: Dos crimes contra a dignidade sexual.
Niterói/RJ: Impetus, 2009. p. 138.

29
A profunda inovação introduzida pela Lei 12.015/2009 foi substituir
casa de prostituição ou lugar destinado a encontro para fins
libidinosos por estabelecimento em que ocorra a exploração
sexual, expressão muito mais pertinente (para o fim de
incriminação da conduta), permitindo abranger não só os
prostíbulos, mas qualquer espaço que venha a servir de abrigo
habitual para a prática de comportamentos contra a dignidade
sexual de alguém, ou seja, comportamentos que denotem
“exploração” sexual. 43

Tendo em vista a redação legal, poderíamos entender como


típica a conduta daquele que mantém um motel?
Sob a vigência da redação anterior, embora houvesse
divergência doutrinária e jurisprudencial, a maioria se posicionava
no sentido de não entender como típica a manutenção de
motéis. Hoje, após a modificação levada a efeito pela Lei nº
12.015, de 7 de agosto de 2009, somente se ficar demonstrado
que o estabelecimento hoteleiro destinava-se a exploração
sexual, o que não é incomum em determinadas regiões do país, o
fato poderá amoldar-se à definição constante do art. 229 do
Código Penal.44

É necessário, contudo, que haja habitualidade, tendo em


vista que a expressão manter traz a conotação de persistência no tempo,
de comportamento reiterado. Nesse diapasão, Nucci esclarece que
manter quer dizer sustentar, fazer permanecer ou conservar, o que
fornece a nítida visão de algo habitual ou freqüente 45.

Cabe lembrar que o legislador confirmou entendimento


recentemente amparado pelo Superior Tribunal de Justiça, refutando os
argumentos embasados na aceitação social da casa de prostituição,
como segue:

RECURSO ESPECIAL. PENAL. CASA DE PROSTITUIÇÃO. TIPICIDADE.


EVENTUAL LENIÊNCIA SOCIAL OU MESMO DAS AUTORIDADES
PÚBLICAS E POLICIAIS NÃO DESCRIMINALIZA A CONDUTA
DELITUOSA LEGALMENTE PREVISTA. PARECER DO MPF PELO
PROVIMENTO DO RECURSO. RECURSO PROVIDO PARA,
RECONHECENDO COMO TÍPICA A CONDUTA PRATICADA PELOS
RECORRIDOS, DETERMINAR O RETORNO DOS AUTOS AO JUIZ DE
PRIMEIRO GRAU PARA QUE ANALISE A ACUSAÇÃO, COMO
ENTENDER DE DIREITO.
1. O art. 229 do CPB tipifica a conduta do recorrido, ora
submetida a julgamento, como sendo penalmente ilícita e a

43
CUNHA, Rogério Sanches; GOMES, Luiz Flavio; MAZZUOLI, Valerio de Oliveira.
Comentários à reforma criminal de 2009 e à Convenção de Viena sobre o Direito dos
Tratados. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2009. p. 69.
44
Idem. p. 145.
45
NUCCI, Guilherme de Souza. Código Penal comentado. São Paulo: Saraiva, 2007. p. 852.

30
eventual leniência social ou mesmo das autoridades públicas e
policiais não descriminaliza a conduta delituosa.
2. A Lei Penal só perde sua força sancionadora pelo advento de
outra Lei Penal que a revogue; a indiferença social não é
excludente da ilicitude ou mesmo da culpabilidade, razão pela
qual não pode ela elidir a disposição legal.
3. O MPF manifestou-se pelo provimento do recurso.
4. Recurso provido para, reconhecendo como típica a conduta
praticada pelos recorridos, determinar o retorno dos autos ao Juiz
de primeiro grau para que analise a acusação, como entender
de direito. 46 (grifamos)

Portanto, não obstante o legislador tenha excluído do


tipo penal a manutenção de lugar destinado a encontros para fim
libidinoso, continua a ser crime manter estabelecimento em que ocorra
exploração sexual (seja a “casa de prostituição” ou outro
estabelecimento).

Rufianismo
Art. 230. [...]
§ 1º Se a vítima é menor de 18 (dezoito) e maior de 14 (catorze)
anos ou se o crime é cometido por ascendente, padrasto,
madrasta, irmão, enteado, cônjuge, companheiro, tutor ou
curador, preceptor ou empregador da vítima, ou por quem
assumiu, por lei ou outra forma, obrigação de cuidado, proteção
ou vigilância:
Pena - reclusão, de 3 (três) a 6 (seis) anos, e multa.
§ 2º Se o crime é cometido mediante violência, grave ameaça,
fraude ou outro meio que impeça ou dificulte a livre
manifestação da vontade da vítima:
Pena - reclusão, de 2 (dois) a 8 (oito) anos, sem prejuízo da pena
correspondente à violência.

A Lei n. 12.015/09 deu nova redação apenas às figuras


qualificadas, previstas nos §§ 1º e 2º do artigo 230. O § 1º incluiu o fato de
ser a vítima menor de 18 (dezoito) e maior de 14 (catorze) anos, além de
ampliar o rol anterior, de forma semelhante ao que ocorreu com o artigo
228. Frise-se que, quanto à idade da vítima, deve constar dos autos prova
documental e é necessário que o agente tivesse ciência dessa
circunstância, sob pena de incorrer em erro de tipo.

No tocante ao § 2º, o legislador introduziu como


qualificadora a fraude ou outro meio que impeça ou dificulte a livre
manifestação da vítima, além do emprego de violência ou grave
ameaça, que já estava previsto na redação anterior.

46
Recurso Especial n° 020406/RS, Relator Ministro Arnaldo Esteves Lima, julgado em
05/03/2009.

31
Tráfico internacional de pessoa para fim de exploração sexual
Art. 231. Promover ou facilitar a entrada, no território nacional, de
alguém que nele venha a exercer a prostituição ou outra forma
de exploração sexual, ou a saída de alguém que vá exercê-la no
estrangeiro.
Pena - reclusão, de 3 (três) a 8 (oito) anos.
§ 1º Incorre na mesma pena aquele que agenciar, aliciar ou
comprar a pessoa traficada, assim como, tendo conhecimento
dessa condição, transportá-la, transferi-la ou alojá-la.
§ 2º A pena é aumentada da metade se:
I - a vítima é menor de 18 (dezoito) anos;
II - a vítima, por enfermidade ou deficiência mental, não tem o
necessário discernimento para a prática do ato;
III - se o agente é ascendente, padrasto, madrasta, irmão,
enteado, cônjuge, companheiro, tutor ou curador, preceptor ou
empregador da vítima, ou se assumiu, por lei ou outra forma,
obrigação de cuidado, proteção ou vigilância; ou
IV - há emprego de violência, grave ameaça ou fraude.
§ 3º Se o crime é cometido com o fim de obter vantagem
econômica, aplica-se também multa.

Novamente, o legislador tornou o tipo penal mais


abrangente, utilizando o termo “exploração sexual”. Ademais, o § 1º passa
a punir também quem agencia, alicia, compra, transporta, transfere ou
aloja pessoa traficada para fim de exploração sexual.

A nova redação substituiu as figuras qualificadas pelas


causas de aumento de pena previstas no § 2º, em razão da ausência de
discernimento da vítima (pela idade ou enfermidade mental), da
qualidade do agente (da qual se prevalece) ou do emprego de violência,
grave ameaça ou fraude.

Aplicar-se-á pena de multa apenas quando o crime for


praticado visando à obtenção de vantagem econômica (§ 3º).

Cabe lembrar que se trata de crime de competência da


Justiça Federal, nos termos do que dispõe o artigo 109, V, da Carta
Magna.

Tráfico interno de pessoa para fim de exploração sexual


Art. 231-A. Promover ou facilitar o deslocamento de alguém
dentro do território nacional para o exercício da prostituição ou
outra forma de exploração sexual:
Pena - reclusão, de 2 (dois) a 6 (seis) anos.
§ 1º Incorre na mesma pena aquele que agenciar, aliciar, vender
ou comprar a pessoa traficada, assim como, tendo

32
conhecimento dessa condição, transportá-la, transferi-la ou alojá-
la.
§ 2º A pena é aumentada da metade se:
I - a vítima é menor de 18 (dezoito) anos;
II - a vítima, por enfermidade ou deficiência mental, não tem o
necessário discernimento para a prática do ato;
III - se o agente é ascendente, padrasto, madrasta, irmão,
enteado, cônjuge, companheiro, tutor ou curador, preceptor ou
empregador da vítima, ou se assumiu, por lei ou outra forma,
obrigação de cuidado, proteção ou vigilância; ou
IV - há emprego de violência, grave ameaça ou fraude.
§ 3º Se o crime é cometido com o fim de obter vantagem
econômica, aplica-se também multa.

Figura semelhante à do artigo 231, mas praticada dentro


do território nacional. O legislador incluiu o § 1º, que pune quem agencia,
alicia ou compra a pessoa traficada, bem como quem a transporta,
transfere ou aloja, ciente da condição em que se encontra a vítima. O §
2º estabelece causas de aumento de pena idênticas às do artigo 231.

Com advento da nova lei, aplicar-se-á pena de multa


apenas quando se tratar de tráfico interno mercenário (§ 3º).

Aumento de pena
Art. 234-A. Nos crimes previstos neste Título a pena é aumentada:
I – (VETADO);
II – (VETADO);
III - de metade, se do crime resultar gravidez; e
IV - de um sexto até a metade, se o agente transmite à vitima
doença sexualmente transmissível de que sabe ou deveria saber
ser portador.

O legislador inovou ao prever como causas de aumento


de pena a gravidez e a transmissão de doença sexualmente transmissível.
No primeiro caso, o artigo 128, II, do Código Penal, permite a prática de
aborto. Assim, a conduta do estuprador, além de causar um mal atroz à
mulher, pode também atingir outra vítima - o feto -, justificando-se o
aumento de metade da pena.

No que concerne à transmissão de doença sexualmente


transmissível, será necessária a comprovação mediante exame pericial.
Importante destacar que só será aumentada a pena caso o agente
tivesse ou devesse ter ciência de que era portador de doença
sexualmente transmissível à época da prática dos atos. Pode gerar
discussões a interpretação das expressões contidas no inciso mencionado
(sabe ou deva saber ser portador), se seriam indicativas apenas de dolo

33
(direto e eventual) ou também de culpa. Sobre o tema, Rogério Greco
afirma que:

Com a devida vênia das posições em contrário, devemos


entender que as expressões de que sabe ou deva saber portador
dizem respeito ao fato de ter o agente atuado, no caso concreto,
com dolo direto ou mesmo com dolo eventual, mas não com
culpa.
Merece ser frisado, ainda, que, quando a lei menciona que o
agente sabia ou devia saber ser portador de uma doença
sexualmente transmissível está se referindo, especificamente, a
esse fato, ou seja, ao conhecimento efetivo ou possível da
contaminação, e não ao seu elemento subjetivo no momento do
ato sexual, ou seja, não importa saber, para se aplique a causa
de aumento de pena em estudo, se o agente queria ou não a
transmissão da doença, mas tão somente se, anteriormente ao
ato sexual, sabia ou poderia saber que dela era portador. 47

Destarte, não é necessário que o agente deseje que a


vítima seja contaminada, mas apenas que tenha conhecimento de que
era portador de doença que poderia ser transmitida pela conjunção
carnal ou prática de outro ato libidinoso.

Art. 234-B. Os processos em que se apuram crimes definidos neste


Título correrão em segredo de justiça.

A partir do advento da nova lei, todos os processos em


que se apuram crimes contra os costumes (previstos no Título VI) correrão
em segredo de justiça. Trata-se de norma processual e, portanto, de
aplicação imediata.

Referido dispositivo visa a adequar o Código Penal às


recentes alterações promovidas no Código de Processo Penal, como
destaca Guilherme de Souza Nucci:

Não há artigo anterior para contraste com a nova disposição do


art. 234-B. Entretanto, pode-se salientar a harmonia existente entre
esse preceito e o disposto no art. 201, § 6º, do Código de Processo
Penal, após a redação dada pela Lei 11.690/2008: “o juiz tomará
as providências necessárias à preservação da intimidade, vida
privada, honra e imagem do ofendido, podendo, inclusive,
determinar o segredo de justiça em relação aos dados,
depoimentos e outras informações constantes dos autos a seu
respeito para evitar sua exposição aos meios de comunicação”. 48

47
Op. cit. pags. 22-23.
48
NUCCI, Guilherme de Souza. Crimes contra a dignidade sexual : comentários à lei
12.015, de 7 de agosto de 2009. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2009. p. 99.

34
Lei de Crimes Hediondos

A Lei n. 12.015/09 alterou ainda a redação do artigo 1º da


Lei n. 8.072/90 (Lei de Crimes Hediondos), passando a constar:

Art. 1o São considerados hediondos os seguintes crimes, todos


tipificados no Decreto-Lei no 2.848, de 7 de dezembro de 1940 -
Código Penal, consumados ou tentados:
I - homicídio (art. 121), quando praticado em atividade típica de
grupo de extermínio, ainda que cometido por um só agente, e
homicídio qualificado (art. 121, § 2o, I, II, III, IV e V);
II - latrocínio (art. 157, § 3o, in fine);
III - extorsão qualificada pela morte (art. 158, § 2o);
IV - extorsão mediante seqüestro e na forma qualificada (art. 159,
caput, e §§ lo, 2o e 3o);
V - estupro (art. 213, caput e §§ 1o e 2o);
VI - estupro de vulnerável (art. 217-A, caput e §§ 1o, 2o, 3o e 4o);
VII - epidemia com resultado morte (art. 267, § 1o).
VII-A – (VETADO)(grifamos.)

Assim, estão encerradas as discussões quanto à


hediondez do estupro na modalidade fundamental, haja vista a nova
redação do inciso V, e foi inserida a figura do estupro de vulnerável (artigo
217-A). O legislador, todavia, não atentou para a redação do artigo 9º,
qual seja:

Art. 9º As penas fixadas no art. 6º para os crimes capitulados nos


arts. 157, § 3º, 158, § 2º, 159, caput e seus §§ 1º, 2º e 3º, 213, caput
e sua combinação com o art. 223, caput e parágrafo único, 214
e sua combinação com o art. 223, caput e parágrafo único,
todos do Código Penal, são acrescidas de metade, respeitado o
limite superior de trinta anos de reclusão, estando a vítima em
qualquer das hipóteses referidas no art. 224 também do Código
Penal.

A partir do advento da Lei n. 12.015/09, não será possível


a aplicação de causa de aumento de pena quando os crimes arrolados
no artigo 9º da Lei n. 8.072/90 forem praticados contra vítimas na situação
do artigo 224 do Código Penal, tendo em vista sua revogação expressa.
Tratando-se de norma penal mais benigna, deve retroagir para favorecer
aqueles que tiveram suas penas aumentadas na forma do artigo
mencionado. Nesse sentido:

A Lei 8.072/90, em seu art. 9.º, determina que as penas previstas


para prática dos crimes de latrocínio, extorsão qualificada pela
morte, extorsão mediante seqüestro, estupro e do atentado
violento ao pudor, em todas as duas formas, sejam aumentadas

35
da metade quando a vítima encontrar-se em qualquer das
hipóteses referidas no art. 224 do CP. Com a revogação deste
dispositivo, parece clara a conclusão de que referida majorante
também foi abolida.
[…]
Havendo violência real, dispensava-se a presunção do art. 224,
respondendo o agente pelo crime do art. 2134 ou 214, conforme
a conduta, majorado de ½ de acordo com determinação
prevista no art. 9º da Lei dos Crimes Hediondos, gerando uma
baliza punitiva de 9 a 15 anos. A nova pena é mais benéfica (8 a
15 anos), retroagindo (art. 2º, parágrafo único, do CP). 49

Estatuto da Criança e do Adolescente

A Lei em apreço revogou ainda a Lei n. 2.252, de 1º de


julho de 1954, que previa o crime de corrupção de menores, criando, em
substituição, o artigo 244-B no Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei
n. 8.090/90):

Art. 244-B. Corromper ou facilitar a corrupção de menor de 18


(dezoito) anos, com ele praticando infração penal ou induzindo-o
a praticá-la:

Pena - reclusão, de 1 (um) a 4 (quatro) anos.


§ 1o Incorre nas penas previstas no caput deste artigo quem
pratica as condutas ali tipificadas utilizando-se de quaisquer meios
eletrônicos, inclusive salas de bate-papo da internet.
§ 2o As penas previstas no caput deste artigo são aumentadas
de um terço no caso de a infração cometida ou induzida estar
incluída no rol do art. 1o da Lei no 8.072, de 25 de julho de 1990.

Não obstante não exista mais a rubrica “corrupção de


menores”, a redação do novo artigo é muito semelhante à do diploma
legal revogado, visando a evitar a inicialização da criança ou do
adolescente na criminalidade, corrompendo sua formação moral.

Infelizmente, o legislador perdeu a oportunidade de pôr


fim à discussão doutrinária e jurisprudencial no tocante à necessidade de
efetivamente corromper a vítima. Sobre o tema:

É crime comum (pode ser praticado por qualquer pessoa);


material (depende da ocorrência de efetivo prejuízo para o menor
de 18 anos); de forma livre (pode ser cometido por qualquer meio
eleito pelo agente); comissivo (os verbos indicam ações);
instantâneo (a consumação ocorre em um momento definido);
49
CUNHA, Rogério Sanches; GOMES, Luiz Flavio; MAZZUOLI, Valerio de Oliveira.
Comentários à reforma criminal de 2009 e à Convenção de Viena sobre o Direito dos
Tratados. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2009. p. 50-51.

36
unissubjetivo (pode ser cometido por uma só pessoa);
plurissubsistente (cometido por mais de um ato); admite tentativa,
embora de difícil configuração.50 (grifamos)

Discute-se se o crime de corrupção de menores é formal ou


material, ou seja, se a sua consumação ocorre com a simples
prática da infração pelo menor, ou se é necessária ainda sua
corrupção ou possibilidade de corrupção.
[…]
Sem embargo da divergência doutrinária e jurisprudencial acima
apontada, cremos que o delito é material (na conduta de
corromper) e formal (na conduta de facilitar a corrupção). Na
primeira forma o delito somente se aperfeiçoa com a efetiva
corrupção do menor; na segunda hipótese ele se consuma com a
possibilidade concreta, real de corrupção do menor, ainda que
ela não efetivamente ocorra.
O tipo penal exige, alternativamente, que o menor fique
corrompido ou ao menos tenha facilitada a sua corrupção em
razão da prática infracional. Se não ocorrer nenhum desses
resultados jurídicos não há que se falar no delito de corrupção de
menores. A corrupção ou a possibilidade concreta de corrupção
precisa ocorrer, caso contrário o fato é atípico.51

No entanto, atendendo ao que dispõe a Doutrina da


Proteção Integral e observando a condição peculiar de ser humano em
desenvolvimento, afigura-se mais adequada a prescindibilidade da prova
de efetiva corrupção da criança ou do adolescente. Era esse, inclusive, o
entendimento do Supremo Tribunal Federal a respeito do tema, vejamos:

Habeas corpus. Penal. Paciente condenado pelos crimes de


roubo (art. 157 do Código Penal) e corrupção de menor (art. 1º da
Lei nº 2.252/54). Menoridade assentada nas instâncias ordinárias.
Crime formal. Simples participação do menor. Configuração. 1. As
instâncias ordinárias assentaram a participação de um menor no
roubo praticado pelo paciente. Portanto, não cabe a esta
Suprema Corte discutir sobre a menoridade já afirmada. 2. Para a
configuração do crime de corrupção de menor, previsto no art. 1º
da Lei nº 2.252/54, é desnecessária a comprovação da efetiva
corrupção da vítima por se tratar de crime formal que tem como
objeto jurídico a ser protegido a moralidade dos menores. 3.
Habeas corpus denegado. 52

Muito embora não houvesse necessidade, pois se trata


de crime de forma livre, o legislador estabeleceu ainda que as condutas

50
NUCCI, Guilherme de Souza. Leis penais e processuais penais comentadas. São Paulo:
Editora Revista dos Tribunais, 2009. p. 231.
51
CUNHA, Rogério Sanches; GOMES, Luiz Flávio (org.). Legislação criminal especial. São
Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2009. p. 150-153.
52
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Habeas Corpus 92014/SP, Relator Ministro Ricardo
Lewandowski, julgado em 02/09/2008.

37
elencadas no artigo em estudo podem ser praticadas com a utilização de
quaisquer meios eletrônicos (§ 1º). Ademais, estabeleceu aumento de
pena caso a infração cometida esteja dentre as previstas na Lei de Crimes
Hediondos (§ 2º).

Assim, ressaltando a ausência de qualquer caráter


vinculativo, são essas as principais considerações a respeito das alterações
promovidas pela Lei n. 12.015/09. Salientamos que o presente estudo visa
apenas a elucidar as dúvidas oriundas da modificação legal, não se
atendo a questões já suficientemente debatidas na doutrina e nos
Tribunais pátrios.

Florianópolis, 14 de setembro de 2009.

César Augusto Grubba Onofre José Carvalho Agostini


Promotor de Justiça Promotor de Justiça
Coordenador-Geral Coordenador

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